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O direito de greve e a responsabilidade face aos serviços essenciais no Brasil

O direito de greve e a responsabilidade face aos serviços essenciais no Brasil

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O Estado poderia ser responsabilizado pelo cerceamento do direito de greve dos trabalhadores ou por algum tipo de abuso relacionado a este direito?

RESUMO

Não existem dúvidas que o direito de greve perpassou por um longo processo histórico, ora negado, aceito ou somente tolerado, até ser reconhecido como direito fundamental dos trabalhadores, inclusive com sua firmação em diversas constituições ao longo do mundo. Todavia, este instrumento reivindicativo sempre fora recheado de controvérsias e longos embates entre os patronos e subordinados, constituindo discussões de até onde tal direito poderia envolver as relações trabalhistas e suas consequências, positivas ou negativas, perante a sociedade. Contudo, com o desenvolvimento dos Estados positivos, ou seja, aqueles cujas constituições os imputaram relevantes funções como: agir efetivamente nas questões delicadas e promover políticas de desenvolvimento social, diversas atividades e serviços receberam status de essenciais ao mesmo tempo em que o Estado passou a ser o maior empregador, envolvendo-se completamente nas relações de trabalho. Ademais, aquelas atividades logo ganharam efetiva proteção de princípios constitucionais e administrativos de forma a impedir que as execuções das mesmas não fossem passíveis de descontinuidade com fundamento no alto custo social em caso de interrupção. Assim surge, então, o embate entre o direito de greve e a capacidade reivindicatória dos trabalhadores que formalizaram uma relação trabalhista com o Estado para executar aquelas atividades que, em tese, não podem parar. Perante este cenário o presente trabalho propõe-se a fazer uma breve análise sobre o direito de greve no Brasil, levando em consideração os aspectos pertinentes à sua ilegalidade com o envolvimento das atividades essenciais, destacando até onde esta garantia pode ser exercida em contra ponto aos interesses do Estado, da coletividade e dos trabalhadores, pontuando ainda a responsabilidade advinda desta seara, quando cabível e em caso positivo, quem responderá. Não obstante o interesse em trazer novos questionamentos sobre tema não há pretensão de esgotamento do tema. Por fim, este estudo trata-se de uma pesquisa bibliográfica, com a doutrina, a jurisprudência e a legislação pátria e comparada como principais fontes.

PALAVRAS CHAVE: Greve. Atividades Essenciais. Serviço Público. Responsabilidade.

ABSTRACT: There is no doubt that the right to strike passed over for a long historical process, sometimes denied, accepted or just tolerated, to be recognized as a fundamental right of workers, including its firmed in many constitutions throughout the world. However, this instrument that claims had always been full of controversy and long warm conversations between the patrons and subordinates, making discussions of how far such a right could involve labor relations and its consequences, positive or negative, towards society. However, with the positive development of states, ie those whose constitutions ascribed the relevant functions: to act effectively in the sensitive issues and promote social development policies, various activities and services were essential status at the same time that the State has be the largest employer, engaging fully in labor relations. Furthermore, those activities soon gained effective protection of constitutional and administrative principles in order to prevent the executions were not the same may be discontinued based on the high social cost in case of interruption. Thus arises, then, the clash between the right and ability to strike vindicatory workers who have formalized a working relationship with the state to perform those activities which, in theory, can not stop. Against this background the work aims to make a brief analysis of the right to strike in Brazil, taking into account relevant aspects of its involvement with illegal activities essential to highlighting where this guarantee can be exercised against the point state interests, the community and workers, even scoring the responsibility arising from this harvest, when appropriate and if so, who will respond. Despite the interest in bringing new questions about a subject no pretension to exhaust the subject. Finally, this study deals with a literature search, the doctrine, jurisprudence and the domestic legislation and compared as primary sources.

KEYWORDS:Strike. Essential Activities. Public Service. Responsibility.

SUMÁRIO 1. Introdução; 2. A ORIGEM DO DIREITO DE GREVE ; 2.1 Relação de Trabalho ;2.2 A origem da greve no Brasil 2.1.1 O Sindicalismo brasileiro; 3. GREVE NO BRASIL; 3.1 Natureza e Limites do Direito; 3.2 Greve no Serviço Público ; 3.3 Greve e as Atividades Essenciais ; 4. A RESPONSABILIDADE NO DIREITO DE GREVE; 4.1 O Abuso de Greve ;4.2 A Responsabilidade Civil e Trabalhista; 4.3 A Responsabilidade Penal; 4.4 A Responsabilidade nos Serviços Essenciais; 5. CONCLUSÃO ; Referências


1. INTRODUÇÃO

Com o surgimento do Estado como o maior empregador e sua não possibilidade de falência, pôde-se observar contemporaneamente o surgimento ou retorno de um quase “leviatã[1]” face aos direitos dos trabalhadores, especialmente o de greve.

Para elucidar melhor esta premissa introdutória, é importante destacar que a partir do momento que o Estado absorveu a prestação de serviços estritamente necessários para o caminhar pacífico, social e político da sociedade, a exemplo da segurança, do fornecimento de água e energia, dentre outros, também se viu obrigado a absorver cada vez mais força de trabalho, ampliando seu vínculo com pessoas da sociedade que por meio de contratação ou provimento passaram a prestar serviços para aquele.

A atuação do Estado fora impulsionada pela evolução das dimensões dos direitos humanos, notadamente as três primeiras (direitos fundamentais, direitos sociais e os direitos coletivos e difusos) e por todo o processo de constitucionalização, com o surgimento de princípios garantidores da atuação positiva do Estado, como também da continuidade dos serviços prestados.

Diante deste cenário passou-se, então, a observar: por um lado uma gigante estrutura estatal e por outro empregados inseridos como componentes daquela desenvolvendo atividades que a princípio não podem parar, sob pena de insegurança e caos social, dentre outros possíveis prejuízos.

Aparentemente a situação destes trabalhadores estaria estritamente ligada ao interesse estatal e público, no qual todos que formalizassem uma relação de trabalho com o Estado estariam submetidos às condições impostas pela não interrupção daqueles serviços e teriam parte de seus interesses individuais trabalhistas suprimidos.

Todavia, o desenvolvimento das garantias dos trabalhadores, com destaque para o direito de greve, ocorreu através de movimentos oriundos da iniciativa privada, em tempos compreendidos pelo Estado Liberal, à época instruído pelas cartas políticas para não intervir efetivamente na sociedade, especialmente no que tangia aos interesses da classe empresarial. As relações trabalhistas e os conflitos de interesse ocorriam especificamente entre empregados e patronos, o que determinou um terreno propício, como será bem explanado durante este estudo, para o nascimento e desenvolvimento destas primeiras garantias coletivas, iniciado à época das Revoluções Industriais.

Com o surgimento das primeiras constituições sociais, que realmente começaram a imputar ao Estado a obrigação de atuar diretamente e em favor da sociedade (notadamente as Constituições de 1917 no México e de 1919 na Alemanha (Weimar) que foram pioneiras), em conformidade com o desenvolvimento dos direitos humanos, com todo o processo de democratização dos Estados e com o surgimento das primeiras políticas de atendimento e socialização, aquele passou a contratar cada vez mais trabalhadores e a assumir serviços mais específicos e amplamente relevantes, dando os primeiros passos ao que hoje é conhecido como funcionalismo público e atividades essenciais.

Desta feita, se unicamente as garantias do Estado fossem apreciadas, a classe que trabalhasse para o mesmo estaria à margem no que concerne aos avanços do direito trabalhista, concretizando, assim, o entendimento da premissa supracitada de que este novo Estado poderia tornar-se uma espécie de “leviatã”, ou seja, intransigente em relação a certas garantias trabalhistas, embora com representativas diferenças perante o Estado Natural expressado por Thomas Hobbes[2]. Portanto, este pensamento restringiu-se às questões trabalhistas, o que teria dado termo de vez ao que será discutido neste estudo caso tal situação realmente tivesse acontecido na história social mundial.

Felizmente, as Constituições passaram também a garantir aos trabalhadores direitos protetores, garantidores, de forma a impedir que outrora os patronos, o conhecido embate clássico, e agora o Estado, como maior empregador, cometessem abusos nas relações de trabalho.

Este raciocínio inicial demonstra que o desenvolvimento do Estado positivo ocorreu em momento distinto das garantias trabalhistas, mas convergindo com o aprofundamento das constituições voltadas aos direitos humanos, a evolução do direito internacional e o surgimento de entes determinantes neste processo, a exemplo da Organização das Nações Unidas (ONU) e da Organização Internacional do Trabalho (OIT), muito destacadas no século XX em diante. Diante disso, o que não se pode negar é o quão relevante é esta atuação estatal diante das necessidades sociais, chamando para si a responsabilidade de muitas áreas necessárias para o convívio social digno; como também não se pode negar o valor da conquista dos direitos social-trabalhistas. Estas situações somente foram possíveis através de um longo processo histórico e constitucional.

Todavia a problemática, foco deste estudo, acontece quando os funcionários públicos tentam utilizar estas garantias constitucionais diante do Estado empregador na procura de melhores condições laborais, especialmente aqueles atuantes em serviço e atividades essenciais para a sociedade.

Logo, entendido que o Estado atual não é um “leviatã”, ao contrário, pois a grande maioria da doutrina o considera um “anti-leviatã”, ainda assim não se encontra pacífico o momento em que os servidores públicos podem exercer seu direito de greve e até quando estas atividades não podem ser interrompidas. Não há como negar que as atividades essenciais são hoje o principal objeto de discussão dentro do direito de greve dos trabalhadores da administração direta ou indireta, contudo é preciso salientar que a observância destas atividades estende-se além do funcionalismo público, encontrando morada também na iniciativa privada, quando esta tem a permissão de atuar, com autorização do Estado.

Ademais, outra problemática importante diz respeito à responsabilidade oriunda do exercício deste direito. A má utilização desta ferramenta de reivindicação quase sempre acarreta em responsabilização e diante das atividades essenciais os danos podem ser maiores, pois envolvem questões sociais, patrimoniais, culturais, financeiras, dentre outras. Diversas situações não são interessantes para a sociedade, a exemplo do constrangimento e risco que uma população pode sofrer diante de uma paralisação de fornecimento de água potável. Entretanto, na outra via, o cerceamento do direito dos trabalhadores pode levar os mesmos a sofrerem com baixos salários, jornadas de trabalho extensas e mais, podendo inseri-los, inclusive, em um estado de indignidade humana, o que seria é um retrocesso nas relações de trabalho caso os empregados, especialmente os ligados diretamente ao Estado, não pudessem fazer uso do principal instrumento de reivindicação coletiva: a greve. Cabe salientar que o retrocesso nas relações trabalhistas está intimamente ligado ao Princípio da Proibição de retrocesso social, que pode ser entendi pelas palavras de Siqueira (2010, p. 51):

A proibição do retrocesso social [..] relaciona-se com outras proposições deste tipo, principalmente com o postulado da proporcionalidade, que se apresenta de duas formas: “o garantismo negativo (em face dos excessos do Estado) e o garantismo positivo, no sentido de que o Estado não pode deixar de proteger determinado direito fundamental” (CONTO , 2008, p. 100). A proporcionalidade é, pois, um postulado de otimização, que se perfaz mediante observância de seus três níveis (ALEXY, 1994, p. 46): adequação, necessidade e ausência de excesso [...] O garantismo negativo apresenta-se como a proibição de excesso, e o garantismo positivo, como a adequação e a necessidade de proteção do mínimo existencial, isto é, como a proibição de proteção deficiente. Portanto, a proibição do retrocesso social consiste em que o Estado não pode se furtar dos deveres de concretizar o mínimo existencial, de maximizá-lo e de empregar os meios ou instrumentos cabíveis para sua promoção, sob pena de a sociedade vir a experimentar uma imensa limitação no exercício de todos os seus direitos.

O presente texto abordará a questão da responsabilidade de quem provoca algum dano durante o exercício de greve, como também de quem abusa do mesmo. Não é interessante para os trabalhadores ultrapassarem de forma desproporcional os princípios administrativos e constitucionais que especialmente protegem a continuidade das atividades do Estado, acreditando que suas garantias também constitucionais de exercer pressão através da greve são hierarquicamente superiores, entretanto na contra via surge uma questão interesse: o Estado poderia ser responsabilizado pelo cerceamento do direito de greve dos trabalhadores ou por algum tipo de abuso relacionado a este direito?

O objetivo deste estudo é compreender o direito de greve ante as atividades essenciais, como também a regulamentação deste para determinadas categorias e a responsabilidade perante o abuso ou o descumprimento de requisitos deste direito, além de observar a relação direta entre a categoria dos empregados ligados à administração direta ou indireta e as atividades essenciais, como também das categorias privadas, quando estas possuem permissão do Estado para atuarem naquelas atividades.

Este trabalho abrangerá uma extensa pesquisa bibliográfica, compilando e refletindo sobre a legislação, jurisprudência e autores que já abordaram o direito de greve, principalmente em relação aos serviços ou atividades essenciais e a responsabilidade de quem descumpre ou abusa das normas que regem este direito. Ademais, em relação ao tema, existe uma razoável dificuldade de se encontrar obras literárias ou contribuições culturais, inclusive acadêmicas, especialmente sobre a questão da responsabilidade. Por fim, com o intuito de ajudar a preencher esta lacuna, o presente estudo almeja ser um instrumento de coleta de dados para aplicação com juristas, legisladores e estudantes de direito interessados nos aspectos legais e na interpretação do direito de greve diante das atividades essenciais e a responsabilidade advinda do seu exercício.


2. A ORIGEM DO DIREITO DE GREVE

Ao longo da história diversos foram os trabalhadores que ofereceram resistência e reivindicaram melhorias laborais, combatendo o abuso de seus patronos e utilizando-se muitas vezes de estratégias de defesa diversas, baseadas na força, sabotagem[3] e outras medidas, tais como rebeliões ou motins. Dentre estas formas de reivindicação surgiu a greve. Segundo Süssekind (2001, p.448), a denominação “greve” surgiu após a Revolução Francesa, quando os trabalhadores abandonaram coletivamente suas atividades e se reuniram na chamada “Place de grève[4]”, Praça da Prefeitura em Paris, para aguardarem melhores propostas de condições de trabalho.

Existem destacáveis diferenças entre greve das primeiras paralisações historicamente reconhecidas de como hoje é conhecida. Em tese, a greve não seria uma medida calcada na violência e sim na negociação, mas que na prática trouxe e continua trazendo em alguns momentos muitos embates físicos, por vezes violentos, entre empregados e empregadores. Toda esta evolução histórica fora extremamente importante para a formação do atual conceito de greve e sua concretização como um garantia fundamental protegida pelas Constituições da maioria dos Estados Democráticos. Com o objetivo de elucidar esta evolução, este estudo apontará alguns momentos históricos que contribuíram para o reconhecimento deste instituto de direito.

A greve pode ser entendida, de forma pouco aprofundada, como uma forma de paralisação ou abandono coletivo de obrigações legais ou contratuais, no sentindo de pleitear a mudança de um estado para outro de certa situação de fato. Neste sentido sua origem remonta às raízes da humanidade, como se pode observar nestes exemplos históricos expostos por Pizzetti (2008, p.1):

A grega lesistrata (em português, pacífica) liderou as mulheres em greve conjugal, até que os maridos pressionados pela indiferença afetiva e pela anarquia que se espalhou pelos lares, atendessem os apelos de não mais fazerem guerra um contra os outros...Há referência à greve desde o Egito Antigo. Dizem alguns historiadores que o célebre êxodo dos hebreus, ou saída do Egito sob o comando de Moisés, deveu-se à uma expulsão imposta pelo faraó como castigo às constantes paralisações no trabalho organizadas pelos hebreus, cansados dos maus tratos sofridos.

Outrossim, observando a greve dentro do escopo de uma relação de trabalho em moldes mais próximos da forma vigente, sua nascente remonta aos grandes movimentos industriais revolucionários, momentos em que os operários, em busca de melhores condições de trabalho, começaram a paralisar suas atividades com uma clara intenção de reivindicar perante seus patronos desde reduções de jornadas a melhorias remuneratórias. Ressalte-se que hodiernamente encontramos outros pleitos, especialmente os pertinentes à segurança no trabalho e à saúde, como as pausas por esforços manuais repetitivos, aos equipamentos apropriados e ergonômicos, dentre outras questões.

Todavia é relevante elucidar que a greve como é entendida contemporaneamente não se confunde com as situações de fato que englobam as relações de trabalho em tempos mais remotos, assemelhando-se unicamente por serem formas de paralisação das atividades laborais como intuito de pressionar seus patronos e conquistar certas vantagens. A greve oriunda de uma relação de trabalho remunerada surgiu a partir das revoluções industriais.

O abandono coletivo do trabalho somente assumiu feições que o aproximam das greves surgidas após a Revolução Francesa: a) na fase de decadência das corporações de oficio (Século XV e XVI), quando os “companheiros” se rebelaram contra os “mestres” que os exploravam, sendo que alguns fundaram associações para defenderem seus interesses e outros abandonaram os burgos; b) na fase que se seguiu, das manufaturas monopolizadas por atos do rei, quando verdadeiros contratos de trabalho substituíram a relação medieval entre mestres e companheiros no Direito (SÜSSEKIND, 2001, p.448).


2.1 Relação de Trabalho

Não é interessante falar em greve, especialmente como ela é reconhecida modernamente, sem antes tecer comentários sobre as origens da relação de trabalho, especialmente quando se observa o processo de transformação do período escravagista para os aspectos da prestação de serviços formal.

Segundo Gonçalves (2009, p.1) o significado original da palavra “trabalho” vem do latim “tripalium”, que seria uma forma antiga de tortura. Ademais, algumas sociedades remotas, como a Grécia antiga, tinham o trabalho executado somente pela mão-de-obra escrava, situação aceita, inclusive, com normalidade por grandes pensadores à época, como Platão e Aristóteles.

No período do Feudalismo, da escravidão passou-se à servidão, onde os servos possuíam uma liberdade limitada, ou seja, uma espécie de semi-escravidão, e eram obrigados a entregar parte da produção para o senhor feudal, cuja obrigação era denominada corvéia[5]. Vale lembrar que neste período o comércio era delineado pela relação de troca de bens e serviços. Com a evolução das cidades na idade média surgiram as primeiras Corporações de ofício, compostas por Artesãos, companheiros e aprendizes, sendo esses dois últimos, detentores de uma maior liberdade, no entanto permaneciam subordinados aos primeiros, configurando uma forma próxima das relações de trabalho nos moldes contemporâneos, na qual, inclusive, falava-se em jornada de trabalho e que estas poderiam, inclusive, durar até 18 horas por dia.

Logo em seguida surgiram os primeiros agrupamentos profissionais, especialmente na França e Inglaterra, compondo um processo de finalização das corporações de ofício, abrindo espaço para a evolução tecnológica e o surgimento de técnicas de produção a partir de maquinários, constituindo o passo inicial para a industrialização das sociedades e consequentemente o surgimento das primeiras relações de trabalho, na base da prestação de serviços, como é cediço. É interessante vislumbrar que foi, então, este o caminho para o surgimento das primeiras relações de emprego, caracterizadas pela contratação formal de matéria humana com intuito de manipular máquinas mediante pagamento de certa remuneração.

A relação trabalhista passou a ser contratual, com deveres e obrigações para ambas as partes, todavia desfavorável ao empregado, visto que ainda prevaleciam extensas jornadas diárias, pouco espaço para diálogo com os patronos e uma mínima qualidade laboral, motivando o surgimento dos primeiros movimentos reivindicatórios. Todo este processo se constituiu durante as primeiras Revoluções Industriais, como bem elucida Gonçalves (2009, p.2) e como resultado, precisamente em abril de 1791 em Paris, eclodiu uma gigantesca greve na indústria da construção na França, considerada um marco para o surgimento de outros inúmeros movimentos grevistas no decorrer dos anos seguintes.

Destaca-se, portanto, a construção do conceito de relação de trabalho como o oferecimento de mão-de-obra ou serviço, mediante remuneração e subordinação. Outrossim, a formalização deste fato, mediante contrato, como pudemos compreender passou a ser conhecido como relação de emprego. Com tudo, ora entendido neste estudo, pode-se observar com clareza que está armado o cenário para os principais conflitos de interesses trabalhistas que, quando buscado pela parte hipossuficiente coletivamente, constitui o instituto abordado neste estudo. Contudo, o mesmo seguiu a passos ligeiramente diferentes e tardios no Brasil, como será elucidado em seguida.


2.2 A origem da greve no Brasil

O Direito de Greve, sem dúvida, figura como uma das principais garantias fundamentais para os trabalhadores previstas em importantes Constituições pelo mundo. Em especial, no Brasil, esta garantia somente fora estabelecida efetivamente na Constituição de 1988, dentro do rol dos Direitos Sociais ao lado de outros relevantes princípios constitucionais.

Todavia, faz-se importante destacar que no Brasil a greve teve faces distintas, ora com total liberdade, ora um ato ilícito, mas em outros momentos tolerada ou por vezes ignorada, até conquistar sua posição de princípio garantidor. Na evolução das cartas políticas do país pode-se destacar: as Constituições de 1824, 1891 e 1934 omitiram-se completamente, a de 1937 o declarou como recurso anti-social e as constituições de 1946, 1967 e 1969 reconheceram-no com amplas restrições.

Das situações mais obscuras destaca-se a Constituição Federal de 1937 que dizia em seu artigo 139, parágrafo único, “a greve e o lockout[6] são declarados recursos anti-sociais nocivos ao trabalho e ao capital e incompatíveis com os superiores interesses da produção nacional” e também, segundo Arouca (2008, p.46), durante a própria ditadura com o Decreto-Lei nº 1.632 de 1978 que proibiu a greve especialmente nas atividades essenciais, dispondo no seu artigo 3º que

[…] “sem prejuízo das sanções penais cabíveis, o empregado que participar de greve em serviço público ou atividade essencial incorrerá em falta grave, sujeitando-se às seguintes penalidades, aplicáveis individual ou coletivamente, dentro do prazo de 30 (trinta) dias do reconhecimento do fato, independente de inquérito” [...]

Expôs o decreto supracitado em seus incisos diversas penalidades como a rescisão do contrato de trabalho por justa causa e a responsabilização dos dirigentes sindicais, dentre outras.

Embora diante desta linha histórica conturbada o direito de greve no Brasil possuiu alguns momentos que serviram como marcos iniciais para a consolidação do mesmo, como bem versa Brandão (2002, p.2):

Vimos nascer os movimentos operários desde 1888, quando fundou-se a Imperial Sociedade de Artistas, Mecânicos e Liberais, no Recife. Daí, criou-se o Partido Operário em 1892 que já reivindicava sufrágio livre e universal, salário mínimo, jornada de 8 horas e a proibição do trabalho para menores de 12 anos. Pregava ainda a insurreição operária, desejando que estes se apropriassem dos meios de produções como forma de igualdade e justiça sociais, batendo diretamente contra as oligarquias e o coronelismo imperante.

Nos moldes das grandes Revoluções industriais, as greves no Brasil ganharam força representativa nas regiões mais industrializadas, cujo contingente trabalhista era maior e expressivo. Especialmente no final dos anos 70 e em toda a década de 80 as greves aumentaram substancialmente no país, espalhando-se pelo mesmo e provocando a adesão das mais diversas categorias, pontuando-se que já nesta época os sindicatos estavam bem estruturados e se mantinham à frente de todos os crescentes movimentos instaurados em quase todo território nacional.

Em 1978 as greves estiveram fortemente concentradas no setor industrial, ou melhor, na área metalúrgica do ABC, mas rapidamente, no ano seguinte, se espalharam para outros municípios, estados, e outras categorias do setor privado. Em 1979 destacaram-se, além dos metalúrgicos, os trabalhadores da construção civil, médicos e professores. Esses anos representaram o nascimento e a generalização das greves para algumas categorias que continuam sendo as principais até hoje (BOITO JR; NORONHA, 1991, p.121).

Não há como negar que o direito de greve no Brasil desenvolveu-se bastante associado ao sindicalismo que favoreceu em diversos momentos o surgimento de grandes paralisações trabalhistas como forma de defesa de classes protegidas por sindicatos, como exemplifica Gonçalves (2009, p.1):

Talvez um dos pontos mais significativos da fase inicial de todo o sindicalismo brasileiro tenha sido a famosa greve de 1917 que paralisou a Cidade de São Paulo e envolveu 45 mil pessoas. O governo convocou tropas do interior e 7 mil milicianos ocuparam a cidade. O ministro da Marinha enviou dois navios de guerra para o porto de Santos. A repressão foi total sobre os trabalhadores. Num dos choques com a polícia, foi assassinado o operário sapateiro Antônio Martinez. Mais de 10 mil pessoas acompanharam o enterro.

Para Süssekind (2001, p.447), “a história da greve, hoje reconhecida como direito do trabalhador, confunde-se com a do sindicalismo. Mesmo porque ela sempre foi utilizada como um dos processos de atuação dos sindicatos”, referindo-se a defesa dos interesses dos trabalhadores por aqueles representados. Contudo, no curso da história muito antes do aparecimento dos sindicatos, eclodiram algumas greves de trabalhadores, sem que o procedimento fosse, como hoje, admitido pela ordem jurídica.


2.2.1 O Sindicalismo brasileiro

Não há como expor sobre o sindicalismo sem preencher um estudo completo, devido à vasta contribuição histórica do mesmo para efetivação dos direitos trabalhistas no Brasil, sendo, inclusive, peça importante para a concretização do direito de greve no país. Contudo não ficaria completo elucidar sobre o instituto em foco na referida pátria sem dedicar, de forma sucinta, uma pequena parte deste estudo para o sindicalismo, partindo brevemente de sua história até sua efetivação como principal representação dos trabalhadores na busca e defesa de seus direitos, como veremos a seguir.

No Brasil a extinção das Corporações de Ofício foi tardia, talvez pela posição de subordinação que o país enfrentou desde sua colonização até os momentos de império. Segundo Steike (2000, p.1) a Constituição Imperial de 1824 aboliu as corporações em seu artigo 179º e proclamou a liberdade de trabalho e o direito a livre associação permitindo o surgimento da organização de sindicatos.

Embora, no Império, o desenvolvimento industrial no Brasil ainda não fosse tão expressivo a ponto de criar um ambiente propício para o sindicalismo, pode-se pontuar a existência de algumas entidades como a Liga Operária (1870) e a União Operária (1880) que tinham como principal finalidade reunir e defender os trabalhadores que as compunham (STEIKE, 2000, p.1).

Segundo Süssekind (2001, p.343) a primeira lei que tratou da sindicalização foi a Lei nº 979 de 1903 que teve por objetivo a organização dos que dedicavam-se à atividade rural. Somente em 1907 pelo Decreto n. 1637, facultou-se a todas as classes de trabalhadores a formação de sindicatos, inclusive para profissionais liberais, estimulando o surgimento de vários daqueles. Este decreto assegurou o direito de sindicalização com texto que hoje seria compatível com as principais normas da Convenção da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre liberdade sindical, de acordo com Süssekind (2001, p.344). Contudo em 1920 diversas associações com caráter sindical surgiram com nítidas influências socialistas e comunistas, a exemplo da Confederação Geral dos Trabalhadores que acabaram sendo extintas pela forte repreensão do governo que era contrário àqueles pensamentos, temendo que estas últimas delineassem as atividades sindicais à época.

Embora com a faculdade de formação de sindicatos, durante bastante tempo, diversas foram as dificuldades enfrentadas pelos líderes sindicais, visto que estavam enfraquecidos pelo desinteresse do governo e dos empresários, possuindo uma inexpressiva pressão. Todavia, segundo Steike (2000, p.2), a partir de 1930, mesmo diante de um quadro desfavorável, iniciou-se o desenvolvimento de uma legislação trabalhista que avançara em 19 de março de 1931 com a promulgação do Decreto n. 19.770, que seria considerada a primeira lei sindical brasileira, logo após a criação do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio no governo de Getúlio Vargas.

O decreto supracitado dispunha sobre a organização sindical, adotando pela primeira vez a unicidade sindical compulsória, o reconhecimento obrigatório dos sindicatos pelo Ministério do Trabalho com a apresentação de seus respectivos estatutos e outros provimentos. O interesse era fortalecer e instituir sindicatos. Entretanto, a Constituição de 1934, adotando diretrizes filosóficas antagônicas, adotou o princípio da pluralidade sindical em seu artigo 120, mas em contra partida dificultava a pluralidade de representação, pois exigia pelo menos um terço dos que exerciam a mesma profissão na correspondente localidade, o que seria complicado para a realidade social da época, com base no que ensina Süssekind (2001, p.345).

A partir da promulgação da Constituição de 1937, com cunho totalmente totalitário, fora adotado novamente o rígido principio da unicidade sindical, além de subordinar os sindicatos ao Ministério do Trabalho. Ainda de acordo com o autor supracitado, diversos decretos em seguida foram impostos, como o de nº 1.402 de 1939 reforçando a unicidade e determinando a atuação do Estado em todas as fases da vida sindical e o Decreto-lei nº 2.377 de 1940 que instituiu o imposto sindical em favor das entidades competentes da organização sindical e do Ministério do Trabalho.

Sobre a interferência estatal, o controle e forma como funcionavam os sindicatos à época leciona AROUCA (2008, p.44):

A responsabilidade administrativa do sindicato consistia antes de mais nada em seguir o figurino determinado pelo chefe da Delegacia de Policia Social, o temível DOPS, pelo comandante do batalhão, pelo delegado do trabalho, pelos burocratas instalados nas repartições do Ministério do Trabalho e, é claro, pelo titular da pasta.

Eis as condições para seu funcionamento: proibição de qualquer propaganda de doutrinas incompatíveis com as instituições e interesses da Nação, bem como de candidaturas a cargos eletivos estranhos ao sindicato – em outras palavras, cerco contra os comunistas, socialistas e até simplesmente nacionalistas -, e mais, de participação de pessoas estranhas na sua administração; não bastasse tanto, estatuto padronizado, eleição regida conforme figurino oficial, traduzido em portarias, controle de gestão financeira, enquadramento prévio, custeio através de contribuição compulsória administrativa segundos instruções ministeriais, etc.

Perante a Constituição de 1937 fora promulgada a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), em 1º de maio de 1943, contudo em relação ao sindicalismo só fez reproduzir a legislação vigente.

A situação das Constituições seguintes não favoreceu de sobremaneira o sindicalismo, a exemplo da Constituição de 18 de setembro de 1946 que deixou para a lei ordinária as questões atinentes à organização sindical e a disciplinação do direito de greve que por ela fora reconhecido e a Constituição de 24 de janeiro de 1967 refletiu as concepções da revolução de 1964, mas logo na primeira emenda constitucional proibiu a greve no serviço público e nas atividades essenciais.

É cediço que durante o período da ditadura militar a atividade sindical fora bastante repreendida, ganhando força os movimentos estudantis que também logo foram pressionados pelos Atos Institucionais e diversos embates entre as Forças Armadas e as guerrilhas. Em 1968 duas grandes greves, de Contagem e Osasco foram reprimidas ferrenhamente. Todavia, nos anos seguintes o que fora visto fora uma forte reestruturação do movimento sindical, especialmente durante a abertura política que acelerou nos anos finais da década de 70.

Outrossim, com o país passando à época por um processo de redemocratização, houve um progressivo afrouxamento do controle governamental sobre a vida interna dos sindicatos, gerando em consequência um aumento representativo do número de sindicatos oficiais e o retorno das grandes greves, especialmente lideradas pelos metalúrgicos do ABC, influenciando outras categorias.

Em 1978 os metalúrgicos da região do ABC abriram um ciclo de greves sem precedentes na história dos conflitos brasileiros. Sua principal característica durante a década foi a incorporação crescente de categorias ou segmentos de trabalhadores que jamais haviam experimentado o confronto direto. Em 1978 foram deflagradas 118 greves, e dez anos depois elas passaram a somar 2188. O número anual de grevistas aumentou sessenta vezes e, entre esses mesmos anos, o número de jornadas não trabalhadas (o indicador síntese de greves) pulou de 1,8 milhão para 132 milhões (BOITO JR; NORONHA, 1991, p.95).

Conjuntamente com a reestruturação dos sindicatos levantou-se a bandeira da autonomia sindical, como expõe Santos (1993, p.129):

[...] sem sombra de dúvida, a questão da autonomia sindical constituiu a principal bandeira levantada pelo movimento sindical no decorrer da década passada. Para uma crescente efetivação de uma práxis considerada adequada aos interesses maiores dos trabalhadores, a autonomia aparece como um objetivo estratégico e determinante. Não é por outro motivo que o desatrelamento dos sindicatos da tutela estatal se afirma, rapidamente, como o objetivo comum e confesso de todas as correntes presentes no mundo sindical. Embora naquela época a afirmação autonomista fosse ainda pouco descolada dos moldes corporativistas, por todo o país os sindicalistas manifestam, quase em uníssono, sua insatisfação com a atual legislação trabalhista, particularmente no que toca às leis de organização sindical e de greve.

Após 1981, a inclinação à autonomia cresceu e se expressou não apenas em palavras, mas no surgimento de organizações fora da estrutura sindical oficial, entre os quais a CUT (Central Única dos Trabalhadores) e a Central Geral dos Trabalhadores (CGT), como ensina Santos (1993, p.129).

O desenvolvimento do sindicalismo atingiu seu ápice de liberdade em relação a estrutura estatal com a promulgação da Constituição Federal de 5 de outubro de 1988, visto que por muito tempo o Estado interferiu na atuação dos sindicatos e os submetia ao controle das Delegacias do Trabalho da União. Com a Carta Democrática em vigência ficou assegurado a autonomia das respectivas associações, contudo manteve o imposição da unicidade sindical, o que constitui uma afronta à liberdade sindical para Süssekind (2001, p.347).

A Assembléia Constituinte brasileira de 1988, apesar de ter cantado em prosa e verso que asseguraria a liberdade sindical, na verdade a violou, seja ao impor o monopólio de representação sindical e impedir a estruturação do sindicato conforme a vontade do grupo de trabalhadores ou de empresários, seja ao obrigar os não-associados a contribuir para a associação representativa de sua categoria (SÜSSEKIND, 2001, p.348).

Conhecer a evolução do sindicalismo, por ser um ponto crucial no desenvolvimento do direito de greve no Brasil, é de suma importância para a compreensão do objeto desta pesquisa. Ademais a Constituição de 1988 delegou em seu artigo 8º, III, a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais das categorias de trabalhadores aos seus respectivos sindicatos e consequentemente o tornou sujeito de responsabilidade.

Neste ponto, a título complementar, vale expor a crítica feita pelo AROUCA (2008, p.45) sobre a autonomia sindical conquistada em 1988 e o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (2002 a 2010) que já foi um importante líder sindical, com ampla relevância na atuação dos sindicatos combativos e na instauração dos movimentos grevistas dos metalúrgicos da região do ABC, seguem suas palavras:

A autonomia conquistada em 1988 aparentemente afastou a tutela administrativa do Estado, que reaparece nas ações do Governo Luiz Inácio Lula da Silva, através do registro indiscriminado de sindicatos de carimbo, fundados artificialmente mediante dissociação de agrupamentos já organizados, ou desmembramento territorial, negando o princípio básico do Estado Democrático de Direito, a cidadania – cidadania, no caso, da coletividade e não de meia dúzia de oportunistas que, animados pela receita fácil advinda da contribuição sindical, assumem, sem liderança nem apoio popular, o comando de um sindicato com as bençãos do Ministério do Trabalho, o qual lhe concede o registro diante do propósito assumido de dividir os sindicatos. Nesta linha, querendo recuperar o controle perdido, o Ministério do Trabalho impôs o recadastramento, só aparentemente facultativo, mas que é exigido para o depósito de convenções coletivas, e, usurpando competência do Poder Legislativo, cuidou, a fim de inviabilizar a chamada contribuição confederativa, de regulamentar textos, de lei, velhos, com mais de sessenta anos (Art. 513, aliena e, da CLT) e de grandeza constitucional (inciso IV do Art. 8º), como se deu com a edição da Portaria de nº 160, do Ministro Ricardo Berzoini, derrubada pelo Supremo Tribunal Federal por vício de inconstitucionalidade [..] No entanto, o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, quando dirigente sindical, dizia que o Título V (da Organização Sindical, grifo nosso) da CLT era o AI-5 dos trabalhadores.

Embora não seja foco deste estudo, observa-se que as controvérsias sobre o direito de greve só crescem com o envolvimento do sindicalismo e dos governantes da vez, visto que é típico de quem assume o poder tentar reprimir sucintamente os direitos reivindicativos ou limitá-los, embora hodiernamente esta intenção encontre barreiras nos ditames e garantias da Constituição Federal.

Observa-se através da evolução histórica deste direito e do próprio sindicalismo ciclos de altas e baixas de acordo com os interesses políticos, ressaltando-se que estes interessados em novamente tentar retirar ou limitar a atuação sindical e do direito de greve, esbarram na proteção constitucional, como também do Princípio da Proibição de retrocesso social, citado na introdução deste trabalho.


3. GREVE NO BRASIL

Este movimento reivindicativo recebeu diversas definições por doutrinadores e estudiosos do mundo, sendo pertinente ostentar aqui algumas das, possivelmente, mais representativas conceituações.

Começando pela explicação do que seria “Greve” exposta por Cesário (apud DELGADO, 2007) quando a define como [...]

[...] uma paralisação coletiva provisória, parcial ou total, das atividades dos trabalhadores em face de seus empregadores ou tomadores de serviços, com o objetivo de exercer-lhes pressão, visando a defesa ou conquista de interesses coletivos, ou com objetivos sociais mais amplos.

Ou ainda que “a greve é toda suspensão do trabalho, decorrente de uma deliberação coletiva dos trabalhadores, a fim de propugnarem por uma melhoria ou para pleitearem uma pretensão não atendida pelos empregadores” (SILVA, 1999).

Como também, na visão de Süssekind (apud DEVEALI, 2002, p. 590), “a greve consiste na abstenção simultânea do trabalho, concertada pelos trabalhadores de um ou mais estabelecimentos, ou de suas seções, com o fim de defender os interesses da profissão”.

A Constituição Federal brasileira de 1988 trouxe a previsão expressa deste direito e o reconheceu como garantia fundamental, não restando, assim, dúvidas sobre o “status” conferido. Entretanto a mesma distinguiu os trabalhadores em quatro grupos, a saber: Empregados de empresas privadas; Servidores públicos da administração direta e indireta; Militares das Forças Armadas e Militares dos Estados, Distrito Federal e Municípios.

O primeiro grupo foi reconhecido pelo artigo 9º, que versa “É assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender”. O segundo grupo no artigo 37, VII, da Constituição quando dispõe que “o direito de greve (deste grupo, grifo nosso) será exercido nos termos e nos limites definidos em lei específica”, no entanto tal lei não foi editada até o presente momento. Ao terceiro grupo não foi reconhecido o direito de greve, sendo expressamente vedado no artigo 142, §3º, IV. Por fim, o quarto grupo na prática também tem seu direito de greve vedado, em analogia aos militares das Forças Armadas.

Existe um longo confronto doutrinário em relação aos dois últimos grupos, pois alguns juristas entendem que os militares têm relação com as Forças Armadas, enquanto outros entendem de forma distinta, ou seja, aqueles primeiros pertencem à categoria de trabalhadores da Administração pública direta, corrente que comunga este estudo. Todavia esta divergência não é foco deste texto, possivelmente apreciada em algum momento oportuno.

A primeira e única lei infraconstitucional que regulamenta este assunto promulgada no Brasil pós-constituição de 1988 foi a Lei 7.783, de 28 de junho de 1989, já trazendo em seu artigo 1º a mesma redação do artigo 9º da Constituição, mas estabelecendo de logo sua obrigatoriedade no parágrafo único do mesmo artigo, “O direito de greve será exercido na forma estabelecida nesta Lei”. Entretanto, este comando legal atinge uma categoria geral de trabalhadores, não se encontrando neste grupo, em tese, os militares e aqueles pertencentes à Administração Pública, quando se pode observar que

[...] de fato, a ordem jurídica evoluiu, no que tange à greve, da atitude autoritária, própria do contexto político-econômico em que instituída, para a concepção mais compatível com o Estado Democrático de Direito. O art. 9º da Constituição Federal, reproduzido no art. 1º da Lei de Greve, bem demonstra a evolução realizada: É assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devem por meio dele defender.(TST-RODC-45000-53.2006.5.05.0000).

Não obstante os objetivos da greve, para a defesa dos interesses coletivos de um grupo de trabalhadores faz-se necessário a devida representação pelo correspondente sindicato, em correspondência com o artigo 8º, III, da Constituição Federal, assumindo este último, portanto, a posição de sujeito ativo do procedimento, como preceitua o artigo 4º da lei de greve, permitindo, na ausência de um sindicato, a formação de um comando de negociação. Vale mencionar que a greve para a primeira categoria está amplamente regulamentada, com procedimentos próprios, sujeitos e objetivos, que devem ser observados sob pena de ilegalidade do movimento, inclusive em relação às atividades essências, fazendo-se pertinente sua menção neste trabalho devido à importância para outras categorias de trabalhadores, como a dos Servidores públicos da administração direta e indireta, cuja regulamentação ainda não está expressamente definida por conta da omissão legislativa, fazendo-se valer um tópico especifico sobre tal categoria, que é sem dúvida parte relevante do objeto deste estudo.


3.1 Natureza e Limites do Direito de Greve

É comum entender que a greve tem natureza reivindicatória e exclusiva das relações de trabalho, com pleitos sempre ligados aos avanços salariais, qualitativos, dentre outros aspectos das atividades profissionais. Entretanto o exercício deste direito pode ser entendimento como um fenômeno social, cultural, econômico, legal, possivelmente estudado pelas várias áreas das ciências humanas. De acordo com Zangrando (1994, p. 45) a Sociologia vê na greve um retrato dos movimentos operários na forma em que eles se dão na realidade, e não apenas na esfera jurídica, sendo, portanto, um fato social, como tal tido na sua enorme variedade e nuances.

Diversas outras ciências estudam a natureza deste instituto, com destaque para ciência jurídica, que segundo o autor supracitado parte da investigação das normas jurídicas, suas modificações e diferenciações, no espaço e no tempo, num sentido descritivo e valorativo, tentando compreender a greve em todas as suas dimensões, como fato, como valor e como norma.

Desta feita é importante destacar que a greve não tem uma única face como também não só existe em favor das relações de trabalho. No prisma de fato social a greve tem por finalidade a conquista de melhores meios de sobrevivência para o trabalhador e seus familiares, ou seja, quando se pleiteia correção ou reposição salarial o fim definitivo teria natureza alimentar. Além disso, a greve como liberdade estaria ligada aos abusos dos patronos que coagem seus empregados a permaneceram trabalhando até concluírem a produção, comum à época da Revolução Industrial quando não existia a garantia de jornada de trabalho determinada que logo viria a ser reivindicada, ademais esta liberdade está ligada a livre associação sindical, ao direito de ir e vir daqueles que não aderiram aos movimentos paredistas, visto que muitas vezes são impedidos pelos piquetes[7]. Ainda, como direito é entendida como garantia constitucionalmente reconhecida e regida por lei ordinária visto seu procedimento próprio. Vale elucidar que existem greves cujo objeto é a aprovação de uma nova lei, conhecidas como greves políticas, bastante recente no Brasil em relação ao piso do magistério. Zangrando (1994, p. 47) ainda entende a greve como uma forma de defesa, expondo que a mesma traz algo de legitima defesa, nascida do fato social do descontentamento, originado pela desatenção, pelos empregadores e/ou pelo Estado, das reivindicações dos empregados.

Independente da natureza, não se vislumbra em uma organização jurídica direitos absolutos, capazes de sobrepujar todos os outros sem qualquer ponderação, entendimento este que deixaria de abarcar o direito de greve, mesmo previsto em lei hierarquicamente superior, tendo que necessariamente se amoldar àquela organização e sofrer uma série de limitações que restringem seu exercício pleno com o intuito de se evitar descontrole e prejuízos sociais, temporários ou permanentes, indesejáveis.

Se a Carta Magna brasileira [...] determinou que a lei definisse os “serviços ou atividades essenciais” e dispusesse “sobre o atendimento das necessidades inadiáveis da população”, punindo “os abusos cometidos”, parece lógico concluir que admitiu limitações ao exercício do direito de greve. Ele não é absoluto, devendo respeitar os superdireitos fundamentais do ser humano (SÜSSEKIND, 2001, p. 451).

Podem-se expor possíveis situações a títulos de exemplo: o empregador poderia sofrer sérias perdas econômicas se toda e qualquer coletividade trabalhista aderisse a movimentos paredistas há qualquer momento e fundamento, quando aquele naturalmente se protegeria da falência com a não efetivação de novos empregados ou até mesmo com o desligamento de outros, isso se não fechasse as portas e deixasse de fornecer certo produto ou serviço importante; A Administração Pública poderia cair na precariedade por não conseguir manter serviços públicos contínuos e essenciais para a população, seria possível em tempos atuais imaginar uma cidade sem segurança pública?

Por outro lado, este direito surgiu como uma forma de evitar a arbitrariedade nas relações trabalhistas quando alguém detinha o poder econômico e impunha ao empregado uma evidente disparidade de forças – outrora a greve era reconhecida como uma espécie de autotutela, hodiernamente como uma garantia fundamental. Ademais quando se trata da relação Estado / funcionário público, levando em conta que o primeiro possui todo um aparato financeiro, administrativo, político e não é passível de falência, podendo suportar longos períodos de negociações e pressionar os trabalhadores a retornarem para suas atividades, pois estes não suportam vários meses sem seus rendimentos, a greve abrange um papel mais equalizador e neste sentindo não se deve vislumbrar a mesma como uma queda de braços entre partes, ao contrário, é preciso reconhecê-la como um equilíbrio de forças que oportuniza a parte hipossuficiente pressionar e conquistar um espaço para negociação e reivindicação de melhorias social-trabalhistas para realmente se atingir o objetivo do bem comum. Neste sentido explana Granzotto (2008, p. 1):

[...] os ordenamentos democráticos conferiram à greve a condição de direito fundamental, dando-lhe uma feição de maior civilidade, uma vez que o uso da coerção passa a não ser o único meio empregado...Veja que, se de um lado o patrão tem prejuízos com a paralisação dos seus empregados, eis que interrompida ou prejudicada fica sua produção, o mesmo ocorre com o empregado que tem o seu ponto cortado, além de sofrer alguns ônus, existindo certo equilíbrio de forças entre o grevista e seu empregador, o que gerará a abertura do caminho para a negociação, que é a finalidade da greve...No que tange à greve no serviço público, a questão da paridade de forças, que deve nortear o espírito da greve, é mais complexa do que na relação puramente privada, pois sendo o ente federativo a figura do empregador, há uma presumida disparidade de forças entre as partes discordantes, já que o Estado, devido à sua magnitude, poderá se socorrer por outros meios, para que não seja afetado a ponto de ter que negociar com o empregado grevista.

Observa-se, portanto, um necessário sopesamento entre os direitos e garantias trabalhistas e o interesse público, aças o privado, quando se observa um serviço relevante, ou seja, em pró do coletivo. Desta feita pode-se afirmar que a fronteira do direito de greve, no sentido lato, é a própria a sociedade. Todavia não se deve cerceá-lo de plano sem analisar as necessidades dos empregados, suas reivindicações, como também os possíveis danos e ganhos para o coletivo, mesmo que restrito a um grupo de trabalhadores, sob pena de um grave desequilíbrio de forças, pois se faz necessário ressaltar que junto à própria sociedade está Estado, com seu maquinário e estrutura, que por vezes é movido por interesses políticos, nem sempre representativos aos interesses coletivos, contra um pequeno grupo que almeja melhorias laborais.


3.2 Greve no Serviço Público

Em um raciocínio estritamente legal, a princípio, o servidor público não poderia fazer greve, visto a não existência de lei prevista no comando constitucional positivado no artigo 37, VII, da Constituição, pois o legislador, até então, optou por omitir-se sobre este tema. Ademais diversos julgados seguiram esta linha, a exemplo do Juiz Relator Dr. Carlos de Menezes Faro Filho, TRT 20º Região, no acórdão nº 1556 de 2004 quando versa em sua ementa:

DIREITO DE GREVE – SERVIDOR PÚBLICO – IMPOSSIBILIDADE. O servidor público, mesmo aquele regido pela legislação trabalhista, não pode exercitar o direito de greve, pois ainda não existe a Lei específica que define seus termos e limites referidos no art. 37, inciso VII, da Carta Política de 1988. Greve declarada ilegal.

De forma que este entendimento subsistiu sob a argumentação de que o servidor público não poderia fazer greve até que fosse editada a lei complementar reguladora, contudo o tipo desta norma fora alterado pela emenda nº 19 de 1998, como versa Gentil (2007, p.1):

Em relação ao servidor público, o direito de greve foi assegurado em termos mais tímidos. Originalmente, a Carta Magna previu que o direito de greve dos servidores públicos seria exercido nos termos e limites definidos em lei complementar. Após a emenda constitucional nº 19/98, tais termos e limites passaram a dever ser estabelecidos em lei específica.

Ademais, mesmo com a Constituição Federal tendo previsto expressamente tal direito para os servidores públicos, a eficácia deste continua entendida como contida e não auto-aplicável, como expõe o Juiz Relator, ibidem, no seguinte trecho de um de seus votos:

O preceito constitucional que reconheceu o direito de greve ao servidor público civil constitui norma de eficácia meramente limitada, desprovida, em consequência, de auto-aplicabilidade, razão pela qual, para atuar plenamente, depende da edição da lei complementar exigida pelo próprio texto da Constituição (AC 1556, TRT 20º, 2004).

Valendo-se agora de um raciocínio hermenêutico, pode-se entender que, embora seja exigida tal lei reguladora, a Constituição de plano não proíbe o exercício do direito de greve pelos funcionários públicos, diferente das Forças Armadas cuja proibição é expressa no artigo 142, §3º, IV da CF. Por outro lado observa-se uma clara intenção do constituinte em definir parâmetros para que este direito seja externado, especialmente um procedimento, pautados sob argumentos que visam evitar determinados abusos e por vezes não comprometer os serviços e atividades essenciais, em especial os básicos como fornecimento de luz e água, que, em tese, não podem parar.

O serviço público possui, em princípio, um ligação direta com as necessidades especificas da comunidade, não se espera que opera em função do lucro individualizado de alguém, mas de um interesse presumivelmente geral. Isto tende a fazer a greve do funcionalismo mais difícil de ser justificada moralmente […] O fato de o Estado ser autoritário – que constitui um argumento em favor dos grupos de trabalhadores do setor privado quanto à liberdade de greve – não deve favorecer necessariamente o funcionário público […] Assim, a provisão constitucional sobre a necessidade de lei complementar (hodiernamente específica, grifo nosso) para o exercício da greve pelo funcionalismo público se afigura razoável e necessária (SANTOS, 1993, p.94).

Desta feita, constitucionalmente não se deve falar em proibição e sim de uma permissão condicionada que, enquanto não houver a lei específica saneadora, cabe aos órgãos competentes dirimirem os conflitos coletivos observando as peculiaridades de cada caso. Para Süssekind (2002, p. 53) a lei a que alude o art. 37, VII, da Constituição, poderá estabelecer limites; nunca, porém, negar o direito, o qual, por conseguinte, já existe.

Dentro ainda deste raciocínio é possível discordar do entendimento jurisprudencial que menciona o direito dos servidores públicos sem auto-aplicabilidade, pois nada impede que os movimentos grevistas no funcionalismo público sejam efetivamente decretados, logo não existe proibição e, em tese, também não existem os limites, condições e procedimentos que seriam elucidados na lei especifica inexistente. Portanto é possível afirmar que este direito é aplicável de plano, pois a própria Constituição expressa em seu artigo 9º, sendo esta parte da norma extensível a qualquer categoria, que os trabalhadores podem decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender.

Logo, ao interpretar sistematicamente a Constituição, não se pode deixar de lado diversos outros princípios pertinentes ao trabalhador, à sociedade e ao próprio Estado, formando um conjunto de valores que devem ser balanceados, tendo em vista certa relativização do texto constitucional para fins de evitar distorções a exemplo de existirem trabalhadores realmente mal remunerados e sem as devidas condições laborais atuando em atividades proibidas de exercerem greve, logo, como ficaria a situação destes se a norma for interpretada ao pé da letra, continuariam nestas péssimas condições ou mudariam de profissão? Visto que a rotatividade de trabalhadores já seria uma situação tecnicamente ruim para a continuidade das atividades essenciais.

Ademais, em um Estado Democrático de Direito, a própria decretação de ilegalidade da greve não impede que os trabalhadores iniciem movimentos paredistas na prática, a exemplo dos policiais militares e bombeiros que, proibidos de fazer greve, proferiram diversos movimentos em todo o Brasil, cominando na formação de uma proposta de emenda constitucional, a PEC 300, visando equiparação salarial, plano de carreira, dentre outras reivindicações.

Os países democráticos se dividem a permitirem ou proibirem a greve do funcionalismo público. Acredito que constitua um bem para o nosso país (Brasil, grifo nosso) a permissão da greve ao servidor público não dotado de titularidade de poder constituído ou de posições próximas desse mando supremo. Numa sociedade tão desigual como a brasileira, privar da greve o funcionalismo pode significar em muitos casos o sequestro da única oportunidade que tem o pequeno servidor de vencer o egoísmo dos grupos bem situados (SANTOS, 1993, p.94).

Assim, na intenção de resolver toda esta discussão doutrinária e jurisprudencial sobre o direito de greve dos servidores públicos e havendo reconhecimento que aquele é sim patrimônio dos servidores, contudo não absoluto, como bem afirmou o ministro do Supremo Tribunal Federal Eros Grau (Mandado de Injunção nº 712 – STF), que elucidou sobre uma real necessidade de se interpretar a Constituição Federal a luz de sua totalidade, sistematicamente, ou seja, não somente por dispositivos independentes ou de forma estritamente legalista. Assim, o Supremo Tribunal Federal saneou a questão através do julgamento de três mandados de injunção interpostos por alguns sindicatos representativos de categorias do funcionalismo público até que seja editada a lei específica, como bem explica Carmo (2007, p.02):

No dia 25 de outubro de 2007 o Supremo Tribunal Federal julgou os Mandados de Injunção 670, 708 e 712. Ações ajuizadas, respectivamente, pelo Sindicato dos Servidores Policiais Civis do Estado do Espírito Santo (Sindpol), pelo Sindicato dos Trabalhadores em Educação do município de João Pessoa (Sintem) e pelo Sindicato dos Trabalhadores do Poder Judiciário do estado do Pará (Sinjep).

Sobre o tema o presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil à época dos Mandados de injunção, Cezar Britto, afirmou que

[…] o direito de greve é um princípio fundamental, inerente a todo e qualquer serviço e que, ao decidir pela aplicação da legislação da iniciativa privada ao servidor público, o Supremo Tribunal Federal nada mais fez do que suprir a omissão legislativa existente. “O Congresso já havia decidido a forma em que se exerceria o direito de greve na iniciativa privada. Tão somente se estendeu esse direito. O Supremo não inovou, não criou, apenas regulamentou no Brasil” (CARMO, 2007, p. 3).

Entretanto, é relevante destacar que por não mais se tratar de lei complementar, cuja finalidade é justamente “complementar” o texto constitucional, e para sua elaboração é exigido quorum de maioria absoluta, por exclusão, entende-se que a lei específica definida na vigente redação do artigo 37, VII da Constituição é ordinária, logo passível de ser suprida utilizando-se do instituto da analogia, como uma forma de solucionar a lacuna presente no comando constitucional há pouco citado. Neste sentido bem entende Kosteski (2004, p. 1):

Diante do atual texto constitucional, parece-nos que, enquanto não for editada a referida lei específica para regular o exercício do direito de greve do servidor público, mostra-se perfeitamente aplicável, por analogia, a atual Lei (específica) de Greve (Lei 7.783/89). Claro que não se trata, obviamente, de lei ordinária reguladora, especificamente, da greve dos servidores públicos, mas de empregados regidos por contrato de trabalho. Os limites do direito de greve, e até mesmo sua proibição, em certos casos, para algumas categorias específicas de empregados ou de funcionários públicos, justifica-se não em razão do status do trabalhador, mas em decorrência da natureza dos serviços prestados, que são públicas, essenciais, inadiáveis, imantados pelo princípio da predominância do interesse geral e da continuidade do serviço público.

Para Süssekind (2002, p. 593):

A solução até que o Congresso Nacional legisle sobre a matéria – O presidente da República, em 28 de dezembro de 2001 submeteu àquela casa um projeto de lei sobre o tema – estaria em invocar, por analogia, que é fonte de direito, as disposições da Lei nº 7.783/89, naquilo que não for incompatível com a natureza e os objetivos do serviço público.

Portanto, até que a lei específica seja editada, no cenário atual não restam dúvidas que a Lei de greve deve ser aplicada para os servidores públicos da Administração direta e indireta, além dos já originais destinatários dela, não excetuado a necessidade de o julgador analisar caso a caso, observando suas particularidades, os interesses pleiteados e utilizando-se de um interpretação sistemática da Constituição a fim de não promover distorções e combater arbitrariedades.

Observando, então, este novo cenário, com a Lei de greve aplicada para servidores e empregados públicos, cabe a estes também cumprirem os parâmetros objetivos expostos por aquela, sob pena de ilegalidade, ou seja, para que um movimento seja deflagrado dentro da legalidade deve-se recorrer ao procedimento de greve previsto nesta norma, cuja finalidade é preservar certos direitos, a sapiência da sociedade sobre a greve e, principalmente, proteger a continuidade das atividades essenciais exigindo, por exemplo, um contingente mínimo de empregados, em esquema de rodízio, trabalhando durante a paralisação.

A juíza relatora Suzane Faillace Lacerda Castelo Branco, no acórdão 3271/04 do TRT da 20º região, transcrito abaixo, assim expõe que a Constituição Federal assegura aos trabalhadores o direito de paralisar suas atividades na defesa dos interesses da categoria, respeitadas, contudo, as formalidades legais, sob pena de restar configurado abuso do direito de greve.

DISSÍDIO DE GREVE – ATIVIDADE ESSENCIAL – NÃO OBSERVÂNCIA DA LEI Nº 7.783/89 – ABUSIVIDADE DO MOVIMENTO DE PARALISAÇÃO. Em se tratando de atividade essencial, não observada a ciência prévia da paralisação aos empregadores e usuários, no prazo mínimo de 72 (setenta e duas) horas, conforme exigência formal contida no artigo 13, da Lei nº 7.783/89, impõe-se declarar a abusividade do movimento grevista.

Não mais se discute sobre o direito de greve dos servidores públicos, este constitucionalmente protegido, passa-se a observar certas formalidades, reguladas em leis específicas, como a mencionada lei 7.783/89, que visam sanear de forma menos danosa para sociedade a deflagração de um movimento grevista, como também elucidar quais são as atividades essenciais como, ainda, determinar as responsabilidades civis e penais dos movimentos que visam unicamente perturbar a paz social. Estes parâmetros são fortemente utilizados pelos tribunais em suas decisões sobre a ilegalidade de certas greves, como podemos observar na ementa abaixo Tribunal Superior do Trabalho:

GREVE – ATIVIDADE ESSENCIAL – AUSÊNCIA DE COMUNICAÇÃO PRÉVIA AOS USUÁRIOS – CONSEQÜÊNCIA – DECLARAÇÃO DE ABUSIVIDADE FORMAL – Em se tratando de greve em atividade essencial, as partes em conflito devem assegurar a prestação de serviços indispensáveis às necessidades inadiáveis da população, entre as quais, indiscutivelmente, se insere o atendimento à saúde, como expressamente definido pelo parágrafo único do art. 11 da Lei nº 7783/89. O legislador, ao disciplinar o direito de greve nas atividades essenciais, impôs, como requisito para o seu regular exercício, a prévia comunicação dos usuários, com antecedência mínima de 72 horas, como expressamente estatuído no artigo 13 do referido diploma legal. Não tendo sido atendido esse requisito formal, legalmente exigido, a consequência é a declaração de abusividade da greve, consoante expressamente dispõe o artigo 14, caput, da Lei nº 7783/89. Recurso ordinário parcialmente provido. (TST – RODC 723697 – SDC – Rel. Min. Milton de Moura França – DJU 27.09.2002).

No entanto é preciso elucidar que não se critica na doutrina e jurisprudência a legalidade destes parâmetros, mas sim a efetiva aplicação destes, sob pena de restringir por mero formalismo um direito fundamental, como bem entende o ministro relator Márcio Eurico Vitral Amaro, acórdão TST-RODC-45000-53.2006.5.05.0000:

Não afronta o art. 9º da Constituição Federal a determinação de percentuais mediante os quais as partes providenciem o atendimento das necessidades inadiáveis. O que não se justifica, todavia, é a fixação de percentuais que inviabilizem o direito fundamental consagrado na Constituição. Nesse sentido, a decisão nº 498 do Comitê de Liberdade Sindical da OIT: as condições requeridas pela legislação, para que a greve seja considerada atividade lícita, devem ser razoáveis e, em qualquer hipótese, não ser de natureza que constitua significativa limitação das possibilidades de ação das organizações sindicais.

Portanto, as atividades essenciais são um dos mais relevantes parâmetros previstos na legislação pátria para se observar no momento de deflagração de uma greve, vale, para melhor compreensão, destacar um tópico sobre estas e traçar alguns pontos controversos e como as mesmas ensejam, em muitos casos, a decretação da ilegalidade do movimento.


3.3 Greve e as Atividades Essenciais

Para o Comitê de Liberdade Sindical[8] da OIT[9], as atividades essenciais são aquelas que refletem diretamente na sociedade cuja interrupção pode pôr em perigo a vida, a segurança ou a saúde da pessoa, em toda ou parte da população. Em conformidade a este entendimento a Lei 7.783/89 estabeleceu dois tipos de serviços ou atividades que não podem parar durante um movimento paredista, ainda que deflagrado na conformidade dos procedimentos legais e estatutários, segundo Süssekind (2002, p.600), previstos nos artigos 9º e 11º desta lei de greve, ora transcritos:

Art. 9º Durante a greve, o sindicato ou a comissão de negociação, mediante acordo com a entidade patronal ou diretamente com o empregador, manterá em atividade equipes de empregados com o propósito de assegurar os serviços cuja paralisação resultem em prejuízo irreparável, pela deterioração irreversível de bens, máquinas e equipamentos, bem como a manutenção daqueles essenciais à retomada das atividades da empresa quando da cessação do movimento.

Art. 11. Nos serviços ou atividades essenciais, os sindicatos, os empregadores e os trabalhadores ficam obrigados, de comum acordo, a garantir, durante a greve, a prestação dos serviços indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade.

Parágrafo único. São necessidades inadiáveis, da comunidade aquelas que, não atendidas, coloquem em perigo iminente a sobrevivência, a saúde ou a segurança da população.

Nas palavras de Calabrich (2005, p.1) encontramos uma excelente explanação sobre estas atividades:

Quanto aos serviços essenciais, pode-se dizer que estes são aqueles de vital importância para a sociedade, pois afetam diretamente a saúde, a liberdade ou a vida da população, tendo em vista a natureza dos interesses a cuja satisfação a prestação se endereça. Há aqueles serviços que pela sua própria natureza são ditos essenciais, que são os serviços de segurança nacional, segurança pública e os judiciários. Somente o Estado poderá prestá-los diretamente. São portanto, indelegáveis. Mas há outros serviços que o legislador previamente considera essenciais, embora não precisem ser prestados diretamente pelo Estado. Estes se encontram na Lei n° 7.783/1989 - Lei de Greve, que define no seu art. 10 os serviços ou atividades essenciais e regulamenta o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade. Assim, identifica-se no citado diploma legal como serviços públicos essenciais que podem ser prestados diretamente ou indiretamente pela Administração Pública, ou através de concessão ou permissão, entre outros, os serviços de tratamento e abastecimento de água, produção e distribuição de energia elétrica, gás, combustíveis, transporte coletivo e telecomunicações.

É oportuno também expor o artigo 10º da mesma legislação, pois especifica uma série de serviços ou atividades considerados essenciais, no entanto sem a pretensão de exaurir ou taxar, logo se trata de um rol exemplificativo:

Art. 10. São considerados serviços ou atividades essenciais:

I - tratamento e abastecimento de água; produção e distribuição de energia elétrica, gás e combustíveis;

II - assistência médica e hospitalar;

III - distribuição e comercialização de medicamentos e alimentos;

IV - funerários;

V - transporte coletivo;

VI - captação e tratamento de esgoto e lixo;

VII - telecomunicações;

VIII - guarda, uso e controle de substâncias radioativas, equipamentos e materiais nucleares;

IX - processamento de dados ligados a serviços essenciais;

X - controle de tráfego aéreo;

XI - compensação bancária.

O ministro do Supremo Tribunal Federal, Eros Grau, em seu voto para o mandado de injunção MI. Nº 712, do qual foi relator, defendeu que "serviços ou atividades essenciais" e "necessidades inadiáveis da coletividade" não se superpõem a "serviços públicos"; e vice versa.

MANDADO DE INJUNÇÃO. ART. 5º, LXXI DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. CONCESSÃO DE EFETIVIDADE À NORMA VEICULADA PELO ARTIGO 37, INCISO VII, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. LEGITIMIDADE ATIVA DE ENTIDADE SINDICAL. GREVE DOS TRABALHADORES EM GERAL [ART. 9º DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL]. APLICAÇÃO DA LEI FEDERAL N. 7.783/89 À GREVE NO SERVIÇO PÚBLICO ATÉ QUE SOBREVENHA LEI REGULAMENTADORA. PARÂMETROS CONCERNENTES AO EXERCÍCIO DO DIREITO DE GREVE PELOS SERVIDORES PÚBLICOS DEFINIDOS POR ESTA CORTE. CONTINUIDADE DO SERVIÇO PÚBLICO. GREVE NO SERVIÇO PÚBLICO. ALTERAÇÃO DE ENTENDIMENTO ANTERIOR QUANTO À SUBSTÂNCIA DO MANDADO DE INJUNÇÃO. PREVALÊNCIA DO INTERESSE SOCIAL. INSUBSSISTÊNCIA DO ARGUMENTO SEGUNDO O QUAL DAR-SE-IA OFENSA À INDEPENDÊNCIA E HARMONIA ENTRE OS PODERES [ART. 2O DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL]E À SEPARAÇÃO DOS PODERES [art. 60, § 4o, III, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL]. INCUMBE AO PODER JUDICIÁRIO PRODUZIR A NORMA SUFICIENTE PARA TORNAR VIÁVEL O EXERCÍCIO DO DIREITO DE GREVE DOS SERVIDORES PÚBLICOS, CONSAGRADO NO ARTIGO 37, VII, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL.

1. O acesso de entidades de classe à via do mandado de injunção coletivo é processualmente admissível, desde que legalmente constituídas e em funcionamento há pelo menos um ano. 2. A Constituição do Brasil reconhece expressamente possam os servidores públicos civis exercer o direito de greve --- artigo 37, inciso VII. A Lei n. 7.783/89 dispõe sobre o exercício do direito de greve dos trabalhadores em geral, afirmado pelo artigo 9º da Constituição do Brasil. Ato normativo de início inaplicável aos servidores públicos civis. 3. O preceito veiculado pelo artigo 37, inciso VII, da CB/88 exige a edição de ato normativo que integre sua eficácia. Reclama-se, para fins de plena incidência do preceito, atuação legislativa que dê concreção ao comando positivado no texto da Constituição. 4. Reconhecimento, por esta Corte, em diversas oportunidades, de omissão do Congresso Nacional no que respeita ao dever, que lhe incumbe, de dar concreção ao preceito constitucional. Precedentes. 5. Diante de mora legislativa, cumpre ao Supremo Tribunal Federal decidir no sentido de suprir omissão dessa ordem. Esta Corte não se presta, quando se trate da apreciação de mandados de injunção, a emitir decisões desnutridas de eficácia. 6. A greve, poder de fato, é a arma mais eficaz de que dispõem os trabalhadores visando à conquista de melhores condições de vida. Sua auto-aplicabilidade é inquestionável; trata-se de direito fundamental de caráter instrumental. 7. A Constituição, ao dispor sobre os trabalhadores em geral, não prevê limitação do direito de greve: a eles compete decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dela defender. Por isso a lei não pode restringi-lo, senão protegê-lo, sendo constitucionalmente admissíveis todos os tipos de greve. 8. Na relação estatutária do emprego público não se manifesta tensão entre trabalho e capital, tal como se realiza no campo da exploração da atividade econômica pelos particulares. Neste, o exercício do poder de fato, a greve, coloca em risco os interesses egoísticos do sujeito detentor de capital --- indivíduo ou empresa --- que, em face dela, suporta, em tese, potencial ou efetivamente redução de sua capacidade de acumulação de capital. Verifica-se, então, oposição direta entre os interesses dos trabalhadores e os interesses dos capitalistas. Como a greve pode conduzir à diminuição de ganhos do titular de capital, os trabalhadores podem em tese vir a obter, efetiva ou potencialmente, algumas vantagens mercê do seu exercício. O mesmo não se dá na relação estatutária, no âmbito da qual, em tese, aos interesses dos trabalhadores não correspondem, antagonicamente, interesses individuais, senão o interesse social. A greve no serviço público não compromete, diretamente, interesses egoísticos do detentor de capital, mas sim os interesses dos cidadãos que necessitam da prestação do serviço público. 9. A norma veiculada pelo artigo 37, VII, da Constituição do Brasil reclama regulamentação, a fim de que seja adequadamente assegurada a coesão social. 10. A regulamentação do exercício do direito de greve pelos servidores públicos há de ser peculiar, mesmo porque "serviços ou atividades essenciais" e "necessidades inadiáveis da coletividade" não se superpõem a "serviços públicos"; e vice-versa. 11. Daí porque não deve ser aplicado ao exercício do direito de greve no âmbito da Administração tão-somente o disposto na Lei n. 7.783/89. A esta Corte impõe-se traçar os parâmetros atinentes a esse exercício. 12. O que deve ser regulado, na hipótese dos autos, é a coerência entre o exercício do direito de greve pelo servidor público e as condições necessárias à coesão e interdependência social, que a prestação continuada dos serviços públicos assegura. 13. O argumento de que a Corte estaria então a legislar --- o que se afiguraria inconcebível, por ferir a independência e harmonia entre os poderes [art. 2o da Constituição do Brasil]e a separação dos poderes [art. 60, § 4o, III] --- é insubsistente. 14. O Poder Judiciário está vinculado pelo dever-poder de, no mandado de injunção, formular supletivamente a norma regulamentadora de que carece o ordenamento jurídico. 15. No mandado de injunção o Poder Judiciário não define norma de decisão, mas enuncia o texto normativo que faltava para, no caso, tornar viável o exercício do direito de greve dos servidores públicos. 16. Mandado de injunção julgado procedente, para remover o obstáculo decorrente da omissão legislativa e, supletivamente, tornar viável o exercício do direito consagrado no artigo 37, VII, da Constituição do Brasil.

No mesmo documento o Ministro Eros Grau explana que ao exercício do direito de greve no âmbito da Administração não deve ser aplicado tão-somente o disposto na Lei n. 7.783/89, mencionando que é necessário assegurar a coerência entre o exercício do direito de greve pelo servidor público e as condições necessárias à coesão e interdependência social, as quais a prestação continuada dos serviços públicos é imprescindível.

Estas atividades são hoje o principal objeto de discussão dentro do direito de greve dos servidores públicos da administração direta ou indireta e até mesmo dos trabalhadores da iniciativa privada que em algum momento estejam efetuando tais atividades de forma permitida pelo Estado. Sobre o tema a própria Lei de greve, utilizada para aquelas categorias de trabalhadores, quer por analogia, em relação aos mandados de injunção proferidos pelo Supremo Tribunal Federal, quer pela natureza trabalhista privada, como já visto, profere soluções e procedimentos para que um movimento paredista seja deflagrado sem prejudicar a continuidade destas atividades, ora expostas nos parágrafos anteriores com suma importância, como indaga o ministro relator Márcio Eurico Vitral Amaro no fragmento abaixo retirado do acórdão TST-RODC-45000-53.2006.5.05.0000:

Nos casos de paralisações em serviços essenciais, obrigam-se as partes, de comum acordo, a fixar limites operacionais mínimos para o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade (art. 11 da Lei de Greve). Insere-se, no art. 12, a responsabilidade do Poder Público pelo atendimento dessas necessidades, caso haja inobservância do art. 11 da Lei. Ante dificuldades insuperáveis para o acordo sobre o tema, pode a Justiça do Trabalho fixar tais limites

Vale também citar um fragmento do voto da ministra relatora Kátia Magalhães Arruda, referente ao RODC-79/2006-000-15-00.0 do Tribunal Superior do Trabalho, sobre a obrigatoriedade de observância dos parâmetros legais de forma a coibir o chamado abuso de direito de greve, termo este recorrente em diversos textos jurisprudenciais, ora transcrito:

O exercício do direito de greve, assegurado aos trabalhadores na Constituição Federal, está regulamentado pela Lei nº 7.783/89, que objetiva coibir o abuso e, se for o caso, garantir o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade, quando a greve afetar serviços ou atividades essenciais. Assim, uma vez deflagrada a greve, presume-se que tenha a categoria profissional observado as exigências legais para tanto instituídas

Contudo é preciso salientar que a observância destas atividades estendem-se além do funcionalismo público, encontrando morada na iniciativa privada, quando esta tem a permissão de atuar em alguma daquelas, como expõe Calabrich (2005, p.1) em sua conclusão:

o exercício de greve em atividades essenciais, prestados pelas concessionárias e permissionárias, é perfeitamente cabível e lícito, desde que seja assegurado um contingente mínimo de trabalhadores para dar a continuidade do serviço, sob pena de se permitir a contratação de pessoal substituto pelo empregador para evitar a paralisação total, sob pena de intervenção do Poder Público via Dissídio Coletivo proposto pelo parquet laboral, além de ser considerado como ilícito movimento paredista.


4. A RESPONSABILIDADE NO DIREITO DE GREVE

Mesmo em tempos hodiernos, destacando-se que não há dúvidas sobre amadurecimento do instituto em foco através de um longo processo histórico, podemos observar que o direito de greve ainda traz um notável grau de controvérsias entre empregados, patronos, sindicatos, Administração pública, privada, judiciário e a própria sociedade, ou seja, todos os “sujeitos” envolvidos, especialmente no que tange às questões relacionadas a forma, exercício, interesse e relevância de algum movimento grevista instaurado.

Contudo, existe uma quinta questão, com a mesma ou maior prioridade, que pode ocorrer antes, durante e após um movimento grevista, ou seja, em qualquer daquelas fases (questões) específicas que traz em seu bojo situações pertinentes especialmente ao abuso deste direito: em outras palavras, a responsabilidade advinda do mau uso, do excesso, da falta de cumprimento de requisitos legais, da utilização de violência, da perturbação da ordem, dentre outros fatores, que por vezes ensejam danos a outrem, ao patrimônio público, a liberdade, a integridade física e principalmente à sociedade.

Dito isso, faz-se bastante interessante entender de forma introdutória cada uma das primeiras questões expostas para adentrar especificamente na responsabilidade, parte do objeto desta pesquisa.

A primeira questão é eminentemente objetiva em detrimento de normas que definem pré-requisitos mínimos, em tese, obrigatórios para instauração de uma greve sob pena de ilegalidade no caso de descumprimento, pontuando-se também a questão do momento (oportunidade e procedimento) que, em princípio determina, em sede de exemplo, que não pode ocorrer greve durante a vigência de convenção ou acordo coletivo e de sentença normativa.

A segunda encontra-se recheada de entendimentos distintos, pois expõe quem pode ou não exercer este direito, além dos serviços que podem ou não parar. Existem, por exemplo, as divergências relacionadas aos servidores públicos, pois ainda não está legislada a lei específica reguladora a qual aponta o artigo 37, VII, da Constituição Federal. Como também as controvérsias em relação aos serviços essenciais e o rol definido no artigo 10 da Lei 7.783/89 (Lei de Greve), que é exemplificativo, proporcionando um subjetivismo na determinação de quais atividades que se enquadrariam nesta situação de essencialidade, cominando em entendimentos distintos entre os julgadores que em momentos julgam uma greve ilegal por considerar um serviço relevante e em outros, legal, para a mesma situação.

A terceira questão leva em consideração as motivações, as razões e os interesses daqueles inclinados a reivindicar, sendo, em tese, pertinente a estes últimos definir o que almejam defender com fulcro na própria legislação grevista, Art. 1º da Lei de Greve, “É assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender” e na própria Constituição, observando que artigo o supracitado é uma reprodução do que estava determinado na Constituição em seu Art. 9º.

A quarta questão é bem subjetiva, pois trata da importância que a greve adquiriu como instrumento de reivindicação por melhores condições de trabalho. Entretanto com o desenvolvimento dos Estados democráticos e o processo de constitucionalização, diversos outros fundamentos ganharam a mesma relevância implicando um necessário sopesamento entre o interesse público e o dos trabalhadores, não mais o interesse direto entre estes últimos e seus patronos, sendo, portanto, toda e qualquer greve de interesse social. Passou-se, então, a discutir-se a questão sob o prisma dos princípios constitucionais, com especial destaque para os auto conflitantes: “dignidade da pessoa humana” e a “supremacia do interesse público”, que sempre permeiam o exercício deste direito em foco.

Diante do exposto percebe-se, sem dúvida, que não se trata de um direito absoluto, visto estar recheado de normas passíveis de interpretações e entendimentos distintos, além de todos os limites legais e constitucionais impostos para seu exercício, de maneira que o não atendimento a estas questões quase sempre enseja em responsabilidade, daí a importância de estudá-la.


4.1 O Abuso de Greve

Diante de todo exposto entende-se que a greve é sim um instrumento dos trabalhadores, protegido constitucionalmente, que pode ser utilizado pelos mesmos coletivamente desde que não importe em excesso, afronte a ordem pública, não cause danos a terceiros, tenha motivo justo e obedeça ao procedimento definido em Lei, em tese, necessário para todas as categorias com permissão de exercer este direito, mesmo que por via de mandado de injunção. Para Nóbrega (2003, p.3), entende-se como abuso de direito:

[...] negar o direito e fundamentalmente afrontar a própria ordem jurídica, criando uma situação de exceção que não pode ser tolerada sob pena de acarretar a subversão da própria ordem jurídica. O abuso de direito é usualmente definido como o exercício anormal ou irregular do direito, isto é, sem que assista a seu autor motivo legítimo ou interesse honesto, justificadores do ato, que, assim, se verifica e se indicado como praticado cavilosamente, por maldade ou para prejuízo alheio.

A própria Constituição Federal já traz uma determinação legal para aqueles que venham a cometer abusos no exercício do direito de greve, ou seja, o Art. 9º, § 2º, que sujeita as penas previstas em Lei para os responsáveis.

Todavia, a Constituição não fala especificamente em abuso do direito de greve, simplificando no que tange a proposição do texto em abusos, no plural, abrindo espaço para a compreensão de qualquer tipo de abuso, inclusive aqueles que ensejam ações violentas que repercutem no Código Penal ou danos que adentram à esfera cível ou trabalhista. Trata-se de uma norma geral, que dada sua subjetividade e abertura abre-se margem para interpretações distintas.

Santos (1993, p.95) traz uma interessante teoria que distingue abuso do direito de greve dos abusos periféricos, como exemplo das possíveis interpretações daquela norma constitucional. Em suas palavras:

[…] sustento que a Constituição não fala em “abuso de greve de direito”, mas em “abusos cometidos” simplesmente (§ 2º do art. 9º). Assim, são puníveis todos os ilícitos – civis, trabalhistas e penais – praticados por ocasião da greve, mas a greve em si constitui um direito protegido e enquanto tal não deve ser punida, não pode reputar-se abusiva.

Encontra-se nos ensinamentos de Santos (1993, p.98) que a Constituição determinou aos trabalhadores o direito de definir o momento e o objeto a ser defendido por via de greve, mas o Art. 14 da Lei nº 7.783 de 1989 impõe que tal momento não pode seguir-se a uma decisão da justiça do trabalho, pondo o direito de greve abaixo do poder normativo dos tribunais. Segundo o autor o artigo específico da Lei de greve é inconstitucional, visto que constitui-se uma impossibilidade jurídica quando uma norma infraconstitucional sobrepõe-se à lei maior, sendo incompetentes os tribunais para declararem a abusividade de uma greve, limitando-se aos abusos gerais que o autor denomina excessos periféricos. Ademais, para Santos (1993, p.99) deve-se ter em mente o brocardo jurídico latino abusus non tollit usum, ou seja, o abuso não prejudica o uso do direito.

Em conclusão, o art. 14 da Lei da Greve, segundo creio, é inconstitucional. A declaração de greve abusiva pelos tribunais constitui, à luz da Carta Magna, uma impossibilidade jurídica. A petição inicial que tiver por fim tão-só aquela declaração deverá ser indeferida in limine pelo Presidente do Tribunal, porque, não sendo juridicamente possível seu objeto, inepto se torna o pedido (art. 295, parágrafo único, inc. III, do CPC). Se o pedido de decretação de abuso de greve chegar ao colegiado, por conter também proposta concreta de norma coletiva oferecida à parte contrária, deverá o Tribunal apreciar a proposta, cláusula por cláusula, e arbitrar as divergências; mas, em relação à abusividade da greve, deve declarar extinto o processo sem julgamento do mérito da questão correspondente, com fundamento no art. 267-VI do mesmo Código. Por seu turno, a dispensa de trabalhadores e a retenção de seus salários com base na chamada “greve abusiva” não podem ser admitidas. Do contrário, estaremos ressuscitando, com outros rótulos, a prática autoritária de declarar a “ilegalidade” da greve, adotada sob a Constituição antiga, com prejuízo das categorias de trabalhadores mais fracas ou mais tímidas e com completa ineficácia prática no caso de categorias fortes e de grande militância. (SANTOS, 1993, p.99).

No entanto, mesmo sendo um direito constitucional, a greve é sim submetida à justiça e à norma infraconstitucional regulamentadora, tendo como entendimento majoritário que os abusos definidos no Art. 9º, § 2º, da Constituição abarcam os definidos pela Lei de Greve.

Dentre os abusos definidos naquela Lei, Süssekind (2001, p. 477) destaca alguns:

O não atendimento das formalidades exigidas para instauração do movimento grevistas que devem ser observadas pela entidade sindical correspondente da classe interessada e à oportunidade da deflagração da greve;

O objeto da greve, ou seja, o interesse, as razões e motivos justos para viabilizar o movimento, não podem os trabalhadores considerar questões não fundamentadas para adentrarem em estado de greve;

A prática de atos ilícitos ou abusivos, por ação ou omissão dos dirigentes sindicais e dos próprios grevistas. Inferem-se daqui os excessos periféricos segundo Santos (1993, p.99), ou seja, questões pertinentes aos danos que podem ser causados, às questões penais, como o constrangimento ilegal promovido pelos piquetes[1011] que não permitem e coagem os colegas de trabalho a não adentrarem nos estabelecimentos, observando-se que ninguém é obrigado a aderir ao movimento, dentre outros pontos.

A Lei nº 7.783/89, ao regulamentar o preceito constitucional, estabelece que a inobservância de suas determinações, bem como a manutenção da paralisação após a celebração de acordo, convenção ou decisão da Justiça do Trabalho, são caracterizadas como abuso do direito de greve (Art. 14). Segundo essa orientação, haverá abuso de direito se não forem observadas as determinações da Lei de greve. (MARTINS, 2001, P. 764).

A questão da formalidade para instaurar o movimento grevista traz à tona a necessidade de se convocar uma assembléia com quorum suficiente para deliberar sobre o interesse de entrar em estado de greve, inclusive determinando o aviso prévio mínimo em caso positivo, de forma a dar oportunidade à correspondente categoria econômica de se preparar ou até mesmo chamar o específico sindicato obreiro para uma nova oportunidade de negociação.

O abuso de direito será formal se não forem observadas as formalidades previstas na Lei nº 7.783/89, como a não-concessão de aviso prévio de greve. Haveria abuso de direito material se a greve se realizasse em atividades proibidas. (MARTINS, 2001,p.764).

Percebe-se que não é possível a categoria simplesmente entrar em greve sem observar aquelas questões, configurando abuso essencialmente quando o empregador se encontrar surpreendido pela paralisação, como também a própria sociedade, que deve ser avisada em tempo hábil, evitando que a população acorde com as portas fechadas de importantes serviços, a exemplo, dos bancos no dia em que a maioria da população recebe salário.

Perante a questão da oportunidade e momento, a greve só deve ser a escolha da categoria depois de fracassada a negociação coletiva e terminada a vigência da convenção ou acordo coletivo de trabalho, ou, ainda, da sentença normativa da Justiça do Trabalho, como elucida Süsseking (2001, p.478), excepcionalmente quando um dos objetivos da greve é justamente fazer valer as cláusulas ou condições acordadas naqueles instrumentos.

Gonçalves (2009, p.2) aponta algumas sanções cabíveis para quem comete abuso de greve:

A responsabilidade pelo abuso de greve será imputada e apurada contra o autor do ato ilícito, trabalhista, civil, ou penal, enquadrando-se cada ato no âmbito legal respectivo. Na esfera trabalhista, especificamente, cometendo o obreiro ato ilícito, poderá ensejar não só a suspensão disciplinar, mas, também, a própria justa causa. Por outro lado, descumprindo o sindicato, por exemplo, obrigatoriedade de atender necessidades inadiáveis da comunidade, conforme prevê a Lei de Greve, poderá ser responsabilizado por danos daí oriundos.


4.2 A Responsabilidade Civil e Trabalhista

A Lei nº 7.783/89 traz em seu Art. 15 “a responsabilidade pelos atos praticados, ilícitos ou crimes cometidos, no curso de greve, será apurada, conforme o caso, segundo a legislação trabalhista, civil ou penal”, sendo, portanto o fundamento básico para o estudo da responsabilidade para quem cometer abusos durante o movimento.

Deveras, a Lei de Greve não cria nova tipificação, mas, reporta o cometimento de ilícitos criminais à regência do Código Penal, os quais, em embates coletivos mais exacerbados, podem, claro, causar lesões corporais, crime de dano, crimes contra a honra [...] No âmbito civil, podem, também, ocorrer perdas e danos, morais e materiais, “figurando como réu aquele que tiver dado causa ao dano, o sindicato, a comissão dos trabalhadores, um trabalhador ou, até mesmo, cabível o litisconsórcio passivo (GONÇALVES, 2010, p.1).

Contudo, deve-se ter em mente que estes atos ilícitos podem ser cometidos tanto pelos dirigentes sindicais, pela deflagração da greve não atendendo as formalidades ou pela prática daqueles atos ou omissão quanto às providências que impuser a lei, quanto pelos empregados participantes, pela prática de piquetes obstativos, agressão física ou moral, ocupação indevida de local de trabalho, depredação de patrimônio alheio ou das máquinas, equipamentos e do próprio estabelecimento empregador, ou simplesmente pela recusa de integrar turmas de emergência para a prestação de serviços considerados indispensáveis.

A responsabilidade seria tanto do trabalhador, como do sindicato. Em Campinas, o sindicato profissional foi condenado por abuso cometido durante a greve dos transportes coletivos daquela cidade, devendo pagar as passagens durante alguns dias às empresas de ônibus, que concederiam, em contrapartida, transporte gratuito para a população. A responsabilidade civil de ter causado prejuízo ao empregador, por exemplo, poderá ser indenizada pelo sindicato ou pelo trabalhador, dependendo de quem foi o culpado (MARTINS, 2001, p. 767).

Perante a responsabilidade civil prevalece a regra geral do Direito Civil quanto a reparação dos danos por aquele que ilicitamente deu causa. Segundo AROUCA (2008, p.35):

A responsabilidade civil já vinha tratada no Código Civil de 1916, dispondo seu art. 159 que “aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência, ou imprudência, violar direito, ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano”. Em sua versão de 2000, o art. 927 é mais preciso: “Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causa dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”. As remissões completam a garantia que se dá ao ofendido: “Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”; “Art. 187. Também comente ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.

Por outra via, o Art. 160 do Código Civil estabelece que no decorrer de uma greve pacífica, deflagrada atendendo todos os preceitos previstos em lei, os danos causados serão considerados exercício regular de um direito reconhecido, o que não geraria, em tese, responsabilidade civil.

A Procuradora LÉLIA GUIMARÃES CARVALHO RIBEIRO, depois de ressaltar que o sindicato, como pessoa jurídica de direito privado, sujeito ao princípio da legalidade, é administrado por uma diretoria que o representa em Juízo em todos os atos da vida civil, lembra que, no direito positivo brasileiro, responsabilidade civil se caracteriza pela “violação de um dever legal ou do direito e prejuízo a terceiro lesado”. E aduz: “No caso de atos abusivos individuais de cada trabalhador, no curso da greve, dirigentes sindicais podem responder solidariamente, ainda que não tenham participação in loco nos atos ilícitos. Uma vez provado que, por via oblíqua, os dirigentes sindicais tenham incentivado e fomentado os grevistas na prática de atos ilícitos, devem, pois, ser punidos de acordo com as áreas em que ocorreu o prejuízo, se penal, trabalhista ou civilmente (SÜSSEKING, 2001, p.488).

Sobre a responsabilidade trabalhista cabe elucidar que a simples adesão ao movimento grevista não aduz falta grave cometida pelos trabalhadores e mesmo quando aquela for declarada abusiva não necessariamente significará que seus participantes tenham cometidos atos ilícitos, especificamente ilícito trabalhista. Importa destacar este ponto, pois a própria Lei de greve traz em seu artigo 7º a possibilidade de rescisão de contrato de trabalho durante a greve, mas excetua determinando que tal possibilidade só deve ocorrer nas hipóteses previstas nos artigos 9º e 14º da mesma lei.

Desta disposição legal resulta que os contratos de trabalho dos grevistas permanecem suspensos, desde que a paralisação coletiva do trabalho tenha observado a lei e tanto os dirigentes sindicais, quanto os empregados em greve não hajam praticado abuso. Neste caso, será vedada a despedida dos grevistas, assim como a contratação de substitutos. Se, entretanto, a greve for ou se tornar ilícita ou abusiva, a empresa poderá penalizar os responsáveis, inclusive com a despedida, e contratar empresa prestadora de serviços ou outros trabalhadores (SÜSSEKING, 2001, p. 474).

Para Zangrando (1994, p. 80) existe uma preocupação com a possibilidade de dano irreparável em equipamento especial que não possa simplesmente ser parado, sendo necessário certa danificação do mesmo, a exemplo dos altos-fornos das indústrias siderúrgicas, o que levou a elaboração do Art. 9º da Lei de greve. Portanto, passou-se a ser critério para não abusividade da greve manter uma equipe de trabalhadores para assegurar a continuidade dos serviços, cuja total paralisação possa promover danos irreparáveis. Contudo, entende-se que esta responsabilidade pertence aos sindicatos e a sanção pelo descumprimento ao dispositivo legal, acima exposto, será a permissão ao empregador para, no curso da greve, contratar diretamente os substitutos dos grevistas, como elucida o parágrafo único do artigo supracitado.

Exemplo clássico é a dispensa por justa causa nos termos do artigo 482 da CLT. No tocante, Sérgio P. Martins indica a seguinte hipótese: “seria o caso de o trabalhador impedir os colegas de trabalharem, de empregar violência com os colegas durante a greve, de causar dano à propriedade do empregador etc”. Nesse caso, como assevera o ilustre professor, trabalhadores poderão, inclusive, ser responsabilizados por crime de dano, lesão corporal, homicídio, etc., nos termos da legislação penal, tal que, havendo indícios, o parquet requisitará, ex oficio, abertura de inquérito e oferecerá denúncia, nos termos do art. 15, parágrafo único, da Lei 7.783/89 (GONÇALVES, 2010, p.3).

Diante desta realidade torna-se de suma importância observar a critica feita por AROUCA (2008, p.48) sobre a imposição da responsabilidade sobre o contingente mínimo de trabalhadores recair apenas sobre o sindicato:

Que a greve nunca foi bem vista pela Justiça do Trabalho é sabença elementar. Prova disso, a imposição da responsabilidade apenas ao sindicato profissional (refere o autor ao sindicato obreiro, grifo nosso), mesmo quando o outro lado nada propõe ou pede, e o juiz instrutor determina cautelarmente ao primeiro que faça manter ativo, sob sua responsabilidade, um contingente por vezes elevadíssimo de trabalhadores, sem esclarecer quem os escalará. Nesse caso, deixa de lado a liberdade sindical individual e negativa, expondo o sindicato a pesadas multas, e, na hipótese, não poderá assegurar aos não-filiados o direito de oposição, presente e prestigiada, quando se trata de desconto em folha da contribuição impropriamente denominada assistencial. Já se viram situações inusitadas, como a determinação de manter 100% dos empregados em atividade, não restringindo, mas negando o direito de greve. Caso mais expressivo foi o dos petroleiros, que não cumpriram decisão do Tribunal Superior do Trabalho e tiveram de suportar durante longo tempo multa que não tinham como pagar e da qual se livraram graças à anistia que veio através de lei, mediante projeto de iniciativa do Poder Executivo.

Por fim, é interessante apontar o entendimento sobre a responsabilidade trabalhista perante o empregado com direito à estabilidade, ainda que de caráter condicional como ocorre com os dirigente sindicais, observando que a estabilidade provisória não gera maiores garantias do que os demais tipos de estabilidades, como bem deixa claro Süssekind (2001, p.486).

De acordo com Art. 543 da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), que consagra o entendimento jurisprudencial, ficou condicionado a resolução dos contratos de trabalho dos dirigentes e representantes sindicais à prática de falta grave devidamente apurada nos termas da Consolidação. Portanto, o empregador terá apenas a faculdade de suspender preventivamente o empregado por no máximo 30 dias e requerer à Justiça do Trabalho instauração de inquérito para apurar a falta, determinando ou não a resolução do contrato, com base no Art. 494 da CLT, de acordo com o autor supracitado.

Embora seja importante compreender todos os aspectos da responsabilidade civil resultante de abuso de direito de greve, a Emenda Constitucional 45 de 2004, determinou que a Justiça do Trabalho é competente para conhecer e julgar as causas fundadas na greve, em matéria de natureza sindical, dano moral ou patrimonial com origem na relação de trabalho, como foi posto nos incisos II, III e VI do artigo 114 do Diploma Político. De tal modo, não há razão para se falar em responsabilidade civil, mas sim em responsabilidade trabalhista, segundo Arouca (2007, p.1).


4.3 A Responsabilidade Penal

O Art. 15 da Lei de Greve trouxe explicitamente que os atos ilícitos penais terão suas responsabilidades apuradas pelo Código Penal brasileiro. Dito isto, é preciso salientar que o sindicato não comete delitos, somente o trabalhador e os dirigentes, visto que a responsabilidade criminal tem caráter individual. Todavia, o cometimento de um delito não afasta o sindicato de uma possível responsabilização na esfera cível.

Entretanto, é preciso relembrar que o Código Penal de 1940 nasceu sob a influência das Constituição de 1937, que no parágrafo único do Art. 139 considerava a greve e o lockout recursos antissociais, nocivos ao trabalho e ao capital e incompatíveis com os superiores interesses da produção nacional. Como já fora exposto neste estudo, algumas Constituições taxaram a Greve como delito e talvez por associarem este movimento à situações de cerceamento de liberdade dos trabalhadores, atos violentos, manobras e especialmente a não representação dos interesses estatais, ou seja, dos governantes, parece lógica a criação de um título alusivo aos crimes contra a organização do trabalho, o Título IV.

O caráter penal da greve ganhou força nas constituições e legislações seguintes: em 1964 fora instituída a Lei 4.330, aprovada durante a ditadura militar, que trazia em seu artigo 29º de forma inflexível: “Além dos previstos no Título IV da Parte Especial do Código Penal, constituem crime contra organização do trabalho […]”. O Decreto-Lei nº 1.632 de 1978 proibiu a greve nas atividades essenciais, ainda no período da ditadura, reforçando mais uma vez as sanções penais em seu artigo 3º. A Constituição de 1988, embora tenha reforçado a liberdade sindical, o livre direito de greve, somente existindo a proibição expressa para as Forças Militares, deixou claro que os abusos sujeitam os responsáveis às penas da lei. Para Arouca (2008, p.47), a greve foi delito; hoje é quase direito potencializado pela Constituição, mas restringido duramente pela Justiça do Trabalho, que, na leitura do art. 14 da Lei nº 7.783, impõe sua cessação, com o julgamento do dissídio, ainda que não resolva o conflito coletivo.

O Título IV do Código Penal prevê alguns delitos que, em geral, se relacionam com a greve, segundo Süssekind (2001, p.491): Art. 197 – atendado contra a liberdade de trabalho; Art. 200 – paralisação de trabalho, seguida de violência ou perturbação da ordem; Art. 202 – invasão de estabelecimento industrial, comercial ou agrícola ou sabotagem.

O art. 200 do Código Penal tipificava como crime contra a organização do trabalho “participar de suspensão ou abandono do trabalho, praticando violência contra pessoa ou contra coisa”; delito, também, “participar de suspensão ou abandono coletivo do trabalho, provocando a interrupção de obra pública ou serviço de interesse coletivo”; da mesma forma, “invadir ou ocupar estabelecimento industrial, comercial ou agrícola, com o intuito de impedir ou embaraçar o curso normal do trabalho, ou com o mesmo fim de danificar estabelecimento ou as coisas nele existentes ou delas dispor” (AROUCA, 2008, p. 46).


4.4 A Responsabilidade nos Serviços Essenciais

Como observado por todo estudo, a greve perante os serviços essenciais ganha uma certa notoriedade devido seu alto grau de relevância face a sociedade, devendo aqueles serem assegurados, tal forma que o abuso de greve nesta situação pode conduzir à paralisação da vida socioeconômica, quando não expõe a vida dos cidadãos ao perigo ou condições vexatórias, ferindo o princípio da dignidade humana.

Os serviços considerados essenciais não podem ser totalmente paralisados, pois envolvem diretamente a garantia de direitos civis. São eles: transportes públicos, hospitais, empresas de energia elétrica, saneamento básico, assim como policias e bombeiros, entre outros. Ao aderir a este tipo de movimento, de forma total ou em desacordo com a lei, os trabalhadores podem incorrer em abuso do direito de greve, trazendo à coletividade prejuízos, muitas vezes irreparáveis. (SOARES, 2010, p.1).

O Comitê de Liberdade Sindical da OIT tem considerado legítima a proibição da greve nos serviços políticos, nos hospitais, nos serviços de abastecimento de água, nos serviços de controle de vôo e nos serviços de segurança industrial. Contudo observa-se em seu verbete 396 que “quando o direito de greve haja sido limitado ou suprimido em empresas ou serviços considerados essenciais, os trabalhadores devem gozar de uma proteção adequada”, o que aduz a necessidade de compensar os trabalhadores pelas restrições impostas à sua liberdade de ação durante os conflitos ocorridos nesses serviços ou empresas.

Esta compensação não se vislumbra no direito brasileiro, como também esta rigorosa proibição de serviços. No Brasil o que prevalece é uma maior rigidez de procedimento para instaurar um movimento grevista face as atividades ou serviços essenciais. Ademais, a realidade sócio-econômica não tem contribuído para as categorias de trabalhadores efetivamente se submeterem aos limites impostos por lei para a greve, a exemplo da supracitada paralisação dos Policiais Militares de forma a pressionar o Governo Federal a aprovar uma PEC, mesmo sendo aqueles proibidos de exercer este direito; como não tem sido oportunizado aos trabalhadores naqueles serviços inseridos uma maior proteção como orienta o Comitê de Liberdade Sindical.

Portanto, a medida para a responsabilização perante os serviços essenciais no Brasil está direcionada a uma maior rigidez e apuração do procedimento legal, dando margem para a decretação da abusividade da greve na menor falha cometida pelo sindicato e pela categoria para deflagrar uma greve.

[...] observa-se que havendo greve envolvendo serviços ou atividades essenciais e nesta não forem obedecidas as regras concernentes a continuidade das atividades essenciais e necessárias à sociedade, deverá ser a greve considerada abusiva e, portanto ilegal, dando azo à contratação por parte do empregador de força laboral suplementar para atender serviços necessários à garantia da continuidade dos serviços e atividades de interesse publico consideradas essenciais, sob pena, de o Poder Público intervir, por força do disposto no art. 12 da Lei de Greve (N. MARTINS, 2008, p.2).

Basicamente, a responsabilização ocorre de forma similar aos serviços comuns, no entanto a rigorosidade assevera-se, visto que os artigos 9º e 11º da Lei 7.783 exigem o manutenção destas atividades mesmo com a greve seja deflagrada em conformidade com os procedimentos legais e estatutários.

A Lei supracitada traz duas situações de serviços inadiáveis: aqueles cuja paralisação resultem em prejuízo irreparável pela deterioração irreversível de bens, máquinas e equipamentos, especialmente daqueles necessários para a retomada das atividades da empresa quando cessada a greve; aqueles indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade, ou seja, os que não atendidos, colocam em perigo iminente a sobrevivência, a saúde ou a segurança da população, de acordo com Süssekind (2001, p.471).

Como cediço, o fato de serem serviços inadiáveis, até pelo atendimento do principio da continuidade, que diz respeito a Administração Pública, não importam em vedação do direito de greve, devendo o sindicato e os trabalhadores assegurarem o funcionamento daqueles em turnos emergenciais.

A Lei nº 7.783, no art. 11, foi incisiva: “ Nos serviços ou atividades essenciais, os sindicatos, os empregadores e os trabalhadores ficam obrigados, de comum acordo, a garantir durante a greve a prestação dos serviços indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade, que a teor do parágrafo único são aquelas que sendo desatendidas colocam perigo iminente a sobrevivência, a saúde ou a segurança da população”. Os serviços e atividades inadiáveis foram traçados num rol exaustivo constante do art. 10, constituindo responsabilidade comum do sindicato profissional e dos empregadores ou de sua entidade de classe. Consequência do dissenso, segundo o art. 12 da lei, é a atuação do Poder Público, que assegurará a prestação dos serviços (AROUCA, 2008, p.48).


5. CONCLUSÃO

É fundamental reconhecer que o direito de greve é um patrimônio inegável dos trabalhadores, é uma garantia expressa na Constituição Federal, visando, desde sua origem histórica, proporcionar chances às partes hipossuficientes de pleitearem por melhores condições de trabalho. Todavia, como fora visto no decorrer deste estudo, a greve passou de autotutela para direito fundamental, ganhou “status” constitucional e ganhou expressa regulamentação na iniciativa privada, que sempre fora efetiva empregadora, portanto palco de longos embates. Entretanto, com o surgimento do Estado Democrático de Direito e as inúmeras constituições ao longo do globo, uma gama de serviços foram tomados pelo Estado e este passou a ter uma maior intervenção na ordem social, absorvendo diversas obrigações, além do poder coercitivo e de sanção, tornando-se, sem dúvida, o maior empregador existente, instaurando o funcionalismo público, cujo direito de greve surgiu de forma bastante tímida e continua assim.

É cediço que com a evolução do próprio Estado e da própria Administração e o crescimento das sociedades, diversas atividades passaram a ser consideradas estritamente essenciais, a exemplo do poder de polícia e da segurança pública, quando a ausência de qualquer uma destas poderia provocar uma situação de caos imensurável, bastando, a título de exemplo, imaginar, hoje, uma cidade sem iluminação por apenas alguns dias, levando-se a um alto grau de insegurança social, depois a uma comoção e por fim um conflito direto, visto que o Estado, que tomou para si, seria o responsável por manter sem pausas este serviço, cobrando inclusive taxas, sem aqui adentrar nas temáticas pertencentes ao Direito Tributário e Administrativo.

E desta mistura de greve, oriunda da relação de emprego, Estado como maior empregador e as atividades essenciais, protegidas pelo princípio da continuidade e do maior interesse coletivo, somado ao funcionalismo público, com seu tímido direito, não restaria dúvidas que tornaria-se uma das maiores controvérsias quer doutrinária, quer jurisprudencial, mas acima de tudo prática, presente e nos holofotes de qualquer sociedade civilizada, mencionando ainda a questão de responsabilidade pelo abuso ou cometimento de atos ilícitos perante o exercício do direito de greve.

Contudo, a situação ganhou proporções maiores quando a máquina, o Estado, começou a inchar, perdendo o controle sobre as atividades que exerce, criando disparidades remuneratórias, dentre outras consequências, a ponto de ver-se obrigado a permitir que a iniciativa privada adentrasse em seu véu de obrigações, envolvendo-a, também, nesta lide, por assim dizer.

Dentre os grandes pontos divergidos, este trabalho se manteve focado na ilegalidade dos movimentos grevistas em face das atividades essenciais, que, em tese, eram exercidas pelos funcionários ou empregados públicos, até que a iniciativa privada adentrasse, como observado no parágrafo anterior.

Assim, muito se falou sobre o direito de greve daquela categoria, perpassando este estudo sobre as questões da ausência de norma reguladora, auto aplicabilidade, a não permissão de exercer a greve até que a norma específica fosse editada, dentre outras barreiras que foram superadas quando se percebeu que estes trabalhadores não poderiam ser prejudicados pela morosidade legislativa, quando, então, o STF saneou temporariamente a questão com os votos sobre mandados de injunção propostos por sindicatos representativos dos servidores em foco. Como resultado passou-se a adotar a mesma lei de greve da iniciativa privada por analogia aos funcionários públicos. Desta feita, em tese, o funcionalismo público teve seu direito de greve formalizado desde que respeitasse parâmetros e procedimentos daquela lei sob pena de ilegalidade.

Todavia, dentre todos os parâmetros previstos na legislação alguns especialmente protegem a continuidade das atividades e serviços essenciais, sendo a atenção a estes o mais contundente daqueles parâmetros. Pode-se observar um grande número de decisões, no sentido da ilegalidade dos movimentos, oriundas dos tribunais pelo país hodiernamente. Esta contundência é justamente outro grande ponto de divergência entre doutrinadores, juízes, tribunais e principalmente os servidores, pois, além da ausência de um consenso, o rol de atividades previstas na lei de greve é exemplificativo (art. 10º), abrindo espaço para que outros serviços, originalmente não essenciais, sejam entendidos como tal a depender da situação fática ou do interesse “coletivo” camuflado pelo da Administração.

Logo, critica-se quando um movimento é julgado abusivo de plano sem analisar as peculiaridades e motivos deste, enumerando sem maior aprofundamento atividades como essenciais, prendendo-se a mero formalismo, com claro intuito de cercear este direito em pró de interesses políticos, cantados como coletivos.

Por outra via, a questão do abuso de greve e da responsabilização por cometimento de atos ilícitos no decorrer de uma greve, seja face aos serviços essenciais ou não, torna-se cada vez mais importante, visto que o direito de greve não é absoluto, menos ainda parante esta atividades inadiáveis para o bom funcionamento da sociedade e da manutenção da ordem pública. É notório que por todo o trabalho de pesquisa fora defendido o exercício de greve para todas as categorias, seja privada ou pública, ora, desde que não afronte à paz social, a segurança, saúde e nem traga demasiado prejuízo para terceiros ou os próprios empregadores, pois o foco do movimento é a negociação. De que vale conquistar melhorias laborais se os atos expressam retorno à barbárie e violência, sendo que esta última configura-se grande e descontrolada num país como o Brasil.

Não resta dúvida que os trabalhadores continuam sendo a parte desfavorecida nesta medição de força, ao passo de que a greve continua não atingido seu real motivo de equalizar as negociações, provocando insatisfação com a legislação, logo algumas categorias provocam movimentos, remetendo-se mais uma vez a autotutela, como fizeram os militares e bombeiros em exemplo citado durante o texto, não levando em consideração se seriam ilegais ou não, como a única forma de pleitear direitos, ante as grandes disparidades remuneratórias do país. Desta feita não basta o fato de certos trabalhadores atuarem em atividades essenciais para que seja decretada a ilegalidade, deve o julgador analisar a situação como um todo, visando equilibrar direitos e princípios, utilizando-se do bom som e da proporcionalidade.

Em um país como o Brasil, devido suas extremas disparidades, não se pode simplesmente proibir a greve e responsabilizar o sindicato e os trabalhadores pela simples deflagração de um movimento perante uma atividade essencial, pois as questões de fato social por muitas vezes os colocam em situações de grande desvantagem que a dignidade humana dos mesmos é posta em prova. Este sopesamento é necessário até mesmo para decretar a responsabilidade daquela categoria, no que tange os aspectos trabalhistas e civis, não valendo este raciocínio para a esfera penal, visto que não parece razoável cometer um delito com fundamento na própria greve.

Portanto, é preciso reiterar a necessidade de se analisar o fato ensejado antes de decretar a greve ilegal, cabendo ao julgador um verdadeiro bom senso e uma interpretação sistemática da legislação, da realidade em si, visto a situação de extrema disparidade, de ordem especialmente remuneratória e de condições humanas de trabalho, no Brasil. Não se deseja sobrepor aqui o interesse privado sobre coletivo, oferecer força para um determinado princípio, colocar o direito de greve acima do bom funcionamento dos serviços inadiáveis, nem preferir o caos social acima do bem estar de um ou de outro grupo. A grande conclusão deste estudo se encontra na verdadeira necessidade de se balancear, equilibrar, forças e realmente o direito de greve cumprir o seu real objetivo, abrir espaço para negociações pacificas, ao passo que os abusos e atos ilícitos indesejáveis também sejam coibidos na forma da lei.


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Notas

  1. Apenas a título de informação, "Leviatã" é um monstro bíblico citado no Livro de Jó, 40-41, muito poderoso, sem medo de nada e com um coração de pedra. Hobbes atribui a uma de suas obras mais importantes o nome deste monstro bíblico, Leviatã, comparando-o ao Estado. (MARTINS, 2001, p.1).
  2. Thomas Hobbes nasceu na Inglaterra, em Westport, Malmesburry, em 05 de abril de 1588, vindo a falecer em 04 de dezembro de 1679. Sempre mostrou grande interesse pelos problemas sociais, sendo fiel defensor do despotismo político. É o que comprova seus escritos: "Elementos de Lei Natural de Política"(publicado em 1640 [...]); "O Cidadão"(publicado em 1642. Fala do homem em seu estado natural.); "Leviatã" (publicado em 1651). (MARTINS, 2001, p.1).
  3. A palavra sabotagem se origina do francês sabotage, de saboter, pisar, e de sabot, calçado. Os operários das fábricas empregavam os calçados utilizados na empresa – os tamancos – para inutilizar as máquinas de produção, de modo a protestar diante do empregador. Daí vem o significado atual de sabotagem, que seria o emprego de meios violentos, de modo a causar danos ou destruição a bens: às máquinas do empregador (MARTINS, 2001, p.763).
  4. “Grève” é cascalho em francês, oriundo do rio Sena (SÜSSEKIND, 2002, p. 588).
  5. O Domínio é a parte da terra reservada exclusivamente ao senhor feudal e trabalhada pelo servo. A produção deste território destina-se apenas ao senhor feudal. Normalmente o servo trabalha para o senhor feudal, nessa porção de terra ou mesmo no castelo, por um período de 3 dias, sendo essa obrigação denominada corvéia (RECCO, 2001).
  6. A “greve” dos empregadores tem o nome de locaute (lockout), segundo Süssekind (2001, p.491).
  7. Em nosso país os piquetes obstativos da liberdade de trabalhar têm sido amplamente utilizados, apesar de explicitamente proibidos (Art. 6º, § 3º, Lei de Greve). Outrossim, em alguns casos tem havido ocupação de estabelecimento, que viola o direito de propriedade, e até o denominado “arrastão”, que corresponde à invasão do estabelecimento para dele retirar os empregados que não aderiram à greve. (SÜSSEKIND, 2001, p.481).
  8. Comitê de Liberdade Sindical da OIT - analisa queixas formais sobre a aplicação da Convenção 87 sobre a liberdade sindical e a proteção do direito à sindicalização e da Convenção 98 sobre o direito de sindicalização e de negociação coletiva (OIT Brasil).
  9. Organização Internacional do Trabalho (OIT) - única das Agências do Sistema das Nações Unidas que tem estrutura tripartite, na qual os representantes dos empregadores e dos trabalhadores têm os mesmos direitos que os do governo (OIT Brasil).
  10. Em nosso país os piquetes obstativos da liberdade de trabalhar têm sido amplamente utilizados, apesar de explicitamente proibidos (art. 6º, § 3º, Lei de Greve). Outrossim, em alguns casos tem havido ocupação de estabelecimento, que viola o direito de propriedade, e até o denominado “arrastão”, que corresponde à invasão do estabelecimento para dele retirar os empregados que não aderiram à greve [..] não obstante a expressa proibição legal, atuam sob as vistas das autoridades públicas, cabe assinalar que os permitidos são os de simples propaganda; não os de coação física ou moral […] a Organização Internacional do Trabalho (OIT) tem entendido legítima a “disposição legal que proíbe aos piquetes de greve perturbar a ordem pública e ameaçar os trabalhadores que continuam trabalhando (SÜSSEKIND, 2001, p. 482).
  11. O piquete consiste numa forma de pressão dos trabalhadores sobre aqueles obreiros que não se interessaram pela paralisação, preferindo continuar a trabalhar, e também para a manutenção do movimento. Serão, portanto, os piquetes permitidos, desde que não ofendam as pessoas ou se cometam estragos em bens, ou seja, o piquete pacífico será permitido como modo de persuasão e aliciamento da greve. Não serão admitidos piquetes que venham a impedir o trabalhador de ingressar no serviço (MARTINS, 2001, p.763).

LISTA DE ABREVIAÇÕES E SIGLAS:

CUT Central Única dos Trabalhadores.

OAB Ordem dos Advogados do Brasil.

OIT Organização Internacional do Trabalho.

ONU Organização das Nações Unidas.

PT Partido dos Trabalhadores.

STF Supremo Tribunal Federal


Autor

  • Luiz Gustavo de Oliveira Ramos

    Especialista em Direito Civil e Processo Civil pela FaSe, Faculdade Estácio de Sergipe, 2013, Aracaju (SE). Especialista em Docência no Ensino Superior pela FaSe, 2009. Graduado em Direito pela FaSe, 2011. Graduado em Sistemas de Informação pela UNIT, Universidade Tiradentes, 2005, Aracaju (SE).

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Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RAMOS, Luiz Gustavo de Oliveira. O direito de greve e a responsabilidade face aos serviços essenciais no Brasil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3065, 22 nov. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20474. Acesso em: 26 abr. 2024.