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Aspectos jurídicos do ingresso de policial militar como aluno do curso de formação de oficiais, no âmbito do Estado de Santa Catarina

Aspectos jurídicos do ingresso de policial militar como aluno do curso de formação de oficiais, no âmbito do Estado de Santa Catarina

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Não se pode exonerar o Policial Militar que concorra a uma vaga ao oficialato, mantendo-se adido o servidor não aprovado no estágio probatório desta nova função, que, sendo estável, deverá ser reconduzido ao cargo anteriormente ocupado.

Sumário: 1.INTRODUÇÃO 2. DA (IN)CONSTITUCIONALIDADE DA EXONERAÇÃO EX OFFICIO 3. DA APLICAÇÃO DAS REGRAS DAS FORÇAS ARMADAS 4.CONCLUSÃO 5.REFERÊNCIAS


1. INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem como objetivo analisar alguns aspectos jurídicos relacionados com a possibilidade de o Policial Militar do Estado de Santa Catarina ascender a Oficial, através de concurso público, sem perder a função pública até a data da posse.

Observa-se que o art. 125 da Lei Estadual nº 6.218/83 visa regulamentar o Aluno do Curso de Formação de Oficiais, considerando-o como “Aspirante-a-Oficial”, que antes de sua posse como Oficial da Polícia Militar é exonerado ex-offício.

Em 11 de fevereiro de 1983, foi promulgada a Lei Estadual nº 6.218/83, conhecida como Estatuto dos Policiais Militares, cujos artigos 125 e 157 determinam que o Aspirante-a-Oficial será imediatamente licenciado ex-offício sem remuneração, equivalendo à exoneração do policial militar por frequentar o Curso de Formação de Oficiais. Se houver trancamento da sua matrícula na “EsFo”, este poderá reingressar como policial militar somente na hipótese da avaliação subjetiva da Corporação.

Observamos que o Policial Militar que for excluído do curso não retornará à sua função de Policial Militar, sendo esta a definição extraída do parágrafo único do art. 29 do Decreto estadual nº 2.270, de 13 de abril de 2009, que regulamenta a guerreada legislação.

O presente trabalho tem como objetivo analisar alguns aspectos jurídicos relacionados com a referida exoneração ex officio, com intuito de fomentar a discussão sobre o tema.


2. DA (IN)CONSTITUCIONALIDADE DA EXONERAÇÃO EX-OFFÍCIO

Arguimos no presente estudo a inconstitucionalidade da expressão “serão imediatamente licenciados ex-offício sem remuneração” insculpida no art. 125 da Lei Estadual nº 6.218/83, e da expressão “e for do interesse da Corporação”, prevista no art. 157 da Lei Estadual nº 6.218/83.

Estas disposições ferem de morte o artigo 41 da Constituição da República, repetida por sua vez no artigo 29, §1º da Constituição do Estado, que passamos a transcrever:

Art. 29 – São estáveis após três anos de efetivo exercício os servidores nomeados para cargo de provimento efetivo em virtude de concurso público.

§ 1º – O servidor público estável só perderá o cargo:

I - em virtude de sentença judicial transitada em julgado;

II - mediante processo administrativo em que lhe seja assegurada ampla defesa; ou

III - mediante procedimento de avaliação periódica de desempenho, na forma de lei complementar, assegurada ampla defesa.

Viola de igual forma o art. 16, §5ª da Constituição Estadual, vez que a indigitada norma não determina sequer que o despacho ou decisão serão motivados:

Art. 16 – Os atos da administração pública de qualquer dos Poderes do Estado obedecerão aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade.

[...]

§ 5º – No processo administrativo, qualquer que seja o objeto ou o procedimento, observar-se-ão, entre outros requisitos de validade, o contraditório, a defesa ampla e o despacho ou decisão motivados.

Neste sentido, a expressão “serão imediatamente licenciados ex-offício sem remuneração” insculpida no art. 125 da Lei Estadual nº 6.218/83 viola o princípio da ampla defesa, e a expressão “e for do interesse da Corporação”, prevista no art. 157 da Lei Estadual nº 6.218/83, configura flagrante desrespeito às Cartas de 1988 e 1989.

Segundo a doutrina, "princípios são normas de natureza ou com um papel fundamental no ordenamento jurídico devido à sua posição hierárquica no sistema das fontes [...] ou à sua importância estruturante dentro do sistema jurídico[...]" (CANOTILHO, 1993, p. 166).

A interpretação da mais alta corte da República retira todas as dúvidas sobre a matéria:

Se o servidor estável submetido à estágio probatório em novo cargo público, desiste de exercer a nova função, tem ele o direito de ser reconduzido ao cargo ocupado anteriormente no serviço público. Com esse entendimento, o Tribunal deferiu mandado de segurança para assegurar ao impetrante, servidor sujeito à estágio probatório no cargo de agente de polícia da Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal, o retorno ao cargo de artífice de artes gráficas da Imprensa Nacional. Considerou-se que o art. 20, §2º, da Lei 8.112/90 ('O Servidor não aprovado no estágio probatório será exonerado ou, se estável, reconduzido ao cargo anteriormente ocupado...') autoriza a recondução do servidor estável na hipótese de desistência voluntária deste em continuar o estágio probatório, por se tratar de motivo menos danoso do que sua reprovação” (MORAES, 2011, p. 895).

Suscita-se, no entanto, uma possibilidade interpretativa para a declaração de inconstitucionalidade mesmo no âmbito funcional. A Constituição Federal veda a exoneração de servidor estável concursado, sem a observância da ampla defesa. A Lei jamais poderá se sobrepor à Constituição.


3. DA APLICAÇÃO DAS REGRAS DAS FORÇAS ARMADAS

O princípio da legalidade está extremamente ligado à idéia do controle da atuação dos governantes dos Estados absolutistas, sendo um direito fundamental do cidadão para evitar os abusos do soberano. Visa-se garantir através dele que o Estado se mantivesse fiel à sua finalidade (interesse público), além de preservar as liberdades públicas dos cidadãos.

Sob este prima, relativamente, ao Estado, "a Administração Pública apenas pode fazer o que a lei permite" (DI PIETRO, 2006, p. 82), sendo que trazemos à análise a legislação federal sobre a matéria, que elucida o mote trazido à baila.

Os membros das Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares, instituições organizadas com base na hierarquia e disciplina, são militares dos Estados, nos termos do art. 42 e art. 142, § 3º, da Constituição da República, e são considerados reserva das Forças Armadas, conforme prevê o art. 4º do Estatuto dos Militares, Lei Federal nº 6.880/1980: “Art. 4º São considerados reserva das Forças Armadas: […] II - no seu conjunto: a) as Polícias Militares; e b) os Corpos de Bombeiros Militares.”

Trazemos à colação os artigos 42 e art. 142, § 3º da Constituição:

Art. 42 Os membros das Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares, instituições organizadas com base na hierarquia e disciplina, são militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios.

[...]

Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.

§ 3º Os membros das Forças Armadas são denominados militares, aplicando-se-lhes, além das que vierem a ser fixadas em lei, as seguintes disposições: (Incluído pela Emenda Constitucional nº 18, de 1998)

Nesse sentido, aplicável a Lei Federal nº 9.624/98, ante o vácuo legislativo estadual, que modificou a Lei sobre o regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais, conforme transcrevemos:

Art. 14. Os candidatos preliminarmente aprovados em concurso público para provimento de cargos na Administração Pública Federal, durante o programa de formação, farão jus, a título de auxílio financeiro, a cinqüenta por cento da remuneração da classe inicial do cargo a que estiver concorrendo.

§ 1º No caso de o candidato ser servidor da Administração Pública Federal, ser-lhe-á facultado optar pela percepção do vencimento e das vantagens de seu cargo efetivo.

Ainda, há definição da Lei Federal nº 8.112/90, que prevê que o servidor (civil) não aprovado ao estágio probatório do novo cargo ocupado tem direito a ser mantido na função anterior, conforme o §2º do art. 20:

Art. 20. Ao entrar em exercício, o servidor nomeado para cargo de provimento efetivo ficará sujeito a estágio probatório por período de 24 (vinte e quatro) meses, durante o qual a sua aptidão e capacidade serão objeto de avaliação para o desempenho do cargo, observados os seguinte fatores:

[…]

§2º O servidor não aprovado no estágio probatório será exonerado ou, se estável, reconduzido ao cargo anteriormente ocupado, observado o disposto no parágrafo único do art. 29.

O Policial Militar Estadual, considerando sua situação como parte integrante das Formas Armadas, poderá utilizar-se ainda do entendimento da Lei Federal nº 6.880/80 (Estatuto dos Militares), que em seus artigos 82, incisos XII e XIII, e artigo 84, dispõe sobre a matéria abordada, bem como acerca da possibilidade do afastamento temporário, conforme transcrevemos:

Art. 82. O militar será agregado quando for afastado temporariamente do serviço ativo por motivo de:

[...]

XII - ter passado à disposição de Ministério Civil, de órgão do Governo Federal, de Governo Estadual, de Território ou Distrito Federal, para exercer função de natureza civil;

XIII - ter sido nomeado para qualquer cargo público civil temporário, não-eletivo, inclusive da administração indireta; e

[...]

Art. 84. O militar agregado ficará adido, para efeito de alterações e remuneração, à organização militar que lhe for designada, continuando a figurar no respectivo registro, sem número, no lugar que até então ocupava.

Sob este prisma, segue entendimento do Comandante do Exército, esposado através da Nota nº 001-A1.13, de situação análoga do Policial Militar Estadual, tendo como base os artigos 82, XII e XIII, e 84 da Lei Federal nº 6.880/80 (Estatuto dos Militares), bem como do art. 14, § 1º da Lei Federal nº 9.624/98, que transcrevemos:

UNIFORMIZAÇÃO DE TESES –ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL – MILITAR – APROVAÇÃO EM CONCURSO PÚBLICO – AFASTAMENTO TEMPORÁRIO DO SERVIÇO PARA FREQUENTAR CURSO DE FORMAÇÃO – POSSIBILIDADE.

É do entendimento desta Consultoria Jurídica, na esteira de remansosa jurisprudência, que nos termos dos artigos 82, XII e XIII, e 84 da Lei nº 6.880/80 (Estatuto dos Militares), bem como do art. 14, § 1º da Lei nº 9.624/98, a aprovação de servidor militar em concurso para provimento de outro cargo público, na esfera do Governo Federal, Estadual, de Território ou Distrito Federal, assegura-lhe o direito a afastamento temporário do serviço ativo, para fins de frequentar o respectivo curso de formação, na condição de adido, mantendo-se agregado à corporação de origem, inclusive, no tocante à opção pela remuneração.1

Faz esta digressão justamente para apresentar a jurisprudência dos Tribunais Regionais Federais, acerca situação idêntica na esfera federal. Veja-se:

CONSTITUCIONAL SERVIDOR PÚBLICO MILITAR. PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE PASSIVA. REJEITADA. NO MÉRITO, PROCEDE O PEDIDO.CONCEDIDA A SEGURANÇA.

1. Confirmando a liminar para garantir ao impetrante o seu direito de afastamento do serviço militar, com opção de continuar recebendo, através do Ministério do Exército, a remuneração correspondente ao seu posto, ficando agregado ao respectivo quadro até final conclusão do curso de formação do concurso para o cargo de Auditor Fiscal do Tesouro Nacional.

[…] 2

CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA.

SERVIDOR PÚBLICO MILITAR. CONCURSO PÚBLICO. PARTICIPAÇÃO EM CURSO DE FORMAÇÃO NA QUALIDADE DE ADIDO. PERCEPÇÃO DA REMUNERAÇÃO DEVIDA AO POSTO OCUPADO PELO IMPETRANTE.

I - Nos termos dos artigos 82, XII e XIII, e 84 da Lei nº 6.880/80 (Estatuto dos Militares), a aprovação de servidor militar em concurso para provimento de outro cargo público, na esfera do Governo Federal, Estadual, de Território ou Distrito Federal, assegura-lhe o direito a afastamento temporário do serviço ativo, para fins de frequentar o respectivo curso de formação, na condição de adido, mantendo-se agregado à corporação de origem, inclusive, no tocante à remuneração.

[…] 3

Não há qualquer possibilidade de exonerar o Policial Militar do Estado de Santa Catarina que concorra a uma vaga ao oficialato, ante situação análoga dentro das próprias Forças Armadas, mantendo-se adido o servidor não aprovado no estágio probatório desta nova função, que, sendo estável, deverá ser reconduzido ao cargo anteriormente ocupado.


4.CONCLUSÃO

Fazem-se alguns apontamentos que se espera contribuam com a discussão jurídica acerca do ingresso dos Policiais Militares do Estado de Santa Catarina na carreira de Oficial, permitindo que seja completado o curso de Formação de Oficiais, bem como o término do estágio probatório, para que ocorra o seu desligamento definitivo da função anterior.


5. REFERÊNCIAS

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. Coimbra: Livraria Almedina, 1993.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. São Paulo:Atlas, 2006.

LIMA, Isan Almeida. Neoconstitucionalismo e a nova hermenêutica dos princípios e direitos fundamentais. Jus Navigandi, Teresina, ano 15, n. 2503, 9 maio 2010. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/14737>. Acesso em: 14 fev. 2012.

MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional atual. EC nº 67/10 – São Paulo: Atlas, 2011.


Notas

1. NOTA N º 001-A1.13, DE 11 DE OUTUBRO DE 2006, DO COMANDANTE DO EXÉRC ITO. Referendada por MARIANA SOARES, Advogada da União e Consultora Jurídica, dentro do Processo nº 60150.000083/2006-49, tendo apenso o de nº 60150.000285/2006-91.

2. Tribunal Regional Federal da 2ª Região - Decisão: 19-04-1995 - Proc: REO 0219107 - ano: 92 - UF: RJ - Turma: 02 - Remessa ex officio - Data: 25-07-95 - PG: 45602 – Relator: Juiz Alberto Nogueira.

3. Tribunal Regional Federal da 1ª REGIÃO - Classe: REO - Remessa ex-officio – 199801000748790 – Processo: 199801000748790 UF: MG - Órgão Julgador: Sexta Turma - Data da decisão: 12/3/2001 - Documento: TRF100137011 - DJ Data: 9/10/2002 - Pagina: 83 – Relator: Desembargador Federal Souza Prudente.

4. STF – Pleno – RMS nº 22.933/DF – Rel. Min. Octávio Galotti, decisão 26-6-98. Informativo STF nº 117.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NARDELLI, Giovan. Aspectos jurídicos do ingresso de policial militar como aluno do curso de formação de oficiais, no âmbito do Estado de Santa Catarina. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3160, 25 fev. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21147. Acesso em: 28 mar. 2024.