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Compensação ambiental em unidades de conservação de uso sustentável

Compensação ambiental em unidades de conservação de uso sustentável

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Ao permitir a criação de novas unidades de conservação e a estruturação daquelas já existentes, os recursos provenientes da compensação ambiental contribuem para a estruturação do órgão gestor das UCs, para a construção dos instrumentos de gestão e para o fortalecimento da gestão.

INTRODUÇÃO

A revolução do humano, desencadeada e acelerada pelo desenvolvimento da tecnologia tem repercutido na expansão das fronteiras agrícolas, no aumento das atividades industriais, na abertura de estradas, na criação de novas áreas urbanas, na construção de barragens. Isso tudo tem refletido de forma alarmante na perda da biodiversidade em nível planetário.

Segundo Diegues (2008, p. 17), a criação de parques e reservas tem sido um dos principais elementos de estratégia para conservação da natureza, em particular nos países do Terceiro Mundo. A definição de áreas protegidas para conservação in situ das diferentes formas de vida foi, inclusive, recomendada pela Convenção sobre Diversidade Biológica às partes signatárias, como é o caso do Brasil. Entretanto, a falta de recursos financeiros é o principal obstáculo para a criação e manutenção dessas áreas.

Em nosso país, a compensação ambiental foi um dos instrumentos utilizados para ajudar na consolidação desses espaços territoriais protegidos. De acordo com o art. 36, da Lei nº 9.985, de 18 de julho de 2000, que instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), ela consiste na obrigação de o empreendedor, nos casos de licenciamento ambiental de significativo impacto ambiental, apoiar a implantação e manutenção de unidades de conservação (UCs). Trata-se, segundo FARIA, de um mecanismo financeiro que visa contrabalançar os impactos ambientais não mitigáveis previstos no processo de licenciamento ambiental.

Ao analisar o artigo acima mencionado sob o ponto de vista do gestor de uma unidade de conservação de uso sustentável, constata-se a existência de um tratamento diferenciado quanto às categorias de unidades de conservação beneficiárias da compensação ambiental.

O art. 36, caput, da Lei nº 9.985/00, estipulou, como regra, que o empreendedor é obrigado a apoiar a implantação e manutenção de unidade de conservação do Grupo Proteção Integral. A título de exceção, o legislador previu que, caso o empreendimento afete unidade de conservação específica ou sua zona de amortecimento, esta deverá ser uma das beneficiárias da compensação, mesmo que não pertencente ao Grupo Proteção Integral (art. 36, §3º, da Lei nº 9.985/00).

Nesse sentido, o trabalho proposto pretende suscitar o debate sobre a distinção legal feita pela Lei nº 9.985/00, que privilegia as unidades de proteção integral em detrimento das unidades de conservação de uso sustentável, as quais serão beneficiadas somente nos casos em que o empreendimento afetar diretamente esse tipo de unidade de conservação.

Inicialmente far-se-á uma abordagem sobre o instituto da compensação ambiental: os fundamentos legais, origem e previsão no SNUC. Em seguida, analisar-se-á o histórico de criação das áreas naturais protegidas no contexto mundial, abordando as correntes conservacionista e preservacionista; o histórico da criação do SNUC. Por fim, comentar-se-á sobre a importância das unidades de conservação de uso sustentável e das populações tradicionais na conservação da biodiversidade.

Apesar de a questão abordada ainda ser pouco debatida pelos estudiosos, a repercussão dessa norma é sentida no dia-a-dia dos órgãos executores das políticas públicas ambientais, já que o tratamento desigual, conferido pelo ordenamento jurídico, exclui as unidades de conservação de uso sustentável e as populações nelas existentes, impedindo que muitos recursos provenientes da compensação ambiental sejam direcionados para a criação ou gestão desse tipo de unidade de conservação. Tal preceito, da forma como foi posto, contraria a finalidade do instituto, que é dar suporte à consolidação do Sistema Nacional de Unidades de Conservação como um todo.


CAPÍTULO I - COMPENSAÇÃO AMBIENTAL

1.1 Fundamentos legais

A Política Nacional do Meio Ambiente, instituída pela Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981 (art. 2º, inciso I) [01]e a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (art. 225, caput) [02] erigiram o meio ambiente à condição de bem de domínio universal - patrimônio da coletividade, essencial à sadia qualidade de vida, competindo ao poder público (União, Estados, Distrito Federal e Municípios, competência comum prevista no art. 23, incisos VI e VII, da CF/88) proteger esse bem e combater a poluição em qualquer de suas formas, além de preservar as florestas, a fauna e a flora.

Nesse sentido, a Política Nacional de Meio Ambiente previu que as atividades utilizadoras de recursos ambientais considerados efetiva e potencialmente poluidoras e capazes de causar degradação ambiental devem ser controladas pelos órgãos ambientais, dependendo, assim, de prévio licenciamento (art. 9º, inciso IV e art. 10, da Lei 6.938/81).

Além desse instrumento extremamente importante para a manutenção da qualidade ambiental, a Política Nacional de Meio Ambiente definiu como um dos seus objetivos a imposição ao poluidor e ao predador de recuperar e/ou indenizar os danos causados ao meio ambiente (art. 4º, inciso VII, da Lei 6.938/81).

De acordo com os ensinamentos de MILARÉ (2001, p. 116):

Assenta-se esse princípio na vocação redistributiva do Direito Ambiental e se inspira na teoria econômica de que os custos sociais externos que acompanham o processo produtivo (v.g., o custo resultante dos danos ambientais) devem ser internalizados, vale dizer, que os agentes econômicos devem levá-los em conta ao elaborar os custos da produção e, consequentemente, assumi-los.

Seguindo esse princípio do poluidor-pagador, a Lei nº 9.985, de 18 de julho de 2000, que instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação, trouxe em seu bojo a figura da compensação ambiental, por meio da qual se estipulou que o empreendedor, nos casos de licenciamento ambiental de empreendimentos de significativo impacto ambiental, é obrigado a apoiar a implantação e manutenção de unidade de conservação do Grupo Proteção Integral (art. 36, caput, da Lei nº 9.985/00). Estipulou-se também que se o empreendimento afetar unidade de conservação específica ou sua zona de amortecimento, esta deverá ser uma das beneficiárias da compensação, mesmo que não pertencente ao Grupo Proteção Integral (art. 36, § 3º, da Lei nº 9.985/00).

Conforme salienta ALMEIDA (2005, p. 312), analisando o contexto em que se insere a obrigação da compensação ambiental prevista na Lei do SNUC, conclui-se que o instituto não serve para reparar um dano que já foi causado ao meio ambiente, nem sua obrigação origina-se da ocorrência de uma infração ambiental. Destaca a autora que:

Trata-se da obrigação de compensar danos não mitigáveis que serão gerados (externalidade negativa), em virtude de instalação e operação de empreendimentos que causam significativo impacto ambiental, mas que estejam de acordo com os padrões mínimos ambientais estabelecidos em lei, após ter sido demonstrada a sua viabilidade socioambiental no processo de licenciamento. (ALMEIDA, 2005, p. 312)

Reforçando esse entendimento, FARIA (2008, p. 10) sustenta que:

Atualmente, a Compensação Ambiental, strictu sensu, é entendida como um mecanismo financeiro que visa a contrabalançar os impactos ambientais ocorridos ou previstos no processo de licenciamento ambiental. Trata-se, portanto, de um instrumento relacionado com a impossibilidade de mitigação, imposto pelo ordenamento jurídico aos empreendedores, sob a forma preventiva implícita nos fundamentos do Princípio do Poluidor-Pagador. Nesse contexto, a licença ambiental elimina o caráter de ilicitude do dano causado ao ambiente do ato, porém não isenta o causador do dever de indenizar;

A partir desses ensinamentos, conclui-se que a compensação ambiental constitui instrumento econômico por meio do qual o Poder Público determina a inclusão da variante ambiental no planejamento econômico de um empreendimento, fazendo como que sejam mensuradas as externalidades negativas nos custos totais na fase de formulação do projeto.

Esse também foi o entendimento do Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADIn 3378, proposta pela Confederação Nacional da Indústria, que tinha por finalidade a declaração de inconstitucionalidade do art. 36 e §1º da Lei nº 9.985/00. Conforme se extrai da ementa [03] do acórdão, o art. 36 da Lei nº 9.985/00 densifica o princípio usuário-pagador, este a significar um mecanismo de assunção partilhada da responsabilidade social pelos custos ambientais derivados da atividade econômica.

1.2 Origem histórica da Compensação Ambiental

Em um retrospecto sobre a gênese da compensação ambiental, FARIA (2008, p. 9), em consultoria prestada ao Senado Federal, descreve as circunstâncias e o contexto histórico que levaram ao surgimento do instituto. Segundo o autor:

O mecanismo da Compensação Ambiental tem uma origem histórica associada principalmente aos grandes projetos do setor elétrico brasileiro, em especial àqueles situados na Amazônia. Como resultado de um intenso processo de diálogo entre técnicos daquele setor e membros proeminentes da comunidade científica, a Compensação Ambiental surgiu como uma forma de criação de áreas voltadas à conservação da biodiversidade das áreas afetadas pelos empreendimentos;

Uma usina hidrelétrica, ao ser implantada, causa, em geral, inundação da vegetação existente na área destinada à formação do reservatório. Isso, por si só, constitui um conjunto de impactos ambientais significativos, notadamente quando a topografia da região leva à inundação de extensas áreas. Esses impactos são sentidos pela parcela do ecossistema onde se insere o empreendimento, com perdas expressivas de espécies vegetais e animais;

Diante desse quadro, a criação de uma área de proteção destinada, ao menos, a servir de testemunho das características do ambiente original foi defendida por renomados cientistas, dando origem ao mecanismo da Compensação Ambiental. Desse modo, o empreendedor que alterasse, com a implantação do seu projeto, uma parcela do ambiente natural, tornar-se-ia obrigado a viabilizar a existência de uma unidade de conservação de proteção integral (UC). Essa UC teria, portanto, entre outras finalidades, o objetivo de manter, para as futuras gerações, uma área de características as mais semelhantes possíveis às da região afetada;

Esse conceito foi incorporado pela gestão ambiental das empresas estatais federais do setor elétrico, tais como a Itaipu Binacional e a Centrais Elétricas do Norte do Brasil S/A (Eletronorte). A Reserva Biológica do Uatumã, por exemplo, criada em 1990, com uma área de 562.696 ha, é um caso interessante da aplicação desse mecanismo.

Por uma questão de rigor histórico, FARIA (2008, p. 9) destaca que a origem do mecanismo representado pela Compensação Ambiental deve ser identificada nas ideias do Prof. Dr. Paulo Nogueira Neto. Como pioneiro nas causas ambientais no Brasil, ele foi responsável pela criação e estruturação da Secretaria Especial de Meio Ambiente (SEMA), primeiro órgão ambiental no âmbito federal efetivamente estruturado. Sob seu comando (1974 a 1986), a SEMA criou dezenas de Unidades Conservação, totalizando mais de três milhões de hectares.

O autor (FARIA, 2008, p. 10) registra que:

Sob a inspiração do professor Nogueira Neto, o mecanismo da Compensação Ambiental ganhou as primeiras formas. Em sua concepção original, o instrumento surgiu à época da gestão do Ministro Aureliano Chaves no MME, durante o Governo Sarney. Nesse contexto, a autorização para construção de uma hidrelétrica, que já exigia a compensação financeira para todos os proprietários de terras na região afetada, passou a demandar compensação também para os ecossistemas afetados pelo projeto. O conceito foi ampliado, por sugestão do próprio Ministro, para empreendimentos com potenciais impactos negativos sobre a natureza;

Inicialmente, a reparação dos danos ambientais causados pela destruição de florestas e outros ecossistemas por obras de grande porte foi prevista pela Resolução CONAMA nº 10, de 03 de dezembro de 1987. Lá se estabeleceu como pré-requisito para o licenciamento ambiental do empreendimento a implantação de uma Estação Ecológica preferencialmente junto à área afetada. (GUERRA, 2005, P.129)

Segue conteúdo do art. 1º:

Art. 1º - Para fazer face à reparação dos danos ambientais causados pela destruição de florestas e outros ecossistemas, o licenciamento de obras de grande porte, assim considerado pelo órgão licenciador com fundamento no RIMA terá sempre como um dos seus pré-requisitos, a implantação de uma Estação Ecológica pela entidade ou empresa responsável pelo empreendimento, preferencialmente junto à área. (grifo nosso)

Em 1996, a Resolução nº 10 foi revogada, entrando em vigor a Resolução CONAMA nº 02, que dispôs:

Art. 1º Para fazer face à reparação dos danos ambientais causados pela destruição de florestas e outros ecossistemas, o licenciamento de empreendimentos de relevante impacto ambiental, assim considerado pelo órgão ambiental competente com fundamento do EIA/RIMA, terá como um dos requisitos a serem atendidos pela entidade licenciada, a implantação de uma unidade de conservação de domínio público e uso indireto, preferencialmente uma Estação Ecológica, a critério do órgão licenciador, ouvido o empregador. (grifo nosso)

Como se vê, dez anos depois, a Resolução CONAMA nº 02 ampliou o rol de unidades de conservação que poderiam ser implantadas em razão de empreendimento de relevante impacto ambiental. Da exclusividade de criação do tipo Estação Ecológica, passou-se a permitir a criação de qualquer modalidade de unidade de conservação de domínio público de uso indireto, ressaltando-se apenas o caráter preferencial em relação ao tipo Estação Ecológica. (GUERRA, 2005, p. 130)

Com relação à categoria de UC contemplada pelo artigo, PINTO (2005, p. 300) argumenta que,

estabelece a referida norma a obrigação dos projetos de corroborar com a implantação de unidades de conservação de uso indireto. A norma então estabeleceu uma atitude "preservacionista", como medida compensatória de uma ação "desenvolvimentista". (grifo nosso)

A partir do contexto histórico acima apresentado, verifica-se que o instituto da compensação ambiental sofreu forte influência da corrente preservacionista, já que as áreas criadas para a conservação da biodiversidade objetivavam manter, de forma intacta, os ecossistemas, ou seja, não poderia haver população no interior dessas áreas, nem utilização dos recursos naturais existentes por parte dessa população.

1.3 Compensação ambiental na Lei nº 9.985/00 (SNUC)

A Constituição Federal de 1988 (art. 225, §1º, III) [04] estabeleceu a definição de espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos como uma das formas de assegurar o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.

Nesse sentido, a Lei nº 9.985/00 instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação que possui como alguns de seus objetivos: contribuir para a manutenção da diversidade biológica; proteger as espécies ameaçadas de extinção; promover o desenvolvimento sustentável; proteger e recuperar recursos hídricos e edáficos; proteger os recursos naturais necessários à subsistência de populações tradicionais.

Esse sistema é composto por dois grupos de UCs: UCs de Proteção Integral e UCs de Uso Sustentável. Nesse primeiro grupo enquadram-se: Estação Ecológica, Reserva Biológica, Parque Nacional, Monumento Natural e Refúgio da Vida Silvestre. No segundo grupo estão: Área de Proteção Ambiental, Área de Relevante Interesse Ecológico, Floresta Nacional; Reserva Extrativista, Reserva de Fauna, Reserva de Desenvolvimento Sustentável e Reserva Particular do Patrimônio Natural.

Para auxiliar na consolidação da Política Nacional de Biodiversidade, cujo substrato estrutural materializa-se na criação e manutenção de unidades de conservação - como destaca MILARÉ E ARTIGAS (2006, p. 106), a Lei do SNUC, resgatou a figura da compensação ambiental. Por meio dela, os empreendimentos causadores de significativo impacto ambiental são compelidos a apoiar a implantação e manutenção de UCs.

Conforme salienta ALMEIDA (2005, p. 313),

a Lei do SNUC manteve a compensação ambiental como condicionante do licenciamento de empreendimento de significativo impacto, mas a desvinculou de um dano causado a um recurso ambiental específico, relacionando sua exigência a ser o empreendimento, ou não, como de significativo impacto ambiental, assim classificado pelo órgão licenciador.

A referida lei disciplina a questão da seguinte forma:

Art. 36. Nos casos de licenciamento ambiental de empreendimentos de significativo impacto ambiental, assim considerado pelo órgão ambiental competente, com fundamento em estudo de impacto ambiental e respectivo relatório – EIA/RIMA, o empreendedor é obrigado a apoiar a implantação e manutenção de unidade de conservação do Grupo Proteção Integral, de acordo com o disposto neste artigo e no regulamento desta lei.

(...)

§3º Quando o empreendimento afetar unidade de conservação específica ou sua zona de amortecimento, o licenciamento a que se refere o caput deste artigo só poderá ser concedido mediante autorização do órgão responsável por sua administração, e a unidade afetada, mesmo não pertencente ao Grupo de Proteção Integral, deverá ser uma das beneficiárias da compensação definida neste artigo. (grifo nosso)

Segundo MACHADO (2006, p. 794), o caput do art. 36 e o §3º registram dois tipos de incidências territoriais dos empreendimentos e dois tipos de destinatários da compensação ambiental.

No caput do art. 36 os efeitos do empreendimento não irão afetar diretamente uma Unidade de Conservação específica ou sua zona de amortecimento; e no §3º do mesmo artigo, os efeitos dos empreendimentos irão afetar Unidade de Conservação específica ou sua zona de amortecimento.

As Unidades de Conservação destinatárias da compensação podem ser diferentes, conforme seja o caso do caput do art. 36 ou o caso do §3º do mesmo artigo. Se for aplicado o caput do art. 36 somente poderão receber a compensação ambiental as "Unidades de Proteção Integral", assim classificadas: Estação Ecológica; Reserva Biológica; Parque Nacional; Monumento Natural; e Refúgio de Vida Silvestre.

Ocorrendo a hipótese do §3º do art. 36, a Unidade afetada, mesmo não pertencente ao Grupo de Proteção Integral, deverá ser uma das beneficiárias da compensação. Nesse caso, estariam abrangidas as Unidades de Uso Sustentável: Área de Proteção Ambiental; Área de Relevante Interesse Ecológico; Floresta Nacional; Reserva Extrativista; Reserva de Fauna; Reserva de Desenvolvimento Sustentável e Reserva Particular do Patrimônio Natural.

A reflexão de MACHADO evidencia a existência de um tratamento legal diferenciado quanto às categorias de unidades de conservação beneficiárias da compensação ambiental. O caput, do art. 36, da Lei nº 9.985/00, estipulou, como regra, que o empreendedor é obrigado a apoiar a implantação e manutenção de unidade de conservação do Grupo Proteção Integral.

A título de exceção, o legislador previu que, se o empreendimento afetar unidade de conservação específica ou sua zona de amortecimento, esta deverá ser uma das beneficiárias da compensação, mesmo que não pertencente ao Grupo Proteção Integral (art. 36, §3º, da Lei nº 9.985/00).

Em relação à distinção legal, salienta PINTO (2005, p.301):

A preferência do legislador a esse grupo está exatamente na maior rigorosidade do regime jurídico dessas categorias, que somente admitem o uso indireto dos seus recursos naturais e propõe a manutenção dos ecossistemas livres de modificações advindas de ações humanas. Assim foi selecionado esse grupo para contrabalançar as perdas de biodiversidade na área de influência do projeto, sobretudo na direta.

Porém, vale atentar-se que a destinação dos recursos não é exclusiva a esse grupo, pois se o empreendimento afetar diretamente uma unidade de conservação ou sua zona de amortecimento, mesmo que se trate de uma categoria do grupo de uso sustentável, deverão essas unidades ser beneficiadas (art. 36, §3º da Lei do SNUC).

Entrementes, as propostas de criação de Unidades de Conservação Ambiental devem ser restritas às categorias do grupo proteção integral. (grifo nosso)

Os ensinamentos acima apresentados permitem concluir que o legislador privilegiou as unidades de proteção integral em detrimento das unidades de conservação de uso sustentável, as quais serão beneficiadas somente nos casos em que o empreendimento afetar diretamente esse tipo de unidade de conservação.

Mais uma vez depara-se aqui com a influência da corrente preservacionista na história da legislação ambiental, uma vez que jamais será criada uma UC de uso sustentável com recursos da compensação ambiental. Será possível, apenas, auxiliar na implementação, se ela for, de fato, afetada pelo empreendimento.


CAPÍTULO II - CRIAÇÃO DE ÁREAS NATURAIS

2.1 Conservacionismo x Preservacionismo

O crescimento econômico que marcou os Estados Unidos no século XIX transformou radicalmente o espaço nacional. Por volta de 1890, os custos ambientais e sociais tornaram-se evidentes. A situação era tão grave que o Census Bureau, em seu famoso relatório de 1890, declarou que as fronteiras para novas expansões agrícolas estavam fechadas e que a maioria das terras devolutas governamentais haviam sido apropriadas. Tal cenário ocasionou uma preocupação crescente com a proteção ambiental. (DIEGUES, 2008, p. 27 e 28)

Nesse contexto marcado por tensão e dúvidas, surgiram duas visões de conservação do "mundo natural", que foram sintetizadas nas propostas de Gifford Pinchot e John Muir. (DIEGUES, 2008, p. 30)

Gifford Pinchot, engenheiro florestal (primeiro chefe do United States Forest Service), criou o movimento de conservação dos recursos, apregoando o seu uso racional. Ele acreditava que a conservação deveria basear-se em três princípios: o uso dos recursos naturais pela geração presente; a prevenção de desperdício; e o uso dos recursos naturais para benefício da maioria dos cidadãos. O conservacionismo de Pinchot foi um dos primeiros movimentos teórico-práticos contra o "desenvolvimento a qualquer custo". (DIEGUES, 2008, p. 31)

Essas ideias foram precursoras do que hoje se chama "desenvolvimento sustentável", tornando-se importantes na década de 70, na Conferência de Estocolmo sobre o Meio Ambiente Humano (1972), na Eco-92, além de serem amplamente discutidas em publicações internacionais como a Estratégia Mundial para a Conservação, da IUCN/WWF (1980) e em Nosso Futuro Comum (1986). (DIEGUES, 2008, p. 31 e 32)

Em sentido oposto surgiu a corrente preservacionista que pode ser descrita como a reverência à natureza no sentido da apreciação estética e espiritual da vida selvagem (wilderness). Ela pretende proteger a natureza contra o desenvolvimento moderno, industrial e urbano. O preservacionismo norte-americano foi muito influenciado pelos escritos e pela obra de Henry David Thoureau que se baseavam na existência de um Ser Universal, transcendente no interior da Natureza. Outro autor importante para o preservacionismo foi Marsh, que escreveu "Man and Nature or Physical Geography as Modified by Humam Action" (1864), analisando pela primeira vez nos Estados Unidos, os impactos negativos da civilização sobre o meio ambiente. Marsh afirma que o homem se esqueceu de que a terra lhe foi concedida para usufruto e não para consumo ou degradação. (DIEGUES, 2008, p. 32)

John Muir foi o teórico mais importante dessa linha de pensamento. Segundo ele, a base do respeito pela natureza advém do reconhecimento de que o homem é parte de uma comunidade. Para esse autor, não somente os animais, mas as plantas, e até as rochas e a água eram fagulhas da Alma Divina que permeava a natureza. Essa ideia (depois chamada biocêntrica) ganhou apoio científico da História Natural, em particular da teoria da evolução, de Charles Darwin (1809-1882). O preservacionismo também sofreu influência de ideias europeias, como a noção de ecologia, cunhada pelo darwinista alemão Ernest Haeckel, em 1866, segundo a qual os organismos vivos interagem entre si e com o meio ambiente. (DIEGUES, 2008, p. 33)

A visão preservacionista continuou no início do século XX com os trabalhos de Aldo Leopold, nascido em 1887. Graduado em Ciências Florestais, tornou-se administrador de parques nacionais no ano de 1909. Em 1949 escreveu "A Sand County Almanac", que se tornou um dos livros mais importantes para os preservacionistas, no qual afirmou:

Uma decisão sobre o uso da terra é correta quando tende a comunidade inclui o solo, a água, a fauna e a flora, como também as pessoas. É incorreto quando tende para uma outra coisa. (Leopold, apud DIEGUES, 2008, p. 34)

Nos anos 50, os trabalhos de Krutch retomaram os aspectos éticos do preservacionismo americano. Segundo esse antropólogo, a vida selvagem e a ideia de vida selvagem é uma das moradas do espírito humano. Ele considerava que a modificação da natureza era benéfica até o ponto em que não interferisse drasticamente com o ecossistema como um todo. Tudo na natureza tem seus limites, incluindo o progresso humano. (DIEGUES, 2004, p. 33)

2.2 A origem da ideia dos Parques Nacionais e o surgimento da preocupação com as comunidades locais

A noção de área natural protegida surgiu com a criação do primeiro Parque Nacional do mundo, o Yellowstone, em 1872, nos Estados Unidos. A iniciativa ocorreu durante uma expedição exploratória de colonização à região do rio de mesmo nome. Motivados pela beleza cênica do local e considerando que inúmeros outros locais com características semelhantes haviam sucumbido ao processo exploratório corrente, os pioneiros julgaram justo preservar a área para que as gerações futuras também pudessem desfrutar de tais maravilhas. Em 1º de março de 1872 o Congresso Americano aprovou o ato de criação do Parque, proibindo qualquer exploração que alterasse as características naturais da área, destinando-o para a preservação, lazer e benefício das gerações futuras (MILANO et al., 2001, p. 6 e 7).

Outros países aderiram ao procedimento e iniciaram a criação de Parques e outras áreas protegidas: Canadá, em 1885; Nova Zelândia, em 1894; Austrália, África do Sul e México, em 1898; Argentina, em 1903; Chile, em 1926; Equador, em 1934 e Venezuela e Brasil, em 1937 (MILANO, et al., 2001, p. 7).

Como não havia critérios padronizados para seleção e manejo de áreas, a ideia de parque tomou características específicas em cada país. Para definir um conceito universal, realizou-se, em 1933, em Londres, a Convenção para a Preservação da Flora e da Fauna. Nela estabeleceu-se um conceito básico para parque nacional, definindo-se três características: a) são áreas controladas pelo poder público; b) para a preservação da fauna e flora, objetos de interesse estético, geológico, arqueológico, onde a caça é proibida; c) e que devem servir à visitação pública. Os conceitos de Reserva Nacional, Monumento Natural e Reserva Silvestre foram estabelecidos em outra convenção semelhante, em 1940, em Washington (MILANO, et al., 2001, p. 7 e 8).

Em 1962, em Seatle, nos Estados Unidos, realizou-se a 1ª Conferência Mundial sobre Parques Nacionais. Nela foram discutidos e aprofundados conceitos e critérios para atividades desenvolvidas em áreas protegidas e estabelecidas recomendações sobre políticas conservacionistas (MILANO, et al., 2001, p. 8).

A 2ª Conferência Mundial sobre Parques Nacionais ocorreu em 1972, em Yellowstone. Na ocasião, destacou-se a necessidade de ampliação do número de áreas protegidas no mundo, incluindo-se ecossistemas marinhos, insulares, polares e florestas tropicais (MILANO, et al., 2001, p. 8).

O 3º Congresso Mundial de Parques Nacionais, realizado em 1982, em Bali (Indonésia), enfatizou que as áreas naturais protegidas representavam uma contribuição indispensável à conservação dos elementos vivos e ao desenvolvimento. (MILANO, et al., 2001, p. 8) Estabeleceu-se que a estratégia de parques nacionais e unidades de conservação somente ganharia sentido com redução do consumismo nos países industrializados e com elevação da qualidade de vida da população humana dos países em via de desenvolvimento, sem o que ela seria forçada a superexplorar os recursos naturais. (BENSUSAN, 2006, p. 15).

Conforme destaca DIEGUES (2004, p. 100):

Começou a aparecer nesse Terceiro Congresso, de forma mais clara, a relação entre populações locais e as unidades de conservação. A degradação de muitos parques nacionais no Terceiro Mundo era tida como resultado da pobreza crescente das populações locais. O Congresso de Bali reafirmou os direitos das sociedades tradicionais à determinação social, econômica, cultural e espiritual; recomendou que os responsáveis pelo planejamento e manejo das áreas protegidas investigassem e utilizassem as habilidades tradicionais das comunidades afetadas pelas medidas conservacionistas, e que fossem tomadas decisões de manejo conjuntas entre as sociedades que tradicionalmente manejavam os recursos naturais e as autoridades das áreas protegidas, considerando a variedade de circunstâncias locais.

Apesar do avanço, afirma o autor que em nenhum momento se reconheceu explicitamente a existência de populações locais dentro dos parques nacionais dos países de Terceiro Mundo e nem dos conflitos gerados com a expulsão dessas pessoas. (DIEGUES, 2008, p. 103)

Em 1985, o debate sobre populações em parques já ganhava destaque. Nesse ano, um número inteiro da conceituada revista Cultural Survival (vol.9, nº 1, fevereiro de 1985) foi dedicada ao tema "Parks and People". O editor da revista, Jason W. Clay, iniciou a série de artigos criticando a expulsão das populações tradicionais, indígenas ou outras, das unidades de conservação, expondo que as áreas protegidas poderiam garantir a sobrevivência dos habitats e também das populações nativas e que as reservas poderiam preservar os modos de vida tradicionais ou diminuir o ritmo das mudanças a níveis mais aceitáveis e controlados pelos moradores locais (DIEGUES, 2008, p. 103).

Nessa mesma revista, publicaram-se as atas da Primeira Conferência sobre Parques Culturais, realizada em setembro de 1984, destacando-se que os valores dos modos de vida tradicionais devem ser reconhecidos e os associados com parques e reservas devem ser igualmente protegidos. Recomenda-se envolver os residentes tradicionais nas fases de planejamento e administração de parques e reservas, bem como assegurar a essas populações acesso aos recursos naturais das áreas em que vivem. Finalmente, afirma-se que a diversidade biológica e a da cultura devem ser igualmente protegidas. (DIEGUES, 2008, p. 103)

O 4º Congresso Mundial de Parques Nacionais e Áreas Protegidas, realizado em 1992, em Caracas, intitulado "Povos e Parques", refletiu uma nítida mudança em relação ao tratamento que se dava às populações residentes em áreas protegidas. Essa preocupação foi reforçada por um dado publicado pela União Internacional para a Conservação (UICN), em que se constatou que 86% dos parques da América do Sul têm populações permanentes. O workshop mais concorrido foi o "Populações e Áreas Protegidas". Um fenômeno interessante é que havia nessa reunião uma representatividade de países, sobretudo do Terceiro Mundo, muito maior que nos outros workshops. Essa reunião recomendou maior respeito pelas populações tradicionais; a rejeição da estratégia de reassentamento em outras áreas e, sempre que possível, sua inserção na área de parque a ser criada. (DIEGUES, 2008, p. 109 e 110)

Em 2003, no 5º Congresso Mundial de Parques, realizado em Durban, na África do Sul, formalizou-se um acordo fundamentado em dois pilares: áreas protegidas e populações tradicionais. Nele foram previstas nove linhas de ação:

1- apoio significativo ao desenvolvimento sustentável;

2- apoio significativo à conservação da biodiversidade;

3- estabelecimento de um sistema global de áreas protegidas conectado às paisagens circundantes;

4- aumento da efetividade do manejo das áreas protegidas;

5- fortalecimento dos povos indígenas e comunidades locais;

6- aumento significativo do apoio de outras parcelas da sociedade.

Segundo BENSUSAN (2006, p. 16), esse acordo forneceu as bases para o Programa de Trabalho sobre Áreas Protegidas, adotado em 2004 pela Convenção sobre Diversidade Biológica.

A partir desse retrospecto, MILANO (2001, p.9) reflete sobre o início da criação das primeiras áreas protegidas e a evolução do seu conceito, ponderando que as preocupações com a conservação da natureza evoluíram, transcendendo o conceito original, um tanto emocional, de área silvestre.

O autor acrescenta que, além de preservar belezas cênicas e bucólicos ambientes históricos para as gerações futuras, as áreas protegidas assumiram outros objetivos como: a proteção de recursos hídricos; manejo de recursos naturais; desenvolvimento de pesquisas científicas; manutenção do equilíbrio climático e ecológico; preservação de recursos genéticos; e preservação in situ da biodiversidade como um todo. (MILANO, 2001, p.9)

Conforme constata MILANO (2001, p.9),

A existência de objetivos diversos de conservação, especialmente de objetivos conflitantes entre si, determinou a necessidade de criação de tipos distintos de unidade de conservação ou categorias de manejo, como genericamente se convencionou chamar. Assim, considerando-se a situação de cada país e o elenco de objetivos de conservação especificamente adotado, também é necessário que sejam adotados conjuntos de unidades de conservação de distintas categorias de manejo que, devidamente ordenados, sejam capazes de alcançar a totalidade dos objetivos nacionais de conservação. É dessa forma que evoluiu o conceito de sistema de unidades de conservação, sendo este entendido como o conjunto organizado de áreas naturais protegidas na forma de unidades de conservação que, planejado, manejado e administrado como um todo, é capaz de viabilizar os objetivos nacionais de conservação.

2.3 História da elaboração da lei do SNUC

2.3.1 A necessidade da criação do Sistema Nacional de Unidades de Conservação

No Brasil, até a década de 60, a criação de unidades de conservação (Parques Nacionais, Florestas Nacionais e Reservas Florestais) não obedeceu a nenhum planejamento mais abrangente. Segundo MERCADANTE (2001, p. 190):

As UCs foram estabelecidas por razões estéticas e em função de circunstâncias políticas favoráveis. Não havia até então uma política de criação de UC com a finalidade, por exemplo, de assegurar a conservação de amostras representativas dos ecossistemas brasileiros.

A preocupação em planejar a criação de UCs começa a amadurecer na década de 70, época em que foi concluído o trabalho "Uma análise de prioridades em conservação da natureza na Amazônia". O referido documento fundamentou a elaboração do "Plano do Sistema de Unidades de Conservação do Brasil" (primeira etapa publicada em 1979 e a segunda em 1982), cujos objetivos eram identificar as áreas mais importantes para a conservação da natureza, propor a criação de UCs para protegê-las e identificar as ações necessárias para implementar, manter e gerir o sistema. (MERCADANTE, 2001, p. 190)

Para alcançar esses objetivos, propunha-se a ampliação do número de categorias de UC então legalmente estabelecidas, quais sejam, Parque Nacional, Reserva Biológica, Estação Ecológica, Floresta Nacional e Parque de Caça, acrescentando-se as seguintes categorias: Monumento Natural, Santuário ou Refúgio da Vida Silvestre, Parque Natural, Reserva de Fauna, Reserva Indígena, Monumento Cultural, Reserva da Biosfera e Reserva do Patrimônio Mundial. (MERCADANTE, 2001, p. 191)

Conforme destaca MERCADANTE (2001, p. 191),

a preocupação com a planificação de um sistema nacional de UCs não era exclusiva do Brasil, mas um movimento mundial, influenciado pela evolução do debate internacional sobre os Parques e Reservas e a ação de organizações como a União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN) e a Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO).

2.3.2 O Anteprojeto de lei do SNUC

Em 1988, o antigo Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal - IBDF encomendou à Fundação Pró-Natureza - Funatura, uma avaliação crítica das categorias de UC então existentes e a elaboração de um anteprojeto de lei instituindo o Sistema Nacional de Unidades de Conservação – SNUC. Participaram do grupo de trabalho Maria Tereza Jorge Pádua, Almte. Ibsen Gusmão Câmara, principal redator do anteprojeto, Angela Tresinari, César Vitor do Espírito Santo, Jesus Delgado, José Pedro Costa e Miguel Milano, como consultores, e Maurício Mercadante, no apoio técnico. (MERCADANTE, 2001, p. 193)

O anteprojeto apresentado pela Fanatura listou e conceituou as categorias de UC, estabeleceu os objetivos nacionais de conservação da natureza, definiu critérios básicos para a criação e gestão das UCs e previu a tipificação penal de ações danosas às áreas protegidas. (MERCADANTE, 2001, p. 195)

A Funatura propôs nove categorias de UCs, organizadas em três grupos:

- UCs de Proteção Integral: Parque Nacional, Reserva Ecológica (fusão da Reserva Biológica com a Estação Ecológica), Monumento Natural e Refúgio de Vida Silvestre (absorvendo os objetivos da Área de Relevante Interesse Ecológico, que seria extinta);

- UC de Manejo Provisório: Reserva de Recursos Naturais; e

- UCs de Manejo Sustentável: Reserva de Fauna (e extinção do Parque de Caça), Área de Proteção Ambiental - APA (embora já criada pela Lei nº 6.902, de 1981, não era citada como UC) e Reserva Extrativista.

Aprovado pelo CONAMA, com poucas modificações, o anteprojeto foi encaminhado à Casa Civil, onde sofreu sua primeira modificação expressiva: os tipos penais foram substituídos por sanções administrativas.

Em 22 de maio de 1992, já na qualidade de Projeto de Lei nº 2.892/92, o documento foi encaminhado para a Mesa Diretora da Câmara dos Deputados à Comissão de Defesa do Consumidor, Meio Ambiente e Minorias para apreciação. O PL foi inicialmente distribuído ao deputado Tuga Angerami. No mês de dezembro foi redistribuído para o deputado Fábio Feldmann. (MERCADANTE, 2001, p. 195) Mercadante foi indicado pela Consultoria Legislativa da Câmara dos Deputados para assessorá-lo.

Embora tenha incluído categorias como a Reserva Extrativista e a APA, a proposta original não fazia nenhuma menção das populações tradicionais ou da conservação em áreas mais densamente ocupadas. Para MERCADANTE (2001, p. 204) a explicação é simples: a proposta do Executivo herdou a concepção tradicional e a estrutura básica do Plano do Sistema de 1979/82.

Com base nessa concepção, os preservacionistas entendiam que a APA era apenas um instrumento de ordenamento do uso do solo e as Reservas Extrativistas eram formas de fazer reforma agrária, por isso, não deveriam ser consideradas unidades de conservação. (MERCADANTE, 2001, p. 205)

2.3.3 Substitutivo Fábio Feldmann

Em 1994 o deputado Fábio Feldmann apresentou sua primeira proposta de substitutivo ao PL do SNUC, introduzindo profundas modificações no texto original. Na ocasião, o deputado apresentou um robusto relatório em que justifica as modificações introduzidas, a seguir alguns trechos do documento (MERCADANTE, 2001, p. 196):

A despeito de sua inegável oportunidade, o Projeto [2.892/92], na forma proposta, padece os efeitos de uma concepção envelhecida sobre o significado e o papel das unidades de conservação, concepção esta que tende a desconsiderar as condições específicas de países pobres como o nosso, e que vem sendo paulatinamente revista e atualizada no mundo todo.

Na perspectiva tradicional, criar uma unidade de conservação significa, em essência, cercar uma determinada área, remover ou – alguns diriam -, expulsar a população eventualmente residente e, em seguida, controlar ou impedir, de forma estrita, o acesso e a utilização da unidade criada. A preocupação básica, quase exclusiva muitas vezes, é com a preservação dos ecossistemas.

Essa radical intervenção do Poder Público sobre o domínio e a utilização da terra é, em geral, motivada pela necessidade de se manter determinadas áreas intocadas, tendo em vista sua importância ímpar, em termos científicos, culturais e, inclusive, econômicos, para as presentes e, sobretudo, as futuras gerações. Esses motivos são inegavelmente legítimos, defensáveis e justos. O problema, entretanto, é que, no processo corrente de criação de unidades de conservação, incorre-se, via de regra, em um equívoco fundamental: as unidades de conservação são concebidas e criadas a partir de uma decisão unilateral, de cima para baixo, como se fossem entidades isoladas, alheias e acima da dinâmica socioeconômica local e regional. A visão conservacionista, a rigor, é incapaz de enxergar uma unidade de conservação como um fator de desenvolvimento local e regional, de situar a criação e gestão dessas áreas dentro de um processo mais amplo de promoção social e econômica das comunidades envolvidas. Consequentemente, as populações locais são encaradas com desconfiança, como se fossem uma ameaça permanente à integridade e aos objetivos da unidade, o que, nessas circunstâncias, isto é, nessa situação de isolamento e confronto, acaba se tornando verdade. A sociedade local, alijada do processo, sem possibilidades de participação e decisão – o que lhe permitiria conhecer e compreender melhor o significado e a importância de uma unidade de conservação -, percebe a intervenção do Poder Público como sendo um ato violento, autoritário, injusto, ilegítimo, e assume uma atitude de resistência, discreta algumas vezes, ostensiva outras.

[...]

Diante de situações como essas, vem se desenvolvendo uma concepção nova sobre o papel das unidades de conservação que procura redefinir o manejo dessas áreas protegidas tendo em vista assegurar, ao mesmo tempo, a conservação da biodiversidade e a melhoria da qualidade de vida das populações humanas.

Essa nova concepção parte do princípio de que a conservação, como o desenvolvimento, destina-se ao homem. Garantir o bem-estar das gerações de hoje e de amanhã é o motivo essencial da conservação. Esta afirmação vai de encontro ao pensamento conservacionista tradicional que, de certo modo, tende a absolutizar o valor das espécies e dos ecossistemas, a despeito das exigências e necessidades humanas concretas, aqui e agora.

Segundo MERCADANTE (2001, p. 204), as principais modificações introduzidas pelo Substitutivo do deputado Fábio Feldmann no texto original foram as seguintes:

1- Acrescentou-se ao SNUC os seguintes objetivos:

- valorizar econômica e socialmente a diversidade biológica;

- proteger as fontes de alimentos, os locais de moradia e outras condições materiais de subsistência de populações tradicionais, respeitando sua cultura e promovendo-as social e economicamente;

- proteger e encorajar o uso costumeiro de recursos biológicos, de acordo com práticas culturais tradicionais compatíveis com as exigências de conservação e uso sustentável;

- proteger e valorizar o conhecimento das populações tradicionais, especialmente sobre formas de manejo dos ecossistemas e uso sustentável dos recursos naturais.

2- Acrescentou-se ao SNUC um artigo estabelecendo os princípios que deveriam orientar a implementação do Sistema, introduzindo-se a preocupação com a participação da sociedade, especialmente da comunidade local na criação e gestão das UCs; a integração da UC na dinâmica social e econômica local; a proteção à população tradicional; a descentralização administrativa e a sustentabilidade econômica das UCs:

3- Inclusão da definição de "população tradicional": população culturalmente diferenciada, vivendo há várias gerações em um determinado ecossistema, em estreita dependência do meio natural para sua alimentação, abrigo e outras condições materiais de subsistência, e que utiliza os recursos naturais de forma sustentável;

4- Exclusão da categoria Reserva Biológica, mantendo-se apenas a Estação Ecológica;

5- Retomada da concepção do anteprojeto proposto pela Funatura quanto à criminalização das ações danosas à integridade das UCs.

Em maio de 1994, ocorreu o seminário "Populações, Territórios e Recursos Naturais", organizado pelo Instituto de Estudos Amazônicos e Ambientais – IEA. Na ocasião, os participantes manifestaram-se sobre o PL nº 2.892/92, reconhecendo o avanço dele em relação à proposta do Executivo, que era estritamente conservacionista. Mas, apontaram que o substituto do deputado Fábio Feldmann era falho no que diz respeito à participação das populações locais e de seus representantes na elaboração, implantação e gestão das UCs. Além de não prever espaços no SNUC para a participação de organizações da sociedade civil em nível regional e nacional. (MERCADANTE, 2001, p. 209)

Meses depois, em novembro, em workshop sobre unidades de conservação, organizado pelo Ministério do Meio Ambiente, o substituto foi muito criticado por uns e muito elogiado por outros. A partir de então, evidenciou-se a profunda divisão entre os ambientalistas sobre o modelo de área protegida ou, em um sentido mais amplo, de conservação da natureza. (MERCADANTE, 2001, p. 209)

De um lado temos os que eu chamo de conservacionistas, de outro lado os que podem ser denominados socioambientalistas. Os primeiros creem que para conservar a natureza é necessário separar áreas naturais e mantê-las sem qualquer tipo de intervenção antrópica (salvo as de caráter técnico e científico, no interesse da própria conservação). As populações que vivem dentro e no entorno da área protegida representam uma ameaça à conservação e devem ser removidas da área e controladas. O Estado deve manter um total e exclusivo controle sobre o processo de criação e manejo das áreas protegidas. Já os socioambientalistas (entre os quais me incluo, e digo isso para que fique claro que meu ponto de vista é absolutamente parcial), embora reconheçam que conciliar a conservação com as demandas crescentes das comunidades por recursos naturais é um desafio, entendem que as possibilidades de conservação são mais efetivas quando se trabalha junto com a comunidade local. A criação de uma área protegida deve ser precedida de uma ampla consulta à sociedade e sua gestão deve ser participativa. Uma concepção mais flexível de área protegida facilita a solução de conflitos, a negociação de acordos e o apoio da comunidade local às propostas de proteção da natureza. É preciso atrair, valorizar e apoiar o trabalho do produtor rural e da iniciativa privada em favor da conservação. [05]

Como resultado de cenário conflituoso, no final de 1994, ao término da legislatura 1990-94, o deputado Fábio Feldmann apresentou na CDCMAM um substitutivo, que abandonou todas as propostas que vinha defendendo, cujo texto era muito próximo ao da proposta original do Poder Executivo. (MERCADANTE, 2001, p. 209)

2.3.4 Substitutivo Fernando Gabeira

Em 1995, assume a condição de relator o deputado Fernando Gabeira. Nesse ano a CDCMAM, sob a presidência do Deputado Sarney Filho realizou-se concorridas audiências públicas sobre o PL nº 2.892/92 em seis capitais: Cuiabá, Macapá, Curitiba, São Paulo, Rio de Janeiro e Salvador. O deputado Fernando Gabeira resgatou a proposta mais avançada do deputado Fábio Feldmann e acrescentou várias propostas novas provenientes das consultas públicas. (MERCADANTE, 2001, p. 210)

Em parecer, o deputado Gabeira expôs as ideias que orientaram os trabalhos desenvolvidos:

"Desde a elaboração do primeiro anteprojeto de lei sobre o SNUC, que data de 1988, - e que, na sua essência, corresponde ao Projeto encaminhado pelo Poder Executivo ao Congresso Nacional em 1992 -, observou-se, no mundo todo e também internamente, uma expressiva evolução na concepção do significado e do papel das áreas naturais protegidas para a conservação da natureza e o desenvolvimento, com implicações importantes sobre o modo como essas áreas devem ser criadas e geridas.

A principal crítica à concepção tradicional das unidades de conservação é a de que essas áreas são criadas e geridas sem consulta à sociedade, especialmente às comunidades mais diretamente atingidas, vale dizer, aquelas que vivem dentro ou no entorno das unidades. Os parques e reservas permanecem assim isolados, sem se integrarem à dinâmica socioeconômica local e regional. As comunidades mais atingidas são sobretudo aquelas de menor poder aquisitivo, que vivem no local há várias gerações, cuja economia baseia-se em formas tradicionais de exploração dos recursos naturais, dos quais dependem diretamente para sua subsistência material e reprodução sociocultural. Essas populações, que em geral não possuem títulos de propriedade das terras onde vivem vêm-se, de um momento para o outro, desprovidas dos seus meios de vida e constrangidas a engrossar o contingente de marginalizados urbanos, já que as indenizações eventualmente propostas não são, nem de perto, suficientes para a aquisição de outras terras para trabalharem.

Hoje se reconhece que a expulsão das populações tradicionais é negativa não apenas sob o ponto de vista social e humano mas têm consequências danosas também no que se refere à conservação da natureza. Essas comunidades são, em grande medida, responsáveis pela manutenção da diversidade biológica e pela proteção das áreas naturais. Ao longo de gerações desenvolveram sistemas ecologicamente adaptados e não agressivos de manejo do ambiente. Sua exclusão, aliado às dificuldades de fiscalização dos órgãos públicos, muitas vezes expõe as unidades de conservação à exploração florestal, agropecuária e imobiliária predatórias. Com isso, perde-se também o conhecimento sobre o manejo sustentável do ambiente natural acumulado por essas populações. (Gabeira apud Mercadante, 2001, p. 210 e 211)

Segundo MERCADANTE (2001, p. 214 a 225), as principais propostas apresentadas pelo Deputado Fernando Gabeira, foram:

1. O termo "população tradicional" ganhou uma nova definição: "população vivendo há pelo menos duas gerações em um determinado ecossistema, em estreita relação com o ambiente natural, dependendo de seus recursos naturais para a sua reprodução sociocultural, por meio de atividades de baixo impacto ambiental".

2. Foram acrescentadas quatro novas categorias de unidades de conservação:

- Reserva Produtora de Água, com o objetivo básico de proteger as fontes de água potável das populações humanas;

- Reserva Ecológico-Cultural, com o objetivo de proteger áreas onde populações tradicionais desenvolveram sistemas de exploração dos recursos naturais adaptados às condições ecológicas locais e que desempenham um papel chave na conservação da diversidade biológica;

- Reserva Ecológica-Integrada, com o objetivo de promover a gestão integrada de áreas ou unidades de conservação com diferentes objetivos de manejo; e

- Reserva Indígena de Recursos Naturais, para possibilitar uma política efetiva de conservação em terra indígena, com apoio oficial, e que pudesse servir também para ajudar na resolução efetiva da questão das sobreposições entre terra indígena e UC.

3. Reconheceu-se o problema da presença de população tradicional em UCs de Proteção Integral. Como solução para o problema foram estabelecidas três alternativas: o reassentamento da população (em condições negociadas), a reclassificação da UC e a permanência temporária da população (mediante contrato).

4. Passou-se a admitir a presença de população tradicional em Floresta Nacional.

5. As UCs de Proteção Integral passaram a dispor de um Conselho Consultivo. As APAs, à semelhança do que já estava previsto para as Reservas Extrativistas e as Reservas de Desenvolvimento Sustentável, passaram também a ser geridas por um conselho deliberativo.

6. Realização de uma consulta pública, obrigatória, antes da criação de uma UC.

7. Introduziu-se o princípio da remuneração pelos produtos e serviços obtidos ou desenvolvidos a partir dos recursos naturais, biológicos, cênicos ou culturais das UCs. A empresa responsável pelo abastecimento de água ou que faça uso de recursos hídricos, bem como aquela responsável pela geração e distribuição de energia elétrica, que seja beneficiária da proteção proporcionada por uma UC, deve contribuir financeiramente para a proteção e implementação da unidade. Além disso, procurou-se assegurar na lei a regra que obriga a destinação de no mínimo 0,5% dos recursos destinados a um empreendimento de significativo impacto ambiental para a implantação e manutenção de uma UC de Proteção Integral.

8. Para acabar com a indústria das indenizações milionárias, introduziu-se dispositivo excluindo do cálculo das indenizações por desapropriação de imóvel rural para a criação de UC, as áreas de preservação permanente, as áreas de reserva legal que não estivessem sendo exploradas com base em plano de manejo florestal sustentado, as espécies arbóreas declaradas imunes de corte pelo Poder Público, as expectativas de ganhos e lucro cessante e o de cálculo efetuado mediante a operação de juros compostos.

9. Introduziu-se a possibilidade das UCs públicas serem geridas por ONGs ambientalistas.

Em 1996 ocorreram três eventos importantes: um workshop organizado pelo Instituto Socioambiental - ISA para analisar experiências concretas de conservação envolvendo populações tradicionais ou rurais, que contou com a presença, além de renomados especialistas, dos Deputados Fernando Gabeira e Fábio Feldmann; e dois seminários na Câmara dos Deputados, o primeiro, bastante polêmico, sobre a presença humana em UC e o segundo dedicado às Reservas Particulares do Patrimônio Natural - RPPN.

Nesse mesmo ano também foi constituída a Rede Nacional Pró Unidades de Conservação (de Uso Indireto), reunindo as ONGs preservacionistas contrárias ao Substitutivo do Deputado Fernando Gabeira. A Rede Pró-UC foi organizada para defender o modelo tradicional de UC e, consequentemente, combater as inovações propostas pelo relator ao PL 2.892/92.

No final de 1996, o relator ofereceu o seu substitutivo para ser votado pela Comissão. No entanto, a Casa Civil da Presidência da República mobilizou sua bancada e impediu a votação do projeto, alegando a existência de dispositivos inconstitucionais e outros fatores que implicariam em aumento de despesa por parte do Governo. Segundo MERCADANTE (2001, 226), na verdade, a decisão da Casa Civil foi motivada por pressões de setores do próprio Governo contrários ao substitutivo "socioambientalista" do Deputado Gabeira.

2.3.5 Mobilização da sociedade civil e negociação

O Governo se comprometeu a incluir o PL na convocação extraordinária de janeiro de 1997 e apresentar sua proposta, mas isso não aconteceu. O ano de 1997 foi marcado pelo impasse e pela inação, nas palavras de MERCADANTE (2010, p. 226).

No começo de 1998, o deputado Gabeira solicitou regime de urgência para análise do projeto de lei, mas a falta de decisão política impediu que ele entrasse na ordem do Plenário.

Nesse ano, por iniciativa do Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento Sustentável, entidades ambientalistas "preservacionistas" e "socioambientalistas" se reuniram para tentar encontrar uma proposta de consenso para o SNUC. As propostas apresentadas, que na verdade empurraram o pêndulo um pouco mais para o lado preservacionista, foram quase todas aceitas pelo relator. (MERCADANTE, 2010, p. 226)

Em 1999, algumas entidades ambientalistas, especialmente o Fundo Mundial para a Natureza – WWF, o ISA e o Instituto de Estudos Socioeconômicos (INESC), iniciaram uma mobilização em favor da aprovação do projeto. O deputado Gabeira negociou a inclusão do projeto na pauta da CDCMAM em 26 de maio. O Governo, mais uma vez, adiou a votação e, dias depois, apresentou sua proposta. As modificações sugeridas foram, no essencial, aceitas pelo relator. O pêndulo moveu-se mais uma vez no sentido "preservacionista". (MERCADANTE, 2010, p. 226)

Em 9 de junho de 1999 o projeto foi votado e aprovado na CDCMAM. No dia seguinte, ele foi votado e aprovado no Plenário da Câmara dos Deputados, com uma modificação importante: uma área protegida agora só poderia ser criada por lei. (MERCADANTE, 2010, p. 227)

No Senado, a expectativa era de que não houvesse emendas, o que atrasaria por pelo menos mais um ano a aprovação do projeto que, só no Congresso, foi discutido por sete anos. O Governo, depois da aprovação na Câmara, manifestou a decisão de mobilizar sua bancada no Senado para aprovar o texto sem emendas. (MERCADANTE, 2010, p. 229)

Realmente, nem os ambientalistas e nem o Governo apresentou emendas no Senado, mas o representante dos interesses dos proprietários rurais apresentou cinco com o intuito de assegurar que, no caso de criação de UC ou limitação ao uso da propriedade em zona de amortecimento ou corredor ecológico, o proprietário fosse indenizado pelo maior valor possível. Para alívio de todos, as emendas do Senador Jonas Pinheiro foram rejeitadas pelo Senado. (MERCADANTE, 2010, p. 229)

Mas iniciava aí uma nova fase: a negociação do veto presidencial. Destacam-se os vetos à definição de população tradicional; ao inciso III, do §2º do art. 21, que abria a possibilidade de extração de recursos naturais em Reserva Particular do Patrimônio Natural – RPPN; e ao art. 56 que obrigava o Executivo a reclassificar as áreas das UCs de Proteção Integral ocupadas por populações tradicionais, ou reassentar essas populações no prazo máximo de 10 anos. (MERCADANTE, 2010, p. 229 e 210)

Em 19 de julho, com a publicação no Diário Oficial, o PL do SNUC transformou-se, finalmente, na Lei nº 9.985, de 18 de julho de 2000.


CAPÍTULO III – UNIDADES DE CONSERVAÇÃO DE USO SUSTENTÁVEL E A IMPORTÂNCIA DAS POPULAÇÕES TRADICIONAIS NA PROTEÇÃO DA BIODIVERSIDADE

3.1 Conflito entre espaço público e espaço comunitário

Como revela DIEGUES (2008, p. 67), a criação de áreas naturais protegidas em territórios ocupados por sociedades pré-industriais ou tradicionais é vista por essas populações como uma usurpação de seus direitos sagrados à terra onde viveram seus antepassados.

O autor ressalta que essa usurpação é ainda mais grave quando a "operacionalização de um neomito" (áreas naturais protegidas sem população) se faz com a justificativa da necessidade de criação de espaços públicos, em benefício da "nação", na verdade, das populações urbano-industriais.

Existe, nesse caso, um conflito entre espaço público e espaço comunitário: de um lado o Estado, representando interesses das populações urbano-industriais, e do outro as sociedades tradicionais. Para DIEGUES (2008, p. 68),

Na verdade, o que está implícito é que a estas deveriam "sacrificar-se" para dotar as populações urbano-industriais de espaços naturais, de lazer e "contato com a natureza selvagem". Ou ainda, segundo uma versão mais moderna dos objetivos das áreas naturais protegidas de uso restrito - proteger a biodiversidade.

Esse modelo de unidades de conservação de uso restrito, segundo ARRUDA (2. ed. p.279 e 280), baseia-se em três premissas: na dicotomia conflitante entre ser humano e natureza; na incapacidade das comunidades locais de desenvolver um manejo mais sábio dos recursos naturais e na perpetuidade destas áreas num estado de natural equilíbrio. Afirma o autor que, embora ele possa ser relativamente adequado aos Estados Unidos da América, dada a existência de grandes áreas desabitadas, sua transposição para o terceiro mundo mostra-se problemática, pois mesmo as áreas consideradas isoladas abrigam selvagens ou abrigam populações humanas.

Como consequências indesejáveis da aplicação desse modelo nos países de terceiro mundo, ARRUDA (2. ed. p. 280 e 281) destaca:

- agravamento das condições de vida em muitas comunidades humanas;

- expulsão as populações tradicionais para as periferias das cidades, engrossando as multidões em situação de miséria e a proliferação de favelas;

- elevação do nível de destruição florestal, à medida que a população expulsa passa a ocupar e derrubar novas áreas para moradia.

- crescimento do conflito rural.

ARRUDA (2. ed. p. 281) reconhece que no Brasil há aberturas nesse modelo. No entanto, afirma que ele ainda tem a hegemonia na política conservacionista nacional. O autor ressalta que:

Essa abertura corporificada na criação de reservas extrativistas, no reconhecimento de terras de quilombo e nas propostas de criação de modalidades de áreas de conservação de múltiplos usos (a serem definidos em "mosaico" nos planos de manejo), é fruto justamente da auto-organização das populações tradicionais e de propostas que delas emanam, recebendo apoio de outros atores e setores sociais. Porém, é ainda uma abertura tímida que encontra pouca sustentação ou apoio das autoridades responsáveis pela política ambiental. (grifo nosso)

Parece que essas populações são invisíveis (além de indesejáveis) para o poder público que, preso a concepções ambientais tecnicistas e inadequadas, não veem outra saída fora do padrão vigente.

Diante desse contexto, ARRUDA(2. ed. p. 283) faz diversas indagações:

Será essa situação inerente a qualquer política de preservação dos recursos naturais? Será que podemos imputar a responsabilidade dos conflitos e da dilapidação dos recursos naturais, como costuma ocorrer, inteiramente a pretensas características destrutivas do ser humano?

Não é paradoxal que as populações tradicionais sejam postas como antagônicas às necessidades de proteção dos recursos naturais em áreas e conservação?

Normalmente não são estas as populações humanas que têm há décadas, às vezes séculos e até milênios, promovido o manejo sustentável de áreas naturais? Não é a sua presença permanente que tem preservado tais áreas do modelo de exploração econômica capitalista industrial responsável pela destruição crescente do meio ambiente? Enfim, não são elas as responsáveis até o presente pela conservação das áreas que até agora tentamos pôr sob nossa proteção legal?

Após essas perguntas provocativas, ARRUDA (2. ed. p. 283) propõe, como questão de fundo, a reflexão sobre um artigo de Gomez-Pompa o qual mostra que a noção da natureza selvagem como um lugar "onde o ser humano é apenas um visitante" contém algumas implicações básicas e equivocadas.

Uma é a de que estas áreas são ou deverão ser ambientes originais, tal como os que teriam existido antes da interferência humana, em perfeito e delicado equilíbrio ecossistêmico, que devem ser preservados para recreação e uso de nossa e das futuras gerações. A natureza selvagem é valorizada pelo seu valor intrínseco, como lugar de reverência, essencialmente sagrado para a preservação da imagem da natureza selvagem.

Outra é a de que nós, como membros desta civilização industrial, assumimos que temos a visão mais correta, baseada no pensamento racional e na análise científica. Até mesmo visualizamos a preservação da natureza selvagem como parte da solução para o futuro da espaçonave Terra. Em suma temos a presunção de saber o que deve ser preservado e de como isso deve ser feito. (grifo nosso)

3.2 Culturas tradicionais

DIEGUES (2008, p. 65 e 66), apoiado nos ensinamentos de Goldelier, demonstra a importância de se analisar o sistema de representações que indivíduos e grupos fazem de seu ambiente, pois é com base nelas que esses indivíduos agem sobre o ambiente, influenciando-o.

A título de exemplo, o autor mostra a diferença de comportamento entre tribos indígenas e colonos do sul em relação à natureza:

Enquanto a floresta tropical amazônica representa para as tribos indígenas o seu habitat conhecido e acolhedor, morada dos antepassados, para o colono vindo do sul do Brasil, ela representa um obstáculo a ser vencido para se implantar a agricultura e a pecuária moderna, fonte potencial de lucro.

Na realidade eles participam de sistemas econômicos diferentes e cada um desses sistemas determina um modo específico de exploração dos recursos naturais e do uso do trabalho humano, assim como o "bom" e o "mau uso" dos recursos naturais, segundo uma racionalidade intencional específica.

Conclui o autor que não é simplesmente a natureza, as limitações geográfico-ambientais, que motivam um tipo específico de exploração dos recursos naturais da floresta, mas sim as formas com que se configuram as relações sociais, suas racionalidades intencionais, seus objetivos de produção material e social (lucro versus autossubsistência, por exemplo).

Dentro dessa visão, DIEGUES (2008, p. 89) define culturas tradicionais como padrões de comportamento transmitidos socialmente, modelos mentais usados para perceber, relatar e interpretar o mundo, símbolos e significados socialmente compartilhados, além de seus produtos materiais, próprios do modo de produção mercantil. Segundo o autor:

Comunidades tradicionais estão relacionadas com um tipo de organização econômica e social com reduzida acumulação de capital, não usando força de trabalho assalariado. Nela produtores independentes estão envolvidos em atividades econômicas de pequena escala, como agricultura e pesca, coleta e artesanato. Economicamente, portanto, essas comunidades se baseiam no uso de recursos naturais renováveis. Uma característica importante desse modo de produção mercantil (petty mode of production) é o conhecimento que os produtores têm dos recursos naturais, seus ciclos biológicos, habitats alimentares, etc. Esse ‘know-how’ tradicional, passado de geração em geração, é um instrumento importante para a conservação. Como essas populações em geral não têm outra fonte de renda, o uso sustentado de recursos naturais é de fundamental importância. Seus padrões de consumo, baixa densidade populacional e limitado desenvolvimento tecnológico fazem com que sua interferência no meio ambiente seja pequena. Outras características importantes de muitas sociedades tradicionais são: a combinação de várias atividades econômicas (dentro de um complexo calendário), a reutilização dos dejetos e o relativamente baixo nível de poluição. A conservação dos recursos naturais é parte integrante de sua cultura, uma ideia expressa no Brasil pela palavra ‘respeito’ que se aplica não somente à natureza com também aos outros membros da comunidade. (DIEGUES, apud Diegues, 1992, p. 142)

De forma mais didática, DIEGUES (2008, p. 89 e 90) apresenta as características das culturas e sociedades tradicionais:

- dependência e até simbiose com a natureza, os ciclos culturais e os recursos naturais renováveis a partir dos quais se constrói um modo de vida;

- conhecimento aprofundado da natureza e de seus ciclos que se reflete na elaboração de estratégias de uso e de manejo dos recursos naturais. Esse conhecimento é transferido de geração em geração pela oralidade;

- noção de território ou espaço onde o grupo social se reproduz econômica e socialmente;

- moradia e ocupação desse território por várias gerações, ainda que alguns membros individuais possam ter se deslocado para os centros urbanos e voltado para a terra de seus antepassados;

- importância das atividades de subsistência, ainda que a produção de mercadorias possa estar mais ou menos desenvolvida, o que implica uma relação com o mercado;

- reduzida acumulação de capital;

- importância dada à unidade familiar, doméstica ou comunal e às relações de parentesco ou compadrio para o exercício das atividades econômicas, sociais e culturais;

- importância das simbologias, mitos e rituais associados à caça, à pesca e atividades extrativistas;

- a tecnologia utilizada é relativamente simples, de impacto limitado sobre meio ambiente. Há reduzida divisão técnica e social do trabalho, sobressaindo o artesanal, cujo produtor (e sua família) domina o processo de trabalho até o produto final;

- fraco poder político, que, em geral, reside com os grupos de poder dos centros urbanos;

- autoidentificação ou identificação pelos outros de se pertencer a uma cultura distinta das outras.

Para o autor, um dos critérios mais importantes para definição de culturas ou populações tradicionais, além do modo de vida, é, sem dúvida, o reconhecer-se como pertencente àquele grupo social particular (identidade).

Todas essas características, conforme destaca DIEGUES (2 ed. p. 30), evidenciam que as populações tradicionais, com suas culturas e conhecimentos podem contribuir para a manutenção da biodiversidade dos ecossistemas. Para ele (DIEGUES, 2 ed. p. 31):

Uma importante diferença, no entanto, é que essa natureza diversa não é vista necessariamente como selvagem em sua totalidade; ela foi, e é, domesticada, manipulada. Uma outra diferença é que essa diversidade da vida não é vista como "recurso natural", mas sim como um conjunto de seres vivos que tem um valor de uso e um valor simbólico, integrado numa complexa cosmologia.

Segundo o autor (DIEGUES, 2. ed. p. 35), um dos argumentos dos preservacionistas contra a existência das populações tradicionais em áreas naturais protegidas é a pretensa incompatibilidade entre a presença dessas populações e a proteção da biodiversidade. No entanto, ele ressalta que o estabelecimento de áreas protegidas para a conservação da biodiversidade é um objetivo relativamente recente, já que os parques foram criados para recreação das populações urbanas, educação ambiental, pesquisa.

Aliado a isso, DIEGUES (2. ed. p. 36) apresenta os estudos de Balée e Gómez-Pompa, que afirmam que a manutenção, e mesmo o aumento, da biodiversidade biológica nas florestas tropicais, está relacionado intimamente com as práticas tradicionais da agricultura itinerante dos povos primitivos. A regeneração da floresta úmida parece ser, em parte, consequência das atividades do homem primitivo. Nesse sentido:

O uso de pequenas áreas de terra para a agricultura e seu abandono após o decréscimo da produção agrícola (shifting agriculture) é semelhante à produzida pela destruição ocasional das florestas por causas naturais.

Brown, K. & Brown, G. (1992), também citados por DIEGUES (2 ed. p. 39), defendem o importante papel das comunidades tradicionais na conservação da biodiversidade na floresta tropical brasileira, ameaçada pela destruição gerada pela ação dos grandes fazendeiros e grupos econômicos. Os autores afirmam que o modelo de uso dos recursos naturais de baixa intensidade, desenvolvido pelas populações extrativistas e indígenas, frequentemente resulta num mínimo de erosão genética e num máximo de conservação. Assim, concluem que as populações urbanas têm muito que aprender com as tradicionais que vivem em maior harmonia com a natureza.

3.3 O ecologismo dos movimentos sociais ou socioambientalismo

A insatisfação com o modelo de desenvolvimento econômico e a consequente destruição da floresta amazônica deu origem ao chamado ecologismo social. Esse movimento, conforme afirma DIEGUES (2. ed. p. 21), é caracterizado pela luta para manutenção do acesso aos recursos naturais, valorização do extrativismo e dos sistemas de produção baseados em tecnologias alternativas.

O socioambientalismo brasileiro, segundo SANTILLI (p. 01), nasceu na segunda metade dos anos 80, a partir de articulações políticas entre os movimentos sociais e o movimento ambientalista. Seu surgimento identifica-se com o processo histórico de redemocratização do país, iniciado com o fim do regime militar, em 1984, e consolidado com a promulgação da nova Constituição, em 1988, e a realização de eleições presidenciais diretas, em 1989.

De acordo com a autora, o restabelecimento da democrática no país propiciou à sociedade civil um amplo espaço de mobilização e articulação, que resultou em alianças políticas estratégicas entre o movimento social e ambientalista. Na Amazônia brasileira, a articulação entre povos indígenas e populações tradicionais, com o apoio de aliados nacionais e internacionais, levou ao surgimento da "Aliança dos Povos da Floresta": um dos marcos do socioambientalismo.

A "Aliança dos Povos da Floresta" defendia o modo de vida das populações tradicionais amazônicas, cuja continuidade dependia da conservação da floresta, e estava ameaçada pelo desmatamento e a exploração predatória de seus recursos naturais, impulsionada principalmente pela abertura de grandes rodovias (Belém-Brasília, Transamazônica, Cuiabá-Porto Velho-Rio Branco, Cuiabá-Santarém) e pela abertura de pastagens destinadas às grandes fazendas de agropecuária, e a consequente migração de milhares de colonos e agricultores para a região amazônica. (SANTILLI, p. 1 e 2)

Nesse contexto de degradação ambiental e cultural, o socioambientalismo propõe, como uma de suas ideias, a inclusão e envolvimento das comunidades tradicionais, detentoras de conhecimentos e de práticas de manejo ambiental, nas políticas públicas ambientais. SATILLI (p.4) destaca, ainda, que:

[...] em um país pobre e com tantas desigualdades sociais, um novo paradigma de desenvolvimento deve promover não só a sustentabilidade estritamente ambiental – ou seja, a sustentabilidade de espécies, ecossistemas e processos ecológicos – como também a sustentabilidade social – ou seja, deve contribuir também para a redução da pobreza e das desigualdades sociais e promover valores como justiça social e equidade. Além disso, o novo paradigma de desenvolvimento preconizado pelo socioambientalismo deve promover e valorizar a diversidade cultural e a consolidação do processo democrático no país, com ampla participação social na gestão ambiental.

Como registra SANTILLI (p. 8), o socioambientalismo passou, então, a representar uma alternativa ao conservacionismo/preservacionismo ou movimento ambientalista tradicional, mais distante dos movimentos sociais e das lutas políticas por justiça social e cético quanto à possibilidade de envolvimento das populações tradicionais na conservação da biodiversidade.

Como resultado dessa luta, surge a proposta de criação de reservas extrativistas – desenvolvida pelo movimento social dos seringueiros visando promover o casamento entre conservação ambiental e reforma agrária – que passou a ser considerada por cientistas e formuladores de políticas públicas como uma via de desenvolvimento sustentável e socialmente equitativo para a Amazônia.

Uma ideia-chave na proposta de criação de reservas extrativistas é a titularidade coletiva e compartilhada sobre os direitos de uso dos recursos naturais nelas existentes. Inspirada no modelo das terras indígenas, as reservas extrativistas se baseiam no conceito de que são bens de domínio da União (de forma a evitar a sua venda, e dar-lhe as garantias de que só gozam os bens públicos), e de que a transferência do usufruto para os moradores da reserva extrativista se faria pelo contrato de concessão de direito real de uso às entidades representativas de moradores da reserva. (SANTILLI, p. 3)

3.4 Criação de áreas protegidas para o uso sustentável de populações tradicionais

A partir da leitura dos capítulos anteriores, constata-se que a categoria "Unidades de Conservação de Uso Sustentável" é fruto de uma transformação social e ambiental, constituindo, hoje, instrumento que permite, dentro dos limites estabelecidos em lei, a utilização direta dos recursos naturais. Conforme prevê a Lei do SNUC, em seu art. 7º, §2º, seu objetivo é, justamente, compatibilizar a conservação da natureza com o uso sustentável dos recursos naturais.

Nessa categoria de UC enquadram-se: a Reserva Extrativista - Resex, a Reserva de Fauna - RF, a Reserva de Desenvolvimento Sustentável - RDS e a Reserva do Patrimônio Particular Natural - RPPN a Área de Proteção Ambiental - APA, a Área de Relevante Interesse Ecológico - ARIE, a Floresta Nacional - FLONA.

De acordo com dados [06] fornecidos pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade - ICMBio, órgão responsável pela gestão das unidades de conservação, criado pela Lei nº 11.516, de 28 de agosto de 2007, atualmente existem 304 unidades de conservação no Brasil, sendo que 173 são UCs de Uso Sustentável, perfazendo um total de 38.835.516,35 ha e 131 são UCs de Proteção Integral, que somadas representam um total de 35.656.870,61 ha.

Unidades de Conservação Federais do Brasil

Unidades de:

Categoria – Quantidade

Total em hectares

Proteção Integral: PI

Esec - Estação Ecológica – 31

6.869.411,18

MN - Monumento Natural – 2

44.179,73

Parna - Parque Nacional – 64

24.705.236,36

Rebio - Reserva Biológica – 29

3.868.939,47

Revis - Refúgio de Vida Silvestre – 5

169.103,88

PI Total: 131

35.656.870,61

Uso Sustentável: US

APA - Área de Proteção Ambiental – 31

9.899.433,67

Arie - Área de Relevante Interesse Ecológico - 17

44.621,47

Flona - Floresta Nacional – 65

16.556.903,48

RDS - Reserva de Desenvolvimento Sustentável - 1

64.441,29

Resex - Reserva Extrativista – 59

12.270.116,44

US Total: 173

38.835.516,35

Total geral: 304

* Área Georreferenciada total

74.492.386,96

Área conservada sem as sobreposições

73.987.193,58

Com se vê, em termos quantitativos, há pouca diferença entre UCs de uso sustentável e UCs de proteção integral. No entanto, em termos de demandas pela execução de políticas públicas existe um grande abismo entre essas categorias, já que além da preocupação com a proteção da natureza, as UCs de uso sustentável têm o desafio de executar políticas relativas ao uso sustentável dos recursos naturais renováveis e articular políticas socioeconômicas para as populações tradicionais que nelas residem.

Para cumprir essa missão desafiadora, que é a gestão de unidades de conservação de uso sustentável, é preciso, no mínimo, de recursos humanos e financeiro, sem os quais é impossível atingir os objetivos do SNUC. Nesse aspecto, justifica-se a importância do debate ora suscitado: recursos provenientes da compensação ambiental.

Diante de todo o histórico de surgimento das áreas de proteção da natureza, ficou evidente que as áreas de proteção integral sempre dominaram o cenário político e científico ambiental. No entanto, essa condição de supremacia, em razão das especificidades do Brasil e das necessidades das populações tradicionais, vem sendo questionada por pesquisadores e, principalmente, pelos mais afetados por essa concepção, que são obrigados a deixar o território que lhes pertencia.

A previsão legal contida no art. 36, caput, da Lei do SNUC, que determina o pagamento da compensação ambiental, é um dos aspectos que exterioriza essa hegemonia das unidades de proteção integral, uma vez que são agraciadas com todos os recursos quando o empreendimento de significativo impacto ambiental não afetar uma unidade de conservação específica ou sua zona de amortecimento.

Ressalte-se, ainda, que o §3º, do mesmo artigo, seguindo a tendência discriminatória do caput, prevê que quando o empreendimento afetar unidade de conservação específica ou sua zona de amortecimento, ela, mesmo que não pertencente ao Grupo de Proteção Integral, deverá ser uma das beneficiárias da compensação ambiental, ou seja, mais uma vez abre-se a possibilidade de contemplar uma UCs de proteção integral, o que é um absurdo.

Assim, por questão de justiça e de reconhecimento do papel das populações tradicionais na conservação da biodiversidade, é imprescindível que haja equanimidade na distribuição dos recursos provenientes da compensação ambiental, contemplando-se, dessa forma, as unidades de conservação de uso sustentável.


CONCLUSÃO

A partir do estudo da legislação ambiental brasileira, conclui-se que a compensação ambiental, além de desempenhar o papel de instrumento econômico por meio do qual o Poder Público determina a inclusão da variante ambiental no planejamento econômico de um empreendimento, constitui também mecanismo de consolidação do Sistema Nacional de Unidades de Conservação.

Ao permitir a criação de novas UCs e a estruturação daquelas já existentes, os recursos provenientes da compensação ambiental contribuem de forma significativa para a estruturação do órgão gestor das UCs, para a construção dos instrumentos de gestão (plano de manejo, conselho gestor, dentre outros) e, consequentemente, para o fortalecimento da gestão de todo o sistema de unidades de conservação (UCs de Proteção Integral e UCs de Uso Sustentável).

A importância desse instituto para a consolidação do SNUC pode ser visualizada no mapa estratégico [07] do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade – ICMBio (versão 31/07/2010), o qual, em sua base, destaca a necessidade de fazer cumprir a obrigação da compensação ambiental para cumprir sua missão, que é "proteger o patrimônio natural e promover o desenvolvimento socioambiental", bem como alcançar seus objetivos: reduzir a taxa de extinção de espécies e ampliar a quantidade e a qualidade dos bens e serviços ofertados.

A Lei nº 9.985 de 18 de julho de 2000, que institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação, ao dispor sobre a compensação ambiental, estipulou, como regra (art. 36, caput, da Lei nº 9.985/00), que o empreendedor, nos casos de licenciamento ambiental de empreendimentos de significativo impacto ambiental, deverá apoiar a implantação e manutenção de unidade de conservação do Grupo Proteção Integral. A título de exceção (art. 36, §3º, da Lei nº 9.985/00) o legislador previu que, caso o empreendimento afete unidade de conservação específica ou sua zona de amortecimento, esta deverá ser uma das beneficiárias da compensação, mesmo que não pertencente ao Grupo Proteção Integral.

Apesar de legalmente não haver hierarquia entre as categorias de unidade de conservação que compõem o SNUC, verifica-se que o SNUC conferiu tratamento diferenciado às UCs de Proteção Integral e às UCs de Uso Sustentável, no que se refere à destinação dos recursos provenientes da compensação ambiental.

A regra prevista no caput, do art. 36, da Lei do SNUC beneficiou sobremaneira as UCs de proteção integral em detrimento das UCs de uso sustentável, já que todos os recursos serão direcionados para as UCs de proteção integral quando o empreendimento de significativo impacto ambiental não afetar uma unidade de conservação específica ou sua zona de amortecimento. Tal previsão limita a destinação dos recursos da compensação ambiental para as unidades de conservação de uso sustentável, as quais serão beneficiadas somente nos casos em que o empreendimento afetar diretamente esse tipo de unidade de conservação. Assim, infere-se que jamais será criada uma UC de uso sustentável com recursos da compensação ambiental. Será possível, apenas, auxiliar na implementação, se ela for, de fato, afetada pelo empreendimento.

Analisando o contexto histórico da criação das áreas naturais protegidas no mundo, verifica-se que a concepção dessas áreas remonta do século XIX, nos Estados Unidos, cujo objetivo era proteger a vida selvagem ameaçada pela civilização urbano-industrial, destruidora da natureza. Naquela época, entendia-se que a única forma de proteger a natureza era afastá-la do homem, por meio de "ilhas" de conservação ambiental, de grande beleza cênica, onde o homem da cidade pudesse apreciar e reverenciar a natureza selvagem. Esse modelo preservacionista disseminou-se pelos países de Terceiro Mundo, incluindo o Brasil (DIEGUES, 2008).

Conforme destaca MILANO (2001, p.9), o conceito de áreas protegidas evoluiu, as preocupações com a conservação da natureza transcendem o conceito original, um tanto emocional, de área silvestre. Hoje, além de preservar belezas cênicas e bucólicos ambientes históricos para as gerações futuras, as áreas protegidas assumiram outros objetivos como: a proteção de recursos hídricos; manejo de recursos naturais; desenvolvimento de pesquisas científicas; manutenção do equilíbrio climático e ecológico; preservação de recursos genéticos; e preservação in situ da biodiversidade como um todo.

Essa mudança, no entanto, não foi simples. Os relatos da elaboração do projeto de lei do SNUCevidenciavam o embate entre o clamor pelaampliação das categorias de UC legalmente estabelecidas, no sentido de conciliar a proteção da natureza com a utilização racional dos recursos naturais, e a resistência dos ambientalistas preservacionistas diante da ameaça do alargamento da concepção de áreas protegidas. Nesse cenário, intensos foram os conflitos, sendo que, diversas vezes, a força política dos ambientalistas preservacionistas conduzia as decisões de forma a privilegiar as UCs de proteção integral, sufocando o movimento socioambientalista e, consequentemente, as UCs de uso sustentável.

A distinção de tratamento das categorias de UC de Proteção Integral e Uso Sustentável quanto à destinação dos recursos provenientes da compensação ambiental é uma das consequências da forte influência da corrente preservacionista - que é contra a existência de populações tradicionais em áreas protegidas - no processo de construção das políticas públicas ambientais.

No entanto, essa distinção não se justifica, uma vez que de acordo com o Sistema Nacional de Unidades de Conservação, cada tipo de unidade de conservação tem um papel específico na proteção do meio ambiente e isso não quer dizer que uma seja melhor ou pior que a outra. É chegada a hora de se reconhecer a importância dos povos indígenas, dos ribeirinhos e dos extrativistas na conservação dos recursos naturais ante o modelo de exploração econômica capitalista industrial responsável pela destruição crescente do meio ambiente.

Dessa forma, por medida de equidade, imprescindível se faz a revisão do texto legal que institui o SNUC no sentido permitir que as UCs de uso sustentável e as populações tradicionais que nelas vivem acessem os recursos provenientes da compensação ambiental de forma igualitária às UCs de proteção integral. Um dos elementos que realmente contribui para a efetividade da gestão de uma unidade de conservação e, consequentemente, a conservação dos recursos naturais é a existência recursos financeiros. A solução para esse problema é fácil: basta incluir as UCs de uso sustentável no caput do art. 36, da Lei do SNUC e excluir a expressão "mesmo que não pertencente ao Grupo de Proteção Integral" do §3º do mesmo artigo.


REFERÊNCIAS

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GUERRA, Sérgio. Compensação ambiental nos empreendimentos de significativo impacto. In: WERNECK, Mário et. al. Direito Ambiental visto por nós advogados. Belo Horizonte: Del Rey, 2005.

MACHADO, Paulo Afonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Malheiros Editores, 2006. 14ª edição.

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_____________. Breve histórico da origem e tramitação do Projeto de Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação – SNUC. Disponível em: <http://mau.mercadante.sites.uol.com.br/artigo/historico.html>. Acesso em: 2 nov. 2010.

MILANO, Miguel Serediuk. Unidade de Conservação – Técnica, Lei e Ética paa a Conservação da Biodiversidade. In: VIO, Antonia Pereira de Ávila...et al.; coordenação, Antônio Herman Benjamin. Direito Ambiental das áreas protegidas: o regime jurídico das unidades de conservação. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001.

MILARÉ, Édis. Direito do ambiente: doutrina, jurisprudência e glossário. São Paulo: Revista Dos Tribunais, 2001. 2ª edição.

_____________ e ARTIGAS, Priscila Santos. Compensação Ambiental: questões controvertidas. Revista de Direito Ambiental. Ano 11, nº 43, julho-setembro de 2006. Coordenação: Antônio Herman V. Benjamin e Edis Milaré. Editora RT.

PINTO, Mariana Oliveira. Estudos de impacto ambiental e unidades de conservação: algumas ponderações sobre a compensação de impactos. In: Congresso Internacional de Direito Ambiental: paisagem, natureza e Direito. São Paulo: Instituto O Direito por um Planeta Verde, 2005. vol. 2, p. 295-305.

SANTILLI, Juliana. A distribuição socialmente injusta dos ônus gerados pelas políticas de criação e implantação de unidades de conservação ambiental em áreas ocupadas por populações tradicionais. A visão crítica do socioambientalismo e as tentativas de superação de tais discriminações sociais através de mecanismos jurídicos criados pela Lei do SNUC (Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza). Disponível em: <http://www.anppas.org.br/encontro_anual/encontro2/GT/GT17/gt17_juliana_santilli.pdf>. Acesso em: 15 out. 2010.


ANEXO A - RESOLUÇÃO/CONAMA/N.º 010 de 03 de dezembro de 1987 [08]

RESOLUÇÃO/CONAMA/N.º 010 de 03 de dezembro de 1987

Publicada no D.O.U. de 18/03/88; Seção I, Pág. 4.562.

CONSELHO NACIONAL DO MEIO AMBIENTE - CONAMA, no uso das atribuições que lhe conferem o Inciso I, do Artigo 4º, da Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981, Incisos II e X, do Artigo 7º, do Decreto nº 88.351, de lº de junho de 1983, RESOLVE:

Art. 1º - Para fazer face à reparação dos danos ambientais causados pela destruição de florestas e outros ecossistemas, o licenciamento de obras de grande porte, assim considerado pelo órgão licenciador com fundamento no RIMA terá sempre como um dos seus pré-requisitos, a implantação de uma Estação Ecológica pela entidade ou empresa responsável pelo empreendimento, preferencialmente junto à área.

Art. 2º - O valor da área a ser utilização e das benfeitorias a serem feitas para o fim previsto no artigo anterior, será proporcional ao dano ambiental a ressarcir e não poderá ser inferior a 0,5% (meio por cento) dos custos totais previstos para a implantação dos empreendimentos.

Art. 3º - A extensão, os limites, as construções a serem feitas, e outras características da Estação Ecológica a implantar, sendo fixados no licenciamento do empreendimento, pela entidade licenciadora.

Art. 4º - O RIMA - Re1atório de Impacto sobre o Meio Ambiente, relativo ao empreendimento, apresentará uma proposta ou projeto e indicará possíveis alternativas para o atendimento ao disposto nesta Resolução.

Art. 5º - A entidade ou empresa responsável pelo empreendimento deverá se encarregar da manutenção da Estação Eco1ógica diretamente ou através de convênio com entidade do Poder Público capacitada para isso.

Art. 6º - A entidade do meio ambiente, licenciadora, fiscalizará a implantação e o funcionamento das Estações Ecológicas previstas nesta Resolução.

Art. 7º - Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação.

Prisco Vianna

(Revogada pela Resolução nº 02/96)

ANEXO B - RESOLUÇÃO CONAMA Nº 2, DE 18 DE ABRIL DE 1996 [09]

RESOLUÇÃO CONAMA Nº 2, DE 18 DE ABRIL DE 1996

O CONSELHO NACIONAL DO MEIO AMBIENTE - CONAMA, no uso das atribuições que lhe conferem o Inciso I, do art. 4º, da Lei nº 6.938, de 31 de Agosto de 1981, Incisos II e X, do art. 7º, do Decreto nº 99.274, de 6 de Junho de 1990, resolve:

Art. 1º. Para fazer face à reparação dos danos ambientais causados pela destruição de florestas e outros ecossistemas, o licenciamento de empreendimentos de relevante impacto ambiental, assim considerado pelo órgão ambiental competente com fundamento do EIA/RIMA, terá como um dos requisitos a serem atendidos pela entidade licenciada, a implantação de uma unidade de conservação de domínio público e uso indireto, preferencialmente uma Estação Ecológica, a critério do órgão licenciador, ouvido o empregador. (grifo nosso)

§ 1º. Em função das características da região ou em situações especiais, poderão ser propostos o custeio de atividades ou aquisição de bens para unidades de conservação públicas definidas na legislação, já existentes ou a serem criadas, ou a implantação de uma única unidade para atender a mais de um empreendimento na mesma área de influência.

§ 2º. As áreas beneficiadas dever-se-ão se localizar, preferencialmente, na região do empreendimento e visar basicamente a preservação de amostras representativas dos ecossistemas afetados.

Art. 2º. O montante dos recurso a serem empregados na área a ser utilizada, bem como o valor dos serviços e das obras de infraestrutura necessárias ao cumprimento do disposto no art. 1º, será proporcional à alteração e ao meio ambiental a ressarcir e não poderá ser inferior a 0,50% (meio por cento) dos custos totais previstos para implantação do empreendimento.

Art. 3º. O órgão ambiental competente deverá explicitar todas as condições a serem atendidas pelo empreendedor para o cumprimento do disposto nesta Resolução, durante o processo de licenciamento ambiental.

Parágrafo único. O órgão de licenciamento ambiental competente poderá destinar, mediante convênio com o empreendedor, até 15% (quinze por cento) do total dos recursos previstos no art. 2º desta Resolução na implantação de sistemas de fiscalização, controle e monitoramento da qualidade ambiental no entorno onde serão implantadas as unidades de conservação.

Art. 4º. O EIA/RIMA, relativo ao empreendimento, apresentará proposta ou projeto ou indicará possíveis alternativas para o atendimento ao disposto nesta Resolução.

Art. 5º. O responsável pelo empreendimento, após a implantação da unidade transferida seu domínio à entidade do Poder Público, responsável pela administração de unidades de conservação, realizando sua manutenção mediante convênio com o órgão competente.

Art. 6º. O órgão competente fiscalizará a implantação das unidades de conservação ou da alternativa que venha a ser adotada, previstas nesta Resolução.

Art. 7º. O CONAMA poderá suspender a execução de projetos que estiverem em desacordo com esta Resolução.

Art. 8º. Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação, aplicando seus efeitos aos processos de licenciamento ambiental em trâmite nos órgãos competentes.

Art. 9º. Revogam-se as disposições em contrário, especialmente a Resolução/CONAMA/10, de 3 de dezembro de 1987, publicada no D.O.U de 18 de março de 1988, Seção I, Pagina 4.562.

ANEXO C – RESOLUÇÃO CONAMA Nº 371, DE 5 DE ABRIL DE 2006 [10]

RESOLUÇÃO CONAMA Nº 371, DE 5 DE ABRIL DE 2006

Estabelece diretrizes aos órgãos ambientais para o cálculo, cobrança, aplicação, aprovação e controle de gastos de recursos advindos de compensação ambiental, conforme a Lei nº 9.985, de 18 de julho de 2000, que institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza-SNUC e dá outras providências.

O CONSELHO NACIONAL DO MEIO AMBIENTE-CONAMA, no uso de suas competências previstas na Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981, regulamentada pelo Decreto nº 99.274, de 6 de julho de 1990, e tendo em vista o disposto em seu Regimento Interno, anexo à Portaria nº 168, de 10 de junho de 2005;

Considerando que o art. 36 da Lei nº 9.985, de 18 de julho de 2000 que institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza - SNUC, determina que nos casos de licenciamento ambiental de empreendimentos de significativo impacto ambiental, assim considerado pelo órgão ambiental competente, com fundamento em estudo de impacto ambiental e respectivo relatório- EIA/RIMA, o empreendedor é obrigado a apoiar a implantação e manutenção de unidade de conservação do Grupo de Proteção Integral, de acordo com o disposto neste artigo e no regulamento desta Lei;

Considerando a necessidade de se estabelecer diretrizes gerais que orientem os procedimentos para aplicação da compensação ambiental, segundo a ordem de prioridades estabelecida pelo art. 33 do Decreto nº 4.340, de 22 de agosto de 2002, pelos órgãos ambientais competentes, conferindo-lhes clareza e objetividade;

Considerando a necessidade de estabelecer princípios gerais para efeito de cálculo e aplicação dos recursos da compensação ambiental que devem ser adotados pelos órgãos ambientais;

Considerando o Princípio da Participação, consagrado pela Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Princípio 10) e pela Constituição Federal (art. 225);

Considerando que a compensação ambiental decorre da obrigatoriedade de o empreendedor em apoiar a implantação e manutenção de unidades de conservação do Grupo de Proteção Integral, conforme menciona a Lei nº 9.985, de 2000, sendo que o montante de recursos a ser destinado para esta finalidade não pode ser inferior a meio por cento dos custos totais previstos para a implantação do empreendimento;

Considerando que os empreendedores públicos e privados se submetem às mesmas exigências no que se refere à compensação ambiental; e

Considerando que o CONAMA é o órgão consultivo e deliberativo do SNUC, conforme art. 6º da Lei nº 9.985, de 2000, resolve:

Art. 1º Esta resolução estabelece diretrizes para cálculo, cobrança, aplicação, aprovação e controle de gastos de recursos financeiros advindos da compensação ambiental decorrente dos impactos causados pela implantação de empreendimentos de significativo impacto ambiental, assim considerado pelo órgão ambiental competente, com fundamento em Estudos de Impacto Ambiental - EIA e Relatório de Impacto Ambiental - RIMA, conforme o art. 36 da Lei nº 9.985, de 18 de julho de 2000, e no art. 31 do Decreto nº 4.340, de 22 de agosto de 2002.

Art. 2º O órgão ambiental licenciador estabelecerá o grau de impacto ambiental causado pela implantação de cada empreendimento, fundamentado em base técnica específica que possa avaliar os impactos negativos e não mitigáveis aos recursos ambientais identificados no processo de licenciamento, de acordo com o EIA/RIMA, e respeitado o princípio da publicidade.

§ 1º Para estabelecimento do grau de impacto ambiental serão considerados somente os impactos ambientais causados aos recursos ambientais, nos termos do art. 2º, inciso IV da Lei nº 9.985, de 2000, excluindo riscos da operação do empreendimento, não podendo haver redundância de critérios.

§ 2º Para o cálculo do percentual, o órgão ambiental licenciador deverá elaborar instrumento específico com base técnica, observado o disposto no caput deste artigo.

Art. 3º Para o cálculo da compensação ambiental serão considerados os custos totais previstos para implantação do empreendimento e a metodologia de gradação de impacto ambiental definida pelo órgão ambiental competente.

§ 1º Os investimentos destinados à melhoria da qualidade ambiental e à mitigação dos impactos causados pelo empreendimento, exigidos pela legislação ambiental, integrarão os seus custos totais para efeito do cálculo da compensação ambiental.

§ 2º Os investimentos destinados à elaboração e implementação dos planos, programas e ações, não exigidos pela legislação ambiental, mas estabelecidos no processo de licenciamento ambiental para mitigação e melhoria da qualidade ambiental, não integrarão os custos totais para efeito do cálculo da compensação ambiental.

§ 3º Os custos referidos no parágrafo anterior deverão ser apresentados e justificados pelo empreendedor e aprovados pelo órgão ambiental licenciador.

Art. 4º Para efeito do cálculo da compensação ambiental, os empreendedores deverão apresentar a previsão do custo total de implantação do empreendimento antes da emissão da Licença de Instalação, garantidas as formas de sigilo previstas na legislação vigente.

Art. 5º O percentual estabelecido para a compensação ambiental de novos empreendimentos deverá ser definido no processo de licenciamento, quando da emissão da Licença Prévia, ou quando esta não for exigível, da Licença de Instalação.

§ 1º Não será exigido o desembolso da compensação ambiental antes da emissão da Licença de Instalação.

§ 2º A fixação do montante da compensação ambiental e a celebração do termo de compromisso correspondente deverão ocorrer no momento da emissão da Licença de Instalação.

§ 3º O termo de compromisso referido no parágrafo anterior deverá prever mecanismo de atualização dos valores dos desembolsos.

Art. 6º Nos casos de licenciamento ambiental para a ampliação ou modificação de empreendimentos já licenciados, sujeitos a EIA/RIMA, que impliquem em significativo impacto ambiental, a compensação ambiental será definida com base nos custos da ampliação ou modificação.

Art. 7º Para os empreendimentos que já efetivaram o apoio à implantação e manutenção de unidade de conservação, não haverá reavaliação dos valores aplicados, nem a obrigatoriedade de destinação de recursos complementares, salvo os casos de ampliação ou modificação previstos no art. 6º desta Resolução, e os casos previstos no art. 19, incisos I e II da Resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente - CONAMA nº 237, de 19 de dezembro de 1997.

Art. 8º Os órgãos ambientais licenciadores deverão instituir câmara de compensação ambiental, prevista no art. 32 do Decreto nº 4.340, de 2002, com finalidade de analisar e propor a aplicação da compensação ambiental em unidades de conservação federais, estaduais e municipais, visando ao fortalecimento do Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza - SNUC envolvendo os sistemas estaduais e municipais de unidades de conservação, se existentes.

Parágrafo único. As câmaras de compensação ambiental deverão ouvir os representantes dos demais entes federados, os sistemas de unidades de conservação referidos no caput deste artigo, os Conselhos de Mosaico das Unidades de Conservação e os Conselhos das Unidades de Conservação afetadas pelo empreendimento, se existentes.

Art. 9º O órgão ambiental licenciador, ao definir as unidades de conservação a serem beneficiadas pelos recursos oriundos da compensação ambiental, respeitados os critérios previstos no art. 36 da Lei nº 9.985, de 2000 e a ordem de prioridades estabelecida no art. 33 do Decreto nº 4.340 de 2002, deverá observar:

I - existindo uma ou mais unidades de conservação ou zonas de amortecimento afetadas diretamente pelo empreendimento ou atividade a ser licenciada, independentemente do grupo a que pertençam, deverão estas ser beneficiárias com recursos da compensação ambiental, considerando, entre outros, os critérios de proximidade, dimensão, vulnerabilidade e infraestrutura existente; e

II - inexistindo unidade de conservação ou zona de amortecimento afetada, parte dos recursos oriundos da compensação ambiental deverá ser destinada à criação, implantação ou manutenção de unidade de conservação do Grupo de Proteção Integral localizada preferencialmente no mesmo bioma e na mesma bacia hidrográfica do empreendimento ou atividade licenciada, considerando as Áreas Prioritárias para a Conservação, Utilização Sustentável e Repartição dos Benefícios da Biodiversidade, identificadas conforme o disposto no Decreto nº 5.092, de 21 de maio de 2004, bem como as propostas apresentadas no EIA/RIMA. (grifo nosso)

Parágrafo único. O montante de recursos que não forem destinados na forma dos incisos I e II deste artigo deverá ser empregado na criação, implantação ou manutenção de outras unidades de conservação do Grupo de Proteção Integral em observância ao disposto no SNUC. (grifo nosso)

Art. 10. O empreendedor, observados os critérios estabelecidos no art. 9º desta Resolução, deverá apresentar no EIA/RIMA sugestões de unidades de conservação a serem beneficiadas ou criadas.

§ 1º É assegurado a qualquer interessado o direito de apresentar por escrito, durante o procedimento de licenciamento ambiental, sugestões justificadas de unidades de conservação a serem beneficiadas ou criadas.

§ 2º As sugestões apresentadas pelo empreendedor ou por qualquer interessado não vinculam o órgão ambiental licenciador, devendo este justificar as razões de escolha da(s) unidade(s) de conservação a serem beneficiadas e atender o disposto nos arts. 8 o e 9 o desta Resolução.

Art. 11. A entidade ou órgão gestor das unidades de conservação selecionadas deverá apresentar plano de trabalho da aplicação dos recursos para análise da câmara de compensação ambiental, visando a sua implantação, atendida a ordem de prioridades estabelecidas no art. 33 do Decreto nº 4.340, de 2002.

§ 1º Somente receberão recursos da compensação ambiental as unidades de conservação inscritas no Cadastro Nacional de Unidades de Conservação, ressalvada a destinação de recursos para criação de novas unidades de conservação.

§ 2º A destinação de recursos da compensação ambiental para as unidades de conservação selecionadas somente será efetivada após aprovação pela câmara de compensação ambiental ficando sob supervisão do órgão ambiental competente, o programa de trabalho elaborado pelas respectivas entidades ou órgãos gestores, contendo as atividades, estudos e projetos a serem executados e os respectivos custos.

Art. 12. Os órgãos ambientais responsáveis pela gestão dos recursos de compensação ambiental deverão dar publicidade, bem como informar anualmente aos conselhos de meio ambiente respectivos, a aplicação dos recursos oriundos da compensação ambiental apresentando, no mínimo, o empreendimento licenciado, o percentual, o valor, o prazo de aplicação da compensação, as unidades de conservação beneficiadas, e as ações nelas desenvolvidas.

Parágrafo único. Informações sobre as atividades, estudos e projetos que estejam sendo executados com recursos da compensação ambiental deverão estar disponibilizadas ao público, assegurando-se publicidade e transparência às mesmas.

Art. 13. Nos materiais de divulgação produzidos com recursos da compensação ambiental deverão constar a fonte dos recursos com os dizeres: "recursos provenientes da compensação ambiental da Lei nº 9.985, de 2000 - Lei do SNUC".

Art. 14. Não serão reavaliados os valores combinados ou pagos, nem haverá a obrigatoriedade de destinação de recursos complementares constantes em acordos, termos de compromisso, Termos de Ajustamento de Conduta - TAC, contratos, convênios, atas ou qualquer outro documento formal firmados pelos órgãos ambientais, a título de compensação ambiental prevista no art. 36 da Lei nº 9.985, de 2000.

Art. 15. O valor da compensação ambiental fica fixado em meio por cento dos custos previstos para a implantação do empreendimento até que o órgão ambiental estabeleça e publique metodologia para definição do grau de impacto ambiental.

Art. 16. Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação.

Art. 17. Revoga-se a Resolução CONAMA nº 2, de 18 de abril de 1996.

MARINA SILVA


Notas

  1. Art. 2º A Política Nacional do Meio Ambiente tem por objetivo a preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida, visando assegurar, no País, condições ao desenvolvimento socioeconômico, aos interesses da segurança nacional e à proteção da dignidade da vida humana, atendidos os seguintes princípios:
  2. I - ação governamental na manutenção do equilíbrio ecológico, considerando o meio ambiente como um patrimônio público a ser necessariamente assegurado e protegido, tendo em vista o uso coletivo.

  3. Art. 225 Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
  4. EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 36 E SEUS §§ 1º, 2º E 3º DA LEI Nº 9.985, DE 18 DE JULHO DE 2000. CONSTITUCIONALIDADE DA COMPENSAÇÃO DEVIDA PELA IMPLANTAÇÃO DE EMPREENDIMENTOS DE SIGNIFICATIVO IMPACTO AMBIENTAL. INCONSTITUCIONALIDADE PARCIAL DO § 1º DO ART. 36. 1. O compartilhamento-compensação ambiental de que trata o art. 36 da Lei nº 9.985/2000 não ofende o princípio da legalidade, dado haver sido a própria lei que previu o modo de financiamento dos gastos com as unidades de conservação da natureza. De igual forma, não há violação ao princípio da separação dos Poderes, por não se tratar de delegação do Poder Legislativo para o Executivo impor deveres aos administrados. 2. Compete ao órgão licenciador fixar o quantum da compensação, de acordo com a compostura do impacto ambiental a ser dimensionado no relatório - EIA/RIMA. 3. O art. 36 da Lei nº 9.985/2000 densifica o princípio usuário-pagador, este a significar um mecanismo de assunção partilhada da responsabilidade social pelos custos ambientais derivados da atividade econômica. 4. Inexistente desrespeito ao postulado da razoabilidade. Compensação ambiental que se revela como instrumento adequado à defesa e preservação do meio ambiente para as presentes e futuras gerações, não havendo outro meio eficaz para atingir essa finalidade constitucional. Medida amplamente compensada pelos benefícios que sempre resultam de um meio ambiente ecologicamente garantido em sua higidez. 5. Inconstitucionalidade da expressão "não pode ser inferior a meio por cento dos custos totais previstos para a implantação do empreendimento", no § 1º do art. 36 da Lei nº 9.985/2000. O valor da compensação-compartilhamento deve ser fixado proporcionalmente ao impacto ambiental, após estudo em que se assegurem o contraditório e a ampla defesa. Prescindibilidade da fixação de percentual sobre os custos do empreendimento. 6. Ação parcialmente procedente. (grifo nosso)
  5. ADI 3378/DF, Relator Min. Carlos Britto, julgamento em 09/04/2008. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=(ADI$.SCLA.%20E%203378.NUME.)%20OU%20(ADI.ACMS.%20ADJ2%203378.ACMS.)&base=baseAcordaos>. Acesso em 24 out. 2010.

  6. Art. 225 Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
  7. §1 Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:

    (...)

    III- definir, em todas as Unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção;

  8. MERCADANTE, Maurício. Breve histórico da origem e tramitação do Projeto de Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação – SNUC. Disponível em: <http://mau.mercadante.sites.uol.com.br/artigo/historico.html>. Acesso em: 2 nov. 2010.
  9. Disponível em: http://www.icmbio.gov.br/menu/produtos-e-servicos/download/uc_federal_icmbio.pdf. Acesso em 5 nov. 2010.
  10. Disponível em: http://www4.icmbio.gov.br/intranet/download/arquivos/planejamento_estrategico/download/Apresentacao_Projeto_ICMBio.pdf. Acesso em 5 nov. 2010.
  11. Disponível em: <http://www.mma.gov.br/port/conama/res/res87/res1087.html>. Acesso em: 3 out. 2010.
  12. Disponível em: <http://www.cetesb.sp.gov.br/licenciamentoo/legislacao/federal/resolucoes/1996_Res_CONAMA_2.pdf>. Acesso em 3 out. 2010.
  13. Disponível em:<http://www.mma.gov.br/port/conama/legiabre.cfm?codlegi=493>. Acesso em: 3 out. 2010.

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DIAS, Roberta Leocádio. Compensação ambiental em unidades de conservação de uso sustentável. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3013, 1 out. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20126. Acesso em: 28 mar. 2024.