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O princípio constitucional da proporcionalidade como sustentáculo da prisão provisória

O princípio constitucional da proporcionalidade como sustentáculo da prisão provisória

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Urge uma mudança na sistemática processual, nos sentido de exigir-se expressamente que a prisão provisória seja submetida ao exame da proporcionalidade antes de ser imposta, tendo em vista ser esse o seu fundamento legitimador.

SUMÁRIO: INTRODUÇÃO; 1. O PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA PROPORCIONALIDADE; 1.1. Normas: princípios e regras; 1.2. Princípio da proporcionalidade ou regra da proporcionalidade?; 1.3. Princípio da proporcionalidade ou princípio da razoabilidade?; 1.4. O princípio da proporcionalidade na ordem constitucional brasileira; 1.5. Conceituações: o princípio da proporcionalidade e seus subprincípios; 1.5.1. Princípio da proporcionalidade; 1.5.2. Adequação; 1.5.3. Necessidade; 1.5.4. Proporcionalidade em sentido estrito; 2. A PRISÃO PROVISÓRIA NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO; 2.1. As medidas cautelares no Processo Penal; 2.2. A prisão provisória; 2.3. A difícil coexistência entre o princípio da presunção de inocência e a prisão provisória; 2.4. Principiologia das prisões provisórias; 2.4.1. Jurisdicionalidade; 2.4.2. Provisionalidade; 2.4.3. Provisoriedade; 2.4.4. Excepcionalidade; 2.4.5. Proporcionalidade; 2.5. As espécies de prisão provisória; 2.5.1. A prisão em flagrante; 2.5.2. A prisão preventiva; 2.5.3. A prisão temporária; 2.5.4. A prisão decorrente de pronúncia e sentença condenatória recorrível; 3. O PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE NAS PRISÕES PROVISÓRIAS; 3.1. O direito processual penal de emergência e o uso indiscriminado das prisões provisórias; 3.2. A prisão provisória proporcional; 3.2.1. O subprincípio da adequação; 3.2.2. O subprincípio da necessidade;3.2.3. O subprincípio da proporcionalidade em sentido estrito; 3.3. As reformas legislativas e adoção de um modelo polimorfo no sistema cautelar brasileiro; CONCLUSÃO; REFERÊNCIAS.


INTRODUÇÃO

O sentido da presente pesquisa dissertativa, e o seu objetivo primordial, é o estudo do princípio constitucional da proporcionalidade como mecanismo para limitar a incidência das prisões provisórias. Não há a pretensão de esgotar todas as possibilidades de sua aplicação nesta seara, ainda menos em todos os campos do processo penal.

No primeiro capítulo busca-se analisar a natureza jurídica da máxima da proporcionalidade, em um breve histórico de sua origem e presença no ordenamento jurídico brasileiro. Em seguida, confirmada a sua base principiológica, abordar-se-á o seu conceito e a sua tríplice estrutura, discorrendo sobre as principais características dos seus subprincípios (adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito).

No segundo capítulo tratar-se-á da prisão provisória, com uma abordagem geral das medidas cautelares no ordenamento pátrio. Impõe-se uma crítica da difícil coexistência da prisão provisória com o princípio constitucional da presunção de inocência – princípio reitor do processo penal constitucional e democrático. Para tanto, explica-se a necessidade de a prisão provisória estar sustentada pelos princípios da jurisdicionalidade, provisionalidade, provisioriedade, excepcionalidade, além, da proporcionalidade, que norteiam o sistema cautelar, para se mostrar compatível com a presunção de inocência. Ao final, faz-se ligeira digressão em torno das espécies da prisão provisória, previstas no ordenamento pátrio.

No terceiro capítulo, vencidas as etapas de análise conceitual, será abordada a revoltante realidade do processo penal de emergência e a importância da aplicação racional dos subprincípios da proporcionalidade como limite à utilização da extremosa medida cautelar de prisão. Demonstrar-se-á o que seria uma prisão provisória proporcional, a partir da aplicação dos subprincípios da proporcionalidade em um caso hipotético, trazendo uma explicação dos subprincípios da adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito, voltada para o campo do processo penal.

Por fim, breves comentários sobre a recente Lei nº 12.403, de 4 de maio de 2011, que alterou os dispositivos do Código de Processo Penal, relativos à prisão processual, fiança, liberdade provisória e demais medidas cautelares. Enfatizam-se os grandes avanços trazidos, principalmente, com a implantação de um modelo polimorfo no sistema brasileiro, que contribui de forma preponderante para a efetivação do princípio da proporcionalidade.

O estudo em comento, que se valeu do método dedutivo e de ampla pesquisa bibliográfica para elucidar as questões do tema proposto, espera demonstrar a necessidade de uma mudança na sistemática processual penal, nos sentido de exigir-se expressamente que a prisão provisória seja submetida ao exame da proporcionalidade antes de ser imposta, tendo em vista ser esse o seu fundamento legitimador, pois uma prisão provisória desproporcional representa uma prisão inconstitucional, arbitrária e, como tal, não pode ser tolerada.


1. O PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA PROPORCIONALIDADE

1.1. Normas: princípios e regras

Adiante se verá que a proporcionalidade no ordenamento jurídico brasileiro possui indiscutível caráter normativo, assim, a distinção entre regras e princípios faz-se imprescindível, constituindo a base da fundamentação jurídica da norma.

Simplificadamente, regras e princípios são espécies do gênero norma [01]. Ambos possuem conteúdo que exprimem os juízos concretos do dever-ser. A famigerada distinção entre princípios e regras, apesar de antiga e frequente, faz imperar algumas celeumas na doutrina pátria e alienígena, sendo numerosos os critérios de distinção propostos.

A doutrina pós-positivista confere aos princípios força normativa, preceituando que princípios e regras não se confundem, sendo verdadeiras facetas que as normas jurídicas podem assumir. Por outro lado, o Professor Paulo Bonavides [02] ressalta que "os princípios, uma vez constitucionalizados, se fazem a chave de todo o sistema normativo", demonstrando que estes são o fundamento de legitimidade do ordenamento jurídico positivo.

No conceito de Daniel Sarmento [03], princípios, lato sensu, são "as traves-mestras do sistema jurídico, irradiando seus efeitos sobre diferentes normas e servindo de balizamento para a interpretação e integração de todo o setor do ordenamento em que radicam", e, complementa o aludido autor, "revestem-se de um grau de generalidade e de abstração superior ao das regras, sendo, por conseqüência, menor a determinabilidade de seu raio de aplicação".

Um dos critérios diferenciadores entre princípios e regras é o grau de importância dessas normas no ordenamento jurídico. No atual estágio da evolução principiológica, não restam dúvidas de que os princípios, além de serem dotados de normatividade, possuem uma importância suprema, caracterizando-os como o alicerce do sistema.

Inicialmente, sob uma concepção formal, os princípios não eram vistos como superiores às regras, possuíam um caráter meramente supletivo, em que a função desempenhada era restrita a suprir lacunas, derivadas de disposições normativas que as regras não puderam prever. Após uma significativa influência da corrente jusnaturalista, inicia-se a atual fase pós-positivista, em que os princípios foram elevados a alicerce do ordenamento jurídico. No dizer de Flávia Durso [04], "as Constituições promulgadas detêm o monopólio de valores dos princípios elevando-os a um referencial normativo sobre o qual se assenta todo o arcabouço jurídico. Confere-se, assim, nesse cenário, juridicidade aos princípios e unidade ao sistema".

Os princípios constitucionais, sejam explícitos ou implícitos, são a chave de todo o sistema jurídico normativo. Desempenham a função primordial de unir esse sistema como um todo unitário que é.

Entre princípios e regras existem diferenças não apenas de grau de importância, mas na própria estrutura dessas normas. O critério da generalidade destaca que os princípios são gerais e as regras específicas, aqueles possuem um grau de densidade menor, pois o seu campo de incidência não é delimitado, ao contrário destas.

Outra importante distinção entre ambos diz respeito aos respectivos mecanismos de aplicação. A lição de Ronald Dworkin [05] esclarece que as regras "são aplicáveis à maneira do tudo-ou-nada. Dados os fatos que uma regra estipula, então ou a regra é válida, e neste caso a resposta que ela fornece deve ser aceita, ou não é válida, e neste caso em nada contribui para a decisão". Em outras palavras, presentes os seus pressupostos fáticos, a regra é considerada válida e, por consequência, aplicada ao caso a ela subsumido, ou é considerada inválida para o mesmo.

O conflito entre princípios é resolvido de maneira diversa do conflito entre regras, devido à dimensão de peso de que os princípios são dotados, estando presentes os pressupostos fáticos, não haverá necessariamente sua incidência, mas uma ponderação entre os diferentes princípios aplicáveis ao caso concreto e não a opção, pura e simples, pela aplicação de um deles, como ocorre no conflito entre regras. Neste ponto convergem os precursores Ronald Dworkin e Robert Alexy, e para tanto, Flávia Durso [06] é conclusiva:

Do pensamento de Alexy podemos extrair que uma norma será princípio ou regra não por qualquer propriedade intrínseca ao seu enunciado linguístico, mas de modo particular que se apresenta quando em colisão com outras normas. Se a norma, ao colidir com a outra, cede sempre ou triunfa sempre, será por ter ela nota típica de regra. Entretanto, se o conflito com outras normas proporciona vitórias ou derrotas – segundo as situações concretas – é porque estamos diante de um princípio.

Em relação ao critério de colisão, Robert Alexy [07] esclarece que o conflito entre regras apenas pode ser solucionado quando uma das regras possui uma cláusula de exceção:

Um exemplo de um conflito de regras que pode ser eliminado através da introdução de uma cláusula de exceção é o que se dá entre a proibição de abandonar a sala antes de que toque o sinal de saída e a ordem de abandoná-la em caso de alarme de incêndio. Se ainda não tiver tocado o sinal e se dá o alarme de incêndio, estas regras conduzem a juízos concretos de dever ser contraditórios entre si. Este conflito se soluciona introduzindo na primeira regra uma cláusula de exceção para o caso do alarme de incêndio. (tradução nossa)

Assim, percebe-se que o conflito entre regras pode ser resolvido de duas formas. Havendo a aplicabilidade de duas regras com conseqüências contraditórias diante de um caso concreto, buscar-se-á resolver o conflito através de uma cláusula de exceção, do contrário, declarar-se-á inválida uma das regras.

Como dito, no conflito entre princípios a solução é absolutamente distinta. Enquanto entre regras se analisa a validade, na colisão entre princípios, como apenas podem conflitar princípios válidos, leva-se a cabo a dimensão de peso, realizando para tanto a técnica da ponderação em cada situação fática. Significa dizer que, diante de certas circunstâncias um princípio pode possuir mais peso do que outro, mas diante de outras circunstâncias, a questão de precedência pode ser solucionada de maneira exatamente inversa.

Robert Alexy [08], ademais, preconiza que os princípios são verdadeiros mandados de otimização, significando defini-los como normas determinantes de cumprimento na maior medida possível, de acordo com as possibilidades jurídicas e fáticas existentes. Dessa maneira, os princípios podem ser obedecidos em diferentes graus, ao passo que as regras ou são cumpridas ou descumpridas, inexistindo um cumprimento de seu preceito de forma mais ou menos intensa.

1.2. Princípio da proporcionalidade ou regra da proporcionalidade?

No Brasil, a expressão princípio da proporcionalidade é aceita sem grandes controvérsias terminológicas, porém há posicionamentos peculiares considerando errônea a utilização da denominação princípio.

O constitucionalista Virgílio Afonso da Silva [09] atenta para esse particular, afirmando que em verdade o chamado princípio da proporcionalidade "não pode ser considerado um princípio, pelo menos não com base na classificação de Alexy, pois não tem como produzir efeitos em variadas medidas, já que é aplicado de forma constante, sem variações".

Como já demonstrado neste trabalho, Robert Alexy [10] classifica as normas jurídicas em regras e princípios, baseando-se na forma de aplicação da norma como critério de diferenciação. E Virgílio Afonso da Silva [11] explica a teoria de Alexy com propriedade:

Regras expressam deveres definitivos e são aplicadas por meio de subsunção. Princípios expressam deveres prima facie, cujo conteúdo definitivo somente é fixado após sopesamento com princípios colidentes. Princípios são, portanto, "normas que obrigam que algo seja realizado na maior medida possível, de acordo com as possibilidades fáticas e jurídicas"; são, por conseguinte, mandamentos de otimização.

De fato, toda a explanação apresentada por Virgílio Afonso da Silva corresponde aos ensinamentos de Alexy. Destaca-se, todavia, que o entendimento de Alexy [12], desenvolvido na obra Teoría de los Derechos Fundamentales, é que a máxima da proporcionalidade, com as suas três submáximas, possui natureza de princípio, pelo menos quando incidente sobre normas fundamentais, na medida em que possuem caráter de princípios. Veja-se:

Já se tem insinuado que entre a teoria dos princípios e a máxima da proporcionalidade existe uma conexão. Esta conexão não pode ser mais estreita: o caráter de princípio implica a máxima da proporcionalidade, e esta implica aquela. Que o caráter de princípio implica a máxima da proporcionalidade significa que a máxima da proporcionalidade, com suas três máximas parciais da adequação, necessidade (postulado do meio mais benigno) e da proporcionalidade em sentido estrito (o postulado de ponderação propriamente dito) se infere logicamente do caráter de princípio, é dizer, é dedutível dele. O Tribunal Constitucional Federal disse, numa formulação algo escura, que a máxima da proporcionalidade resulta "já no fundo da própria essência dos direitos fundamentais". No que segue, haverá de mostrar que isso vale em um sentido estrito quando as normas fundamentais têm caráter de princípio. (tradução nossa)

Adiante será demonstrado que o princípio da proporcionalidade se subdivide em três subprincípios, quais sejam: a adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito. Como visto, Alexy [13] classifica os princípios como mandados de otimização, de acordo com as possibilidades jurídicas e fáticas. Seguindo Alexy, a máxima da proporcionalidade em sentido estrito consiste em mandado de otimização com relação às possibilidades jurídicas. Ao passo que as máximas da adequação e da necessidade seguem o caráter de princípios como mandados de otimização com relação às possibilidades fáticas.

Desta feita, considerando os ensinamentos expostos e a função da norma da proporcionalidade em controlar as normas restritivas de direitos fundamentais, realizando para tanto a ponderação dos direitos envolvidos, dar-se-á preferência ao termo princípio no presente trabalho.

1.3. Princípio da proporcionalidade ou princípio da razoabilidade?

Em sentido técnico-jurídico, proporcionalidade não é sinônimo de razoabilidade. Sabe-se que na linguagem laica tais termos guardam a mesma relação, todavia no discurso jurídico quando há o emprego do princípio da proporcionalidade ou do princípio da razoabilidade não se pode tolerar a confusão entre os mesmos. Com acerto Virgílio Afonso da Silva [14] leciona:

Pode-se admitir que tenham objetivos semelhantes, mas isso não autoriza o tratamento de ambos como sinônimos. Ainda que se queira, por intermédio de ambos, controlar as atividades legislativa ou executiva, limitando-as para que não restrinjam mais do que o necessário os direitos dos cidadãos, esse controle é levado a cabo de forma diversa, caso seja aplicado um ou outro critério.

É comumente perceptível a aplicação de tais vocábulos como sinônimos na jurisprudência da Suprema Corte brasileira e nos discursos jurídicos em geral, mas o princípio da proporcionalidade diferencia-se da razoabilidade não só pela sua origem, como também pela sua estrutura e forma de aplicação.

Nos Estados Unidos, em decorrência da evolução da cláusula due process of law, surge o princípio da razoabilidade, mais precisamente no final da década de 30, quando se inicia o direcionamento do devido processo legal para os direitos fundamentais, sempre visando coibir o arbítrio do Poder Público.

Suas origens advêm também da jurisprudência inglesa, tendo por marco a decisão judicial proferida em 1949, que desenvolveu o denominado teste de Wednesbury. Assim, surge na Inglaterra o princípio da irrazoabilidade e não princípio da razoabilidade, que, na fórmula clássica dessa decisão, para um ato ser considerado irrazoável deve ser absurdo, extremo, admitindo a intervenção da corte, tão somente, para se demonstrar que o ato não seria realizado por nenhuma autoridade razoável.

O princípio da proporcionalidade, a seu turno, possui origens na Europa Continental, mais precisamente na Alemanha. A jurisprudência do Tribunal Constitucional alemão definiu uma estrutura racional para a aplicação do princípio da proporcionalidade, dividindo-o em subelementos independentes: adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito, e determinando a aplicação dos mesmos de forma independente e em ordem pré-definida.

Dessa forma, conferiu-se ao princípio da proporcionalidade a individualidade que o diferencia da simples análise da razoabilidade de um ato, ou seja, da relação meio razoável para o fim almejado.

Força concluir que ambos os princípios surgiram com o mesmo genérico fundamento: limitar a atuação do Estado em prol da preservação dos direitos ditos fundamentais. Todavia, a aplicação da razoabilidade ou da irrazoabilidade é mais restrita, ao contrário do princípio da proporcionalidade, que engloba as exigências de seus subprincípios.

Em relação à estrutura e forma de aplicação do princípio da proporcionalidade, o esclarecimento devido se dará ao longo do presente trabalho.

1.4. O princípio da proporcionalidade na ordem constitucional brasileira

Indaga-se se o princípio da proporcionalidade encontra fundamento no direito positivo brasileiro, e, esse questionamento tem recebido respostas diversas.

Apesar da grande divergência doutrinária, dúvida não paira no sentido de que a Constituição da República de 1988 representa um sistema aberto, não se resumindo ao somatório dos seus dispositivos expressos. Existem as normas explícitas e as implícitas, sem qualquer hierarquia entre elas. As normas implícitas, por sua vez, são resultantes não de uma escolha indiscriminada do intérprete, mas de um trabalho de descoberta da jurisprudência e da doutrina.

O denominador comum das variadas concepções jusfilosóficas merece ser lembrado: "o texto normativo não exaure a norma e, portanto, é possível extrair norma mesmo onde não haja texto." [15]

O princípio constitucional da proporcionalidade é fruto dessa concepção, representando um princípio implícito, oriundo da estrutura dos direitos fundamentais, pois eles dependem da aplicação racional dos subprincípios da proporcionalidade para solucionar os conflitos existentes entre si e coexistirem no ordenamento.

Doutra banda, remetendo o princípio da proporcionalidade à sua origem alemã, vale destacar o posicionamento do doutrinador alemão Ulfrid Neumann [16], que afirma ser o princípio da proporcionalidade "derivado do princípio do Estado de Direito, estatuído explicitamente na Constituição (art. 20, n.3, da Constituição alemã)", tendo em vista que "a idéia de que nenhum cidadão deve ser onerado pelo Estado mais do que o necessário e adequado pertence aos princípios constitutivos de uma ordem jurídica". Desta forma, em todo caso, o princípio da proporcionalidade poderá reclamar obrigatoriedade, seguindo esta linha, como princípio geral do direito.

1.5. Conceituações: o princípio da proporcionalidade e seus subprincípios

1.5.1. Princípio da proporcionalidade

Há muitas décadas, o publicista Walter Jellinek, citado por Daniel Sarmento, consagrou o sentido do princípio da proporcionalidade, "ao proclamar, em expressiva metáfora, que não se deve usar canhões para matar pardais." [17]

Com efeito, o princípio constitucional da proporcionalidade visa limitar o exercício do poder, contendo o arbítrio em prol dos direitos e garantias dos indivíduos. Assim, os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário passam a se sujeitar a um controle mais rigoroso e, admite-se, mais subjetivo.

O professor Paulo Bonavides [18], lembrando os ensinamentos de Pierre Muller, preceitua que "o princípio da proporcionalidade é a regra fundamental a que devem obedecer tanto os que exercem quanto os que padecem o poder." Sua função primordial é estabelecer critérios para as limitações à liberdade individual. O princípio da proporcionalidade, em ultima análise, é uma limitação à restrição dos direitos e garantias fundamentais.

Conforme mencionado alhures, a jurisprudência germânica trouxe o princípio da proporcionalidade com uma tríplice dimensão ou subprincípios, quais sejam: adequação, necessidade (ou exigibilidade) e proporcionalidade em sentido estrito. Tais subprincípios se relacionam em uma ordem pré-definida, ou seja, relacionam-se de forma subsidiária entre si, em que a análise da adequação precede a da necessidade, que, por sua vez, precede a da proporcionalidade em sentido estrito.

Voltando-se para o campo do Direito Processual Penal, mais precisamente para a prisão provisória, vê-se que quando o magistrado estiver analisando a necessidade da medida não precisará sempre da aplicação dos três subprincípios para concluir ou não se o ato será abusivo. Essa subsidiariedade é justamente a razão de ser da divisão do princípio da proporcionalidade. Assim, em alguns casos, a aplicação do princípio da proporcionalidade pode-se esgotar com o simples exame da adequação da medida no caso concreto, noutros mais complexos, e somente nesses casos, deve-se partir para a análise da proporcionalidade em sentido estrito.

Esta é uma importante característica sob o ponto de vista prático, para a qual não se tem dado a devida atenção, pois a aplicação do princípio da proporcionalidade em sua estrutura racionalmente definida é completamente ignorada pelos operadores do direito.

1.5.2. Adequação

O subprincípio da adequação impõe que a medida adotada pelo Poder Público deve ser apta à consecução ou, pelo menos, à fomentação do objetivo pretendido. Cinge-se, pois, em analisar a existência de uma relação adequada entre medida e fim. Havendo a destinação de um meio não apropriado, revelando uma desproporção manifesta entre meio e fim, violado está o subprincípio em comento, e esse ato abusivo não pode ser tolerado.

Esclarece-se que adequado não é somente o meio cuja utilização alcança o fim pretendido, mas também aquele que ao ser utilizado fomenta, ou seja, contribui para a realização desse fim.

1.5.3. Necessidade

O subprincípio da necessidade ou exigibilidade, por conseguinte, determina ao Poder Público optar, dentre os meios possíveis para obtenção de determinado fim, por aquele que promova o objetivo pretendido com igual eficiência, mas restrinja em menor intensidade o direito fundamental atingido.

Daniel Sarmento, citando Canotilho, explicita que a análise do subprincípio da necessidade deve compreender:

a) a necessidade material, pois o meio deve ser o mais "poupado" possível quanto à limitação dos direitos fundamentais; b) a exigibilidade espacial, que aponta para a necessidade de limitar o âmbito a intervenção; c) a exigibilidade temporal, que pressupõe a rigorosa delimitação no tempo da medida coactiva pelo poder público; d) a exigibilidade pessoal que significa que a medida se deve limitar à pessoa ou pessoas, cujos interesses devem ser sacrificados. [19]

Desta feita, um ato estatal que limita um direito fundamental apenas será necessário quando se concluir que não apenas este ato é o menos danoso ao direito fundamental, após compará-lo com os outros meios capazes de realizar o fim almejado com a mesma eficiência, mas também que tal ato possui delimitações quanto ao seu âmbito de intervenção, aos sujeitos que serão atingidos e o tempo de duração.

A diferença entre o exame da necessidade e o da adequação é singelo: o exame da adequação é um exame absoluto, enquanto que o exame da necessidade é um exame comparativo.

1.5.4. Proporcionalidade em sentido estrito

Por fim, o subprincípio da proporcionalidade em sentido estrito determina a realização de um exame da relação custo-benefício do ato estatal avaliado, devendo ficar demonstrado que o benefício proporcionado é superior ao ônus imposto. Ou seja, proporciona ao intérprete a realização da técnica da ponderação de interesses, estando de um lado da balança os interesses protegidos com o ato e, do outro, os sacrificados por ele.

Ainda que uma medida limitadora de um direito fundamental mostre-se adequada e necessária para promover um outro direito fundamental, isso não significa dizer, por si só, que ela é uma medida proporcional. Faz-se necessário ainda o exame da proporcionalidade em sentido estrito, que, devido à característica da subsidiariedade na qual os três subprincípios se relacionam, deve ser reservado estritamente para os casos de maior complexidade.

Nos dizeres de Virgílio Afonso da Silva [20] o exame da proporcionalidade em sentido estrito "consiste em um sopesamento entre a intensidade da restrição ao direito fundamental atingido e a importância da realização do direito fundamental que com ele colide e que fundamenta a adoção da medida restritiva." Para tanto não é necessário que a medida restritiva aniquile o direito fundamental sacrificado ou atinja o seu núcleo fundamental. Ainda que a restrição seja pequena, se os motivos que fundamentam a adoção da medida não tiverem peso suficiente para justificá-la, será uma medida desproporcional.

Em síntese, a restrição de um direito fundamental para conformar-se ao princípio da proporcionalidade e ser, por conseqüência, constitucional, deve, a um só tempo, ser apta para ao menos contribuir na realização do objetivo almejado, ser a menos gravosa possível, mas com igual eficiência de outras medidas comparativas para a consecução da finalidade, e possuir desvantagens inferiores aos benefícios proporcionados.


2. A PRISÃO PROVISÓRIA NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

2.1. As medidas cautelares no Processo Penal

O sistema cautelar brasileiro possui, atualmente, várias medidas cautelares reais e pessoais, no entanto, até a edição da recente lei nº 12.403/2011, que será adiante melhor abordada, apenas existia uma única medida cautelar pessoal: a prisão provisória.

As medidas cautelares se direcionam para garantir o resultado útil do processo de conhecimento e do processo de execução, e, em última análise, instrumentalizam o exercício da jurisdição.

Há grande celeuma quanto à existência de um processo cautelar ou ação cautelar propriamente dita no processo penal. Doutrinadores, como José Frederico Marques, citado por Marcellus Polastri Lima [21], entendem que a sistemática processual penal admite um processo cautelar autônomo, juntamente com o processo de conhecimento e o de execução:

[...] afigura-se-nos indiscutível a existência do processo cautelar, ao lado do de conhecimento e do executivo. O fim da atividade jurisdicional nas providências preventivas ou cautelares é diverso daquele que se verifica nas duas outras espécies de processo. E admitido, assim, o processo cautelar, inquestionável será a existência das ações de igual nome.

Por outro lado, há quem entenda como Gustavo Badaró [22], acreditando que, em verdade, não existe um processo penal cautelar autônomo, mas apenas uma jurisdição cautelar exercida incidentalmente em outro processo.

Porém, ainda que não admitido um processo penal cautelar, inegável é a existência de medidas cautelares processuais penais, agora dispostas de forma sistemática no Código de Processo Penal, no título IX e no capítulo V, alterados pela Lei nº 12.403, de 04 de maio de 2011, que será melhor estudada adiante.

Conceituando medidas cautelares, Humberto Theodoro Júnior [23] acentua que estas "não tem um fim em si mesmas, já que toda sua eficácia opera em relação a outras providências que hão de advir em outro processo", ou seja, as medidas cautelares não são medidas satisfativas, mas medidas instrumentais, de modo a garantir a eficácia do processo principal.

Bem verdade é que a tutela cautelar no processo penal, como dito, é prestada por meio de simples medidas cautelares, agindo incidentalmente em outro processo, não havendo, para tanto, a necessidade de um processo autônomo, como ocorre no processo civil. Aliás, deve-se atentar que a doutrina civilista é a grande responsável pelo desenvolvimento dos estudos da cautelaridade, por isso a transposição dos conceitos civis para o processo penal pode ser por demais inconsistente, devido à autonomia e às peculiaridades próprias da tutela cautelar penal.

As medidas cautelares processuais penais, elas podem ser classificadas em medidas cautelares probatórias, reais ou patrimoniais e pessoais. As medidas cautelares relativas à prova são a busca e apreensão e a produção antecipada de prova testemunhal. As medidas cautelares reais, que visam garantir futura reparação civil ex delicto, são as medidas assecuratórias (seqüestro e arresto). As medidas cautelares pessoais, por sua vez, são aquelas relacionadas com a pessoa do acusado, como é o caso das prisões provisórias em todas as suas espécies, as quais se restringe o presente trabalho.

As medidas cautelares pessoais são classificadas em: restritivas de direitos ou restritivas de liberdade. As medidas cautelares pessoais restritivas de direito foram inseridas no Código de Processo Penal após a referida lei n. 12.403/2011, que dispões no art. 319 as medidas cautelares diversas da prisão. Até então, apenas existiam em leis extravagantes, como é o caso da suspensão ou proibição de dirigir veículos automotores da Lei n.º 9.503/97 (Código de Trânsito Brasileiro), e, do afastamento do lar, domicílio ou local de convivência, do acusado de praticar violência doméstica, recentemente introduzida pela Lei n.º 10.455/2002, ratificada pela Lei n.º 11.449/2007, que alterou o art. 69 da Lei n.º 9.099/95.

As medidas cautelares pessoais restritivas de liberdade são todas aquelas que cerceiam o direito de locomoção do réu. Trata-se da prisão provisória, da prisão domiciliar, do recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga, dentre outras, previstas nos arts. 282 e seguintes do CPP, alterados pela mencionada Lei nº 12. 403/2011.

2.2. A prisão provisória

A palavra prisão advém do latim prensione, significando o ato de suprimir a liberdade ambulatória, mediante a clausura do indivíduo. Apresentam-se como suas espécies a prisão ad poenam, isto é, a prisão como pena ou sanção, decorrente de sentença penal condenatória irrecorrível, e a prisão ad custodiam, medida cautelar pessoal, determinada anteriormente à condenação visando fins processuais.

Em verdade, pena é a punição, o castigo, a retribuição da sociedade àquele descumpridor da lei. A pena de prisão apenas pode ser imposta pelo Estado-Juiz, detentor exclusivo do jus puniendi, que, nas lições de Cesare Beccaria [24], surgiu em razão do estado de guerra muito frequente nos primórdios, que fez com que os homens cedessem parte da própria liberdade em prol do bem comum. Ademais, acentua o aludido autor, que "a prisão é uma pena que, por necessidade e diversamente de qualquer outra, deve preceder a declaração do delito".

A prisão provisória, também denominada de prisão cautelar ou prisão processual, se traduz no encarceramento do indivíduo antes de sentença penal condenatória transitada em julgado, ou seja, no cárcere do presumivelmente inocente. Para ser decretada devem estar presentes dois requisitos, quais sejam: o fumus commissi delicti e o periculum libertatis.

Assim, tal medida apenas pode ser imposta quando presentes a probabilidade da ocorrência de um delito (fumus commissi delicti), e não de um direito (fumus boni iuris), cumulativamente com a prova do perigo decorrente do estado de liberdade do acusado (periculum libertatis), o que, no processo civil denomina-se perigo da demora (periculum in mora). O fumus commissi delicti é composto pela prova da existência do crime (materialidade) e dos indícios suficientes de autoria. Sobre o periculum libertatis, terminologia específica para o campo processual penal, Aury Lopes explica:

O risco no processo penal decorre da situação de liberdade do sujeito passivo. Basta afastar a conceituação puramente civilista para ver que o periculum in mora no processo penal assume o caráter de perigo ao normal desenvolvimento do processo (perigo de fuga, destruição da prova) em virtude do estado de liberdade do sujeito passivo. [25]

Ademais, a prisão provisória deve ser pautada no caráter de urgência e necessidade, objetivando assegurar o fim colimado pelo processo penal, possuindo assim, natureza estritamente processual e não penal. Neste sentido, Paulo Rangel adverte:

[...] não podemos confundir prisão cautelar com política pública séria de combate a violência, ou seja, nada tem a ver com a prisão cautelar os altos índices de violência urbana que assolam nosso País. Se há roubos, homicídios, estupros, etc, ocorrendo nas grandes metrópoles, deve o Estado adotar as medidas necessárias para conter essa onda de violência e não culparmos o judiciário que não lançou mão de uma medida cautelar para contê-la. Uma coisa é a certeza de que nas ruas não há polícia, outra, bem diferente, é, em decorrência disso, haver necessidade de, no curso do processo, o réu ser preso. [26]

Ou seja, como anteriormente criticado, as prisões provisórias acabam sendo utilizadas "para construir uma (falsa) noção de ‘eficiência’ do aparelho repressor estatal e da própria justiça. Com isso, o que foi concebido para ser ‘excepcional’ torna-se um instrumento de uso comum e ordinário, desnaturando-o completamente." [27]

Impende destacar que o nosso Código de Processo Penal de 1941, elaborado em pleno regime fascista, possui diretrizes extremamente autoritárias, predominando, no campo das restrições à liberdade individual, a presunção da culpabilidade do acusado, no lugar da presunção constitucional de inocência.

2.3. A difícil coexistência entre o princípio da presunção de inocência e a prisão provisória

O corolário da presunção de inocência, expressamente consagrado no artigo 5º, inciso LVII da Constituição da República de 1988, nas palavras de Beccaria, lembradas pelo professor Aury Lopes [28], significa dizer que um indivíduo "não pode ser considerado culpado antes da sentença do juiz; e a sociedade só lhe pode retirar a proteção pública depois que seja decidido ter ele violado as condições com as quais tal proteção lhe foi concedida".

A presunção de inocência é um princípio fundamental de civilidade, reitor do processo penal constitucional e democrático, primando em proteger o indivíduo. Nesse sentido, determina que o réu seja tratado como inocente, impondo um verdadeiro dever de tratamento que produz variadas conseqüências internas e externas ao processo.

Na dimensão interna, observa-se que a presunção de inocência impõe ao juiz determinar que o ônus da prova caiba inteiramente ao acusador, conduzindo à absolvição, sempre que pairarem dúvidas. Implica, por outro lado, restrição ao uso das prisões provisórias.

Impõe ainda, na dimensão externa ao processo, juntamente com as garantias constitucionais da dignidade da pessoa humana, da preservação da imagem e da privacidade, uma restrição à publicidade, que não dificilmente é utilizada pala mídia de forma abusiva, acarretando uma injusta e precoce estigmatização do réu.

Em decorrência do tema a que se propõe o presente estudo, cabe analisar a dimensão interna do princípio da presunção de inocência, no que tange a restrição à utilização da medida cautelar de prisão.

Fernando da Costa Tourinho Filho [29], integrante de corrente menos radical, afirma que a presunção de inocência deve ser entendida como o direito fundamental "de não sofrer qualquer medida constritiva de liberdade, a não ser nos casos estritamente necessários, ditados por evidente cautela". Ou seja, demonstra que a presunção de inocência não é um direito absoluto, e que pode vir a ser excetuado por meio da prisão provisória justificada pela sua natureza cautelar.

Apesar das inúmeras críticas à custódia cautelar, todas as legislações atuais a trazem em seu bojo, inclusive os pactos e convenções internacionais. Assim, a Convenção Americana de Direitos Humanos de 1969 (Pacto de São José da Costa Rica), verbis:

Art. 7º. Direito à liberdade pessoal: 1. Toda pessoa tem direito à liberdade e à segurança pessoais. 2. Ninguém pode ser privado de sua liberdade física, salvo por causas e em condições fixadas de antemão pelas Constituições Políticas dos Estados-partes ou por leis promulgadas de acordo com elas.

Percebe-se que as legislações, em geral, estão adotando um sistema intermediário para o dilema liberdade ou prisão, pois se é desejável que não houvesse necessidade de se decretar a extremada medida cautelar de prisão, de igual forma deseja-se que inexistisse o cometimento de crimes. Este é o verdadeiro processo penal garantista, que busca ponderar a real necessidade da sociedade de possuir "meios para se defender, processando aqueles que ultrapassam os limites da convivência em comum atingindo os direitos e garantias constitucionais dos cidadãos, com o fim de garantir a futura aplicação da prisão-pena e o bom andamento do processo" [30], com o também direito fundamental de liberdade.

Assim, por se tratar de um conflito entre direitos fundamentais, a melhor solução seria a adoção do princípio da proporcionalidade, juntamente com os princípios da legalidade e da excepcionalidade, objetivando examinar o cabimento da extrema medida coercitiva caso a caso.

2.4. Principiologia das prisões provisórias

Além dos princípios processuais gerais, existem os princípios específicos e particulares das medidas cautelares privativas de liberdade, e, como se disse alhures, serão estes princípios que permitirão a coexistência de uma prisão sem sentença penal condenatória irrecorrível, com a garantia da presunção de inocência.

2.4.1. Jurisdicionalidade

O princípio da jurisdicionalidade impõe que toda prisão provisória só pode ser decretada por órgão judicial competente, em decisão fundamentada.

Na ordem brasileira, a jurisdicionalidade está consagrada no art. 5º, LXI, da Constituição da República, estando intimamente ligada ao due process of law, previsto no inciso LIV do aludido artigo, e, ainda, ao princípio da legalidade, de modo que somente pode ser adotada uma prisão cautelar determinada em lei e nos seus limites da lei, não se admitindo, aqui, o chamado poder geral de cautela.

2.4.2. Provisionalidade

A manutenção da prisão cautelar está condicionada à presença da situação fática que justificou a sua imposição. Nessa linha, a provisionalidade impõe que a medida cautelar de prisão deve ser situacional, e, desaparecendo a situação fática corporificada no fumus commissi delicti e no periculum libertatis, que a legitimou, a medida deve cessar.

Assim preceitua o art. 316 do Código de Processo Penal, em relação à prisão preventiva, mas que deve valer para todas as espécies de prisão provisória, segundo o qual a prisão preventiva, a qualquer tempo, poderá ser revogada, quando verificada a ausência dos motivos que a autorizaram, podendo, ainda, ser novamente decretada, caso apareçam novos motivos que a justifiquem.

2.4.3. Provisoriedade

Diferentemente do princípio anterior, o princípio da provisoriedade está relacionado com o tempo de duração da medida, estatuindo que a prisão cautelar deve ter duração breve, suficiente para tutelar uma situação fática, sob o risco de apresentar caráter de pena antecipada.

O sistema cautelar brasileiro possui uma grande falha ao não estabelecer prazo máximo de duração da medida cautelar de prisão. Reina uma inadmissível indeterminação acerca da prisão preventiva (já que a prisão temporária possui prazo previsto em lei, e as prisões decorrentes de pronúncia e de sentença penal condenatória foram revogadas), podendo perdurar até quando o magistrado entender existir o periculum libertatis.

Existe, sem grande sucesso, apenas posicionamentos jurisprudenciais tentando estabelecer como limite os prazos dos ritos processuais estabelecidos ou para a prática de algum ato específico, considerando que superado esses limites, estaria caracterizado o constrangimento ilegal por excesso prazal, permitindo a liberdade do acusado. Dessa forma, urge uma definição em lei acerca da duração máxima da prisão cautelar, com a devida sanção em caso de descumprimento.

2.4.4. Excepcionalidade

Tendo em vista o elevadíssimo custo que uma medida cautelar de prisão representa, esta deve ser reservada para os casos mais graves. A massificação da prisão cautelar afronta não apenas ao princípio da excepcionalidade, mas também a presunção de inocência. A propósito, Aury Lopes Jr. [31] afirma que na prática brasileira "as prisões cautelares estão excessivamente banalizadas, a ponto de primeiro se prender, para depois ir atrás do suporte probatório que legitime a medida".

Enfim, infelizmente os princípios estão sendo tratados como normas mortas, fazendo com que a prisão cautelar, medida que deveria ser excepcional, seja a regra do sistema.

2.4.5. Proporcionalidade

A proporcionalidade é o principal sustentáculo da prisão provisória, sendo este o tema a que se propõe o presente trabalho, paulatinamente estudado.

Além da observância dos demais princípios e dos requisitos necessários para a decretação da medida cautelar pessoal de prisão (fumus commissi delicti e periculum libertatis), a conduta do juiz frente ao caso concreto deve ser norteada pelo princípio da proporcionalidade, coma a aplicação racional dos seus subprincípios da adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito.

Em última análise, a proporcionalidade impõe realizar a ponderação entre o direito à liberdade e o direito de punir, os dois interesses opostos em torno dos quais gira o processo penal, e, juntamente com o princípio da excepcionalidade, determina que a prisão provisória deve ser reservada para os casos mais graves.

2.5. As espécies de prisão provisória

A Carta Maior assegura, no artigo 5º, inciso LXI, que "ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei" (grifo nosso).

A segregação, seja provisória ou definitiva, somente poderá ser imposta quando ordenada por juiz competente em decisão fundamentada. Estando diante de uma prisão sem pena, pautada na cautelaridade e na excepcionalidade, esses requisitos se tornam ainda mais imperiosos.

Atualmente, o ordenamento jurídico, excetuando a seara do Direito Militar, que não é objeto deste estudo, prevê três formas de prisão cautelar ou provisória: a prisão em flagrante, a prisão preventiva, previstas no Código de Processo Penal, e a prisão temporária, regida na Lei nº 7.960/1989. Somada a essas formas havia a prisão decorrente de pronúncia e a prisão em virtude de sentença penal condenatória recorrível, espécies revogadas, ambas, pelas leis nº 11.689 e nº 11.719, todas de 2008.

Para a decretação da prisão provisória ou a sua manutenção, em todas essas espécies, necessária se faz a existência de requisitos gerais e peculiares de cada uma, mas, em todas, é imperiosa a concorrência dos subprincípios da proporcionalidade.

2.5.1. A prisão em flagrante

Prisão em flagrante delito é aquela que ocorre no momento ou logo após o cometimento do crime, devendo ser efetivada por autoridade policial (obrigação) ou podendo ser por qualquer pessoa do povo (faculdade), nos termos do art. 301 do Código de Processo Penal.

Como demonstrado, para efetivar uma prisão em flagrante não é exigido ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente. A Lei Maior traz essa exceção por razões óbvias. Não teria sentido a lei permitir a prisão no momento da perpetração do delito e, ao mesmo tempo, exigir uma ordem judicial escrita. Contudo, posteriormente, terá que ser submetida ao crivo da homologação judicial. Nesse momento, entendendo o juiz que inexiste qualquer das hipóteses que autorizam a prisão preventiva, ou, que há alguma causa excludente de ilicitude, deverá conceder a liberdade provisória do indiciado.

A natureza jurídica da prisão em flagrante vem sendo bastante discutida pela doutrina. Doutrinadores como Tourinho Filho [32] comungam o entendimento de que a prisão em flagrante possui caráter cautelar, pois que objetiva primordialmente a obtenção de prova da materialidade do fato e da respectiva autoria. E afirma o aludido autor:

A prisão em flagrante, como toda e qualquer prisão provisória, só se justifica se tiver um caráter cautelar; do contrário, haverá desrespeito à Constituição Federal. E essa cautelaridade existirá tão somente nas hipóteses em que a prisão for necessária para preservar a instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal. (grifo do autor)

Aury Lopes Jr. [33] afirma que é um equívoco classificar a prisão em flagrante como medida cautelar e, que, em verdade, o legislador consagrou o caráter pré-cautelar da prisão em flagrante, tendo em vista que ela "não se dirige a garantir o resultado final do processo, mas apenas destina-se a colocar o detido à disposição do juiz para que adote ou não uma verdadeira medida cautelar". Explica, ademais, que por ser uma medida precária é que pode ser praticada por qualquer particular, objetivando apenas evitar a continuidade da ação delitiva do autor.

2.5.2. A prisão preventiva

A prisão preventivaconsubstancia medida cautelar decretada por autoridade judiciária competente durante a persecução criminal, em ordem escrita e fundamentada na existência do fumus commissi delicti (prova da existência do crime e indícios suficientes de autoria) e do periculum libertatis (demonstração concreta de que a liberdade do imputado colocará em risco a garantia da ordem pública ou da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, para assegurar a aplicação da lei penal ou por descumprimento das obrigações impostas por outras medidas cautelares). Esta última hipótese de decretação da prisão preventiva foi inserida pela Lei nº 12.403/2011, que alterou o art. 312 do CPP, acrescentando mais uma modalidade de prisão preventiva.

Trata-se da principal espécie de prisão cautelar do ordenamento jurídico brasileiro, em razão da sua amplitude e do seu caráter eminentemente acautelatório.

2.5.3. A prisão temporária

A prisão temporária, instituída pela Lei nº 7.960/1989, que substituiu a Medida Provisória nº 111/1989, "é a prisão de natureza cautelar, com prazo preestabelecido de duração, cabível exclusivamente na fase do inquérito policial, objetivando o encarceramento em razão das infrações seletamente indicadas na legislação" [34], elencadas no art. 1º, inc. III da mencionada lei.

A doutrina majoritária [35] interpreta o aludido artigo no sentido de que a prisão temporária apenas pode ser decretada quando houver fundadas razões de autoria ou participação do indiciado nos crimes expressamente previstos no inciso III, devendo haver ainda a incidência de uma das hipóteses dos incisos I ou II, demonstrando que a prisão temporária é imprescindível para a investigação (inciso I) ou que o indiciado não tem residência fixa ou não fornece elementos suficientes para esclarecer a sua identidade civil (inciso II).

Impende destacar que, com as alterações trazidas pela comentada Lei nº 12.403/2011, a lei da prisão temporária (Lei nº 7.960/89) poderá cair em desuso parcial, vez que o novo art. 313, em seu parágrafo único, admite a decretação da prisão preventiva "quando houver dúvida sobre a identidade civil da pessoa ou quando esta não fornecer elementos suficientes para esclarecê-la". Assim, nesse caso, em vez da prisão temporária, agora também pode ser decretada a prisão preventiva.

2.5.3. A prisão decorrente de pronúncia e sentença condenatória recorrível

Como dito, essas duas espécies de prisão provisória não mais existem no nosso ordenamento jurídico.

A Lei nº. 11.689, de 9 de junho de 2008, alterou todo o rito dos processos de competência do Tribunal do Júri, extinguindo a prisão em decorrência da decisão de pronúncia, que encerra a primeira fase deste procedimento e remete o réu ao julgamento pelo jurados. Agora, conforme a nova redação do art. 413, § 3º, do Código de Processo Penal, deverá o juiz, ao pronunciar o réu, decidir, motivadamente, sobre a manutenção, revogação ou substituição da prisão provisória anteriormente decretada, ou, no caso de acusado livre, sobre a decretação de sua prisão.

A prisão decorrente de sentença condenatória recorrível, prevista no art. 393, I, do Código de Processo Penal, como um dos efeitos da sentença condenatória, por incompatível com os ditames constitucionais, foi regulamentada pelo parágrafo único, do art. 387, do Código de Processo Penal, acrescentado pela Lei nº. 11.719, de 20 de junho de 2008, exigindo que o juiz decida fundamentadamente, em sede de sentença condenatória, sobre a manutenção ou imposição de prisão provisória, sem prejuízo do conhecimento de eventual apelação que venha o réu interpor.


3. O PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE NAS PRISÕES PROVISÓRIAS

3.1. O direito processual penal de emergência e o uso indiscriminado das prisões provisórias

Infelizmente, no Brasil, as prisões provisórias estão excessivamente banalizadas, por inseridas na cultura de emergência, que proporciona apenas um efeito sedante da opinião pública pela ilusória sensação de eficácia do sistema penal.

No entanto, para se compreender a situação emergencial em que o processo penal está inserido, há de se ter consciência da crise social que a originou. A realidade da sociedade brasileira, e de tantas outras da América Latina, mostra a ineficácia da Constituição Federal democrática, tendo em vista que o sistema econômico da globalização reduz, cada vez mais, a possibilidade de efetivação dos direitos e garantias fundamentais da classe excluída.

Esse não-Estado de Direito, e o próprio sentimento de injustiça que o permeia, faz surgir um crescente índice de criminalidade na população carente, como resposta à exclusão social. Assim, por decorrência lógica, a crise social acaba gerando a crise do sistema penal. O Estado passa a utilizar indiscriminadamente da medida cautelar de prisão como forma de repressão à criminalidade, ao invés de implementar políticas públicas capazes de minimizar a exclusão dessa parcela da sociedade.

Sem dúvida, a prisão provisória revela-se o meio mais drástico escolhido pelo legislador para resguardar os fins do processo, a "mais violenta medida processual penal que pode ser imposta contra uma pessoa sujeita a persecutio criminis" [36]. E essa utilização indiscriminada e desproporcional da medida, acaba por confirmar "a incoerência com a proclamada presunção de inocência mascarada pelo patético sofisma do caráter não penal do instituto." [37]

O processo penal de emergência rompe as formalidades processuais e desconsidera os princípios e direitos constitucionais, objetivando alcançar a ordem social através da punição antecipada, a todo custo, do acusado ou investigado. Utiliza-se da prisão provisória como um paliativo, que como tal, apenas soluciona aparentemente os conflitos sociais.

Como bem salienta Maria Kato [38], indubitavelmente, o processo penal de emergência almeja "assegurar, dentro do contexto do caos e da desordem, o controle do réu, por um instrumento técnico significativo, que é a prisão provisória". A sociedade não é capaz de tolerar, o que é compreensível, a condenação e a execução da pena do acusado, após um julgamento transitado em julgado. Por, na grande maioria, não saber diferenciar o instituto da prisão cautelar e o da prisão pena, a sociedade acredita que a prisão cautelar é um instrumento de punição utilizado pelo Estado. Assim, o Estado, buscando atender o clamor social, aplica a medida cautelar de prisão, como um analgésico, mostrando uma aparente retribuição célere ao mal causado pelo "indivíduo culpado". Contudo, quando cessa a custódia cautelar, decai uma profunda decepção, acreditando a sociedade que o Estado deixou de punir o culpado, quando, em verdade, a sanção sequer fora aplicada.

Por isso, o Estado passa a utilizar a prisão provisória de maneira desmedida e indevida, aniquilando a presunção de inocência e o devido processo legal, bem como, transmudando a razão de ser desse instituto, que nasceu para proporcionar o provimento final da jurisdição, não para servir de pena antecipada ou recurso atenuatório da crise social.

Com isso surge um grande desafio: alcançar o equilíbrio entre as medidas cautelares utilizadas pelo Estado, para alcançar o provimento final do processo, e os direitos e garantias individuais assegurados na Constituição, ainda que "a cultura subjacente na sociedade os veja em determinados momentos como mecanismos de proteção dos criminosos" [39]. O Estado Democrático de Direito tem o dever de manter a segurança da sociedade e, ao mesmo tempo, garantir a proteção dos direitos fundamentais de todos os indivíduos que a integra. Então, até que ponto pode o Estado restringir os direitos individuais para manter a ordem e proporcionar a segurança coletiva?

A solução para essa embate é a adoção racional dos subprincípios da proporcionalidade caso a caso, pois se é certo que devem ser assegurados os direitos fundamentais do suposto infrator, certo também é o direito à segurança, bem como os direitos individuais da vítima, que, a depender do caso, necessitam da prisão cautelar para serem preservados.

Marcellus Polastri Lima [40], parafraseando Aury Lopes Júnior, esclarece:

O dilema liberdade ou prisão deve ser resolvido de forma eclética. Deve se adotar um sistema intermediário, nem a prisão nem a liberdade em todos os casos. Pensamos que, mesmo em caso de prisão, como se trata de um conflito entre direitos igualmente fundamentais, existem limites legais que deverão estar presididos pelos princípios da legalidade, excepcionalidade e proporcionalidade.

Nesse sentido, tem que se ter em mente que a extrema medida cautelar de prisão não pode ser abolida, pois a liberdade em todos os casos seria um desequilíbrio, necessitando, todavia, que a necessidade de utilizá-la seja ponderada frente ao princípio da proporcionalidade.

3.2. A prisão provisória proporcional

No primeiro capítulo deste trabalho foi demonstrado que o princípio da proporcionalidade desempenha a função primordial de estabelecer critérios para as limitações à liberdade individual, sendo por essa razão considerado o princípio que restringe a limitação dos direitos e garantias fundamentais. Abordou-se, ademais, a importância da aplicação racional dos seus subprincípios da adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito, nos moldes da jurisprudência germânica, bem como que tais subprincípios possuem uma ordem pré-definida e se relacionam de forma subsidiária entre si, razão pela qual nem sempre será necessária a aplicação dos três subprincípios para concluir ou não se o ato será abusivo.

Nesse sentido, pode-se afirmar que a medida cautelar de prisão, objeto de estudo, apenas estará perfeitamente justificada se fundamentada e utilizada com respeito ao princípio da proporcionalidade, do contrário, esta medida se afigurará desproporcional e, por conseguinte, inconstitucional.

3.2.1. O subprincípio da adequação

A análise da adequação precede a dos demais subprincípios, por força da ordem pré-estabelecida que eles possuem. Dessa forma, quando o juiz for decidir sobre a manutenção ou imposição de uma prisão provisória deverá observar se este é um meio apto para alcançar ou, ao menos fomentar, o resultado pretendido, do contrário, violado está o subprincípio em comento, e esse ato abusivo não pode ser tolerado.

Para fins didáticos, passar-se-á a analisar os subprincípios da proporcionalidade incidindo em um caso prático. Assim, considere-se o exemplo de uma pessoa acusada de cometer o crime de estelionato, previsto no art. 171 do Código Penal brasileiro, com pena de reclusão de 1 (um) a 5 (cinco) anos, e multa, com o seguinte caso hipotético: João falsifica cupons que dão direito à troca por mercadorias no hipermercado, porém, no momento em que tenta induzir a funcionária a erro, esta percebe a fraude nos documentos e chama os seguranças do estabelecimento, que o prendem em flagrante delito.

O juiz, ao receber o flagrante, nos termos do art. 310 do CPP (alterado pela Lei nº 12.403/2011), converte a prisão em flagrante em preventiva, sob o fundamento de que esta se faz necessária para assegurar a da aplicação da lei penal (art. 312 do CPP), tendo em vista as informações de que o acusado está planejando viajar sem informar ao juízo o seu destino, fato este temerário ao provimento jurisdicional.

Ressalta-se, ademais, que o acusado é primário e possuidor de bons antecedentes, vale dizer, não responde a nenhum outro inquérito policial ou processo criminal, bem como não há contra ele sentença condenatória transitada em julgado, pela prática de crime anterior.

Diante de tais circunstâncias, caberia ao juiz, antes decretar a prisão preventiva, analisar a ocorrência das formalidades do ato e a presença dos requisitos autorizadores para a decretação da preventiva, juntamente com a verificação da proporcionalidade da medida no caso concreto, aplicando, para tanto, os subprincípios da proporcionalidade.

Nesse sentido, ao juiz competiria primeiramente examinar a adequação da medida, vale dizer, verificar a aptidão da medida para alcançar ou ao menos fomentar o objetivo visado.

No caso em comento, a prisão preventiva de João foi decretada objetivando assegurar a aplicação da lei penal, diante das circunstâncias que demonstram que ele está pretendendo fugir. Dessa forma, apesar de ser questionável se a imposição da prisão é a medida mais adequada para alcançar esse fim, é inegável que, devido ao seu caráter repressivo, a medida irá evitar, ou ao menos contribuir, para que o acusado não saia do distrito de culpa.

Pode-se dizer, então, que a prisão preventiva nesse caso específico é adequada, nos termos exigidos pelo princípio da proporcionalidade.

3.2.2. O subprincípio da necessidade

Já foi dito que um ato estatal que restrinja direitos fundamentais somente é necessário quando o objetivo pretendido não possa ser alcançado, com igual eficiência, por meio de um outro ato menos gravoso.

Pois bem. Considerando o caso hipotético de João, que teve sua prisão preventiva decretada para assegurar a aplicação da lei penal, caberia ao juiz, nesse segundo momento, realizar uma análise comparativa, ou seja, verificar se existe outra medida, menos gravosa, mas que seja capaz de alcançar o objetivo pretendido com igual eficiência.

Sabe-se que, no caso à baila, o objetivo é evitar a fuga do acusado, ou melhor, que ele vá para local incerto. Então, eis que surgem as seguintes indagações: Existe outro meio menos gravoso para alcançar esse fim? Esse meio menos gravoso é tão eficiente quanto a medida cautelar de prisão? Se a resposta for positiva para as duas perguntas, e só nesse caso, poder-se-á dizer que a prisão preventiva não é necessária. Ou seja, ainda que se encontrem medidas que restrinjam menos o direito à liberdade do indivíduo, faz-se necessário ainda analisar se tais possuem igual eficiência para alcançar o objetivo determinado.

No caso de João, outra medida menos gravosa para evitar ou contribuir para que ele não se mude ou viaje para local desconhecido seria, por exemplo, a proibição de ausentar-se da comarca, ou mesmo, o monitoramento eletrônico, que representaria a liberdade vigiada, medidas cautelares previstas no art. 319, incisos IV e IX, do Código de Processo Penal, alterado pela Lei nº 12.403/2011. Contudo, é forçoso dizer que esses meios não possuem a mesma eficácia em comparação à prisão preventiva, tendo em vista que, com a imposição da prisão em estabelecimento estatal, João terá sua liberdade ainda mais restringida, tornando mais difícil a sua possível fuga, ou seja, contribuindo mais eficazmente para alcançar o fim almejado.

Dessa forma, verifica-se que a prisão preventiva de João também é necessária. Resta saber se esta medida é proporcional em sentido estrito.

3.2.3. O subprincípio da proporcionalidade em sentido estrito

Em razão da subsidiariedade que permeia esses três subprincípios, não é necessário que o juiz analise todos para concluir que um ato é abusivo ou não, em alguns casos, a aplicação do princípio da proporcionalidade pode esgotar-se com o simples exame da adequação da medida no caso concreto, noutros, com o exame da necessidade, contudo, em casos mais complexos, e apenas nestes, será preciso partir para a análise da proporcionalidade em sentido estrito.

A proporcionalidade em sentido estrito da prisão provisória consiste, em verdade, no sopesamento entre a intensidade da restrição ao direito à liberdade do indiciado ou acusado e a importância da realização dos meios necessários para garantir o Jus Puniendi, que busca a justa tutela dos direitos fundamentais da vítima e da sociedade como um todo. Devendo, por fim, ficar demonstrado que o benefício proporcionado com a imposição da medida é superior ao ônus gerado.

No campo das prisões provisórias, todavia, esse subprincípio ganha uma amplitude maior. Equivale ao que alguns doutrinadores denominam de "dever de homogeneidade", entre a medida cautelar e a possível pena a ser aplicada. Para tanto, a doutrina de Paulo Rangel é esclarecedora:

A medida cautelar a ser adotada deve ser proporcional a eventual resultado favorável ao pedido do autor, não sendo admissível que a restrição à liberdade, durante o curso do processo, seja mais severa que a sanção que será aplicada caso o pedido seja julgado procedente. A homogeneidade da medida é exatamente a proporcionalidade que deve existir entre o que está sendo dado e o que será concedido. [41] (grifo nosso)

Ou seja, se a medida de prisão mostrar-se mais gravosa do que a sanção que poderá ser imposta ao acusado em caso de condenação, deve ser considerada abusiva de plano, por absoluta desproporcionalidade entre o meio (prisão provisória) e o fim que se pretende acautelar (provimento jurisdicional).

Nesse sentido, a aplicação do subprincípio da proporcionalidade em sentido estrito, especificamente na medida cautelar de prisão, deve se dar, antes de qualquer coisa, através da ponderação entre a gravidade da medida e da possível sanção que poderá ser imposta ao réu.

Todavia, para descobrir essa "pena provável" diante do caso concreto, o que é plenamente factível ao juiz, dever-se-á analisar a pena em abstrato do crime somando-se às condições pessoais do acusado (primariedade e bons antecedentes) para saber se este fará jus aos institutos legais da suspensão condicional do processo (art. 89 da Lei nº 9.099/95), da transação penal (art. 76 da Lei nº 9.099/95), da substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos (art. 44 do CP), da suspensão condicional da pena (art. 77 do CP) e, por fim, ao regime aberto ou semiaberto (art. 33 do CP).

Nesse sentido, a título exemplificativo, seria desproporcional decretar a prisão preventiva nos crimes: cometidos sem violência ou grave ameaça, cuja perspectiva eventual de pena seja inferior a quatro anos, pois caberá a substituição da pena privativa de liberdade, nos termos do art. 44 do Código Penal; que permitam a suspensão condicional do processo ou a transação penal, institutos regulados pela Lei nº 9.099/95; que a pena projetada não seja superior a 2 anos, por ser possível a concessão da suspensão condicional da pena prevista no art. 77 do Código Penal; por fim, quando o regime de cumprimento de eventual pena a ser aplicada seja o aberto ou o semiaberto, regulados no art. 33 do Código Penal.

Em síntese, a prisão provisória "jamais poderia ser decretada quando a infração não admitisse pena privativa de liberdade em regime fechado" [42]. Como permitir a prisão preventiva em crimes de receptação, estelionato, apropriação indébita, furto, e outros, em que o réu, se condenado, não será submetido a pena privativa de liberdade em regime inicial fechado?

Admitindo-se a prisão cautelar nesses casos o contrassenso estaria formado: "o mal causado durante o curso do processo é bem maior do que aquele que, possivelmente, poderia ser infligido ao acusado quando de seu término." [43]

Para tanto, como dito, resta ao juiz fazer uma análise caso a caso da pena provável, partindo de prognose pelo resultado mais grave, antes de impor a medida cautelar de prisão e, quando esta se revelar mais grave do que aquela, a prisão provisória não deverá ser aplicada, por absurdamente desproporcional. Contudo, como bem aduz Antônio Scarance Fernandes [44], infelizmente, "tem-se relutado muito no Brasil em trabalhar com a pena provável como parâmetro para a atuação de alguns institutos processuais", ao contrário da maioria dos países.

De fato, o subprincípio da proporcionalidade em sentido estrito das prisões provisórias está longe de ser observado na prática brasileira. Fernando Vernice dos Anjos [45] apresenta dados, estimados em poucos anos atrás, da cidade de São Paulo, demonstrando que "o tempo médio de permanência de uma pessoa presa processualmente por furto e condenada à pena restritiva de direitos no final do processo é de 71,59 dias."

Essa realidade é inadmissível. Como leciona Eugênio Pacelli de Oliveira [46], se a imposição de uma medida cautelar de prisão "pudesse trazer conseqüências mais graves que o provimento final buscado na ação penal, ela perderia a sua justificação, passando a desempenhar função exclusivamente punitiva". Em verdade, com a inobservância da proporcionalidade entre meio e fim, a prisão cautelar transmuda-se em pena antecipada, e o que é pior, em pena mais gravosa do que poderia ser aplicada.

Logo, aplicar o subprincípio da proporcionalidade em sentido estrito consiste em examinar a proporcionalidade entre a imposição da prisão provisória com a possível pena a ser aplicada, e, para que isso ocorra, como dito, "a violência exercida como medida de coerção nunca pode ser maior de que a violência que, eventualmente, se poderá exercer mediante a aplicação da pena, no caso de provar-se o delito em questão" [47].

Assim, submetendo o caso hipotético, trazido para melhor elucidar o presente estudo, ao exame da proporcionalidade em sentido estrito, deve ser questionado se o objetivo de evitar uma possível fuga do acusado João (assegurar a aplicação da lei penal) e, em última análise, o direito de punir do Estado, com a decretação da prisão preventiva, justificaria a limitação à sua liberdade ambulatorial.

Ponderando a medida cautelar de prisão, de um lado da balança estará o direito de punir e do outro o direito à liberdade de locomoção. Se a prisão se mostrar mais gravosa do que a eventual sanção que o réu poderá obter em caso de condenação, não há como se atribuir maior peso ao direito de punir do Estado. ***

Nesse sentido, deverá o juiz fazer uma prévia análise da pena que poderá ser imposta ao réu. No caso de João, lembrando que ele é primário e possuidor de bons antecedentes, fica fácil ao juiz concluir que não será imposta a ele a pena máxima de 5 (cinco) anos prevista para o crime de estelionato. Assim, poderá obter a suspensão condicional do processo, por ser a pena mínima cominada ao crime igual a 1 (um) ano; a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, tendo em vista que a pena provável não será superior a 4 (quatro) anos; ou, na pior das hipóteses, iniciará o cumprimento da pena em regime inicial aberto.

Sobre o instituto da suspensão condicional do processo, criado pela Lei nº. 9.099/95, com previsão em seu art. 89, André Luiz Nicolitt [48] comenta:

Sob a ótica processual, a lei criou uma hipótese legal de suspensão condicional do processo exigindo para tanto a presença dos seguintes requisitos, não olvidando a admissibilidade da denúncia: a) crime com pena mínima cominada igual ou inferior a 1 (um) ano; b) o acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime; c) os demais requisitos do art. 77 do CP; e d) a vontade do acusado. No que se refere ao aspecto material, a lei criou uma forma de extinção da punibilidade cujo requisito é a expiração do período de prova sem a revogação, ex vi § 5º do art. 89: expirado o prazo sem revogação, o juiz declara extinta a punibilidade. (grifo do autor)

Doutra banda, segundo o artigo 44 do Código Penal, que preceitua "os requisitos necessários e indispensáveis para que o juiz possa levar a efeito a substituição da pena privativa de liberdade pela restritiva de direitos" [49], se não fosse concedida ao João a suspensão condicional do processo, ainda poderia obter esse benefício, pois o crime de estelionato é cometido sem violência ou grave ameaça, a pena provável imposta não será maior do que 4 (quatro) anos e trata-se de réu primário e possuidor de bons antecedentes.

Por fim, caso João não preenchesse os requisitos necessários para concessão da suspensão condicional do processo ou da substituição da pena privativa de liberdade pela restritiva de direito, teria direito de iniciar o eventual cumprimento da pena privativa de liberdade em regime aberto, consoante a regra do art. 33, § 2º, alínea "c", do Código Penal. In verbis:

Art. 33. A pena de reclusão deve ser cumprida em regime fechado, semi-aberto ou aberto. A de detenção, em regime semi-aberto, ou aberto, salvo necessidade de transferência a regime fechado.

§ 2º. As penas privativas de liberdade deverão ser executadas em forma progressiva, segundo o mérito do condenado, observados os seguintes critérios e ressalvadas as hipóteses de transferência a regime mais rigoroso:

a) o condenado a pena superior a 8 (oito) anos deverá começar a cumpri-la em regime fechado;

b) o condenado não reincidente, cuja pena seja superior a 4 (quatro) anos e não exceda a 8 (oito), poderá, desde o princípio, cumpri-la em regime semi-aberto;

c) o condenado não reincidente, cuja pena seja igual ou inferior a 4 (quatro) anos, poderá, desde o início, cumpri-la em regime aberto.

Conclui-se então que, embora a decretação da prisão preventiva de João tenha sido considerada adequada e necessária, não se pode dizer que esta medida seja proporcional em sentido estrito, tendo em vista que o mal causado com a imposição da medida (privação de liberdade) é bem maior do que aquele que poderá ser imposto em caso de condenação (pena restritiva de direitos).

Dessa forma, a decretação da prisão preventiva, nesse caso hipotético, que representa os inúmeros da vida real, deverá ser considerada desproporcional e, portanto, inconstitucional, por infringir umas das facetas do princípio constitucional da proporcionalidade.

Restaria ao juiz impor, se necessário, outra medida cautelar, que, para esse caso de João, que busca evitar possível fuga, como visto, poderia ser a imposição da medida cautelar de proibição de ausentar-se da comarca, ou mesmo, o monitoramento eletrônico, previstas no art. 319, incisos IV e IX, respectivamente, alterado pela Lei nº 12.403/2011.

Portanto, para que a prisão provisória seja considerada proporcional deve ser ao mesmo tempo, apta para alcançar ou fomentar o objetivo pretendido, a medida que menos restrinja o direito à liberdade, mas que alcança o objetivo pretendido com igual eficiência, e menos gravosa do que a pena provável que poderá ser imposta ao réu. Basta a ausência de uma dessas características para a mesma ser considerada desproporcional.

A proporcionalidade da prisão cautelar, sob o crivo dos subprincípios da adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito, é, assim, a medida de sua legitimação, a sua ratio essendi.

3.3. As reformas legislativas e a adoção de um modelo polimorfo no sistema cautelar brasileiro

A aplicação dos subprincípios da proporcionalidade e, por exemplo, não decretar a prisão provisória quando a infração não admitir pena privativa de liberdade em regime fechado, parece lógica, porém, por não haver restrição na legislação infraconstitucional, muitos juízes determinam essa medida extremosa, convictos de que estão agindo da melhor forma. Esquecem-se, dessa forma, que o princípio constitucional da proporcionalidade, bem como os outros princípios específicos das prisões provisórias, como o da excepcionalidade, provisoriedade e provisionalidade, devem nortear todo ato estatal.

No entanto, para diminuir ou até mesmo aniquilar essa utilização indiscriminada das prisões provisórias com a aplicação racional dos subprincípios da proporcionalidade, primeiramente, faz-se necessário que a legislação traga outras medidas cautelares diversas da prisão, pois, como bem acentua José Carlos Mascari Bonila [50]:

A escala de graduação, que se estabelece pela existência de, por exemplo, fiança; liberdade vinculada; arresto; hipoteca legal, seqüestro, apreensão e prisões, indica a possibilidade de ser evitado o encarceramento no curso do processo, deixando a privação de liberdade para a hipótese mais extremada.

O ordenamento jurídico brasileiro estava aquém dos demais por não trazer em seu bojo medidas cautelares pessoais entre a liberdade e a prisão, dificultando a aplicação do princípio da proporcionalidade, que tem como uma de suas finalidades, buscar uma outra medida menos gravosa do que a prisão.

Contudo, a recente edição da Lei nº 12.403, de 4 de maio de 2011, trouxe um grande avanço para a matéria das medidas cautelares no sistema pátrio.

Mudanças precisavam acontecer, tendo em vista que para exigir a aplicação racional dos subprincípios da proporcionalidade quando da análise da manutenção ou decretação de uma prisão provisória, como diz Antônio Scarance Fernandes [51], "devem ser dadas ao juiz alternativas de cautelaridade diversas da prisão". E complementa o aludido autor:

Deve-se caminhar no sentido do estabelecimento de várias medidas cautelares entre a liberdade e a prisão, escalonando-as com base em critérios relacionados com o crime e com o agente. Isso porque, às vezes, o juiz não precisa prender, mas também não deve manter inteiramente livre o acusado, faltando-lhe, no sistema brasileiro, uma medida que fosse ajustada ao caso. (grifei)

A problemática encontrava-se numa dimensão tão gritante que, como conseqüência, foi apresentado ao Congresso Nacional o Projeto de Lei nº 4.208/01, atualmente transformado na mencionada Lei nº 12.403/2011, que altera os dispositivos do Código de Processo Penal de 1941, relativos à prisão processual, fiança, liberdade provisória, demais medidas cautelares, e dá outras providências.

Nesse sentido, relembra Aury Lopes Jr. [52]:

Infelizmente, desde um ponto de vista morfológico, nosso sistema é bastante limitado. Entre outros exemplos, citamos o sistema cautelar italiano, que é polimorfo, pois permite um leque de formas de restrição da liberdade, contrastando com o modelo brasileiro, que se restringe ao binário prisão-liberdade. É a falta de opções o maior problema do sistema cautelar brasileiro, pois, no curso do processo, ou o sujeito está preso preventivamente ou está em liberdade. Não existem opções intermediárias eficazes. (grifo nosso)

Ainda que de maneira tímida, a nova lei conseguiu implantar um modelo polimorfo (pluralismo cautelar) no Brasil, a exemplo de outros países como Portugal e Itália, vez que prevê variadas medidas cautelares diferentes da prisão. Trazendo, ademais, referências expressas à necessidade da adoção de critérios de proporcionalidade na fixação da prisão provisória.

A lei inicia bem, alterando o título IX do Código de Processo Penal, incluindo a expressão "medidas cautelares", que antes apenas falava da prisão e da liberdade provisória. Tratou nos primeiros artigos das regras gerais aplicáveis às medidas cautelares, mencionando no art. 282, os subprincípios da proporcionalidade da "adequação" e da "necessidade". Veja-se:

Art. 282. As medidas cautelares previstas neste Título deverão ser aplicadas observando-se a:

I - necessidade para aplicação da lei penal, para a investigação ou a instrução criminal e, nos casos expressamente previstos, para evitar a prática de infrações penais;

II - adequação da medida à gravidade do crime, circunstâncias do fato e condições pessoais do indiciado ou acusado. (grifo nosso)

As medidas cautelares passaram a ser regidas expressamente pelos princípios da necessidade e da adequação. Teria andado melhor se sinalizasse toda a base epistemológica do sistema cautelar brasileiro, enfatizando a excepcionalidade, provisoriedade, provisionalidade e proporcionalidade.

Mas, sem dúvida alguma, a maior evolução vem no art. 319 e seguintes, que consagram as outras medidas cautelares pessoais diversas da prisão, possibilitando, finalmente, a concretização dos princípios da proporcionalidade e da excepcionalidade, que norteiam a prisão provisória. Apresenta um rol com duas classes de medidas cautelares pessoais: as coercitivas (comparecimento periódico em juízo, proibição de frequentar determinados lugares, proibição de manter contato com pessoa determinada, proibição de ausentar-se da comarca, recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga, internação provisória, monitoração eletrônica, proibição de ausentar-se do País, fiança) e as interditórias (suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira), que vem a somar com as já existentes medidas cautelares reais (sequestro, arresto, bloqueio de contas bancárias).

Cumpre destacar o teor do art. 321, que manda, estando ausentes os requisitos autorizadores da prisão preventiva, ao juiz conceder a liberdade provisória, impondo, se for o caso, as medidas cautelares diversas da prisão previstas no art. 319. A novidade está nesta parte final do dispositivo, que permite com que a concessão da liberdade provisória seja cumulada com a imposição de outras medidas cautelares.

É importante compreender que as medidas alternativas à prisão provisória apenas podem ser decretadas quando presentes o fumus comissi delicti e o periculum libertatis, requisitos autorizadores da prisão provisória, que, por sua vez, não deve ser decretada por existir outra medida menos gravosa e capaz de obter, de igual forma, os objetivos visados.

***Cumpre sublinhar ainda a nova redação do art. 313, que impõe outros requisitos necessários para a decretação da prisão preventiva, consagrando o princípio da proporcionalidade ao restringir a imposição da medida apenas para os crimes dolosos com pena privativa de liberdade máxima superior a 4 (quatro) anos. Ou seja, exclui-se a possibilidade de prisão preventiva nos crimes como o de furto, receptação, apropriação indébita, com a ressalva de que o imputado não pode ser reincidente.

Em suma, enorme foi a contribuição da adoção de um modelo polimorfo, que finalmente criou condições de eficácia para o estudado princípio constitucional da proporcionalidade. Contudo, além da reforma legal é preciso que haja uma reforma cultural, para que a prisão provisória seja efetivamente a ultima ratio do sistema, respaldada na aplicação racional dos subprincípios da proporcionalidade.

Indubitavelmente, a Lei nº 12.403/2011 constitui um grande avanço na conformação do Código de Processo Penal à Constituição da República, representando um decisivo passo para a efetivação do sistema unitário, pelo qual todas as leis de um ordenamento jurídico devem convergir com os princípios constitucionais.


CONCLUSÃO

No campo da prisão provisória, o princípio constitucional da proporcionalidade, que se desdobra nos subprincípios da adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito, desempenha a importante função de limitar a incidência dessa medida.

Atualmente, o sistema processual penal consagra tão somente três espécies de prisão provisória, quais sejam: a prisão em flagrante, a prisão preventiva e a prisão temporária. Diferentemente da prisão pena, por serem prisões anteriores à sentença penal condenatória transitada em julgado, em tese, não possuem caráter sancionatório, visando, em última análise, resguardar o provimento final do processo.

Nesse sentido, para que a prisão provisória não se revista de caráter de pena antecipada e infrinja, assim, o corolário da presunção de inocência, deve estar respaldada pelos princípios da jurisdicionalidade, provisionalidade, provisioriedade, excepcionalidade, além, da proporcionalidade - norteadores do sistema cautelar brasileiro.

No entanto, o Estado vem utilizando a prisão provisória de maneira desmedida e indevida, aniquilando o estado de inocência e o devido processo legal, bem como, transmudando a razão de ser deste instituto, que não deve representar pena antecipada ou recurso atenuatório da crise social.

Infelizmente, no Brasil, as prisões provisórias estão excessivamente banalizadas, por inseridas na cultura de emergência, que proporciona apenas um efeito sedante da opinião pública pela ilusória sensação de eficácia do sistema penal. O processo penal de emergência rompe as formalidades processuais e desconsidera os princípios e direitos constitucionais, objetivando alcançar a ordem social através da punição antecipada, a todo custo, do imputado, mas até que ponto pode o Estado restringir o direito à liberdade de um indivíduo para propiciar o regular desenvolvimento processual?

De se propor, assim, que seja adotada no processo penal brasileiro uma aplicação racional dos subprincípios da proporcionalidade (adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito) para alcançar o equilíbrio, pois se é certo que devem ser assegurados os direitos fundamentais do suposto infrator, certo também é o direito à segurança, bem como os direitos individuais da vítima, que, a depender do caso, necessitam da prisão cautelar para serem preservados.

Urge, portanto, uma mudança na sistemática processual, nos sentido de exigir-se expressamente que a prisão provisória seja submetida ao exame da proporcionalidade antes de ser imposta, tendo em vista ser esse o seu fundamento legitimador, pois uma prisão provisória desproporcional representa uma prisão inconstitucional, arbitrária, e como tal, não pode ser tolerada.

Esta não é uma realidade distante. Paulatinamente, o ordenamento brasileiro caminha neste sentido, como prova a recente edição da Lei nº 12.403/2011, que alterou o Código de Processo Penal, trazendo referências expressas à necessidade da adoção de critérios de proporcionalidade na fixação da prisão provisória e implantando, ademais, o modelo polimorfo (pluralismo cautelar), que sem dúvida, representa uma expressiva contribuição para a aplicação, in concreto, do princípio da proporcionalidade.


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Notas

  1. ALEXY, Robert. Teoría de los Derechos Fundamentales. 3 ed. Madrid: Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, 2002, p. 83.
  2. BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 24 ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2009, p. 258.
  3. SARMENTO, Daniel. A Ponderação de Interesses na Constituição Federal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2000, p. 42.
  4. DURSO, Flávia. Op. Cit., p. 24.
  5. DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. 1 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p. 39.
  6. DURSO, Flávia. Op. Cit., p. 29.
  7. ALEXY, Robert. Op. Cit., p. 88. (Un ejemplo de un conflicto de reglas que puede ser eliminado a través de la introducción de una cláusula de excepción es el que se da entre la prohibición de abandonar la sala antes de que suene el timbre de salida y la orden de abandonarla en caso de alarma de incendio. Si todavia no há sonado el timbre de salida y se da alarma de incendio, estas reglas conducen a juicios concretos de deber ser contradictorios entre si. Este conflicto se soluciona introduciendo en la primera regla una cláusula de excepición para el caso de alarma de incendio).
  8. ALEXY, Robert. Op. Cit., p. 86.
  9. SILVA, Virgílio Afonso Da. O proporcional e o razoável. Revista dos Tribunais. Ano 91, nº 798. São Paulo: Revista dos Tribunais, abril. 2002, p.25.
  10. ALEXY, Robert. Op. Cit. 2002, p. 83.
  11. SILVA, Virgílio Afonso Da. Op. Cit., p. 25.
  12. ALEXY, Robert. Op. Cit., p. 111-112. (Ya se há insinuado que entre la teoria de los princípios y la máxima de la proporcionalidad existe una conexión. Esta conexión no puede ser más estrecha: el carácter de principio implica la máxima de la proporcionalidad, y ésta implica aquélla. Que el carácter de principio implica la máxima de la proporcionalidad significa que la máxima de la porporcionalidad, com sus três máximas parciales de la adecuación, necesidad (postulado Del médio más benigno) y de la proporcionalidad en sentido estricto (el postulado de ponderación propriamente dicho) se infere lógicamente del carácter de principio, es decir, es deducible de él. El Tribunal Constitucional Federal há dicho, em uma formulación algo oscura, que la máxima de la proporcionalidad resulta ‘en el fondo ya de la propia esencia de los derechos fundamentales’. En lo que sigue, habrá de mostrarse que esto vale en un sentido estricto cuando la normas iusfundamentales tienen carácter de princípio).
  13. ALEXY, Robert. Op. Cit., p. 86.
  14. SILVA, Virgílio Afonso Da. Op. Cit., p. 28.
  15. SARMENTO, Daniel. Op. Cit., p. 53.
  16. NEUMANN, Ulfrid. O princípio da proporcionalidade como princípio limitador da pena. Revista Brasileira de Ciências Criminais. Ano 16, nº 71. São Paulo: Revista dos Tribunais, março-abril. 2008, p. 209.
  17. SARMENTO, Daniel. Op. Cit., p. 78.
  18. BONAVIDES, Paulo. Op. Cit., p. 393.
  19. SARMENTO, Daniel. Op. Cit., p. 89.
  20. SILVA, Virgílio Afonso Da. Op. Cit., p. 40.
  21. LIMA, Marcellus Polastri. Curso de Processo Penal, V. 2. 3ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 233.
  22. LIMA, Marcellus Polastri. Op. Cit. 2008, p. 237.
  23. THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. V. 2. 45ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 492.
  24. BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. 3 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005, p. 103.
  25. LOPES JÚNIOR, Aury. Direito Processual Penal e Sua Conformidade Constitucional. V 2. 2 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 50, grifo do autor.
  26. RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 10 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 603, grifo do autor.
  27. LOPES JÚNIOR, Aury; BADARÓ, Gustavo Henrique. Direito ao Processo Penal no Prazo Razoável. 2 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 55.
  28. LOPES JÚNIOR, Aury. Direito Processual Penal e Sua Conformidade Constitucional. V 1. 4 ed. Rio de Janeiro:Lumen Juris, 2009, p. 191.
  29. TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. V 1. 32 ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 99.
  30. LIMA, Marcellus Polastri. Op. Cit., p. 324.
  31. LOPES JÚNIOR, Aury. Op. Cit., p. 59.
  32. TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. V 3. 32 ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 481.
  33. LOPES JR., Aury. Introdução Crítica ao Processo Penal (Fundamentos da Instrumentalidade Garantista). Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 214.
  34. NESTOR, Távora; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de Direito Processual Penal. 3 ed. Bahia: Jus Podivm, 2009, p. 487.
  35. NESTOR, Távora; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Op. Cit. 2009, p. 490.
  36. DELMANTO JÚNIOR, Roberto. As Modalidades de Prisão Provisória e seu Prazo de Duração. 2 ed. Rio de Janeiro, São Paulo: Renovar, 2001, p. 80-81.
  37. FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão Teoria do Garantismo Penal. 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 511.
  38. KATO, Maria Ignez Lanzellotti Baldez. A (Des)Razão da Prisão Provisória. Rio de Janeiro:Lumen Juris, 2005, p. 83.
  39. PRADO, Geraldo. Sistema Acusatório. 3 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 47.
  40. LIMA, Marcellus Polastri. Op. Cit., p. 325.
  41. RANGEL, Paulo. Op. Cit., p. 606.
  42. DUCLERC, Elmir. Princípios constitucionais relativos à prisão processual no Brasil: o problema da inefetividade: diagnóstico crítico e alternativa de superação. Revista Brasileira de Ciências Criminais. Ano 15, nº. 64. São Paulo: Revista dos Tribunais, janeiro – fevereiro. 2007, p. 280.
  43. RANGEL, Paulo. Op. Cit., p. 606.
  44. FERNANDES, Antônio Scarance. Funções e limites da prisão processual. Revista Brasileira de Ciências Criminais. Ano 15, nº. 64. São Paulo: Revista dos Tribunais, janeiro – fevereiro. 2007, p. 246.
  45. ANJOS, Fernando Vernice dos. Exigências para obtenção de liberdade provisória e proporcionalidade. Disponível em: <http: // www.ibccrim.org.br/site/boletim/imprime.phd? id=3607&idBol=220> Acesso em: 15-09-2010, p. 1.
  46. OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 13 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 505.
  47. AZEVEDO, Bernardo Montalvão Varjão de; BÔAS, Marcos de Aguiar Villas. Reflexões sobre a proporcionalidade e suas repercussões nas ciências criminais. Revista Brasileira de Ciências Criminais. Ano 16, nº 74, São Paulo: Revista dos Tribunais, setembro – outubro. 2008, p. 272.
  48. NICOLITT, André Luiz. Juizados Especiais Criminais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002, p. 33.
  49. GRECO, Rogério. Código Penal Comentado. 2 ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2009, p. 112.
  50. BONILHA, José Carlos Mascari, et al. Processo Penal e Estado de Direito. Campinas: Edicamp, 2002, p. 179.
  51. FERNANDES, Antônio Scarance. Op. Cit., p. 251.
  52. LOPES JÚNIOR, Aury. Op. Cit., p. 119.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RABELO, Nayara Viana. O princípio constitucional da proporcionalidade como sustentáculo da prisão provisória. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3025, 13 out. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20216. Acesso em: 23 abr. 2024.