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Do concurso de pessoas nos crimes dolosos contra a vida

Do concurso de pessoas nos crimes dolosos contra a vida

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Há diversas modalidades de concurso de pessoas: autoria, co-autoria, autoria mediata, autoria colateral, participação, a qual se divide em cumplicidade, instigação, auxílio e induzimento, dando ao tema uma vasta variedade de aplicabilidade prática.

1 INTRODUÇÃO

A presente pesquisa objetiva um estudo aprofundado acerca do concurso de pessoas, mais especificamente da aplicação deste instituto jurídico, nos crimes dolosos contra a vida, a fim de possibilitar um conhecimento amplo sobre a aplicação deste.

Para tanto, realizar-se-á uma abordagem geral do Direito Penal, passando pelo estudo de um breve histórico desse sistema jurídico no mundo e em nosso país, para então dissertar de forma simples e concisa sobre a teoria do crime e suas peculiaridades.

Também será dedicado um capítulo ao estudo da definição dos crimes culposos e dolosos, onde será verificada a posição da doutrina quando aos conceitos, elementos e teorias atinentes ao referido assunto.

Mais adiante, em capítulo próprio, será realizado um estudo aprofundado sobre o concurso de pessoas ou concurso de agentes, momento este em que serão analisadas todas as questões que envolvem o mesmo, tais como o conceito deste, as teorias que procuram delimitá-lo e explicá-lo, os requisitos necessários para a sua configuração, as diversas modalidades de concurso de agentes, a aplicabilidade destes nos crimes culposos e dolosos.

Após realizado todo este estudo no que refere-se ao concurso de pessoas, o objeto de análise passa a atingir o tema principal da presente pesquisa, qual seja, do Concurso de Pessoas nos Crimes Dolosos Contra a Vida, aplicando-o em cada um dos delitos dessa natureza, onde será comparado o entendimento dos doutrinadores, que em determinados casos, como será possível constatar, acabam por ser antagônicos entre si.

Já no momento que direciona a pesquisa para a parte final, estudar-se-á um dos pontos mais importantes, se não o mais importante do concurso de pessoas, consistente na aplicação da pena, e as hipóteses em que ocorrerá diminuição na pena em razão da ocorrência da participação de menor importância e da cooperação dolosamente distinta, situações estas que exigem do julgador uma minuciosa análise dos autos a fim de possibilitar a aplicação de uma pena justa aos agentes que infringiram a lei penal.

O último capítulo destina-se exclusivamente a questões que envolvem o julgamento dos agentes nos casos de crimes contra a vida, julgamento este que se dá por meio do Tribunal do Júri e que, por conseguinte, em determinadas situações acarreta a aplicação de pena distintas entre os agentes que participaram do mesmo delito.

É com base neste ponto que foi desenvolvida a presente pesquisa, visando se chegar a uma resposta dos motivos e circunstâncias que ensejam a aplicação de pena diversa entre os agentes que cometeram o mesmo delito, estudo este que, possibilitará um conhecimento teórico sobre o assunto proposto, e em conseqüência disso, uma maior facilidade de assimilação do tema à aplicação prática do mesmo.


2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO PENAL E DA TEORIA DO CRIME

Com o objetivo de realizar uma abordagem de forma e aprofundada, faz-se necessário um breve estudo da evolução histórica do Direito Penal, para somente então ser direcionada a pesquisa para o tema principal, qual seja o concurso de agentes nos crimes dolosos contra a vida.

2.1 CONSIDERAÇÕES HISTÓRICAS DO DIREITO PENAL

Não se pode negar que o crime faz parte da humanidade desde o surgimento dos primeiros agrupamentos humanos, de modo que é possível afirmar, que, assim como a propriedade é inerente ao homem, o crime é inerente à humanidade.

Em conseqüência de tal fato, sua evolução histórica remonta ao período primitivo e Idade Antiga, passando posteriormente por demais períodos históricos da humanidade até chegar aos dias atuais.

Prado (2006, p. 64), afirma que:

"A história do Direito Penal reflete o estado social e as idéias que o caracterizam. As etapas da evolução da justiça punitiva podem ser assim resumidas: "a) Primeira época. Crimen é atentado contra os deuses. Pena, meio de aplacar a cólera divina; b) Segunda época. Crimen é agressão violenta de uma tribo contra outra. Pena, vingança de sangue de tribo a tribo; c) Terceira época: Crimen é transgressão da ordem jurídica estabelecida pelo poder do Estado. Pena é a reação do Estado contra a vontade individual oposta à sua. Ou ainda, apresentam-se como uma concepção bárbara, na qual os delitos são divididos em delitos públicos, punidos com penas corporais cruéis, e delitos privados, perseguidos e reprimidos pela vítima ou sua família, uma concepção teocrática, na qual o delito sempre é um atentado à ordem religiosa; e, finalmente, uma concepção política, na qual o delito é considerado como uma lesão da ordem social e a pena como um meio de preveni-la e repará-la".

Pois bem, como mencionado acima, a questão do Direito Penal e as punições decorrentes da transgressão de determinada norma, sempre esteve relacionado com questões religiosas, razão pela qual, no princípio da evolução histórica, a mística e superstição quase que dominavam o Direito Penal, vez que os fenômenos naturais eram vistos como castigos oriundos das divindades em repressão aos crimes cometidos.

Em outro período, foi adotada a vingança privada, onde o homem passou a fazer justiça com suas próprias mãos, de modo que, retribuía o mal recebido com brutalidade desproporcional. Período este em que o Direito Penal consistia na autotutela, a qual, em razão da desproporcionalidade da forma de punição, era resumida em vingança. Em síntese, Bonfim e Capez (2004, p.43), ensinam que:

"Quando a infração era cometida por um membro do próprio grupo, a punição, em regra, era o banimento, conhecido como perda da paz, fazendo com que o infrator ficasse desprotegido, à mercê de tribos rivais. Se a ofensa fosse praticada por alguém estranho à tribo, a punição seria a vingança contra todo o seu clã, incidindo inclusive sobre pessoas inocentes. Era uma vingança violenta e quase sempre desmesurada".

Mais recentemente, a sanção penal deixou de consistir em vingança privada e passou a ser tratada como um instrumento de manutenção da hierarquia e da ordem, as suas normas e regras de condutas eram baseadas nos costumes, na moral, hábitos, crenças, magias e temores, sendo um Direito Penal arbitrário, de modo que a aplicação da sanção dependia da vontade e do humor dos lideres da tribo.

Tratava-se de uma espécie de Direito Penal calcada na retribuição, que não levava em conta as idéias de humanidade, proporcionalidade, e personalidade, sendo que, para a aplicação da sanção, bastava a existência do nexo causal entre a conduta do agente e o resultado.

Em decorrência da evolução da sociedade, e ainda visando evitar o fim das tribos em decorrência da vingança de sangue, surge a Lei de Talião, a qual determinava uma reação proporcional ao mal praticado, e isso se tem por base com a expressão conhecida: "olho por olho, dente por dente", o maior exemplo de tratamento igualitário entre o infrator e a vítima, e, portanto é considerada a primeira forma de humanização da sanção penal.

Em decorrência desse princípio, grande número de pessoas que sofriam a perda de membros, sentido ou função se tornou um dilema na sociedade, e de com o objetivo de sanar este problema surge a denominada composição, consistentenum sistema no qual o infrator comprava sua liberdade, livrando-se do castigo que então seria aplicado.

Já, no último estágio de evolução da história do Direito Penal, ocorre o surgimento da pena pública, ou vingança pública, período em que o objetivo da repressão criminal era a segurança do soberano ou monarca, por meio da sanção penal, a qual mantinha um caráter de crueldade e severidade, com o fim intimidatório.

Acerca deste período, Dotti (2005, p. 125-126), afirma que:

"Os escritores consideram alguns marcos bem característicos dessa evolução: a) o crime representa um atentado contra os deuses e a pena é a resposta para aplacar a ira da divindade ofendida; b) o crime é uma violenta agressão de uma tribo contra a outra; c) o crime é a transgressão da ordem jurídica estabelecida pelo poder do Estado e a pena é a reação contra esta vontade antagônica".

Como se constata dessa simples análise da evolução histórica do Direito Penal, o Estado somente conseguiu reprimir as guerras entre famílias por meio de um lento processo de evolução, o qual, sem a contribuição da composição não seria possível.

Porém, este Estado que limita a liberdade individual de punir e ainda proíbe a vingança privada, acaba por se tornar um novo sistema repressivo, tendo em vista que surge a pena de natureza aflitiva com cunho de expiação, visando à exemplaridade. É o tempo em que o poder público passa a assumir a titularidade exclusiva da sanção contra o delito e passa a exercer o denominado jus puniendi com as mais variadas formas de sanção.

A partir deste momento, estudar-se-á, de forma sintética a evolução do sistema penal, onde será abordado o Direito Penal Romano, Germânico, Canônico, para então ser analisada a história do Direito Penal brasileiro.

Conforme ensinamentos dos doutrinadores penais pátrios, o Direito Romano, quando da época da fundação de Roma tinha a pena um caráter sacral, passando posteriormente, no período da Roma monárquica à adoção do direito consuetudinário, caracterizado por ser rígido e formalista, culminando com a edição da Lei das XII Tábuas, a qual iniciou o período dos diplomas legais escritos, e era caracterizado pela vingança privada substituída mais adiante pela composição.

No Direito Penal Romano, havia a divisão entre os crimes públicos – traição ou conspiração política contra o Estado e o assassinato -, e crimes privados – que incluíam todos os demais delitos. Nos primeiros a competência para julgamento era do Estado, já nos segundos, a competência para julgamento era do particular ofendido, sendo que o Estado interferia a fim de regular tal exercício.

Já na época da Roma Republicana, surgem leis como a Leges Corneliae e Juliae, criadoras de uma tipologia de crimes, tipificando os comportamentos que deveriam ser considerados como criminosos.

Somente poucos anos antes de Cristo é que o Estado assume para si a responsabilidade para a punição dos infratores, por meio do jus puniendi, restringindo o pater familiae.

Dentre as características do Direito Penal Romano, Prado (2006, p. 119) menciona as seguintes:

"a) A afirmação do caráter público e social do Direito Penal;

b) O amplo desenvolvimento alcançado pela doutrina da imputabilidade, da culpabilidade e suas excludentes;

c) O elemento subjetivo claramente diferenciado;

d) O desenvolvimento incompleto da teoria da tentativa;

e) A falta de formulação expressa do princípio da legalidade, e a proibição da analogia;

f) O reconhecimento, de modo excepcional, das causas de justificação;

g) A pena entendida como uma reação pública, correspondendo ao Estado a sua aplicação;

h) A distinção entre crimina publica, delicta privada e a previsão dos delicta extraordinaria;

i) A consideração do concurso de agentes, diferenciando a autoria e a ope consilio – cumplicidade".

Em relação do Direito Penal Germânico, este não era composto de leis escritas, sendo o Direito concebido como uma ordem de paz e a transgressão deste, conseqüentemente considerada como a ruptura da paz, pública ou privada, de acordo com a natureza do delito praticado.

Quando o crime fosse de natureza privada, o autor do delito era entregue à família ou à vítima, para que estas exercessem o direito de vingança sobre este, gerando assim uma verdadeira guerra entre as famílias, já quando fosse crime de natureza pública, era autorizada qualquer pessoa a matar o transgressor, ou seja, uma forma de perda da paz, vez que o mesmo seria perseguido por qualquer um do povo. Essa política criminal foi abolida em meados de 1495, com o advento da Paz Territorial Eterna.

Assim como os romanos, os germânicos conheceram a vingança de sangue, a qual posteriormente foi substituída pela composição, que, segundo eles, consistia no dever de compensar o prejuízo sofrido pela vítima com certa importância em pecunia objetivando com isso, a supressão da vingança privada.

Vale ressaltar, que a composição dos germânicos se diferenciava da existente entre os romanos, vez que parte do quantum pago pelo transgressor era destinado à vítima, como forma de indenização pela prática do delito, e outra parte era destinada ao tribunal ou ao rei, como uma forma de pagamento pelo preço da paz. Outra característica importante deste sistema penal era o fato de adotar a responsabilidade objetiva, segundo a qual o que importa é o resultado lesivo, sem questionar a existência de dolo ou culpa, e em razão da influência Romana, posteriormente passou a exigir um vínculo psicológico entre a conduta e o resultado lesivo, e a tentativa, no direito penal germânico, não era punida.

Acerca o Direito Penal Canônico, este primitivamente adotava um caráter disciplinar, tendo grande relevância por dois motivos: o primeiro é o fato de que fez com que as tradições jurídicas romanas penetrassem de vez na vida social do Ocidente, e o segundo é que contribuiu para civilizar as práticas brutais germânicas, adaptando-as à vida pública.

A jurisdição eclesiástica aparecia dividida em ratione personae e ratione materiae. Pela primeira o religioso era julgado por um tribunal da Igreja, independentemente do delito cometido, e na segunda, a competência eclesiástica era firmada, ainda que o crime fosse praticado por pessoa leiga.

Havia ainda a divisão dos delitos em delicta eclesiastica e delicta mere secularia, os primeiros ofendiam o direito divino, de competência dos tribunais eclesiásticos e punidos com as poenitentiae, e os segundos lesionavam apenas a ordem jurídica laica, sendo, portanto julgados pelos tribunais do Estado e punidos com penas comuns, e eventualmente com punição eclesiástica, ainda existiam os delicta mixta, os quais violavam tanto a ordem do direito divino, como o a ordem jurídica laica, cuja competência para julgamento era do tribunal que primeiro deles tivesse conhecimento.

Suas sanções eram caracterizadas atingiam bens espirituais e direitos eclesiásticos, ou ainda poderiam atingir bens jurídicos da ordem leiga, porém, o objetivo principal destas penas era buscar o arrependimento e a correção do delinqüente, e ainda o restabelecimento da ordem social e a exemplaridade da punição, em razão dessa característica de arrependimento eram denominadas poenae medicinales.

Como principais características do Direito Penal Canônico, o jurista Prado (2006, p. 119) cita as seguintes:

"a) Contribuição para a humanização das penas e para o fortalecimento do caráter público do Direito Penal;

b) Afirmação do princípio da igualdade de todos os homens perante Deus;

c) Enfatização do aspecto subjetivo do delito, distinguindo o dolo (animus/sciens) e a culpa (negligentia). Todavia, não estabeleceu uma regra geral em sede de tentativa.

d) Valorização e mitigação da pena pública;

e) A penitenciária – internação em monastério, em prisão celular – por inspiração canônica".

Em conseqüência da fusão das idéias adotadas por estes três sistemas, surge o chamado Direito Penal Comum, o qual tinha como característica marcante o fato de ser um direito gerador de desigualdades, cheio de privilégios, heterogêneo, caótico, construído sobre um conglomerado incontrolável de ordenações, leis arcaicas, editos reais e costumes, além de ser considerado pelos doutrinadores como arbitrário e excessivamente rigoroso.

Agora que já se tem uma breve noção dos principais elementos norteadores do Direito Penal Antigo, será estudado sobre o Direito Penal Brasileiro e sua evolução.

Inicialmente, no período colonial, o regime jurídico dos portugueses era fundado nas Ordenações Afonsinas, sendo o direito penal e processual penal tratado no Livro V de tais ordenações, considerado pelos doutrinadores como "acervo de incongruências e maldades" por possuir muitas práticas incompatíveis com o progresso da época.

A prisão era aplicada preventivamente até que o crime fosse julgado, e ainda era utilizada como um meio de coerção a fim de obrigar o autor ao pagamento da pena pecuniária. Outro importante caractere era que a pena de prisão nem sempre vinha especificada, ficando então ao critério do rei para a determinação do quantum de prisão a ser aplicada.

Posteriormente, foram adotadas as Ordenações Manuelinas, a qual tinha como característica a aplicação de prisão em caráter de coação pessoal, até o julgamento e condenação, sendo raras as situações em que ocorria a prisão por dívida. Havia ainda previsões atinentes à execução da pena, dentre as quais conveniente é citar a proibição de que os presos se ferissem entre si.

Logo na seqüência das Ordenações Manuelinas, surgem inúmeras leis extravagantes, as quais mantinham o caráter opressivo e violento das ordenações que as sucederam, ocorrendo uma evolução no sentido da execução da pena, vez que aumentaram as regras sobre o cumprimento da pena privativa de liberdade.

As Ordenações Manuelinas foram atualizadas após a posse de D. Felipe II, surgindo então as Ordenações Filipinas, e foram caracterizadas pelo vasto número de tipificações penais. Em razão da brutalidade destas ordenações, os doutrinadores mencionam que ocorria o direito penal do terror, em razão de que as penas corporais e infamantes eram aplicadas sob o fundamento e o pretexto de uma ideologia da salvação dos costumes sociais, políticos e religiosos.

Mais adiante, já no Período Imperial, após a conquista da Independência do Brasil, ocorreram notáveis mudanças nas práticas do Direito Penal, sendo que a Carta de 25 de março de 1824 proclamou princípios relevantes que deveriam informar as novas leis penais e de processo penal.

Após este período de mudanças, mais precisamente em 04 de maio de 1827 foi apresentado pelo Deputado Bernardo Vasconcellos um projeto do Código Criminal, o que foi repetido pelo Deputado Clemente Pereira em 16 de maio do mesmo ano, sendo que tais projetos foram unificados, e após sofre algumas alterações na redação, foi aprovado o projeto e em 16 de dezembro de 1930 foi sancionado pelo Imperador D. Pedro I, entrando em vigor o chamado Código Criminal do Império.

No período republicano, em conseqüência da abolição da escravatura, inúmeras condutas, antes tidas como delituosas, deixaram-nas de ser, somada ainda com as mudanças políticas que vinham ocorrendo no país, culminando com a apresentação, por parte de Joaquim Nabuco, de um projeto, cujo objetivo era a publicação de uma nova edição do Código Criminal, a qual veio a ser publicada em 11 de outubro de 1890, por meio do Decreto 847.

Nesta época ocorreu uma propagação de leis penais, de modo que o Desembargador Vicente Piragibe consolidou o Código Penal, o qual passou a ter 410 artigos. Porém, em conseqüência da promulgação da Constituição de 1934, a qual adotou inúmeros princípios humanistas e fundamentais, fez com que fosse necessária a edição de um novo Código Penal.

No período em que vigorou este Código (entre os anos de 1890 a 1932), inúmeros foram os projetos que tentaram revogá-lo, sendo que, em meados de 1937, já no período do Estado Novo, Alcântara Machado apresentou um Projeto de Código Criminal Brasileiro, o qual passou pela apreciação minuciosa da Comissão Revisora, foi sancionado por meio de um Decreto, o Decreto-Lei nº 2.848, de 07 de dezembro de 1940, o qual vigora até a presente data.

É claro que não pode deixar de ser mencionada a reforma ocorrida em 1984, reformadora de toda a Parte Geral do ordenamento penal pátrio, reforma esta que se deu por meio da Lei nº. 7.209 de 11 de julho de 1984, tendo como características principais a influência nítida da teoria finalista, bem como a humanização das sanções penais, adoção das penas alternativas à prisão, reintroduziu o sistema do dias-multa, dentre outras mudanças de grande relevância, como por exemplo, o cancelamento dos valores de multa que eram previstos no Código Penal pré-reforma de 1984.

2.2 A CONSTITUIÇÃO FEDERAL E O CÓDIGO PENAL

A Constituição Federal é a norma de maior graduação em nosso ordenamento jurídico, determinadora dos princípios gerais a serem seguidos pelas demais legislações infraconstitucionais, de modo que a relação existente entre a Constituição Federal e o Código Penal devem ser as mais estreitas possíveis, vez que a Carta Magna, constitui a primeira manifestação legal da política penal, dentro da qual deve enquadrar-se a legislação penal propriamente dita, em face do princípio da supremacia constitucional.

Segundo Zaffaroni e Pierangeli (1997, p. 135-136), como principais diretrizes da política criminal constitucional existem:

"a) princípio republicano (ou democrático), que impõe a racionalização dos atos do poder público, e conseqüentemente, também do Poder Judiciário, o que obriga à interpretação lógica e coerente das leis penais. O princípio da soberania do povo impede que a justiça penal seja exercida sob invocações de poderes absolutos ou maiores do que aqueles que emergem da vontade do povo. [...] b) O artigo 5º, inc. XXXIX estabelece o princípio da legalidade, que como corolário, inclui o princípio da reserva legal, que deriva do artigo 5º, inc. II. Ambos decorrem do princípio republicano. [...]. c) artigo 5º inc. XL, estabelece o princípio da retroatividade da lei penal mais benigna [...] d) o inciso XLV do artigo 5º consagra o princípio da personalidade ou da transcendência da pena: "Nenhuma das penas passará da pessoa do condenado"; e) princípios de racionalidade e de humanidade da pena expressam-se na proibição da pena de morte, de prisão perpétua, de trabalhos forçados, de banimento e de penas cruéis (art. 5º, inciso XLVII, alíneas, a, b, c, d e e, respectivamente. [...] O princípio da humanidade da pena encontra-se fixado no artigo 5º, inc. XLIX: "é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral", f) Constituição Federal estabelece que a lei deverá regular a individualização da pena (art. 5º, XLVI), o que indica que as penas não podem ser ficas pelo menos como critério geral, permitindo ao juiz a escolha da pena dentre "as privativas ou restritivas de liberdade", "perda de bens", "multa", "serviço social alternativo", "suspensão ou interdição de direitos" entre outras (art. 5º, inc. XLIV, alíneas a, b, c, d e e, respectivamente. O inc. LXVII proíbe a prisão civil por dívidas [...]; g) competência da União para elaborar com exclusividade a legislação penal (art. 22, inciso I)".

Depois desta brilhante explicação fornecida pelos doutrinadores acima mencionados, é possível constatar que realmente a ligação entre a Constituição Federal e o Direito Penal é estreita, de modo que as garantias fundamentais que a Constituição traz em seu artigo 5º, são obedecidas, ao menos formalmente, pela legislação penal, vez que boa parte dos princípios tratados acima fazem parte do conjunto de princípios que dão os delineamentos básicos para a legislação penal pátria.

Vale ressaltar que, quando faz-se referência que as garantias fundamentais são obedecidas ao menos formalmente, se deve em razão de que a legislação penal pátria traz em seu texto esses ditames, porém, na prática, é de conhecimento geral que o sistema penitenciário adotado pelo país é falho e em conseqüência disso, a aplicação de alguns princípios, como por exemplo, o princípio da humanidade, segundo o qual é garantida a integridade física e moral dos presos, acaba em muitas vezes sendo desrespeitado.

2.3 TEORIA DO CRIME

Agora que já fora realizada uma localização no campo histórico do Direito Penal, bem como o correlacionado com a Carta Magna, convém passar à análise das teorias do crime, a fim de possibilitar a abordagem do tema principal já com uma base acerca do assunto geral.

Inúmeras são das denominações dadas a esta teoria, dentre as quais é importante destacar as seguintes: Teoria Geral do Delito, Teoria do Fato Punível, Teoria do Crime, Teoria do Delito, porém, todas têm os mesmos objetivos quais sejam conceituar e classificar os delitos.

Vale ressaltar que no ordenamento jurídico brasileiro não há diferenciação entre o crime e delito, ou seja, ambos possuem o mesmo significado, diferentemente do que ocorre em outras legislações alienígenas.

Há apenas no ordenamento penal pátrio, a diferença entre crime e contravenção, sendo o primeiro considerado aqueles delitos mais graves, e as segundas os delitos chamados de menor potencial ofensivo. Idéia esta que vinha expressa no artigo 1º da Lei de Introdução ao Código Penal, in verbis:

"Art. 1º - Considera-se crime a infração penal a que a lei comina pena de reclusão e detenção, que isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa; contravenção, a infração penal a que a lei comina, isoladamente, pena de prisão simples, ou de multa, ou ambas, alternativa ou cumulativamente"

Sendo assim, já se tem uma noção da divisão existente em nossa legislação, porém, não há no mesmo um conceito do que seria crime, para tanto, em razão dessa questão é necessário conferir o que dizem os doutrinadores que escrevem sobre a presente teoria.

A teoria do delito passou por três fases de desenvolvimento: o conceito clássico de delito, o conceito neoclássico de delito e o conceito finalista de delito (BITENCOURT, 2006, p. 255-256).

O conceito clássico de delito: foi elaborado por Von Liszt e Beling, os quais afirmavam ser o delito representado por um movimento corporal (ação), produzindo uma modificação no mundo exterior (resultado), estrutura esta que se baseava no conceito de ação naturalístico, vinculando a conduta e o resultado por meio do nexo de causalidade. Entendimento este que mantinha separados os aspectos objetivos – tipicidade e antijuridicidade – do subjetivo – culpabilidade -. Este conceito é fruto do pensamento jurídico característico do positivismo científico o que ocasionou um tratamento formal ao comportamento humano que seria definido como delituoso.

De acordo com Bitencourt (2006, p. 258), no conceito clássico de delito, são quatro os elementos estruturais, os quais são concedidos da seguinte forma:

"a) Ação – era um conceito puramente descritivo, naturalista e causal, valorativamente neutro. [...]

b) Tipicidade – o tipo e a tipicidade representavam o caráter externo da ação, compreendendo somente os aspectos objetivos do fato descrito na lei. [...]

c) Antijuridicidade – é um elemento objetivo, valorativo e formal. A constatação da antijuridicidade implica em juízo de desvalor, uma valoração negativa da ação. No entanto, o caráter valorativo recai somente sobre o aspecto objetivo, a provocação de resultados externos negativos, indesejáveis juridicamente.

[...]

d) Culpabilidade – que era concebida como o aspecto subjetivo do crime, também tinha caráter puramente descritivo, pois se limitava a comprovar a existência de um vínculo subjetivo entre o autor e o fato. [...]"

Algumas considerações devem ser feitas acerca desta citação, vez que a ação possuía um conceito objetivo, embora se sustentasse que se originava na vontade, não preocupava-se com o conteúdo desta, mas apenas com o seu aspecto objetivo, qual seja a causação do resultado externo. Acerca da tipicidade, neste caso eram deixadas de fora todas as circunstâncias subjetivas ou internas do delito, as quais pertenciam à culpabilidade. Sobre antijuridicidade, basta apenas a comprovação de que a conduta é típica e de que não concorre nenhuma causa de justificação para que esta já reste configurada. Finalmente, a culpabilidade, a qual em razão da diversidade de intensidade do nexo psicológico entre o autor e o fato é que fez surgir as formas de culpabilidade, dolosa e culposa.

O conceito neoclássico de delito: fruto da transformação sofrida pelo conceito clássico de delito, decorrente da influência da filosofia neokantiana, ocasionou uma modificação no conceito de ação, a qual era o ponto mais fraco do conceito clássico de delito, vez que esta não tratava da omissão, dos crimes culposos e da tentativa. Porém, não foi apenas a ação que sofreu transformações, a tipicidade com o descobrimento dos elementos normativos e o reconhecimento da existência dos elementos subjetivos do tipo afastaram a concepção clássica do tipo, a antijuridicidade passou a ser concebida como um aspecto material, exigindo-se além da contradição formal com a norma jurídica, uma determinada danosidade social, entendimento este que possibilitou a graduação do injusto, conforme a gravidade da lesão produzida pelo ato danoso, além disso, essa nova teoria permitiu o desenvolvimento de novas causas de justificação, além das já previstas. Em resumo, a teoria neoclássica do delito caracterizou-se pela reformulação do velho conceito da ação, uma nova atribuição à função do tipo, pela transformação material da antijuridicidade e redefinição da culpabilidade, sem alterar o conceito de crime, continuando o mesmo como sendo uma ação típica, antijurídica e culpável.

O conceito finalista do delito foi uma nova concepção criada por Welzel nos meados dos anos trinta, opondo-se ao conceito causal da ação e à separação entre a vontade e seu conteúdo, elaborando assim este conceito, o qual foi um dos maiores marcos de sua evolução. O finalismo retirou o dolo e a culpa de sua localização antiga, qual seja a culpabilidade, levando a finalidade para o centro do injusto, concentrando na culpabilidade apenas as circunstâncias que condicional a reprovabilidade da conduta contrária ao Direito, e o objeto da reprovação passa a situar-se no injusto.

Assim, este autor deixa claro que o crime somente restará completo com a presença da culpabilidade, de modo que seu conceito continua a ser uma ação típica, antijurídica e culpável (BITENCOURT, 2006, p. 261).

Há ainda outros conceitos de crime, dentre os quais a doutrina traz o analítico ou dogmático, formal ou nominal, jurídico-legal, material ou substancial, natural, radical e sociológico.

Conceito analítico ou dogmático de crime é o que o define como sendo uma conduta típica, antijurídica e culpável, e decompõe o delito em suas partes constitutivas, fato este que não exclui o fato como um todo unitário, porém, torna a subsunção mais racional e segura.

Conceito formal ou nominal de crime é o que o define como toda ação ou omissão proibida pela lei, sob a ameaça de pena, ou ainda, como sendo um fato humano contrário à lei penal.

Conceito Jurídico-legal de crime é o que o define como sendo um fato definido como criminoso pela lei, conceito este que delimita o objeto da criminologia aos fatos que o sistema positivo declara como sendo delituosos.

Conceito material ou substancial é o que dá a definição baseando-se no conteúdo do ilícito penal, ou seja, o que determinada sociedade, em dado momento histórico, considera que deve ser proibido pela lei penal, ou ainda, Dotti (2004, p. 299): "o crime é a ação ou omissão que, a juízo do legislador, contrasta violentamente com valores ou interesses do corpo social, de modo a exigir seja proibida sob a ameaça de pena".

Conceito natural de crime, segundo o qual Dotti, (2004, p. 300) "o crime é a violação dos sentimentos altruístico fundamentais de piedade e de probidade, na medida média em que se encontram na humanidade civilizada, por meio de ações nocivas à coletividade".

Conceito radical de crime o qual define o mesmo como sendo toda aquela violação individual ou coletiva dos direitos humanos.

Conceito sociológico de crime é o que dá a definição deste como um comportamento socialmente desviado que produz um dano ou perigo de dano.

Após estas conceituações, já é possível afirmar que o conceito que mais se adapta à definição atual é aquela que define o crime como sendo uma ação ou omissão típica, antijurídica e culpável, de onde podemos extrair as brilhantes palavras de Fragoso (2006, p. 180):

"Ação – atividade conscientemente dirigida a um fim.

Omissão – abstenção de atividade que o agente podia e devia realizar.

Típica – correspondente a um tipo de delito, ou seja, a um modelo legal de fato punível.

Antijurídica – contrária ao direito, por não existir qualquer permissão legal para a conduta (legítima defesa, estado de necessidade, etc).

Culpável – Juízo de reprovação que recai sobre a conduta ilícita de imputável que tem ou pode ter consciência da ilicitude, sendo-lhe exigível comportamento conforme o direito".

Vale lembrar que ordenamento penal brasileiro não traz o conceito de crime como o fornecido pela doutrina, mas sim apenas o diferencia das contravenções penais no critério da pena aplicada, o que já foi mencionado no presente título.

Além dessa conceituação de crime fornecido pelos doutrinadores, há ainda a classificação deste em diversas modalidades, porém, de modo a não fugir da delimitação do tema proposto, a presente pesquisa irá se ater apenas ao estudo dos crimes dolosos e culposos.


3 DEFINIÇÃO DE CRIMES CULPOSOS E CRIMES DOLOSOS

Como visto no capítulo anterior, o crime é uma ação ou omissão típica, antijurídica e culpável, de modo que, para que haja a possibilidade de explicar o que é um crime culposo e o um crime doloso, necessário é se ter uma noção da teoria da tipicidade, segundo a qual, o tipo é a descrição de um comportamento proibido e compreende as características objetivas e subjetivas do fato punível, e a tipicidade é a adequação do fato humano ao tipo de ilícito contido na norma incriminadora, em outros termos, o tipo é a previsão legal, e a tipicidade, é a realização da conduta prevista na legislação penal.

Assim, já com uma noção básica da teoria da tipicidade, podemos situar-se âmbito da existência de uma divisão no tipo, qual seja em, objetivo (elementos descritivos, normativos e subjetivos) e subjetivo (dolo e culpa), interessando ao presente estudo a análise do tipo subjetivo.

A legislação penal vigente prevê em seu artigo 18, a hipótese onde o crime é considerado culposo ou doloso, conforme pode se ver abaixo:

"Art. 18 – Diz-se o crime:

I – doloso, quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo;

II – culposo, quando o agente deu causa ao resultado, por imprudência, negligência ou imperícia.

Parágrafo Único – Salvo os casos expressos em lei, ninguém pode ser punido por fato previsto como crime senão quando o pratica dolosamente".

Agora que tem-se a previsão dos crimes dolosos ou culposos, já é permitido um avanço no estudo, e partindo-se então à teoria do injusto culposo.

3.1 TEORIA DO INJUSTO CULPOSO

Antes de se iniciar o estudo a ser tratado no presente tópico, é importante ressaltar que o injusto aqui mencionado trata-se do crime, então, sempre que houver menção à expressão injusto, estará sendo feita referência à conduta criminosa.

A classificação dos crimes culposos e dolosos refere-se à natureza do elemento volitivo caracterizador da infração penal, ou seja, à natureza da vontade caracterizadora da infração penal.

Conforme ensina Bitencourt (2006, p. 347), "Culpa é a inobservância do dever objetivo de cuidado manifestado numa conduta produtora de um resultado não querido, objetivamente previsível". Deste conceito de culpa, é possível realizar-se a retirada dos elementos do tipo de injusto culposo, a ser tratado mais adiante.

No tipo de injusto culposo, diferentemente do que ocorre no tipo de injusto doloso, pune-se a conduta mal dirigida, normalmente destinada a um fim penalmente irrelevante, quase sempre lícito, e o núcleo do tipo de injusto, quando se tratando de crimes culposos, consiste na divergência entre a ação praticada pelo agente e a que realmente deveria ter sido realizada, e isso se deve à inobservância do dever objetivo de cuidado.

Assim, a tipicidade nesta modalidade de crime decorre da realização de uma conduta não diligente causadora de uma lesão ou de perigo a um bem jurídico protegido penalmente. Já a culpabilidade nestes tem a mesma estrutura da culpabilidade nos crimes dolosos, ou seja, imputabilidade, consciência potencial da ilicitude da conduta e ainda a exigibilidade de comportamento em conformidade com o Direito, havendo uma diferença crucial consistente no grau de intensidade da culpabilidade, o que é demonstrada na brilhante explanação de Toledo (2002, p. 294):

"Já a culpabilidade de um agente que age culposamente, por corresponder a um tipo de injusto evidentemente menos grave é, por sua vez, de menor gravidade, podendo situar-se em uma escala descendente que vai desde hipóteses mais sérias (culpa consciente) até limites mínimos, extremos, de culpa inconsciente que, em certas circunstâncias, pode configurar a culpa levíssima equiparável, em direito penal, ao fortuito".

Em síntese, a tipicidade do crime culposo é definida pela divergência entre a ação efetivamente praticada e a que deveria ter sido realizada pelo agente, a antijuridicidade pela inobservância do cuidado objetivo devido ao caso, e a culpabilidade em razão da previsibilidade subjetiva como um de seus requisitos. Além disso, podemos afirmar que a diferença entre o delito culposo e o doloso encontra-se na própria estrutura do tipo de injusto, vez que no culposo, a censura penal reside exatamente na infração ao dever objetivo de cuidado (antijuridicidade), que acaba por produzir um resultado material externo ao bem jurídico, porém, não desejado pelo autor.

Zaffaroni e Pierangeli (1997, p. 421) tratam do presente tema, ensinando que:

"Os tipos culposos são os que proíbem condutas atendendo à forma de selecionar os meios para obter o fim, e não em razão do próprio fim. [...] A seleção dos meios para a obtenção de qualquer fim deve ser feita de acordo com certo dever de cuidado, eu resulta violado quando podendo prever-se que a causalidade posta em movimento possa afetar outro, não se faz esta previsão, ou quando, tendo sido feita, confia-se que a lesão não sobrevirá".

Assim, é permitido dizer que apesar de não haver no Código Penal uma conceituação do que seriam os crimes culposos, a doutrina brilhantemente o conceituou, de modo a conceder a possibilidade de se dizer que o elemento caracterizador dos crimes culposos não é o fim desejado pelo agente, mas sim o equívoco na escolha dos meios utilizados para a perpetração deste fim desejado.

3.2 ELEMENTOS DO TIPO DE INJUSTO CULPOSO

Como visto a pouco, no injusto culposo não há o tipo subjetivo do delito, e isso ocorre pelo fato de ter a culpa uma natureza normativa, elemento este que é substituído ao desatendimento ao cuidado objetivo exigível do autor.

Porém, o tipo de injusto culposo é composto por diversos elementos, tais como: inobservância do cuidado objetivo devido; produção de um resultado e nexo causal; previsibilidade objetiva do resultado; conexão entre desvalor da ação e o desvalor do resultado, os quais serão analisados um a um:

- Inobservância do cuidado objetivo devido: ou como alguns autores como Capez, por exemplo, denominam de dever objetivo de cuidado, o qual consiste no reconhecimento do perigo para o bem jurídico tutelado e a preocupação com as possíveis conseqüências de uma conduta descuidada poderá produzir-lhe, deixando o agente de praticá-la ou então, executa-la somente depois de adotadas as medidas necessárias e suficientes a fim de evitar tais conseqüências.

Este elemento é o essencial e fundamental do tipo de injusto culposo, de modo que trata-se de uma questão preliminar no exame da culpa.

Bonfim e Capez (2004, p. 400), o conceituam como "o dever que todas as pessoas devem ter: o dever normal de cuidado, imposto às pessoas de razoável diligência".

Como ensina Bitencourt (2006, p. 351), que "O essencial no tipo de injusto culposo não é a simples causação do resultado, mas sim a forma em que a ação causadora se realiza". Para que saibamos se o agente agiu observando ou não o dever de cuidado objetivo, por meio da comparação da direção finalista real com a direção finalista exigida para evitar as lesões aos bens jurídicos.

- Produção de um resultado e nexo causal: conforme ensina Cezar Roberto Bitencourt (1995, p.80):

"[...] o crime culposo não tem existência real sem o resultado. Há crime culposo quando o agente não quer e nem assume o risco da produção de um resultado, previsível, mas que mesmo assim ocorre. Se houver inobservância de um dever de cuidado, mas se o resultado não sobrevier, não haverá crime".

Além disso, é necessário que o resultado produzido pela conduta do agente seja conseqüência da inobservância do cuidado devido, de modo que, se observado tal cuidado objetivo, e ainda assim o resultado vier a ocorrer, não pode-se falar na ocorrência de crime culposo, sob pena de estar-se adotando a responsabilidade objetiva no direito penal, tendo em vista que nesta situação, não estará presente o nexo causal entre a ação e o resultado.

Sintetizando este pensamento, Bitencourt (2006, p. 353), ensina que "[...] não haverá crime culposo quando o agente, não observando o dever de cuidado devido, envolver-se em um evento lesivo, que se verificaria mesmo que a diligência devida tivesse sido adotada".

- Previsibilidade objetiva do resultado: pode ser em síntese conceituada como a possibilidade que qualquer pessoa dotada de prudência mediana prever o resultado de sua conduta. Há ainda a previsibilidade subjetiva, a qual em síntese é a possibilidade que dispõe o agente, dadas suas condições peculiares, tinha de prever o resultado de sua conduta, pouco importando para esta modalidade, se o agente podia ou não ter realizado a conduta.

De modo que alguns autores, como Bonfim e Capez, (2004, p. 402), defendem que "A ausência de previsibilidade subjetiva não exclui a culpa, uma vez que não é seu elemento. A conseqüência será a exclusão da culpabilidade, mas nunca da culpa [...] Dessa forma, o fato será típico, porque houve a conduta culposa, mas o agente não será punido pelo crime ante a falta de culpabilidade". Já Bitencourt (2006, p. 354), adota a idéia de que a previsibilidade é um dado objetivo, "por isso, o fato de o agente não prever o dano ou perigo de sua ação (ausência de previsibilidade subjetiva), quando este é objetivamente previsível, não afasta a culpabilidade do agente".

Para a presente pesquisa, é mais adequado adotar o segundo posicionamento, vez que se encaixa nas modalidades de culpa, além de evitar que os agentes delinqüentes aleguem em matéria de defesa a ausência de previsibilidade subjetiva, a fim de eximir-se da culpabilidade, e conseqüentemente da punição a ser-lhe aplicada.

- Conexão interna entre o desvalor da ação e o desvalor do resultado: este é um requisito indispensável para a configuração do delito na modalidade culposa, e para estar configurada, necessário se faz que o resultado seja decorrente exatamente da inobservância do cuidado devido.

Vale ainda lembrar, que conforme ensina Prado, (2006, p. 264), "entre o desvalor da ação e o desvalor do resultado deve existir uma conexão interna, quer dizer, que o resultado decorra justamente da inobservância do cuidado devido e que seja daqueles que a norma tratava de evitar", e continua, "[...] no delito culposo, o desvalor da ação está representado pela inobservância do cuidado objetivamente devido e o desvalor do resultado pela lesão ou perigo concreto de lesão para o bem jurídico".

3.3 MODALIDADES DE CULPA

Após a análise dos elementos necessários para a configuração do tipo de injusto culposo, serão estudadas as modalidades de culpa, as quais são criação da doutrina, vez que o Código Penal não trata destas, apenas prevê a existência de crimes culposos.

Três são as modalidades de culpa: negligência, imprudência e imperícia, sendo que sobre tal assunto, Dotti (2004, p. 315) ensina que:

"A imprudência consiste na inconveniência, falta de cautela ou precaução exigíveis, nas circunstâncias do atuar concreto; a negligência significa a desatenção ou o desleixo, enquanto a imperícia é a falta de habilitação ou de experiência pra desenvolver uma atividade. A primeira hipótese se caracteriza pelo comportamento ativo; a segunda por uma conduta passiva".

Acerca deste tema Prado (2006, p. 365/366), assevera que:

"a) Imprudência – vem a ser uma atitude positiva, um agir sem cautela, a atenção necessária, com precipitação, afoitamento ou inconsideração. É a conduta arriscada, perigosa, impulsiva.

b) Negligência – relaciona-se com a inatividade (forma omissiva), a inércia do agente que podendo agir para não causar ou evitar o resultado lesivo, não o faz por preguiça, desleixo, desatenção ou displicência.

c) Imperícia – vem a ser a incapacidade, a falta de conhecimentos técnicos precisos para o exercício de profissão ou arte. É a ausência de aptidão técnica, de habilidade, de destreza ou de competência no exercício de qualquer atividade profissional. Pressupõe a qualidade de habilitação para o exercício profissional".

Além das modalidades de culpa, há ainda a subdivisão em espécies de culpa, as quais serão estudadas no tópico abaixo.

3.3.1 Espécies de culpa

Não existe no ordenamento penal brasileiro, a distinção entre a culpa consciente e culpa inconsciente, porém, brilhantemente Dotti (2004, p. 315), expõe sobre estas da seguinte maneira:

"A culpa inconsciente é a forma típica do delito culposo. O resultado, embora previsível, não é previsto pelo agente em face da violação do dever de cuidado e atenção a que estava obrigado. [...]

A culpa consciente é caracterizada pela previsão do agente quanto à probabilidade do resultado que ele espera não venha a ocorrer, confiando em sua habilidade ou destreza para enfrentar a situação de risco. É também chamada de culpa com previsão e que se aproxima do dolo eventual [...]’.

Bitencourt (2006, p. 359) ainda traz a espécie de culpa, a denominada culpa imprópria, a qual segundo ele:

"A chamada culpa imprópria só pode decorrer de erro, e de erro culposo sobre a legitimidade da ação realizada. [...] Com efeito, a culpa imprópria, culpa por extensão ou assimilação decorre do erro de tipo evitável nas descriminantes putativas ou do excesso nas causas de justificação. Nessas circunstâncias, o agente quer o resultado em razão de a sua vontade encontrar-se viciada por um erro que, com mais cuidado, poderia ser evitado [...]".

Bonfim e Capez (2004, p. 407-408), ainda trazem a culpa presumida e a culpa mediata, vejamos os ensinamentos destes acerca da culpa presumida:

"Culpa presumida: sendo uma forma de responsabilidade objetiva, já não é prevista na legislação penal, ao contrário do que ocorria na legislação anterior ao Código Penal de 1940, em que havia punição por crime culposo quando o agente causasse o resultado apenas por ter infringido uma disposição regulamentar".

Sobre a culpa mediata:

"É a que ocorre quando o agente produz indiretamente um resultado a título de culpa. É o caso de uma pessoa que atropela uma criança, e, em razão disso, o pai desta atravessa a rua para lhe prestar socorro e acaba atropelado por outro veículo [...]".

Vale ressaltar a necessidade do nexo causal, ou seja, que o segundo resultado seja um desdobramento normal e previsível da conduta culposa, que atua como uma causa dependente, e ainda um nexo normativo, segundo o qual deve o agente ter culpa com relação ao segundo resultado, que não pode derivar nem de caso fortuito ou força maior.

Há ainda a divisão de graus de culpa, em grave, leve e levíssima, bem como sobre a compensação de culpa, convém falar que esta não existe no direito penal, diferentemente do que ocorre no direito civil. O que pode ocorrer é quando ocorre a culpa exclusiva da vítima, a qual acaba por excluir a culpabilidade do agente.

3.4 TIPO DE INJUSTO COMISSIVO DOLOSO

Agora abordar-se-á o conceito e demais peculiaridades dos delitos dolosos, dados estes que são relevantes ao objetivo principal da presente pesquisa.

Com o cunho de realizar um melhor entendimento dos elementos que compõe o tipo de injusto comissivo doloso, realizar-se-á uma análise de cada um deles detalhadamente.

3.4.1 Tipo objetivo

O tipo objetivo é aquele que descreve a ação em que há vontade dirigida ao fato que consuma o delito, ou seja, correspondendo ao aspecto exterior da ação, tendo nesta o seu núcleo fundamental.

Bitencourt (2006, p. 329), diz que "o tipo objetivo representa a exteriorização da vontade (aspecto externo-objetivo) que concretiza o aspecto subjetivo", e reafirma o que acima foi dito, no sentido de que o fundamento material de quaisquer delito é a concretização da vontade do agente infrator num fato externo, vez que o referido autor entende, seguindo o pensamento de Welsel, que o crime não é apenas uma vontade má, mas sim uma vontade má, expressada em um fato.

Porém, o fato de o tipo objetivo receber este nome, não impossibilita que o mesmo tenha aspectos objetivos e subjetivos, dentre os quais a doutrina divide em: autor da ação, ação ou omissão, resultado e finalmente nexo causal entre a conduta e o resultado.

- Autor da ação: os tipos penais não se destinam a um único autor, mas sim possuem caráter geral, admitindo assim qualquer pessoa como possível sujeito ativo, ou autora dos delitos tipificados (crimes comuns), podendo ainda haver casos em que o autor recebe uma espécie de individualização especial, sendo-lhe exigido uma qualidade ou condição especial, é o que ocorre nos conhecidos crimes próprios, vez que só podem ser autores destes, as pessoas que são possuidoras da qualidade ou condição especial descrita no tipo penal.

- Ação ou omissão: normalmente o núcleo objetivo dos crimes consiste em uma ação (conduta positiva), porém, há casos em que os tipos penais apresentam outros elementos que complementam a ação típica descrita, o que faz com que apareçam com freqüência na descrição destas, os denominados elementos normativos e subjetivos, além dos objetivos.

- Resultado: a diferença entre a ação e o resultado é de tamanha importância à dogmática-penal, de modo que é de grande discussão a necessidade da existência do resultado nos crimes, vez que em alguns a simples ação, ao ser realizada, modifica a coisa (bem jurídico tutelado), produzindo um resultado que faz parte do tipo, e em outros casos, como os defendidos pela concepção naturalística, podem ocorrer crimes sem a existência do resultado, dentre os quais, a fim de ilustração, citam-se os chamados crimes de mera conduta.

- Nexo causal: nos crimes em que se exige a existência do resultado, deve haver entre esse e a conduta praticada pelo agente uma relação de causalidade, sendo este o mais importante pressuposto para a imputação. Em resumo é possível afirmar que a relação de causalidade entre a conduta do agente e o resultado, não é nada mais que a imputação física do crime ao autor da ação ou omissão produtora do resultado.

3.4.2 Tipo subjetivo

Welzel afirmava que as ações dos tipos de crimes dolosos não podem ser apreendidas suficientemente sem a tendência da vontade que as conduz e anima. Assim, nesses tipos, o aspecto subjetivo compõe-se do dolo, como requisito essencial, e de outros elementos subjetivos especiais da conduta, os chamados elementos subjetivos do tipo.

Desse pensamento, é possível ser retirada a divisão do tipo subjetivo em: geral (compreende o dolo), e especiais (os quais são denominados pela teoria tradicional como o dolo específico ou o especial fim de agir).

3.5 DEFINIÇÃO DE DOLO

Há várias doutrinas que tentam conceituá-lo, dentre as quais cumpre destacar a doutrina clássica, que o chamava de voluntas sceleris ou vontade criminosa, consistente na vontade e consciência de realizar os elementos constantes no tipo legal. Porém, para que exista o dolo é necessário que o agente infrator tenha conhecimento da existência de tais elementos, sendo questionado ainda acerca da necessidade do conhecimento exato e preciso de tais elementos. A solução adotada pela doutrina é buscar a análise da existência do dolo por meio da prova, pois é vedada a simples presunção de dolo no âmbito do Direito Penal.

Para Dotti (2004, p. 313) dolo é conceituado como:

"[...] o conhecimento dos elementos que integram o fato típico e a vontade em praticá-lo ou, pelo menos, em assumir o risco de sua verificação. Ele poderá ser direto (quando o agente quis o resultado) ou eventual (quando o agente assumiu o risco do resultado). Esta é a classificação adotada pelo art. 18, I do CP".

Ou seja, o ordenamento penal pátrio adota a teoria finalista do dolo – a ser estudada mais adiante -, ao estabelecer que a localização do dolo encontra-se efetivamente no interior do fato típico e não como um elemento da culpabilidade, segundo preconizava a antiga doutrina clássica, já em desuso atualmente.

Welzel (2006, p. 95-97), ensina que:

"O dolo como elemento essencial da ação final compõe o tipo subjetivo. Entendem-se por dolo a consciência e a vontade de realização dos elementos objetivos do tipo de injusto doloso (tipo objetivo). Dolo, como resolução delitiva, é "saber e querer a realização do tipo objetivo de um delito".

E continua, a explicar sobre o tema, conforme se vê abaixo:

"Age dolosamente o agente que conhece e quer a realização dos elementos da situação fática ou objetiva, sejam descritivos, sejam normativos, que integram o tipo legal do delito. O dolo é, a certo modo, a "imagem reflexa subjetiva do tipo objetivo" da situação fática representada normativamente".

A fim de complementar essa idéia, tem-se o raciocínio de Delmanto (2002, p.33), acerca do conceito de dolo:

"O dolo pode ser conceituado diferentemente, de acordo com as duas principais teorias que existem a seu respeito: 1 – Dolo Natural: Para a doutrina finalista – que a reforma de 84 desejou adotar – o dolo é natural, representado pela vontade e consciência de realizar o comportamento típico que a lei prevê, mas sem a consciência da ilicitude (ou antijuridicidade). Assim, o dolo persiste, ainda quando o agente atua sem consciência da ilicitude de seu comportamento; neste caso, continua havendo o dolo e apenas a culpabilidade do agente ficará atenuada ou excluída. 2 – Dolo Normativo: Para a doutrina clássica – que orientou a redação do original CP – o dolo não é natural, mas normativo, pois contém a consciência da ilicitude (ou antijuridicidade). 3 – Diferenças. Para a teoria finalista (hoje dominante) o dolo é elemento subjetivo do tipo ou do injusto, integrando o próprio comportamento. Para a teoria clássica (ora em desuso) do dolo diz respeito à culpabilidade e não integra a conduta"

Assim, já se tem a noção básica acerca do dolo, podendo então ter uma base capaz de possibilitar a diferenciação entre os delitos culposos e dolosos.

3.6 TEORIAS, ELEMENTOS E ESPÉCIES DE DOLO

Assim como ocorre nas demais áreas do Direito, sempre há doutrinas que divergem sobre suas idéias principais, o que acaba por gerar inúmeras teorias que tentam explicar sobre o mesmo assunto, com o dolo, isso não é diferente, e em razão dessas divergências doutrinárias, inúmeras foram as teorias que tentam explicá-lo, dentre as quais, convém citar as seguintes: Teoria da vontade (Willenstheorie), Teoria da representação (Vorstellungstheorie) e Teoria do consentimento ou assentimento (Einwilligen), as quais serão explicadas uma a uma a partir deste momento.

- Teoria da vontade (Willenstheorie): esta teoria teve como grande defensor o jurista Francesco Carrara, o qual mencionava que o dolo é a vontade dirigida ao resultado, ou seja, o dolo consiste na intenção mais ou menos perfeita de fazer um ato que se conhece contrário a lei. Essa teoria também é chamada de teoria clássica.

- Teoria da representação (Vorstellungstheorie): surgiu a fim de suprir a deficiência da teoria da vontade em extremar os limites entre o dolo e a culpa nas situações em que o autor demonstra uma atitude de desprezo em relação ao fato. Teve como principais defensores Von Liszt e Frank, segundo os quais, para a existência do dolo é suficiente a representação subjetiva, ou a previsão do resultado como um fato certo ou provável, teoria esta que é desacreditada hoje, até mesmo pelos seus maiores defensores.

- Teoria do consentimento ou assentimento (Einwilligen): de acordo com a doutrina, essa teoria defendia que é dolo a vontade que, embora não dirigida diretamente ao resultado previsto como provável ou possível, consente na sua ocorrência, ou o que dá no mesmo, assume o risco de produzí-lo (BITENCOURT, 2006, p. 333-335).

A fim de facilitar o entendimento, seguem, em síntese, uma explicação de cada uma das teorias existentes (Prado, 2006, p. 357):

"a) Teoria da vontade: dolo é vontade dirigida ao resultado (o autor deve ter consciência do fato, mas, sobretudo, vontade de causá-lo);

b) Teoria da representação ou da possibilidade: dolo é previsão do resultado como certo, provável ou possível (representação subjetiva); e

c) Teoria do consentimento, da assunção ou da aprovação: (volição): dolo exige que o agente consista em causar o resultado, além de considerar como possível".

O Código Penal Brasileiro, como afirmam Bitencourt, Bonfim, Capez, e Prado, adotou a teoria da vontade como a que representa o dolo direto, e a teoria do consentimento ou assentimento como a que representa o dolo eventual. Todavia, é importante ressaltar que há alguns doutrinadores afirmam não serem estas as teorias adotadas pelo nosso ordenamento.

Após o estudo das teorias que tratam do dolo, a pesquisa seguirá, agora destinando-se ao estudo dos elementos deste.

São dois os elementos que constituem o dolo, o cognitivo ou intelectual, e o volitivo, o primeiro consiste na consciência do ato que o agente pretende praticar, consciência esta que deve estar presente no momento da realização do ato. A consciência abrange a realização dos elementos descritivos e normativos, do nexo causal e do evento, da lesão ao bem jurídico, dos elementos da autoria e da participação, dos elementos objetivos das circunstâncias agravantes e atenuantes que supõe uma maior ou menor gravidade do injusto e dos elementos acidentais do tipo objetivo. Já o segundo, ou seja, a vontade deve abranger, como defende este mesmo autor, a ação ou omissão, o resultado e nexo causal, esta pressupõe a previsão, de modo que o dolo, puramente psicológico, completa-se com a vontade e a consciência da ação, do resultado tipificado como injusto e da relação de causalidade (BITENCOURT, 2006, p. 338).

Finalmente, serão abordadas as espécies de dolo, de maneira simplificada, a fim de não se alongar no tema que não e principal do presente trabalho de pesquisa, para tanto, será utilizada a classificação elaborada por Bonfim e Capez (2004, p. 395-396), segundo os quais, o dolo pode ser:

- Natural: aquele concebido como elemento puramente psicológico, desprovido de qualquer juízo de valor. Compondo-se apenas da consciência e vontade, sem exigir a consciência de que aquilo que está sendo praticado constitui em algo ilícito.

- Normativo: é o dolo da teoria clássica, o qual é considerado como requisito da culpabilidade e é composto por consciência, vontade e consciência da ilicitude, sendo portando exigido um juízo de valor, é um querer algo errado, sendo que atualmente a doutrina defende que esta espécie de dolo encontra-se ultrapassada.

- Direto ou determinado: é a vontade de realizar a conduta e produzir o resultado, conforme mencionado pela teoria da vontade. Segundo Marques (2006, p. 198):

"Diz-se direto o dolo quando o resultado no mundo exterior corresponde perfeitamente à intenção e à vontade do agente. O objetivo por ele representado e a direção da vontade se coadunam com o resultado do fato praticado".

Assim, é possível afirmar que o dolo direto resume-se no animus do agente em realizar a conduta típica, produzindo o resultado que atinge o bem jurídico tutelado penalmente.

- Indireto ou indeterminado: é mais conhecido pela doutrina como o dolo eventual, e é aquele segundo o qual o agente não quer diretamente o resultado, mas assume o risco de produzi-lo, ou não se importa em produzir este ou aquele resultado (dolo alternativo). Em outros termos, no dolo eventual, o agente, prevê o resultado e, embora não queira atingi-lo, pouco se importa com o seu acontecimento.

- Dolo de dano: é a vontade de produzir uma lesão efetiva a um bem jurídico.

- Dolo de perigo: é a mera vontade de expor o bem a um perigo de lesão.

- Genérico: é a simples vontade de realizar uma conduta sem um fim especial, ou seja, a vontade de realizar a conduta descrita no tipo penal.

- Específico: é aquele em que ocorre a vontade de realizar a ação ou omissão, visando a um fim específico previsto no tipo penal.

Estas são as espécies de dolo trazidas por Bonfim e Capez, existem ainda outras divisões, porém, a fim de não fugir do tema principal da pesquisa, estes não serão abordados.


4 DO CONCURSO DE PESSOAS

O concurso de pessoas é um tema de grande importância no âmbito do Direito Penal, tanto pelo fato de envolver na aplicação da pena, na medida da participação de cada um dos agentes, bem como pelo fato de em alguns crimes, como o furto e no roubo, por exemplo, onde o concurso de pessoas torna o delito qualificado.

No Código Penal brasileiro, encontra-se previsto no Título IV da Parte Geral, mais especificamente no artigo 29 e seguintes, in verbis:

"Art. 29 – Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade.

§ 1º -Se a participação for de menor importância, a pena pode ser diminuída de um sexto a um terço.

§ 2º - Se algum dos concorrentes quis participar de crime menos grave, ser-lhe-á aplicada a pena deste; esse pena será aumentada até a metade, na hipótese de ter sido previsível o resultado mais grave.

Art. 30 – Não se comunicam as circunstâncias e as condições de caráter pessoal, salvo quando elementares do crime.

Art. 31 – O ajuste, a determinação ou instigação e o auxílio, salvo disposição expressa em contrário, não são puníveis, se o crime não chega, pelo menos, a ser tentado".

Estes dispositivos legais tratam da hipótese em que um crime ou contravenção é praticado por mais de uma pessoa. A grande maioria das condutas tipificadas como criminosas pelo Código Penal, podem ser praticados por apenas uma pessoa, os chamados crimes monossubjetivos, mas nada impede que sejam praticados por mais de uma pessoa, quando então passam a ser chamados de crimes plurissubjetivos por concurso eventual de pessoas, todavia, há ainda crimes previstos no ordenamento penal pátrio em que só podem ser praticados com a participação de mais de uma pessoa, são os denominados crimes plurissubjetivos com concurso necessário de agentes.

Não é possível realizar uma delimitação de quais razões que levam os agentes a se "unir" para praticar delitos, em contrapartida, algumas delas podem ser mencionadas, como por exemplo, assegurar o êxito da empreitada criminosa, garantir a impunidade, possibilitar ainda o proveito coletivo do resultado do crime, ou até mesmo para satisfazer interesses pessoais (BITENCOURT, 2006, p. 509).

Essa reunião de pessoas origina o chamado concursus delinquentium, o qualpode se dar desde o início da elaboração intelectual até a consumação do delito, tanto é que o próprio artigo 29 do Código Penal diz que quem de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade, ou seja, conforme for o grau de cooperação do agente, será o grau de sua culpabilidade quando da eventual aplicação de pena pela prática da ação delituosa.

Porém, não é tão simples como parece a diferenciação da conduta de cada agente na prática delituosa, assim surge um grande problema, em razão da diversificação das diversas modalidades de delinqüência coletiva. Problemas estes que se originam quando se fala dos crimes em que ocorre o concurso eventual de pessoas, vez que poderá ocorrer a cooperação de terceiros em qualquer momento do iter criminis.

A reforma de 1984, que alterou a Parte Geral do ordenamento penal pátrio, adotou o concurso de pessoas como sendo a melhor forma para definir a reunião de pessoas para o cometimento de um delito, adequando-se então melhor à natureza das coisas.

Pelo fato da dificuldade na diferenciação das diversas modalidades de co-delinqüência, a qual só ocorre quando se trata de crimes em que há concurso eventual de pessoas, nos ateremos a este estudo na presente pesquisa, deixando de lado então, o estudo do concurso necessário de pessoas.

4.1 DO CONCURSO DE PESSOAS PROPRIAMENTE DITO

Agora que já ocorreu a delimitação do tema proposto, será realizado a conceituação deste instituto jurídico, seguindo os ensinamentos dos mais renomados doutrinadores penalistas.

Mirabete (1985, ´. 225), o conceitua como: "a ciente e voluntária participação de duas ou mais pessoas na mesma infração penal".

Delmanto (2002, p. 59), ensina que: "[...] trata este artigo 29 da hipótese em que o crime não é cometido por uma só pessoa, mas duas (ou mais) pessoas concorrem (isto é, contribuem, cooperam) para a prática do ilícito penal".

Prado (2006, p. 470), seguindo o pensamento destes afirma que:

"o fato punível pode ser obra de um só ou de vários agentes. Seja para assegurar a realização do crime, para garantir-lhe a impunidade, ou simplesmente porque interessa a mais de um o seu cometimento, reúnem-se os consórcios, repartindo entre si as tarefas em que se pode dividir a empresa criminosa, ou então, um coopera apenas na obra de outro, sem acordo embora, mas com a consciência dessa cooperação".

Zaffaroni e Pierangeli (1997, p. 665), afirmam que: "Quando num delito intervém vários autores, ou autores e outros que participam de delito sem serem autores, fala-se de "concurso de pessoas no delito".

Jesus (2004, p. 311), em sua obra Direito Penal – Parte Geral, volume I, o conceitua como: "quando várias pessoas concorrem para a realização da infração penal, fala-se em co-delinqüência, concurso de pessoas, co-autoria, participação, co-participação ou concurso de delinqüentes".

Dotti (2004, p. 352) diz que a "realização do ilícito reúne duas ou mais pessoas que se unem, facultativamente para o melhor êxito da empreitada delituosa ou obrigatoriamente, quando o tipo legal exige essa concorrência de atuações, apresenta-se assim o concurso de pessoas".

Fragoso (2006, p. 311) trata do tema, dizendo que: "Um só fato criminoso pode ser praticado por uma pluralidade de pessoas, quando isso ocorre temos o concurso de agentes". Conceitos estes que em pouco se diferenciam, vez que a doutrina é quase unânime acerca do conceito de concurso pessoas, havendo apenas opiniões contrárias no que tange às formas deste, tema a ser estudado mais adiante.

Em termos mais didáticos, e após a leitura destes conceitos acima expostos, é possível sintetizar o conceito de concurso de pessoas como: ocorre o concurso de pessoas, quando duas ou mais pessoas, voluntariamente e cientes da união, cometem o mesmo crime ou contravenção penal.

4.2 TEORIAS ATINENTES AO CONCURSO DE PESSOAS

Após se chegar a essa conceituação, visando um conhecimento holístico do tema, serão estudadas a partir deste momento as teorias existentes que tratam acerca do referido instituto, bem como apresentar qual delas é a adotada pelo Código Penal Brasileiro.

Como mencionado a pouco, ocorre grande discussão na doutrina sobre qual a natureza do concurso de pessoas, bem como acerca da diferenciação das formas de cooperação existentes, o que ocasionou o surgimento de inúmeras teorias sobre tal tema, dentre as quais são destacam-se: a Teoria pluralística, Teoria dualística, Teoria monística ou unitária, as quais serão analisadas separadamente.

- Teoria Pluralística: de acordo com esta, a cada participante corresponde uma conduta própria, um elemento psicológico próprio e um resultado também particular. De modo que existem tantos crimes quanto forem os autores de tais condutas, porém, foi rebatida pelo fato de que a participação de cada concorrente não constitui uma atividade autônoma e independente, mas sim há uma convergência para uma única ação, com objetivo e resultado comum. Tem caráter de teoria subjetiva (BITENCOURT, 2006, p. 511-512).

- Teoria Dualística: conforme esta há dois delitos, um para os autores, que segundo ela são os que realizam a atividade principal consistente na conduta típica descrita no ordenamento, e outro delito para os partícipes, que são aqueles que não realizam a conduta descrita no tipo, mas apenas uma atividade de caráter secundário. Porém, adota a idéia de que apesar desta divisão, o crime continua a ser apenas um, e ainda possibilita a noção de que às vezes a conduta daquele que executa a atividade descrita do tipo penal seja de menor importância da conduta do partícipe (BITENCOURT, 2006, p. 511-512).

- Teoria Monística ou Unitária: segundo esta não há distinção entre autor e partícipe, instigador ou cúmplice, de modo que aquele que concorre para o crime, dele participa em sua totalidade, e deve, portanto responder integralmente pelos atos praticados, porém, foi rechaçada pelo fato de não possibilitar assim a análise da culpabilidade de cada agente no delito. Essa idéia tem como ponto de partida a teoria da equivalência das condições necessárias à produção do resultado.

Esta última teoria foi adotada pelo Código Penal de 1940, sendo novamente recepcionada quando da reforma de 1984, porém, a reforma se preocupou em distinguir com maior precisão a punibilidade da autoria e participação.

Em outros termos, como regra adotou a teoria monística, e como exceção, a teoria dualística, vez que permite a distinção entre autor e partícipe quando da aplicação da pena (BITENCOURT, 2006, p. 511-512).

4.3 REQUISITOS NECESSÁRIOS PARA A CONFIGURAÇÃO DO CONCURSO DE PESSOAS

Para que ocorra o concurso de pessoas, faz-se necessário o preenchimento de requisitos tanto de natureza objetiva, quanto de natureza subjetiva, tais como:

- Pluralidade de participantes e de condutas: requisito essencial para a configuração do concurso eventual de pessoas, a concorrência de mais de uma pessoa na execução de uma conduta típica.

Dotti (2004, p. 353) ensina que:

"O concurso de pessoas na infração penal, em qualquer de suas modalidades, é, em síntese, a soma de comportamentos individuais que realizam a figura do ilícito. Há necessidade, portanto, de duas ou mais condutas dirigidas ao mesmo objetivo, i.e., à realização do verbo indicado pelo núcleo do tipo legal de crime. É fundamental, no entanto, que o concorrente seja imputável, tenha consciência da ilicitude do fato e que, nas circunstâncias do caso concreto, poderia e deveria agir de outro modo. Sem tais requisitos não caracteriza, quanto a ele, o concurso na forma prevista pelo art. 29 do CP".

Assim, conforme este entendimento, além de ser mais de uma pessoa, faz-se necessário a participação de duas ou mais pessoas, as quais devem ser imputáveis, sob pena de não se configurar o concurso de pessoas.

- Relevância causal de cada conduta: ou como preferem chamar outros autores, como Prado, de nexo causal eficaz para o resultado. Segundo este requisito, a conduta típica ou atípica de cada participante deverá integrar-se à corrente causal determinante do resultado desta, sendo necessário a eficácia causal para que ocorra a participação no delito, de modo a facilitar, provocar ou estimular a realização da conduta principal.

- Vínculo subjetivo entre os participantes: além destes, é preciso estar presente um liame psicológico entre os participantes, em outros termos, precisam eles ter ciência de que participam de uma empreitada comum.

- Identidade da infração penal: para que o resultado de um delito possa ser atribuído a vários participantes, faz-se necessário que consista em algo juridicamente unitário.

São estes os requisitos essenciais para a configuração do concurso de pessoas, no entanto, há autores que mencionam sobre a questão da conivência, a qual se diferencia do liame subjetivo entre os colaboradores da empreitada criminosa, por consistir na presença física de alguém no ato da execução de um crime ou ainda na omissão de denunciar à autoridade competente o fato delituoso de que tem conhecimento. Todavia, tal ação não configura o concurso de agentes, salvo se a pessoa que presenciou tinha o dever jurídico de impedir o evento presenciado ou de comunicá-lo à autoridade pública.

4.4 MODALIDADES DE CONCURSO DE PESSOAS

De acordo com o quadro explicativo constante na obra de Zaffaroni e Pierangeli, o concurso de pessoas se divide em autores e partícipes, e esse último novamente se divide em instigadores e cúmplices, conforme se vê abaixo:

Concurso de Pessoas no Delito

Autores

Partícipes

Instigadores

Cúmplices

Quadro 01 - Ilustração da divisão no Concurso de Pessoas

Fonte: ZAFFARONI, Eugenio Raul, PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro: Parte Geral. São Paulo:Revista dos Tribunais. 1997, p. 665.

Porém, Dotti ainda traz uma outra modalidade de participação, a por ele chamada induzimento, representado pelos incitadores, a qual poderia dar origem ao seguinte quadro:

Concurso de Pessoas no Delito

Autores

Partícipes

Instigadores

Cúmplices

Incitadores

Quadro 02 - Ilustração da divisão no Concurso de Pessoas conforme ensinamentos de René Ariel Dotti.

Destarte, a fim de facilitar o entendimento, verificar-se-á cada uma das formas acima.

4.4.1 Autoria

O conceito de autoria não pode reduzir-se a quem pratica pessoal e diretamente a figura típica, mas deve também abranger que se serve de outrem como um "instrumento", quando ocorre a denominada autoria mediata. Podendo, ainda de acordo com o pensamento deste doutrinador, ocorrer a hipótese de determinada pessoa pratique a mesma infração penal, ignorando que terceiro colaborava em sua ação, quando ocorre a chamada autoria colateral. Ou ainda, pode que outra pessoa, consciente e voluntariamente, coopere na empreitada criminosa praticando atos de execução, quando temos a co-autoria, ou ainda instigando, auxiliando ou induzindo, quando temos a participação, na realização de uma conduta delituosa (BITENCOURT, 2006, p. 516).

Antes de se iniciar o estudo das teorias que procuram definir a natureza da autoria, primeiramente é necessário conceituá-la.

Para Fragoso (2006, p.312): "Autor é quem realiza diretamente a ação típica ou quem realiza através de outrem, nos casos da chamada autoria mediata". E continua, dizendo que: "Autor é quem realiza, no todo ou em parte, a ação incriminada que configura o delito, em seu aspecto objetivo (tipo objetivo) e subjetivo (tipo subjetivo)".

Jesus (2005, p. 300) o conceitua da seguinte forma:

"Autor é o sujeito que executa a conduta expressa pelo verbo típico da figura delitiva, é o que mata, provoca aborto, induz alguém a se suicidar, constrange, subtrai, seqüestra, destrói, seduz e corrompe, praticando o núcleo do tipo".

Porém, não é pacífica a doutrina no que diz respeito à definição de autor, para tanto foram criadas teorias aceitas pela doutrina que tentam conceituar autor, a saber:

- Conceito Unitário ou Monista: para esta teoria, todos são considerados autores, não havendo, portanto, a pessoa do partícipe. Assim, autor é todo e qualquer causador do resultado típico, sem distinção. Essa teoria era adotada pelo Código Penal de 1940, mais especificamente no artigo 25, hoje não sendo mais aceita pelo nosso ordenamento.

- Conceito Extensivo: assim como ocorre no conceito unitário, é fruto da teoria da conditio sine qua non, não fazendo como naquela, distinção entre partícipe e autor. Porém, após esta, surge a figura do cúmplice que seria um autor com participação menos importante ou menos significativo para o evento lesivo. Tal teoria ainda permite causas de diminuição de pena, dependendo do grau de autoria.

- Conceito Restritivo: segundo o qual autor é o que realiza a conduta típica descrita na legislação, o que significa dizer que é aquele que pratica o verbo núcleo do tipo. Porém Jeschek entende ser necessário uma complementação deste conceito, por meio da teoria objetiva da participação, a qual se divide em: teoria objetivo-formal e teoria objetivo-material.

Na primeira há o destaque das características exteriores do agir, definindo então o autor como aquele cuja conduta se amolda ao círculo abrangido pela descrição formal do tipo penal, enquanto o partícipe vem a ser aquele que produz qualquer outra contribuição causal ao fato. Na segunda, ocorre uma consideração da maior periculosidade que deve revestir a contribuição do autor, se comparada com a do partícipe, porém, ante a dificuldade na distinção entre a causa e a condição mais ou menos importantes, fez com que a doutrina alemã passasse a adotar a teoria restritiva de autor. Outra falha que pode ser encontrada nesta teoria é a ausência da figura do autor mediato e ainda da co-autoria com participação menos relevante.

- Teoria do Domínio do Fato: ou conceito finalista de autor, foi iniciada por Welzel, e sofreu evolução em decorrência do pensamento de Roxin, segundo o qual autor é aquele que tem o domínio finalista do fato, No caso dos crimes dolosos.

Já no caso de crimes culposos, é autor aquele que contribui para a produção do resultado que não corresponde ao dever de cuidado objetivo. Por esta teoria, é co-autor todo aquele que participa da finalidade e toma parte na divisão do trabalho na efetivação de um delito. Além disso, de acordo com esta idéia, o partícipe não tem o domínio do fato, vez que apenas colabora e contribui, porém com atividades secundárias e complementares na ação delitiva do autor (BITENCOURT, 2006, p. 516-520).

Conforme ensina Bitencourt (2006, p. 519), três são as conseqüências da teoria do domínio do fato, a qual é defendida por inúmeros doutrinadores, sendo que há outros que a repudiam, como é o caso de Fragoso:

"1ª) a realização pessoal e plenamente responsável de todos os elementos do tipo fundamentam sempre a autoria. 2ª) é autor quem executa o fato utilizando a outrem como instrumento (autoria mediata); 3ª) é autor o co-autor que realiza uma parte necessária do plano global ("domínio funcional do fato"), embora não seja um ato típico, desde que integre a resolução delitiva comum"

Uma desvantagem desta teoria é que, como parte do conceito restritivo de autor, limita-se seu âmbito de aplicação aos crimes dolosos, vez que só nestes é possível se falar em domínio, tendo em vista que os delitos culposos se caracterizam exatamente pela perda deste domínio do fato.

Bitencourt apud Welzel (2006, p. 143), ensina que "autor de um deito culposo é todo aquele que mediante uma ação lesiona o grau de cuidado requerido no âmbito de relação, produz de modo não dolos um resultado típico".

Prado, ainda trata de mais uma teoria que visa conceituar autor:

- Conceito Subjetivo: segundo a qual é autor aquele que age com o animus auctoris, e partícipe aquele que age com o animus socci. O que significa dizer que autor é aquele que quer o fato como próprio e o partícipe é aquele que quer o fato como alheio. A grande deficiência desta teoria é que em nada se refere à tipicidade da conduta.

Conforme defende Damásio E. de Jesus, o ordenamento penal pátrio adotou a teoria restritiva do conceito de autor, vez que, segundo ele, o caput e demais parágrafos do artigo 29 da referida lei nitidamente distingue a pessoa do autor da pessoa do partícipe.

4.4.2 Autoria Mediata

Conforme Bonfim e Capez (2004, p. 625):

"Autor mediado é aquele que se serve de pessoa sem condições de discernimento para realizar por ele a conduta típica. Ela é usada como mero instrumento de atuação, como se fosse uma arma ou um animal irracional. O executor atua sem vontade ou consciência, considerando-se, por essa razão, que a conduta principal foi realizada pelo autor mediato"

Destarte, não se pode deixar de mencionar que no âmbito do Direito Penal, mediato tem o mesmo significado que indireto, podendo então esta modalidade ser chamada de autoria indireta.

Celso Delmanto (2002, p. 59) defende, ao tratar da autoria mediata, que esta: "não se confunde com concurso de pessoas. Nela, o autor realiza a ação por meio de outra pessoa que é inimputável (menor, doente mental), ou que age por erro ou coação irresistível".

Zaffaroni e Pierangeli (1997, p. 148) ensinam que o autor mediato é aquele que se vale de um terceiro que age sem dolo, atipicamente e justificadamente, e segundo ele, a expressão autoria mediata significa uma autoria mediante a determinação de outrem, mas não autor mediante outro autor.

As hipóteses mais comuns da ocorrência de autoria mediata são aquelas decorrentes de erro, coação irresistível ou decorrentes do uso de inimputáveis para a realização de condutas delituosas, de modo que o autor imediato atua sem culpabilidade.

Finalmente, acerca da autoria mediata, seu requisito essencial é a existência de duas pessoas, uma delas o autor mediato, que não é o executor, e o autor imediato, que é o executor da ação, ressaltando que sofrerá punição o autor mediato, vez que este é quem tem o domínio do fato.

4.4.3 Co-autoria

Esta pode ser conceituada como a realização conjunta, por mais de uma pessoa, de um mesmo delito, sendo até mesmo considerada como uma própria autoria. Para sua configuração basta a consciência da cooperação numa ação comum, sendo então dispensado o acordo prévio, como exigia a doutrina mais remota.

Welsel explica que a co-autoria fundamenta-se no princípio da "divisão do trabalho" em que todos tomam parte, atuando em conjunto na execução da ação típica, de modo que cada um dos que assim atua possa ser confundido com o autor.

Outro ponto marcante da co-autoria é que, de acordo com a visão finalista, é que o domínio do fato pertença aos vários co-autores, que em razão da divisão do trabalho, se apresentam como essenciais na realização do conjunto da obra, qual seja, o delito.

Fragoso (2006, p. 315), assevera que: "co-autor é quem executa juntamente com outros, a ação ou omissão que configuram o delito".

Seguindo o pensamento de Jesus, é concedida a possibilidade de afirmar que ocorre a co-autoria quando mais de uma pessoa realizam os caracteres presentes no tipo penal. De modo que, as ações ou omissões realizadas em co-autoria têm como característica a circunstância de que os cooperadores, conscientemente, unem seus esforços com o fim de produzir um mesmo efeito, a ponto que o evento se apresenta como produto das várias atividades exercidas pelos agentes.

Tendo em vista a adoção da teoria do domínio do fato, segundo a qual é co-autor, o agente que, realiza parcialmente a conduta típica, ou mesmo que não a faça, tenha o domínio funcional do fato, ou seja, o sujeito que tem o domínio funcional realiza o fato em conjunto com aqueles que executam diretamente a conduta típica.

4.4.4 Participação

A participação, de acordo com Bitencourt (2006, p. 522), pode ser conceituada como:

"[...] espécie do gênero concurso de pessoas, é a intervenção em um fato alheio, o que pressupõe a existência de um autor principal. O partícipe não pratica a conduta descrita pelo conceito primário da norma penal, mas realiza uma atividade secundária que contribui, estimula ou favorece a execução da conduta proibida".

Zaffaroni (1997, p. 685) conceitua-a como: "a participação, em suas duas formas (instigação e cumplicidade), é a contribuição dolosa que se faz a injusto doloso de outro".

Sendo assim, pode-se afirmar que a participação consiste em uma conduta acessória, a qual é a contribuição ao crime realizado por outrem, apresentando-se sob a forma de instigação ou cumplicidade. Portanto, ter esse caráter de acessoriedade, a participação, para que seja punível, necessita que adquira relevância jurídica, a qual só ocorre se os autores ou co-autores tenham ao menos, iniciado a execução do delito, de modo que se isso não chegar a ocorrer não se pode falar em punição da participação.

Essa acessoriedade é decorrência da adoção da teoria da acessoriedade mínima, segundo a qual a participação é acessória de uma conduta típica, de modo que, Prado (2006, p. 479), assevera que:

"A dependência da participação com relação à autoria permite a identificação de uma acessoriedade quantitativa e de uma acessoriedade qualitativa. A primeira significa que o início da execução pelo autor marca o limite indispensável para a punibilidade de participação (art. 31 CP). Já a acessoriedade qualitativa diz respeito ao grau de dependência da participação."

Existem duas formas de participação, a moral, que consiste na instigação e induzimento, e a material que consiste no auxílio. De modo que instigação vem a ser o reforço de uma idéia já existente na mente do agente, e o induzimento é quando a idéia não existe na mente do agente, mas o partícipe faz brotar esta idéia. Já o auxílio consiste na efetiva preparação ou execução do delito (BONFIM e CAPEZ, 2004, p. 618).

A doutrina aceita a existência de duas modalidades de participação, quais sejam a instigação e a cumplicidade, porém, Dotti ainda traz uma terceira forma, qual seja o induzimento, as quais serão estudadas no próximo tópico.

Pois bem, agora que já se tem uma conceituação doutrinária acerca da participação, vejamos quais são os requisitos essenciais para que esta reste configurada:

- Aspecto interno da acessoriedade: a participação requer o dolo de contribuir para o injusto doloso, de modo que vale ressaltar que é inadmissível a participação em crimes culposos, e isso se da em razão do previsto no parágrafo segundo do artigo 29 do ordenamento penal pátrio.

- Aspecto externo da acessoriedade: de acordo com este, necessário se faz, para que seja configurada a participação que o fato principal, ou seja, o injusto, tenha sido ao menos iniciado, vez que não se pode punir a participação, se o ilícito sequer passou de atos preparatórios.

Outro requisito, é a vontade livre e consciente do partícipe em cooperar na ação delituosa de outrem, de modo que se este não estiver presente, não é possível falar em participação, e nem mesmo em punição por participação culposa, vez que esta não é admitida na legislação penal brasileira.

Apesar de ter sido mencionado a pouco que, conforme dispõe o Código Penal pátrio, é inadmissível a participação em crimes culposos, a doutrina se divide, defendendo alguns autores que é possível ocorrer a participação em crimes desta natureza.

Alguns doutrinadores defendem que, sendo o tipo culposo um tipo aberto, no qual não exista a descrição de conduta principal, ante a generalidade de sua definição, mas tão somente uma previsão genérica, não se pode falar em participação, ante a sua acessoriedade, vez que toda concorrência culposa para o resultado consistirá em crime autônomo, motivo pelo qual deve ser descartada a participação.

Há outros ainda que no mesmo tipo culposo aberto, defendem ser possível a definição da conduta principal, de modo a identificar o autor (conduta principal) e o partícipe (conduta acessória). Para exemplificar, cabe mencionar o exemplo dado por Capez, segundo o qual em um homicídio culposo, onde o motorista é instigado pelo passageiro a aumentar a velocidade do veículo, poderá ocorrer sim a participação, vez que o passageiro não estava conduzindo o veículo, mas participou do homicídio culposo induzindo o condutor do mesmo a acelerar o veículo, vindo este a cometer ilícito culposo.

Antes de serem estudadas as modalidades de participação em subtítulo próprio, vejamos os fundamentos da punibilidade da participação, de acordo com os ensinamentos de Bitencourt.

- Teoria da participação na culpabilidade: de acordo com esta, o partícipe é punido pela gravidade da influência que exerce sobre o autor, convertendo-o em delinqüente ou então contribuindo para tanto. Esta teoria encontra-se afastada da atualidade em razão de que a culpabilidade é uma questão pessoal de cada participante, independendo da culpabilidade dos demais, e ainda pela adoção da teoria da acessoriedade limitada, a qual se satisfaz com a tipicidade e antijuridicidade da ação delituosa, tornando inócua a análise da importância da participação na culpabilidade do autor.

- Teoria do favorecimento ou da causação: o ponto principal desta teoria tem por base o fato de ter o partícipe favorecido ou induzido o autor a praticar um fato delituoso, sendo, portanto punido o partícipe não por ter colaborado na ação de terceiro, mas sim por ter com sua conduta contribuído para que o delito fosse realizado. Outra questão relevante é que, para esta teoria, a vontade do partícipe deve dirigir-se à execução do fato principal, sendo esta que é predominante no Brasil.

Outra característica da participação é que pode ocorrer em qualquer momento do iter criminis, seja na cogitação, preparação, execução ou consumação, ou até mesmo antes da cogitação, quando ocorre o induzimento. Porém, não se pode falar em participação se o delito já se consumou, vez que nesta hipótese ocorrerá um delito autônomo.

Pois bem, agora que já tratamos do conceito, das formas, requisitos e teorias que tratam da participação, vejamos, em tópico próprio, as modalidades de participação trazidas pela doutrina penalista.

4.4.4.1 Modalidades de participação

Como já estudado a pouco a doutrina adota três modalidades de participação, são elas: induzimento, instigação e cumplicidade.

- Induzimento: consiste numa modalidade psíquica da participação, e significa persuadir alguém à prática de determinado ato quando ainda não existe uma decisão preordenada. Hungria ensina que o induzimento pressupõe a iniciativa na formação da vontade de outrem.

- Instigação: significa animar, estimular, reforçar uma idéia já existente a mente do agente. Pode ainda significar a suscitação de uma idéia, tomar a iniciativa intelectual, fazer surgir no pensamento do autor uma idéia até dado momento inexistente. Ou conforme ensina Hungria, possui um caráter secundário, acessório ou de adesão ou estímulo a um propósito já concebido.

- Cumplicidade: diferentemente das demais modalidades, esta consiste em uma participação de caráter material, na qual o partícipe exterioriza a sua contribuição por meio de um comportamento, ou seja, de um auxílio na conduta criminosa. Conduta esta que pode ser uma ação ou omissão, vez que é possível ocorrer a cumplicidade em ambas as hipóteses.

Segundo Bitencourt apud Welzel (1970, p. 171), "a cumplicidade tem de favorecer (objetivamente) o fato principal e este favorecimento ser querido (subjetivamente) pelo cúmplice, para o qual basta o dolo eventual".

Para que reste configurada a cumplicidade, se faz necessário a eficácia causal e a consciência de participar na ação de outrem, sendo insuficiente a exteriorização da vontade de participar, lembrando, que como já mencionado acima não tem relevância a participação se o crime não for ao menos iniciado ou tentado (artigo 31 do Código Penal).

A possibilidade de ocorrer a participação de participação e participação sucessiva, sendo que a primeira ocorre nos casos de induzimento de induzimento, instigação de instigação, como no exemplo de A induzir B a induzir C a cometer tal ilícito. E a segunda ocorre quando, presente o induzimento ou instigação do executor, sucede outra determinação ou instigação, como no exemplo de A instigar B a matar C, após esta, o agente D desconhecendo a participação de A, instiga B a matar C, nesta hipótese, tanto A como D responderão como partícipes do crime de homicídio, porventura este venha a ocorrer.

4.4.5 Multidão Delinqüente

Como exemplo deste fenômeno a doutrina cita os linchamentos, invasões de propriedade, brigas em estádios de futebol, saques, fatos estes que ocasionam preocupação à ordem pública. Porém, assim como ocorre na participação, é preciso que ocorra o preenchimento de alguns requisitos para sua configuração, dentre os quais cumpre ressaltar o vínculo psicológico entre os integrantes da multidão, além é claro de número considerável de agentes. Outro ponto importante é o fato de ser desnecessário a descrição minuciosa da participação de cada um dos integrantes da multidão delinqüente, vez que tal situação pode tornar inviável a aplicação da lei penal.

Vale ainda lembrar que, conforme dispõe o artigo 65, alínea "e" do Código Penal, que aqueles que praticarem o crime sob a influência de multidão em tumulto poderão ter sua pena atenuada, porém, sendo quem promoveu, organizou ou liderou a multidão, a pena será agravada, conforme determina o artigo 62, inciso I do Código Penal.

4.4.6 Autoria incerta

Outra espécie de autoria é a incerta, e esta ocorre quando, na autoria colateral, já estudada, não se apura a quem atribuir a produção do evento. Situação esta que é solucionada com base na Exposição de Motivos do Código Penal de 1940, a qual adotou o princípio unitário do concurso de agentes, e afirma que o estatuto repressivo resolve a questão da seguinte forma: "Para que se identifique o concurso, não é indispensável um ‘prévio acordo’ das vontades: basta que haja cada um dos concorrentes o conhecimento de concorrer à ação de outrem". Ficando assim resolvida tal situação, de modo que nesta hipótese ocorre a co-autoria. Outro fato importante é que na autoria incerta a autoria é conhecida, só resta a incerteza sobre em quem recai, dentre os realizadores dos vários comportamentos. Diferentemente do que ocorre na autoria ignorada, onde não se consegue identificar quem realizou a conduta criminosa.

4.5 Concurso de Pessoas em Crimes Culposos

A doutrina brasileira, ao contrário da alemã admite a possibilidade de haver co-autoria em crimes culposos, não aceitando a participação. Entendimento este que é defendido com base no fato de que, aqueles que cooperam na falta do dever de cuidado objetivo, são co-autores do delito culposo.

Jescheck como lembra Bitencourt, entende não ser cabível a co-autoria nos delitos culposos em conseqüência da inexistência de acordo comum entre os agentes, situação em que, segundo este, ocorrerá a autoria acessória, na qual a conduta de cada um deverá ser avaliada individual e separadamente.

Em conseqüência desse pensamento, a doutrina brasileira em muito se aproxima da alemã, ao defender a idéia de que toda contribuição causal a um delito não doloso equivale a sua produção na condição de co-autor, no caso da doutrina brasileira, e autor, no caso da doutrina alemã.

Em síntese, é concedida a possibilidade de afirmar que em sendo existente um vínculo psicológico entre duas ou mais pessoas na prática da conduta, ainda que não em relação ao resultado, concorrem estas para o resultado lesivo se obrarem com culpa em sentido estrito.

4.6 CONCURSO DE PESSOAS EM CRIMES DOLOSOS

Diferentemente do que ocorre nos crimes culposos, poderá ocorrer, nos crimes dolosos as diversas modalidades de concurso de agentes, e em razão da adoção da teoria monística e do conceito restritivo de autor, ocorre perfeitamente a distinção entre autor e partícipe, fato este que possibilita a variação da pena a ser aplicada conforme o grau de culpabilidade de cada participante.

O artigo 29 do Código Penal elucida que aquele que de qualquer modo concorre para o crime, incide nas penas a ele cominadas, podendo ocorrer situações como a participação de menor importância, cooperação dolosamente distinta. Todavia, em regra, todos os autores, co-autores e partícipes incidem nas penas cominadas ao crime praticado, exceto no caso de os partícipes terem querido participar de crime menos grave.

Vejamos em síntese estas possibilidades:

- Participação de menor importância: é uma causa geral de diminuição de pena, vez que o legislador, ao editar o parágrafo primeiro do artigo 29 do CP, possibilitou aos agentes cuja participação no delito foi de menor importância se comparada com as dos autores ou co-autores, ter a pena diminuída, alterando a lei anterior que apenas previa uma atenuante caso isso ocorresse.

Na doutrina há teóricos (Mirabete e Dotti) que entendem que tal causa geral de diminuição de pena é uma faculdade do juiz, vez que este poderá constatar a intensidade da vontade do partícipe igual à dos demais participantes do delito no caso concreto, o que poderá ocasionar a equiparação no plano da culpabilidade. Bitencourt discorda desse ponto de vista, entendendo que sendo reconhecida a participação de menor importância, a redução deve ser aplicada, variando entre um sexto a um terço, como determinado pelo artigo acima mencionado.

- Cooperação dolosamente distinta: neste caso ocorre o desvio subjetivo de condutas, ou seja, quando a conduta executada difere daquela idealizada a que aderira inicialmente o partícipe, em outros termos, o conteúdo do elemento subjetivo do partícipe é diverso do crime praticado. Para tanto, o parágrafo segundo do artigo 29 do CP, estabelece "se algum dos concorrentes quis participar de crime menos grave, ser-lhe-á aplicada a pena deste; essa pena será aumentada até metade, na hipótese de ter sido previsível o resultado mais grave".

Deve ser feita uma distinção: se o resultado mais grave decorre como conseqüência natural do fato ou por simples "culpa" do executor, a responsabilidade se comunica ao partícipe. O fundamento deste entendimento se da em razão de que se o partícipe não tenha previsto e nem querido o resultado mais grave, quis também os "dolosamente" os meios utilizados, que vieram a produzir o resultado mais grave. Solução esta que deve ser empregada para solucionar o problema que ocorria no caso dos crimes preterdolosos possibilitando assim um melhor tratamento aos diversos participantes de um mesmo fato típico.

Como visto, a grande dificuldade na aplicação da pena nos crimes dolosos em que há concurso eventual de agentes está nos casos acima tratados, vez que o restante caberá ao juiz diferenciar quem é o autor, co-autor, partícipe, instigador, cúmplice, o que, conforme o próprio artigo 29 do ordenamento penal pátrio acaba por prescrever a forma de aplicação da pena.

4.7 COMUNICABILIDADE DAS CIRCUNSTÂNCIAS, CONDIÇÕES E ELEMENTARES

Este tema vem disciplinado no artigo 30 do Código Penal, da seguinte forma:

"Art. 30 – Não se comunicam as circunstâncias e as condições de caráter pessoal, salvo quando elementares do crime".

Da simples redação do artigo, é permitido extrair a noção de que as circunstâncias pessoais somente se comunicam ao co-autor ou ao partícipe quando não forem circunstâncias, mas elementares do tipo. Conforme Bonfim e Capez (2004, p. 623), três regras são extraídas deste artigo: as circunstâncias subjetivas jamais se comunicam no concurso de agentes; as circunstâncias objetivas podem comunicar-se, desde que o co-autor ou partícipe tenha conhecimento destas; e finalmente, as elementares objetivas ou subjetivas sempre se comunicam.

Vejamos agora os conceitos destes termos trazidos pelo artigo acima transcrito:

- Elementar: é, segundo Capez e Bonfim (2004, p. 623) "todo o componente essencial da figura típica, sem o qual esta desaparece ou se transforma". É requisito essencial, que se retirado descaracteriza o delito.

- Circunstância: é, segundo os autores acima, "todo dado acessório agregado à figura típica, cuja função é tão-somente influir na sanção penal". É um componente não essencial a figura típica, mas que a reveste de características meramente acessórias.

Vale lembrar, a fim de ilustração, que as elementares encontram-se no caput do tipo penal, enquanto as circunstâncias encontram-se nos parágrafos, ou seja, são os tipos derivados.

- Circunstâncias elementares: são dados híbridos situados entre as elementares e as circunstâncias comuns, não são essenciais, mas normalmente alteram os limites das penas, fixando o mínimo e o máximo.

As circunstâncias ainda podem ser objetivas, quando referem-se a aspectos objetivos do crime, como tempo, lugar, modo de execução, ou subjetivas, referem-se ao agente e não ao fato, como os antecedentes, a conduta social, personalidade e outros. As circunstâncias objetivas, para que possam se tornar comunicáveis, necessitam estar dentro da esfera do conhecimento do agente infrator.


5 DO CONCURSO DE PESSOAS NOS CRIMES DOLOSOS CONTRA A VIDA

Agora que já foram abordados todos os elementos necessários para a realização do estudo em específico do concurso de agentes, serão aplicadas a cada crime contra a vida em espécie, as teorias cabíveis, bem como as hipóteses possíveis da ocorrência de concurso de pessoas nos delitos desta natureza.

O ordenamento penal pátrio traz os crimes contra a vida no seu Título I da Parte Especial, denominando-o como "dos crimes contra a pessoa", e dividindo-o em seis capítulos a saber: I – Dos crimes contra a vida; II – Das lesões corporais; III – Da periclitação da vida e da saúde; IV – Da rixa; V – Dos crimes contra a honra, e finalmente, VI – Dos crimes contra a liberdade individual.

Ao presente estudo cabe apenas os crimes tratados no capítulo I, os crimes contra a vida, os quais são: homicídio (art.121), induzimento, instigação ou auxílio ao suicídio (art. 122), infanticídio (art. 123); e aborto (art. 124 e seguintes).

Os crimes contra a vida podem ser dolosos, culposos ou preterdolosos, porém, como crimes dolosos têm-se no homicídio simples (art. 121, caput), homicídio privilegiado (art. 121, § 1º), homicídio qualificado (art. 121, § 2º e incisos), induzimento, instigação ou auxílio ao suicídio (art. 122), infanticídio (art. 123), auto-aborto (art. 124), aborto provocado sem o consentimento da gestante (art. 125), e ainda o aborto provocado com o consentimento da gestante (art. 126).

Jesus (2005, p. 15) assevera que há apenas um tipo de crime culposo contra a vida, qual seja o homicídio culposo simples ou qualificado, previsto no artigo 121, § 3º e 4º respectivamente, e ainda um único tipo penal preterdolosa, qual seja o aborto qualificado pela lesão corporal grave ou pela morte, previsto no artigo 127 do Código Penal.

Pois bem, agora que já delimitamos quais os delitos a serem estudados, vejamos cada um deles detalhadamente.

5.1 HOMICÍDIO

Delito previsto no artigo 121, caput do Código Penal, cuja pena é de 06 (seis) a 20 (vinte) anos de reclusão, e consiste basicamente na eliminação da vida de uma pessoa praticada por outra. Ou como ensina Jesus (2005, p. 17): "Homicídio é a destruição da vida de um homem praticada por outro".

O crime de homicídio encontra-se assim previsto no Código Penal pátrio:

"Art. 121 - Matar alguém:

Pena - reclusão, de 6 (seis) a 20 (vinte) anos.

§ 1º - Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço.

§ 2º - Se o homicídio é cometido:

I - mediante paga ou promessa de recompensa, ou por outro motivo torpe;

II - por motivo fútil;

III - com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum;

IV - à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido;

V - para assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime:

Pena - reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos.

§ 3º - Se o homicídio é culposo:

Pena - detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos.

§ 4º No homicídio culposo, a pena é aumentada de 1/3 (um terço), se o crime resulta de inobservância de regra técnica de profissão, arte ou ofício, ou se o agente deixa de prestar imediato socorro à vítima, não procura diminuir as conseqüências do seu ato, ou foge para evitar prisão em flagrante. Sendo doloso o homicídio, a pena é aumentada de 1/3 (um terço) se o crime é praticado contra pessoa menor de 14 (quatorze) ou maior de 60 (sessenta) anos

§ 5º - Na hipótese de homicídio culposo, o juiz poderá deixar de aplicar a pena, se as conseqüências da infração atingirem o próprio agente de forma tão grave que a sanção penal se torne desnecessária".

Por ser crime comum, qualquer pessoa pode ser o sujeito ativo deste, assim ocorre com o sujeito passivo, que poderá ser qualquer pessoa. Além de ser um delito dessa natureza, é a princípio monossubjetivo, o que significa dizer que pode ser praticado por apenas uma pessoa, podendo também ser cometido por mais de uma pessoa, quando então ocorre o concurso de pessoas.

Porém, para se tratar do concurso de pessoas, necessário se faz a identificação de quem é seu autor em primeiro plano, para somente então ser direcionada a pesquisa às demais hipóteses cabíveis de concurso de agentes ao tipo de delito sob análise.

A princípio, é autor do homicídio aquele que realiza a conduta que se enquadra no núcleo do tipo penal, no caso o verbo matar. Porém, como é costumeiro no âmbito do Direito, as teorias que conceituam autor novamente entram com contraposição uma com a outra, sendo que a teoria restritiva defende a noção de que somente vem a ser o autor do homicídio aquele que realização a ação que se enquadra no verbo matar, porém, a teoria extensiva ensina que autor é quem dá causa à morte da vítima, não importando que sua conduta se enquadre direta ou indiretamente na figura típica, não havendo, de acordo com esta diferença entre o autor e o partícipe deste delito. (JESUS, 2005, p. 53-54).

Antes da reforma realizada em 1984, a Código Penal adotava a teoria extensiva de autor, de modo que não ocorria a diferenciação entre autor e partícipe, entretanto, após a reforma, passou a ser adotada a teoria restritiva do conceito de autor, segundo a qual é autor aquele que realiza o núcleo do tipo, e em razão da complementação dada pela teoria do domínio do fato, também é autor aquele que tendo o domínio do fato, contribui para a prática delituosa. Incluindo-se nessa questão, os co-autores, os autores mediatos, autores indiretos, etc.

Já, o partícipe é aquele que, mesmo sem realizar o núcleo do tipo e não tendo o domínio do fato, acaba por contribuir para a morte da vítima, e o faz por intermédio de induzimento, instigação ou auxílio secundário.

As formas de concurso de pessoas no crime de homicídio simples se dividem em dois grupos distintos, quais sejam: co-autoria propriamente dita e participação.

Quando ocorre a co-autoria, os vários agentes realizam a conduta descrita na figura típica, e esta se dá quando A e B ofendem a integridade física de C, matando-o. Nesta hipótese A e B são co-autores, em razão de que suas condutas se caracterizam pela circunstância de que os cooperadores, conscientemente, conjugam seus esforços no sentido de produção do mesmo efeito, ao ponto que a morte do sujeito passivo vem a ser o produto das várias atividades. Vale ressaltar que não se faz necessário que todos executem a conduta que produz diretamente o resultado morte.

A participação, no delito de homicídio vem a ocorrer quando o agente, não praticando os atos executórios do delito, concorre de qualquer modo para a sua realização, não possuindo o domínio do fato, pois se o possuísse seria considerado co-autor. Assim agindo, o partícipe não comete a conduta descrita pelo preceito primário da norma, mas sim apenas uma atividade que contribui para a realização do delito. O que em outros termos significa dizer que a participação é apenas uma conduta acessória do fato principal.

Neste ponto é que surge o problema da punibilidade do partícipe, pois no exemplo de A que instiga B a matar C, e este o faz, então, a conduta de B é punível, vez que o Código Penal prevê que matar alguém é crime. Porém, não é encontrada no tipo penal a conduta de "instigar a matar", sendo que A somente é punido pela sua participação, em razão de que ocorre a acessão à punição do fato do autor, ou seja, o comportamento do agente que participou só pode ser imputado condicionalmente, porquanto depende da conduta principal.

Não é partícipe aquele que apenas adere a uma prática delituosa, nem mesmo aquele que aplaude intimamente a realização de um homicídio. Porém, há a participação, se A instiga B a matar C, e ocorre ao menos a tentativa, responderá o partícipe por este delito, na forma tentada.

Outra questão de relevância é que, diferentemente do que ocorria na doutrina antiga, basta que uma vontade adira a outra para que já seja punível a participação, o que significa afirmar que somente em relação ao partícipe é necessário o elemento subjetivo da participação, podendo este elemento estar ausente na pessoa do autor do delito.

Além disso, deve ser lembrado que nas condutas do autor e do partícipe, deve estar presente a homogeneidade, da qual surgem duas regras:

- A primeira é a de que não existe participação dolosa em crime culposo, como no exemplo trazido por Jesus: A, desejando matar C, entrega a B uma arma, fazendo-o supor que está descarregada e o induzindo a acionar o gatilho na direção da vítima. B, imprudentemente aciona o gatilho e mata C. Nesta hipótese não haverá participação criminosa, mas sim dois delitos autônomos: homicídio doloso em relação a A, e homicídio culposo em relação a B.

- E uma segunda, de acordo com a qual não há participação culposa em crime doloso, como é o caso trazido pelo mesmo doutrinador: um médico negligentemente entrega a uma enfermeira um veneno, supondo-o substância medicinal, ela percebendo o engano, mas com intenção de matar o paciente, ministra-lhe tal substância fatal, nesta hipótese também ocorrem dois crimes autônomos: homicídio culposo por parte do médico, e doloso em relação à enfermeira.

A participação ainda pode ser moral ou material. A primeira modalidade se dá quando o agente acaba por incutir na mente do autor principal o propósito criminoso ou então reforça a idéia já existente, e a segunda, ocorre quando o agente insinua-se no processo da causalidade física, ou seja, quando o agente A, tendo conhecimento de que B quer matar C, lhe empresta a arma para tal fim. Outro ponto importante que não pode ser deixado de lado é o fato de que o delito de homicídio culposo não admite participação, mas apenas a co-autoria.

Além dessas formas de concurso de pessoas, poderá ocorrer a situação de o homicídio ser praticado autores incertos, como é o caso da autoria colateral, quando não for possível se apurar a quem deve ser atribuído o resultado morte, e, ante a ausência da solução por parte da legislação pátria, cabe a jurisprudência solucionar tal situação, e apresentar que a decisão correta seria punir ambos os autores colaterais pela prática de tentativa de homicídio, mesmo que este tenha ocorrido na forma consumada.

Porém, segundo a doutrina penal, ocorre a autoria colateral quando não há a existência de vínculo subjetivo entre os participantes, como exemplificado a seguir: A e B, pretendendo matar C, com tiros de espingarda, postam-se em emboscada, ignorando cada um o comportamento do outro, e ai, quando aparece a pessoa de C, ambos atiram neste, o qual vem a falecer em conseqüência dos ferimentos causados pelos projéteis disparados pela arma de A, neste caso, A responde por homicídio consumado e B responde por tentativa de homicídio, lembrando que se estivesse presente o vínculo subjetivo, ambos responderiam por homicídio consumado, configurando conseqüentemente a co-autoria.

No que concerne ao homicídio qualificado e homicídio privilegiado, aplica-se a regra do artigo 30 do Código Penal, o qual prescreve que "não se comunicam as circunstâncias e as condições de caráter pessoal, salvo quando elementares do crime". Sendo então necessário trazer uma breve noção de circunstâncias, para tanto, será utilizada a lição de Jesus (2005, p. 59):

"Circunstâncias são elementos acessórios (acidentais) que, agregados ao crime, têm função de aumentar ou diminuir a pena. Não interferem na qualidade do crime, mas sim afetam a sua gravidade (quantitas delicti).

Podem ser:

a)objetivas (materiais ou reais);

b)subjetivas (ou pessoais).

Circunstâncias objetivas são as que relacionam com os meios ou modos de realização do crime, tempo, ocasião, lugar, objeto material e qualidades da vítima.

Circunstâncias subjetivas (de caráter pessoal) são as que só dizem respeito à pessoa do participante, sem qualquer relação com a materialidade do delito, como os motivos determinantes, suas condições ou qualidades pessoais, ou relações com a vítima ou com outros concorrentes".

Razão pela qual o estudo destinado ao homicídio qualificado e homicídio privilegiado será sucinto. Importante ainda lembrar, apesar de não ser o tema que no delito de homicídio culposo, poderá ocorrer apenas co-autoria, não podendo se falar em participação neste tipo de delito, e isso se deve ao fato de que, tratando-se de culpa, não se cogita a cooperação no resultado, mas sim na causa, assim, os que colaboram com sua própria falta de atenção são co-autores e não partícipes.

5.1.1 Homicídio qualificado

Para um melhor entendimento deste, conveniente é dividi-lo conforme as suas qualificadoras, quais sejam: mediante paga ou promessa da recompensa, ou por outro motivo torpe; por motivo fútil; com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum; à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido; e finalmente para assegurar a execução, ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime.

- Mediante paga ou promessa de recompensa: a paga consiste no recebimento prévio da recompensa pelo crime, e na promessa, ocorre a expectativa de paga, cuja efetivação encontra-se condicionada ao cometimento do crime. Neste caso, ocorre o concurso necessário de pessoas, vez que é preciso para sua configuração a existência de no mínimo dois sujeitos ativos, o pagador ou promitente pagador e o executor do homicídio. Segundo Mirabete (2005, p. 916):

"O chamado homicídio mercenário ocorre quando o agente ou recebe um pagamento para praticá-lo ou o comete apenas porque obteve a promessa de ser recompensado pelo ato, devendo esta ter significado econômico, apesar de opiniões em contrário. Segundo a doutrina, a circunstância qualificadora, sendo elementar do delito, comunica-se àquele que paga ou promete a recompensa, como pode ocorrer em qualquer caso de concurso de pessoas, desde que conhecidas pelos co-autores ou partícipes".

Assim, essa circunstância comunica-se aos sujeitos ativos do delito, vez que é objetiva, e, além disso, elementar do tipo penal.

- Motivo torpe: motivo torpe é aquele que atinge mais profundamente o sentimento ético-social da coletividade, motivo repugnante, abjeto, vil, indigno, que repugna à consciência média. Assim, no que se refere ao concurso de pessoas, ensina Bitencourt (2003, p. 67), "os motivos que qualificam o crime de homicídio, na hipótese de concurso de pessoas, são incomunicáveis, pois a motivação é individual, e não constituem elementares típicas, segundo o melhor entendimento doutrinário".

- Motivo fútil: motivo fútil é aquela insignificante, desproporcional à reação criminosa, é, segundo a exposição de motivos do Código Penal, é aquele que pela sua mínima importância, não é causa suficiente para o crime, expressão essa objeto de críticas pela doutrina. Motivo fútil também não pode ser confundido com ausência de motivos, pois se não houver motivo para o crime de homicídio, este não poderá ser qualificado. Na hipótese de ocorrer o concurso de pessoas, as qualificadoras referentes aos motivos determinantes do crime são incomunicáveis entre os participantes, e isso se deve ao fato de que, as circunstâncias de caráter pessoal não se comunicarem entre si, conforme dispõe o artigo 30 do Código Penal.

- Com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum: como meio insidioso a doutrina entende como aquele utilizado sub-repticiamente, com fraude, clandestino, sem o conhecimento da vítima, o que torna o homicídio qualificado. Por meio cruel, entende-se aquele tipo de delito que sujeita a vítima a graves e inúteis sofrimentos físicos e morais, um meio bárbaro, brutal, que aumenta inutilmente o sofrimento da vítima, lembrando que não incide nesta qualificadora se o sujeito ativo do delito cometer tais atos após a morte da vítima. E finalmente, que possa resultar perigo comum, vem a ser aquele que pode atingir um número indefinido ou indeterminado de pessoas, podendo ocorrer o concurso formal entre o delito de homicídio e o delito de perigo comum, como no exemplo de incêndio, explosivo, inundação ou desabamento. Por serem tais circunstâncias objetivas, se comunicam entre os agentes participantes do delito, se os mesmos tiverem conhecimento de tal situação, do contrário, não se pode falar em comunicação das circunstâncias do delito.

- À traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido: nesta hipótese, ocorre a qualificação do delito de homicídio não em razão do meio utilizado, mas do modo insidioso que a atividade delituosa é praticada, dificultando ou impossibilitando a defesa da vítima. Na realidade, a traição, emboscada, dissimulação e surpresa, são recursos insidiosos que dificultam, ou em muitos casos, tornam impossível a defesa da vítima. Nesta situação, repete-se a aplicação do concurso de pessoas do tópico acima, ou seja, as circunstâncias do delito, por serem de natureza objetiva, só se comunicam entre os sujeitos ativos do crime, se os mesmos tiverem plena ciência de sua conduta estar enquadrada em uma das formas trazidas por este inciso IV do Código Penal, do contrário, não há como se falar de comunicação entre as circunstâncias que qualificam o delito de homicídio.

- Para assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime: no que se refere à esta qualificadora, Bitencourt (2003, p. 75), assevera que:

"Em qualquer das quatro hipóteses elencadas no inciso V é irrelevante que o autor do homicídio aja no interesse próprio ou de terceiro. Não se trata de crime complexo, mas de simples conexão entre o homicídio e o outro crime, que, se efetivamente executado, determinará o cúmulo material das penas. Não desaparece a qualificadora de homicídio, mesmo que se extinga a punibilidade do outro crime, consoante determina o artigo 108, 2ª parte do CP"

Ou seja, há uma conexão entre o delito de homicídio e qualquer outro que o sujeito esteja visando garantir sua execução, ocultação, impunidade ou vantagem de outro crime. Sendo que há conexão teleológica quando o homicídio é cometido com o fim de assegurar a execução de outro delito; há conexão conseqüencial quando o homicídio é cometido a fim de assegurar a ocultação, impunidade ou vantagem em relação a outro crime. (JESUS, 2005, p. 70).

Outro ponto importante, para que aja a incidência da qualificadora, não é necessário que o sujeito realmente assegure a execução do outro delito, uma vez que o Código Penal pune mais severamente a maior censurabilidade da conduta, revelada na intenção de praticar um crime para assegurar a realização de outro. Também não é preciso que o outro crime tenha sido ou venha a ser praticado pelo próprio agente, podendo sê-lo por intermédio de um terceiro.

Da mesma forma que nos demais casos onde há a circunstância objetiva, as qualificadoras referentes aos motivos do crime são incomunicáveis aos co-autores, quando estes desconhecem a motivação. (DELMANTO, 2002, p. 251).

5.1.2 Homicídio privilegiado

No que se refere ao homicídio privilegiado, Bitencourt (2003, p. 56) ensina:

"As circunstâncias especialíssimas elencadas no § 1º do art. 121 minoram a sanção aplicável ao homicídio, tornando-o um crimen exceptum. Contudo, não se trata de elementares típicas, mas de causas de diminuição de pena, também conhecidas como minorantes, que não interferem na descrição típica, permanecendo esta inalterada. Por essa razão, as "privilegiadoras" não se comunicam na hipótese de concurso de pessoas (art. 30 do CP)".

Assim, não há mais o que se falar sobre o tema, pois as circunstâncias trazidas pelo parágrafo primeiro do artigo 121 são: por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima são de caráter pessoal, e por isso não se transmitem caso venha o delito ser praticado em concurso de agentes.

5.2 DO INDUZIMENTO, INSTIGAÇÃO OU AUXÍLIO AO SUICÍDIO

Delito previsto no artigo 122, caput do Código Penal, cuja pena é de 02 (dois) a 06 (seis) anos de reclusão, e consiste na conduta do agente de induzir, instigar ou auxiliar no suicídio da vítima.

O crime de induzimento, instigação ou auxílio ao suicídio encontra-se assim previsto no Código Penal pátrio:

"Art. 122 - Induzir ou instigar alguém a suicidar-se ou prestar-lhe auxílio para que o faça:

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, se o suicídio se consuma; ou reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, se da tentativa de suicídio resulta lesão corporal de natureza grave.

Parágrafo único - A pena é duplicada:

I - se o crime é praticado por motivo egoístico;

II - se a vítima é menor ou tem diminuída, por qualquer causa, a capacidade de resistência".

Importante lembrar que o suicídio realizado pela própria vítima, seu auxílio de terceiro, constitui um indiferente penal, porém, por não ter o ser humano o direito de dispor de sua própria vida, tal conduta torna-se, apesar de atípica, contrária ao ordenamento jurídico.

Como sujeito ativo deste delito tem-se aquele que auxilia, induz ou instiga a vítima a cometer o suicídio, sendo o sujeito passivo o ser humano, que, tendo alguma capacidade de resistência à conduta do sujeito ativo, possa ser induzido, instigado ou auxiliado. É crime comum, o que significa dizer que pode ser praticado por qualquer pessoa, além disso, ainda é considerado alternativo quanto à conduta, comissivo, instantâneo, material e de dano.

As condutas discriminadas no tipo penal, a princípio podem ser confundidas com as modalidades de participação, mas na realidade o que ocorre é que as condutas previstas no tipo penal são autônomas, de modo que quem as pratica será autor do delito.

Nesse sentido, induzir significa criar na mente da vítima o desejo de suicídio, a instigação se traduz no comportamento daquele que reforça, estimula de forma idônea a idéia já preexistente na vítima, e o auxílio, consiste no ato material, como por exemplo, o fornecimento da arma ou de veneno à vítima.

Pode tal crime ser praticado com dolo direto ou eventual, sendo ainda admitido o cometimento por omissão, como é o caso daquele que tem o dever jurídico de impedir o resultado (há julgados em sentido contrário).

Apesar de o delito ser a participação em suicídio, esse admite tanto a co-autoria quanto a participação em sentido estrito, ou seja, se determinada pessoa induz outra a suicidar-se, aquele será autor do crime. Todavia, se duas pessoas, de comum acordo, praticarem essa mesma atividade, serão punidas como co-autores. Pode ainda ocorrer que uma pessoa induza outra a instigar uma terceira pessoa a se suicidar-se, o indutor será punido como partícipe e o instigador será o autor do crime de participação em suicídio, pois realizou a conduta típica. (BITENCOURT, 2003, p.119).

5.3 DO INFANTICÍDIO

O infanticídio vem tipificado no ordenamento penal no artigo 123, o qual prevê a pena de detenção de 02 (dois) a 06 (seis) anos, e consiste em uma modalidade de homicídio privilegiado, praticado pela mãe da vítima, tendo em vista que o próprio dispositivo dispõe "próprio filho" e "estado puerperal", e sua redação se dá da seguinte forma:

"Art. 123 - Matar, sob a influência do estado puerperal, o próprio filho, durante o parto ou logo após:

Pena - detenção, de 2 (dois) a 6 (seis) anos".

Sua classificação é de delito próprio, vez que somente pode ser praticado pela mãe da vítima, o que ocasiona a discussão acerca da possibilidade de haver a co-autoria ou participação de terceiro, sendo que a maioria da doutrina entende ser possível, comunicando-se ao co-autor ou partícipe as condições elementares do tipo, ou seja, a mãe da vítima é o sujeito ativo do delito, já o sujeito passivo vem a ser o filho nascente ou recém-nascido. É classificado como delito de dano, material, instantâneo, comissivo ou omissivo impróprio, principal, simples, de forma livre e plurissubsistente.

É crime doloso, podendo ser praticado com dolo direto ou eventual, não sendo admitida a existência deste na modalidade culposa. Pode se dar o infanticídio por ato omissivo ou comissivo da mãe, em relação ao primeiro caso o exemplo é o da mãe que deixa de cortar o cordão umbilical com o fim de ocasionar a morte de seu próprio filho, já, como exemplo da segunda modalidade, tem-se aquele da mãe, que logo após o parto desfere golpes contra o infante, ocasionando-lhe a morte.

Ensina Mirabete (2005, p. 965) que "A conduta típica, como no homicídio, é a de matar, de forma livre, podendo ser praticado por omissão, como a falta de ligadura do cordão umbilical. O crime de infanticídio exige que a mãe esteja, por ocasião da conduta, sob a influência de estado puerperal".

No que se refere ao concurso de pessoas, como mencionado a pouco, há grande discussão na doutrina sobre a possibilidade ou não do concurso de pessoas neste delito. Para tanto, Delmanto (2002, p. 110) defende que:

"A doutrina divide-se, entendendo uns que pode (Custódio da Silveira, Direito Penal, 1973, p.98; Humgria, Comentários ao Código Penal. 5 ed. 1979, v. v. p. 266, n. 58, alterando sua posição anterior; Damásio de Jesus, Direito Penal, 1995, v. II, p.93. Frederico Marques, Tratado. 1961, v. IV, p.141, com reservas; Magalhães Noronha, Direito Penal, 1995, v. II, pp. 47-48. A. Silva Franco e outros, Código Penal, 1995, p. 1650),enquanto outros consideram que o partícipe do infanticídio deve responder por homicídio (Aníbal Bruno, Direito Penal, 1966, v. IV, p. 150; H. Fragoso, Lições de Direito Penal – Parte Especial, 1995, v. I, p. 57; A. Mayrink da Costa, Direito Penal – Parte Especial, 1994, v. II, t. I, p. 154). Em nossa opinião, o concurso deve ser admitido de acordo com a regra do CO, art. 30. Embora possa não ser a solução mais justa, pois o co-autor ou partícipe não se encontra em estado puerperal, não merecendo receber a pena mais branda do infanticídio, foi a adotada pelo legislador".

A fim de esclarecer os motivos de tamanha discussão, tem-se a idéia de Jesus, o qual, em resumo explica que a solução para tal delito quando do concurso de pessoas não é tão simples, pois o objeto principal da discussão encontra-se na questão da comunicabilidade ou não do estado puerperal.

O qual é elementar do crime de infanticídio, e se respeitada for a disposição do artigo 30 do Código Penal, deve, portanto comunicar-se entre os participantes do delito, o que ocasionaria um absurdo, pois assim o partícipe ou co-autor se acobertaria do privilégio do infanticídio, quando sua conduta seria um homicídio caracterizado.

Há ainda outros autores que defendem que o partícipe ou co-autor deve responder por infanticídio se participar de maneira meramente acessória, porém, tal teoria não é aceita, ou seja, no infanticídio pode haver co-autoria ou participação, nas seguintes hipóteses, as quais são baseadas na idéia de Jesus (2005, p. 112):

"1ª) a mãe e terceiro realizam a conduta do núcleo do tipo: "matar" (pressupondo o elemento subjetivo específico);

2ª) a mãe mata a criança, contando com a participação acessória do terceiro;

3ª) o terceiro mata a criança, contando com a participação meramente acessória da mãe.

Examinaremos as três hipóteses:

1ª) Se ambos matam a criança, qual o fato: homicídio ou infanticídio? Concurso de pessoas em qual dos delitos? Se tomarmos o homicídio como fato, haverá a seguinte incongruência: se a mãe mata o filho sozinha, a pena é menor; se com o auxílio de terceiro, de maior gravidade. Sob outro aspecto, fica destruída a intenção de a lei beneficia-la quando pratica o fato sob a influência do estado puerperal. Se tomarmos o infanticídio como fato, o terceiro também deverá responder por este delito, sob pena de quebra do princípio unitário que vige no concurso de pessoas.

2ª) Se a mãe mata a criança, o fato principal é infanticídio, a que acede a conduta do terceiro, que também deve responder a este delito.

Solução adversa só ocorreria se houvesse texto expresso a este respeito.

3ª) Se o terceiro mata a criança, a mando da mãe, qual o fato principal determinado pelo induzimento? Homicídio ou infanticídio? Não pode ser homicídio, uma vez que, se assim fosse, haveria outra incongruência: e a mãe matasse a criança, responderia por delito menos grave (infanticídio); se induzisse ou instigasse o terceiro a executar a morte do sujeito passivo, responderia por delito mais grave (co-autoria no homicídio)".

Em continuidade a esta explanação, o mesmo entende que o terceira deveria responder pelo delito de homicídio, porém, em razão do disposto no artigo 30 do Código Penal, e ainda o fato de a influência do estado puerperal e a relação de parentesco são elementares do tipo comunicam-se entre os participantes do delito, assim, o terceiro responde pela prática do delito de infanticídio. Porém, o referido autor, entende não ser esta a solução correta, para ele, a mãe deveria responder por infanticídio, e o terceiro deveria responder por homicídio sem qualquer atenuante.

Já Bitencourt (2003, p. 153) ao tratar do presente tema entende que:

"Realmente, os parágrafos do art. 29 consagram aquilo que poderíamos chamar de graus de participação: participação de menor importância e cooperação penal dolosamente distinta.

Assim, embora o fato principal praticado pelo terceiro configure o crime de homicídio, certamente a mãe puérpera "quis participar de crime menos grave", como prevê o § 2º do art. 29. Por isso, à luz do disposto nesse dispositivo, há desvio subjetivo de condutas, devendo o partícipe responder pelo crime menos grave do qual quis participar, qual seja, o infanticídio. Essa nos parece a solução correta, caso contrário, estaríamos violando todo o sistema do Código e, particularmente, o disposto no art. 30, que afirma textualmente que "não se comunicam as circunstâncias e as condições de caráter pessoal", pois o estado puerperal, na hipótese de simples partícipe, será mera condição pessoal, que é incomunicável; será elementar do tipo (aí comunicável) somente quando a própria mãe for autora (ou co-autora) da morte do próprio filho".

Com base no entendimento da doutrina tem-se a noção de que realmente este tema ocasiona grande discussão, e sendo este crime de competência do tribunal do júri, caberá ao promotor de justiça, advogado de defesa ou assistente de acusação convencer os jurados, no caso de concurso de pessoas em infanticídio qual deve ser a modalidade de concurso de pessoas a ser aplicada a cada um dos participantes do delito, e em conseqüência por qual delito cada um deles deverá responder.

5.4 DO ABORTO

O crime de aborto é conceituado pela doutrina como a interrupção da gravidez com a conseqüente morte do feto (produto da concepção). (JESUS, 2005, p. 119) ou, como complementa Mirabete (2005, p. 968): "O aborto é a interrupção da gravidez com a morte do produto da concepção, que pode ser o ovo, embrião ou o feto, conforme a fase de sua evolução. Pode ser espontâneo, natural ou provocado, sendo neste ultimo caso criminoso, exceto se praticado em uma das formas do art. 128".

É delito previsto no artigo 124 e seguintes do Código Penal, cuja pena vária entre 01 (um) a 03 (três) anos de detenção, quando provocado pela gestante ou com seu consentimento, ou ainda, provocado por terceiro sem o consentimento da gestante, cuja pena varia de 03 (três) a 10 (dez) anos de reclusão, provocado por terceiro com o consentimento da gestante, com pena variando de 01 (um) a 04 (quatro) anos de reclusão, e finalmente o aborto qualificado, no qual as penas cominadas nestas duas últimas hipóteses são aumentadas de um terço, caso, em decorrência do aborto ou dos meios empregados para tal, a gestante sofre lesão corporal de natureza grave, e são duplicadas se, por qualquer dessas causas, a mesma vem a falecer.

Porém, a fim de facilitar o entendimento do tema no que se relaciona ao concurso de pessoas, conveniente é realizar a mesma de forma separada, assim como ocorreu no estudo do delito de homicídio.

5.4.1 Aborto provocado pela gestante ou com o seu consentimento

Esta modalidade de aborto encontra-se prevista no artigo 124 do Código Penal, da seguinte forma:

"Art. 124 - Provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem lho provoque:

Pena - detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos".

Como visto, o tipo objetivo se divide em duas partes, sendo que a primeira conduta típica é provocar o aborto, independentemente do meio, interrompendo a gravidez com a morte do produto da concepção, a qual pode ocorrer no útero ou fora dele, e a segunda conduta é a de consentir a gestante no aborto, exigindo-se então a figura do provocador, terceiro que responderá pelo delito na forma do artigo 126, com pena mais severa, o que faz dessa segunda parte do delito, um crime cujo concurso de pessoas é necessário, e não eventual.

Como sujeito ativo deste crime, denominado de auto-aborto, tem-se a própria gestante, já na hipótese de ser o mesmo provocado com o consentimento da mesma, são dos os sujeitos ativos, a gestante e o terceiro que participou da realização do aborto. Na primeira hipótese o sujeito passivo é apenas o feto, enquanto na segunda, ocorre o que a doutrina denomina subjetividade passiva, vez que os sujeitos passivos são o feto e a própria gestante.

É crime doloso, admite tentativa, e ainda crime próprio ou comum quanto ao sujeito, doloso, comissivo ou omissivo, material de dano, efetivo e instantâneo.

Delmanto (2002, p. 268), no que se refere ao concurso de agentes nesta modalidade de aborto diz que: "a matéria não é pacífica na doutrina, mas entendemos que o partícipe que meramente auxilia ou encoraja a gestante a consentir estará incurso no artigo 124 e não no art. 126 ou 127, ainda que ela morra ou sofra lesão grave".

E continua dizendo:

"quem apenas auxilia a gestante, induzindo, indicando, instigando, acompanhando, pagando, etc., será co-partícipe do crime do art. 124, não do art. 126 do CP. A co-autoria do art. 126 deve ser reservada, apenas a quem eventualmente auxilie o autor na execução material do aborto".

Já Bitencourt (2003, p. 161), assevera que:

"[...] a mulher que consente no aborto incidirá nas mesmas penas do auto-aborto, isto é, como se tivesse provocado o aborto em si mesma, nos termos do art. 124 do CP. A mulher que consente no próprio aborto, e na seqüência, auxilia decisivamente nas manobras abortivas pratica um só crime, pois provocar aborto em sim mesma ou consentir que outrem lho provoque é crime de ação múltipla ou de conteúdo variado. Quem provoca o aborto, com o consentimento da gestante, pratica o crime do art. 126 do mesmo estatuto e não o do art. 124. Assim, por exemplo, o agente que leva uma amásia à casa da parteira, contrata e paga os seus serviços é autor do crime tipificado no art. 126, enquanto a amásia, que consentiu, incorre no art. 124. Enfim, o aborto consentido não admite co-autoria entre o terceiro e a gestante, constituindo uma das exceções à teoria monística da ação, que é a consagrada pelo nosso Código Penal. E quem provoca aborto sem consentimento da gestante incorre nas sanções do artigo 125".

Neste delito, não ocorre a mesma discussão que acontece no infanticídio, pois a doutrina em sua maioria adota o que foi acima explicado, o que já permite adiantar o estudo, e então realizar a abordagem do delito de aborto provocado por terceiro.

5.4.2 Aborto provocado por terceiro sem o consentimento da gestante

Crime previsto no artigo 125 do Código Penal, cuja pena é de reclusão de 03 (três) a 10 (dez) anos, possui esta a modalidade de aborto uma maior pena prevista, e isso se deve ao fato da ausência do consentimento da gestante. O referido artigo encontra-se textualizado da seguinte forma:

"Art. 125 - Provocar aborto, sem o consentimento da gestante:

Pena - reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos".

Neste delito o sujeito ativo do crime vem a ser o terceiro que provoca o aborto na gestante, sem o consentimento desta, o sujeito passivo é a gestante, bem como o Estado, que tem interesse não só na integridade corporal da mulher, como também no nascimento do produto da concepção.

A conduta típica é a mesma do aborto realizado por terceiro com o consentimento da gestante, porém, neste caso geralmente o aborto é realizado com violência ou ameaça, bem como poderá ocorrer por meio de fraude, ou ainda por omissão.

Também admite a tentativa, e distingue-se a provocação do aborto sem o consentimento da gestante do homicídio (que ocorre quando a conduta de matar do agente é posterior ao início do parto). Outra peculiaridade é que, quando o agente pratica homicídio contra a gestante, estando ciente da gravidez desta responde pelo concurso formal desses crimes, porém, a pluralidade de fetos não acarreta o concurso de crimes, pois os mesmos não são sujeitos passivos do crime.

Neste caso, como não há o consentimento da gestante para a prática do aborto, ocorre o concurso eventual de pessoas, ou seja, responderá cada participante do delito na medida de sua culpabilidade. O que significa dizer que será autor aquele que realizou a conduta típica do tipo penal, e partícipe aquele que, instigou, induz ou ainda realiza uma atividade secundária que contribui, estimula ou favorece a execução da conduta criminosa, de forma acessória à conduta realizada pelo autor do delito.

5.4.3 Aborto provocado por terceiro com o consentimento da gestante

Delito previsto no artigo 126 do Código Penal, cuja pena varia de 01 (um) a 04 (quatro) anos de reclusão, e, sendo a gestante menor de 14 anos, alienada ou débil mental, ou se o consentimento da gestante é fruto de grave ameaça ou violência, a pena varia de 03 (três) a 10 (dez) anos de reclusão.

Encontra-se contextualizado da seguinte forma no Código Penal:

"Art. 126 - Provocar aborto com o consentimento da gestante:

Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos.

Parágrafo único - Aplica-se a pena do artigo anterior, se a gestante não é maior de 14 (quatorze) anos, ou é alienada ou débil mental, ou se o consentimento é obtido mediante fraude, grave ameaça ou violência".

Como não é delito próprio, pode ter como sujeito ativo qualquer pessoa que realize a conduta típica. Já a gestante, e os que colaboram com esta respondem pelo crime previsto no artigo 124, com pena menos severa. O sujeito passivo, segundo defende Mirabete é o Estado, porém, há autores, como Delmanto que defendem que neste caso o sujeito passivo é o feto, não sendo pacífica a doutrina neste sentido.

No que se refere ao concurso de pessoas, nada impede a co-autoria ou participação de terceiros que atuarem em favor do agente, novamente aplicando-se a regra geral deste instituto, no qual o autor é quem tem o domínio do fato, e partícipe é aquele que apenas presta um auxílio material ou intelectual secundário se comparada com a conduta realizada pelo autor do delito.

5.4.4 Aborto qualificado

Qualifica-se o delito de aborto, nos termos do artigo 127 do Código Penal, in verbis:

"Art. 127 - As penas cominadas nos dois artigos anteriores são aumentadas de um terço, se, em conseqüência do aborto ou dos meios empregados para provocá-lo, a gestante sofre lesão corporal de natureza grave; e são duplicadas, se, por qualquer dessas causas, lhe sobrevém a morte".

A qualificação pelo resultado é aplicável somente aos artigos 125 e 126 do Código Penal, e não ao artigo 124, de modo que, não configura a qualificadora a lesão corporal apenas leve, ou seja, para que incida a qualificadora, é necessário que o resultado morte ou lesão corporal tenha sido causado, ao menos por culpa do agente.

Como visto, este artigo se refere aos crimes preterdolosos ou preterintencionais, o que significa dizer que ocorrem quando houver somente culpa com relação a esses resultados descrito no tipo.

5.4.5 Aborto necessário e aborto no caso de gravidez resultante de estupro

Dispõe o artigo 128 do Código Penal que:

"Art. 128 - Não se pune o aborto praticado por médico:

I - se não há outro meio de salvar a vida da gestante;

II - se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal".

Estes são as espécies denominadas pelo Código Penal como aborto legal, porém, na doutrina tem-se a divisão dos mesmos em: aborto necessário ou terapêutico e aborto humanitário ou sentimental.

- Aborto necessário ou terapêutico: no qual se elimina a vida fetal em favor da vida da gestante, é o que a doutrina caracteriza como uma espécie de estado de necessidade. Porém, para que seja autorizado e, portanto não considerado ilícito deve estar presente a atualidade do perigo para a gestante, e ainda, a inexistência de outro meio para salvá-la. Nos termos da legislação, dispensa-se o consentimento da gestante. Por se tratar de hipótese considerada como estado de necessidade, outra pessoa que, não legalmente habilitada, realiza o aborto necessário, poderá invocar o estado de necessidade a fim de ter sua ilicitude excluída.

A absolvição da autora do aborto por estado de necessidade deve ser estendida ao co-autor.

- Aborto sentimental ou humanitário: é autorizado quando a gravidez é conseqüência do crime de estupro e a gestante consente na sua realização, não havendo na lei uma determinação temporal para que a gestante desista da gravidez e realize o aborto. Para que seja autorizada esta modalidade de aborto, faz-se necessário o preenchimento dos seguintes requisitos: gravidez resultante de estupro e o prévio consentimento da gestante, ou, sendo incapaz, de seu representante legal. E vale lembrar que a prova do estupro deve ser cabal. Atualmente, por conseqüência da interpretação analógica, tem-se admitido tal autorização para a realização de aborto quando a gravidez é decorrente de atentado violento ao pudor.

Para Jesus (2005, p. 128-129), em crime decorrente de estupro e se o aborto é realizado por enfermeira ou qualquer outra pessoa, deve esta responder pela prática do delito, vez que o artigo 128 do Código Penal permite que o médico realize o aborto sem que este seja considerado crime, então, sendo a enfermeira a pessoa a realizar este aborto, acabará não podendo fazer uso da exclusão de ilicitude específica prevista no artigo 128, por não preencher a qualidade especial do agente.

Porém, caso a enfermeira apenas ajude o médico a realizar o aborto, não responderá pelo delito de aborto, em razão da teoria da acessoriedade limitada da participação, segundo a qual, exige que a conduta principal seja típica e antijurídica, ou seja, não sendo a conduta do médico, ao realizar o aborto sentimental antijurídica, não pode ser, a conduta da enfermeira que auxilia o autor, no caso o médico, ser considerada antijurídica.


6 DA APLICAÇÃO DA PENA NO CONCURSO DE PESSOAS

A aplicação da pena no concurso de pessoas é tema de grande importância, vez que o julgador, quando da análise dos autos, deve ater-se a todas as circunstâncias de fato e de direito, para então, após isso, ao tomar sua decisão, no caso de concurso de pessoas, analisar calmamente qual foi a participação de cada um dos sujeitos ativos no decorrer do iter criminis.

É neste instante que a sua tarefa se torna complicada, pois existe além de todas as teorias que tratam do concurso de pessoas, há ainda questões, como a participação de menor importância ou a cooperação dolosamente distinta, razão pela qual, não é possível realizar uma pesquisa que trate do concurso de pessoas, sem falar da punibilidade dos agentes.

6.1 PUNIBILIDADE NO CONCURSO DE PESSOAS

O Código Penal, em seu artigo 29 e seguintes traz o concurso de pessoas, bem como faz a divisão do mesmo, da forma a seguir disposta:

"Art. 29 - Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade.

§ 1º - Se a participação for de menor importância, a pena pode ser diminuída de um sexto a um terço.

§ 2º - Se algum dos concorrentes quis participar de crime menos grave, ser-lhe-á aplicada a pena deste; essa pena será aumentada até metade, na hipótese de ter sido previsível o resultado mais grave.

Art. 30 - Não se comunicam as circunstâncias e as condições de caráter pessoal, salvo quando elementares do crime.

Art. 31 - O ajuste, a determinação ou instigação e o auxílio, salvo disposição expressa em contrário, não são puníveis, se o crime não chega, pelo menos, a ser tentado".

Desta forma, resta claro, que a pena aplicada a cada um dos agentes na medida de sua culpabilidade, devendo ainda ser observa a participação de menor importância, a qual possibilita a redução da pena de um sexto a um terço, e ainda sobre a cooperação dolosamente distinta, e da participação não punível.

A princípio, todos os autores, co-autores e partícipes incidem nas penas cominadas ao delito praticado, exceto os partícipes se tiverem desejado participar de crime menos grave.

Com a adoção da teoria monista, o juiz, ao aplicar a pena, deve levar em consideração a reprovabilidade do comportamento de cada co-autor e de cada partícipe, individualmente.

A fim de facilitar o entendimento desta questão, cada uma dessas modalidades será estudada na seqüência, em tópico individualizado.

6.2 PARTICIPAÇÃO DE MENOR IMPORTÂNCIA

Prado (2006, p. 482), ensina que: "como decorrência lógica da orientação insculpida no art. 29, caput, do Código Penal, surge essa causa redutora de pena, de caráter obrigatório, em sendo a contribuição do partícipe de menor importância ou apoucada relevância para o delito".

Nesta hipótese, a palavra "participação tem de ser entendida em seu sentido mais amplo, ou seja, de forma que seu entendimento abarque as formas moral e material, e somente deve ser aplicada quando a conduta do partícipe demonstre leve eficiência causal. E essa questão, é decorrente do princípio segundo o qual a a punibilidade dos participantes é determinada de acordo com sua culpabilidade, tomada no sentido de reprovabilidade social. Já a expressão "de somenos importância" refere-se à contribuição prestada pelo agente e não à sua capacidade de delinqüir. De modo que, a redução de um sexto a um terço deve variar de acordo com a maior ou menor contribuição do partícipe na prática delituosa: quanto mais a conduta se aproximar do núcleo do tipo, maior deverá ser a pena; quando mais distante do núcleo, menor deverá ser a reprimenda penal.

6.3 COOPERAÇÃO DOLOSAMENTE DISTINTA

No parágrafo segundo do artigo 29 do Código Penal, encontra-se previsto a forma de punição da hipótese em que um dos partícipes quis participar de um crime menos grave.

Para explicá-la, novamente, vem a tona a idéia de Prado (2006, p. 482), o qual leciona que:

"[...] essa previsão legal serviu para matizar a teoria monística ou unitária abraçada, implicando a reafirmação do caráter individual da culpabilidade. Determina-se claramente que, em caso de desvio subjetivo de conduta – quando um dos intervenientes queria (dolo) participar do delito menos grave e não do mais grave realizado por outro concorrente (participação do crime menos grave) -, a culpabilidade seja mensurada individualmente, com a aplicação proporcional da pena. Todavia, responderá o partícipe pelo crime menos grave, com a pena aumentada até a metade, em lhe sendo previsível o resultado (artigo 29, § 2º do CP)".

Mirabete (2004, p. 297), complementa esta idéia, dizendo que: "Se, entretanto, o agente previu o resultado, e o aceitou, responderá pelo crime mais grave em decorrência do dolo eventual".

Esta não se aplica aos crimes culposos em razão de que não é possível falar em querer resultado diverso do pretendido nos crimes desta categoria.

Esse dispositivo cuida da hipótese de o autor principal cometer delito mais grave que o pretendido pelo partícipe. Ex.: A determina B a espancar C. B age com tal violência que produz a morte de C. Segundo a disposição, A responde por crime de lesão corporal (delito menos grave), cuja pena deverá ser aumentada até metade se a morte da vítima lhe era previsível.

Jesus (2005, p. 319), acerca do tema, assim exemplifica:

"A regra da disposição tem aplicação a todos os casos em que algum dos participantes quis realizar delito de menor gravidade. Assim, suponha-se que dois assaltantes combinem a prática de um roubo. Um deles permanece fora da residência da vítima. O outro nela penetra e comete um latrocínio. Demonstrado que a morte da vítima não ingressou na esfera do dolo direto ou eventual do partícipe, este deverá responder por roubo qualificado, mas não por latrocínio. Se, entretanto, lhe era previsível a morte do sujeito passivo, sem ter agido com dolo direto ou eventual, a pena do roubo qualificado será aumentada até metade. Com isso, o novo texto proscreveu a antiga regra do parágrafo único do art. 48 do CP de 1940, que consagrava caso de responsabilidade objetiva".

Razão pela qual, novamente dependerá da análise dos autos que estão sob os olhos do julgador para então aplicar esta modalidade de causa de diminuição de pena, em razão do desvio subjetivo de conduta do partícipe e do autor.

6.4 PARTICIPAÇÃO IMPUNÍVEL

Dispõe o artigo 31 do Código Penal, que "o ajuste, a determinação ou instigação e o auxílio, salvo disposição expressa em contrário, não são puníveis, se o crime não chega, pelo menos, a ser tentado".

Diante disso, não são puníveis as formas de concurso de pessoas, quando o crime não chega à fase de execução. Sendo importante ressalvar a disposição que diz respeito aos casos em que a determinação, o ajuste etc. são puníveis como delitos autônomos. Exs.: CP, arts. 286 e 288 (incitação a crime e quadrilha ou bando, respectivamente). Outro dado importante é que a reforma de 1984 extinguiu a medida de segurança ao autor da participação impunível.

Novamente, caberá ao julgador, ao analisar os autos verificar se ocorreu a participação impunível, para tanto, o mesmo deverá ter conhecimento do iter criminis do crime que está sob julgamento, para, após a divisão do delito, ter a possibilidade de constatar se os atos praticados pelo partícipe ultrapassaram ou não os atos preparatórios.


7 DO JULGAMENTO DOS CRIMES DOLOSOS CONTRA A VIDA

Os tipos penais têm como objetivo a tutela abstrata dos bens jurídicos, de modo que o tipo e a sanção respectiva são pontos que dizem no momento da cominação abstrata. Desta forma, violado o preceito, passa a ter o Estado, em relação ao agente autor do fato violador, o direito de punir, também conhecido por jus puniendi, o qual consiste em um direito subjetivo e público e de exercício autolimitado pelo próprio Estado.

Assim, ocorrendo a infração penal, o Estado passa a, em razão deste direito subjetivo, a realizar investigações visando que o direito de punir seja satisfeito e efetivado, garantindo à sociedade a pacificação social por meio da repressão aos atos contrários ao ordenamento criminal.

Depois de aplicada a sanção, cabe também ao Estado promover a execução da condenação, a qual é reflexo da violação do preceito, o que então possibilita o perfeito encerramento da relação jurídica existente entre o Estado, a sociedade e o infrator.

7.1 DA COMPETÊNCIA PARA JULGAMENTO DOS CRIMES CONTRA A VIDA

Todavia, alguns crimes, como é o caso dos crimes dolosos contra a vida são julgados pelo Tribunal do Júri, diferentemente do que ocorre com os crimes contra o patrimônio, por exemplo, que são julgados pelo juiz singular.

E isso se deve ao previsto no artigo 5º, inciso XXXVIII da Constituição Federal, in verbis:

"Art. 5º - [...]

XXXVIII - é reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, assegurados:

a) a plenitude de defesa;

b) o sigilo das votações;

c) a soberania dos veredictos;

d) a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida;

[...]"

Assim, são apreciadas pelo Tribunal do Júri as infrações consideradas como crimes dolosos contra a vida e as infrações eventualmente conexas, conforme dispõe o artigo 78, inciso I do Código de Processo Penal.

Além disso, ainda há o artigo 74, § 1º do Código Penal que estabelece que:

"Art. 74 - A competência pela natureza da infração será regulada pelas leis de organização judiciária, salvo a competência privativa do Tribunal do Júri.

§ 1º - Compete ao Tribunal do Júri o julgamento dos crimes previstos nos arts. 121, §§ 1º e 2º, 122, parágrafo único, 123, 124, 125, 126 e 127 do Código Penal, consumados ou tentados.

[...]".

Há algumas hipóteses, em que mesmo havendo o crime contra a vida, a competência seja da Justiça Federal nos termos do artigo 109 da Carta Magna, como por exemplo, no caso de um homicídio ser cometido no interior de aeronave (art. 109, IX da CF), delito este que virá a ser julgado pelo Tribunal do Júri Federal, o qual segue as mesmas normas processuais.

Pois bem, agora que já se tem a noção do motivo pelo qual os crimes dolosos contra a vida são julgados pelo Tribunal do Júri, será dado ênfase ao estudo da forma de aplicação da pena.

7.2 DO JULGAMENTO DOS CRIMES DOLOSOS CONTRA A VIDA E A APLICAÇÃO DA PENA

Como visto no tópico acima, a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida é do Tribunal do Júri, o qual é formado de 7 jurados, que após o interrogatório do acusado ou dos acusados, inquirição das testemunhas de acusação e de defesa, são encaminhados à sala de votação secreta, onde respondem aos quesitos formulados pelo juiz.

Do conjunto de respostas destes quesitos é que ocasiona a condenação, absolvição ou desclassificação do delito, sendo que com base no resultado da votação é que o juiz passa a redigir a sentença.

Ou seja, não são os jurados que aplicam a pena, eles apenas decidem a natureza da conduta do acusado, e o juiz fica atrelado a esta decisão para então proferir sua sentença.

Como salienta Noronha (1979, p. 278) "a sentença, como é óbvio, não pode se afastar do veredicto do júri", e, assim, a sentença no processo de crimes de competência do Tribunal do Júri é de formação complexa e subjetivamente complexa, porque o Tribunal do Júri é um órgão colegiado heterogêneo em que os jurados decidem sobre o crime e o juiz togado sobre a aplicação das sanções penais, e isso se deve ao princípio da soberania dos veredictos, conforme dispõe o artigo 5º, XXXVIII, c da Constituição Federal.

Importante ressaltar que tal sentença deverá ser fundamentada, devendo o juiz reportar-se às conclusões a que chegou o conselho de sentença, que é formado pelos jurados, entretanto, quando da aplicação da pena, deverá o juiz fundamenta-la restringindo, seu arbítrio na individualização da mesma.

Então, após esta breve explanação, já tem-se a noção mínima de que, acerca da valoração do fato e da conduta a decisão é tomada pelos jurados, cabendo então ao juiz presidente do Tribunal do Júri, de acordo com a decisão dos jurados, no caso de condenação aplicar a pena, seguindo os ditames dos artigos 59 e 68 do Código Penal.

7.3 DOS JULGAMENTOS DOS CRIMES DOLOSOS CONTRA A VIDA CUJA APLICAÇÃO DA PENA DIVERGE ENTRE OS AGENTES

Em decorrência do concurso de pessoas, pode que dois agentes, mesmo tendo praticado em conjunto o mesmo delito, recebam penas diferentes, e isso se deve ao que já foi estudado, pois pode que um seja, quando do julgamento condenado como sendo o autor principal, e o outro como simples partícipe, ou ainda que para um deles, quando da votação dos quesitos, seja reconhecida o desvio subjetivo de conduta, ou ainda qualquer outra das demais causas já analisadas anteriormente.

Além disso, deve o juiz, quando da elaboração da sentença, analisar a culpabilidade de cada um dos agentes, e ainda obedecer ao sistema trifásico de aplicação da pena, o que pode ocasionar que um agente receba pena maior que a do outro que participou da execução do mesmo delito.

E isso se deve ao fato das circunstâncias previstas nos artigos 59 e 68 do Código Penal, bem como agravantes ou atenuantes que podem ser cabíveis a um agente e não ao outro, daí é que se fundamenta a diferença da pena aplicada aos agentes.

Pode ainda, que ocorrer que um agente seja condenado e o outro seja absolvido, pois pode que os jurados reconheçam que um deles foi o autor do delito e o outro, apesar de ter sido denunciado como co-autor ou partícipe, não tenha sequer participado do delito.

São inúmeras as situações que podem ocasionar que entre os agentes que executaram o mesmo fato delituoso sejam apenados de forma distinta.

Ensina Porto (2001, p. 343) que:

"Identificado, no concurso de pessoas, o autor direto ou autor principal, a ordem lógica, que pode ser a orientadora da apresentação aos jurados dos fatos relacionados com a conduta de autor não direto, ou co-autor, e assim identificado pela decisão de pronúncia, é aquela que tem por necessário o julgamento, em primeiro lugar, do autor principal. o que foi agora enunciado mostra, em hipóteses diversas que podem ser levantadas, não merecer aplicação, pois, em, um exemplo, poderá o agente tido como autor principal não estar presente, por motivações diversas, na instalação da sessão de julgamento, mas estando presente um co-autor; poderá, também, acontecer, se presente ambos, a separação dos julgamentos em decorrência do exercício do direito de recusa de jurados (§ 2º do art. 459, art. 461). Ainda, mencionada ordem lógica poderá, em decorrência de decisão fundamentada, não ser cumprida, na independência do exercício de recusas, por "motivos relevante" (art. 80), ou através de expressa concordância dos responsáveis pela acusação ou defesa".

Porém, é no que concerne à regras de fixação penal que o autor acima mencionado brilhantemente expõe:

"O concurso de pessoas prevê quatro hipóteses de orientação para o encontro da pena do partícipe, com atenção à sua culpabilidade. Para os agentes (1ª) que tenham concorrido com a mesma intensidade de vontade voltada para o resultado final, penas iguais (sem contar, é óbvio, com diversificações de caráter pessoal de cada partícipe), por que considerados os partícipes em um mesmo grau de culpabilidade (art. 29, caput); tendo sido (2ª) a conduta de um dos partícipes (§ 1º, do art. 29) de menor importância para o resultado, incidirá, na fixação da pena, causa de diminuição, "de um sexto a um terço"; se desejou (3ª) o partícipe, como resultado, um crime menos grave (§ 2º, do art. 29 – parte inicial), responderá como se tivesse praticado tal crime (por exemplo, desejava, somente, causar lesões corporais, enquanto outro partícipe decidiu matar); finalmente, em corolário dessa previsão, surge a 4ª hipótese, que trata (parte final do § 2º do art. 29) de causa de aumento de pena incidindo sobre a pena cominada para o crime desejado".

Ainda deve ser levada em consideração, quando da aplicação da pena a questão trazida pelo artigo 30 do Código Penal, o que somente, em razão de sua complexidade, pode ser analisada em cada caso.

Desta forma, estão elencadas as razões e situações pelas quais os agentes que praticam o mesmo delito, em ação conjunta, acabam por ser apenados com pena distintas entre si, o que é uma tarefa árdua, e exige um conhecimento pleno das circunstâncias do delito e dos sujeitos do delito, para que então, possa o juiz proferir sua decisão de acordo com as mesmas, e ainda observando a complexa regra dos artigos 59 e 68 do Código Penal.


8. CONCLUSÃO

Após a realização de uma pesquisa deste porte acerca do tema proposto é possível delinear as seguintes conclusões:

A primeira conclusão é a que se refere à complexidade do concurso de pessoas, tema este que envolve inúmeras peculiaridades, espécies e teorias atinentes, tornando o estudo do mesmo motivador.

Porém, para que fosse possível um estudo aprimorado e aprofundado acerca do tema, necessário é ter uma base firme das teorias e conceitos que envolvem o delito em si, o tipo penal, as modalidades de ação, e demais situações, para somente então, tendo um conhecimento sobre estas, se chegar à verificação do concurso de pessoas, ao estudo de cada uma de suas modalidades.

A segunda delas é que, no caso de ocorrer o concurso de pessoas, o julgamento do fato, que já é uma tarefa complicada, acaba por receber um plus de dificuldade, pois o julgador deve além de analisar todas as circunstâncias e elementos demonstrados no decorrer da instrução processual, deve ainda estudar e analisar pormenorizadamente a colaboração de cada um dos agentes para a realização do delito.

No caso do julgador essa tarefa faz parte do cotidiano do seu trabalho, porém, em se tratando de crimes dolosos contra a vida, os julgadores são os jurados, os quais, com base nas explanações da acusação e da defesa, decidem acerca da condenação ou absolvição dos agentes, porém, não possuem os jurados conhecimento jurídico capaz de interpretar, fundamentado nas teorias do concurso de pessoas, a participação e colaboração de cada um dos agentes no delito, motivo pelo qual, caberá à acusação ou à defesa, por meio de sua tese e explanação, convencê-los da situação de cada um dos agentes.

Em sendo decidida pelos jurados, compete ao Juiz aplicar a pena a cada um dos agentes, na medida de sua culpabilidade, e ainda observando o disposto nos artigos 29, 59 e 68, todos do Código Penal.

E é em decorrência da análise destes artigos que surgem casos em que apesar de os agentes terem praticado o mesmo delito, em conjunto, que um deles acaba por receber pena maior ou menor, se comparada com a pena aplicada ao co-autor, partícipe, cúmplice.

Também é possível concluir que, apesar de ser tratada em nosso ordenamento penal em apenas três artigos, a autoria remonta a um emaranhado de teorias, as quais, de certa forma, são relacionadas entre si e possibilitam a criação e o entendimento de diversas modalidades de concurso de pessoas, pois, como visto no decorrer da presente pesquisa, há a autoria, co-autoria, autoria mediata, autoria colateral, participação, a qual se divide em cumplicidade, instigação, auxílio e induzimento, dando ao tema uma vasta variedade de aplicabilidade prática.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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ANDRADE, Thiago Marciano de. Do concurso de pessoas nos crimes dolosos contra a vida . Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3009, 27 set. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20082. Acesso em: 7 maio 2024.