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Embasamento legal do uso da força pelo policial militar

Embasamento legal do uso da força pelo policial militar

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A fim de garantir a ordem pública, o Estado, através das Polícias Militares, e seus agentes, utiliza-se do poder de polícia. Porém, em muitas circunstâncias, o administrado não concorda com a atuação do Estado, e impõe resistência a execução da atividade estatal, necessitando assim do uso da força por parte do agente público.

Resumo: O Estado tem como principal característica o caráter disciplinador e normativo, com a finalidade de manter o convívio social harmônico, onde o indivíduo é capturado por uma rede de poder que o torna "útil e dócil". Neste sentido a força pública, mostra-se fundamental. Para atingir tais objetivos, os agentes públicos utilizam-se do poder de polícia, conferido pelo Estado. Dentre um dos atributos deste poder de polícia encontra-se a coercitividade, que permite o uso da força pelo policial militar quando no objetivo de garantir a preservação da ordem pública. A fim de garantir que a utilização desta força, esteja dentro do que se espera pela sociedade, a qual se manifesta através da legislação vigente, mostra-se pertinente o estudo sobre o embasamento legal do uso da força pelo policial militar. O conhecimento do tema mostra-se relevante não somente aos operadores do direito, policiais, advogados, membros do Ministério Público ou Judiciário, mas à sociedade que clamando por profissionais qualificados, necessita deter o conhecimento sobre os limites legais de sua atuação, assim como os agentes públicos que irão exercer tais atividades atinentes a segurança pública. A coercibilidade, atributo do poder de polícia, esboçado na pesquisa, somado a atuação condizente com alguma excludente de ilicitude, elencada na legislação, embasa a atuação policial militar frente a necessidade do uso da força.

Palavras-chave: Polícia Militar. Uso da Força. Poder de Polícia.

Sumário: 1. Introdução. 1.1 Tema. 1.2 Problema. 1.3 Justificativa. 1.4 Objetivos. 1.4.1 Objetivo geral. 1.4.2 Objetivos específicos. 1.5 Metodologia. 1.5.1 Método. 1.5.2 Método de pesquisa. 1.5.3 Técnica de coleta de dados. 1.6 Organização dos capítulos. 2. Legislação referente á missão constitucional da Polícia Militar. 2.1 Análise constitucional. 2.1 Análise doutrinária. 2.2.1 Polícia Ostensiva. 2.2.2 Poder de Polícia. 2.2.3 Preservação da Ordem Pública. 2.2.4 Competência Residual. 3. O uso da força na perspectiva dos direitos humanos para atividade policial militar. 3.1 Direitos humanos e a atividade policial. 3.2 Uso da força na atividade policial. 3.3 Uso Escalonado da Força na Atividade Policial - Modelos de Uso Progressivo da Força. 4. Legislação brasileira e o uso da força na atividade policial militar. 4.1 Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. 4.2 Código Penal – excludentes de ilicitude. 4.2.1 Legítima Defesa – conceito e exemplos fáticos. 4.2.2 Estado de necessidade – conceito e exemplos fáticos. 4.2.3 Estrito cumprimento do dever legal e exercício regular de direito – conceito e exemplos fáticos. 4.2.4 Excesso punível. 4.3 Código de Processo Penal e Processo Penal Militar. 4.4 Lei 4.898/65 – Abuso de Autoridade. 5. Conclusão. Referências.


1. Introdução

A Polícia Militar, instituição cuja missão constitucional é preservar a ordem pública e exercer a polícia ostensiva possui uma ampla responsabilidade social. Policiais militares, no intuito de cumprir seu dever, possuem diversos poderes conferidos pelo Estado, dentre eles o poder de polícia. O poder de polícia, dotado de atributos peculiares, dentre eles a coercibilidade, garante que o agente público imponha uma ordem legal ao administrado, sem a necessidade de autorização do poder judiciário, podendo inclusive utilizar-se do uso proporcional da força.

Tratados internacionais orientam que a força deve ser empregada tecnicamente, orientando os países signatários a disponibilizar aos agentes públicos acesso a treinamento e instrução. Pesquisadores da área de segurança pública e direitos humanos de diversos países produziram modelos de emprego da força pelo agente público conforme a reação do infrator (MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, 2006). A análise destes modelos baliza o uso da força pelo agente público, policial militar.

O cotidiano da atividade de preservação da ordem pública é muito variado. O policial militar encontra em sua atividade desde atuações puramente preventivas, como comunicar autoridades responsáveis sobre alguma sinalização inadequada, ou auxiliar alunos na travessia de vias públicas, até ações repressivas, logo após o cometimento de delitos, como confrontos com assaltantes de estabelecimentos comerciais, rixas em estádio de futebol, vias de fato entre ébrios em bares e boates, dentre outras ocorrências.

Diante desta variabilidade de situações, o policial militar, agindo em nome da sociedade, necessita utilizar da força em prol do interesse coletivo. Agindo assim afronta direitos fundamentais do cidadão, como o direito de ir e vir, de manter sua integridade física, ou mesmo o direito a vida, que pode ser tolhido diante de situações graves.

Há diversas considerações que devem ser destacadas referentes a esta pesquisa, como a ampla competência atribuída às Polícias Militares desde a alteração na Constituição Federal de 1988. Sobre o tema destacam-se ainda os mais variados problemas sociais, que transcendem a atuação meramente policial, porém afetam diretamente o serviço executado pela polícia ostensiva, cabendo a esta "solucioná-los", muitas vezes mediante o uso da força.

Os princípios de direitos humanos, internacionalmente reconhecidos, e defendidos pela legislação vigente no Brasil, fundamentam a função pública, e merecem relevância nesta pesquisa. Esta complexibilidade da missão constitucional das Polícias Militares, atrelada a eventual necessidade do uso da força coercitiva, justifica a iniciativa do presente estudo. Este trabalho tem como objetivo principal explicitar o embasamento legal da atuação coercitiva do policial militar frente à necessidade de uso da força a fim de conter resistência de agente infrator.

1.1.Tema

Embasamento Legal do Uso da Força pelo Policial Militar.

1.2.Formulação do problema

A fim de garantir a ordem pública, o Estado, através das Polícias Militares, e seus agentes, utiliza-se do poder de polícia. Porém, em muitas circunstâncias, o administrado não concorda com a atuação do Estado, e impõe resistência a execução da atividade estatal, necessitando assim do uso da força por parte do agente público ora suscitado.

Nesta situação, o Policial Militar, agindo sob a égide da Constituição Federal, para garantir a preservação da ordem, mesmo que diante da recusa do administrado, necessita empregar a força coercitivamente.

De acordo com o apresentado, pergunta-se "Qual o embasamento legal para o emprego da força pelo policial militar?"

1.3.Justificativa

Para Focault apud Danner e Oliveira (2010, p.02), o Estado tem como principal característica o caráter disciplinador e normativo, com a finalidade de manter o convívio social harmônico, onde o indivíduo é capturado por uma rede de poder que o torna "útil e dócil". Neste sentido a força pública, mostra-se fundamental.

No Brasil, a Polícia Militar, é responsável pelo exercício da polícia ostensiva e da preservação da ordem pública. Para atingir tais objetivos, os agentes públicos utilizam-se do poder de polícia, conferido pelo Estado. Dentre um dos atributos deste poder de polícia encontra-se a coercitividade, que permite o uso da força pelo policial militar quando no objetivo de garantir a preservação da ordem pública.

A fim de garantir que a utilização desta força, esteja dentro do que se espera pela sociedade, a qual se manifesta através da legislação vigente, mostra-se pertinente o estudo sobre o embasamento legal do uso da força pelo policial militar. A sociedade, clamando por profissionais qualificados, necessita deter o conhecimento sobre os limites legais de sua atuação, assim como os agentes públicos que irão exercer tais atividades atinentes a segurança pública.

O conhecimento do tema mostra-se relevante não somente aos operadores do direito, policiais, advogados, membros do ministério público ou judiciário, mas à sociedade que a partir da noção dos limites legais de atuação do agente público pode, por exemplo, cobrar com exatidão atitudes verdadeiramente legais e profissionais por parte dos policiais militares.

1.4. Objetivos

1.4.1.Objetivo Geral

Conhecer o respaldo legal da atuação policial militar frente à necessidade do uso da força.

1.4.2.Objetivos Específicos

a) Identificar a competência legal da Polícia Militar, através do esclarecimento doutrinário sobre os conceitos apresentados pela Constituição da República Federativa do Brasil.

b) Discorrer sobre o "Poder de Polícia", sob enfoque do uso da força na atividade policial militar.

c) Apresentar os modelos de uso da força indicados para atividade policial, baseando-se nos direitos humanos.

d) Explicitar a legislação vigente relativo às excludentes de ilicitude, aplicadas a atividade policial militar bem como, exemplos práticos.

1.5.Metodologia da pesquisa

1.5.1 Método

Segundo Markoni e Lakatos (2006, p. 83), método "é o conjunto das atividades sistemáticas e racionais que, com maior segurança e economia permite alcançar o objetivo – conhecimentos válidos e verdadeiros -, traçando o caminho a ser seguido, detectando erros e auxiliando as decisões do cientista". Os autores colocam ainda que qualquer ciência exige o emprego de métodos científicos.

Corroborando com os autores anteriormente citados, Fachin (2001 p. 27) afirma que método, em sentido mais genérico, "[...] é a escolha de procedimentos sistemáticos para descrição e explicação do estudo". A autora afirma que durante a realização da pesquisa os métodos utilizados podem variar.

O método utilizado foi o dedutivo, que segundo Fachin (2001, p. 30), se caracteriza por ser um "[...] procedimento do raciocínio que, a partir de uma análise de dados gerais, se encaminha para noções particulares". Diferencia-se do método indutivo, pois deste se obtém uma conclusão a partir de suas proposições, dos aspectos particulares para os aspectos gerais.

1.5.2 Método de Pesquisa

Utilizou-se a pesquisa bibliográfica e documental. Segundo Markoni e Lakatos (2006) a pesquisa documental caracteriza-se pela fonte de coleta de dados estar restrita a documentos, escritos ou não, chamados fontes primárias.

Os mesmos autores afirmam que a pesquisa bibliográfica, abrange a bibliografia referente ao tema do estudo, já tornada pública, desde boletins, jornais, revistas, livros, pesquisas, monografias, teses, material cartográfico, etc.; além de meios de comunicação orais como: rádio, gravações em fita magnética e audiovisuais, filmes e televisão.

Fachin (2001, p. 125) aponta como pesquisa bibliográfica, o "conjunto de conhecimentos humanos reunidos nas obras". Fachin (2001, p. 125) afirma, ainda, que a "pesquisa bibliográfica constitui o ato de ler, selecionar, fichar, organizar e arquivar tópicos de interesse para pesquisar em pauta".

1.5.3.Técnica de Coleta de Dados

Técnica segundo Markoni e Lakatos (2006, p. 176) é o "conjunto de preceitos ou processos de que se serve uma ciência ou arte; é a habilidade para usar esses preceitos ou normas, a parte prática".

Para realização deste trabalho foram realizadas fichas bibliográficas, que segundo Fachin (2001, p. 130) é "um dos recursos mais comuns à realização de pesquisa bibliográfica [...]".

Foram feitos levantamentos bibliográficos, no material primário e secundário, referente ao assunto. Fundamentou-se na leitura de obras referentes à instrução policial militar, bem como na doutrina atinente à legislação brasileira, além da pesquisa documental nas cartas legais vigentes.

1.6 Organização dos Capítulos

Inicialmente, o capítulo segundo da pesquisa abordará a incumbência da Polícia Militar diante do previsto na Constituição Federal de 1988, utilizando-se da doutrina concernente ao assunto.

Há diversos instrumentos legais que orientam e delimitam a faculdade do uso da força pelos agentes responsáveis pela segurança pública. A legislação que será apontada nos capítulos dois e três destaca tal situação como exceção, não podendo o policial militar, utilizar-se deste atributo indiscriminadamente. Tratados internacionais orientam inclusive que a força deve ser empregada tecnicamente, orientando os países signatários a disponibilizar aos agentes públicos acesso a treinamento e instrução. Tais instrumentos legais, bem como, modelos de uso da força, serão apresentados no capítulo três, intitulado, "O Uso da Força na Perspectiva dos Direitos Humanos para Atividade Policial Militar".

O capítulo quatro abordará as causas chamadas excludentes de ilicitude, onde o policial militar, agindo em conformidade com o exposto nos capítulos anteriores, poderá atingir tais direitos garantidos pela Constituição Federal aos cidadãos, sem contudo estar agindo em desconformidade com a lei.


2. Legislação referente à missão constitucional da Polícia Militar

Este capítulo da pesquisa aborda a missão constitucional da Polícia Militar. Tanto a Constituição da República Federativa do Brasil como a Constituição do Estado de Santa Catarina, são destacadas na primeira seção. Os conceitos apresentados nestas duas normas cogentes são esmiuçados pela doutrina nas seções seguintes. Tais conceitos são: polícia ostensiva, poder de polícia, preservação da ordem pública, bem como, a competência residual das Polícias Militares.

2.1.Análise Constitucional

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1967, em seu artigo 13º, parágrafo 4º, instituía o seguinte:

§ 4º - As polícias militares, instituídas para a manutenção da ordem e segurança interna nos Estados, nos Territórios e no Distrito Federal, e os corpos de bombeiros militares são considerados forças auxiliares, reserva do Exército. (Brasil, Constituição da República Federativa do Brasil de 1967, art. 13)

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, no Título V, Da Defesa do Estado e Das Instituições Democráticas, Capítulo III, Da Segurança Pública, responsabiliza o Estado e a sociedade como um todo, além de distinguir cinco órgãos policiais responsáveis pela segurança pública em seu artigo 144:

Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:

I - polícia federal;

II - polícia rodoviária federal;

III - polícia ferroviária federal;

IV - polícias civis;

V - polícias militares e corpos de bombeiros militares. (Brasil, Constituição da República Federativa do Brasil, 2011)

Depreende-se da referida norma constitucional que a Polícia Militar, apontada no caput do art. 144, inciso V, é um dos órgãos responsáveis pela segurança pública, juntamente com a Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, Polícia Ferroviária Federal, Polícias Civis e Corpos de Bombeiros Militares.

A devida competência da Polícia Militar, bem como dos Bombeiros Militares é definida no § 5º do mesmo artigo:

[...]

§ 5º - às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública; aos corpos de bombeiros militares, além das atribuições definidas em lei, incumbe a execução de atividades de defesa civil. (Brasil, Constituição da República Federativa do Brasil, art. 144)

O ato Complementar número quarenta de 1968, modificou o § 4º da Constituição de 1967, mas o cerne da missão permaneceu a mesma até 1988. (BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil de 1967, art. 13)

Percebe-se que a principal diferença entre as duas normas, quando trata sobre a competência constitucional das Polícias Militares, está na alteração do termo "manutenção da ordem" para "preservação da ordem" e na inclusão da terminologia "polícia ostensiva", ambas como competência exclusiva destas instituições militares. As Polícias Militares permanecem como forças reservas do exército, porém agora, tal competência encontra-se no parágrafo 6º do mesmo artigo.

Seguindo a Constituição da República Federativa do Brasil, a Constituição do Estado de Santa Catarina, no Título V, Da segurança Pública, Capítulo III, Da Polícia Militar, artigo 107, coloca o seguinte:

Art. 107. À Polícia Militar, órgão permanente, força auxiliar, reserva do Exército, organizada com base na hierarquia e na disciplina, subordinada ao Governador do Estado, cabe, nos limites de sua competência, além de outras atribuições estabelecidas em Lei:

I – exercer a polícia ostensiva relacionada com:

a) a preservação da ordem e da segurança pública;

b) o radiopatrulhamento terrestre, aéreo, lacustre e fluvial;

c) o patrulhamento rodoviário;

d) a guarda e a fiscalização das florestas e dos mananciais;

e) a guarda e a fiscalização do trânsito urbano;

f) a polícia judiciária militar, nos termos de lei federal;

g) a proteção do meio ambiente;

h) a garantia do exercício do poder de polícia dos órgãos e entidades públicas, especialmente da área fazendária, sanitária, de proteção ambiental, de uso e ocupação do solo e de patrimônio cultural; (grifou-se) (Santa Catarina, Constituição do Estado de Santa Catarina, art. 107)

2.1.Análise Doutrinária

2.2.1 Polícia Ostensiva

Observando a doutrina referente à terminologia "polícia ostensiva" segundo Hipólito (2005), é nova e segundo Lazzarini (1999), amplia a dimensão da atividade policial militar. Moreira Neto (1989, p. 60), lembra os ensinamentos do mestre Lazzarini:

A polícia ostensiva, afirmei, é uma expressão nova, não só no texto constitucional, como na nomenclatura da especialidade. Foi adotada por dois motivos: o primeiro, já aludido, de estabelecer a exclusividade constitucional e, o segundo para marcar a expansão da competência policial dos policiais militares, além do ‘policiamento’ ostensivo. Para bem entender esse segundo aspecto, é mister ter presente que o policiamento é apenas uma fase da atividade de polícia.

O Parecer GM-25 (2001), da Advocacia Geral da União, baseando-se no Decreto-lei 667 (BRASIL, 2011) e Decreto Federal 88.777 (BRASIL, 2011) bem como sustentado ainda pelos doutrinadores: José Afonso da Silva; Álvaro Lazzarini; Diogo de Figueiredo Moreira Neto; entre outros, indica que a modificação do termo policiamento ostensivo para polícia ostensiva, na Carta Magna, visa dar exclusividade constitucional às Polícias Militares bem como, expandir sua competência policial, pois policiamento é apenas uma das fases da atividade de polícia, esta exercida pelo Estado através do uso do poder de polícia.

2.2.2 Poder de Polícia

Alexandrino e Paulo (2010, p. 219), utilizando a explicação do Prof. José dos Santos Carvalho Filho, referem-se aos poderes administrativos, dentre eles o poder de polícia, como "o conjunto de prerrogativas de direito público que a ordem jurídica confere aos agentes administrativos para o fim de permitir que o Estado alcance seus fins". Em sua obra, tratam sobre os principais poderes descritos pela doutrina, quais sejam: poder vinculado, poder discricionário, poder hierárquico, poder disciplinar, poder regulamentar e poder de polícia.

Sobre o poder de polícia, Caio Tácito apud Büring (2003, p. 6), coloca que "é fundamentalmente uma limitação administrativa a um direito ou liberdade, a um benefício, de um interesse qualificado em lei, e supõe uma norma expressa de competência, ou seja, a ninguém é lícita a auto promoção do poder de polícia".

Mukai (1999, p. 89), traz como poder de polícia a "faculdade, inerente à Administração Pública, que esta detém, para disciplinar e restringir as atividades, o uso e gozo de bens e de direitos, bem como, assim as liberdades dos administrados, em benefício da coletividade".

Odília Oliveira apud Büring (2003, p. 79), refere-se ao termo poder de polícia como de origem norte americana, o chamado police power. Nos Estados Unidos da América, esta expressão possui caráter legislativo, de fazer leis que limitem as atividades individuais em prol do bem estar coletivo. No entanto, em território brasileiro, esta expressão segue o modelo europeu, onde o poder de polícia é eminentemente administrativo, infralegal, desdobrando-se em "atos normativos de caráter regulamentar e atos individuais de efeitos concretos" realizados buscando atingir o objetivo das leis que limitam os administrados.

André da Silva apud Meirelles (2006, p.4), assim como Buring (2003, p.79), refere-se ao poder de polícia como police power,salientando ser um sistema total de regulamentação interna, onde o Estado além de buscar a ordem pública, visa manter uma relação harmoniosa entre o gozo do direito próprio, "até onde for compatível com o direito dos demais".

André da Silva (2006, p.2) afirma que o poder de polícia tem o objetivo de propiciar uma convivência social harmoniosa, evitando e atenuando conflitos entre os indivíduos, com fulcro no interesse da população como um todo.

O poder de polícia, segundo Meirelles (2005, p. 131), "[...] é a faculdade de que dispõe a administração pública para condicionar e restringir o uso e gozo de bens, atividades e direitos individuais em benefício da coletividade ou do próprio Estado". Pode-se dizer que este é um mecanismo que o Estado dispõe para conter os abusos dos direitos individuais.

Alexandrino e Paulo (2010, p. 239) seguem o conceito proposto por Hely Lopes Meirelles, considerando este mais restrito. Segundo os autores, alguns doutrinadores, analisam o poder de polícia com uma acepção mais ampla, abrangendo não só a aplicação das leis, mas também a edição destas, desempenhada pelo poder legislativo. Exemplo de doutrinador que segue esta linha de pensamento é a Profª. Maria Silvia Di Pietro.

Miguel (2006, p. 20), cita a obra de Mayer, datada de 1951, o qual já propunha um conceito similar ao descrito atualmente como "[...] a atividade do Estado que visa defender, pelos meios do poder da autoridade, a boa ordem da coisa pública contra as perturbações que as realidades individuais possam trazer".

Meirelles (2005, p. 131) afirma ainda sobre a importância de distinguir os tipos de polícia: polícia administrativa, judiciária e de manutenção da ordem pública.

A polícia administrativa é inerente à administração pública, enquanto que a polícia judiciária e a de manutenção da ordem pública referem-se a outros órgãos, como a Polícia Civil, ou corporações, como a Polícia Militar.

No Brasil a atividade de polícia judiciária nos Estados é exercida pelas Polícias Civis, que neste aspecto encarregam-se de apurar as infrações penais e cumprir as determinações das autoridades judiciárias, atuando assim no chamado pós-delito.

Por outro lado, a chamada polícia administrativa, para Alexandrino e Paulo (2010, p. 239) tem por objeto a prevenção do ilícito penal e não penal, e é poder exercido pelas policias Federal, Rodoviária Federal, Ferroviária Federal e Policiais Militares dos Estados.

Vertente desta polícia administrativa, Carneiro, Pontes e Ramires apud Di Pietro e Lazzarini (2009) destacam a polícia de Segurança Pública, que tem como atribuição prevenir a criminalidade relacionada à vida, à incolumidade das pessoas, à propriedade e à tranquilidade pública e social. Esta atividade é exclusiva das policiais militares.

Os autores elucidam de forma bem didática os limites da atribuição da polícia administrativa e da polícia judiciária através do seguinte esquema:

Ilustração 1: Ciclo de Polícia.

Fonte: Ministério da Justiça. Aspectos Jurídicos da Abordagem Policial, 2009.

Meirelles (2005) afirma que a polícia administrativa, modernamente, distingue-se ainda em administrativa geral e especial. Aquela cuidando genericamente da segurança, da salubridade e da moralidade públicas, e esta de setores específicos que afetam interesses coletivos, tais como água, construção, alimentos, comércio de medicamentos, etc.

Estes conceitos doutrinários encontram-se em nossa legislação, valendo citar o Código Tributário Nacional, de 1966, em seu art. 78, inverbis:

Art. 78. Considera-se poder de polícia atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou a abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranqüilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos. (Brasil, Código Tributário Nacional, 2011)

Miguel (2006, p.20), explicando a diferenciação proposta por Meirelles, sobre poderes políticos e administrativos, classifica o poder de polícia como um poder administrativo.

Para esse consagrado autor, o poder de polícia não é poder político, é um dos poderes administrativos. É exercido pela Administração Pública sobre todas as atividades e bens que afetam ou possam afetar a coletividade. Por derradeiro, o ato de polícia é um ato administrativo e subordina-se ao ordenamento jurídico que rege as demais atividades da Administração Pública, sujeitando-se ao controle de legalidade pelo Poder Judiciário.

Meirelles (2005), ensina ainda que o poder de polícia administrativa possui características específicas, peculiares ao seu exercício, como: discricionariedade, auto-executoriedade e coercibilidade.

Discricionariedade é a margem de livre escolha da Administração Pública, baseando-se na oportunidade e conveniência, de exercer o poder de polícia, aplicar sanções e empregar os meio necessários para proteger algum interesse público. Meirelles (2005, p. 136), destaca que o " ato de polícia, um ato administrativo, é discricionário, no entanto passa a ser vinculado quando a norma legal determinar o modo e a forma de sua realização".

Auto-executoriedade é a faculdade da Administração de decidir seus atos sem a intervenção do Judiciário.

Coercibilidade é a imposição coativa da Administração, ao seu administrado, de seus atos. Meirelles (2005, p. 138), coloca a seguinte afirmação em sua obra:

O atributo da coercibilidade do ato de polícia justifica o emprego da força física quando houver oposição do infrator, mas não legaliza a violência desnecessária e desproporcional a resistência, que em tal caso pode caracterizar o excesso de poder e o abuso de autoridade nulificadores do ato praticado e ensejadores de ações civis e criminais para reparação do dano e punição dos culpados.(grifou-se)

Alexandrino e Paulo (2010, p. 249), sobre o atributo da coercibilidade, corroboram com o conceito proposto por Meirelles (2005). Os autores apontam como a possibilidade da administração pública, impor-se coativamente aos administrados, podendo utilizar inclusive a aplicação da força, quando o particular resiste, independentemente de autorização judicial.

Meirelles (2005), afirma que o policial pode utilizar-se da força quando em atitude de oposição do cidadão a uma ordem dada pelo agente público. No entanto, ensina que a força empregada deve ser proporcional, podendo caracterizar excesso de poder e abuso de autoridade tornando nulo o ato administrativo do agente.

Um ato de polícia, como uma ordem para que o cidadão fique onde está, reveste-se destes atributos. O policial ao determinar tal atitude ao cidadão o faz sem consultar o Judiciário. Impõe sua determinação, explicitando o caráter coercitivo do ato administrativo. Escolhe, ainda, o momento correto e a circunstância ideal para que possa executar sua decisão, demonstrando o caráter discricionário do ato.

Lazzarini (1999, p. 103), referindo-se sobre as fases do poder de polícia, distingue a atuação do Estado no exercício do seu poder de polícia em quatro fases: ordem de polícia, consentimento de polícia, fiscalização de polícia e sanção de polícia.

O Parecer GM-25 (2001) utiliza-se dos ensinamentos do mestre Lazzarini, distinguindo também as fases do poder de polícia em: ordem de polícia, o consentimento de polícia, a fiscalização de polícia e a sanção de polícia.

A ordem de polícia é necessariamente advinda de um preceito legal, pois se trata de uma reserva legal, podendo ser enriquecida através da discricionariedade da administração, como no ato exemplificado anteriormente.

Consentimento de polícia, segundo o Parecer GM-25 (2001, p. 9), "quando couber, será a anuência, vinculada ou discricionária, do Estado com a atividade submetida ao preceito vedativo relativo, sempre que satisfeitos os condicionamentos exigidos".

Fiscalização de polícia é a verificação do real cumprimento da ordem ou a "regularidade da atividade já consentida por uma licença ou uma autorização". Leva o nome de policiamento quando exercida pela polícia de preservação da ordem pública.

A sanção de polícia é a forma auto-executória da atividade administrativa do poder de polícia, visando a repressão do ato infracional. O constrangimento pessoal, direto, e imediato nas devidas medidas é o esgotamento desta atividade, para restabelecer a ordem pública.

Segundo Teza (2006, p. 03), a Polícia Militar deve exercer sua missão constitucional, a "polícia ostensiva" e a "preservação da ordem pública" através de "ações que comportem todas as fases do poder de polícia dando por conseguinte, poderes para que participe do "antes" e do "depois" do policiamento ostensivo".

Dessa forma, percebemos que o policiamento é apenas uma das fases do poder de polícia, qual seja a fase de fiscalização.

O poder de polícia é a ferramenta utilizada pelos agentes públicos, representantes do Estado, dentre eles o policial militar, para restringir ou condicionar, de maneira geral, os direitos individuais em prol do coletivo. Possui atributos específicos, e dentre estes, cabe destacar a coercibilidade, base para justificação do emprego da força física, pelo agente público, para concretização de uma ordem ou mesmo de uma sanção de polícia.

2.2.3 Preservação da Ordem Pública

Buscando esclarecimento quanto à expressão "preservação da ordem pública" o Parecer GM-25 (BRASIL, 2001), encomendado à Advocacia Geral da União pelo excelentíssimo senhor Presidente da República à época, Fernando Henrique Cardoso, quanto ao termo "preservação", coloca que a Carta Magna ao inseri-lo, quis dar ênfase à atividade preventiva. No entanto, acredita ser a terminologia suficientemente elástica para conter a atividade repressiva, desde que de imediato.

A manutenção da ordem, termo utilizado pela Constituição anterior, segundo o Regulamento para as Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares, R-200, (1983, p. 3), aprovado pelo Decreto nº. 88.777, de setembro de 1983, é o exercício do poder de polícia, na segurança pública, manifestado por ações eminentemente ostensivas, visando "prevenir, dissuadir, coibir e reprimir eventos que violem a ordem pública".

Lazzarini (1999, p. 105) afirma ter sido "feliz" o legislador constitucional, ao alterar o termo manutenção por preservação na Carta Magna, pois é mais amplo e mais apropriado. "A preservação abrange tanto a prevenção quanto a restauração da ordem pública".

Lazzarini (1999, p. 52) afirma ainda que a ordem pública compreende três aspectos: segurança pública, tranqüilidade pública e salubridade pública. Moreira Neto apud Lazzarini (1999, p. 53) diz ser segurança pública "conjunto de processos, políticos e jurídicos que visam garantir a ordem pública, sendo essa o objeto daquela".

A obra "Instrução Modular da Polícia Militar de Santa Catarina" (2002, p. 169) observa que a preservação da ordem pública dá-se em duas fases distintas: a primeira quando a ordem já esta assegurada através de ações preventivas e dissuasivas, e a segunda quando ocorre a quebra da ordem e esta deve ser retomada através de ações repressivas e imediatas.

Sobre o conceito de ordem pública pode-se trazer a baila o conhecimento de alguns doutrinadores.

Hipólito (2005, p. 36) reflete sobre a dificuldade de se definir o conceito de ordem pública. Brodeur apud Hipólito (2005, p. 37) coloca que "A desordem, embora não seja fácil de definir, é algo que os moradores locais vão reconhecer quando virem ou ouvirem".

Machado e Vicenzi (2009, p. 1) corroboram com Hipólito sobre a dificuldade de se conceituar a ordem pública. Os autores utilizam as palavras de outros estudiosos a fim de tentar aclarar a conceituação proposta.

Primeiramente, para demonstrar tal dificuldade, destacamos que há linha de entendimento doutrinário que tende a conceituar a Ordem Pública como a tradução do sentimento de toda uma nação (DOLINGER, 1997); e que há também outros pesquisadores, que entendem que a Ordem Pública está intrínseca no sistema jurídico de um Estado Soberano (GRECO FILHO, 1978), de modo que uma situação notadamente estranha à cultura jurídica, à Constituição, ao interesse social e aos direitos mais basilares de um povo seria contrária à Ordem Pública (PUCCI, 2007).

Cavalheiro Neto (2004) afirma que diversas doutrinas e operadores do direito buscam conceituar ordem pública. Alguns, conforme a posição que ocupam no processo, defensores ou acusadores, buscam estender a abrangência do conceito enquanto outros buscam restringi-lo. Nem mesmo a jurisprudência escapa desta celeuma, em algumas vezes firmando posição mais rigorosa e em outras mais abrandadas.

Mirabete (1995, p. 377) leciona como conceito de ordem pública: "não se limita a prevenir a reprodução de fatos criminosos, mas também acautelar o meio social e a própria credibilidade da justiça em face da gravidade do crime e sua repercussão".

O Regulamento para as Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares R-200, (1983, p. 3) traz como conceito de ordem pública o seguinte:

[...] conjunto de regras formais, que emanam do ordenamento jurídico da Nação, tendo por escopo regular as relações sociais de todos os níveis, do interesse público, estabelecendo um clima de convivência harmoniosa e pacífica, fiscalizado pelo Poder de Polícia, e constituindo uma situação ou condição que conduza ao bem comum;

O mesmo instrumento destaca ainda o conceito de "perturbação da ordem", que abrange todas as ações que possam comprometer o "exercício dos poderes constituídos, o cumprimento das leis e a manutenção da ordem pública" contra a população e as propriedades públicas e privadas.

Nesse sentido, além destes ilustres doutrinadores, estudiosos do assunto entendem que o legislador de 1988, ao modificar o texto constitucional, trocando "manutenção da ordem pública" por "preservação da ordem pública", buscou ampliar a competência das Polícias Militares para além do policiamento. Chama-se policiamento a fiscalização exercida pela polícia de preservação da ordem pública, conforme o Parecer GM-25 (2001).

2.2.4 Competência Residual

Ainda referente à competência das polícias militares, o Parecer GM-25 (2001, p. 10), determina que cabe às polícias militares a chamada competência residual, ou seja o "exercício de toda atividade policial de segurança pública não atribuída aos demais órgãos", englobando inclusive:

[...] a competência específica dos demais órgãos policiais, no caso de falência operacional deles, a exemplo de greves ou outras causas, que os tornem inoperantes ou ainda incapazes de dar conta de suas atribuições, funcionando, então, a Polícia Militar como um verdadeiro exército da sociedade.

Sardinha (2007, p. 74), Capitão PM da Paraíba, sobre a amplitude da atividade de polícia ostensiva, leciona:

[...] a extensa competência da Polícia Militar, engloba, inclusive, a competência exclusiva dos demais órgãos policiais ou de Estado, quando da área do sistema jurídico-policial, no caso de desvirtuamento de atividade por parte destes conforme podemos citar os períodos de greve de agentes penitenciários, onde os Governos Estaduais não hesitam em convocar as suas Corporações Policiais Militares para assumir efetivamente os estabelecimentos prisionais, em face da iminente quebra da tranqüilidade pública.

Lazzarini (1999, p. 104), sobre a competência residual da Polícia Militar, afirma:

A exegese do art. 144 da Carta, na combinação do caput com o seu § 5º, deixa claro que na preservação da ordem pública a competência residual de exercício de toda atividade policial de segurança pública, não atribuída aos demais órgãos, cabe à Polícia Militar.

Percebe-se que é ampla a atribuição da Polícia Militar. Diversos doutrinadores demonstram que tanto a "preservação da ordem pública" como a "polícia ostensiva" ampliam a margem de situações, de atividades em que a Polícia Militar possa atuar. A citada competência residual, reconhecida através do parecer encaminhado a presidência da República, também demonstra a vasta amplitude da atividade policial militar.


3. O Uso da Força na Perspectiva dos Direitos Humanos para Atividade Policial Militar

Neste capítulo, o foco será a o estudo da força aplicada pelos agentes públicos, responsáveis pela preservação da ordem pública, quando no exercício de sua atividade constitucional. Inicialmente será contextualizada a atividade policial e os direitos humanos, o qual será a base para seção seguinte que tratará sobre o uso da força, apresentando os principais modelos de uso progressivo da força, norteadores da atividade policial militar.

3.1 Direitos Humanos e a Atividade Policial

Sobre direitos humanos, a Instrução Modular da Polícia Militar de Santa Catarina (2002, p. 146) conceitua como sendo:

[...] os direitos fundamentais inerentes a todo ser humano, tais como: direito à vida, à liberdade, à segurança, à educação, ao repouso, à liberdade de opinião e expressão...- independente de sua condição socioeconômica, política, cultural, ética, profissional, sem qualquer restrição ao espaço geográfico que a pessoa se encontre.

Após a segunda Guerra Mundial, meados do século XX, a concepção de direitos humanos passou a atingir a esfera internacional. Neste entendimento, Wilson (2007, p.02), afirma que "diversos instrumentos, introduzindo princípios gerais, passaram a ser produzidos buscando proteger os direitos do homem".

O século XX, um dos períodos mais marcantes e intensos da humanidade, é o mais referenciado quando o assunto são direitos humanos. No entanto, os princípios humanísticos têm origem há muitos séculos. Durante este período, duas grandes guerras foram travadas, marcando episódios de crueldade, atrocidades, xenofobia, racismo, tortura e genocídio. Uma grande mobilização mundial formou-se com intuito de reprimir quaisquer possibilidades destes acontecimentos virem a ocorrer novamente. Assim, em 1945 foi criada uma organização mundial e internacional com a intenção de manter a paz e a segurança internacional, chamada ONU (ROVER, 1998, p.12).

A ONU, Organização das Nações Unidas, visa somente regulamentar situações que envolvam países diferentes. No entanto, diversas vezes, teve que atuar em conflitos internos de Estados, que agiam contra seus cidadãos, atacando princípios inerentes a pessoa humana. Assim, para inibir possíveis arbitrariedades e violações aos direitos humanos, a ONU, através de assembléias ratificadas por seus países membros, sancionou convenções visando inibir tais condutas. (CUNHA, 2004, p. 30)

Em 1948, segundo Amnesty International (2003), foi proclamada a Declaração Universal dos Direitos Humanos, na assembléia geral 217 A (III). Esta declaração, segundo Office of United Nations Hight Commissioner for Human Rights (2005, p. 1) visa:

[...] atingir por todos os povos e todas as nações, a fim de que todos os indivíduos e todos os orgãos da sociedade, tendo-a constantemente no espírito, se esforcem, pelo ensino e pela educação, por desenvolver o respeito desses direitos e liberdades e por promover, por medidas progressivas de ordem nacional e internacional, o seu reconhecimento e a sua aplicação universais e efectivos tanto entre as populações dos próprios Estados membros como entre as dos territórios colocados sob a sua jurisdição.

É sobre este viés que as polícias militares devem atuar. Não vivemos mais em um Estado onde as policiais eram apenas o braço armado do Estado. Hoje o policial deve assumir papel de "parceiro da sociedade e promotor dos direitos humanos". (SECRETARIA ESPECIAL DOS DIREITOS HUMANOS, 2008).

Seguindo a diretriz proposta pela referida secretaria, para Instrução Modular da Polícia Militar de Santa Catarina (2002), a atividade policial deve seguir os preceitos fundamentais dos direitos humanos, valorizando a vida, a dignidade humana e a harmonia individual e coletiva. O manual reforça também a necessidade de técnica policial aprimorada, além de grande habilidade dos policiais, devido à alta complexibilidade de sua atividade rotineira, lidando com interesses individuais e coletivos, naturais ou positivos de pessoas e grupos sociais.

Araújo (2006, p. 1), sobre estes tratados de direitos humanos internacionais, afirma o seguinte:

Certamente as diversas "Declarações Internacionais de Direitos Humanos" foram estabelecendo limites às diversas ideologias justificadoras de atrocidades, mas, sobretudo, obtiveram o êxito de consagrar um ponto e referência internacional, um padrão mínimo tolerável de direitos humanos que foi absorvido aos poucos pelos diversos países signatários, mediante suas legislações, enfim, de seu direito positivo.

Os direitos e garantias fundamentais da dignidade da pessoa humana servem como verdadeiros parâmetros de limitação dos agentes do Estado na consecução de suas atribuições. Apesar de ainda controverso o conceito de tal terminologia perante a doutrina, a idéia central consiste na possibilidade de assegurar um mínimo existencial, moralmente e materialmente, a pessoa humana (CARNEIRO, PONTES e RAMIRES, 2009, p. 20)

Gonet apud Carneiro, Pontes e Ramires (2009, p. 15) justifica a prevalência destes direitos e garantias citando características do conjunto de regras e princípios que tutelam a dignidade da pessoa humana:

  • Universais – Pois atingem todos os seres humanos, sem distinção alguma;

  • Absolutos – Gozam de prioridade absoluta, sobre qualquer outro interesse estatal ou coletivo;

  • Inalienáveis – São intransmissíveis, inalienáveis e inegociáveis por essências;

  • Indisponíveis – Mesmo sendo motivo de renúncia por parte do indivíduo o Estado deve primar por sua efetivação;

  • Consagrados na ordem jurídica – Decorrentes da evolução humana, servem de traço distintivo em face dos direitos humanos. O Estado os reconhece como essenciais e fundamentais, para a existência do próprio Estado.

  • Limitativos dos poderes constituídos - Na medida em que nenhuma determinação legal possa olvidar das diretrizes impostas por ele;

  • De aplicabilidade imediata – Sendo desnecessário norma infraconstitucional para que possam ser efetivados.

A previsão destes direitos fundamentais na Constituição, vincula portanto qualquer atuação do Estado. Diz-se que tais direitos e garantias são "cláusulas pétreas", ou seja, jamais poderão ser objeto de deliberação em emenda constitucional no sentido de lhes abolir. A própria Constituição Federal evidencia tal exceção, em seu art. 60:

Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta:

[...]

§ 4º - Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:

[...]

IV - os direitos e garantias individuais.

Obviamente, a fim de que se possa conviver em sociedade, tais direito e garantias fundamentais não assumem feição absoluta, permanecendo constantemente intangíveis ou intocáveis, segundo Carneiro, Pontes e Ramires (2009, p. 19). Do contrário, pessoas poderiam utilizar-se de tais direitos e garantias com a finalidade de esquivar-se de responsabilidades civis, pecuniárias, penais, após a prática de ilícitos. Assim Carneiro, Pontes e Ramires (2009, p. 19), utilizando as palavras de Alexandre de Moraes, ensina que o ser humano existe e convive de forma pacífica em sociedade pois o direito impõe limites na prática de condutas, no exercício de direitos, é o que chamamos de princípio da relatividade ou convivência das liberdades públicas. Resumindo, o direito próprio termina quando inicia o direito alheio.

Havendo então, conflito entre direitos e garantias fundamentais, individuais e coletivos, o policial militar, com intuito de cumprir seu mister constitucional deve valer-se do princípio da proporcionalidade, que na lição de Carneiro, Pontes e Ramires (2009, p. 22) compreende três critérios: adequação, exigindo que as medidas aplicadas pelo agente público sejam adequadas ao objetivo visado; necessidade, onde o meio menos gravoso deve ser o escolhido pelo agente público na execução de sua atividade; e proporcionalidade em sentido estrito (razoabilidade), onde efetivamente vai haver o juízo definitivo entre o resultado a ser alcançado, ponderando-se a intervenção aplicada. Esta ponderação não é fácil de ser exercida pelo agente público, que muitas vezes deve tomar a decisão em momentos de estresse e agitação.

Mesmo os agentes públicos tendo o dever legal de reger suas condutas baseando-se no que foi até então apresentado podem ocorrer desvios de conduta. Justificando tais irregularidades, Araújo (2006) afirma que os agentes policiais são originados da própria sociedade, possuindo as mesmas características e defeitos. Condutas criminosas realizadas por policiais despreparados, corruptos, causam constrangimentos inclusive aos policiais corretos. Luiz Gilmar da Silva apud Araújo (2006, p. 2) afirma que "ser ‘policia’, no Brasil, é quase sinônimo de ‘marginalização’ e o "prestigiamento’ dependerá das simpatias que conseguir angariar à seu favor [...]". Araújo (2006) afirma que a violência policial é pratica em todos os países, inclusive nos países desenvolvidos.

3.2.Uso da Força na Atividade Policial

Como viu-se anteriormente, segundo Meirelles (2005, p. 138) "o atributo da coercibilidade do ato de polícia justifica o emprego da força física". Tratando da força física desempenhada pelo agente público o artigo terceiro do Código de Conduta para Encarregados da Aplicação da Lei, da ONU (1979), reflete sobre uso gradual dessa força pela polícia:

Os funcionários responsáveis pela aplicação da lei só podem empregar a força quando estritamente necessária e na medida exigida para o cumprimento do seu dever.

Segundo Pinto e Valério (2002), no intuito de preservar as garantias, os direitos humanos, foi criada através da resolução 34/169 da Assembléia Geral das Nações Unidas, em 1979, o Código de Conduta para Encarregados da Aplicação da Lei – CCEAL, para orientar a conduta dos responsáveis pela segurança pública nos Estados. Este código não tem força de tratado porém busca padronizar práticas da aplicação da lei baseando-se em disposições básicas dos direitos e liberdades humanas.

Cunha (2004, p. 7), referindo-se ao Código de Conduta para Encarregados da Aplicação da Lei, ONU (1979), diz que "esse código visa regulamentar o uso da força pela polícia e estabelecer parâmetros e limites efetivos para a ação policial". Cunha (2004, p. 7) afirma ainda:

A intenção do Código é estabelecer normas que evitem o uso da força excessiva e atenuem o potencial de abuso presente no desempenho da atividade policial, dever de equipar e treinar os policiais no uso de armas não-letais e munições especiais, de forma a garantir que o uso da força letal só se dará após esgotados todos os demais recursos. Existe, ainda, a previsão expressa de acompanhamento psicológico para os policiais envolvidos em situações em que tenham sido utilizadas a força e as armas de fogo.

Em 1990 o 8º Congresso para Prevenção do Crime da Organização das Nações Unidas, com intuito de garantir a implementação do CCEAL, adotou, por meio da Resolução 45/166, os "Princípios Básicos para o Uso da Força e das Armas de Fogo pelos Policiais" – PBUFAF. O instrumento além de outras orientações destaca o uso da arma de fogo como sendo uma "medida extrema". Responsabiliza os governos a punir, de acordo com a legislação, o uso arbitrário da arma de fogo como delito criminal. (ONU, Princípios Básicos sobre o Uso da Força e da Arma de Fogo, caderno 10).

Para Cunha (2004), o CCEAL e o PBUFAF, buscam determinar o mais claramente possível, as possibilidades dos agentes utilizarem-se da força ou da arma de fogo. Afirma ainda que tais instrumentos reconhecem a impossibilidade do policial decidir sobre situações juridicamente complexas, nos momentos de confronto, tais como: a legítima defesa e o estrito cumprimento do dever legal, conceitos apresentados no capítulo seguinte. O Guia de Direitos Humanos, editado pela Secretaria Especial de Direitos Humanos (2008), segue a mesma lógica de pensamento de Cunha, inclusive citando os mesmo instrumentos legais.

Somente em extrema necessidade deve-se aplicar a força e na medida certa. Neste sentido o uso da arma de fogo, da força letal, é a última instância. Corroborando, Pinto e Valério (2002, p. 50), acrescentam ainda que "Devem-se fazer todos os esforços no sentido de excluir a utilização de armas de fogo [...]". Em geral, só se deveriam "utilizar armas de fogo quando o suspeito oferecer resistência armada", ou, de outra maneira, quando por "em risco as vidas alheias e não são suficientes medidas menos extremas para dominar ou deter o delinqüente suspeito".

Na apostila Uso legal da Força, confeccionada pelo Ministério da Justiça (2006, p. 15), ocorre a seguinte reflexão:

Ao fazer o uso da força o policial deve ter o conhecimento da lei, deve estar preparado tecnicamente, através da formação e do treinamento, bem como ter princípios éticos solidificados que possam nortear sua atuação. Ao ultrapassar qualquer desses limites não se esqueça que você estará igualando-se às ações de criminosos. Você deixa de fazer o uso legítimo da força para usar a força e se tornar um criminoso.

A obra Instrução Modular da Polícia Militar de Santa Catarina (2002, p. 148), afirma que a Anistia Internacional preparou regras básicas destinadas aos agentes responsáveis pela aplicação da lei. A Anistia Internacional, segundo a Amnesty International (2003), foi criada a partir uma situação, ocorrida em 1961, onde estudantes portugueses foram presos, apenas por gritarem "Viva a Liberdade!" em via pública. Segundo a Amnesty International (2003, p. 01), a Anistia Internacional visa "organizar uma ajuda prática às pessoas presas devido às suas convicções políticas ou religiosas, ou em virtude de preconceitos raciais ou lingüísticos" A regra básica número três diz o seguinte: "Não usar a força ou armas de fogo, a não ser que seja estritamente necessário, de acordo com as circunstâncias".

O uso da força ou da arma de fogo são "medidas extremas", e portanto faz-se necessário a utilização de meios não violentos antes de recorrer ao emprego da força letal.

A regra básica número cinco (ONU, Código de Conduta para os Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei, pag. 3) também se refere ao emprego da força, principalmente ao uso da força letal: "Não se deve usar a força com conseqüências letais, a não ser que seja estritamente necessária para proteger a sua própria vida ou a vida de outros".

O CCEAL, Código de Conduta dos Encarregados da Aplicação da Lei, da ONU (1979), em seu artigo terceiro afirma que "Os funcionários responsáveis pela aplicação da lei só podem empregar a força quando tal se afigure estritamente necessário e na medida exigida para o cumprimento do seu dever". Neste sentido, admite o uso da força, no entanto coloca-o como exceção, e somente autoriza-o respeitando-se o princípio da proporcionalidade.

Nesse caso fica mais evidente que o uso da força letal, por exemplo, de armas de fogo, deve ser feito quando todos os outros meios foram ineficazes. A obra Instrução Modular da Polícia Militar de Santa Catarina (2002) destaca ainda diversas observações para quando o uso de armamentos letais for necessário como: identificação prévia do agente policial e do pretenso uso da arma de fogo, verificar o tipo de armamento e de munição do policial para que seja o menos letal possível, além do controle absoluto de sua distribuição e investigação total de quando foi utilizado.

Dessa forma destaca-se a necessidade de preparo dos agentes públicos, estaduais ou federais, enfim, policiais responsáveis pela segurança pública, quando no uso da força sobre os cidadãos. Nesta seara, o Código de Conduta dos Encarregados da Aplicação da Lei, fornecido pela ONU (1979), preocupou-se com a formação dos futuros encarregados de aplicação da lei:

20. Na formação dos policiais, os Governos e os organismos de aplicação da lei devem conceder uma atenção particular às questões de ética policial e de direitos do homem, em particular no âmbito da investigação, às alternativas para o uso da força ou de armas de fogo, incluindo a resolução pacífica de conflitos, ao conhecimento do comportamento de multidões e aos métodos de persuasão, de negociação e mediação, bem como aos meios técnicos, visando limitar a utilização da força ou de armas de fogo. Os organismos de aplicação da lei deveriam rever o seu programa de formação e procedimentos operacionais à luz de casos concretos.

Cunha (2004) afirma que as disposições contidas no Código de Conduta e nos Princípios Básico para Uso da Força são garantias ao policial. Em casos concretos, conceitos subjetivos como uso da força, legítima defesa e estrito cumprimento do dever legal, poderiam ser facilmente explicados e compreendidos, utilizando-se dos conhecimentos passados por tais instrumentos.

3.3.Uso Escalonado da Força na Atividade Policial - Modelos de Uso Progressivo da Força

Cunha (2004, p. 11) afirma que "na atual conjuntura não se admite uma Força Policial não possuir diretrizes de ação pautadas pelos preceitos do Uso da Força: Legalidade, Necessidade e Proporcionalidade". O policial para ser profissional deve saber usar moderadamente a força e proporcionalmente a gravidade do delito cometido.

Moreira e Correa apud Cunha (2004, p. 12) conceituam o Uso Progressivo da Força como sendo "a seleção adequada de opções de força pelo policial em resposta ao nível de submissão do indivíduo suspeito ou infrator a ser controlado". A presença ostensiva do policial inicia o nível de utilização da força, podendo chegar até a utilização de armas de fogo, ou emprego letal da força.

Segundo a apostila Uso Legal da Força fornecida pelo Ministério da Justiça (2006, p. 2), "força é a intervenção ‘compulsória’ sobre alguém ou sobre algumas pessoas a fim de reduzir ou eliminar sua capacidade de auto-decisão".

A apostila Uso Legal da Força, do Ministério da Justiça (2006), afirma ainda que objetivando delimitar estas graduações do uso da força para orientar policiais, a partir das reações de pessoas flagradas cometendo um delito ou mesmo em atitudes suspeitas, foram criados modelos de uso progressivo da força. Geralmente os modelos criados recebem o nome daqueles que o criaram.

O Ministério da Justiça (2006), lista alguns destes modelos, bem como sua origem:

  • Modelo Flect, aplicado pelo Centro de Treinamento da Polícia Federal de Glynco, na Geórgia, Estados Unidos da América;

  • Modelo Gillespie, presente no livro PoliceUse of ForceA line officer’s guide, 1988;

  • Modelo Remsberg, presente no livro The Tactical Edge – Surviving High – Risk Patrol, 1999;

  • Modelo Canadense, utilizado pela Polícia Canadense;

  • Modelo Nashville, utilizado pela Polícia Metropolitana de Nashville, EUA;

  • Modelo Phoenix, utilizado pelo Departamento de Polícia de Phoenix, EUA.

Segundo o Ministério da Justiça (2006), na apostila Uso Legal da Força, três modelos podem ser utilizados pela polícia brasileira, por possuírem conteúdo completo e reproduzirem a realidade operacional, são eles: Flect, Gillespie e Canadense. No entanto, o modelo canadense é considerado um dos modelos mais apropriados, pela facilidade de aprendizagem e riqueza de conteúdo em sua formulação gráfica. A referida apostila traz a representação gráfica deste modelo, resumidamente adaptada e traduzida.

Ilustração 2: Modelo Canadense de uso progressivo da força.

Fonte: Ministério da Justiça. Apostila de Uso legal da Força, 2006.

Buscando no sítio do Serviço Correcional do Canadá, Correctional Service of Canada (2004), que relata ao Ministério da Segurança Pública do Canadá assuntos referentes à segurança pública encontramos a seguinte referência quanto ao modelo: "O modelo requer o uso de medidas menos restritivas para assegurar a segurança de todas as pessoas envolvidas".

Além da teoria sobre a aplicação do uso da força, orientações sobre como o agente público deve agir nestas situações, ocorre também a representação gráfica do modelo apresentado na apostila Uso Legal da Força, do Ministério da Justiça (2006), porém em sua formatação original:

Ilustração 3: Situation Management Model.

Fonte: Correctional Service of Canada, 2004.

O modelo proposto pela Apostila Uso da Força em seu módulo 2, do Ministério da Justiça (2006), é semelhante ao descrito anteriormente, porém com as devidas traduções destacando apenas o escalonamento do uso da força.

Persson (2007, p. 36-37), indica ainda dois outros modelos de uso progressiva da força, chamados Flect e Remsberg. Salienta ainda os aspectos técnicos apresentados em cada modelo, enfatizando o uso de artes marciais, em detrimento de armas letais. Segundo o autor op. cit. (2007), os modelos priorizam uma escala de uso da força, colocando a utilização de armamentos letais apenas em último caso, e destacando a importância do conhecimento de técnicas de defesa pessoal, de artes marciais.

A apostila de Uso Legal da Força, fornecida pelo Ministério da Justiça (2006), após analisar diversos tipos de modelos de uso da força, e recomendar o modelo canadense, propõe a adoção de um modelo básico de uso progressivo da força:

Ilustração 4: Modelo básico de uso progressivo da força.

Fonte: Apostila de Uso legal da Força, 2006.

Percebe-se que o modelo proposto pela apostila Uso legal da Força do Ministério da Justiça (2006), similar ao modelo Flect, possui também, em seus níveis de aplicação do uso progressivo da força, 60% do gráfico, ou seja, três dos cinco níveis apresentados, diretamente ligados às técnicas desenvolvidas com a prática de artes marciais.

Todos os modelos de uso progressivo da força apresentados destacam a utilização de técnicas menos agressivas antes da utilização da arma de fogo. Os modelos apresentados, inclusive o recomendado (Modelo Canadense) e o proposto (Modelo Básico) pelo Ministério da Justiça (2006), apresentam e enfatizam formas de aplicação do uso da força relacionada a técnicas desenvolvidas através da prática de artes marciais.

A Polícia Militar de Santa Catarina, recentemente criou um modelo de uso progressivo da força, baseado nos modelos apresentados anteriormente, o qual foi apresentado durante o Curso de Uso Progressivo da Força (2010).

Ilustração 5: Pirâmide de Emprego da Força

Adaptado do Modelo de FLECT (GRAVES & CONNOR , 1994, p. 8) (Curso de Uso Progressivo da Força, p.11)

Não sendo a intenção da pesquisa o aprofundamento no estudo das técnicas necessárias para emprego do uso da força, mas apenas a contextualização deste emprego dentro da perspectiva legal, fica neste capítulo uma amostra da normatização do emprego coercitivo da força durante a atuação policial militar.


4. Legislação Brasileira e o Uso da Força na Atividade Policial Militar

O capítulo quatro conclui a obra, enfatizando a legislação infraconstitucional que trata sobre a aplicação da força por parte dos agentes públicos responsáveis pela segurança pública. Inicialmente a Lex Mater é discutida sob o ponto de vista dos direitos e garantias ligados ao uso da força pelo Estado contra o administrado. O Código Penal, Decreto-Lei 2.848/1940, na segunda seção deste capítulo, aponta as excludentes de ilicitude como elementos indispensáveis para o embasamento legal do uso da força pelos policiais militares. Alguns exemplos fáticos, explicitados pela doutrina, são apresentados, visando melhor ilustrar a temática abordada.

4.1 Constituição da República Federativa do Brasil de 1988

Pinto e Valério (2002) afirmam que a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 direciona a prioridade ao respeito à integridade física, moral e psicológica do cidadão, às liberdades individuais e coletivas, sendo assim a vida como bem maior tutelado pelo Estado. Reforçam ainda a necessidade de respeitar tais direitos, consagrados na Constituição da República Federativa do Brasil, mesmo que seus propósitos confrontem-se com a realidade social de violência e barbárie daqueles que desconhecem qualquer regra de convivência social.

Os princípios de justiça, liberdade e igualdade, consagrados pela Carta Magna (BRASIL, Constituição da República do Brasil, art.1º, 3º e 5º) são especificados em seus primeiros artigos: Título I, Dos Princípios Fundamentais, Título II, Dos Direitos e Garantias Fundamentais, e Capítulo I, Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos. Segue os artigos que identificam os princípios acima descritos:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado democrático de direito e tem como fundamentos:

[...]

II – a cidadania;

III – a dignidade da pessoa humana;

Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;

[...]

IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição;

II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;

III - ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante;

[...]

Segundo Beauchamp e Childress apud Goldim (1998, p. 1), o princípio da justiça é a expressão da justiça distributiva, veja-se:

Entende-se justiça distributiva como sendo a distribuição justa, equitativa e apropriada na sociedade, de acordo com normas que estruturam os termos da cooperação social. Uma situação de justiça, de acordo com esta perspectiva, estará presente sempre que uma pessoa receberá benefícios ou encargos devidos às suas propriedades ou circunstâncias particulares.

Goldim (1998, p. 1), traz a tona ainda a proposta de Aristóteles sobre a justiça formal, a qual "os iguais devem ser tratados de forma igual e os diferentes devem ser tratados de forma diferente".

Ainda sobre o princípio da justiça, Rawls apud Almeida et al (2007) afirma que os cidadãos estando sob o mesmo nível de ignorância ficam em situação equitativa, por isso propõe uma idéia de justiça como equidade.Rawls apud Almeida et al (2007, p. 216) afirma que "cada pessoa deve ter um direito igual ao mais amplo sistema total de liberdades básicas iguais que seja compatível com um sistema semelhante de liberdade para todos", bem como as dificuldades sociais e econômicas devem ser distribuídas simultaneamente, onde os maiores benefícios devem ser aos menos favorecidos. Dessa forma, paraRawls apud Almeida et al (2007), a teoria da justiça redunda em três princípios básicos, o princípio da liberdade, da oportunidade justa, e da diferença.

Perelman et al apud José Afonso da Silva (2001), diz ser a justiça formal um princípio de ação, onde seres da mesma categoria devem ser tratados igualmente. José Afonso da Silva (2001) acrescenta ainda que tal princípio identifica-se com a igualdade formal. Perelman et al apud José Afonso da Silva (2001, p. 216), coloca magnificamente a seguinte frase: "tratar de maneira igual os iguais e de maneira desigual os desiguais".

Relativo ao princípio da igualdade, André da Silva (2006, p. 214) afirma ser "o signo fundamental da democracia". Não permite privilégios nem distinções. André da Silva (2006) afirma ainda que as constituições admitem o sentido jurídico-formal que refere-se a igualdade perante a lei. A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 busca reduzir as desigualdades sociais e regionais, repulsa discriminação, universaliza a seguridade social, garante saúde, acesso a educação, tudo isso visando a igualdade material.

O princípio da liberdade, segundo Almeida et al (2007) tem prioridade dentre os restantes, além de que todos os indivíduos em uma sociedade justa se beneficiam das mesmas liberdades básicas.Rawls apud Almeida et al (2007) inclui nestas liberdades básicas a liberdade política, liberdade de expressão e de reunião, liberdade de consciência e de pensamento. Inclui também as liberdades da pessoa que segundo o autor refere-se à proibição contra agressões e prisões arbitrárias. SegundoRawls apud Almeida et al (2007, p. 217), quanto ao princípio da liberdade:

Rawls defende que não se pode violar as liberdades básicas dos indivíduos de modo a alcançar vantagens económicas e sociais. Por exemplo, não se pode suprimir a liberdade de expressão com o objectivo de obter uma melhor distribuição da riqueza. No entanto, nenhuma das liberdades básicas é absoluta. Qualquer uma pode ser limitada para que assim se obtenha uma maior liberdade para todos. Por exemplo, em algumas circunstâncias pode justificar-se limitar a liberdade de expressão – proibindo, suponhamos, a difusão de ideais políticos ou religiosos extremamente intolerantes – de modo a proteger a liberdade política.

Segundo André da Silva (2006, p. 236), o conceito de liberdade é a "possibilidade de coordenação consciente dos meios necessários à realização da felicidade pessoal". Outro princípio interessante que também deve ser levado em consideração quando no uso da força é o da dignidade da pessoa humana. Para o autor este princípio serve como unificador de todos os direitos fundamentais. Dessa forma a ordem econômica deve ter por finalidade assegurar à todos a existência digna, a ordem social, a realização da justiça social, a educação, o desenvolvimento e preparo da cidadania da pessoa, visando a dignidade da pessoa humana. A respeito do princípio constitucional da dignidade humana bem define Sarlet, (2001, p. 89):

A dignidade da pessoa humana engloba necessariamente respeito e proteção da integridade física e emocional (psíquica) em geral da pessoa, do que decorrem, por exemplo, a proibição da pena de morte, da tortura e da aplicação de penas corporais bem como a utilização da pessoa para experiências científicas.

Farias apud Martins (2006) esclarece que a arquitetura constitucional é baseada no princípio da dignidade da pessoa humana. Este princípio dá valor e consistência aos direitos fundamentais. Serve como respaldo para possíveis "direitos novos" surgidos através de tratados internacionais aos quais o Brasil seja signatário, ou mesmo em decorrência de direitos implícitos em princípios contidos na própria Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. O princípio da dignidade da pessoa humana é critério imperativo do inteiro ordenamento constitucional.

4.2 Código Penal – Excludentes de Ilicitude

Baseando-se nos princípios supracitados, o Código Penal Brasileiro (BRASIL, 2011) em seus artigos 23, 24 e 25 busca definir as excludentes de criminalidade, ou seja, conforme Pinto e Valério (2002, p. 57), "as causas de justificação que tornam um ato antijurídico excluso de ilicitude", tornando o próprio delito excluído.

Capez e Prado (2008, p. 62), de maneira muito didática, ensinam que pela teoria bipartida, crime é todo fato típico e ilícito, excluindo portanto a culpabilidade. Ilicitude é a "contradição entre a conduta e o ordenamento jurídico" podendo ser comissiva (ação) ou omissiva (omissão), tornando-a ilícitas. Assim, toda conduta penalmente ilícita é típica, porém o contrário não ocorre, pois pode haver situações que haja a incidência das excludentes de ilicitude, quais sejam:

Art. 23. Não há crime quando o agente pratica o fato:

I – em estado de necessidade;

II – em legítima defesa (própria ou de terceiros);

III - em estrito cumprimento do dever legal ou no exercício regular do direito.

Parágrafo único: O agente, em qualquer das hipóteses deste artigo, responderá pelo excesso doloso ou culposo". (CÓDIGO PENAL, BRASIL, 2011)

O artigo 24, do Código Penal trata, especificamente, sobre o estado de necessidade e o artigo 25, sobre a legítima defesa:

Art. 24.Considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, ou circunstâncias, não era razoável exigir-se[...]

§ 1°Não pode alegar o estado de necessidade quem tinha o dever legal de enfrentar o perigo.

§ 2° Embora seja razoável exigir-se o sacrifício, do direito ameaçado, a pena poderá ser reduzida de um a dois terços. (CÓDIGO PENAL, BRASIL, 1940)

Art. 25. Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem. (CÓDIGO PENAL, BRASIL, 1940)

O Código Penal Militar (BRASIL, 2011), também citado pela apostila Uso Legal da Força, do Ministério da Justiça (2006), traz em seu artigo 42, a exclusão de crime, artigo análogo ao do Código Penal comum.

Art 42. Não há crime quando o agente pratica o fato:

I – em estado de necessidade;

II – em legítima defesa;

III – em estrito cumprimento do dever legal

IV – em exercício regular de direito

Capez e Prado (2008, p. 62) destacam ainda que há outras causas de exclusão da ilicitude ao longo da Parte Especial do Código Penal, exemplificando: aborto de necessário ou aborto no caso de gravidez resultante de estupro, art. 128, I e II e a injúria ou difamação, quando praticadas nas situações previstas no art. 142, I, II e III, in verbis:

Art. 142. Não constituem injúria ou difamação punível:

I - a ofensa irrogada em juízo, na discussão da causa, pela parte ou por seu procurador;

II - a opinião desfavorável da crítica literária, artística ou científica, salvo quando inequívoca a intenção de injuriar ou difamar;

III - o conceito desfavorável emitido por funcionário público, em apreciação ou informação que preste no cumprimento de dever do ofício.

Parágrafo único - Nos casos dos ns. I e III, responde pela injúria ou pela difamação quem lhe dá publicidade. (CÓDIGO PENAL, BRASIL, 1940)

Andreucci (2008, p. 64), tratando também sobre as excludentes de ilicitude, afirma ser esta sinônimo de antijuridicidade. O referido autor conceitua as excludentes de ilicitude como "causas de justificação da prática" de um fato típico, tornando-o jurídico, ou seja, não proibido ou vedado pela legislação. As causas de exclusão da ilicitude são também chamadas de descriminantes, causas de exclusão do crime, eximentes ou tipos permissivos.

4.2.1 Legítima Defesa – Conceito e Exemplos Fáticos

Para Capez (2004), legítima defesa é uma excludente de ilicitude onde o agente repele injusta agressão, atual e iminente, a direito próprio ou alheio, usando os meios necessários de maneira moderada. O autor diz que pela falta de proteção do Estado aos cidadãos em todos os momentos e lugares, através desta excludente de ilicitude, permite que o cidadão se defenda, quando não houver outro modo. Como requisitos o autor relaciona: agressão injusta, atual e iminente, contra direito próprio ou alheio, repulsa com meios necessários e uso moderado, além do conhecimento da situação justificante.

Pinto e Valério (2002, p.58) corroboram com Capez (2004) e exemplificam com um caso de uma pessoa que ao ser atacada com facadas numa tentativa de roubo, consegue sacar uma arma de fogo e matar o agressor.

Tratando-se de uma obra de cunho policial militar, Pinto e Valério (2002, p.60), listam requisitos para que o policial possa alegar legítima defesa:

  • a) Que haja agressão injusta, ou seja, objetivamente ameaçadora à lesão de um direito legítimo (pessoal ou impessoal);

  • b) Que esta seja atual, esteja acontecendo ou iminente, prestes a ocorrer;

  • c) Esta agressão deve configurar real condição de dano, ameaça potencial à direito próprio ou de terceiro;

  • d) A defesa só é valida quando se faz necessária para repulsar a agressão, com os meios disponíveis no momento;

  • e) Uso moderado da força necessária para repulsa da agressão. Neste aspecto mostrasse de extrema valia os modelos de uso progressivo da força, apresentado no capítulo três.

  • f) O chamado Animus Defendi, ou seja, a verdadeira consciência, vontade do agente em agir sob o prisma da legítima defesa.

Capez e Prado (2008, p. 68) concordam com Pinto e Valério (2002). Os autores acrescem que nesse caso não há dois ou mais bens em conflito, como no caso do estado de necessidade. Nesse caso, "ocorre um ataque ilícito contra agente ou terceiro, legitimando repulsa".

Merece destaque o exemplo dos autores sobre a defesa de agressão advinda de animais, como cães ferozes. Quando motivadas pela açula de pessoa, caracterizam legítima defesa. Porém, quando a ação de repulsa opor-se a ataque irracional de animal caracteriza-se estado de necessidade. Andreucci (2008, p.70) não diferencia as duas hipóteses, classificando apenas como inexistente a legítima defesa quando necessária para repulsa à agressão de animais.

Ainda, Andreucci (2008, p. 67), conceitua legítima defesa como sendo a "repulsa a injusta agressão, atual ou iminente, a direito próprio ou de outrem, usando moderadamente os meios necessários."

Andreucci (2008, p. 67), indo ao encontro com Pinto e Valério (2002), também lista alguns elementos necessários para configuração da legítima defesa:

  • a) Agressão (ato humano) injusta, atual (esta ocorrendo) e iminente (prestes a ocorrer);

  • b) Direito próprio (legítima defesa própria) ou de terceiro (legítima defesa de terceiro);

  • c) Utilização dos meios necessários, ou seja aqueles à disposição e menos lesivos;

  • d) Utilização moderada de tais meios; o que pode ser entendido como uso progressivo da força na atuação policial;

  • e) Conhecimento da situação de fato justificante (animus defendi).

Andreucci (2008, p. 68 e 69) explica ainda que quando o agente após se defender do agressor, acreditando que este ainda intenta contra sua pessoa, intensifica, aumenta as agressões, e desta forma excedendo-se, age sob o prisma do erro de tipo escusável. Nesse caso exclui-se o dolo ou a culpa.

O mesmo autor trata sobre a legítima defesa sucessiva onde o agente de agressão inicial, passa a ser vítima de agressão em excesso, e agindo em defesa própria, esta pode ser considerada legítima.

4.2.2 Estado de Necessidade – Conceito e Exemplos Fáticos

Pinto e Valério (2002, p. 58) destacam diferenças entre o "estado de necessidade" e a "legítima defesa". Essa subentende uma agressão atual ou iminente e injusta, contra a qual haverá uma reação, enquanto no "estado de necessidade" a situação de perigo que ameaça direito do agente ou de terceiro, tem que ser atual e inevitável, além de ter que ser inexigível o sacrifício do bem ameaçado, consideradas as circunstâncias.

Führer (1999, p. 67 e 69) entende respectivamente sobre estado de necessidade e legítima defesa o seguinte:

Considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se. (Führer, 1999, p. 67).

Entende-se em legítima defesa, quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem. (Führer, 1999, p. 69).

No dizer de Capez (2004, p. 256), estado de necessidade é causa de exclusão de ilicitude da conduta, quando o agente não tem o dever legal de enfrentar uma situação de perigo atual, além de não a ter provocado, e acaba por sacrificar "um bem jurídico ameaçado por este perigo, para salvar outro".

Capez e Prado (2008, p. 66) corroboram, afirmando ainda que nesses casos existem dois bens jurídicos distintos, onde a preservação de um impõe a destruição de outro.

Didaticamente, Andreucci (2208, p. 65) conceitua o estado de necessidade como uma "situação de perigo atual de interesses legítimos e protegidos pelo Direito, em que o agente, para afastá-la e salvar um bem próprio ou de terceiro, não tem outro meio senão o de lesar o interesse de outrem, igualmente legítimo".

No estado de necessidade, Capez (2004, p. 257) afirma que existem dois ou mais bens jurídicos em perigo, sendo que o resguardo de um está sujeito ao extermínio do outro. Capez (2004) assevera ainda que o Código Penal adota a teoria unitária sobre estado de necessidade, onde esta é sempre considerada causa e exclusão de ilicitude, quando eivada de razoabilidade. Capez e Prado (2008, p. 66) acrescentam que pela teoria unitária, adotada pelo Código Penal, não há comparação de valores, bastando a ação ocorrer conforme o senso comum, seguindo a razoabilidade.

Capez (2004) relaciona como requisitos para ocorrência do estado de necessidade: o perigo deve ser atual, deve ameaçar direito próprio ou alheio, não pode ter sido causado pelo agente e deve haver inexistência do dever legal de abarbar o perigo por parte do agente. Sobre a conduta lesiva, o comportamento do agente deve ser inevitável, o sacrifício deve ser razoável e ele deve estar ciente da situação justificante.

Capez e Prado (2008, p. 66), concordam com os requisitos e explicitam a inevitabilidade do comportamento que sacrificar o bem jurídico, reforçam a razoabilidade desta escolha, e destacam o requisito subjetivo, que é a intenção real do agente em agir sob o prisma do estado de necessidade.

Capez (2004, p. 262), distingue três formas de estado de necessidade: "quanto à titularidade do interesse protegido", que pode ser direito próprio ou de terceiro; "quanto ao aspecto subjetivo do agente" onde a situação pode ser real ou putativa, quando o perigo é imaginado pelo agente, porém não existe. E "quanto ao terceiro que sofre a ofensa", que pode ser defensivo, quando a agressão vai contra o provocador dos fatos, e agressivo, onde o agente destrói bem de terceiro inocente.

Quanto ao parágrafo primeiro do artigo vinte e quatro, Capez e Prado (2008, p. 67), rechaçam o direito de alegar o estado de necessidade quando o agente possui o dever de enfrentar o perigo, como no caso do bombeiro, excluindo a hipótese em que for impossível o salvamento ou o risco for inútil.

Andreucci (2008, p. 66) corrobora, afastando também a possibilidade de alegação do tipo permissivo no caso do policial que se recusa a perseguir um malfeitor sob pretexto de poder ser atingido por disparo de arma de fogo.

Quanto ao parágrafo segundo, que aponta uma causa de diminuição de pena, quando há ilicitude na ação, por falta de razoabilidade do agente na destruição do bem jurídico tutelado, Andreucci (2008, p. 67) afirma ficar a critério do juiz a gradação da redução entre um ou dois terços.

4.2.3 Estrito Cumprimento do Dever Legal e Exercício Regular de Direito – Conceito e Exemplos Fáticos

Capez (2004, p. 273), ao se referir ao estrito cumprimento do dever legal, conceitua: "[...] causa de exclusão da ilicitude que consiste na realização de um fato típico, por força do desempenho de uma obrigação imposta por lei".

O estrito cumprimento do dever legal para Capez (2004) deve derivar direta ou indiretamente da lei, e ser cumprido estritamente dentro dos limites legais.

Sobre o estrito cumprimento do dever legal, Pinto e Valério (2002, p. 59), destacam que é caracterizado pela "existência de um dever funcional imposto pelo direito objetivo" emanado do poder público com caráter geral. O agente não pode exorbitar o poder que o Estado lhe conferiu.

Führer (1999) afirma que não há crime quando o agente pratica o fato em estrito cumprimento do dever legal, como no caso do policial que prende em flagrante ou que revida tiros de assaltante e acaba matando um deles.

Alvarenga (2007, p. 1) diverge de Fuhrer (1999) quando analisando o exemplo da atividade policial militar, afirmando o seguinte:

[...]o policial que fere ou mata alguém que resiste, de forma violenta, à prisão em flagrante pode alegar, em seu favor, o contratipo imperativo do estrito cumprimento de dever legal? Não, pois inexiste, no caso, norma jurídica que determine ferir ou matar. A conduta do policial perfaz, então, um fato típico de lesão corporal ou de homicídio, embora justificado pela legítima defesa, se ocorrerem, é claro, os requisitos desta causa de exclusão da antijuridicidade. Quero crer, contudo, que o cumprimento do dever legal de efetuar a prisão em flagrante, e que, associado à violenta resistência, legitima a reação de defesa oposta pelo policial, merece impedir que se produza a função própria da tipicidade de ser indiciária da ilicitude do fato.

Analisando sob o ponto de vista de Alvarenga (2007), uma situação onde um policial militar, utilizando-se moderadamente de técnica de artes marciais, contra agente que resiste a prisão após efetuar roubo, causando-lhe lesões, é justificado pela legítima defesa e não pelo estrito cumprimento do dever legal.

Cabe, no entanto, aplicar a excludente de estrito cumprimento do dever legal para atividade policial, conforme o exemplo apresentado por Araújo (2003, p. 1):

Exemplo clássico de estrito cumprimento de dever legal é o do policial que priva o fugitivo de sua liberdade, ao prendê-lo em flagrante. Nesse caso, o policial não comete crime de constrangimento ilegal ou abuso de autoridade, por exemplo, pois que ao presenciar uma situação de flagrante delito, a lei obriga que o policial efetue a prisão do respectivo autor, mais precisamente o art. 292 do CPP [...]

Outro exemplo a ser destacado é do policial militar que ao realizar a prisão de agente em flagrante delito, contendo inicialmente sua tentativa de fuga ou resistência, e havendo ainda perigo a integridade física dos agentes ou de terceiros pode fazer uso de algemas, conforme o Supremo Tribunal Federal manifestou-se através da Súmula Vinculante nº 11 de 2008.

[...]

Só é lícito o uso de algemas em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado.(Supremo Tribunal Federal, pag. 3)

De qualquer forma, independente de qual for ponto de vista analisado, o policial militar que utilizar-se moderadamente da força necessária, para repelir agressão injusta, contra si ou contra terceiro, e culminar em lesões contra o agressor, poderá recorrer a excludentes de criminalidade.

Schwartz apud Mirabete (2009, p.1), faz apontamento interessante quanto ao estrito cumprimento do dever legal:

Prevista no art. 23, III, primeira parte do Código Penal, o estrito cumprimento do dever legal é uma causa de exclusão da ilicitude, deixando o fato praticado de ser antijurídico. Quem cumpre regularmente um dever não pode, ao mesmo tempo, praticar ato ilícito, uma vez que a lei não contém contradições (MIRABETE, 2005, p. 188-189). Aquele que age limitando-se a cumprir um dever que lhe é imposto por lei penal ou extrapenal e procede sem abusos no cumprimento desse dever não ingressa no campo da ilicitude.

Schwartz (2009, p.1) exemplifica como causa de caracterização da referida excludente o policial que atira contra preso em fuga de estabelecimento penal alegando que "a sociedade, que não pode ficar à mercê da violência cometida pelos criminosos".

Pedroso (2009, p. 378), autor também indicado por Schwartz (2009), cita exemplos adquiridos na doutrina e na jurisprudência.

De igual forma, o policial que comete lesões corporais, atirando contra a perna de criminoso em fuga, atua sob o pálio do estrito cumprimento do dever legal, como o fazem, em relação aos delitos contra a honra, o funcionário público que emite conceito injurioso ou difamatório sobre alguém, em apreciação ou informação que preste no cumprimento de dever de ofício, a testemunha que emita considerações contumeliosas relativas a alguém em resposta a perguntas do magistrado, já que a lei a obriga a declarar a verdade, e o Promotor de Justiça que, ao fundamentar pedido de prisão preventiva, tece consideração desabonadora com relação a outrem.

Schwartz (2009, p.2), traz ainda algumas jurisprudências que defendem seu entendimento:

RECURSO EM SENTIDO ESTRITO – HOMICÍDIO CONSUMADO E HOMICÍDIO TENTADO – DESCLASSIFICAÇÃO PARA LESÃO CORPORAL SEGUIDA DE MORTE E LESÃO CORPORAL – PRETENDIDA ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA – POLICIAIS MILITARES QUE ATIRARAM CONTRA DETENTOS EM FUGA – EXCESSO NÃO CONFIGURADO – EXCLUDENTE DE ILICITUDE – ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA – RECURSOS PROVIDOS – UNÂNIME.

Age no estrito cumprimento de dever legal o policial que atira contra detento em fuga, valendo-se dos meios necessários, sem excesso, dele não se podendo exigir outra conduta, porquanto esse é o munus que o Estado lhe confere, autorizando-o, inclusive, a portar arma de fogo, devidamente municiada.

(TJDF. RSE n.° 1999.08.1.002582-2, Rel.: Des. LECIR MANOEL DA LUZ, j. em 08/09/2005).

Recurso de ofício. Absolvição sumária. Estrito cumprimento do dever legal.

A absolvição sumária aplicada ao policial militar que, para obstar fuga e na iminência de ser agredido, atira e mata, não deve ser cassada. Absolvição mantida.

(TJRO. Rec. de Oficio nº. 20000019990016790, Rel.: Des. Antonio Cândido, j. em 16/09/1999).

RESPONSABILIDADE CIVIL. MORTE DE PRESO QUE TENTAVA SE EVADIR. TEORIA DO RISCO ADMINISTRATIVO. EXERCÍCIO DE DEVER LEGAL. CULPA DA VÍTIMA.

Circunstância em que apenado é morto por tiro desferido por autoridade policial quando buscava evadir-se de presídio. Dever do Estado em fazer cumprir sua função de promover a segurança de seus cidadãos. Suprime-se a relação de causa e efeito entre o agir e o dano pela culpa exclusiva da vítima. Legítimo exercício de dever legal do agente estatal que busca impedir a tentativa de fuga, atirando em apenado que já se evadia e ignora tiro de advertência. Apelo improvido. Decisão unânime."

(TJRS. Apelação Cível nº. 70003216835, Rel.: Des. Jorge Alberto Schreiner Pestana, j. em 01/08/2002).

Além do discutível exemplo de Schwartz (2009), Capez e Prado (2008, p. 64), explicam o chamado exercício regular do direito, exemplificando o caso do particular que efetua a prisão de agente em flagrante delito, conforme autorização do Próprio Código de Processo Penal. Para os autores exclui-se a ilicitude quando o sujeito está autorizado a determinado comportamento pela própria lei. Outro exemplo é a coação para prática de intervenção cirúrgica, ou o chamado jus corrigendi do pai de família, derivado do poder familiar ou ainda, as lesões praticadas em competições desportivas. Os autores incluem também neste caso os ofendículos, como cacos de vidro ou cercas elétricas, desde que facilmente perceptíveis e razoáveis, os quais são destinados a defesa da propriedade.

4.2.4 Excesso Punível

O parágrafo único do artigo vinte três do Código Penal (BRASIL, 2011), segundo Pinto e Valério (2002, p. 57), refere-se à possibilidade de responsabilização do executor, do agente público, quando agindo, mesmo sob as circunstâncias da excludente de criminalidade, com excesso doloso ou culposo. Evidencia-se desta forma a necessidade do policial possuir conhecimento técnico sob todos os níveis da aplicação da força para não incidir no parágrafo único do artigo vinte e três.

Pinto e Valério (2002, p. 62), refletindo sob este prisma, esclarecem que sob os olhos do poder judiciário, a ação desproporcional e imotivada, dentre outros aspectos é causada pela "falta de confiança na eficácia de suas técnicas de contenção e de defesa pessoal" ou mesmo pelo desconhecimento por parte do agente público dos efeitos que tais golpes, técnicas, podem ocasionar. Os autores colocam ainda que isto ocorre pela falta de treinamento, preparo dos policiais, bem como insuficiente controle emocional e racionalidade, em conjunto com falta de preparo psicomotor, que lhes proporcionem "ações físicas oportunas e comedidas".

Quanto ao excesso punível, Capez e Prado (2008, p. 62) afirmam que somente a força necessária e que decorra da exigência legal pode ser amparada nas causas de justificação. Assim os excessos poderão ser puníveis quando tipificados no Código Penal ou na lei de Abuso de Autoridade. Como exemplo, explicitam a situação em que a autoridade policial mesmo agindo sob o estrito cumprimento do dever legal ao prender um agente em flagrante delito, responderá pelo excesso caso exponha a autoridade à humilhação. Ou ainda os policiais que espancam a vítima durante abordagem alegando desobediência.

Andreucci (2008, p. 73) diferencia o excesso doloso do culposo, onde este decorre de avanço aos limites legais, pelo agente que mesmo após já ter contido a agressão inicial, age por impudência, negligência ou imperícia e aquele do avanço voluntário do agente, mesmo após já ter contido a agressão inicial, culminando em resultados antijurídicos.

4.3. Código de Processo Penal e Processo Penal Militar

Antes de abordar os artigos específicos do Código de Processo Penal, que tratam sobre o uso da força na atividade policial, é importante destacar-se, o art. 301 que fala sobre o dever das autoridades policiais e seus agentes efetuarem a prisão de quem seja encontrado em flagrante delito, veja-se: "Art. 301. Qualquer do povo poderá e as autoridades policiais e seus agentes deverão prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito" (CÓDIGO DE PROCESSO PENAL, 2010).

O Ministério da Justiça (2006), ao tratar sobre o uso progressivo da força, traz à baila artigos do Código de Processo Penal. Nesse salienta os artigos 284 e 293 que permitem o emprego da força pelos policiais no exercício profissional.

Art. 284 Não será permitido o emprego de força, salvo a indispensável, no caso de resistência ou tentativa de fuga de preso. [...].

Art 293 Se o executor do mandado verificar, com segurança, que o réu entrou ou se encontra em alguma casa, o morador será intimado a entrega-lo, à vista da ordem de prisão. Se não for obedecido imediatamente, o executor convocará duas testemunhas e, sendo dia, entrará a força na casa, arrombando as portas, se preciso; sendo noite, o executor, depois da intimação ao morador, se não for atendido, fará guardar todas as saídas, tornando a casa incomunicável, e logo que amanheça, arrombará as portas e efetuará a prisão. (CÓDIGO DE PROCESSO PENAL, 2010)

Destaca-se ainda o art. 292 da mesma legislação que também se refere ao uso da força por parte dos agentes públicos.

Art. 292. Se houver, ainda que por parte de terceiros, resistência à prisão em flagrante ou à determinada por autoridade competente, o executor e as pessoas que o auxiliarem poderão usar dos meios necessários para defender-se ou para vencer a resistência, do que tudo se lavrará auto subscrito também por duas testemunhas. (CÓDIGO DE PROCESSO PENAL, 2010)

Sobre o artigo 284, acima citado, Tourinho Filho (1997, p. 459-460) comenta que:

Quando da realização da prisão, não podem seus executores fazer uso da força, a não ser nas duas hipóteses enunciadas no artigo em exame. Quanto á resistência, distingui-se em passiva e ativa. A primeira consiste num simples gesto instintivo de autodefesa, sem intenção de ofender [...]. Já a ativa, sim. Em qualquer uma dessas espécies de resistência, pode ser usada a força, dentro dos limites indispensáveis para vencê-la. Assim por exemplo, se o capturando deita-se ao chão, evidente que o executor seria penalmente responsabilizado se, por acaso, fizesse uso do cassetete.

Jesus (2010, p. 258), objetivamente sobre o art. 284, afirma que para efetuação da prisão o emprego da força "é permitido e indispensável para vencer a resistência ou a tentativa de fuga de preso". Sobre o art. 292, chama de "violência necessária" o uso da força indispensável para vencer a resistência.

Quanto ao Uso da Força tratado no Código de Processo Penal, Tourinho Filho (2010, p. 644), salienta ser exceção, somente podendo ser utilizada em duas situações, no caso de resistência e no caso de tentativa de fuga, alertando quanto ao excesso que poderá configurar crime previsto na lei 4.898/65, Lei de Abuso de Autoridade. O autor cita como exemplo legítimo, o caso de um preso em fuga, onde o policial poderá, por exemplo, dar-lhe um tiro na perna, medida necessária para evitar a fuga.

O Código de Processo Penal Militar (BRASIL, 2011) também é citado pela apostila do Ministério da Justiça (2006, p. 12). Os artigos 231, 232 e 234 relacionam-se com o emprego da força na ação policial. O artigo 234 expressa o seguinte:

Art 234. O emprego da força só é permitido quando indispensável, no caso de desobediência, resistência ou tentativa de fuga. Se houver resistência da parte de terceiros poderão ser usados os meios necessários para vencê-la ou para defesa do executor e seus auxiliares, inclusive a prisão do defensor. De tudo se lavrará auto subscrito pelo executor e por duas testemunhas.

Pinto e Valério (2002) exemplificam duas jurisprudências referentes a atitudes de agressão injustificada por parte de policiais militares. Em ambas ocorre o crime de lesões corporais, artigo 209 do Código Penal Militar.

Pesquisando a jurisprudência do Tribunal de Justiça Militar do Rio Grande do Sul (2007) e do Tribunal de Justiça Militar do Estado de São Paulo (2007) respectivamente, encontram-se duas jurisprudências que podem corroborar com as exemplificadas pelos autores em sua obra:

Lesão leve (art. 209, caput, do CPM). Co-autoria (art. 53, caput, do CPM).

Decisão majoritária do Conselho Permanente de Justiça, que condenou os acusados a três meses de detenção, com sursis bienal, mediante condições, a dois dos quatro acusados. Apelo da defesa. Policiais militares em serviço de policiamento ostensivo que agridem a vítima em comunhão de vontades, provocando-lhe lesões corporais de natureza leve. Autoria, materialidade e culpabilidade satisfatoriamente comprovadas.

Apelo da defesa negado. Decisão unânime.

(APELACAO CRIMINAL nº 3.573/03)

Apelação Criminal - Lesões corporais de naturezas grave e leve - Caracterização - Pretendida absolvição por reconhecimento da excludente da legítima defesa putativa - Inocorrência - Materialidade dos delitos comprovadas por prova pericial e testemunhal - Condenação mantida.

Policial Militar participando de bloqueio policial efetua disparo de arma de fogo contra motociclista. Legítima defesa putativa não comprovada. Inobservância das cautelas necessárias. Lesões de naturezas grave e leve comprovadas por laudo pericial. Delito caracterizado.

(APELACAO CRIMINAL - Nº 005405/05, Processo nº 036992/03 4a AUDITORIA )

A última jurisprudência exposta aponta um caso onde a lesão foi ocasionada pelo uso indevido da arma de fogo, demonstrando o nível de responsabilidade que agente policial deve ter ao utilizar este artifício.

4.4. Lei 4.898/65 – Abuso de Autoridade

Sírio (2007), afirma ser abuso de autoridade qualquer ato do poder que atente contra:

[...] os direitos e garantias individuais do homem, inerentes à sua liberdade de locomoção, inviolabilidade do seu domicílio, sigilo de correspondência, liberdade de consciência e crença, livre exercício do culto religioso, liberdade de associação, direitos e garantias legais assegurados ao exercício do voto, direito de reunião, incolumidade física do indivíduo e direitos e garantias legais assegurados ao exercício profissional.

Sírio (2007), ensina ainda que autoridade é considerada a pessoa que exerce cargo, emprego ou função pública de natureza civil ou militar, mesmo que transitoriamente e sem remuneração. Como sujeito passivo imediato coloca o Estado, e mediato o cidadão titular da garantia fundamental lesada.

Não obstante a lei expressamente se referir a abuso de autoridade, melhor, porque, mais técnico seria, referir-se a abuso de poder. Nesse sentido afirma Santos (2003, p. 17):

[...] a doutrina, de um modo geral, reconhece uma impropriedade nessa denominação, porque quando se tem por base uma relação de direito público ou função pública na qual se cometem abusos, correto seria falar-se não em abuso de autoridade, mas abuso de poder. A expressão abuso de autoridade melhor guarida encontraria nos casos de abusos, excessos ou desvios no campo das relações privadas. Na realidade, a expressão correta seria "abuso de poder", pois nem todo funcionário público exerce uma função de autoridade. Não é só quem detém um cargo de autoridade que pode ser sujeito ativo deste crime; basta ver o conceito legal de funcionário público. Também os funcionários públicos que não são considerados autoridade pública podem ser sujeito ativo.

Registre-se que o Código Penal do Brasil (BRASIL, 1940), tratando das circunstâncias agravantes, em seu artigo 61, inciso II, alíneas "f" e "g" institui diferença fundamental entre abuso de autoridade e abuso de poder:

Art. 61 - São circunstâncias que sempre agravam a pena, quando não constituem ou qualificam o crime:

[...]

f) com abuso de autoridade ou prevalecendo-se de relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade, ou com violência contra a mulher na forma da lei específica;

g) com abuso de poder ou violação de dever inerente a cargo, ofício, ministério ou profissão;

Abuso, segundo De Plácido e Silva apud Fonseca (1997), "[...] é um termo usado para expressar o excesso de poder ou de direito, ou ainda o mau uso ou a má aplicação dele [...]".

Costa (2006), referindo-se sobre a lei número 4.898 de nove de dezembro de 1965, afirma que o artigo terceiro, descreve como se constitui o abuso de autoridade, e segundo o autor, a alínea "i" do artigo, reflete uma das possibilidades onde o policial utilizando-se inadequadamente da força contra o administrado pode incidir. "Art. 3º. Constitui abuso de autoridade qualquer atentado: i) à incolumidade física do indivíduo; (BRASIL,1995)LEI 4898/95)"

Para Costa (2006), a Lei 4898/65 prevê sanções de natureza administrativa, civil e penal, que estão destacadas no artigo 6º da referida lei.

Cunha (2004, p. 8), sobre a dificuldade do agente público de proteger-se das lacunas da lei, e acabar por incidir no crime de abuso de autoridade, posiciona-se assim:

A falta de clareza dos dispositivos legais e a má compreensão dos conceitos doutrinários pelo policial podem levar ao abuso de autoridade - onde o direito legítimo do cidadão de ser protegido do uso da força excessiva pela polícia é desrespeitado; ou ao excesso de zelo – no qual o policial abre mão do seu direito à própria segurança, temendo agir com excesso.

Apesar da legislação anteriormente comentada sobre o assunto Barbosa e Ângelo apud Ministério da Justiça (2006, p. 13) diz que "o Sistema Jurídico Brasileiro apresenta lacunas e imprecisões quanto a legalidade e aos limites" do uso da força. O Ministério da Justiça (2006) coloca ainda sobre a necessidade de a Legislação Brasileira absorver uma norma única referente ao assunto para orientar policiais e cidadãos.


5. Conclusão

A partir de 1988 a nova Lei Constitucional ampliou a competência legal da Polícia Militar. Responsável pela preservação da ordem pública e, exclusivamente, pela polícia ostensiva, a Polícia Militar atua diretamente no cotidiano das pessoas e de seus bens. Esta atuação é pautada por diversos instrumentos legais, dentre eles a própria Constituição da República Federativa do Brasil, através de seus princípios.

Viabilizando a atividade policial, o chamado poder de polícia pauta a atividade do agente público. No caso dos policiais militares, polícia de preservação da ordem pública, o poder de polícia administrativa geral, segue a faceta do poder de polícia de segurança pública, exclusivo das Polícias Militares, segundo a doutrina majoritária.

Cabe destacar, a coercibilidade, atributo do poder de polícia, este concebido pelo Estado ao policial militar para execução de sua missão constitucional. A coercibilidade é o atributo que justifica o emprego da força quando em situações de oposição do cidadão a uma ordem legal do policial militar. Aliado a auto-executoriedade, que permite o cumprimento de ações sem a necessidade de consulta ao Poder Judiciário, e a discricionariedade, que admite a tomada de decisão por parte do agente público, sobre qual o melhor momento para execução da atividade, o poder de polícia permite que o policial militar garanta o convívio harmonioso das pessoas em sociedade, prevenindo e reprimindo de imediato atos delituosos.

Tratados internacionais foram elaborados com o intuito de orientar a utilização da força por parte dos responsáveis pela aplicação de lei. Entende-se por força, nesse caso, a utilização de técnicas pautadas na legislação vigente e nos direitos humanos. Diferentemente de violência, termo mais adequado ao uso da força, desnecessária, ilegal e desproporcional.

A legislação brasileira, apesar de possuir lacunas quanto aos limites legais e quanto à aplicação da força por parte dos agentes públicos, busca proteger os direitos e garantias individuais do cidadão. O policial militar que age sem observar o caráter técnico pode incorrer em tipos penais, como lesões corporais e abuso de autoridade, tanto na Justiça comum como na Justiça special, na Justiça Militar. O termo "uso gradual da força" foi exemplificado através de modelos de atuação do policial conforme reação do agente infrator contra uma determinação do agente público.

Portanto, no exercício de sua atividade, o policial militar, necessitando empregar a força, respalda-se no chamado poder de polícia, o qual é explicitado no Código Tributário Nacional, e esmiuçado pela doutrina baseando-se nas legislações de Direito Administrativo, Penal e Processual Penal. Dentro desta perspectiva, temos como destaque o atributo da coercibilidade, que respalda o agente público detentor do poder de polícia, quanto à necessidade do uso da força, desde que proporcional e moderada.

A fim de orientar esta atitude coercitiva do agente público, em prol da preservação da ordem pública, diversos modelos de uso progressivo da força, foram criados, todos sob o prisma dos direitos do homem. A Polícia Militar em Santa Catarina, seguindo a tendência mundial, elaborou um modelo de uso progressivo da força, baseado no modelo Flect, dos Estados Unidos da América. Neste fica evidente que o uso da arma de fogo, da força letal, pelo policial militar contra pessoa em atitude criminosa, só é amparado quando todos os outros meios disponíveis não são suficientes para conter agressão injusta e grave, contra si ou contra terceiros.

Além do chamado poder de polícia e seu atributo coercitivo, o agente público ao utilizar a força necessária, deve agir sob o prisma das excludentes de ilicitude tratadas no capítulo quatro. Tais eximentes, são aplicáveis às condutas de quaisquer pessoas, sejam agentes públicos ou não. Dentre elas destacamos a legítima defesa e o exercício regular de direito como as mais comumentes ocorridas na atividade policial militar. O Código de Processo Penal Comum e Militar reforçam a utilização da força necessária e moderada.

Trouxeram-se algumas situações exemplificativas para cada eximente anteriormente destacada. No caso da legítima defesa, o policial militar que se deparando com um agente armado com arma de fogo, em flagrante delito de roubo, utiliza a escalada da força, conforme os modelos apresentados anteriormente, iniciando pela verbalização. O agente desconsiderando a ordem legal do agente público revida com tiros em sua direção, então o policial militar, buscando conter a agressão do infrator, realiza disparos com sua arma de fogo que atingem o assaltante, causando lhe ferimentos que o levam a morte.

Quanto ao exercício regular do direito, exemplificou-se com a situação onde o policial militar, na guarda de estabelecimento prisional, observa agentes em fuga. O policial militar, sozinho em sua torre, tenta de todas as maneiras conter a fuga dos presos, acionando o alarme e utilizando a verbalização. No entanto, os agentes continuam fugindo, então o policial militar, utiliza sua arma de fogo, acertando a perna de um dos fugitivos, causando-lhe lesão grave. Apesar de discutível a tese proposta, algumas decisões judiciais corroboraram com a mesma.

Sobre o estado de necessidade, menos comum na atividade policial, poderia um policial militar em incursão a uma ambiente agressivo, como uma favela tomada por traficantes, ao barricar-se em um veículo a fim de proteger-se de disparos e ao revidar para tentar cessar a agressão, acabar por atrair tais disparos para este, vindo também a atingir o veículo, causando danos no mesmo. Em todas as situações, o policial esta respaldado pelos tipos permissivos, bem como, pela atuação nos moldes do chamado poder de polícia.

O conhecimento deste respaldo legal, tanto para o policial militar como para toda sociedade é de suma importância. É imprescindível que um agente público saiba com clareza quando e como pode empregar a força. A plena ciência por parte do policial militar de como portar-se diante de uma situação fática que necessite o emprego da força, somada a outros aspectos subjetivos, como condições técnicas, emocionais e físicas, garantem uma atuação profissional de acordo com o esperado pela sociedade em geral.

Como foi aclarado nesta obra, a Constituição Federal, protege a vida como bem maior. Nesse aspecto, sendo a Magna Legis a representação da vontade do povo, deve ser este o objetivo maior do Estado e de seus agentes. A sociedade, tendo este conhecimento poderá cobrar com maior propriedade que o Estado fiscalize e puna nos moldes da lei o mau emprego da coercibilidade por parte dos agentes de preservação da ordem pública.

O estudo aprofundado sobre o tema, principalmente quanto aos instrumentos internacionais que orientam o uso gradual da força, bem como, a análise dos modelos de uso progressivo da força aplicados nas mais diversas instituições policiais, podem auxiliar membros do Poder Judiciário e Ministério Público, no embasamento de denuncias ou decisões judiciais.

Espera-se que a pesquisa tenha também demonstrado a relevância do assunto, trazendo a atenção por parte dos agentes públicos, para a proeminência do conhecimento de técnicas aplicáveis à rotina policial militar, que se enquadrem nos princípios e normas tratados neste trabalho. Nesse aspecto, importante salientar a importância de cada vez melhor formar e qualificar o agente público ligado à segurança pública, oferecendo na grade curricular dos cursos de formação e de revitalização, disciplinas que tratem sobre o tema. Destaca-se as disciplinas de defesa pessoal, técnicas policiais, tiro policial, dentre outras.

Sugere-se que esta obra, assim como, os conhecimentos sobre o tema, sejam amplamente divulgados e exaustivamente discutidos, principalmente pelos servidores das Instituições elencadas no Art. 144 da CF/88, as polícias, assim como pela sociedade, carente de segurança aplicada com técnica, profissionalismo e responsabilidade.


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Abstract: Theme: Legal Foundation of the Use of Force by the Military Police. Problem: What’s the legal foundation for the use of force by military police? Justification: The State has the main feature the disciplinarian and normative character, in order to maintain harmonic social contact, where the individual is captured by a network of power that makes it "useful and docile". In this sense law enforcement, has proven crucial. To achieve these goals, the public utilize the police power, conferred by the state. Among the attributes of a police power is the coercivity, which allows the use of force by Military Police while in order to ensure the preservation of public order. To ensure that the use of force, is within the expected by society, which manifests itself through legislation, appears to be relevant the study on the legal foundation of the use of force by Military Police. The knowledge of the topic shows to be relevant not only to law enforcement officers, police, lawyers, public prosecutors or the judiciary, but the society that calling for skilled professionals, need to hold the knowledge about the legal limits of its performance, as well as public officials who will carry out such activities relating to public safety. General Objective: To know the legal support of police action against the necessity of the use of force. Specific Objectives: To identify the legal jurisdiction of the Military Police, through the doctrinal clarification on the concepts presented by the Constitution of the Federative Republic of Brazil; Talking about the "Police Power", focus on the use of force in Military Police activity; Present the models by use of force indicated to police activity, based on human rights; Explain the legislation concerning the unlawful exclusionary, as applied to military police activities, as well as practical examples. Methods: A deductive approach, starting from general arguments for particular notions. The research was based on literature and followed the exploratory, covering reading doctrines of law, articles and scientific papers, and relevant legislation. Result: The second chapter introduces the concepts needed to understand the legislation that addresses the constitutional mission of the Military Police. Being specific study of work on military police, could not start work without the reader to clarify the scope of activities performed by military police. In the third chapter of the development work begins the study on the use of force in a human rights perspective to military policing. The concept of "progressive force using" as well as progressive force using models are presented. The fourth chapter of the work deals specifically with the Brazilian laws and use of the force, listing on the doctrinal aspects of any unlawful act witnessed military police activity. Conclusion: The coercivity, an attribute of police power, outlined in the research, coupled with a performance befitting with any unlawful act, listed in the legislation, underlies police action against the necessity of the use of force.

Key words: Military Police. Use of Force. Police Power.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PERSSON, Eduardo Moreno. Embasamento legal do uso da força pelo policial militar. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3021, 9 out. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20084. Acesso em: 28 mar. 2024.