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A terceirização, a Súmula 331 do TST e a ADC 16.

Breve discussão do fenômeno da terceirização, análise da jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho e a (nova) incursão do Supremo Tribunal Federal na matéria trabalhista

A terceirização, a Súmula 331 do TST e a ADC 16. Breve discussão do fenômeno da terceirização, análise da jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho e a (nova) incursão do Supremo Tribunal Federal na matéria trabalhista

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O STF, ao declarar constitucional o §1º do art. 71 da Lei de Licitações, nos autos da ADC 16, isentou o Poder Público de se responsabilizar pelos direitos dos trabalhadores que lhe prestam serviço, ao talante de empresas terceirizantes por ele contratadas.

Resumo:

Em dezembro de 2010 publicamos neste site, importantíssima fonte de divulgação dos assuntos de vanguarda da tecnologia jurídica nacional, artigo que se dirigia a uma análise crítica das decisões do STF, tomadas à luz da ADI 2135 e Reclamações posteriores, onde se vinha decidindo pela incompetência da Justiça do Trabalho para processar e julgar quaisquer feitos entre trabalhador e o Poder Público, com fundamento na suposta inadmissibilidade de mantença de contrato de trabalho (stricto sensu) entre este e aquele. O novel entendimento, à luz de toda uma história constitucional recente, e aos auspícios da doutrina processualista, era um verdadeiro desastre. Felizmente, ainda não tem definitividade, por se tratar de referendo de liminar, apenas. Enquanto finalizávamos aquele estudo, o Supremo Tribunal Federal julgava outra questão de sumo interesse juslaboral. Mais precisamente, em 24 de novembro de 2010, ao declarar-se constitucional o §1º do art. 71 da Lei de Licitações, nos autos da ADC 16, consagrava-se o texto legal que, na prática, isenta o Poder Público de se responsabilizar pelos direitos dos trabalhadores que lhe prestam serviço, ao talante de empresas terceirizantes por ele contratadas. Analisemos o contexto desta decisão, e seus fatores jurídicos conexos, sem compromisso facciosista para com este ou aquele tribunal, mas, tão-somente, a bem da ciência jurídica. Antes, façamos uma abordagem material do fenômeno da terceirização, com enfoque na jurisprudência, para, ao final, debater os aspectos processuais da matéria.

Palavras-chave: Terceirização; ADC 16; Súmula 331/TST; licitação; empresa terceirizante; Administração Pública; responsabilidade subsidiária.


1. Introdução – breves considerações sobre terceirização.

O tema “terceirização” é tormentoso no Direito do Trabalho, e tem inspirado doutrinadores e juristas a acalorados debates, principalmente nos últimos dez anos. É que assistimos, até aqui, apenas as duas primeiras fases do fenômeno social: seu nascimento e apogeu.

A primeira fase deu-se no final dos anos 60, e se iniciou, por incrível que pareça, no âmbito da própria Administração Pública. Explica-se. Enquanto fato social, a terceirização era ainda fenômeno incipiente, no início da daquela década. Tanto o era que a CLT, o principal diploma normativo do Direito do Trabalho, não trata do assunto, que, hoje, é seu tema mais polêmico. Como explica Maurício Godinho DELGADO (2009, p. 408):

“A terceirização é fenômeno relativamente novo do Direito do Trabalho do país, assumindo clareza estrutural e amplitude de dimensão apenas nas últimas três décadas do segundo milênio no Brasil. A CLT fez menção a apenas duas figuras delimitadas de subcontratação de mão-de-obra: a empreitada e subempreitada (...). À época da elaboração da CLT (década de 40), a terceirização não constituía fenômeno com a abrangência assumida nos últimos trinta anos (...). Mesmo no redirecionamento internacionalizante despontando na economia nos anos 50, o modelo básico de organização das relações de produção manteve-se fundado no vínculo bilateral empregado-empregador (...)”.

Como forma de fugir às consequências que a durabilidade do vínculo de emprego imprime ao contrato de trabalho, e percebendo a abertura legal, passaram os empregadores a contratar seus trabalhadores por prazo determinado. A prática se difundiu de tal maneira que chamou a atenção do legislador, que, por sua vez, tratou o fenômeno com dois pesos e duas medidas, através da edição, no mesmo ano e mês, de dois diplomas normativos: o Decreto-Lei 229 e o Decreto-Lei 200; ambos de fevereiro de 1967. Enquanto o primeiro alterou substancialmente a CLT, dificultando, dentre outras medidas, a celebração de contrato por prazo determinado, o segundo permitiu à Administração Pública, setorialmente, contratar mão-de-obra por empresa interposta.

Como explica Alice Monteiro de BARROS (2009, p. 444):

“(...) passou-se a utilizar abusivamente dos contratos determinados. Para coibir esses abusos editou-se o Decreto-Lei n. 299, de 1967, que autorizou o contrato a termo apenas quando o seu objeto estivesse, de fato, limitado no tempo. Com a restrição (...), multiplicaram-se as empresas criadas com o objetivo de fornecer mão-de-obra a outras empresas (...). Difundiu-se rapidamente no Brasil esse sistema de locação de pessoal. Em 1973, só em São Paulo, havia 10 mil empresas que se utilizavam desse sistema (...)”.

Se o Decreto-Lei 229 procurou evitar a tendência de refugo ao vínculo permanente ou indeterminado, por parte dos empregadores, o Decreto-Lei 200 favoreceu essa prática, quando permitiu à Administração “descentralizar” tarefas meramente executivas, não relacionadas à atividade fim do órgão público. Dizia o §7º do art. 10 do referido decreto:

“Para melhor desincumbir-se das tarefas de planejamento, coordenação, supervisão e contrôle e com o objetivo de impedir o crescimento desmesurado da máquina administrativa, a Administração procurará desobrigar-se da realização material de tarefas executivas, recorrendo, sempre que possível, à execução indireta, mediante contrato, desde que exista, na área, iniciativa privada suficientemente desenvolvida e capacitada a desempenhar os encargos de execução.”

O dispositivo situa-se no terceiro capítulo daquele diploma normativo, que trata da descentralização dos serviços públicos. Aliás, o Decreto-Lei 200, como um todo, é um importante marco normativo para o Direito Administrativo, no que concerne à forma de organização do serviço público, hoje denominada descentralizada.

Há, porém, de se observar que o tema da descentralização, à primeira análise, pertine à forma através da qual a Administração Pública se organiza, em termos de estrutura e divisão de tarefas, para a melhor prestação do serviço. Tem um caráter externo, atinente a repartição de competências entre seus mais diversos órgãos (lato sensu). A permissão trazida pelo art. 10, §7º, do decreto não diz propriamente com descentralização, partindo-se de seu conceito doutrinário (e mesmo legal). O que o decreto denomina de descentralização, neste dispositivo, nada tem a ver com a descentralização de que trata, no conjunto.

O fato é que se entendeu que, a partir de tal redação, a Administração Pública passou a relegar aos particulares a prestação de tarefas que não condizem, exata e diretamente, com os fins a que ela se destina. São tarefas-meio, tão-somente complementares e necessárias a que as finalidades primordiais do Poder Público venham a ser cumpridas. Ora, isso não é descentralizar – que tem a ver com a prestação do serviço à sociedade – mas terceirizar, vez que o preceptivo se refere a trabalhadores que a ela própria prestam serviço. Na descentralização stricto sensu vislumbra-se relação da Administração Pública para com o administrado; na “descentralização” de que trata o preceptivo, há uma relação da Administração com seus próprios trabalhadores. Isto, verdadeiramente, é terceirização. Terceirização, no dizer de Vólia Bomfim CASSAR (2008, pp. 492-3), “é o mecanismo jurídico que permite a um sujeito de direito tomar serviços sem responder, diretamente, pela relação empregatícia estabelecida com o respectivo trabalhador”.

Indene de dúvidas, pois que o Decreto-Lei 200 instituiu, ou juridicizou, no âmbito do Poder Público (como o faz até hoje), a terceirização. Assim, o efeito que o Decreto-Lei 229 procurava manter – qual seja, o de preservar os contratos de trabalho, favorecendo o vínculo permanente entre empregado e empregador – o Decreto-Lei n. 200 terminava por afastar. O espírito legislativo sagrava-se completamente contraditório, aqui.

Três anos depois, sobreveio a Lei 5.645/70, que, em seu art. 3º, parágrafo único, relacionava uma série de serviços (denominados “descentralizados” pelo Decreto-Lei 200) que seriam, segundo sua própria letra, “de preferência, objeto de execução indireta, mediante contrato, de acordo com o art. 10, §7º, do Decreto-Lei n. 200”. Seriam essas atividades as de conservação e limpeza, operação de elevadores, custódia e transporte, e outras assemelhadas. A partir daí, com o apoio do próprio Poder Público, iniciou-se a proliferação desenfreada de empresas denominadas terceirizantes, ou empresas prestadoras de serviço, que Alice Monteiro de BARROS comenta, conforme citação acima.

O fenômeno ganhou proporções imensas, rapidamente. O legislador, então, como forma de aplacar a sanha patronal em evitar ao máximo a celebração do contrato de trabalho e a configuração do vínculo empregatício, editou a Lei 6.019/74, que dispunha sobre o trabalhador temporário. A partir daí, o processo de terceirização, a esta altura já bastante desfigurado (sabe-se que as relações sociais de trabalho são consideravelmente maleáveis, surgindo novas figuras de tempos em tempos), foi regulamentado, ao menos em parte. A referida lei permitia às empresas contratar trabalhadores para, temporariamente, prestarem-lhe serviços, sem que restasse configurado o vínculo, que permaneceria com a empresa terceirizante. Essa espécie de contratação seria permitida em duas hipóteses: na substituição temporária de pessoal do quadro permanente da empresa tomadora, ou na necessidade temporária resultante de acréscimo extraordinário de serviço.

Ocorre que a terceirização já havia escapado a estes limites, de há muito, mormente com o mau exemplo do Decreto-Lei 200, que permitia à Administração Pública terceirizar vários serviços de forma definitiva (e não apenas temporária, como queria a Lei 6.019/74). Assim, passados mais alguns anos, entrou em vigência a Lei 7.102/83, que trouxe ao ordenamento jurídico a primeira hipótese de terceirização permanente reconhecida legalmente: a dos serviços de vigilância e transporte de valores. Aproximava-se a legislação aplicável ao âmbito privado daquela permissiva à Administração Pública.

Ainda assim, era pouco. Repisa-se: a terceirização já se havia expandido para limites muito mais amplos. Diversos outros tipos de atividades estavam sendo terceirizadas, sem regulamentação. A Lei 7.102/83 regulamentava apenas uma pequena fração desse contexto fático laboral, que seria a atividade de vigilância e transporte, em estabelecimentos financeiros. Sequer outras espécies de estabelecimentos, que não financeiros ou bancários, poderiam adotar a terceirização recém-permitida em sua estrutura (ad exemplum: shoppings, lojas de departamentos, cinemas, restaurantes, etc.). O estabelecimento deveria atuar no sistema financeiro.

Mas o fenômeno não parou de se expandir. A terceirização transformou-se em assunto de pauta mundial, no âmbito empresarial. É, hoje, inerente ao cotidiano fático de qualquer grande empresa e tratada como tópico obrigatório nas pautas de reuniões empresariais e nos currículos dos cursos de administração. É considerada como conceito moderno de produção; um importante fator de organização administrativa e financeira da empresa, relevante para a redução de despesas e objetividade de sua cadeia produtiva. Em estudo disponibilizado no sítio virtual do Ministério do Trabalho e Emprego (2003, pp. 13-4), são apontados nada mais nada menos que catorze (!) aspectos vantajosos aos empresários e empresas que adotam a terceirização em sua estrutura de atuação. Inevitável, pois, diante do conceito que as empresas e as próprias ciências ligadas à área empresarial emprestaram ao fenômeno, que o mesmo se generalizasse, atingido seu apogeu.

Outros três anos após a edição da última lei pertinente, a jurisprudência enxergou a necessidade de por freios à evolução do fenômeno da terceirização. Era preciso impor-lhe um “controle civilizatório” (parafraseando GODINHO, 2009, p. 425). Foi este contexto que fez o Tribunal Superior do Trabalho editar, em 1986, o enunciado n. 256, que deu origem, posteriormente, ao enunciado n. 331 da súmula de sua jurisprudência.


2. A evolução da jurisprudência sumulada do Tribunal Superior do Trabalho: a Súmula 331 e a imposição de limites à expansão do fenômeno da terceirização.

Como se disse, vivencia-se, hoje, o apogeu do fenômeno da terceirização. Os debates atuais, ao menos na ciência jurídica, concentram-se nos aspectos da valoração do trabalho e da dignidade da pessoa humana; faces do fenômeno emanadas do ponto de vista do trabalhador. A intenção do diploma celetista, desde seu nascedouro, foi a de proteger o trabalhador, conferindo à relação de trabalho características de contrato intuito personae e oneroso entre as partes. Se há contrato, há direitos e obrigações de cada um dos contraentes. E mais: sendo um deles hipossuficiente, confere a lei a este tipo de contrato características especiais que tendem a proteger a mais fraca das partes, aproximando-as, do ponto de vista isonômico. É assim no Direito do Consumidor. É assim no Direito do Trabalho. Para fugir dessas obrigações especiais que lhes imprime a CLT, porém, é que os empregadores, costumeiramente, engendram mecanismos mascaradores da relação de emprego.

Na terceirização, aparece a figura do trabalhador sem contrato. O sujeito presta serviço, mas não celebra contrato de trabalho com aquele que lhe toma o serviço. Trata-se de figura inteiramente fora dos padrões da consolidação trabalhista.

Evidentemente, a título de relação de trabalho, que é gênero, não existe apenas a relação de emprego. Há o trabalho autônomo, o eventual, o avulso, o voluntário, o estatutário e o empregatício, dentre outros. Cada um destes insere-se na legislação pertinente. A legislação típica do empregado urbano é a CLT. Portanto, não se tratando de doméstico ou rurícola, não há trabalhador que, enquadrado juridicamente como empregado, não se sujeite aos parâmetros desta lei. O terceirizado não celebra com o prestador de seu serviço contrato de trabalho. Por outro lado, não pode ser considerado temporário, avulso ou autônomo. O terceirizado, pelo menos até agora, ainda é considerado empregado. Como se pode conceber, então, a figura do empregado sem contrato?

Pode-se justificar – diria a vertente empresarial da matéria – que o contrato de trabalho não deixa de existir, sendo celebrado, não com o tomador, mas com o prestador do serviço. O empregado não se despoja do liame protetivo da legislação. O que muda, para com o empregado não-terceirizado, é que as consequências desse liame serão suportadas pela empresa terceirizante, não pela terceirizada. A questão é, pois, principiológica, porque, do ponto de vista técnico-legal, o contrato de trabalho não deixa de existir. Não há, propriamente, para quem assim entende, uma proibição legal expressa à ocorrência do fenômeno. Cogitável até seria a incidência do art. 37, II, da Constituição Federal, para a Administração Pública, ao menos a partir de 05 de outubro de 1988, sugerindo-se a inconstitucionalidade do fenômeno, no âmbito público. Para nós, parece-nos que o fenômeno sequer se enquadra na moldura definida pela CLT.

Pois bem. A jurisprudência trabalhista brasileira, diante da dicotomia apresentada, nem aceitou nem proibiu a terceirização. Resolveu tolerar o fenômeno, com a imposição de certos limites. Terminou por referendar a terceirização no âmbito da Administração, “legalizada” pelo Decreto-Lei n. 200/67, bem como aquela ocorrida no âmbito privado, já reconhecida, em parte, pelas leis 6.019/74 e 7.102/83. Mas ao administrador, e ao empresário, imprimiu certas consequências jurídicas um tanto quanto diversas.

Em 1986 editou o Tribunal Superior do Trabalho sua Súmula 256, verbis:

“CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. LEGALIDADE. Salvo os casos de trabalho temporário e de serviço de vigilância, previstos nas Leis nºs 6.019, de 03.01.1974, e 7.102, de 20.06.1983, é ilegal a contratação de trabalhadores por empresa interposta, formando-se o vínculo empregatício diretamente com o tomador dos serviços.”

O limite à expansão do fenômeno estava posto: fora dos casos previstos em lei, não seria possível admitir terceirização. Os princípios do Direito do Trabalho foram sopesados pelo Tribunal, que entendeu não permitida pela técnica jurídica laboral e pela legislação pertinente a prática de terceirizar empregados, salvo aquelas duas hipóteses já previstas em lei: a do trabalhador temporário, e a do vigilante ou transportador de valores. Isto no âmbito privado. Da prática corrente no serviço público, nada disse.

Ao contrário do que dispunha a Lei 7.102/83, que restringia a terceirização de serviços de vigilância e transporte de valores aos estabelecimentos financeiros, a Súmula 256/TST não impunha tal limitação. Aliás, até o fazia, porque mencionava expressamente a legislação pertinente. Porém, passou-se a entender que a terceirização desse tipo de atividade estava “liberada” para qualquer área de atuação empresarial. Em consequencia disso, todo e qualquer tipo de estabelecimento empresarial passou a terceirizar serviços de vigilância e transporte, o que foi referendado pela Lei 8.863/94, no ano seguinte ao da edição da súmula, quando alterou a redação do art. 10 da Lei 7.102/83, incluindo a expressão “outros estabelecimentos”, além dos tipicamente financeiros.

Hoje, vislumbra-se o trabalho terceirizado dos serviços de vigilância e segurança nos mais diversos ramos de atuação empresarial, como shoppings, lojas e universidades privadas, entendendo-se que tal proceder é legal e está regulamentado genericamente pela Lei 7.102/83. E nestes termos restou concebida a terceirização, durante 10 (dez) anos. No entanto, durante este período, sobreveio uma nova ordem constitucional, com uma Constituição Federal, em 1988, e, em junho de 1993, com a nova Lei de Licitações e Contratos da Administração Pública (Lei 8.666/93).

A Lei 8.666/93, ao disciplinar os procedimentos de licitação e contratos, no âmbito da Administração Pública, assim dispôs, em seu art. 71, caput e §1º, verbis:

“Art. 71.  O contratado é responsável pelos encargos trabalhistas, previdenciários, fiscais e comerciais resultantes da execução do contrato.

§1º - A inadimplência do contratado, com referência aos encargos estabelecidos neste artigo, não transfere à Administração Pública a responsabilidade por seu pagamento (...).”

Além de se favorecer com o art. 10, §7º, do Decreto-Lei 200, combinado com o art. 3º, parágrafo único, da Lei 5.645/70 (já de receptividade constitucional duvidosa, frente à nova carta constitucional), que lhe permitia terceirizar várias atividades, a Administração Pública agora se desincumbia, declaradamente, de qualquer responsabilidade trabalhista para com estes empregados terceirizados. Aliás, o parágrafo único do art. 3º da Lei 5.645/70 já havia sido ampliado por um decreto federal de 1997 (Decreto 2.271/97).

Pode-se pensar que o dispositivo (art. 71 da Lei 8.666/93) nada mais fez do que esposar o entendimento de que, tratando-se de empregado terceirizado, as consequências do inadimplemento trabalhista deveriam ser suportadas pela terceirizante, não pelo terceirizado. Afinal, seria este o próprio mecanismo da terceirização. Contudo, por entender que é dever da Administração Pública fiscalizar a execução do contrato (arts. 58, III, e 67 da própria Lei 8.666/93), tendo o Poder Público responsabilidade objetiva pelos seus atos, nos termos do art. 37, §6º, da Constituição Federal, o TST reeditou sua Súmula 256, naquele mesmo ano de 1993, transformando-a na Súmula 331, que recebeu a seguinte redação (já com as alterações de 2003):

“CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. LEGALIDADE.

I - A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei nº 6.019, de 03.01.1974).

II - A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da administração pública direta, indireta ou fundacional (art. 37, II, da CF/1988).

III - Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei nº 7.102, de 20.06.1983) e de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta.

IV - O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços, quanto àquelas obrigações, inclusive quanto aos órgãos da administração direta, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista, desde que hajam participado da relação processual e constem também do título executivo judicial (art. 71 da Lei nº 8.666, de 21.06.1993).”

A nova súmula diferenciava-se substancialmente da anterior, por dois aspectos: a) era muito mais tolerante com o fenômeno da terceirização no âmbito privado, permitindo-a, agora, para, além dos casos previstos em lei, às inúmeras situações em que o serviço terceirizado não se relacione à atividade-fim da empresa; b) pronunciava-se, pela primeira vez, sobre o fenômeno da terceirização no âmbito público.

No âmbito privado, diante da vastidão de casos concretos observados no meio social, que a súmula anterior não conseguiu evitar, o TST mudou o entendimento e resolveu permitir, genericamente, a prática, sempre que a atividade objeto da terceirização não se relacionasse à finalística da empresa. Exemplificativamente, a súmula cita os serviços de vigilância (referenciando à lei específica) e os de conservação e limpeza (já largamente utilizados pelas empresas na forma terceirizada), e, genericamente, autoriza a prática para as denominadas “atividades-meio”. Quanto ao trabalho temporário, cita-o no inciso I, que compreende, basicamente, a redação da antiga Súmula 256.

Jorge Luís SOUTO MAIOR (2011, artigo), ferrenho opositor da prática de terceirizar, comenta a mudança de entendimento:

 “(...) O critério jurídico adotado não foi feliz. Primeiro porque, para diferenciar a terceirização lícita da ilícita, partiu-se de um pressuposto muitas vezes não-demonstrável, qual seja, a diferença entre atividade-fim e atividade-meio. O serviço de limpeza, por exemplo, normalmente apontado como atividade-meio, em se tratando de um hospital, seria realmente uma atividade-meio? (...) A terceirização trata-se, como visto, de técnica administrativa, para possibilitar a especialização dos serviços empresariais. No entanto, o Enunciado 331, do TST, não vincula a legalidade da terceirização a qualquer especialização”.

O que o doutrinador quer dizer é que, enquanto a Súmula 256 proibia, genericamente, a intermediação de mão-de-obra, a Súmula 331 fez exatamente o contrário. Ao adotar o critério genérico da “atividade-meio” (inciso III), permitiu-se aos empresários em geral terceirizar todas as atividades prestadas no âmbito de suas empresas, a exceção daquela para a qual tenham sido as empresas constituídas. Com isso, e em tese, uma determinada empresa pode chegar a ter mais trabalhadores terceirizados do que empregados contratados.

Além disso, todas as empresas intermediadoras de mão-de-obra, que antes só podiam atuar nos serviços de vigilância e transporte de valores, ou no fornecimento de trabalhadores temporários, tiveram suas áreas de atuação imensamente ampliadas. A existência dessas empresas – sem qualquer especialização, a não ser “emprestar” empregados a outras – restou homologada pela Justiça do Trabalho. Ou, ao menos, por sua Corte superior. A intermediação de mão-de-obra, frente à enorme possibilidade de casos concretos, deixou de ser, em regra, proibida, para se tornar, em regra, permitida. A redação do inciso I da súmula 331 restou esvaziada pelo critério adotado no inciso III da mesma. O comando do inciso I, agora, só tem razão de ser considerando-se a atividade-fim da empresa. Nos termos da Súmula 331, I, do TST, somente não se pode terceirizar a atividade finalística do empreendimento empresarial.

Outro ponto merecedor de grande atenção, por parte do magistrado, é aquele que pertine aos elementos da pessoalidade e subordinação. Ainda que se trate de atividade-meio, estando presentes esses dois elementos, há de se considerar configurado o vínculo empregatício direto com o tomador do serviço. Assim, o magistrado deverá levará em contar dois principais aspectos: 1) o de se saber se, naquela determinada área de atuação empresarial, a atividade prestada pelo trabalhador é fim ou é meio; 2) se, sendo meio a atividade, está presente, no caso concreto, a pessoalidade e a subordinação direta. Sendo atividade-fim, ou estando presentes esses elementos, cuidar-se-á de terceirização ilícita. As consequencias desse tipo de terceirização serão discutidas no item 4 adiante.

Quanto à terceirização no âmbito público, comenta-se especificamente sobre esse assunto no próximo tópico.


3. A Súmula 331/TST e a terceirização na Administração Pública.

O efeito jurídico da Súmula 331 parece ter sido o exato oposto daquele causado pela Súmula 256. É que, enquanto aquela nada falava acerca da terceirização no âmbito público, limitando o fenômeno apenas a nível privado, a nova súmula foi benéfica aos empresários e impôs limites ao Poder Público.

Com efeito, seu inciso II dispõe que “a contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da administração pública direta, indireta ou fundacional”. Nada mais óbvio, posto que a Constituição Federal instituiu, para o celetista público, a obrigatoriedade do concurso (para o estatutário, tal requisito já existia; sobre o tema, vide artigo de nossa autoria publicado neste site [VERÇOSA, artigo cit.]).

O inciso IV, este sim, compreende a parte mais louvável (a priori) da redação da súmula. Nele, dispôs o TST que “o inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços, quanto àquelas obrigações, inclusive quanto aos órgãos da administração direta, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista (...)”.

A nova súmula foi uma resposta do TST ao advento da Lei 8.666/93 e seu discutível art. 71, §1º. Com esta lei, o Estado, por meio de seu braço legislativo, deu o maior dos maus exemplos. Além de se permitir terceirizar as mais variadas atividades, ainda se declarava isento de qualquer responsabilidade sobre os trabalhadores de cujos serviços se beneficiava. Evidentemente, com isto não se poderia concordar. Com a Súmula 331, foi como que quisesse a Justiça do Trabalho dar um basta àquela situação, imputando-se ao Poder Público a responsabilidade subsidiária.

Novamente, também não é que aqui, neste inciso IV, houvesse qualquer coisa de novidade. A jurisprudência trabalhista já decidia pela responsabilidade do Poder Público, nas terceirizações. De PIOVESAN (1993, p. 94), extrai-se a seguinte decisão:

 “LOCAÇÃO DE MÃO-DE-OBRA. SOLIDARIEDADE. O SERPRO foi criado para desenvolver os serviços de informatização, notadamente nos órgãos ligados à Fazenda Pública Federal. Daí, inválido o convênio com a entidade que prevê mera cessão de pessoal, em autêntico “marchandage”, ao arrepio do Enunciado 256/TST. Impõe-se solidariedade passiva, com espeque no artigo 1518, CCB.” (TRT 9ª. RO 3301/1991. 2ª T. Relator Min. JOÃO ANTÔNIO GONÇALVES DE MOURA. DJ 26/02/1993).

Nota-se que a decisão é de fevereiro de 1993; portanto, proferida sob a égide da Súmula 256/TST, que nada falava sobre a terceirização no âmbito público. A Súmula 331, que passou a tratar expressamente da questão, só foi editada em dezembro de 1993. Quando, em junho daquele ano, sobreveio lei isentando expressamente a Administração de arcar com os créditos dos trabalhadores terceirizados, era chegada a hora de revisar a antiga Súmula 256. Foi o que fez o Tribunal Superior do Trabalho, com a edição da Súmula 331.

Para fins de pesquisa, o sítio virtual do TST disponibiliza os dados de vários precedentes em julgados seus, todos anteriores à edição da Súmula 331: RR 62835-48.1992.5.02.5555, Ac. 1ªT 2340/1993 - Min. URSULINO SANTOS - DJ 01.10.1993 - Decisão unânime; RR 44058-74.1992.5.07.5555, Ac. 1ªT 3308/1992 - Min. AFONSO CELSO - DJ 04.12.1992 - Decisão unânime; RR 42286-78.1991.5.01.5555, Ac. 4ªT 2936/1992 - Min. LEONALDO SILVA - DJ 12.02.1993 - Decisão unânime; RR  41974-21.1991.5.04.5555, Ac. 4ªT 1420/1993 - Min. MARCELO PIMENTEL - DJ 18.06.1993 - Decisão unânime; RR 35607-78.1991.5.04.5555, Ac. 5ªT 1275/1993 - Min. JOSÉ AJURICABA DA COSTA E SILVA - DJ 25.06.1993 - Decisão unânime; RR 27568-54.1991.5.09.5555, Ac. 5ªT 905/1992 - Min. ANTÔNIO AMARAL - DJ 19.06.1992 - Decisão por maioria; ERR 211-52.1990.5.12.5555, Ac. 2333/1993 - Min. CNÉA MOREIRA - DJ 03.09.1993 - Decisão por maioria; RR 226-34.1989.5.02.5555, Ac. 1ªT 2608/1989 - Min. JOSÉ LUIZ VASCONCELLOS - DJ 08.09.1989 - Decisão por maioria; RR 43279-06.1992.5.04.5555, Ac. 2ªT 631/1993 -  Min. JOÃO TEZZA - DJ 18.06.1993 - Decisão unânime; RR 24086-98.1991.5.09.5555, Ac. 2ªT 806/1992 - Min. VANTUIL ABDALA - DJ 08.05.1992 - Decisão por maioria; RR 45956-68.1992.5.09.5555, Ac. 3ªT 5251/1992 - Min. ROBERTO DELLA MANNA - DJ 06.08.1993 - Decisão unânime; RR 41486-28./1991.5.09.5555, Ac. 3ªT 46/1992 - Min. MANOEL MENDES DE FREITAS - DJ 26.03.1993 - Decisão unânime. Infelizmente, o site não fornece o teor das decisões.

Estava assim enquadrada juridicamente a terceirização no Brasil, antes, e, mais fortemente ainda, depois do advento da Súmula 331/TST:

a) No âmbito privado, poderá ocorrer em quaisquer atividades-meio da empresa tomadora do serviço, desde que ausentes os caracteres gerais da relação de emprego, mormente a pessoalidade e a subordinação direta ao tomador. O conceito de atividade-meio fica ao talante do julgador, observado cada caso concreto e, genericamente, a jurisprudência nacional;

b) No âmbito público, só poderá ocorrer nas atividades regulamentadas no art. 7º, §10, do Decreto-Lei 200/67, complementado pelo art. 3º, parágrafo único da Lei 5.645/70 e pelo Decreto Federal 2.271/97, os quais, diga-se desde logo, abrangem muitas possibilidades. Embora silente a súmula, também aqui não deverão existir os caracteres da pessoalidade e subordinação;

c) No âmbito privado, tratando-se de atividade-fim, ou presentes aqueles caracteres, configurar-se-á a terceirização ilegal e o vínculo empregatício direto com o tomador;

d) No âmbito público, tratando-se de atividade-fim, ou presentes aqueles caracteres, configurar-se-á a terceirização ilegal, mas não o vínculo empregatício direto com o tomador, ao menos a partir da Constituição Federal de 1988, que instituiu a obrigatoriedade do concurso público para cargos e empregos;

E quanto à responsabilidade das empresas tomadora e prestadora do serviço, pelo inadimplemento das verbas trabalhistas? Como se definiu tal questão?

Segundo a Súmula 331, sendo lícita a terceirização, tanto no âmbito privado quanto no público, haverá responsabilidade subsidiária do tomador do serviço. No entanto, observa-se, do decisum colacionado acima, que houve condenação na solidariedade, não na subsidiariedade. Aprofundemos a questão da responsabilidade trabalhista no próximo tópico.


4. A responsabilização do prestador e do tomador do serviço pelo inadimplemento das verbas trabalhistas.

O trabalho terceirizado envolve uma relação trilateral entre empregado, empregador e tomador do serviço. Na terceirização, ao contrário do que ocorre na relação empregatícia convencional, a figura do empregador é diversa da do tomador do trabalho. Rompe-se com a dicotomia clássica empregado-empregador, tão presente na CLT.

Acerca do fenômeno, digladiam-se as ciências da Administração de Empresas, da Economia, da Sociologia, do Direito. A depender do plano de visão, será dito que a terceirização não é um fenômeno de todo maléfico. Mesmo no Direito do Trabalho, do ponto de vista patronal, a terceirização promove corte de gastos e favorece, em tese, o aumento do índice geral de emprego, pois os trabalhadores têm a nova opção de celebrar contrato de trabalho com empresas intermediadoras de mão-de-obra, sem preocupação com demanda de mercado. Tal passa a ser preocupação da própria empresa terceirizante. O trabalho terceirizado poupa o trabalhador de procurar pelo emprego. Ademais, as empresas prestadoras do serviço promovem a qualificação da mão-de-obra, como no caso dos vigilantes, por exemplo. Sobre isso, explana CARRION (2006, p. 307):

“Quando não fraudulenta é manifestação de modernas técnicas competitivas. A Súmula 256 do TST foi um freio à terceirização; a 331, um estímulo e uma concessão à realidade. (...) Os altos percentuais de desemprego em todo o mundo levaram a contratação de desempregados; parte considerável da doutrina brasileira sugere esse caminho como remédio inafastável ao desemprego técnico e conjuntural, fruto da globalização”.

Esse é um ponto de vista. Evidentemente, há outras questões envolvidas no fenômeno que são prejudiciais ao empregado. Além do aspecto técnico juslaboral, sobre ser ou não o fenômeno compatível com o sistema jurídico constitucional brasileiro, a terceirização provoca no empregado uma falta de identificação com o ambiente de trabalho, o surgimento de uma segunda categoria de trabalhadores no âmbito da mesma empresa (o que, em tese, pode configurar discriminação), e uma certa marginalização social. Tanto o é que a empresa tomadora do serviço jamais aceita pagar-lhe qualquer verba rescisória. O empregado, para o tomador do serviço, é objeto de redução de custos.

Ressalvando-se posicionamento de doutrina mais firme em sentido contrário, com a qual simpatizamos, o certo é que o Judiciário nacional aceita a terceirização, com certos limites. E, para compensar a menor proteção que, em tese, é dispensada ao empregado terceirizado, por seu afastamento da dualidade protetora preconizada pela CLT, criou-se um mecanismo de responsabilização da empresa tomadora do serviço, acerca dos direitos do obreiro.

Ab initio, diga-se que as únicas hipóteses de previsão legal expressa de responsabilidade da empresa tomadora ou terceirizante são aquelas constantes dos arts. 16 da Lei 6.019/74 e 455 da CLT. Atente-se que o se discute, a seguir, é a responsabilização de quem toma o trabalho terceirizado – a empresa tomadora do serviço, ou empresa terceirizada, ou empresa cliente. A empresa prestadora do serviço, ou empresa terceirizante, não há dúvidas, é o próprio empregador, e, portanto, o responsável imediato ou direto pelas verbas laborais, na forma da CLT.

O art. 16 da Lei 6.019/74 – a primeira lei regulamentadora do fenômeno no âmbito privado – dispõe que, no caso de falência da empresa de trabalho temporário, a empresa tomadora ou cliente é solidariamente responsável pelo recolhimento das contribuições previdenciárias e pelas verbas remuneratórias. Instituiu-se, assim, no âmbito do trabalho temporário, a responsabilidade solidária entre tomador e prestador do serviço. A disposição, porém, só se aplica para um tipo de trabalhador terceirizado – o temporário – e unicamente em caso de falência da empresa prestadora do serviço (a empresa terceirizante). Isto, a rigor, sequer é solidariedade, porque o artigo cria, com sua redação, um implícito benefício da ordem. Seria uma espécie de solidariedade mitigada, condicionada a tal ponto de se quase anular o instituto da solidariedade, que existe para favorecer o credor, que pode cobrar de quem mais lhe aprouver. Aqui, não há essa liberdade de escolha. Quem abre falência, a priori, é insolvente. Ora, se o trabalhador só pode cobrar de um na insolvência do outro, vislumbra-se neste mecanismo subsidiariedade, não solidariedade.

A segunda hipótese de responsabilidade do tomador prevista em lei está na própria CLT, e se adéqua aos casos de subempreitada. Diz o art. 455, litteris: “nos contratos de subempreitada responderá o subempreiteiro pelas obrigações derivadas do contrato de trabalho que celebrar, cabendo, todavia, aos empregados, o direito de reclamação contra o empreiteiro principal”. A lei, porém, não fala de que responsabilidade estar-se-ia a tratar.

Face ao caráter limpo e claro da redação do art. 455, entendemos que se cuida de solidariedade. Se é dito que o sujeito A responde pela dívida, cabendo ao credor o direito de também reclamar contra B, sem qualquer condicionamento, parece-nos óbvio que incidente o instituto da solidariedade. Trata-se do mesmo débito, havendo mais de um devedor, cada um deles obrigado pela totalidade daquele. O grande diferencial entre solidariedade e subsidiariedade é o condicionamento, que não há na primeira e existe na segunda. Na responsabilidade subsidiária, o segundo devedor só incorre no dever de pagar se o principal ou imediato devedor, demandado primeiro, não quitar a obrigação. A subsidiariedade impõe ao credor que acione primeira e necessariamente o devedor principal.

O eminente doutrinador e Ministro do TST, Maurício Godinho DELGADO (2009, p. 451), expõe tese em sentido diverso:

 “A doutrina e a jurisprudência tendiam a considerar a responsabilidade (...) como solidária. (...) Hoje, contudo, a partir da uniformização jurisprudencial sedimentada pela Súmula 331, IV, do TST, engloba-se também a situação-tipo aventada pelo art. 455 da CLT (...), passando-se a considerar como subsidiária a responsabilidade (...)”.

O que o autor quer dizer, como, de fato, o diz em passagem anterior da mesma obra, é que, dispondo a Súmula 331/TST que a responsabilidade do tomador do serviço é subsidiária, deve-se entender que a responsabilidade subsidiária existirá em todo e qualquer caso de terceirização, seja no trabalho temporário, na subempreitada, ou em quaisquer outras hipóteses de intermediação lícita de mão-de-obra.

Data venia, a explanação não nos convence, a não ser que no grau de hierarquia das fontes jurídicas a jurisprudência tenha traspassado a lei, como fonte direta, e a lei passado a mera fonte secundária ou complementar. É evidente que o caráter da súmula é supletivo, complementar ao ordenamento. Aliás, o TST tem uma tendência de supervalorizar sua jurisprudência, que, não raro, chega a inovar no sistema jurídico brasileiro.

A jurisprudência mais antiga do Tribunal parece mais técnica:

 “AGRAVO DE INSTRUMENTO. SUBEMPREITADA. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DO EMPREITEIRO. Divergência jurisprudencial e contrariedade a Enunciado não caracterizadas. Agravo de instrumento a que se nega provimento. (...) Não se caracteriza contrariedade ao Enunciado nº 331, IV, do TST, por constar nesse verbete sumular entendimento acerca dos contratos de prestação de serviços, não abrangendo os contratos de subempreitada, hipótese em análise.” (TST AIRR 790.539/2001.5.18.5555. 5ª T. Relator Min. GELSON DE AZEVEDO. DJ 07/02/2003).

Neste decisum, o agravante, que preenchia a condição de empreiteiro, recorreu de revista ao TST, na esperança de ver modificada a espécie de responsabilização (in casu, a solidária) a que fora condenado pelo Tribunal Regional. Em sede recursal, perdeu. Interpôs então agravo de instrumento, de cuja decisão extraiu-se o trecho colacionado acima. Além de firmar o entendimento pela responsabilidade solidária, logo na ementa, o TST, por sua quinta turma, explicou que a condenação na responsabilidade solidária não implica contrariedade à Súmula 331, exatamente porque, para a figura em comento (a subempreitada), há previsão legal.

Assim, firmamos convencimento no sentido de que as duas únicas hipóteses previstas em lei para a responsabilização do tomador do serviço, na terceirização, são aquelas esposadas pelo art. 16 da Lei 6.019/74 e pelo art. 455 da CLT, e que, em ambos os casos, a responsabilidade seria solidária: no primeiro, por expressa previsão legal (apesar de, na prática, tratar-se de subsidiariedade); no segundo, por interpretação do dispositivo legal.

Fora as duas modalidades acima, não há, para qualquer outra, previsão em lei no sentido da responsabilização do tomador do serviço. Veio o TST, com o inciso IV de sua Súmula 331, e declarou a responsabilidade subsidiária para a generalidade dos casos (inclusive, suplantando hipóteses de previsão legal, como entende doutrina já mencionada).

A imputação da responsabilidade subsidiária do tomador do serviço não tem respaldo legal expresso. Foi uma construção jurisprudencial, que não surgiu subitamente com a súmula, mas foi fruto de uma evolução histórica, como já se mencionou. Pergunta-se, porém: é possível obrigar alguém a fazer ou deixar de fazer algo sem que haja o comando legal respectivo? Não, não é. A saída jurídica que se defende para responder a este questionamento é que a súmula emana da interpretação do sistema jurídico nacional como um todo. No dizer de Maurício Godinho DELGADO (2009, p. 432), “a jurisprudência sempre ´pautou-se´[sic] pela busca de remédios jurídicos hábeis a conferir eficácia jurídica e social aos direitos laborais oriundos da terceirização”. Melhor seria, então, se a intenção interpretativa era proteger o empregado, erradicar de vez a prática de terceirizar. Como defende SOUTO MAIOR (2009, pp. 159-174), se o trabalho humano está sendo tratado como mero mecanismo de redução de custos, como mercadoria a ser vendida a particulares e à Administração Pública por quem menos pede por ela, isto, por si só, já não vai contra os princípios fundamentais do valor social do trabalho, da dignidade da pessoa humana, da sociedade livre, justa e solidária, dentre outros, dispostos na Constituição Federal?

A adoção de vertente intermediária acerca da matéria, pelo Tribunal Superior do Trabalho, é problemática, ora prejudicando os empregadores, ora desfavorecendo os trabalhadores. Na tentativa de agradar a todos, não satisfaz a ninguém. Para os empregados, há uma “meia” proteção. Para os empregadores, há uma meia liberdade, com condenações proferidas à margem do sistema legal. A jurisprudência do Tribunal é uma mistura de acertos e erros.

Ademais, se a condenação na responsabilidade subsidiária preconizada pela súmula – sendo lícita a terceirização – já é discutível, muitos juízes e tribunais condenam ainda os tomadores do serviço em responsabilidade solidária, fora dos casos previstos em lei (Lei 6.019/74 e art. 455/CLT) e ao largo da própria súmula. A decisão colacionada no item 3 deste estudo, linhas atrás, é um exemplo. Embora proferida sob a égide do anterior código civil, seu art. 896 trazia idêntica disposição à do art. 265 do atual código, segundo o qual a solidariedade não se presume. Trata-se, assim, de uma atecnia flagrante. A solidariedade é taxativa, e a previsão legal expressa é condição sine qua non para sua imposição, demandando apuro técnico muito mais rigoroso por parte do julgador. Noutro giro, seria possível condenar na responsabilidade solidária se, no contrato de prestação de serviços, houvesse cláusula em que a tomadora se comprometesse com a prestadora no pagamento das verbas rescisórias. Mas isto, por certo, não é a realidade dos fatos.

Este o primeiro momento do debate. Passemos ao segundo ponto: e se ilícita a terceirização? Como fica a responsabilização de tomador e prestador do serviço?

Neste caso, sabe-se que o julgador entenderá presente o vínculo direto com a empresa tomadora, configurando-se a empresa terceirizante como interposta, recaindo-se no inciso I da Súmula 331/TST. Alguns entendem pela responsabilidade solidária do tomador, com lastro neste comando sumular. Porém, o inciso I da referida súmula é fundamento para a decretação da ilegalidade da terceirização; não para a imposição de responsabilidade trabalhista. Cuida-se de outra atecnia.

Com efeito, nestes casos de terceirização ilegal, a empresa tomadora do serviço (terceirizada) é a real empregadora, devendo, indene de dúvidas, ser condenada nas verbas trabalhistas. Entretanto, não faria sentido condenar apenas o tomador do serviço, que se configurou empregador, deixando fora do espectro condenatório da decisão a empresa terceirizante, se esta, sendo lícita a terceirização, é alcançada pela responsabilidade subsidiária. Nada mais lógico que, sendo ilícita a terceirização, com maior razão deva responder também pelas verbas inadimplidas, no mínimo, no mesmo grau de responsabilidade.

Como se disse, a súmula nada fala acerca de responsabilidade mútua, na terceirização ilegal. No entanto, a jurisprudência das instâncias ordinárias vem condenando as prestadoras do serviço, imputando-lhes responsabilidade solidária, com espeque no art. 942 do Código Civil, que, no caso de ofensa a direito de terceiro, manda sujeitar solidariamente os bens de todos os que concorreram para a fraude.

Inevitavelmente, a terceirização ilegal, seja porque presentes no caso concreto os caracteres da relação de emprego, seja porque havida em atividade-fim (onde fica muito mais evidente), corresponde a burla ou tentativa de burla à legislação trabalhista (art. 9º da CLT). Porém, a rigor, isto não seria fundamento para a aplicação do art. 942 do código, porque este dispositivo, situado no Título IX do primeiro livro da Parte Especial do CCB/2002, aplica-se à responsabilidade civil extracontratual. Noutras palavras, a matéria de que tratam os arts. 927 a 954 do código pertine à responsabilidade civil genérica aquiliana, não servindo estes dispositivos, a uma segunda (e não-definitiva) análise, para aplicação supletiva à relação de emprego, que, como se sabe, tem espectro contratual. Os danos eminentemente contratuais seriam regulados por outros dispositivos, imersos no Capítulo III do Título IV do mesmo livro. Este título, sim, seria passível de aplicação subsidiária a contratos específicos, como o contrato de trabalho; não o Título IX, que cuida da responsabilidade civil sem contrato. Entrementes, isto é questão para outro estudo. Importa saber que o Título IX do Livro I da Parte Especial do código tem sido largamente empregado pela jurisprudência trabalhista para estes casos de terceirização ilícita, e outros, como acidentes de trabalho.

Muito bem. Em todo o caso, esse entendimento, que aplica o art. 942 do CC às terceirizações ilegais, condenando as empresas tomadora e prestadora na responsabilidade solidária, cinge-se às instâncias ordinárias. Como explica Maurício Godinho DELGADO (op. cit.), em trecho por nós já comentado, o inciso IV da Súmula 331 suplanta toda e qualquer previsão legal. Ao menos é o que entende ele e o Tribunal Superior do Trabalho.

Na citação abaixo, segue julgado em que o Tribunal Regional, diante de caso de terceirização ilícita, aplicou a responsabilidade solidária, nos termos do art. 942 civil, e o Tribunal Superior, provendo a revista, modificou a decisão para decretar a responsabilidade subsidiária, nos termos de sua Súmula 331:

“RECURSO DE REVISTA. TERCEIRIZAÇÃO ILÍCITA. EMPRESA PÚBLICA. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. IMPOSSIBILIDADE. No tocante à responsabilidade solidária, aplica-se a orientação contida na Súmula nº 331, IV, desta Corte, que consagra a tese da responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços. Recurso de revista conhecido e provido. (...) Consta no acórdão regional a fls. [tais]: ‘(...) é flagrante a tentativa de burlar a incidência da legislação trabalhista, em violação ao art. 9º da CLT, o que também atrai a incidência do art. 942 do CC (...). Por esse intuito evidenciado, confirma-se a sentença que reconhece a responsabilidade solidária da ora recorrente (quarta reclamada) juntamente com as demais reclamadas, empregadoras da reclamante, com relação aos créditos reconhecidos na presente ação, sem qualquer limitação’. (...) Constata-se que o Tribunal Regional, partindo da premissa de que a relação entre as partes caracterizava terceirização fraudulenta, condenou a primeira reclamada (tomadora dos serviços) a responder solidariamente pelas parcelas deferidas à reclamante. Ocorre que, nos termos do item IV da Súmula nº 331 desta Corte, a responsabilidade, neste caso, é apenas subsidiária. Dessa forma, conheço do recurso de revista contrariedade à Súmula nº 331, IV, desta Corte.” (TST RR 18719-48.2010.5.04.0000. 1ª T. Relator Min. VIEIRA DE MELLO FILHO. DJ 30/09/2011).

Destarte, pode-se resumir a questão da responsabilização de prestadora e tomadora do serviço, nas terceirizações, em duas assertivas:

a) Sendo lícita a terceirização, haverá apenas duas hipóteses de responsabilização do tomador do serviço, que são aquelas previstas no art. 16 da Lei 6.019/74 e art. 455 da CLT. Além destas, não há outra previsão legal para tal cominação. Tais hipóteses são de responsabilidade solidária. O TST, contudo, entende que haverá sempre responsabilidade do tomador do serviço, do tipo subsidiária, conforme sua súmula;

b) Sendo ilícita a terceirização, seria o caso de se decretar o vínculo direto e a responsabilização do tomador. Não se poderia aplicar, por analogia in malam partem, os mesmos dispositivos legais para alcançar o prestador. Aplica-se, então, não por analogia, mas por subsidiariedade, a norma civil do art. 942 para condenar o prestador na solidariedade. Contudo, mais uma vez, o TST entende que haverá sempre responsabilidade do tomador do serviço, do tipo subsidiária, conforme sua súmula.

Estas premissas atinem à terceirização no âmbito privado.

No que concerne à Administração Pública como tomadora do serviço, sendo lícita ou não a terceirização, restaria sua responsabilização subsidiária; no primeiro caso (terceirização lícita), porque assim previsto no inciso IV sumulado; no segundo (terceirização ilícita), porque implicitamente previsto no mesmo inciso, conforme o entendimento do TST, até porque, sendo ilegal a terceirização, não há que se falar em decretação de vínculo direto, em face da ausência de aprovação em concurso.

Quando é o ente público que terceiriza, a interpretação que o TST extrai de sua própria súmula se adéqua um pouco melhor ao ordenamento jurídico, no que concerne à espécie de responsabilidade imputada. Isto porque as leis 6.019/74 e CLT não seriam aplicáveis ao Poder Público. Este não toma trabalho temporário (por falta de previsão legal) nem preenche a condição de empreiteiro. Portanto, sendo a Administração Pública a tomadora do serviço, não há previsão legal que lhe impute responsabilidade solidária. Via de consequencia, a Súmula 331, ao impor-lhe a responsabilidade subsidiária, não estaria a contrariar dispositivos legais, considerando que o TST entende inconstitucional o art. 71, §1º, da Lei 8.666/93. Nesse sentido, a súmula estaria tendo aplicação unicamente supletiva, como deveria ser desde sempre (remanesce a questão da falta de previsão legal, que é rebatida, como já se comentou, com princípios constitucionais e juslaborais).

Já casos de terceirização ilícita seriam mais difíceis de visualizar no âmbito público, face ao princípio da legalidade estrita. Contudo, vislumbrando-se a possibilidade de terceirização ilegal pela presença da pessoalidade e subordinação direta, o vínculo jamais poderia ser decretado, face ao comando do art. 37, II, constitucional. Há de permanecer, mesmo, o disposto no inciso IV da Súmula 331. Também por esse motivo é que, quando quem toma o serviço terceirizado é o Poder Público, a súmula se torna mais sensata. Já casos de terceirização ilícita, no âmbito público, por conluio ou fraude, de modo a justificar a aplicação do art. 942, CC, não são visualizáveis – haja vista que, aqui, geralmente o prestador é pessoa ligada ao tomador: ou empresa pertencente ao mesmo grupo, ou empresa registrada unicamente para mascarar a existência do vínculo, por vezes com a utilização dos próprios empregados na condição de “laranjas”, como já tivemos a oportunidade de comprovar, no estudo de casos concretos que já nos foram submetidos à análise, no âmbito do Tribunal Regional do Trabalho da 22ª Região.

Por fim, quanto ao comando do art. 71, §1º, da Lei 8.666/93, que isenta a Administração Pública de responder pelo inadimplemento dos créditos trabalhistas, o Tribunal Superior do Trabalho sempre o considerou inconstitucional. Isto, aliás, foi o que motivou a edição da Súmula 331.

Entrementes, em 24 de novembro de 2010, nos autos da Ação Declaratória de Constitucionalidade n. 16/DF, o Supremo Tribunal Federal declarou constitucional o §1º do art. 71 da Lei de Licitações. Discutamos esta questão, no próximo e último tópico deste estudo.


5. A interpretação do Supremo Tribunal Federal acerca da Súmula 331/TST: A ADC 16.

A edição da Súmula 331, como já se comentou, foi deveras motivada pela superveniência da Lei 8.666/93, que declarava abertamente (art. 71, §1º) a irresponsabilidade da Administração Pública quando do inadimplemento das obrigações fiscais e contratuais acessórias ao objeto do contrato, contrariamente, inclusive, ao que já decidia o próprio TST.

A evolução histórica da jurisprudência trabalhista, no tema da terceirização, deu-se da seguinte forma: Súmula 256 de 1986 (já colacionada); Súmula 331 de 1993 (redação original, que instituiu genericamente a responsabilidade subsidiária do tomador do serviço, no que se passou a entender incluído, implicitamente, o Poder Público); Súmula 331 de 2000 (ano em que o inciso IV foi alterado para fazer constar, de modo expresso, o Poder Público dentre os tomadores do serviço); e Súmula 331 de 2003 (neste ano não se modificou sua redação; apenas se republicou a súmula, mantida durante a revisão geral de 2003).

Em outros estudos, geralmente escritos por quem exerce algum métier em defesa da Fazenda Pública, entende-se que o TST, quando elaborou a redação do inciso IV da Súmula 331/TST, além de dispor em sentido contra legem, feriu a cláusula de reserva de plenário (art. 97 da CF/88), porque, na prática, declarou a inconstitucionalidade de dispositivo de lei.

A primeira redação do inciso IV da Súmula 331 era a seguinte: “O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica na responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços, quanto àquelas obrigações, desde que hajam participado da relação processual e constem também do título executivo judicial”. Observa-se que não se falava expressamente do Poder Público. A jurisprudência trabalhista, como já comentado, é que considerava implicitamente inserta no dispositivo sumular a Administração, quando fosse tomadora do serviço.

Incluir a Administração na redação do inciso IV, ou, de outro modo, julgá-la responsável pelos débitos trabalhistas, era, de fato, negar vigência a dispositivo de lei. Noutras palavras, a jurisprudência da Corte superior trabalhista, na prática, considerava inconstitucional o art. 71, §1º, da Lei 8.666/93.

Para alterar o inciso IV da Súmula 331, o TST reuniu sua bancada plenária, no ano de 2000, para resolver a questão. Isto ocorreu nos autos do Incidente de Uniformização de Jurisprudência (IUJ) RR 297751-31.1996.5.04.5555, de relatoria do Ministro Milton de  Moura França. Eis o dispositivo do julgado: “acordam os Ministros do Tribunal Pleno do Tribunal Superior do Trabalho, I- por unanimidade, preliminarmente, reconhecer configurado o dissenso jurisprudencial (...); II - por unanimidade, alterar o item IV do Enunciado nº 331 de Súmula de Jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho, que passará a vigorar com a seguinte redação: ‘[omitis]’”. Esta decisão foi publicada no dia 20 de outubro de 2000. A redação da súmula foi modificada pela Resolução n. 96/2000.

Em tese, não haveria, portanto, que se criticar a súmula no aspecto formal, porque negar aplicação ao preceptivo legal equivale, de fato, a declará-lo inconstitucional, e a cláusula de bancada havia sido observada. Noutro giro, se inconstitucional a norma legal, ficaria também impossibilitada, via de consequencia, a crítica no sentido de ter o inciso IV da súmula caráter contra legem, pois norma inconstitucional é norma sem vigência. A única crítica que se poderia fazer ao TST seria a inovação legislativa, no sentido de imputar responsabilidade sem respaldo legal. Repisa-se, porém, que isto é resolvido pela interpretação sistêmica do ordenamento (embora, em nossa opinião, não seja a melhor interpretação).

Ocorre que foi o próprio TST que se complicou quando fundamentou esse IUJ. Em nenhum momento do texto do julgado proferido no incidente o Tribunal menciona, em claras palavras, que está a considerar inconstitucional o artigo da lei de licitações. Pelo contrário, fica como que a “fazer média”, como diria quisque de populo, declarando que considera vigente o dispositivo, mas que não o aplicará quando a Administração Pública tiver culpa na fiscalização do contrato. Ou seja, o tribunal simplesmente reuniu sua bancada plenária para dizer... absolutamente nada! Não teve firmeza em seu entendimento. Afinal, o dispositivo legal, à luz dos princípios constitucionais juslaborais e dos princípios fundamentais, é constitucional ou não? Se é, ou se não é, ou se o aplica, ou se lhe nega vigência. Não há que se falar que se aplica em determina condição, e em outras não. A lei não fez tal condicionamento.

Há quem diga, como o faz BRAMANTE (artigo cit.), que “a constatação de que uma norma pode ser constitucional em tese, in abstrato, não exclui a possibilidade de ser inconstitucional in concreto, à vista da situação submetida a exame”. Particularmente, não nos filiamos a tal entendimento, posto que a norma, à vista de ponderação, pode ser aplicável ou não a um dado caso concreto, em detrimento ou em favor de outra norma, o que é bem diferente de considerá-la, “às vezes”, inconstitucional. A nosso ver, não existe inconstitucionalidade de ocasião.

Assim, como o TST, na prática, “nadou e morreu na praia”, datissima venia, permaneceu a controvérsia. O inciso IV da Súmula 331 continuou sendo polemizado pelos órgãos defensores da Fazenda Pública.

Em março de 2007, o Governo do Distrito Federal ajuizou no STF a Ação Declaratória de Constitucionalidade n. 16. O objeto da ação era o pronunciamento da Corte Constitucional acerca da constitucionalidade ou não do art. 71, §1º, da Lei 8.666/93, o qual o Tribunal Superior do Trabalho vinha negando vigência, por sua Súmula 331. A petição inicial de vinte e duas páginas, simples e direta, pedia ainda pronunciamento cautelar do Tribunal acerca da questão.

Logo de início, praticamente todos os estados da federação, bem como a União, além de vários municípios, solicitaram o ingresso no feito, na qualidade de amicus curiae. A ação passou, na prática, a ser de autoria da Fazenda Pública brasileira, como um todo.

Em maio de 2007, a liminar foi indeferida pelo relator, Min. Cezar Peluso, em face da complexidade da matéria. Em julho de 2008, o relator pediu pauta. Em setembro de 2008, o processo foi a julgamento pela primeira vez.

Na ocasião, o Ministro Cezar Peluso não conheceu da ação. É que, para ele, não havia controvérsia jurídica devidamente demonstrada. A Ação Declaratória de Constitucionalidade é ação sui generis, que visa à unidade da jurisprudência nacional. Com efeito, todas as leis presumem-se constitucionais. A declaração de constitucionalidade de uma norma, pelo Supremo, só há razão de ser se o entendimento quanto à constitucionalidade não for pacífico nos tribunais da Federação. Como os autores da ADC não demonstraram essa controvérsia jurisprudencial de forma inequívoca, no entender do relator, a ação não mereceria cognição.

Para fundamentar esse entendimento, o relator utilizou-se da própria redação do julgado proferido no famigerado IUJ, onde não se falava, de fato, como não se fala, de inconstitucionalidade do art. 71, §1º. E, para ratificar esse entendimento torto do TST, seu Presidente, à época, prestou as seguintes informações ao STF, citadas no voto do relator:   

 “(...) ao prestar informações, o Ministro Presidente daquele excelso Tribunal consignou: ‘verifica-se que em nenhum momento o Tribunal cogitou de declarar inconstitucional o art. 71, §1º, da Lei 8.666/93, apenas afirmou que a sua aplicação, relativamente aos contratos de terceirização de mão-de-obra firmados pela Administração Pública em geral, empresas públicas e sociedades de economia mista, está submetida, também, à regência de outros dispositivos constitucionais e legais’.”.

Com isto, o relator da ADC entendeu não haver controvérsia jurídica, porquanto a súmula era amplamente aplicada pelos tribunais do país. Ademais, o TST justificava expressamente ao STF seu entendimento no sentido de que não considerava inconstitucional o referido artigo.

O relator restou vencido no conhecimento. Após o pedido de vista do Min. Menezes Direito, o processo saiu de pauta, retornando à mesma no dia 24 de novembro de 2010, onde foi definitivamente julgado. O voto-vista havia passado à chancela da Min. Carmem Lúcia, em face do falecimento do Min. Menezes Direito. No voto, disse a ministra:

 “(...) A aplicação do art. 71, §1º, da Lei 8.666/93 não exime a entidade da Administração Pública do dever de observar os princípios constitucionais a ela referentes, entre os quais os da legalidade e da moralidade administrativa. Isso não importa afirmar que a pessoa da Administração Pública possa ser diretamente chamada em juízo para responder por obrigações trabalhistas devidas por empresas por ela contratadas. Entendimento diverso resultaria em duplo prejuízo ao ente da Administração Pública, que, apesar de ter cumprido regularmente as obrigações previstas no contrato administrativo firmado, veria ameaçada sua execução e ainda teria de arcar com consequencia do inadimplemento de obrigações trabalhistas pela empresa contratada. (...) Logo, não se tem qualquer vício a contaminar e infirmar a validade constitucional do §1º do art. 71 por contrariedade ao art. 37, §6, da Constituição da República. Pelo exposto, voto no sentido da declaração de constitucionalidade do §1º, do art. 71, da Lei 8.666/93 (...).”.

Observe-se bem: a ministra, no voto-vista, declarou o artigo constitucional. Sem ressalvas, sem condicionamentos. A ementa da decisão proferida nos autos da ADC 16 parece ter seguido entendimento:

“RESPONSABILIDADE CONTRATUAL. Subsidiária. Contrato com a administração pública. Inadimplência negocial do outro contraente. Transferência consequente e automática dos seus encargos trabalhistas, fiscais e comerciais, resultantes da execução do contrato, à administração. Impossibilidade jurídica. Consequência proibida pelo art., 71, § 1º, da Lei federal nº 8.666/93. Constitucionalidade reconhecida dessa norma. Ação direta de constitucionalidade julgada, nesse sentido, procedente. Voto vencido. É constitucional a norma inscrita no art. 71, § 1º, da Lei federal nº 8.666, de 26 de junho de 1993, com a redação dada pela Lei nº 9.032, de 1995.”.

Façamos uma pausa na análise da ADC. Voltemos ao entendimento do TST.

O que o Tribunal Superior do Trabalho defende é a “meia” aplicação da lei. Além de se desviar do foco da reclamação trabalhista para investigar fatos estranhos ao cerne da demanda – qual seja, o da eventual falta de fiscalização do contrato, por parte do ente público, quando tal falta, na prática, a teor da súmula, era considerada presumida – o Juiz do Trabalho deverá, ato contínuo, decidir se aplica o art. 71, §1º, da Lei 8.666/93, ou se deverá afastar sua incidência para aplicar o inciso IV da Súmula 331. Este foi o teor das informações prestadas ao relator, que o levaram a crer que não haveria controvérsia acerca da constitucionalidade do dispositivo, levando-o a votar pelo não conhecimento da ADC.

Toda a fórmula jurisprudencial construída acerca do tema da terceirização é falha, desconexa, desprovida de coerência. Mesmo a fundamentação utilizada durante anos (mesmo antes do advento do inciso IV da súmula) para validar a inaplicabilidade do preceptivo legal é incorreta. Afirma-se que a Administração tem o dever de escolher bem com quem contratar (in eligendo) e de fiscalizar a execução do contrato (in vigilando), e que quaisquer consequências oriundas dessas modalidades de culpa serão por ela suportadas, a teor do art. 37, §6º, da CF/88, quando tal norma constitucional trata de responsabilidade aquiliana, isto é, de responsabilidade não contratual. Não há a menor correlação com a matéria em tela. Não dá sequer para se defender uma possível interpretação conforme.

Dessarte, fica assim a história da terceirização, segundo a Justiça do Trabalho brasileira: a) por falta de interpretação firme do ordenamento jurídico, permite-se a terceirização; b) interpretando-se o ordenamento jurídico, imputa-se responsabilidade subsidiária a todo e qualquer tomador do serviço (contra lei, em alguns casos); c) interpretando-se a Constituição, diz-se que o Poder Público não pode deixar de responder pelo inadimplemento das verbas trabalhistas, deixando-se de aplicar dispositivo de lei ordinária; d) reune-se o Tribunal Superior em sua bancada plenária, para decidir a questão da aplicação ou não do artigo da referida lei; ao final, entende-se mantida a súmula; e) instada a se manifestar pelo Tribunal Constitucional, a mais alta corte trabalhista diz que não aplica o dispositivo, mas não o considera inconstitucional.

Regressemos à análise da ADC.

Como se viu, o voto da Min. Carmem Lúcia foi taxativo, no sentido de ser constitucional o artigo. Ao terminar de ler o seu voto, iniciaram-se os debates na Corte.

O primeiro a falar após a leitura do voto da ministra foi o relator, então Presidente do Tribunal, Min. Cezar Peluso, mostrando-se, em parte, contrário ao entendimento esposado pela colega. Disse ele: “(...) Se esta Corte entender de conhecer ainda assim quanto ao mérito, não tenho nada que discutir. Considero a norma constitucional também, o que não impedirá que a Justiça do Trabalho continue reconhecendo a responsabilidade da Administração com base nos fatos de cada causa”. Fica o relator, como se vê, com o entendimento do TST.

A Min. Carmem Lúcia, novamente, se pronuncia: “Presidente, acho que aqui há um dado: a norma, como acabei de reler, é taxativa. No contrato administrativo, não se transferem ônus à Administração Pública (...). Se a Justiça do Trabalho afasta, ela tem que afastar essa norma por inconstitucionalidade, porque senão é descumprimento de lei. Não há alternativa”.

Neste momento, o Min. Marco Aurélio se manifesta: “Esse é o ponto crucial: o artigo 71 da Lei 8.666/93 é categórico no que afasta a responsabilidade do Poder Público quando tomada a mão de obra mediante empresa prestadora de serviço. No âmbito do Tribunal Superior do Trabalho, sedimentou-se, sem se instaurar um incidente de inconstitucionalidade desse artigo, uma jurisprudência (...)”.

Após, falou novamente Peluso: “(...) Em relação a isso não tenho dúvida nenhuma, eu reconheço a plena constitucionalidade da norma e (...) a mim me parece que o Tribunal não pode, neste julgamento, impedir que a Justiça trabalhista, com base em outras normas, em outros princípios e à luz dos fatos de cada causa, reconheça a responsabilidade da Administração”.

Assim prosseguiu o debate, concentrado, praticamente, nos três ministros. Os três defendendo a procedência da ação, mas o relator, por fundamentos diversos.

Mais adiante, o Min. Gilmar Mendes se dirige ao relator: “O que estava acontecendo, Presidente, é que, na quadra que se desenhou, a Justiça do Trabalho estava aceitando, de forma irrestrita, a responsabilidade do ente estatal”.

Cézar Peluso, reninente: “Agora há de ser no sentido de que ela vai ter de examinar os fatos. Estou de acordo. Vai ter de examinar os fatos”.

Marco Aurélio, mais uma vez, tenta esclarecer: “Presidente, sabemos o que ocorre quando se edita verbete sobre certa matéria. A tendência é partir-se para a generalização”.

E sacramenta a Min. Ellen Gracie: “É muito pouco provável que a Justiça do Trabalho tenha examinado a responsabilidade desses administradores para definir se houve, ou não, culpa in eligendo, se houve, ou não, falta de fiscalização. É bem pouco provável”.

A partir daí, todos os ministros votantes, com exceção de Carlos Ayres de Britto, confluem para considerar incondicionalmente constitucional o preceptivo em causa. Apenas o Min. Ayres Britto entendeu pela improcedência da ação para considerar inconstitucional o art. 71, §1º. O Min. Gilmar Mendes chegou a falar, no final dos debates, nestes termos: “Presidente, eu só gostaria de pontuar (...) que, a rigor, ao afirmarmos a constitucionalidade do artigo 71, nós estamos a fazer, pelo menos, uma severa revisão da jurisprudência do TST”.

Percebamos a particularidade importantíssima: como se verificou dos debates colacionados acima, embora julgasse procedente a ADC, o Min. Cezar Peluso adotava fundamentação idêntica àquela esposada pelo TST; fundamentação esta que foi a causadora da dubiedade acerca da aplicabilidade ou não do artigo, e a própria motivadora do ajuizamento da demanda. Apenas o Min. Celso de Mello, cujo voto concentrou-se na questão da admissibilidade ou não da ADC, afirmou expressamente que acompanhava, no mérito, a linha de entendimento do relator (talvez não tenha nem atentado para a peculiaridade do entendimento do relator, vez que seu voto, de sete páginas, só se refere ao mérito nas três últimas linhas).

Observe-se: a exceção do Min. Ayres Britto, todos julgaram procedente a ação. Porém, o relator condicionava a aplicabilidade futura do art. 71, §1º, ao talante do juiz do trabalho, no caso concreto, no que foi acompanhado por um colega, enquanto outros cinco – a saber, os ministros Carmem Lúcia, Marco Aurélio, Ricardo Lewandowski (que acolhia o entendimento do relator, apenas no conhecimento), Gilmar Mendes, e Ellen Gracie – julgaram procedente a ADC, sem qualquer condicionamento, e deixando claro esse posicionamento nas discussões.

Contudo, o dispositivo da decisão ficou assim redigido:

 “Decisão: o Tribunal, por maioria e nos termos do voto do Relator, Min. Cezar Peluso, (Presidente), julgou procedente a ação, contra o voto do Senhor Ministro Ayres Britto. Impedido o Senhor Ministro Dias Toffoli. Plenário, 24.11.2010.”.

A decisão, como se ponderou neste estudo, não foi tomada “nos termos do voto do relator”. O relator julgava procedente a demanda, por fundamentos diversos dos que a maioria dos ministros adotava. A redação do dispositivo não condiz com a realidade do julgamento. Além de se tratar de lamentável equívoco por parte do quadro de analistas do Supremo, a leitura do dispositivo, ao final do julgamento, parece não ter se feito ouvir pelos ministros da bancada.

Noutro giro, nenhuma das assessorias das dezenas de entes públicos que participaram da ação atentou para a oposição dos embargos de declaração. O equívoco se perpetrou com o manto da coisa julgada e, assim, lamentavelmente, tudo continuou como dantes no quartel d´Abrantes. Nem o Tribunal Superior do Trabalho teve pulso para defender sua súmula, nem o Supremo Tribunal Federal aproveitou a oportunidade para regularizar o entendimento acerca do tema da terceirização. Melhor seria, e cerramos fileira com doutrina nesse sentido, que a terceirização restasse de vez proibida pelo Judiciário, de acordo com os princípios da Constituição Federal, como entende o Min. Ayres Britto (que assim considerava, ao menos, no âmbito do Poder Público). Noutro giro, poderia pelo menos o dispositivo estar corretamente redigido, assim como a ementa (que faz menção à palavra “automática”), refletindo melhor a realidade do julgamento. O acórdão, a rigor, deveria ter sido lavrado pela Min. Carmem Lúcia, cujo voto foi, na realidade, o condutor da tese vencedora. Se a lavratura ficou para o Min. Cezar Peluso, que fizesse ressalva a seu posicionamento, posto que sua tese não foi a preponderante. Porém, nada disso ocorreu, terminando assim a estória da ADC 16.


6. A nova Súmula 331 do TST – conclusão.

No mesmo dia do julgamento definitivo da ação, o sítio virtual do STF veiculou o resultado do julgamento desta forma: “TST deve analisar caso a caso o resultado ações contra a União que tratem de responsabilidade subsidiária”.

Dessarte, os efeitos da ADC 16 acabaram por se anular. Deu-se abertura à Justiça do Trabalho para que todas as reclamações onde se discute terceirização continuassem a ser julgadas da mesma forma que antes: relegando-se a aplicação do art. 71, §1º, da Lei 8.666/93.

No diário oficial de 27 de maio de 2011, o Tribunal Superior do Trabalho modificou a redação da Súmula 331, alterando o inciso IV, e inserindo outros dois incisos:

“CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. LEGALIDADE.

I - A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei nº 6.019, de 03.01.1974).

II - A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da Administração Pública direta, indireta ou fundacional (art. 37, II, da CF/1988).

III - Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei nº 7.102, de 20.06.1983) e de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta.

IV - O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial.

V - Os entes integrantes da Administração Pública direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei n.º 8.666, de 21.06.1993, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada.

VI – A responsabilidade subsidiária do tomador de serviços abrange todas as verbas decorrentes da condenação referentes ao período da prestação laboral.”

Na prática, juiz do trabalho algum confere à exaustão se o contrato foi fiscalizado ou não. Continua-se a adotar a falta presuntiva da Administração, até porque, se tais verbas não vinham sendo adimplidas pelo prestador, parece evidente que a Administração não fiscalizou, mesmo, a execução do contrato. Aliás, sendo o ônus da prova invertido no processo laboral, competirá sempre ao Poder Público provar que fiscalizou o prestador de serviço. Na prática, repisa-se, continuar-se-á aplicando a responsabilização subsidiária, frisando-se que, por se tratar de matéria probatória, o TST não irá sequer analisar tal questão.

Em artigos e outras fontes de pesquisa, os procuradores públicos, interpretando a decisão proferida na ADC 16, vêm defendendo que a parte dispositiva do julgado não faz menção à obrigação de fiscalizar e que, portanto, a súmula continuaria a ferir o preceptivo legal. Noutras palavras, defende-se que o TST continua não aplicando o dispositivo, que já foi declarado constitucional. Ocorre que, por outro lado, a parte dispositiva do decisum da ADC 16 referencia expressamente aos termos do voto do relator, cujo entendimento é idêntico ao do TST. Portanto, nada se resolveu para a Fazenda Pública.

E terminou assim mais uma atuação no STF em matéria trabalhista.

Pode parecer, haja vista outros artigos de nossa autoria, que somos veementes críticos da Corte Constitucional. Muito pelo contrário. Temos enorme respeito por ela (muito embora nutramos um certo saudosismo quanto à composição do início do atual milênio). Tampouco atuamos no sentido de defesa da Fazenda Pública. Temos opinião, isto sim, de que o Direito deve ser conciso, lógico, bem interpretado e bem aplicado. Infelizmente, isto nunca ocorreu, no que concerne ao tema da terceirização.


7. Bibliografia

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CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do Trabalho. 2 ed. Niterói: Impetus, 2008.

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- DIEESE - Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Sócio-Econômicos. O Processo de Terceirização e seus Efeitos sobre os Trabalhadores no Brasil. Disponível em: <http://www.mte.gov.br/observatorio/Prod03_2007.pdf>. Acesso em 2012.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VERÇOSA, Alexandre Herculano. A terceirização, a Súmula 331 do TST e a ADC 16. Breve discussão do fenômeno da terceirização, análise da jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho e a (nova) incursão do Supremo Tribunal Federal na matéria trabalhista. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3157, 22 fev. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21138. Acesso em: 28 mar. 2024.