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Direitos humanos, cidadania e educação.

Uma nova concepção introduzida pela Constituição Federal de 1988

Direitos humanos, cidadania e educação. Uma nova concepção introduzida pela Constituição Federal de 1988

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"A cidadania é o direito a ter direitos, pois a igualdade em dignidade e direitos dos seres humanos não é um dado. É um construído da convivência coletiva, que requer o acesso ao espaço público. É este acesso ao espaço público que permite a construção de um mundo comum através do processo de asserção dos direitos humanos." (Hannah Arendt)


1. INTRODUÇÃO

O objetivo do presente ensaio é tecer algumas reflexões sobre o relacionamento dos direitos humanos com a concepção contemporânea de cidadania. Isto é, objetiva-se fazer um conjugado entre o processo de internacionalização dos direitos humanos e a nova concepção de cidadania introduzida pela Constituição Federal de 1988.

Para tanto, num primeiro momento, buscou-se delinear, ainda que brevemente, o processo de internacionalização dos direitos humanos, cujo marco inicial foi a Declaração Universal de 1948, bem como, a forma através da qual a Constituição brasileira de 1988 se relaciona com os instrumentos internacionais de proteção dos direitos humanos ratificados pelo Estado brasileiro.

Depois de feito este estudo prévio, verificou-se de que maneira a nova Carta brasileira, rompendo com a ordem jurídica anterior, passou a comungar os direitos humanos internacionalmente consagrados com a concepção contemporânea de cidadania.

Por fim, buscou-se delinear qual o papel da educação em direitos humanos, e quais as maneiras de se implementar, de forma sólida, além dos princípios éticos que o cercam, uma cultura de direitos humanos, em nosso meio e em nossa sociedade.


2. A CONSAGRAÇÃO DOS DIREITOS DO HOMEM E DO CIDADÃO

A cidadania é um processo em constante construção, que teve origem, historicamente, com o surgimento dos direitos civis, no decorrer do século XVIII – chamado Século das Luzes –, sob a forma de direitos de liberdade, mais precisamente, a liberdade de ir e vir, de pensamento, de religião, de reunião, pessoal e econômica, rompendo-se com o feudalismo medieval na busca da participação na sociedade. A concepção moderna de cidadania surge, então, quando ocorre a ruptura com o Ancien Régime, em virtude de ser ela incompatível com os privilégios mantidos pelas classes dominantes, passando o ser humano a deter o status de "cidadão".

O conceito de cidadania, entretanto, tem sido freqüentemente apresentado de uma forma vaga e imprecisa. Uns identificam-na com a perda ou aquisição da nacionalidade; outros, com os direitos políticos de votar e ser votado. No Direito Constitucional, aparece o conceito, comumente, relacionado à nacionalidade e aos direitos políticos. Já na Teoria Geral do Estado, aparece ligado ao elemento povo como integrante do conceito de Estado. Dessa forma, fácil perceber que no discurso jurídico dominante, a cidadania não apresenta um estatuto próprio pois na medida em que se relaciona a estes três elementos (nacionalidade, direitos políticos e povo), apresenta-se como algo ainda indefinido.(1)

A famosa Déclaration des Droits de l’Homme et du Citoyen, de 1789, sob a influência do discurso burguês, cindiu os direitos do "Homem" e do "Cidadão", passando a expressão Direitos do Homem a significar o conjunto dos direitos individuais, levando-se em conta a sua visão extremamente individualista, cuja finalidade da sociedade era a de servir aos indivíduos, ao passo que a expressão Direitos do Cidadão significaria o conjunto dos direitos políticos de votar e ser votado, como institutos essenciais à democracia representativa.(2)

Com o triunfo do liberalismo, sufocou-se, então, a idéia de democracia, que só ocorre quando todas as camadas da sociedade têm as mesmas oportunidades de participação no processo econômico. Não era esta a preocupação da burguesia do Estado Liberal, no século XVIII.

A idéia de cidadão como participante da vida política do país em que reside, fica facilmente perceptível pela leitura do Article VI da Déclaration, que dispõe:

"La loi est l’expression de la volonté générale; tous les citoyens ont droit de concourir personnelement, ou par leurs représentants à sa formation; elle doit être le même pour tous, soit qu’elle protège soit qu’elle punisse. Tous les citoyens étant égaux à ses yeux, sont également admissibles à toutes dignités, places et emplois publics, selon leur capacité, et sans autres distinctions que celles de leurs vertus et de leurs talents."

Mais à frente, a Declaração, no seu Article XIV, também privilegia os citoyens, nestes termos:

"Les citoyens ont le droit de constater par eux-mêmes ou par leurs représentants la nécessité de la contribution publique, de la consentir librement, d’en suivre l’emploi et d’en déterminer la quantité, l’assiette, le recouvrement et da durée."

Na lição lapidar do Prof. José Afonso da Silva: "A idéia de representação, que está na base no conceito de democracia representativa, é que produz a primeira manifestação da cidadania que qualifica os participantes da vida do Estado – o cidadão, indivíduo dotado do direito de votar e ser votado –, oposta à idéia de vassalagem tanto quanto a de soberania aparece em oposição à de suserania. Mas, ainda assim, nos primeiros tempos do Estado Liberal, o discurso jurídico reduzia a cidadania ao conjunto daqueles que adquiriam os direitos políticos. Então, o cidadão era somente aquela pessoa que integrasse o corpo eleitoral. Era uma cidadania "censitária", porque era atributo apenas de quem possuísse certos bens ou rendas".(3)

A idéia de cidadão, que, na Antigüidade Clássica, conotava o habitante da cidade – o citadino – firma-se, então, como querendo significar aquele indivíduo a quem se atribuem os direitos políticos, é dizer, o direito de participar ativamente na vida política do Estado onde vive. Na Carta de 1824, por exemplo, falava-se, nos arts. 6.º e 7.º, em cidadãos brasileiros, como querendo significar o nacional, ao passo que nos arts. 90 e 91 o termo cidadão aparece designando aquele que pode votar e ser votado. Estes últimos eram chamados de cidadãos ativos, posto que gozavam de direitos políticos. Aqueles, por sua vez, pertenciam à classe dos cidadãos inativos, destituídos dos direitos de eleger e ser eleito. Faziam parte, nas palavras de José Afonso da Silva, de uma "cidadania amorfa", posto que abstratos e alheios a toda uma realidade sociológica, sem referência política.(4)

Assim, Homem e Cidadão recebiam significados diversos. É dizer, o Cidadão teria um plus em relação àquele, consistente na titularidade de direitos na ordem política, na participação da vida da sociedade e na detenção de riqueza, formando, assim, uma casta especial e mais favorecida, distinta do resto da grande e carente massa popular, considerados simples indivíduos.(5)

Esta idéia, entretanto, vai sendo gradativamente modificada, quando do início do processo de internacionalização dos direitos humanos, iniciado com a proclamação da Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948. Passa-se a considerar como Cidadãos, a partir daí, não somente aqueles detentores dos direitos civis e políticos, mas todos aqueles que habitam o âmbito da soberania de um Estado e deste Estado recebem uma carga de direitos (civis e políticos; sociais, econômicos e culturais) e também deveres, dos mais variados.

A Constituição brasileira de 1988, consagra, desde o seu Título I (intitulado Dos Princípios Fundamentais), esta nova concepção de cidadania, iniciada com o processo de internacionalização dos direitos humanos. Deste modo, ao contrario do que ocorria no constitucionalismo do Império, hoje, em face da Constituição vigente, aquela doutrina da cidadania ativa e passiva, não tem mais nenhuma procedência.

Para bem se compreender o significado dessa nova concepção de cidadania introduzida pela Carta de 1988, entretanto, é importante tecermos alguns comentários sobre a gênese do processo de internacionalização dos direitos humanos, iniciado com o pós-Segunda Guerra, que culminou na Declaração Universal de 1948, revigorada pela segunda Conferência Mundial sobre Direitos Humanos, ocorrida em Viena, no ano de 1993.


3. O LEGADO DA DECLARAÇÃO UNIVERSAL DE 1948 AO PROCESSO DE INTERNACIONALIZAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS

Decorrido mais de meio século da proclamação da Declaração Universal de 1948, adentramo-nos hoje, ao que parece, na era internacional dos direitos ou dos direitos internacionalmente consagrados. Testemunha-se, hoje, uma crescente evolução na identidade de propósitos entre o Direito Interno e o Direito Internacional, no que respeita à proteção dos direitos humanos, notadamente um dos temas centrais do Direito Internacional contemporâneo.

A normatividade internacional de proteção dos direitos humanos, conquistada através de incessantes lutas históricas, e consubstanciada em inúmeros tratados concluídos com este propósito, foi fruto de um lento e gradual processo de internacionalização e universalização desses mesmos direitos.

Os direitos humanos passaram, então, com o amadurecimento evolutivo deste processo, a transcender os interesses exclusivos dos Estados, para salvaguardar, internamente, os interesses dos seres humanos protegidos.

Esta nova concepção, assim, pretendeu afastar, de vez, o velho e arraigado conceito de soberania estatal absoluta, que considerava como sendo os Estados os únicos sujeitos de direito internacional público, para proteger e amparar os direitos fundamentais de todos os cidadãos. Os indivíduos, a partir de então, foram erigidos à posição – de há muito merecida – de sujeitos de direito internacional, dotados de mecanismos processuais eficazes para a salvaguarda dos seus direitos internacionalmente protegidos.

É, entretanto, somente a partir da Segunda Guerra Mundial (1939-1945) que o Direito Internacional dos Direitos Humanos, efetivamente, se consolida. Nascidos dos horrores da era Hitler, e da resposta às atrocidades cometidas a milhões de pessoas durante o nazismo, esses acordos internacionais protetivos dos direitos da pessoa humana têm criado obrigações e responsabilidades para os Estados no que diz respeito às pessoas sujeitas à sua jurisdição.

Neste contexto marcado por inúmeras violações de direitos, cujo saldo maior foram 11 milhões de mortos durante o período nazista, foi necessário construir toda uma normatividade internacional, a fim de resguardar e proteger esses direitos, até então inexistente. Viram-se os Estados obrigados a construir uma normatividade internacional eficaz, em que o respeito aos direitos humanos encontrasse efetiva proteção. O tema, então, tornou-se preocupação de interesse comum dos Estados, bem como um dos principais objetivos da comunidade internacional.(6)

Como bem explica a Prof.ª Flávia Piovesan, diante da ruptura "do paradigma dos direitos humanos, através da negação do valor da pessoa humana como valor fonte do Direito", passou a emergir "a necessidade de reconstrução dos direitos humanos, como referencial e paradigma ético que aproxime o direito da moral".(7)

O "direito a ter direitos", segundo a terminologia de Hannah Arendt, passou, então, a ser o referencial primeiro de todo este processo internacionalizante. Como resposta às barbáries cometidas no Holocausto, começa, então, a aflorar todo um processo de internacionalização dos direitos humanos, criando uma sistemática internacional de proteção, mediante a qual se torna possível a responsabilização do Estado no plano externo, quando, internamente, os órgãos competentes não apresentarem respostas satisfatórias na proteção desses mesmos direitos.

Um passo concreto foi dado, quando, no início do ano de 1945, em Chapultepec, no México, os vinte e um países da América se reuniram firmando a tese de que um dos principais objetivos das Nações Unidas seria a elaboração de uma Carta dos Direitos do Homem, razão pela qual a Carta das Nações Unidas, de 26 de junho de 1945, ficara impregnada da idéia do respeito aos direitos fundamentais do homem, desde o seu segundo considerando, onde se afirmou "a fé nos direitos fundamentais do homem, na dignidade e valor da pessoa humana, na igualdade dos direitos de homens e mulheres e das Nações grandes e pequenas".(8)

Assim, a partir do surgimento da Organização das Nações Unidas, em 1945, e da conseqüente aprovação da Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948, o Direito Internacional dos Direitos Humanos começa a aflorar e a solidificar-se de forma definitiva, gerando, por via de conseqüência, a adoção de inúmeros tratados internacionais destinados a proteger os direitos fundamentais dos indivíduos. Trata-se de uma época considerada como verdadeiro marco divisor do processo de internacionalização dos direitos humanos.(9) Antes disso a proteção aos direitos do homem estava mais ou menos restrita apenas a algumas legislações internas dos países, como a inglesa de 1684, a americana de 1778 e a francesa de 1789. As questões humanitárias somente integravam a agenda internacional quando ocorria uma determinada guerra, mas logo mencionava-se o problema da ingerência interna em um Estado soberano e a discussão morria gradativamente. Assim é que temas como o respeito às minorias dentro dos territórios nacionais e direitos de expressão política não eram abordados a fim de não se ferir o até então incontestável e absoluto princípio de soberania.(10)

Surge, então, no âmbito da Organização das Nações Unidas, um sistema global de proteção dos direitos humanos, tanto de caráter geral (a exemplo do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos), como de caráter específico (v.g., as Convenções internacionais de combate à tortura, à discriminação racial, à discriminação contra as mulheres, à violação dos direitos das crianças etc.). Revolucionou-se, a partir deste momento, o tratamento da questão relativa ao tema dos direitos humanos. Colocou-se o ser humano, de maneira inédita, num dos pilares até então reservados aos Estados, alçando-o à categoria de sujeito de direito internacional. Paradoxalmente, o Direito Internacional feito pelos Estados e para os Estados começou a tratar da proteção internacional dos direitos humanos contra o próprio Estado, único responsável reconhecido juridicamente, querendo significar esse novo elemento uma mudança qualitativa para a comunidade internacional, uma vez que o direito das gentes não mais se cingiria aos interesses nacionais particulares. Neste cenário, o cidadão, antes vinculado à sua Nação, passa a tornar-se, lenta e gradativamente, verdadeiro "cidadão do mundo".(11)

Mas a estrutura normativa de proteção internacional dos direitos humanos, além dos instrumentos de proteção global, de que são exemplos, dentre outros, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, e cujo código básico é a chamada international bill of human rights, abrange também os instrumentos de proteção regional, aqueles pertencentes aos sistemas europeu, americano, asiático e africano (v.g., no sistema americano, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos). Da mesma forma que ocorre com o sistema de proteção global, aqui também se encontram instrumentos de alcance geral e instrumentos de alcance especial. Gerais são aqueles que alcançam todas as pessoas, a exemplo dos tratados acima citados; especiais, ao contrário, são os que visam apenas determinados sujeitos de direito, ou determinada categoria de pessoas, a exemplo das convenções de proteção às crianças, aos idosos, aos grupos étnicos minoritários, às mulheres, aos refugiados, aos portadores de deficiência etc.

Tais sistemas, cabe observar, não são dicotômicos, mas complementares uns dos outros, onde fica permitido ao indivíduo que sofreu violação de direitos a escolha do aparato mais benéfico, tendo em vista que, não raramente, vários direitos são tutelados por dois ou mais instrumentos de alcance global ou regional ou ainda de alcance geral ou específico. Essa diversidade de sistemas, assim, interagem em prol da proteção da pessoa humana.(12)

O "Direito Internacional dos Direitos Humanos", emergido com princípios próprios, passa, então, a efetivamente solidificar-se como um corpus juris dotado de uma multiplicidade de instrumentos internacionais de proteção que impõe obrigações e responsabilidades para os Estados no que diz respeito às pessoas sujeitas à sua jurisdição. Sua observância, assim, deixou de se subscrever ao interesse estritamente doméstico dos Estados, para passar a ser matéria de interesse do Direito Internacional e objeto de sua regulamentação.

Rompendo com a distinção rígida existente entre Direito Público e Direito Privado, e libertando-se dos clássicos paradigmas até então existentes, o Direito Internacional dos Direitos Humanos passa a afirmar-se como um novo ramo do direito, dotado de autonomia, princípios e especificidade próprios, cuja finalidade é a de assegurar a proteção do ser humano, nos planos nacional e internacional, concomitantemente.

Foi neste cenário que a Declaração Universal de 1948, composta de trinta artigos, precedidos de um "Preâmbulo" com sete considerandos, conjugou num só todo tanto os direitos civis e políticos, tradicionalmente chamados de direitos e garantias individuais (arts. 1.º ao 21), quanto os direitos sociais, econômicos e culturais (arts. 22 ao 28). O art. 29 proclama os deveres da pessoa para com a comunidade, na qual o livre e pleno desenvolvimento de sua personalidade é possível, e no art. 30 consagra um princípio de interpretação da Declaração sempre a favor dos direitos e liberdades nela proclamados. Assim o fazendo, combinou a Declaração, de forma inédita, o discurso liberal com o discurso social, ou seja, o valor da liberdade com o valor da igualdade.

Firma-se, então a concepção contemporânea de direitos humanos, fundada no duplo pilar baseado na universalidade e indivisibilidade desses direitos. Diz-se universal "porque a condição de pessoa há de ser o requisito único para a titularidade de direitos, afastada qualquer outra condição"; e indivisível "porque os direitos civis e políticos hão de ser somados aos direitos sociais, econômicos e culturais, já que não há verdadeira liberdade sem igualdade e nem tampouco há verdadeira igualdade sem liberdade".

A Declaração de 1948, dessa forma, demarca – repita-se – a concepção contemporânea de direitos humanos, deixando claro que não há direitos civis e políticos sem direitos sociais, econômicos e culturais, ou seja, não há liberdade sem igualdade. Da mesma forma, não há igualdade sem a plena a eficaz proteção da liberdade, ou seja, a igualdade fica esvaziada quando não assegurado o direito de liberdade concebido em seu sentido amplo.

Após um quarto de século da realização da primeira Conferência Mundial de Direitos Humanos, ocorrida em Teerã em 1968, a segunda Conferência (Viena, 1993), reiterando os propósito da Declaração de 1948, consagrou os direitos humanos como tema global, reafirmando sua universalidade, indivisibilidade e interdependência. Foi o que dispôs o parágrafo 5.º da Declaração e Programa de Ação de Viena, de 1993, nestes termos:

"Todos os direitos humanos são universais, indivisíveis, interdependentes e inter-relacionados. A comunidade internacional deve tratar os direitos humanos de forma global, justa e eqüitativa, em pé de igualdade e com a mesma ênfase. Embora particularidades nacionais e regionais devam ser levadas em consideração, assim como diversos contextos históricos, culturais e religiosos, é dever dos Estados promover e proteger todos os direitos humanos e liberdades fundamentais, sejam quais forem seus sistemas políticos, econômicos e culturais".

Compreendeu-se, finalmente, que a diversidade cultural (relativismo) não pode ser invocada para justificar violações aos direitos humanos. A tese universalista defendida pelas nações ocidentais saiu, ao final, vencedora, afastando-se de vez a idéia de relativismo cultural, em se tratando de proteção internacional dos direitos humanos.

Enriqueceu-se, pois, o universalismo desses direitos, afirmando-se cada vez mais o dever dos Estados em promover e proteger os direitos humanos violados, independentemente dos respectivos sistemas, não mais se podendo questionar a observância dos direitos humanos com base no relativismo cultural ou mesmo com base no dogma da soberania.(13) E, no que toca à indivisibilidade, ficou superada a dicotomia até então existente entre as "categorias de direitos" (civis e políticos de um lado; econômicos, sociais e culturais, de outro), historicamente incorreta e juridicamente infundada, porque não há hierarquia quanto a esses direitos, estando todos eqüitativamente balanceados, em pé de igualdade. É dizer, a classificação tradicional das "gerações de direitos" não corresponde, historicamente, ao desenvolvimento do processo de efetivação e solidificação dos direitos humanos.

Objeta-se que se as gerações de direitos induzem à idéia de sucessão – através da qual uma categoria de direitos sucede à outra que se finda –, a realidade histórica aponta, em sentido contrário, para a concomitância do surgimento de vários textos jurídicos concernentes a direitos humanos de uma ou outra natureza. No plano interno, por exemplo, a consagração nas Constituições dos direitos sociais foi, em geral, posterior ao dos direitos civis e políticos, ao passo que no plano internacional o surgimento da Organização Internacional do Trabalho, em 1919, propiciou a elaboração de diversas convenções regulamentando os direitos sociais dos trabalhadores, antes mesmo da internacionalização dos direitos civis e políticos no plano externo.(14)

O processo de desenvolvimento dos direitos humanos, assim, opera-se em constante cumulação, sucedendo-se no tempo vários direitos que mutuamente se substituem, consoante a concepção contemporânea desses direitos, fundada na sua universalidade, indivisibilidade e interdependência.

Afasta-se, pois, a visão fragmentária e hierarquizada das diversas categorias de direitos humanos, para se buscar uma "concepção contemporânea" desses mesmos direitos, a qual foi introduzida pela Declaração Universal de 1948 e reiterada pela Declaração de Direitos Humanos de Viena de 1993. Como destaca Carlos Weis, insistir na idéia geracional de direitos, "além de consolidar a imprecisão da expressão em face da noção contemporânea dos direitos humanos, pode se prestar a justificar políticas públicas que não reconhecem indivisibilidade da dignidade humana e, portanto, dos direitos fundamentais, geralmente em detrimento da implementação dos direitos econômicos, sociais e culturais ou do respeito aos direitos civis e políticos previstos nos tratados internacionais já antes citados".(15)

Desta forma, a dicotomia até então existente – leciona José Afonso da Silva – entre direitos civis (mais conhecidos como direitos individuais) e políticos e direitos econômicos, sociais e culturais, vai sendo suplantada pelo reconhecimento doutrinário da universalidade, indivisibilidade e interdependência dos direitos humanos.(16) E isto porque pensava-se que os direitos civis e políticos eram de aplicação imediata, bastando a abstenção do Estado para sua efetivação, ao passo que os direitos econômicos, sociais e culturais eram de aplicação progressiva, requerendo uma atuação positiva do Estado para que pudessem ser eficazes.(17)

Problema muito discutido dizia respeito à eficácia das normas da Declaração Universal de 1948, uma vez que ela, por si só, não dispõe de aparato próprio que a faça valer. À vista disso é que, sob o patrocínio da ONU, se tem procurado firmar vários pactos e convenções internacionais a fim de assegurar a proteção aos direitos fundamentais do homem nela consagrados, dentro dos quais destacam-se o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, ambos aprovados pela Assembléia-Geral da ONU, em Nova York, aos 16 de dezembro de 1966. Surgiram estes tratados, pois, com a finalidade de conferir dimensão jurídica à Declaração de 1948, tendo o primeiro pacto regulamentado os arts. 1.º ao 21 da Declaração, e o segundo os arts. 22 a 28.(18)


4. A ABERTURA DA CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA DE 1988 AO SISTEMA INTERNACIONAL DE PROTEÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS

Rompendo com a ordem jurídica anterior, marcada pelo autoritarismo advindo do regime militar, que perdurou no Brasil de 1964 a 1985, a Constituição brasileira de 1988, no propósito de instaurar a democracia no país e de institucionalizar os direitos humanos, faz como que uma revolução na ordem jurídica nacional, passando a ser o marco fundamental da abertura do Estado brasileiro ao regime democrático e à normatividade internacional de proteção dos direitos humanos.

Como marco fundamental do processo de institucionalização dos direitos humanos no Brasil, a Carta de 1988, logo em seu primeiro artigo, erigiu a dignidade da pessoa humana a princípio fundamental (art. 1.º, III), instituindo, com este princípio, um novo valor que confere suporte axiológico a todo o sistema jurídico e que deve ser sempre levado em conta quando se trata de interpretar qualquer das normas constantes do ordenamento nacional.

A nova Constituição, além disso, seguindo a tendência do constitucionalismo contemporâneo, deu um grande passo rumo a abertura do sistema jurídico brasileiro ao sistema internacional de proteção de direitos, quando, no parágrafo 2.º do seu art. 5.º, deixou estatuído que:

"Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte".

Estabelecendo a Carta de 1988 que os direitos e garantias nela elencados "não excluem" outros provenientes dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte, é porque ela própria está a autorizar que tais direitos e garantias constantes nesse tratados "se incluem" no ordenamento jurídico brasileiro, como se escritos no rol de direitos constitucionais estivessem. É dizer, se os direitos e garantias expressos no texto constitucional "não excluem" outros provenientes de tratados internacionais, é porque, pela lógica, na medida em que tais instrumentos passam a assegurar também direitos e garantias, a Constituição "os inclui" no seu catálogo dos direitos protegidos, ampliando, destarte, o seu "bloco de constitucionalidade".

Assim, ao incorporar em seu texto esses direitos internacionais, está a Constituição atribuindo-lhes uma natureza especial e diferenciada, qual seja, a natureza de "norma constitucional", os quais passam a integrar, portanto, o elenco dos direitos constitucionalmente protegidos.

Dessa forma, tanto os direitos como as garantias constantes dos tratados internacionais de que o Brasil seja parte, passam, com a ratificação desses mesmos instrumentos, a integrar o rol dos direitos e garantias constitucionalmente protegidos.

Há que se enfatizar, porém, que os demais tratados internacionais que não versem sobre direitos humanos, não têm natureza de norma constitucional; terão sim, natureza de norma infraconstitucional (mas supra-legal), extraída justamente do citado art. 102, III, b, da Carta Magna, que confere ao Supremo Tribunal Federal a competência para "julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida: b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal".

Há, pois, neste cenário de proteção dos direitos humanos, um enfraquecimento da noção da não-interferência internacional em assuntos internos, flexibilizando, senão abolindo, a própria noção de soberania estatal absoluta.

A inovação, no § 2.º ao art. 5.º da Constituição de 1988, referente aos tratados internacionais de que o Brasil seja parte, assim, além de ampliar os mecanismos de proteção da dignidade da pessoa humana, vem também reforçar e engrandecer o princípio da prevalência dos direitos humanos, consagrado pela Carta como um dos princípios pelo qual a República Federativa do Brasil se rege nas suas relações internacionais (CF, art. 4.º, II).

A Carta de 1988 passou a reconhecer explicitamente, portanto, no que tange ao seu sistema de direitos e garantias, uma dupla fonte normativa: aquela advinda do direito interno (direitos expressos e implícitos na Constituição), e aquela outra advinda do direito internacional (decorrente dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte).

Não bastasse esse extraordinário avanço, um outro ainda se apresenta. Os tratados internacionais de proteção dos direitos humanos ratificados pelo Estado brasileiro, passam a incorporar-se automaticamente em nosso ordenamento, pelo que estatui o § 1.º do art. 5.º da nossa Carta:

"As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata".

Ora, se as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata, os tratados internacionais de proteção dos direitos humanos, uma vez ratificados, por também conterem normas que dispõe sobre direitos e garantias fundamentais, terão, dentro do contexto constitucional brasileiro, idêntica aplicação imediata. Da mesma forma que são imediatamente aplicáveis aquelas normas expressas nos arts. 5.º a 17 da Constituição da República, o são, de igual maneira, as normas contidas nos tratados internacionais de direitos humanos de que o Brasil seja parte.

Atribuindo-lhes a Constituição a natureza de "normas constitucionais", e passando tais tratados a ter aplicabilidade imediata tão logo ratificados, fica dispensada, por isso, a edição de decreto de promulgação a fim de irradiar seus efeitos tanto no plano interno como no plano internacional. Já, nos casos de tratados internacionais que não versam sobre direitos humanos, este decreto, materializando-os internamente, faz-se necessário. Em outra palavras, com relação aos tratados internacionais de proteção dos direitos humanos, foi adotado no Brasil o monismo internacionalista kelseniano, dispensando-se da sistemática da incorporação, o decreto executivo presidencial para seu efetivo cumprimento no ordenamento pátrio, de forma que a simples ratificação do tratado por um Estado importa na incorporação automática de suas normas à respectiva legislação interna.

Além disso, todos os direitos insertos nos referidos tratados internacionais, cuja incorporação é automática, passam, também, a constituírem cláusulas pétreas, não podendo ser suprimidos sequer por emenda à Constituição (CF, art. 60, § 1.º, IV). É o que se extrai do resultado da interpretação dos §§ 1.º e 2.º, do art. 5.º da Lei Fundamental, em cotejo com o art. 60, § 4.º, IV, da mesma Carta. Isto porque, o §1.º, do art. 5.º, da Constituição da República, como se viu, dispõe expressamente que "as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata". E o art. 60, § 4.º, IV, por sua vez, estabelece que qualquer proposta de emenda constitucional tendente a abolir os direitos e garantias individuais não será objeto sequer de deliberação, tendo em vista o núcleo imodificável desses direitos.

Em suma, tendo ingressado tais tratados pela porta de entrada do parágrafo 2.º do art. 5.º da Carta Magna de 1988, passam eles, da mesma forma que aqueles direitos e garantias insertos no texto constitucional: a) a estar dentro dos fundamentos da República Federativa do Brasil (art. 1º, inc. II a V); b) a permear os objetivos fundamentais do Estado brasileiro (art. 3º, inc. I, III e IV); c) a ser diretrizes que regem as relações internacionais da República Federativa do Brasil (art. 4º, inc. II), e; d) a constituírem cláusula pétrea do texto constitucional (art. 60, § 4º, inc. IV), dando lugar à intervenção federal em caso de sua não-observância (art. 34, inc. VII, b).


5. O CIDADÃO E A CIDADANIA NA CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA DE 1988

"Tudo o que acontece no mundo, seja no meu país, na minha cidade ou no meu bairro, acontece comigo. Então eu preciso participar das decisões que interferem na minha vida. Um cidadão com um sentimento ético forte e consciência da cidadania não deixa passar nada, não abre mão desse poder de participação." Herbert de Souza (Betinho)

Como se viu, em face do processo de internacionalização dos direitos humanos, iniciado com a Declaração Universal de 1948, e reiterado na segunda Conferência de Viena, em 1993, cidadãos, hoje, são todos aqueles que habitam o âmbito da soberania de um Estado e deste Estado têm assegurados, constitucionalmente, direitos fundamentais mínimos.

O cidadão, torna-se, então, aquele indivíduo a quem a Constituição confere direitos e garantias – individuais, políticos, sociais, econômicos e culturais –, e lhe dá o poder de seu efetivo exercício, além de meios processuais eficientes contra a violação de seu gozo ou fruição por parte do Poder Público.

A Constituição brasileira de 1988, com a transição para o regime democrático e conseqüente abertura à normatividade internacional, consagrou, expressamente, esta nova concepção de cidadania, como se depreende da leitura de vários dos seus dispositivos, estando hoje superada a antiga doutrina, do tempo do constitucionalismo do império, da cidadania ativa e passiva que significava a prerrogativa de quem podia participar da vida política do país, ou seja, de quem detinha os direitos políticos,(19) e daqueles a quem faltava este atributo.

Observe-se que a Carta de 1988, ao tratar, no seu art. 14, dos direitos políticos, não se refere, sequer em um momento, à expressão cidadania, dizendo apenas que a "soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direito e secreto, com valor igual para todos (…)". Pelo contrário: a Constituição faz uma separação entre cidadania e direitos políticos quando, no seu art. 68, § 1.º, II, ao tratar das leis delegadas, exclui do âmbito da delegação legislativa a "nacionalidade, cidadania, direitos individuais, políticos e eleitorais".

Em alguns outros dispositivos da Constituição, a palavra cidadania (ou cidadão) poderia ainda ter a significação de direitos políticos, mas mesmo assim de forma implícita, a exemplo dos arts. 22, XIII, e 5.º, LXXIII. No primeiro se lê que compete à União legislar sobre "nacionalidade, cidadania e naturalização", e no segundo que "qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência".(20)

Mas o que importa é que a Constituição de 1988 abandona, sem embargo disso, o velho conceito de cidadania ativa e passiva, incorporando em seu texto a concepção contemporânea de cidadania introduzida pela Declaração Universal de 1948 e reiterada pela Conferência de Viena de 1993.

Foi nesse sentido que, pioneiramente, estatuiu a Carta de 1988, em seu art. 1.º, que a República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos, dentre outros, a cidadania (inc. II). Na mesma esteira, o disposto no art. 5.º, incisos LXXI ("conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania") e LXXVII ("são gratuitas as ações de habeas-corpus e habeas-data, e, na forma da lei, os atos necessários ao exercício da cidadania"). No seu Título VIII, Capítulo II, Seção I, a Carta Magna de 1988 dispõe, ainda, que a "educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho (art. 205).

Outro dispositivo em que fica bastante marcada esta nova concepção de cidadania, é o art. 64 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, que dispõe: "A Imprensa Nacional e demais gráficas da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, da administração direta ou indireta, inclusive fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, promoverão edição popular do texto integral da Constituição, que será posta à disposição das escolas e dos cartórios, dos sindicatos, dos quartéis, das igrejas e de outras instituições representativas da comunidade, gratuitamente, de modo que cada cidadão brasileiro possa receber do Estado um exemplar da Constituição do Brasil."

Enfim, a Constituição de 1988, enriqueceu e ampliou os conceitos de cidadão e cidadania. Seu entendimento, agora, como leciona José Afonso da Silva, "decorre da idéia de Constituição dirigente, que não é apenas um repositório de programas vagos a serem cumpridos, mas constitui um sistema de previsão de direitos sociais, mais ou menos eficazes, em torno dos quais é que se vem construindo a nova idéia de cidadania".(21) De forma que, não mais se trata de considerar a cidadania como simples qualidade de gozar direitos políticos, mas sim de aferir-lhe um núcleo mínimo e irredutível de direitos (fundamentais) que devem se impor, obrigatoriamente, à ação dos poderes públicos.

A cidadania, assim considerada – conclui brilhantemente o Prof. José Afonso da Silva –, "consiste na consciência de pertinência à sociedade estatal como titular dos direitos fundamentais, da dignidade como pessoa humana, da integração participativa no processo do poder, com a igual consciência de que essa situação subjetiva envolve também deveres de respeito à dignidade do outro e de contribuir para o aperfeiçoamento de todos".(22)

Vestir a camisa de cidadão, então, é ter consciência dos direitos e deveres constitucionalmente estabelecidos e participar ativamente de todas as questões que envolvem o âmbito de sua comunidade, de seu bairro, de sua cidade, de seu Estado e de seu país, não deixando passar nada, não se calando diante do mais forte nem subjugando o mais fraco.(23)

Vê-se, dessa forma, que a Carta de 1988 endossa esse novo conceito de cidadania, que tem na dignidade da pessoa humana sua maior racionalidade e sentido. Consagra-se, de uma vez por todas, os pilares universais dos direitos humanos contemporâneos fundados na sua universalidade, indivisibilidade e interdependência.

A universalidade dos direitos humanos consolida-se, na Constituição de 1988, a partir do momento em que ela consagra a dignidade da pessoa humana como núcleo informador da interpretação de todo o ordenamento jurídico, tendo em vista que a dignidade é inerente a toda e qualquer pessoa, sendo vedada qualquer discriminação. Quanto à indivisibilidade dos direitos humanos, a Constituição de 1988 é a primeira Carta brasileira que integra, ao elenco dos direitos fundamentais, os direitos sociais, que nas Cartas anteriores restava espraiados no capítulo pertinente à ordem econômica e social. A Carta de 1988, assim, foi a primeira a explicitamente prescrever que os direitos sociais são direitos fundamentais, sendo pois inconcebível separar o valor liberdade (direitos civis e políticos) do valor igualdade (direitos sociais, econômicos e culturais).

Conclui-se, portanto, que a Constituição brasileira de 1988 endossa, de forma explícita, a concepção contemporânea de cidadania, afinada com as novas exigências da democracia e fundada no duplo pilar da universalidade e indivisibilidade dos direitos humanos.


6. EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS: RESPONSABILIDADE DE TODOS

Por fim, é necessário tecermos algumas palavras sobre o papel da educação no processo de solidificação dos direitos humanos e da cidadania, cujo fundamento também se encontra no texto constitucional brasileiro.

A Constituição de 1988, ao consagrar a universalidade e indivisibilidade dos direitos humanos, também entrega ao Estado e ao cidadão – de forma implícita – a tarefa de educar (dever) e ser educado (direito) em direitos humanos e cidadania. Somente com a colaboração de todos os partícipes da sociedade e do Estado, é que os direitos humanos fundamentais alcançarão a sua plena efetividade. O papel de cada um na construção desta nova concepção de cidadania é fundamental para o êxito dos objetivos desejados pela Declaração Universal de 1948 e pela Carta Constitucional brasileira.

A educação em direitos humanos deve se dar de uma forma tal que os princípios éticos fundamentais que o cercam, sejam para todos nós – membros da coletividade – tão naturais como que o próprio ar que respiramos. A consolidação da cidadania, em sua forma plena, deve ser o fator principal da criação de uma cultura em direitos humanos. A Declaração Universal de 1948, a esse propósito, deixa bem claro que: "A instrução [leia-se: educação] será orientada no sentido do pleno desenvolvimento da personalidade humana e do fortalecimento e do respeito pelos direitos humanos e pelas liberdades fundamentais. A instrução promoverá a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e grupos raciais ou religiosos, e coadjuvará as atividades das Nações Unidas em prol da manutenção da paz" (Artigo XXVI, 2.ª alínea).

E foi seguindo esta trilha traçada pela Declaração Universal, que a Carta brasileira de 1988 estatuiu, no seu art. 205, que a "educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho". Assim o fazendo, conjugou a Constituição, de forma expressa, os "direitos humanos", a "cidadania" e a "educação", como querendo significar que não há direitos humanos sem o exercício pleno da cidadania, e que não há cidadania sem uma adequada educação para o seu exercício. De forma que, somente com a interação destes três fatores – direitos humanos, cidadania e educação – é que se poderá falar em um Estado Democrático assegurador do exercício dos direitos e liberdades fundamentais decorrentes da condição de ser humano.

Como se vê, é também papel da educação o preparo para o exercício da cidadania, considerada aqui no seu sentido amplo, cuja consagração está assegurada tanto constitucionalmente, no âmbito do direito interno, quanto internacionalmente, no contexto dos instrumentos internacionais de proteção dos direitos humanos.

Enfim, a efetiva proteção dos direitos humanos – nas palavras de Dyrceu Aguiar Dias Cintra Junior – "depende em muito de um processo educacional capaz de formar novas gerações que se envolvam, desde cedo, no compromisso ético com o tema".(24)

E o que também dizem as sábias palavras do mestre André Franco Montoro, em mais uma de suas lições de extremada felicidade:

"Não basta ensinar direitos humanos. É preciso lutar pela sua efetividade. E, acima de tudo, trabalhar pela criação de uma cultura prática desses direitos".(25)

A falta de uma cultura em direitos humanos destrói, pois, todo o referencial ético e principiológico galgado ao longo deste mais de meio século da proclamação da Declaração Universal de 1948, inobstante o alto preço pago por toda a comunidade internacional para a consagração desses direitos, bem como para a sua efetiva positivação em diversos instrumentos internacionais de proteção. A conseqüência mais dramática disso, consiste no fato de ser toda a sociedade levada à irreflexão acerca da produção do mal em massa (de que foi exemplo, dentre outros, o genocídio cometido durante o período nazista) e na conseqüente falta de um mínimo de senso político e de espírito crítico por parte dos indivíduos que a compõe.(26)

A tarefa de implementar os direitos humanos através da educação é, assim, dever de todos – cidadãos e governo. A educação em direitos humanos, pois, deve se dar de forma a que os princípios éticos fundamentais que os cercam sejam assimilados por todos nós, passando a orientar as ações das gerações presentes e futuras, em busca da reconstrução dos direitos humanos e da cidadania em nosso país.

Somente assim é que o exercício da cidadania e o respeito aos direitos humanos estarão completos e definitivamente assegurados.


7. CONCLUSÕES

I – A idéia de cidadania surgiu como querendo significar a qualidade do indivíduo a que se atribuíam direitos políticos de votar e ser votado. Falava-se, então em cidadãos ativos, que gozavam de direitos políticos, e em cidadãos inativos, destituídos dos direitos de eleger e ser eleito. Assim, Homem e Cidadão recebiam significados distintos. O Cidadão teria um plus em relação àquele, consistente na titularidade de direitos na ordem política.

II – Em virtude do processo de internacionalização dos direitos humanos, iniciado com a elaboração da Declaração Universal de 1948, esta idéia vai sendo gradativamente modificada, passando a considerar-se cidadãos, todos aqueles que habitam o âmbito da soberania de um Estado e deste Estado recebem direitos e deveres.

III – Começou-se, a partir daí, a testemunhar-se uma crescente evolução na identidade de propósitos entre o Direito Interno e o Direito Internacional, no que respeita à proteção dos direitos humanos. Os direitos humanos passaram, então, com o amadurecimento evolutivo desse processo, a transcender os interesses exclusivos dos Estados, para salvaguardar, internamente, os interesses dos seres humanos protegidos, afastando-se de vez, o velho e arraigado conceito de soberania estatal absoluta, que considerava como sendo os Estados os únicos sujeitos de direito internacional público.

IV – O "direito a ter direitos", segundo a terminologia de Hannah Arendt, passou, então, a ser o referencial primeiro de todo este processo internacionalizante. Aflorou-se, então, todo um processo de internacionalização dos direitos humanos, criando uma sistemática internacional de proteção, mediante a qual se torna possível a responsabilização do Estado no plano externo, quando, internamente, os órgãos competentes não apresentarem respostas satisfatórias na proteção desses mesmos direitos.

V – O Direito Internacional dos Direitos Humanos, como novo ramo do Direito Internacional Público, emerge com princípios próprios, autonomia e especificidade, sendo característica de suas normas a expansividade decorrente da abertura tipológica de seus enunciados. Libertou-se, de vez, a rígida distinção até então existente entre Direito Público e Direito Privado, libertando-se dos seus clássicos paradigmas.

VI – Os direitos humanos passaram, então, a fundar-se nos pilares da universalidade e indivisibilidade, consagrados pela Declaração universal de 1948 e reiterado pela Segunda Conferência Mundial de Direitos Humanos, realizada em Viena, no ano de 1993. Compreendeu-se, enfim, que o relativismo cultural não pode ser invocado para justificar violações aos direitos humanos internacionalmente consagrados. Ficou superada a dicotomia até então existente entre "categorias de direitos" (civis e políticos de um lado; econômicos, sociais e culturais, de outro), historicamente incorreta e juridicamente infundada, porque não há hierarquia quanto a esses direitos, estando todos eqüitativamente balanceados, em pé de igualdade.

VII – A Constituição brasileira de 1988, marco fundamental do processo de institucionalização dos direitos humanos no Brasil, recebe os tratados internacionais de proteção dos direitos humanos com índole e nível constitucional, além de dar aplicação imediata às suas normas devidamente incorporadas. A abertura do sistema se deu no art. 5.º, § 2.º, que dispõe: "Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte".

VIII – Assim, tendo tais tratados ingressado pela porta de entrada do § 2.º do art. 5.º da Carta Magna de 1988, passam eles, da mesma forma que aqueles direitos garantidos no texto constitucional: a) a estar dentro dos fundamentos da República Federativa do Brasil (art. 1º, inc. II a V); b) a permear os objetivos fundamentais do Estado brasileiro (art. 3º, inc. I, III e IV); c) a ser diretrizes que regem as relações internacionais da República Federativa do Brasil (art. 4º, inc. II), e; d) a constituírem cláusula pétrea do texto constitucional (art. 60, § 4º, inc. IV), dando lugar à intervenção federal em caso de sua não-observância (art. 34, inc. VII, b).

IX – A Constituição de 1988 abandona o velho conceito de cidadania ativa e passiva, incorporando em seu texto a concepção contemporânea de cidadania introduzida pela Declaração Universal de 1948 e reiterada pela Conferência de Viena de 1993. A Carta de 1988 endossa esse novo conceito de cidadania, que tem na dignidade da pessoa humana sua maior principiologia e racionalidade, consagrando-se de uma vez por todas, os pilares universais dos direitos humanos contemporâneos.

X – A universalidade dos direitos humanos consolida-se, na Constituição de 1988, a partir do momento em que ela consagra a dignidade da pessoa humana como núcleo informador da interpretação de todo o ordenamento jurídico, tendo em vista que a dignidade é inerente a toda e qualquer pessoa, sendo vedada qualquer discriminação. Quanto à indivisibilidade dos direitos humanos, a Constituição de 1988 integra, ao elenco dos direitos fundamentais, os direitos sociais, que nas Cartas anteriores restavam espraiados no capítulo pertinente à ordem econômica e social.

XI – A Constituição brasileira de 1988 endossa, portanto, de forma explícita, a concepção contemporânea de cidadania, afinada com as novas exigências da democracia e fundada no duplo pilar da universalidade e indivisibilidade dos direitos humanos.

XII – A tarefa de implementar os direitos humanos através da educação é dever de todos – cidadãos e governo. A educação em direitos humanos, pois, deve se dar de forma a que os princípios éticos fundamentais que o cercam sejam assimilados por todos nós, passando a orientar nossas ações, em busca da reconstrução dos direitos humanos em nosso país. Só assim é que o efetivo exercício da cidadania e o respeito aos direitos humanos estarão completos.


NOTAS

1. O dicionarista Pedro Nunes, assim define o cidadão: "Pessoa que goza dos direitos civis e políticos de um Estado, devendo, entretanto, obrigações atinentes aos mesmos. Cidadão brasileiro – nacional que usufrui esses direitos; o estrangeiro, quando naturalizado. Tal qualidade pode também verificar-se pelo jus soli, quando a pessoa nascida num Estado toma nacionalidade deste, ou em virtude do jus sanguinis, se se origina por vínculo de sangue e neste caso o filho segue a nacionalidade dos pais. O qualificativo cidadão é empregado nos países de regime republicano. Corresponde a súdito, termo usado nos Estados monárquicos. No passado, apenas os ricos e nobres eram considerados cidadãos em alguns Estados, e, noutros, excluíam também as mulheres. Diz-se também do habitante de uma cidade. Citadino." (Dicionário de tecnologia jurídica, p. 173).

2. Cf. José Afonso da Silva. "Faculdades de Direito e construção da cidadania", p. 138-139.

3. José Afonso da Silva. Idem, p. 139.

4. Cf. José Afonso da Silva. Idem, ibidem.

5. Nas palavras de Loraine Slomp Giron: "Hegel demonstra que na nova sociedade o indivíduo não nasce cidadão, para tornar-se cidadão ele deve participar do mundo do trabalho. No mundo do trabalho livre a cidadania só é conquistada por aquele que pode participar da produção. Os que estão fora dos setores produtivos são apenas indivíduos e não cidadãos: condição de produtor e de participante de uma corporação (sindicato) é que garante ao homem sua condição de membro de um estado (sic), portanto de cidadão. O enfraquecimento do Estado Nacional corresponde – de uma certa forma – ao enfraquecimento da cidadania. O surgimento dos Mega Estados renova a dicotomia entre os direitos do indivíduo e do Estado. A antiga querela sobre o confronto entre o indivíduo e o estado (sic), que ocupou o pensamento iluminista, volta a atualidade. Na Comunidade Européia os cidadãos dos pequenos países – como os gregos e os portugueses – terão os mesmos direitos que os dos grandes países como aos da França e da Inglaterra? Dentro do NAFTA os cidadãos mexicanos terão os mesmos direitos que os norte-americanos? Ou alguns serão mais cidadãos que os outros?" (Prefácio ao livro de Charles Antonio Kieling, Manifesto da cidadania, p. 14).

6. Nas palavras de André Franco Montoro, a barbárie cometida durante o período nazista "provocou a revolta da consciência mundial e a constituição de um Tribunal Internacional, em Nuremberg, para julgar os crimes contra a humanidade, violadores dos fundamentos éticos da vida social. E deu origem ao movimento impulsionado pelas aspirações da população de todo mundo, culminando com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que constitui um dos documentos fundamentais da civilização contemporânea. A Declaração abre-se com a denúncia histórica dos ‘atos bárbaros, que revoltam a consciência da humanidade’. E afirma solenemente como valores universais, os direitos humanos básicos, como o direito à vida, à liberdade, à segurança, à educação, à saúde e outros, que devem ser respeitados e assegurados por todos os Estados e por todos os povos" ("Cultura dos Direitos Humanos", p. 23).

7. Flávia Piovesan. Direitos humanos e o direito constitucional internacional, 4.ª ed., p. 129.

8. José Afonso da Silva. "Impacto da Declaração Universal dos Direitos Humanos na Constituição brasileira de 1988", p. 190-191.

9. Como destaca Carlos Weis: "A recente sistematização dos direitos humanos em um sistema normativo internacional, marcada pela proclamação da Declaração Universal dos Direitos Humanos pela Assembléia-Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948, representa tanto o ponto de chegada do processo histórico de internacionalização dos direitos humanos como o traço inicial de um sistema jurídico universal destinado a reger as relações entre os Estados e entre estes e as pessoas, baseando-se na proteção e promoção da dignidade fundamental do ser humano" (Direitos humanos contemporâneos, p. 21).

10. Cf. Ana Flávia Barros-Platiau e Ancelmo César Lins de Góis. "Direito internacional e globalização", p. 35.

11. Ana Flávia Barros-Platiau e Ancelmo César Lins de Góis. Idem, ibidem.

12. Cf. Flávia Piovesan. Temas de direitos humanos, p. 31-32. O Prof. José Afonso da Silva, a esse respeito, leciona: "Em face dessa diversificação, cabe, desde logo, uma observação geral, qual seja: a de que tanto os tratados regionais como os destinados a proteger especialmente determinadas categorias de pessoas ou situações especiais são complementares aos tratados gerais de proteção dos direitos humanos. Não existem normas regionais de direitos humanos, mas apenas acordos regionais para verificar a aplicação de normas internacionais – observa Cristina M. Cerna" ("Impacto da Declaração Universal dos Direitos Humanos na Constituição brasileira de 1988", p. 196).

13. Cf. Ana Flávia Barros-Platiau e Ancelmo César Lins de Góis. "Direito internacional e globalização", p. 37.

14. Cf. Carlos Weis. Op. cit., p. 40-41.

15. Carlos Weis. Idem, p. 43-44.

16. José Afonso da Silva. "Impacto da Declaração Universal dos Direitos Humanos na Constituição brasileira de 1988", p. 196.

17. Cf. José Afonso da Silva. Idem, p. 196-197.

18. Cf. José Afonso da Silva. Idem, p. 193-194.

19. Compõem os direitos políticos, na Carta de 1988, os direitos de votar e ser votado, de referendo, plebiscito e iniciativa popular das leis (CF, art. 14, incs. I, II e III). A soberania popular é exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos. O plebiscito consiste na prévia consulta ao povo (eleitorado) sobre a viabilidade de determinado projeto de lei ou medida administrativa. Compete ao Congresso Nacional a sua autorização bem como a do referendo (CF, art. 49, XV). Foi exemplo de plebiscito a oportunidade de escolha entre república e monarquia, que se deu no dia 7 de setembro de 1993 (art. 2.º, do ADCT, EC n.º 02). Já no referendo a consulta ao povo é posterior à adoção de determinada medida pelo governo ou à edição de uma lei. Aqui, o eleitorado, depois de editada a medida, é chamado para ratificá-la ou lhe retirar a eficácia, por meio do voto. Por fim, a iniciativa popular consiste na apresentação, pelo povo, de projeto de lei à Câmara dos Deputados subscrito, por nomínimo, um por cento do eleitorado nacional, distribuído pelo menos por cinco Estados, com não menos de três décimos por cento dos eleitores de cada um deles (CF, art. 61, § 2.º). O plebiscito, o referendo e a iniciativa popular são regulados pela Lei n.º 9.709, de 18 de novembro de 1988.

20. Da mesma forma, os seguintes dispositivos: "Art. 58. O Congresso Nacional e suas Casas terão comissões permanentes e temporárias, constituídas na forma e com as atribuições previstas no respectivo regimento ou no ato de que resultar sua criação. § 2º - Às comissões, em razão da matéria de sua competência, cabe: solicitar depoimento de qualquer autoridade ou cidadão (inc. V)."; "Art. 61. A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional, ao Presidente da República, ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores, ao Procurador-Geral da República e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição."; "Art. 74, § 2º. Qualquer cidadão, partido político, associação ou sindicato é parte legítima para, na forma da lei, denunciar irregularidades ou ilegalidades perante o Tribunal de Contas da União."; "Art. 89. O Conselho da República é órgão superior de consulta do Presidente da República, e dele participam: VII - seis cidadãos brasileiros natos, com mais de trinta e cinco anos de idade, sendo dois nomeados pelo Presidente da República, dois eleitos pelo Senado Federal e dois eleitos pela Câmara dos Deputados, todos com mandato de três anos, vedada a recondução."; "Art. 98. A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados criarão: II - justiça de paz, remunerada, composta de cidadãos eleitos pelo voto direto, universal e secreto, com mandato de quatro anos e competência para, na forma da lei, celebrar casamentos, verificar, de ofício ou em face de impugnação apresentada, o processo de habilitação e exercer atribuições conciliatórias, sem caráter jurisdicional, além de outras previstas na legislação."; "Art. 101. O Supremo Tribunal Federal compõe-se de onze Ministros, escolhidos dentre cidadãos com mais de trinta e cinco e menos de sessenta e cinco anos de idade, de notável saber jurídico e reputação ilibada."; e, finalmente: "Art. 131. A Advocacia-Geral da União é a instituição que, diretamente ou através de órgão vinculado, representa a União, judicial e extrajudicialmente, cabendo-lhe, nos termos da lei complementar que dispuser sobre sua organização e funcionamento, as atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo. § 1º - A Advocacia-Geral da União tem por chefe o Advogado-Geral da União, de livre nomeação pelo Presidente da República dentre cidadãos maiores de trinta e cinco anos, de notável saber jurídico e reputação ilibada."

21. José Afonso da Silva. "Faculdades de Direito e construção da cidadania", cit., p. 141.

22. José Afonso da Silva. Idem, p. 142.

23. Cf. Carla Rodrigues & Herbert de Souza. Ética e cidadania (coleção polêmica). São Paulo: Editora Moderna, 1994. Para Charles Antonio Kieling: "A cidadania e, conseqüentemente, o bem comum só existem quando o Estado, o mantenedor da organização social, preserva a sobrevivência, sem distinção, desde o mais vulnerável ser até o mais apto, regulamentando as ações. A cidadania exige a perfeita sintonia entre os Poderes e o Povo, entre as diferentes classes e faixas etárias e entre as diferentes etnias. E do conjunto maior sairá a vitória da Democracia" (Manifesto da cidadania. Caxias do Sul: Maneco Livraria & Editora, 2001, p. 100).

24. Dyrceu Aguiar Dias Cintra Junior. "O judiciário brasileiro em face dos direitos humanos", p. 32-33.

25. André Franco Montoro. "Cultura dos Direitos Humanos", p. 28.

26. Nas palavras de Charles Antonio Kieling: "Se, no passado, o Senso político significou para o homem perceber a natureza como um todo, entendê-la, dominá-la e ao mesmo tempo perceber que era necessário defender-se de suas adversidades a fim de tirar proveito dela, hoje significa perceber o conjunto social. Muito mais complexo que um Senso Político contra a natureza animal é desenvolver um Senso político contra as várias formas de dominação que oprimem o seu humano dentro do ‘tecido’ social. É necessário um novo despertar do Senso Político. Os seres humanos oprimidos e dominados precisam perceber o conjunto social que, estruturalmente, legou-lhes a posição que ocupam na organização social. Uma nova revolução do Senso político é que possibilitará à humanidade reorganizar-se estruturalmente de forma diferente das sociedades de hoje, pois acelera-se, cada vez mais, a percepção holística dos que compõem a sociedade, possibilitando que os líderes percam seu poder centralizador para as decisões das ‘massas populares’" (Manifesto da cidadania, cit., p. 39).


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Autor

  • Valerio de Oliveira Mazzuoli

    Valerio de Oliveira Mazzuoli

    Doutor 'summa cum laude' em Direito Internacional pela UFRGS. Mestre em Direito Internacional pela UNESP. Professor Titular de Direito Internacional Público da UFMT. Autor dos livros: "Alienação fiduciária em garantia e a prisão do devedor-fiduciante: uma visão crítica à luz dos direitos humanos", Campinas: Agá Juris, 1999; "Direitos humanos & relações internacionais", Campinas: Agá Juris, 2000; "Tratados Internacionais (com comentários à Convenção de Viena de 1969)", São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2001; "Direito Internacional: tratados e direitos humanos fundamentais na ordem jurídica brasileira", Rio de Janeiro: Editora América Jurídica, 2001; "Direitos Humanos, Constituição e os Tratados Internacionais: estudo analítico da situação e aplicação do tratado na ordem jurídica brasileira", São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2002; e "Prisão Civil por Dívida e o Pacto de San José da Costa Rica", Rio de Janeiro: Editora Forense (no prelo).

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Informações sobre o texto

Este texto é parte integrante do livro do autor "Direito Internacional: tratados e direitos humanos fundamentais na ordem jurídica brasileira", Rio de Janeiro: Editora América Jurídica, 2001. Texto baseado na palestra proferida pelo autor no Simpósio "Aprendendo e Ensinando Direito: oficinas pedagógicas de direitos humanos e cidadania", realizado na Faculdade Paranaense-FACCAR, em Rolândia-PR. O autor agradece às professoras Maria de Fátima Ribeiro e Zelma Torres, ambas da Universidade Estadual de Londrina-PR (UEL), pelo convite.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Direitos humanos, cidadania e educação. Uma nova concepção introduzida pela Constituição Federal de 1988. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 6, n. 51, 1 out. 2001. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2074. Acesso em: 19 mar. 2024.