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Delineamentos em torno da perspectiva de implementação do projeto do superendividamento do consumidor em Santa Catarina

Delineamentos em torno da perspectiva de implementação do projeto do superendividamento do consumidor em Santa Catarina

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Apresenta-se o tratamento dado ao superendividamento em diversos países e em alguns estados brasileiros, desenvolvendo uma proposta a ser implementada em Santa Catarina.

 

RESUMO

O presente trabalho tem como objetivo dar enfoque ao superendividamento do consumidor, que deriva principalmente da democratização do crédito e que caracteriza a sociedade de consumo atual em todos os sistemas capitalistas de mercado.

Tal problemática, já presente em muitos países antes mesmo do Brasil, fez com que fossem desenvolvidos mecanismos para amortecer essa questão de repercussão socioeconômica, familiar, psicológica e que atinge toda a sociedade, inclusive no campo jurídico.

Ante a inexistência de legislação em nosso país acerca do fenômeno do superendividamento, pretende-se, com base em projetos implementados em alguns estados brasileiros, a criação de um “projeto de tratamento do consumidor superendividado” para o estado de Santa Catarina, que, apesar de ser considerado um dos mais desenvolvidos, enfrenta também essa adversidade.

 


 

SUMÁRIO:1 INTRODUÇÃO. 2 SUPERENDIVIDAMENTO DO CONSUMIDOR EM FOCO: CONSIDERAÇÕES INICIAIS. 2.1 BREVE ANÁLISE DO SUPERENDIVIDAMENTO COM BASE EM SEU RESGATE HISTÓRICO E NO DIREITO COMPARADO. 2.2 PRINCIPAIS SITUAÇÕES QUE LEVAM AO SUPERENDIVIDAMENTO NO BRASIL. 2.3 FORMULAÇÃO DO CONCEITO DO SUPERENDIVIDAMENTO SOB O PRISMA JURÍDICO. 2.4 PROTEÇÃO JURÍDICA DO SUPERENDIVIDADO NO BRASIL. 3 ANÁLISE DOS PROJETOS IMPLEMENTADOS NOS ESTADOS BRASILEIROS VOLTADOS AO TRATAMENTO DAS SITUAÇÕES DE SUPERENDIVIDAMENTO DO CONSUMIDOR. 3.1 PROJETO-PILOTO EM EXECUÇÃO NO RIO DE JANEIRO. 3.2 PROJETO-PILOTO EM EXECUÇÃO NO RIO GRANDE DO SUL. 3.3 PROJETO-PILOTO EM EXECUÇÃO NO PARANÁ. 3.4. PROJETO-PILOTO EM EXECUÇÃO EM SÃO PAULO.3.5 PROJETO-PILOTO EM EXECUÇÃO NO MATO GROSSO. 3.6PROJETO NA PARAÍBA.3.7. AVALIAÇÃO ACERCA DA EFETIVIDADE DOS PROJETOS-PILOTO EM EXECUÇÃO E SUA REPERCUSSÃO SOCIOECONÔMICA.4. O SUPERENDIVIDAMENTO E A ATUAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO. 4.1. A IMPORTÂNCIA DO SANEAMENTO DAS DÍVIDAS DO CONSUMIDOR PARA A CONSECUÇÃO DA ORDEM JURÍDICA JUSTA E EFETIVA E O PAPEL SOB TAL ASPECTO ATRIBU[ÍDO AO PODER JUDICIÁRIO.4.2. PROPOSTA DE PROJETO PARA IMPLANTAÇÃO DO TRATAMENTO DO SUPERENDIVIDADO NO ESTADO DE SANTA CATARINA.5 CONCLUSÃO.REFERÊNCIAS.ANEXOS

 


 

1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem como objetivo dar enfoque ao superendividamento do consumidor, circunstância que deriva principalmente da democratização do crédito e que caracteriza a sociedade de consumo atual em todos os sistemas capitalistas de mercado.

Tal problemática, já presente em muitos países antes mesmo do Brasil, fez com que fossem desenvolvidos mecanismos para amortecer essa questão de repercussão socioeconômica, familiar, psicológica e que atinge toda a sociedade, inclusive no campo jurídico.

Assim, diante de inúmeros modelos e projetos adotados no mundo, o Brasil há algum tempo vem se preocupando, primeiramente, com a conscientização do consumidor. Outrossim, num plano secundário, vem criando projetos-piloto e outros em execução para o consumidor que já chegou em estágio crítico de endividamento.

Cumpre salientar que no Brasil há, desde 1990, o Código de Defesa do Consumidor, diploma legal que serve como exemplo e modelo para muitos países, como a China, que acaba de adaptá-lo para a consecução prática em seu território.

No entanto, trata-se de norma geral, consubstanciada em princípios e direitos do consumidor. Não há no referido Código qualquer tratamento ao consumidor endividado, muito menos ao consumidor que contraiu tantas dívidas, a ponto de colocar em risco sua subsistência e de sua família, a chamada categoria dos “superendividados” ou “sobreendividados”.

Dessa forma, pretende-se, com base em projetos implementados em alguns estados brasileiros, a criação de um para o Estado de Santa Catarina, que, apesar de ser considerado um dos mais desenvolvidos, enfrenta também essa adversidade.

Nessa esteira, no primeiro capítulo será feito um breve apanhado histórico, com base no direito comparado do superendividamento no mundo, e focando, adiante, no Brasil.

Serão apresentadas as principais causas que levam ao superendividamento, desenvolvendo conceito do consumidor superendividado ativo e passivo, finalizando no enfoque da proteção jurídica já existente.

No segundo capítulo serão mostradas as iniciativas já implementadas no tratamento do consumidor superendividado no Brasil, com seus respectivos projetos em alguns estados brasileiros, abordando seu histórico e abrangência, bem como o procedimento adotado.

Na sequência, será demonstrada a efetividade dos projetos já implementados, sua repercussão sócio econômica e correlação com a pretendida consecução de uma ordem jurídica justa e efetiva, focalizando, precipuamente, no Papel do Poder Judiciário.

Concluir-se-á apresentando o projeto para implementação em Santa Catarina, desenvolvido de acordo com as particularidades do Estado.

 


 

2 O SUPERENDIVIDAMENTO DO CONSUMIDOR EM FOCO: CONSIDERAÇÕES INICIAIS

O tema do superendividamento ou sobreendividamento do consumidor ainda não foi tratado pela legislação brasileira com a atenção que já mereceu em outros países, motivo pelo qual vem despertando preocupação no sentido de fornecer um tratamento adequado a este fenômeno econômico, social e jurídico.

O crédito é um conceito que reúne os fatores tempo e confiança, importando em um ato de fé, de confiança do credor.

De acordo com Charles Gide[1], historiador francês do pensamento econômico, crédito é a “troca de uma riqueza presente por uma riqueza futura”. Contudo, já advertia que “o crédito pode se tornar muito perigoso para aquele que o utiliza, existindo um crédito mais perigoso ainda, aquele que tem finalidade de facilitar o consumo”.

A concessão de crédito cria condições de acesso ao consumo e frequentemente se apresenta como o único meio de aquisição de produtos e serviços, mas se de um lado é considerado a alavanca da economia de mercado, de outro, seus efeitos negativos estão cada vez mais perceptíveis, diante de sua democratização e o crescimento vertiginoso da sociedade de consumo, desencadeando, em muitos casos, o superendividamento do consumidor.

Em outras palavras, pode-se dizer que o acesso ao crédito enseja repercussões positivas ou negativas para os consumidores, pois, da mesma forma que proporciona a inclusão social, pode se transformar em um mecanismo de exclusão, quando adquirido de forma imoderada e irrefletida. É esta, justamente, a problemática que será melhor analisada nesse primeiro capítulo.

2.1 BREVE ANÁLISE DO SUPERENDIVIDAMENTO COM BASE EM SEU RESGATE HISTÓRICO E NO DIREITO COMPARADO

Ao longo do século XX, multiplicaram-se as formas de crédito e as instituições que o concedem, tendo início a democratização do crédito nos Estados Unidos da América, que passou a encarar o crédito não como sinônimo de prodigalidade, mas como forma de impulsionar a economia nacional.

Em 1978, a Suprema Corte Americana aboliu com eficácia a regulação do empréstimo ao consumidor, na decisão “Marquette Nat’l Bank of Minneapolis v. First Omaha Srv. Corp.”.

Já na Europa o movimento teve início por volta dos anos 70 e 80, tanto na consideração de seu papel econômico quanto de sua concessão. Seguiram a tendência dos Estados Unidos da América e também liberalizaram as regulações de crédito ao consumidor.

Como conseqüência, nas palavras de Jason J. Kilborn[2],

“os consumidores foram deixados amplamente entregues aos seus próprios dispositivos na escolha do quantum do seu débito. A abertura do mercado de crédito ao consumidor introduziu um frenesi de competição entre os fornecedores desse ‘produto’ altamente rentável. A intensa pressão competitiva forçou as empresas a fazer propaganda da estrutura de seus produtos para tirar vantagem (consciente ou inconscientemente) das poderosas forças competitivas – da parcialidade psicológica e da fraqueza dos seus consumidores”.

E continua:

“Assim como os legisladores foram atirando os consumidores no oceano repleto de tubarões de novas possibilidades de empréstimo, os psicólogos cognitivos e pesquisadores comportamentais foram revelando impedimentos sistemáticos para as tentativas dos consumidores de nadarem nesse oceano”.

Dentre eles, o autor aponta que os consumidores sofrem de uma demasiada confiança no que diz respeito à sua própria suscetibilidade ao risco, ou seja, subestimam suas próprias chances de sofrerem um evento adverso, e justamente por isso acabam se endividando.

Somado à superconfiança, há a supervalorização de benefícios e custos imediatos e a minimização de custos futuros, bem como a disponibilidade heurística[3], que faz com que o consumidor forme uma base disponível e pronta para superestimar o risco de similares incidentes no futuro.

Maria Manuel Leitão Marques[4], analisando o tema, afirma que “a expansão do crédito e o superendividamento são duas faces da mesma moeda, de tal modo que controlar a primeira significa fazer o mesmo com a segunda”.

Assim, o endividamento transforma-se em um problema quando ocorre o inadimplemento da obrigação, agravando-se a situação quando o consumidor encontra-se em situação de superendividamento.

Pois bem, passada uma breve análise das causas que levam o consumidor ao superendividamento, que serão melhor analisadas no item 2.2, com enfoque no Brasil, passa-se aos sistemas de alívio formal do débito do consumidor no mundo.

Clarissa Costa de Lima[5] aponta que

“diversos países já criaram um sistema de tratamento das situações de superendividamento ou estão prestes a fazê-lo, quais sejam: Áustria (Konkursordnungs Novelle, 1993), Dinamarca (Gaeldssanering, 1984), Finlândia (Act Concerning the Adjustment of Debts of Private Individuals, 57/1993), Alemanha (InsO, 5/10/94 EgInsO, 1999), Suécia (Lei de maio de 1994), Suíça (lei de 16 de dezembro de 1994), Bélgica (Lei de 15 de julho de 1998), Países Baixos e Portugal. E fora da Europa encontramos países desenvolvidos como Estados Unidos e Canadá que contemplam um regime de tratamento do superendividamento (‘overindebtness’) também com o objetivo de evitar a falência do consumidor com a sua exclusão do mercado de consumo, fenômeno denominado de ‘morte civil’ ou a ‘morte do homo economicus”.

No entanto, serão aqui demonstrados somente os que a doutrina aponta como os principais, que são os modelos americano, alemão, belga e francês.

O sistema americano prega a “livre saída da prisão”, nas palavras de Jason J. Kilborn[6], tendo em vista sua rápida estrutura de entrada e saída da maioria dos insolventes. O processo, consubstanciado nos capítulos 7º (straight bankruptcy) e 13º (reorganization) do Código de Falência americano (Bankruptcy Code), leva normalmente três meses e possui três passos: a) ingresso de petição do devedor para alívio e a detalhada informação financeira; b) a reunião do devedor com o depositário para responder a questões sobre a situação financeira do devedor, e c) execução de um relatório de “ausência de bens” pelo depositário, que ingressa com uma “decisão”, para que logo seja o devedor liberado da maioria dos débitos não pagos.

Assim, verifica-se que a maioria dos consumidores americanos não dedica quase nenhum valor de sua renda futura para pagamento de seus débitos, e perante o sistema existente de alívio de dívidas, não há como haver consciência dos riscos do crédito.

Dessa forma, o sistema se torna um tanto falho, pois não existe potencial consciência de risco ao contrair empréstimos ou qualquer outra dívida. Não há informação adequada, nem mesmo é forma de educar os consumidores atuais e futuros. Afinal, se o consumidor sabe que terá sua “livre saída da prisão”, porque se preocupar com qualquer risco de empréstimos ou dívidas no presente?

Já o modelo alemão (Insolvenzordnung) adotado em 1994 e vigente desde 1999, impôs exigências pesadas aos consumidores devedores que buscam a liberação de seus débitos não pagos.

Kilborn[7] relata que esse sistema destaca-se como modelo de “imparcialidade, justiça”. Destaca-se virtualmente sozinho em igualar o tratamento dos consumidores evitando disparidades substanciais entre distritos. Na Alemanha cada devedor é chamado a fazer o mesmo previsível sacrifício: entregar seis anos de renda não isenta, com porções devolvidas desta renda após quatro ou cinco anos. O cálculo da contribuição de cada devedor é baseado num objetivo universalmente conhecido como escala de isenção de renda. Enquanto essa escala exige pouco menos dos devedores de baixa renda do que os devedores com maior renda, esse efeito é, no mínimo, uniforme em todo o país. O sistema alemão deixa muito pouca discricionariedade nas mãos das autoridades locais para alterar o equilíbrio dos custos e benefícios que cada devedor pode esperar.

Aos olhos do autor, em termos de consistência em todos os casos, o sistema alemão parece mais provável a ganhar uma avaliação do consumidor como “justo” e como legítima fonte de educação social.

O modelo belga tende a ir além do justo e imparcial. Em vigor desde 1999, encoraja acordos extrajudiciais, tendo um plano formulado por um “mediador do débito”, escolhido pelo devedor, mas há um grande arbítrio na Corte para impor um plano, no caso de falha de tal acordo.

Kilborn[8] ainda alega que como a lei original francesa, a lei belga resiste em oferecer a liberação e em permitir devedores de escapar dos seus débitos. Assim, permite as Cortes imporem um plano liberando débitos por penalidades e taxas, mas não pelo principal ou juros.

Dessa forma, por um lado, a lei direciona o mediador a desenvolver um plano que irá permitir um máximo de pagamentos do débito, preservando, para a família do devedor, “uma vida em conformidade com a dignidade humana”. De outro, se o problema for levado à juízo, a lei em dois momentos lembra ao juiz que pode exigir que o devedor faça pagamentos mesmo sobre a renda isenta (norma esta que as leis alemã e francesa têm como invioláveis), e justamente por isso vai além do que efetivamente é justo ao consumidor.

Por fim, o modelo francês, com base no título III do Livro III do Code de La Consommation, o qual serviu como inspiração aos projetos já implementados no Brasil, cuida do “tratamento das situações de superendividamento”, sendo que a designação “tratamento” foi tirada do vocábulo médico, tendo em vista que mais do que regulamentar, o objetivo do legislador passou a ser mais claramente o de cuidar, curar.

Tratar as situações de superendividamento é acordar ao devedor prazos de pagamento, até mesmo remissões de dívidas, de maneira a evitar sua ruína completa e, se possível, a restabelecer sua situação.

No espírito do legislador, a proteção do devedor é, pois, essencial. Os interesses dos credores não são ignorados, mas eles são tratados de maneira subsidiária. Reencontra-se aqui a finalidade do direito do consumo: proteger aquele que se encontra em situação de fraqueza.

Prevê a possibilidade de redução ou perdão dos juros, para que o indivíduo possa pagar suas dívidas. Existe o benefício da manutenção do mínimo essencial à sobrevivência do indivíduo, partindo-se da presunção da boa-fé, como dispõe o art. L. 331-2 daquele diploma legal:

Art. L. 331-2: A comissão tem por missão tratar, dentro das condições previstas pelo presente capítulo, a situação de superendividamento das pessoas físicas, caracterizadas pela impossibilidade manifesta de que os devedores de boa-fé satisfaçam o conjunto de suas dívidas não-profissionais, exigíveis e no vencimento das mesmas. O montante dos reembolsos resultante da aplicação dos artigos L.331-6 ou L.331-7 é fixado, na forma estabelecida pelo decreto, em função da porção impenhorável do salário estabelecida no artigo L.145-2 do Código do Trabalho, de modo que à família seja reservado, com caráter prioritário, uma porção dos recursos necessários para as despesas correntes de sobrevivência. Esta porção dos recursos, que não poderá ser inferior ao montante do “ingresso mínimo de inserção” (revenu minimum d’insertion) que desfrute a família, é indicado no plano convencional de reestruturação contemplado no artigo L. 331-6 ou nas recomendações previstas nos artigos L. 331-7 e L. 331-7-1”.

A França reconhece a falência civil do consumidor endividado dando um tratamento eficaz com a liquidação dos bens da pessoa física para o pagamento total das dívidas, quando possível, ou parte dela, tendo a participação judicial durante o processo ou a realização com os credores de acordo, supervisionados pelo juiz para diminuição dos juros e/ou parcelamento da dívida.

Tendo em vista que o modelo francês serviu como principal inspiração aos modelos já implementados no Brasil, necessário se faz o aprofundamento desse sistema de tratamento, para melhor entendimento do modelo que se pretende implementar em Santa Catarina.

Pois bem, o processo se abre pela iniciativa exclusiva do devedor diante das “comissões de superendividamento dos particulares” (Commissions de surendettement), instituídas em todos os Departamentos da França, sendo que a comissão competente é aquela do domicílio do devedor.

Este deve declarar nome, endereço e situação familiar, fornecendo informações detalhadas sobre sua renda e elementos ativos e passivos do seu patrimônio, bem como nome e endereço de todos os seus credores.

A comissão é composta por seis membros, quais sejam: 1) prefeito (presidente); 2) tesoureiro pagador geral (vice presidente); 3) diretor dos serviços fiscais; 4) representante local do Banque de France (que secretaria os trabalhos); 5) um representante da associação francesa dos estabelecimentos de crédito e 6) um representante das associações familiares ou de consumidores.

Essa comissão tem amplos poderes para instrução do processo, podendo até pesquisar informações sobre o devedor e ouvir pessoas julgadas úteis para a instrução do procedimento, e até demandar informações às administrações públicas, aos estabelecimentos de crédito, aos organismos de seguridade social e consultar os serviços encarregados de centralizar informações sobre os riscos bancários e os incidentes de pagamento.

Isso tudo para melhor análise do estado de endividamento do consumidor, pois a comissão deve examinar as condições de admissibilidade da demanda, tendo em vista que somente poderão passar pelo procedimento de tratamento do superendividamento as pessoas físicas de boa-fé que se encontram na “impossibilidade manifesta de fazer face ao conjunto de suas dívidas não profissionais e a vencer”.

Insta destacar que a boa-fé é presumida, estando incumbido aos credores e às comissões fazer prova em contrário, sendo que a acumulação de numerosos créditos não abala a presunção de boa-fé. Também, caso não seja admitida a demanda, a decisão é suscetível de recurso perante o juiz da execução.

Após a instrução do procedimento e decisão acerca da admissibilidade, a comissão deve empenhar esforços para conciliar o consumidor endividado com seus principais credores, conduzindo-os a concluir um plano convencional de recuperação (plan conventionnel de redressement).

De acordo com o Code de La Consommation, o plano pode estabelecer medidas de adiantamentos ou de escalonamentos dos pagamentos das dívidas por um período de até oito anos, de redução ou supressão de taxas e juros, ou até mesmo o perdão das dívidas, inclusive no âmbito fiscal, sempre prezando o mínimo vital (reste à vivre).

Aprovado e assinado pelo consumidor e pelos principais credores, o plano é então assinado pelo prefeito (presidente), quando lhe é conferida força executória.

Uma cláusula de “retorno a uma melhor fortuna” é sempre subentendida no plano de recuperação, o que significa que os credores têm discricionariedade de pedir o reexame em caso de retorno significativo a uma melhor fortuna do devedor durante a execução do plano.

No caso de frustrada a conciliação, a comissão deve, a pedido do devedor, formular as recomendações contidas no Code de La Consommation.

2.2 PRINCIPAIS SITUAÇÕES QUE LEVAM AO SUPERENDIVIDAMENTO NO BRASIL

Primeiramente, importante relatar a situação no Brasil no século XIX, para melhor entendimento da situação atual de superendividamento do consumidor brasileiro. Para o autor Silvio Javier Batello[9], a evolução dos endividados civis brasileiros é a história dos “esquecidos”. Relata que se compararmos a sociedade brasileira com as européias, vemos que em ambos os lados do oceano houve, nos séculos XVIII e XIX, uma grande diversidade do trabalho, entendido este como atividade humana produtiva. Mas, diferentemente do que ocorreu no velho continente, no Brasil estas modernas formas de produção continuaram por muito tempo submetidas às funções econômicas e sociais próprias da época colonial, o que determinou a manutenção de duas características próprias da sociedade colonial que perduram até hoje: por um lado, um setor urbano por meio do qual se manifesta o poder – uma pequena burguesia por assim chamar-lhe – e uma classe social muito peculiar como são os fazendeiros; e, por outro lado, encontra-se a maior parte da população, os habitantes das urbes e os trabalhadores rurais, sempre à sombra dos poderosos.

A estagnação também compreendeu as leis civis, de modo que somente no final do século XIX e no começo do século XX aconteceram eventos de grande importância que poderiam ter melhorado a situação daqueles endividados não comerciantes ou que não formavam parte dos grupos da elite.

Em 13 de maio de 1888 deu-se fim à escravatura e nas últimas décadas de 1800 começaram a intensificar-se os investimentos estrangeiros na América Latina, inclusive no Brasil, modificando paulatinamente o sistema de produção colonial para um incipiente sistema de produção industrial. Entretanto, a situação social não mudou significativamente.

O fim da escravatura não melhorou a condição social dos ex-escravos. Sem formação escolar nem profissão definida, para a maioria deles a simples emancipação jurídica não mudou sua condição subalterna, muito menos ajudou a promover sua cidadania ou ascensão social. Verifica-se, também, nesse contexto, a ocorrência de um divórcio entre as zonas rurais e urbanas.

Nas cidades se estabelecem relações de trabalho similares às européias, permitindo a formação das ideologias e as supra-estruturas políticas do mundo trabalhista, enquanto nas regiões rurais as relações de trabalho não evoluíram, e continua obedecendo-se à vontade dos grandes proprietários latifundiários.

Por outro lado, a nova produção industrial pressupõe a existência de duas coisas: capital e mão-de-obra. Europa fornece as duas. Capital, geralmente por inversões privadas para infra-estrutura, e mão-de-obra por meio das grandes imigrações de fins do século XIX e começo do século XX, absorvidos na maior parte pelas cidades que crescem descontroladamente.

Esta reserva quase ilimitada de mão-de-obra fez com que os salários se mantivessem sempre em níveis muito estáveis (e obviamente baixos). Assim, a nova classe proletária que surge no processo de industrialização não consegue melhorar sua renda. Com uma economia de subsistência, os trabalhadores brasileiros continuam a utilizar o crédito basicamente para honrar suas dívidas de consumo.

Batello[10] assevera que somente em 1973, com o Código de Processo Civil, os endividados civis começaram a ter um tratamento, pelo menos em parte, similar aos comerciantes, já que se institui no Título IV, Livro II, a “execução por quantia certa contra o devedor insolvente”, permitindo assim a execução de uma verdadeira falência civil.

Atenta-se que pela primeira vez fica superado o tratamento discriminatório dado aos não comerciantes, que a partir de então recebem um tratamento similar ao dos comerciantes falidos. Mas, veja-se bem, tratamento similar apenas em relação à falência, porque para o devedor civil não existem processos concordatários nem de recuperação judicial, somente existindo o procedimento liquidatório.

Constata Batello[11], ainda, que desde a entrada em vigor do Código de Processo Civil, até nossos dias, muitas mudanças aconteceram, principalmente em relação à vida da sociedade ou aos hábitos desta. Surge a cultura de consumo. A forma de vida consumerista e o consumo das massas dominam a existência de seus membros. E citando Philip Sampson[12], frisa que “uma vez estabelecida, a cultura do consumo não discrimina, e tudo se transforma em artigo de consumo, incluindo o significado, a verdade e o conhecimento”. Também se destacam as transformações verificadas nos contratos de trabalho, antigamente celebrados por tempo indeterminado, que são, na atualidade, precários, instáveis e de curta duração.

Em contrapartida, a oferta do crédito para o consumo aumentou significativamente, assim como os prazos para o pagamento dos empréstimos ou financiamento de bens.

O somatório da liberalização, ou seja, superexpansão nunca antes vista do crédito nas últimas décadas no Brasil e o forte apelo publicitário dirigido em larga escala, sobretudo a segmentos mais vulneráveis da população, não podia resultar em outra coisa senão o endividamento do consumidor.

Para José Reinaldo de Lima Lopes[13],

“no Brasil têm-se duas espécies de consumidores de crédito: os privilegiados e os desfavorecidos (hipervulneráveis ou hipossuficientes, como diz o CDC no art. 6º, VIII). Os primeiros têm acesso mais fácil a créditos e bens, e constituem a chamada classe média ou classe alta da sociedade. Mesmo sendo privilegiados, estes consumidores também sofrem da vulnerabilidade dos consumidores em geral – técnica, jurídica e econômica. Os segundos, os consumidores desfavorecidos, são os pobres. Conhecidos pelos seus rendimentos próximos do limiar de pobreza, pela precariedade cultural, excluídos sociais, de pouco discernimento, etc. Os seus desejos e necessidades de consumo são, normalmente, mais tímidos que os das classes privilegiadas, como a compra de um eletrodoméstico. Todavia, o seu poder de compra é significativo, pois, hoje, os consumidores desfavorecidos comportam mais da metade da população brasileira”.

Na apresentação do caderno de investigações sobre prevenção e superendividamento instituído pelo Ministério da Justiça[14], há o relato breve e educativo sobre a evolução do crédito - que é considerado a alavanca da economia de mercado – e os efeitos negativos perceptíveis na sociedade de consumo, vejamos:

“O mercado financeiro atual, em virtude especialmente do avanço da integração global, das evoluções tecnológicas e da criação de novos canais de distribuição de bens, serviços e informação, caracteriza-se pela crescente variedade e sofisticação de seus instrumentos de atuação. A oferta de produtos e serviços financeiros tem-se ampliado progressivamente, e os fornecedores vêm adotando práticas comerciais cada vez mais agressivas, recorrendo à publicidade maciça e a novos artifícios para vincular operações de crédito a toda espécie de transação de consumo diariamente empreendida pela população. Embora seja inegável que o acesso ao crédito constitui ferramenta indispensável para o desenvolvimento das economias modernas, a grande complexidade dessas novas formas de contratação, que envolvem um conjunto intrincado de riscos, custos e responsabilidades, acaba por prejudicar a compreensão do consumidor a respeito dos termos e condições do negócio e, consequentemente, dificultar sua avaliação sobre a adequação do contrato a suas necessidades, interesses e, acima de tudo, possibilidades econômicas. Assim, essa assimetria generalizada de informações e conhecimentos potencializa a vulnerabilidade do consumidor, pois, a mais de permitir a formação de falsas expectativas sobre os produtos e serviços adquiridos, pode conduzi-lo a escolhas impróprias e de consequências perversas – e não apenas no que tange a seu patrimônio, mas também a sua qualidade de vida, dignidade, saúde e segurança. E isso é precisamente o que ocorre no chamado superendividamento, vicissitude que afeta a coletividade à proporção que se universaliza a oferta de crédito: verifica-se um grupo expressivo de pessoas físicas que querem, mas se vêem impossibilitadas de remirem a totalidade de suas dívidas nos termos inicialmente convencionados. Trata-se de revés inevitável, que compõe o risco inerente à atividade financeira e constitui contraponto indissociável do desenvolvimento fundado no crédito. Portanto, não pode ser considerado um problema pontual, individual, e sim uma contingência de responsabilidade da sociedade em geral, um fato coletivo que encontra causa e manifesta efeitos no mercado como um todo – e, exatamente por isso, não pode ser ignorado. Além de ser um grave problema social, que condena um número de pessoas cada vez maior à exclusão e a uma existência indigna, cingida ao pagamento perpétuo de uma dívida insolúvel, o superendividamento é também nocivo à economia, por retirar o consumidor do mercado, minimizando seu poder de compra e vedando-lhe novos investimentos. Como se percebe, é um fenômeno bastante complexo e que exige respostas justas e efetivas por parte da sociedade e do Estado, especialmente por meio da instituição de ações de prevenção e tratamento: da segurança jurídica daí proveniente depende o funcionamento sustentável e otimizado do mercado, de forma a garantir ao mesmo tempo o respeito à dignidade da pessoa humana e o desenvolvimento econômico”.

Ainda no caderno sobre prevenção e superendividamento há o alerta de que

“os perigos do crédito podem ser atuais ou futuros. Atuais, pois o crédito fornece ao consumidor, pessoa física, a impressão que pode – mesmo com seu orçamento reduzido - tudo adquirir e embebido das várias tentações da sociedade de consumo, multiplica suas compras até que não lhe seja mais possível pagar em dia o conjunto de suas dívidas em um tempo razoável. No direito comparado, afirma-se que quem já comprometeu mais de 50% de sua possibilidade atual e futura de pagamento (há que se retirar os gastos mensais normais do que se chama de mínimo existencial: casa, comida, luz, água, transporte) está se superendividando. Começa aí uma roda viva de utilização “perigosa” do crédito, por exemplo, dos prazos dos cartões de crédito (com pagamento mínimos), dos limites dos cheques especiais, de créditos consignados para quitar outros créditos, de pedir emprestado dinheiro na família e assim por diante, tudo para poder “limpar” o nome na praça. Um dos perigos futuros do crédito é que mesmo se a pessoa puder fazer frente a suas dívidas parceladas naquele mês em que está empregada e de boa saúde (fazendo bicos ou trabalhando horas extras) no outro em que tiver problemas no trabalho ou na família (doença de alguém da família ou dele, mortes, acidentes etc.)...a casa cai. O consumidor é sempre muito otimista, e assim contrai mais dívidas do que deveria...animado pelo bom momento, mas quando sofre um destes “acidentes da vida” (os mais comuns são divórcio, separação, doença, mas há mesmo os bons “acidentes”: gravidez, nascimento de neto, volta para a casa do filho maior etc.) seu planejamento orçamentário desequilibra-se e pode cair do endividamento normal em um superendividamento”.

Em suma, podemos dizer que a vulnerabilidade econômica (poder econômico e essencialidade do serviço) e técnica (ausência de conhecimentos específicos quanto às características de produtos e serviços) do consumidor, aliada ao crédito rápido e fácil, fronte às batalhas internas do consumidor (desejo do ter) e a invasão publicitária (televisão, internet, telefone, outdoors, panfletagem...), juntamente com a má administração da renda ou acidente da vida (morte, desemprego ou doença) geram - sem dúvida - o endividamento, que pode culminar no superendividamento ou endividamento excessivo do consumidor.

2.3 FORMULAÇÃO DO CONCEITO DO SUPERENDIVIDAMENTO SOB O PRISMA JURÍDICO

Cláudia Lima Marques[15] define o superendividamento

“como a impossibilidade global do devedor-pessoa física, consumidor, leigo e de boa-fé, de pagar todas as suas dívidas atuais e futuras de consumo (excluídas as dívidas com o Fisco, as oriundas de delitos e as de alimentos). Este estado é um fenômeno social e jurídico, a necessitar algum tipo de saída ou solução pelo direito do consumidor, a exemplo do que aconteceu com a falência e a recuperação judicial e extrajudicial no direito da empresa, seja o parcelamento, os prazos de graça, a redução dos montantes de juros, das taxas, seja qualquer outra solução possível para que possa pagar ou adimplir todas ou quase todas as suas dívidas, frente a todos os credores, fortes e fracos, com garantias ou não.”

A doutrina européia separa o inadimplemento dos consumidores de boa-fé em superendividamento ativo e superendividamento passivo, com o intuito de averiguar quem seriam os consumidores de crédito merecedores de uma tutela especial.

O superendividamento passivo ocorre quando o consumidor não contribuiu ativamente para o aparecimento de crise de solvência e de liquidez, e o superendividamento é considerado ativo quando o consumidor abusa do crédito e “consome” demasiadamente acima das possibilidades de seu orçamento.

Nesse contexto, retira-se da lição de Maria Manuel Leitão Marques[16]:

“o sobreendividamento pode ser activo, se o devedor contribui activamente para se colocar em situação de impossibilidade de pagamento, por exemplo, não planejando os compromissos assumidos e procedendo a uma acumulação exagerada de créditos em relação aos rendimentos efectivos e esperados; ou passivo, quando circunstâncias não previsíveis afectam gravemente a capacidade de reembolso do devedor, colocando-o em situação de impossibilidade de cumprimento.”

A estes que sofrem um “acidente da vida” (divórcio, separação, morte na família, doença, acidentes, desemprego, redução de carga horária ou de salário, nascimento de filhos, volta de filhos para a casa dos pais, etc.) chamamos de superendividados passivos, pois seu estado nada tem a ver com “culpa”, pobreza ou falta de capacidade de lidar com a sociedade de consumo e o crédito fácil. Por outro lado, existem aqueles poucos que abusam do crédito consumindo desenfreadamente acima de suas condições econômicas ou de patrimônio. A estes que abusam do crédito, chamamos de superendividados “ativos”, que podem ser conscientes ou inconscientes, de boa ou de má-fé subjetiva ao contratar, que podem ou não encontrar solução de seus problemas na lei”[17].

Assim, verifica-se que se trata de fenômeno social e jurídico, merecendo proteção jurídica especial.

2.4 PROTEÇÃO JURÍDICA DO SUPERENDIVIDADO NO BRASIL

No item 2.3 verificou-se importância de haver no ordenamento brasileiro uma proteção jurídica especial ao tratamento do superendividado.

Esse tema específico ainda não recebeu no direito brasileiro a atenção que já mereceu em outros países, na maioria dos quais a questão da inclusão social não é tão dramática como em nosso país.

No entanto, nos últimos anos o Brasil progrediu em termos de legislação consumerista, constituindo um verdadeiro avanço na vida e defesa do consumidor, necessitando, ainda, dar mais alguns passos para eficazmente coibir ou tratar o consumidor superendividado.

A Constituição Federal de 1988 incorporou a defesa do consumidor como princípio geral da atividade econômica (art. 170, V, CF/88). Além disso, incluiu-a entre os direitos fundamentais, no artigo 5º, XXXII, ao asseverar que “o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor”, bem como no art. 48 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, determinou que o Congresso Nacional elaborasse um Código de Defesa do Consumidor, que resultou no surgimento da Lei n. 8.078/90.

Cláudia Lima Marques[18] enfatiza que:

“O intérprete e o aplicador da lei, em especial do CDC, devem ter em conta esta valoração constitucional e sua hierarquia implícita: para as pessoas físicas, o direito do consumidor é um direito fundamental, sendo que o cidadão pode exigir proteção do Estado para os seus novos direitos subjetivos tutelares. Trata-se de um privilégio, uma garantia, uma liberdade de origem constitucional, um direito fundamental básico. Para todos os demais agentes econômicos, especialmente para as pessoas jurídicas, o direito do consumidor é apenas um sistema limitador da livre iniciativa do caput do art. 170 da CF/88, sistema orientador da ordem econômica constitucional brasileira”.

Ao traçar os objetivos da Política Nacional das Relações de Consumo, o art. 4º do Código de Defesa do Consumidor[19] incluiu o “atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria de sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo”.

Como forma de alcançar esses objetivos, a Política Nacional deve atender, dentre outros, o princípio da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo, conforme o art. 4º, inciso I do mencionado Código, e o da harmonização dos interesses dos participantes da relação de consumo, tudo baseado na boa-fé e no equilíbrio entre consumidores e fornecedores, de acordo com o inciso III do mesmo artigo.

A Constituição Brasileira de 1988 adotou como essencial princípio fundamental, em seu art. 1º, inciso III, o princípio da "dignidade humana”. Assim, todos os demais direitos fundamentais decorrem desse direito maior, e nele encontram, por sua vez, seu próprio alicerce. Em conseqüência, toda a atividade estatal deve ser orientada à proteção da dignidade humana, e qualquer violação do princípio, por quem quer que seja, viola os direitos e garantias fundamentais da pessoa humana como sujeito de direitos.

Não há que se olvidar que o legislador consumerista se inspirou nesse princípio basilar da legislação brasileira.

Dessa forma, tanto a Constituição quanto o Código de Defesa do Consumidor exigem a proteção do consumidor que se encontre ou que tenha possibilidades concretas de vir a se encontrar em situação de violação à sua dignidade.

Assim, o princípio da dignidade da pessoa humana é responsável por nortear as medidas destinadas a proteger e defender o consumidor da situação de superendividamento, no intuito de permitir sua reinserção no mercado de consumo, garantindo-lhe condições mínimas, porém, dignas de sobrevivência.

No contexto de ofensa à dignidade da pessoa humana, Leonardo Roscoe Bessa[20] ensina:

“O mercado de consumo, principalmente em face de sua conformação massificada, enseja, em diversos aspectos, ofensa à dignidade da pessoa humana, seja pelos inúmeros acidentes de consumo (com ofensa à integridade psicofísica do consumidor), pelas publicidades abusivas, pelo controle de dados pessoais do consumidor (perda da privacidade), pela cobrança abusiva de débito, seja pelo desrespeito constante a um padrão mínimo de qualidade no atendimento (filas com mais de hora de duração, atendimentos pelo sistema de call center, com demora e desinformação, dificuldades e abusos no exercício de direitos que implicam cancelamento – denúncia – dos contratos de longa duração, etc.), seja pela criação de fatores que levam ao flagelo do superendividamento”.

A doutrina e a jurisprudência pátrias têm reconhecido o caráter normativo do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, ao qual se tem assegurado eficácia.

Como exemplo, temos o recente acórdão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, citado por Geraldo de Faria Martins da Costa[21], onde o sodalício carioca proibiu a realização de descontos de prestações de financiamento bancário diretamente da conta salário de uma consumidora, o chamado crédito consignado. Segundo o julgado, o superendividamento é uma “patologia freqüente na moderna sociedade massificada de consumo e de crédito”. Considerou-se que, na espécie, o débito em conta representa uma “agressão à dignidade se os descontos incidem sobre os parcos vencimentos da autora retirando-lhe a possibilidade de deliberar sobre quais os débitos de sua vida privada são mais relevantes”. Dos fundamentos da decisão, merece realce a consideração de que “não importa que o contrato de refinanciamento tenha sido firmado em 2011, e os descontos feitos em 2005, pois o CDC exige transparência máxima nas relações de consumo (art. 4º, caput), a informação clara, prévia e objetiva como direito fundamental a proteger o consumidor (art. 6º, inciso III) e, principalmente, a boa-fé objetiva no trato com o mais frágil”.

Não basta, porém, que somente a doutrina e jurisprudência avancem. Como bem pontuam Clarissa Costa de Lima e Karen Rick Danilevicz Bertoncello[22],

“embora possamos afirmar que as leis de proteção ao consumidor constituam uma avanço inequívoco na defesa de seus interesses, a realidade demonstra sua ineficácia para conter o crescimento do número de consumidores endividados que, em razão das mais variadas causas, não tem condições de reembolsar o crédito contraído. Nesta linha, oportuno salientar que não fora contemplada na legislação protetiva de nenhum dos países latino-americanos um esquema especial de insolvência para o consumidor, revelando-se a insolvência civil insuficiente para resolver um fato social que envolva política monetária e econômica, pois naquela não há uma investigação das causas pessoais ou sociais que levaram à insolvência e, tampouco, um esquema de negociação que permita ao consumidor sair desta situação”.

Geraldo de Faria Martins da Costa[23] afirma que essa problemática já foi tese defendida no V Congresso Brasileiro de Direito do Consumidor, ocorrido em maio de 2000, em Belo Horizonte – MG, organizado pelo Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor – BRASILCON. Dos ricos debates, quatro conclusões específicas foram aprovadas por unanimidade: 1. É preciso que o direito brasileiro, a exemplo do direto comparado, adote medidas legislativas que tenham por objetivo específico a diminuição dos perigos que envolvem as operações de crédito ao consumo, indo além daquelas já instituídas pelo Código de Defesa do Consumidor. 2. É preciso adotar medidas legislativas que previnam o superendividamento dos consumidores. 3. É preciso adotar medidas legislativas que instituam o tratamento dos consumidores em situação de superendividamento. 4. Que estas medidas sejam também adotadas no âmbito do MERCOSUL. (Grifado)

 Diante de todo o exposto nesse primeiro capítulo, verificou-se a imprescindibilidade de legislação específica sobre o superendividamento no Brasil, especialmente visando dispensar adequado tratamento do consumidor que se encontra nessa situação.

Santa Catarina necessita com urgência de tal iniciativa, precipuamente diante das inúmeras calamidades naturais ocorridas nos últimos anos, como enchentes e desmoronamentos que ocasionaram doenças e incapacidade para o trabalho, circunstâncias que, em muitos casos, exigiram a assunção de inúmeras dívidas em busca da construção ou reconstrução de suas casas e de uma nova vida.


3 ANÁLISE DOS PROJETOS IMPLEMENTADOS NOS ESTADOS BRASILEIROS VOLTADOS AO TRATAMENTO DAS SITUAÇÕES DE SUPERENDIVIDAMENTO DO CONSUMIDOR

Como mencionado no primeiro capítulo deste trabalho, diante da ausência de legislação acerca do fenômeno do superendividamento, alguns estados brasileiros vêm criando projetos de prevenção e/ou tratamento do consumidor superendividado.

Nesse capítulo serão apresentadas as experiências conhecidas sobre o tema, além dos resultados práticos alcançados, demonstrando adiante a indubitável efetividade de tais projetos.

Outrossim, afigura-se crível que outras unidades da federação estejam estudando a possibilidade de implantação, o que pode ocorrer a qualquer tempo.

Desde 2004 o Estado do Rio de Janeiro vem se preocupando com a questão do consumidor superendividado, tanto que foi o pioneiro no país a implantar a “Comissão dos Superendividados”, cujo projeto – infelizmente - ainda não é muito conhecido no meio carioca.

Em seguida, o estado do Rio Grande do Sul, por iniciativa das juízas Clarissa Costa de Lima e Karen Rick Danilevicz Bertoncello, criaram o “Projeto de Tratamento do Consumidor Superendividado”, cujo modelo já serviu e continua sendo base aos demais estados brasileiros que desejam implantar um projeto de superendividamento em seu território.

Em 2010 o Brasil, de certo modo, se sensibilizou ainda mais com esse fenômeno, tanto que o Paraná adotou o modelo do Rio Grande do Sul, o qual já apresenta resultados bem significativos.

Afora o Paraná, no final do ano passado São Paulo teve a iniciativa de criar vários postos de atendimento, por um período de cinco meses, para o consumidor que se encontra endividado. Terminado o período, será feita uma avaliação dos resultados, para possibilidade de implantação do projeto definitivo.

O estado do Mato Grosso criou uma van itinerante - van gabinete - que vai aos bairros levando informações acerca de problemas relacionados ao superendividamento, mecanismo interessante de aproximação e de esclarecimento à população.

Quem também mostrou interesse no projeto de implantação foi o estado da Paraíba, que em meados do ano passado foi conhecer o projeto do Paraná.

A seguir serão relatados os projetos que se tem conhecimento em nosso país, tanto na prevenção quanto no tratamento do consumidor superendividado. Ressalte-se que os dados aqui consignados foram extraídos de sítios da internet e por meio de material oferecido ao público, sendo, portanto, informação de fácil e direto acesso à população.

3.1 PROJETO-PILOTO EM EXECUÇÃO NO RIO DE JANEIRO

Como dito acima, a “Comissão dos Superendividados” existe desde 2004 e é exercida pela Defensoria Pública do Rio de Janeiro, mas ainda é pouco conhecida pela população carioca.

O projeto é coordenado por Larissa Davidovich[24], defensora pública, e de acordo com ela

“a atuação da Defensoria acontece tanto na prevenção do superendividamento, com palestras, educação financeira e elaboração de orçamento doméstico, quanto no auxílio na negociação para a quitação das dívidas. Nesse caso, o superendividado deve preencher um formulário para ter atendimento personalizado de defensores públicos que traçarão um plano de ação para solucionar o problema”.

Também está à disposição do consumidor carioca um número gratuito para informações, qual seja: 0800-282-2279.

Para a defensora Marcella Oliboni[25], coordenadora do Núcleo de Defesa do Consumidor - Nudecon, da defensoria pública do Rio,

“é preciso avançar em relação à oferta: E entendemos como oferta a sala do gerente, a mala-direta, a publicidade da televisão, o telemarketing agressivo. É preciso mais responsabilidade na concessão do crédito, mais compromisso com a qualidade de informação ao consumidor. Pois em relação à aproximação das empresas para acordos, depois que o problema se instala, já avançamos muito”.

Diante da necessidade de orientar melhor o superendividado, a Defensoria do Rio está negociando um treinamento dos defensores com o economista Luiz Carlos Ewald, da Fundação Getulio Vargas, especialista em finanças pessoais.

Como segundo passo, serão oferecidas palestras para informação dos próprios superendividados com o economista. “A informação é arma fundamental nesse processo”, adianta Marcella.

Para quem está preocupado com orçamento, Ewald[26] orienta como primeiro passo um inventário de despesas. Feito isso, as pessoas devem estar atentas a quanto do seu orçamento está sendo usado para pagamento de juros.

3.2 PROJETO-PILOTO EM EXECUÇÃO NO RIO GRANDE DO SUL

O projeto implantado no Rio Grande do Sul teve inspiração no procedimento adotado e na experiência da Defensoria Pública do Rio de Janeiro, que havia iniciado as renegociações extrajudiciais com grande êxito. Também tem inspiração no modelo francês, baseado no sistema da "reeducação" do consumidor, com ênfase em seu aspecto pedagógico como forma de prevenção e de tratamento do superendividamento.

Foi criado em 2006 pelas Juízas Clarissa Costa de Lima e Karen Rick Danilevicz Bertoncello, baseado em estudos da Dra. Claúdia Lima Marques. Atualmente o projeto denominado “Tratamento do Superendividamento do Consumidor” encontra-se instalado nas cidades de Porto Alegre, Santa Maria, Charqueadas, Sapucaia do Sul, Sapiranga, Canoas e São Leopoldo. O projeto conta com alguns parceiros, como a Defensoria do Rio Grande do Sul, a Cruz Vermelha Brasileira, Ministério da Justiça - DPDC, Procon - RS, Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul - TJRS e UFRGS – Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Atualmente é o projeto mais amplo e o mais difundido até o momento. Tem como modalidades a conciliação paraprocessual e conciliação processual. As dívidas abrangidas são as vencidas ou a vencer, créditos consignados, contratos de crédito ao consumo em geral, contratos de prestação de serviços (essenciais ou não) e ausência de limitação do valor da dívida. Já as dívidas excluídas são as derivadas de prestações alimentícias, fiscais, créditos habitacionais e as decorrentes de indenização por ilícitos civis ou penais. Tem como pressupostos que o consumidor seja pessoa física, de boa-fé e que não tenha contraído crédito para o exercício de suas atividades profissionais.

Oportuno enfatizar que o consumidor que esteja em situação de superendividamento pode se beneficiar do projeto independentemente da renda familiar auferida.

Para que o consumidor tenha mais informações sobre o projeto é disponibilizado o telefone (41) 3234-3605 e o sítio www.superendividamento.org.br.

Cumpre salientar que o relatório oficial da efetividade desse projeto está publicado no livro Superendividamento aplicado: aspectos doutrinários e experiência no Poder Judiciário, da editora GZ e de autoria das Juízas Karen Bertoncello e Clarissa Costa de Lima.

Quanto ao procedimento, primeiramente há o preenchimento de formulário padrão com as informações prestadas pelo superendividado, o qual fica advertido de que a sua boa-fé será medida de acordo com a veracidade dos dados fornecidos[27].

O formulário está disponível na Direção do Foro, na Defensoria Pública e/ou nos Juizados Especiais Cíveis, onde não houve criação de setor próprio de conciliação e será preenchido com orientação de servidor capacitado.

No formulário padrão (ANEXO A) há a identificação do superendividado e seus dados socioeconômicos, como a renda média individual mensal e renda média familiar mensal, as despesas mensais correntes, o montante total da dívida, número de credores, as causas das dívidas, se está inscrito em órgãos de proteção ao crédito e de que forma tomou conhecimento da oferta do crédito.

Também consta no formulário o mapa dos credores, devendo ser informado se há processo judicial pendente, se o desconto é feito em folha de pagamento ou em benefício previdenciário, se a dívida está vencida ou a vencer, bem como se o consumidor tentou renegociar e se recebeu cópia do contrato.

O procedimento é isento de custas processuais, uma vez que a condição de superendividado equivale à previsão legal do artigo 1º da Lei n.1.060/50.

Após o preenchimento do formulário padrão, o consumidor recebe uma cartilha (ANEXO B) com os “10 mandamentos da prevenção ao superendividamento”, sendo que sua elaboração objetivou reforçar o aspecto pedagógico e preventivo do projeto. No Brasil, são incipientes as iniciativas voltadas para a prevenção (educação e aconselhamento) do superendividamento dos consumidores, tanto que a educação para o consumo sequer faz parte do currículo das escolas. Não obstante, a educação e a informação dos consumidores quanto aos seus direitos e deveres constitui um dos princípios da Política Nacional das Relações de Consumo (art. 4º, IV do CDC).

São estes os dez mandamentos da prevenção do superendividamento: 1) NÃO GASTE mais do que você ganha; 2) TENHA CUIDADO com o crédito fácil; 3) Não assuma dívida sem antes REFLETIR e CONVERSAR com sua família; 4) LEIA o contrato e os prospectos; 5) EXIJA a informação sobre a taxa de juros mensal e anual; 6) EXIJA o prévio cálculo do valor do total da dívida e AVALIE se é compatível com sua renda; 7) COMPARE as taxas de juros dos concorrentes; 8) NÃO ASSUMA dívidas em benefício de terceiro; 9) NÃO ASSUMA dívidas e NÃO FORNEÇA seus dados por telefone ou pela Internet. 10) RESERVE parte de sua renda para as despesas de sobrevivência.

A cartilha também contém um teste que apresenta algumas perguntas fáceis de serem respondidas e que eficazmente apontam se o consumidor encontra-se em situação de superendividamento.

Há a disponibilização de pauta de audiência já no momento do preenchimento do formulário padrão, ficando o superendividado intimado para a audiência de renegociação.

Então é remetida, preferencialmente via eletrônica, a carta-convite padrão (ANEXO C) para a audiência de renegociação, a qual é remetida a todos os credores arrolados pelo superendividado. Para tanto, é ajustado o fornecimento de endereço eletrônico dos credores.

Interessante que se trata de uma carta-convite e não de uma intimação, na qual é esclarecido ao credor que o consumidor demonstrou interesse em quitar seu débito, sendo solicitado o comparecimento de preposto, com carta de preposição e autorização para firmar acordos, além da cópia do contrato, planilha atualizada do débito e eventual proposta de composição.

Há também o alerta de que o não comparecimento será entendido como ausência de interesse em compor. Caso o comparecimento não seja possível na data aprazada, mas haja interesse em compor, é solicitado que o credor entre em contato por e-mail, fazendo referência ao número da carta convite, caso em que será designada nova data, também a ser informada por e-mail.

A equipe é composta pelo Juiz de Direito, um estagiário e, quando possível, uma assistente social.

Para execução do projeto é necessário o uso do computador do gabinete, da sala de audiência, material gráfico para divulgação e aplicativo computacional para armazenamento do banco de dados.

A infraestrutura é fixa, mas pode ser itinerante. A implementação depende apenas da existência de uma sala com computador.

Enfatiza-se que a execução desse projeto não demandou nenhuma utilização de orçamento suplementar, utilizando os materiais disponíveis no Foro.

Pois bem, a audiência de renegociação é uma audiência conjunta, na qual a mediação é realizada com todos os credores e o superendividado, na mesma oportunidade, a fim de preservar a agilidade do Projeto e a garantia da preservação do mínimo existencial do superendividado.

Esse mínimo existencial, denominado pelos franceses de “reste a vivre”, foi alvo da preocupação do legislador que, em 1998, através do artigo 331-2 do Code de la Consommation, introduziu algumas modificações no sistema de tratamento do superendividamento porque acreditava que a aplicação das medidas de reestruturação do passivo não poderia retirar do devedor todo o meio de existência. Ademais, após alguma experiência no tratamento do superendividamento, constatou-se que, se uma pessoa ou um lar não tivesse um mínimo vital, sua recuperação financeira e a possibilidade de honrar suas dívidas era muito improvável[28].

O projeto não adotou fórmula específica para o cálculo do mínimo vital, tendo em conta que a análise é realmente complexa, não podendo ser reduzida a nenhuma fórmula matemática simplificadora, como aquela usada em algumas decisões judiciais que considera que o endividamento não poderá ultrapassar um terço dos rendimentos do consumidor. De qualquer sorte, considera-se que o consumidor só estará, razoavelmente, em condições de honrar o acordo quando preservado o montante suficiente para o pagamento das despesas correntes do lar como água, luz, alimentação, educação, saúde, aluguel, condomínio, entre outras indispensáveis ao bem-estar e dignidade do núcleo familiar.

Quanto ao conteúdo, a renegociação poderá consistir no parcelamento das dívidas, concessão de moratória com alteração no vencimento da obrigação, redução dos encargos ou, até mesmo perdão parcial ou total da dívida.

Cumpre salientar que há a possibilidade de sessões individuais com cada credor e o superendividado, preferencialmente no mesmo dia e turno, a fim de preservar a agilidade do Projeto, consubstanciado também na garantia da preservação do mínimo existencial do superendividado

A conciliação exitosa na audiência de renegociação poderá ter caráter paraprocessual e/ou processual. Se houver acordo exitoso em alguma das duas modalidades, há homologação pelo Juiz de Direito coordenador do Projeto, constituindo título executivo judicial.

É cediço que as maiores dificuldades encontradas para um acordo exitoso incidem na divulgação e conscientização da necessidade da cultura da mediação e suas vantagens. Da mesma forma, a superação do estigma do devedor quanto à culpa e a vergonha pelo seu endividamento excessivo frente ao contato com todos seus credores.

Por outro lado, se o acordo for inexitoso na conciliação paraprocessual, o superendividado é orientado a procurar a satisfação do seu direito pelas vias ordinárias, na Justiça Comum ou Juizado Especial Cível.

Se o acordo for inexitoso na conciliação processual, o processo será devolvido à vara de origem para o regular prosseguimento.

São efeitos da renegociação a serem consignados no termo de acordo: as dívidas vencerão antecipadamente caso o superendividado preste dolosamente falsas declarações ou produza documentos inexatos com o objetivo de utilizar-se dos benefícios do procedimento de tratamento da situação de superendividamento; dissimule ou desvie a totalidade ou parte de seus bens com objetivo de fraudar credores ou a execução ou, sem o acordo de seus credores, agrave sua situação de endividamento mediante a obtenção de novos empréstimos ou pratique atos de disposição de seu patrimônio durante o curso do procedimento de tratamento da situação de superendividamento.

Também fica registrada na ata de audiência a incidência de cláusula penal e o acordo conjunto, identificando o valor de cada dívida e seu respectivo credor.

3.3 PROJETO-PILOTO EM EXECUÇÃO NO PARANÁ

No Paraná, a Juíza Sandra Bauermann solicitou autorização para implantação do projeto do Rio Grande do Sul no âmbito dos Juizados Especiais, por meio do Protocolo TJPR 247326/2008, que foi concedida pelo 2º Vice-Presidente do TJPR e Supervisor-Geral dos Sistemas dos Juizados Especiais, Desembargador João Luís Manassés de Albuquerque, para ser implantado junto ao 1º Juizado Especial Cível do Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba, sob a coordenação da referida magistrada, em 29 de abril de 2010[29].

Na fase de implantação, foi firmado importante convênio entre o TJPR e a Escola da Magistratura do Paraná (EMAP), no sentido de contribuição da EMAP com a implementação e realização do Projeto, especialmente através da capacitação e disponibilização de cursistas do curso de Preparação à Magistratura, para atuarem como conciliadores voluntários, e disponibilização das salas de audiências da EMAP para realização das audiências de renegociação/conciliação.

O objetivo é mediar a renegociação de dívidas decorrentes de relação de consumo (não profissionais) do devedor pessoa física, de boa fé, que se vê impossibilitado de pagar todas as suas dívidas atuais e futuras de consumo (superendividado), com todos os seus credores, de acordo com seu orçamento familiar, de modo a garantir a subsistência básica de sua família[30].

Possui também uma cartilha com os mesmos 10 mandamentos da Cartilha do Superendividado do Projeto do Rio Grande do Sul (ANEXO B).

Todas as informações sobre o projeto encontram-se disponíveis no sítio do Tribunal de Justiça do Paraná, sendo que o cadastro inicial do projeto é enviado pela internet, devendo ser imprimido e assinado. Em seguida, deve o consumidor comparecer com esse documento ao 1º Juizado Especial de Curitiba e agendar a audiência de conciliação.

Em geral o procedimento é o mesmo do projeto do Rio Grande do Sul.

Também há o telefone (41) 3234-3605 para contato e obtenção de mais informações acerca do projeto.

3.4 PROJETO-PILOTO EM EXECUÇÃO EM SÃO PAULO

Teve inspiração nos modelos do Rio de Janeiro e do Rio Grande do Sul e foi assinado em 14 de outubro de 2010, juntamente com a Fundação Procon - São Paulo. Em 16 de outubro do mesmo ano iniciou suas atividades em postos espalhados pela cidade de São Paulo. Já pode ser encontrado nos postos Poupatempo Sé, Itaquera e Santo Amaro.

Surgiu do convênio entre o Tribunal de Justiça com a Associação Comercial de São Paulo e com o SIMPI – Sindicato da Micro e Pequena Indústria.

Foi implantado provisoriamente pelo período de cinco meses, para posterior avaliação dos resultados e possibilidade de implantação do projeto definitivo, sendo que os dois primeiros meses são de preparação dos conciliadores e técnicos do Procon e os demais de audiência, pretendendo atender cerca de 100 (cem) pessoas ao mês, totalizando a pretensão de terem sido atendidas 300 (trezentas) pessoas ao fim do projeto[31].

3.5 PROJETO-PILOTO EM EXECUÇÃO NO MATO GROSSO

Surgiu em meados de 2010 e é consistente num projeto de gabinete itinerante, mais conhecida como uma van gabinete, que vai aos bairros levando informação acerca de problemas relacionados ao superendividamento. Está sob a coordenação de João Paulo Carvalho Dias e por enquanto assiste somente aos bairros com pior índice de desenvolvimento humano (IDH) na cidade de Cuiabá[32].

A proposta é tornar possível o pagamento dos débitos através de uma adequação das parcelas. O consumidor se comprometerá com 30% de seus rendimentos a pagar todos os credores, ou seja, ele terá 70% para manter sua subsistência. A equipe conta ainda com uma psicóloga e assistente social.

3.6 PROJETO NA PARAÍBA

Ainda não implantado, porém, em novembro do ano passado, seguindo orientação do diretor da Escola Superior da Magistratura (ESMA), desembargador Márcio Murilo da Cunha Ramos, os magistrados Gustavo Procópio Bandeira de Melo e Bruno César Azevedo Isidro estiveram na Escola da Magistratura do Estado do Paraná (EMAP) para conhecer o projeto-piloto de “Tratamento de Superendividamento do Consumidor”, desenvolvido pelo TJPR em conjunto com a EMAP. Também foram divulgar o Projeto “Selo Amigo da Conciliação”, que foi implantado, oficialmente, pelo TJPB no dia 2 de dezembro daquele ano[33].

“Na visita, foram feitos contatos com representantes de alguns credores habituais, como o Unibanco e Santander, que demonstraram interesse em participar do projeto noutras unidades da federação”, afirmou o magistrado Gustavo Procópio.

Os juízes paraibanos constataram que o projeto-piloto tem um baixo custo de implantação, pois aproveita a estrutura já existente, funciona com poucos servidores e os conciliadores são voluntários que, após um rápido treinamento em técnicas autocompositivas, ficam prontos para atuarem. Assim, eles sugeriram implantar o projeto-piloto “Tratamento de Superendividamento do Consumidor” com os alunos do Curso de Preparação à Magistratura da ESMA como disciplina opcional do curso para o ano de 2011, e atrelar o Selo Amigo da Conciliação e o cadastro dos maiores litigantes ao projeto, como forma de incentivar as empresas a buscarem os meios autocompositivos de soluções de conflitos.

Outras propostas para serem implantadas pelo Poder Judiciário estadual, por meio da ESMA, foram: a) disseminar os métodos autocompositivos com um seminário anual sobre o tema, em conjunto com Escola Superior da Magistratura de Pernambuco (ESMAPE), para divulgar a prática da conciliação e o projeto-piloto de Situações de Superendividamento; b) incentivar outras instituições públicas e privadas a tratar as situações de superendividamento; c) manter contatos com as instituições financeiras para que participem do projeto; d) adaptar a página da ESMA na internet para receber os formulários e adotar o modelo paranaense de aulas práticas, inclusive com a possibilidade de nomeação de alunos como conciliadores temporários, para fins de contagem de tempo de prática jurídica.

Nessa senda, analisando os projetos existentes sobre o fenômeno do superendividamento - os quais se tem conhecimento - observa-se um traço comum entre os modelos seguidos, sendo poucas as variantes, as quais vem ocorrendo com o propósito de aprimorar o sistema já existente e adaptar o projeto à realidade local de cada estado.

3.7 AVALIAÇÃO ACERCA DA EFETIVIDADE DOS PROJETOS-PILOTO EM EXECUÇÃO E SUA REPERCUSSÃO SOCIOECONÔMICA

Primeiramente, insta destacar que a ausência de dados sobre o superendividamento no Brasil não permite traçar um diagnóstico mais abrangente do problema.

Os únicos dados disponíveis, constantes do Relatório do IDEC – Instituto Brasileiro de Direito do Consumidor[34], de maio de 2008, são referentes a endividamento e inadimplência das famílias, o que é tecnicamente muito distinto do conceito de superendividamento.

Assim, as informações referentes ao consumidor superendividado são de natureza qualitativa.

No Rio Grande do Sul, a primeira pesquisa foi feita em 2004 e foi realizada entre famílias que ganhavam até cinco salários mínimos. E os resultados já foram então estarrecedores: 80% dos que haviam contraído crédito eram tomadores passivos. Recorreram aos bancos por terem sido surpreendidos por um acidente na vida, seja doença, separação conjugal ou perda de emprego. Em 57% dos casos, o tomador do crédito nunca recebeu uma cópia do contrato. Apenas em 37% dos casos o credor explicou qual seria o montante total a ser pago e, em 77% dos casos não se pediu garantia alguma para a assinatura do contrato.

Já no Rio de Janeiro, em pesquisa realizada em 2005 e coordenada por Rosângela Cavallazzi (professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro) e Heloísa Carpena (procuradora do Ministério Público Estadual), os resultados foram semelhantes aos realizados pelos profissionais riograndenses. Com base nos registros do Núcleo de Defesa do Consumidor (Nudecon), foram selecionados 80 consumidores. Desses, 39% comprometiam 60% da renda ou mais em dívidas. Em 50% dos casos, o desemprego foi responsável pelo desequilíbrio financeiro. Apenas 37% receberam a cópia do contrato e em 88% das vezes não se pediu nenhuma garantia para o empréstimo.

De acordo com o relatório da FIESC – Federação das Indústrias do Estado de Santa Catarina[35], denominado “Santa Catarina em Dados 2010”, 59,39% das pessoas residentes no estado e maiores de 10 (dez) anos são economicamente ativas.

Em contrapartida, a FECOMÉRCIO SC – Federação do Comércio do Estado de Santa Catarina, em pesquisa da análise econômica de Endividamento e Inadimplência do Consumidor e do Índice de Consumo das Famílias de Santa Catarina[36], constatou, em primeiro lugar, que o fato de uma pessoa estar endividada não significa que sua situação financeira esteja abalada. Depende do grau de endividamento de sua situação pessoal, do nível de comprometimento desse endividamento em relação à sua renda. Há também os que estão endividados, mas estão conseguindo adimplir seus compromissos com atraso. Finalmente, há aqueles que nem com atraso estão pagando seus compromissos, ou seja, são inadimplentes confirmados e afirmaram, no momento da pesquisa, que não teriam condições de quitá-los.

O que mais se destaca na pesquisa, realizada em janeiro do presente ano, é que 86% das famílias estavam endividadas. É o maior percentual de endividamento dos últimos treze meses e supera amplamente o maior índice anterior, ocorrido no mês de maio de 2010: 74%. Além disso, 23% das famílias estavam com dívidas em atraso e 8% declararam que não teriam condições de pagar seus compromissos.

Esse número alarmante em Santa Catarina aponta que a sociedade precisa e clama por um projeto que lhes proporcione uma saída e as faça restabelecer sua dignidade.

Dos projetos implantados no Brasil, os mais difundidos atualmente são os do Rio Grande do Sul e do Paraná, sugerindo-se sua adoção como parâmetro para embasamento de projeto a ser implementado em Santa Catarina.

Importa, pois, analisar os resultados apurados para ensejar, com isso, a aferição da efetividade de tais procedimentos.

O relatório geral do ano 2007[37], confeccionado pelas magistradas Karen Bertoncello e Clarissa Costa de Lima aponta os seguintes dados do primeiro ano de sua execução:

“As primeiras estatísticas abrangem as audiências de renegociação realizadas com os superendividados, nas Comarcas de Charqueadas e de Sapucaia do Sul, até os meses de outubro e novembro de 2007, respectivamente. Foram atendidos 68 consumidores superendividados na Comarca de Charqueadas e 90 na Comarca de Sapucaia do Sul.

No que pertine ao perfil do superendividado, observamos que a maioria é do sexo masculino (54%), com idade entre 31 a 40 anos (33%) e entre 21 a 30 anos (28%), de profissão na iniciativa privada (46%), sendo casados (38%) e conviventes (23%), com um dependente (34%) ou dois (27%), com renda individual mensal é de até 1 salário mínimo (42%) e entre 2 a 3 salários mínimos (42%), com renda mensal familiar entre 2 a 3 salários mínimos (45%) e até 2 salários mínimos (23%).

Quanto às despesas mensais correntes, consideradas aquelas de subsistência como água, luz, aluguel, condomínio, alimentação, medicamentos, educação, observamos que o valor total supera R$ 500,00 mensais (69%), o que compromete demasiadamente a renda dos consumidores que percebem, em sua maioria, entre 1 a 3 salários mínimos.

No que diz com as dívidas decorrentes de contrato de crédito ao consumo e que foram objeto das audiências de renegociação coletiva, a maior parte (44%) supera o valor total de R$ 3.000,00, sendo que em 23% dos casos, o valor da dívida oscila entre R$ 1.001,00 a R$ 2.000,00.

A maioria das dívidas foi contraída com um único credor (56%), em segundo lugar, com mais de 3 credores (16%), em terceiro, com 2 credores (15%) e, em quarto lugar, com 3 credores (13%). Tais dados demonstram que os consumidores que recorreram ao projeto estavam mais suscetíveis ao superendividamento, na medida em que as obrigações contraídas com um único credor foram suficientes para conduzi-lo a uma situação de insolvência e de exclusão social. Com isso, há indícios de que o superendividamento desses consumidores está mais relacionado com a insuficiência de renda, do que com a má-gestão do orçamento familiar.

A causa preponderante das dívidas foi o desemprego (29%), seguida da separação/divórcio (20%), gasto maior do que a renda (19%), doença ou morte (17%) e redução de renda (8%). A partir daí, identificamos a prevalência do superendividado passivo no projeto, caracterizado doutrinariamente como aquele que se superendividou em razão de “acidente da vida”, ou seja, situações involuntárias.

Dentre os superendividados, 80% estavam inscritos em cadastros de inadimplentes, o que, segundo relatado nas audiências, atua como fator impeditivo de reinserção no mercado de trabalho, uma vez que os empregadores têm recorrido à consulta prévia destes cadastros quando da seleção dos candidatos.

Quanto ao índice de conciliações, atingimos o percentual de 27,66% de êxito com as financeiras, de 34,12% com os bancos, de 64,89% com lojas e de 62% com prestadoras de serviço”.

No Paraná, esses foram os dados apresentados[38]em menos de um ano de execução do projeto e que revelaram o perfil atual do superendividado curitibano:

“Cerca de 78% do usuários são pessoas que ganham até quatro salários mínimos”, demonstrou a juíza-coordenadora, Dra. Sandra Bauermann, acrescentando que as principais causas de superendividamento são: desemprego (31,65%), redução de renda (25,81%), descontrole de gastos (21,37%), doença pessoal ou familiar (14,92%) e divórcio ou dissolução de união estável ( 6,25%)”.

No entanto, ainda não existem dados oficiais sobre a efetividade do projeto nesse primeiro ano da implantação.

Todavia, a partir dos dados positivos alcançados no Rio Grande do Sul, as juízas Clarissa e Karen, autoras do projeto e vencedoras do Prêmio Innovare[39], quando questionadas sobre os fatores de sucesso do projeto na prática, afirmam:

“O sucesso está na adequação do modelo escolhido com ênfase na reeducação, especialmente pelo contato direto entre o consumidor e seus credores na busca de solução conjunta. Esta postura proativa pode configurar o início de uma alteração do paradigma de que o consumidor é o único responsável pelo seu endividamento excessivo.

Historicamente, a concepção negativa do endividamento está ligada à concepção negativa do próprio crédito, fonte do endividamento. Afinal, o crédito surgiu ligado às noções de culpa e erro, era assimilado à usura e condenado por filósofos e doutrinas religiosas. Neste sentido, é imperioso que essa banalização do crédito, responsável pela propagação do endividamento na sociedade, gere também uma política de aceitação do fenômeno como uma questão social, merecedora de uma abordagem mais humanitária.

Parafraseando Sophie Gjidara, ‘em uma economia de endividamento, o endividado constitui uma engrenagem essencial, cuja preservação é imperativa para a sobrevivência do sistema econômico e para a salvaguarda da paz social’. Por isso, destacam que a conscientização dos credores na necessidade de reinserção do consumidor no circuito econômico permitirá que estes agentes econômicos se engajem na luta contra o endividamento excessivo”

Ainda, estudos de direito comparado já comprovaram que o superendividamento é um fenômeno que afeta de modo profundo a autoestima e a confiança do consumidor na sua capacidade de gerir e controlar sua vida pessoal e familiar. O isolamento, os estados depressivos, os desentendimentos conjugais e o confronto com os filhos são reações que emergem com freqüência e criam a desestruturação da vida destes sujeitos.

Nessa vertente, o projeto de implementação pretende apoiar estes hipervulneráveis, ensinando-lhes a administrar esses sentimentos e, sobretudo, construir em conjunto alternativas viáveis e fundamentadas juridicamente para resolver sua grave condição econômico-financeira, superando o preconceito moral, via de regra, presente nestas circunstâncias.


4 O SUPERENDIVIDAMENTO E A ATUAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO

O Poder Judiciário Catarinense[40] tem como missão a realização da justiça, assegurando a todos o acesso, com efetividade na prestação jurisdicional.

Pretende ser reconhecido como um Judiciário eficiente, célere e respeitado pela sociedade. Para alcançar esses objetivos instituiu atributos de valor para a sociedade, como a acessibilidade, modernidade, responsabilidade social, transparência, entre outros.

Em 2000 iniciou um planejamento estratégico, sob a perspectiva de “humanizar a justiça” por meio de uma administração compartilhada e democrática que visa ao crescimento e desenvolvimento.

Assim, adotou como lema promover a cidadania, priorizando ações de natureza social; facilitar a comunicação e o acesso do cidadão à Justiça; buscar continuamente a satisfação dos usuários e fortalecer as relações institucionais.

Monica Rodrigues[41], ao tratar do tema “humanização da justiça”, afirma que

“a justiça aristotélica detém o fundamento da lei como critério julgador do justo e do injusto, uma vez que se baseia apenas na lei e em seus respectivos elementos puramente objetivos, jamais se preocupando com o elemento humano ou subjetivo da questão, e, por isso mesmo, essa concepção de justiça que fundamenta o Direito moderno e o nosso atual sistema legal, vem se mostrando ultrapassada, anacrônica e fora da nossa atual realidade, pois é um conceito que quando aplicado ao caso concreto, infelizmente, nos conduz mais a injustiças, de que à verdadeira justiça social, tão almejada e erigida à categoria de princípio constitucional em nossa Lei Fundamental.

Portanto, vemos que, definitivamente, a concepção aristotélica de justiça tornou-se modernamente inaceitável, uma vez que não se adequa mais aos nossos anseios e necessidades, não se harmoniza com essa idéia inovadora de humanização da prestação jurisdicional, devendo, para esse mister, ser substituída por um conceito de justiça mais justo, mais humano, que se fundamente mais na liberdade e no respeito à cidadania, aos direitos humanos e à dignidade humana, e que tenha como objetivo maior garantir a verdadeira Paz ao ser humano”.

O projeto que visa ao tratamento do fenômeno do superendividamento em Santa Catarina encontra-se em perfeita consonância com os objetivos priorizados no planejamento estratégico do Poder Judiciário Catarinense, até porque, dentre as expectativas criadas, está a antecipação dos acontecimentos.

Já restou demonstrado no presente trabalho a necessidade de legislação acerca desse fenômeno, que possui cunho econômico, social e também jurídico. Todavia, na falta de um regramento a respeito, o Poder Judiciário assume importante papel no sentido de tentar prevenir as consequências projetadas a partir desta problemática.

É uma necessidade atual, como medida de justiça, que o Judiciário Catarinense responda a essa questão de tamanha complexidade social, assegurando a aplicação dos princípios basilares da Constituição Federal, precipuamente no tocante à dignidade da pessoa humana.

Conceituando esse princípio, Ingo Wolfgang Sarlet[42] entende que a dignidade da pessoa humana corresponde à

“qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos”.

 

Ainda ensina Flademir Jerônimo Belinati Martins[43] que

“a dignidade da pessoa humana constitui a base, o alicerce, o fundamento da República e o Estado Democrático de Direito por ela instituído. A fórmula adotada implica, em linhas gerais, que a Constituição brasileira transformou a dignidade da pessoa humana em valor supremo da ordem jurídica-política por ela instituída. Em outros termos, dizer que a dignidade da pessoa humana é um valor supremo, um valor fundante da República, implica admiti-la não somente como um princípio da ordem jurídica, mas também da ordem política, social e econômica”.

Trata-se de fenômeno com crescimento vertiginoso que afeta parte considerável da sociedade, do qual tem ciência o Poder Judiciário Catarinense. Por meio deste projeto, antecipar-se-á aos efeitos ainda mais críticos desta problemática, propondo-se alternativas ao consumidor hábeis a contorná-los, assegurando-se a dignidade da pessoa humana e a concretização da tão sonhada “humanização da justiça”.

4.1 A IMPORTÂNCIA DO SANEAMENTO DAS DÍVIDAS DO CONSUMIDOR PARA A CONSECUÇÃO DA ORDEM JURÍDICA JUSTA E EFETIVA E O PAPEL SOB TAL ASPECTO ATRIBUÍDO AO PODER JUDICIÁRIO

O projeto a ser implementado em Santa Catarina é de suma importância e se afigura essencial diante da problemática narrada nesse trabalho.

Ademais, o Estado pode ter inúmeros prejuízos com o endividamento excessivo da população, pois não se trata de um problema apenas jurídico, tem repercussões em outros domínios. Nas relações familiares, o superendividamento pode gerar situações de violência doméstica ou mesmo problemas conjugais; no emprego pode gerar instabilidade em razão da redução da produtividade ou das seqüelas que traz à saúde do empregado, como desequilíbrio emocional ou quadros depressivos. Todas essas situações, sem dúvida, têm um custo social muito elevado para o Estado[44].

Assim, é possível minimizar os danos através de uma ação preventiva com foco na educação e informação, projetos de tratamento do consumidor superendividado ou através da disponibilização de uma lei de tratamento desse fenômeno.

Nessa esteira, o procedimento de renegociação coletiva previne o ajuizamento de inúmeras ações individuais, especialmente as ações revisionais bancárias e de cobrança ou execução.

Para se ter uma idéia, o índice de conciliação nas Comarcas de Charqueadas e de Sapucaia do Sul superou a 60% após um ano de execução do projeto e em Porto Alegre ultrapassou 80%, após apenas quatro meses em execução.

Notadamente os resultados foram e continuam sendo muito positivos. As autoras do projeto do Rio Grande do Sul relatam que[45]

”foram observadas algumas mudanças no comportamento entre devedores e credores. A primeira delas é que os credores valorizam a iniciativa do superendividado em recorrer ao projeto, reconhecendo o esforço deles em pagar as dívidas e honrar os contratos celebrados. Os credores parecem também mais solidários em relação aos superendividados passivos, ou seja, àqueles que se endividaram, não porque gastaram mais do que ganhavam, mas por razões involuntárias, a exemplo do desemprego, divórcio, separação, doença etc. Alguns credores já estão percebendo que ninguém lucra com a exclusão do superendividado do mercado e que é preciso buscar uma alternativa para sua reinserção social. De outro lado, o superendividado adquire um aprendizado ativo, a partir de sua participação no projeto e nas Oficinas de Orçamento Doméstico, onde recebe noções sobre os contratos de crédito, sobre os riscos e endividamento excessivo e sobre a importância de elaboração de um orçamento familiar para evitar novos casos de endividamento”.

Destaca-se que a Constituição da República Federativa do Brasil tem como fundamentos básicos a construção de uma sociedade livre, justa e solidária e a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação, e garante a igualdade material.

Para tanto, antes de tudo é necessário situar o livre acesso ao Judiciário como uma das mais importantes garantias dos direitos fundamentais. No projeto proposto, entende-se que o consumidor superendividado terá acesso a um mecanismo compatível com a proclamada ordem jurídica justa e efetiva, tendo em vista que o procedimento, potencialmente célere, não depende do recolhimento de custas e da presença de advogado, constitui meio alternativo para a composição de litígio ou para a sua prevenção e, com isso, resguarda os direitos do consumidor, proporcionando-lhe educação e conscientização a respeito.

Luiz Guilherme Marinoni[46] observa que o acesso à ordem jurídica justa consiste em permitir a efetividade da tutela dos direitos, levando em conta as diferenças entre as partes e a específica situação do direito material.

Para Kazuo Watanabe[47], uma ordem jurídica justa envolve

“o direito à informação; o direito à adequação entre a ordem jurídica e a realidade socioeconômica do país; o direito a uma justiça adequadamente organizada e formulada por juízes inseridos na realidade social e comprometidos com o objetivo de realização da justiça; o direito à preordenação dos instrumentos processuais capazes de promover a objetiva tutela dos direitos; o direito à remoção dos obstáculos que se anteponham ao efetivo acesso à justiça”.

Desse modo, o avanço da experiência judicial no tratamento do superendividamento dos consumidores em outros estados da Federação confirma a atuação do Poder Judiciário como agente de transformação através da adoção de mecanismos alternativos que visem à pacificação social.

Trata-se de verdadeira democratização do acesso à Justiça, assim identificada justamente porque a participação do superendividado independe do pagamento de custas judiciais e representação por advogado, como dito anteriormente.

E é nessa acepção que se entende que o Poder Judiciário Catarinense reúne fortes razões para implantar o projeto aqui abordado, demostrando, assim, sua preocupação com o problema do superendividamento do consumidor e proporcionando-lhe, por tal via, alternativas hábeis à reinserção social.

4.2 PROPOSTA DE PROJETO PARA IMPLANTAÇÃO DO TRATAMENTO DO SUPERENDIVIDADO NO ESTADO DE SANTA CATARINA

A implementação de projeto de tratamento do superendividado em Santa Catarina deve se pautar pela fusão de elementos extraídos dos projetos desenvolvidos no Rio Grande do Sul e no Paraná, amoldando-se aos padrões existentes em Santa Catarina, especialmente diante da não implantação da própria Defensoria Pública.

Como no estado existe a Escola da Magistratura do Estado de Santa Catarina – ESMESC, o projeto inicial é contar com a colaboração desses alunos, a exemplo do que ocorre no Paraná.

Inicialmente o projeto seria implantado em Florianópolis, sede da ESMESC, e nas extensões da escola existentes no estado, como em Blumenau, Joinville, Curitibanos e Chapecó.

Sugere-se uma parceria entre o Tribunal de Justiça de Santa Catarina, ESMESC, Procon e universidades públicas ou privadas. Diz-se universidades públicas ou privadas porque muitas das extensões da ESMESC estão situadas dentro de universidades, como ocorre em Blumenau, onde as aulas são ministradas dentro da FURB – Fundação Universidade de Blumenau; em Chapecó na UNOESC – Universidade do Oeste de Santa Catarina e em Curitibanos na UNC – Universidade do Contestado.

Ademais, imagina-se que a sede da ESMESC, em Florianópolis, oferece um ótimo espaço para abrigar o projeto, mas nas demais cidades onde situam-se as extensões, não há como contar com o apoio dos Juizados Especiais, porquanto na maioria deles não há espaço físico e nem computadores disponíveis para a efetividade do projeto.

O escopo do presente projeto é difundir esse tratamento a todas as Comarcas existentes no estado, mas sabidamente isso demanda algum tempo. Também é necessário ter em mente que o projeto deverá contar com o trabalho voluntário de alunos da escola da magistratura, demandando aperfeiçoamento de pessoal e espaço físico para execução. Infelizmente, a realidade nem sempre condiz com esses preceitos, mormente quando se apresenta impregnada pelas dificuldades vinculadas à necessidade de estrutura e de pessoal.

No entanto, uma sugestão para algumas comarcas do estado é a criação de uma van itinerante, como já ocorre no estado do Mato Grosso, podendo atuar em comarcas menores, junto à praça municipal ou junto ao fórum da comarca.

A instauração do procedimento depende da iniciativa voluntária do consumidor, maior de idade e absolutamente capaz, nos termos do artigo 5º do Código Civil, podendo estar ou não assistido por advogado.

O procedimento se inicia com o preenchimento de formulário padrão com as informações prestadas pelo superendividado, com a advertência de que a sua boa-fé será medida de acordo com a veracidade dos dados por ele fornecidos.

A princípio, o formulário estará disponível no sítio do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, sítio da ESMESC e nos Procons e sedes da OAB nas Comarcas de Florianópolis, Blumenau, Joinville, Chapecó e Curitibanos.

Se for preenchido pela internet, o consumidor deverá imprimi-lo e levá-lo até o lugar onde se instalará o projeto de tratamento, seja na ESMESC, Juizados Especiais Cíveis ou universidades.

Será nos mesmos moldes do formulário padrão do Rio Grande do Sul e Paraná, constante do ANEXO A deste trabalho.

Nele há a identificação do consumidor superendividado e alguns dados socioeconômicos: renda média individual e/ou familiar mensal, todas as despesas mensais correntes, o montante total da dívida, número de credores e as respectivas causas das dívidas, informação de inscrição ou não em cadastros de proteção ao crédito e de qual forma tomou conhecimento da oferta do crédito.

Existe também o mapeamento dos credores, sendo informado se há processo judicial pendente, se há desconto em folha de pagamento ou benefício previdenciário, se é dívida vencida ou a vencer, se o endividado tentou renegociação e se recebeu cópia do contrato.

Assim, preenchido o formulário, o consumidor recebe a cartilha do superendividado (ANEXO B) e lhe é disponibilizada a pauta de audiência, sendo que o consumidor já fica intimado da audiência de renegociação, que deverá ocorrer nos 15 (quinze) dias subsequentes.

Também na oportunidade deverá o consumidor ser cientificado que na data aprazada, caso haja necessidade de advogado, será nomeado assistente judiciário para o ato, tendo em vista a falta de defensoria pública no estado.

A título de esclarecimento, apesar de ser obrigatória a criação de Defensoria Pública nos estados brasileiros, conforme determina a Constituição Federal, Santa Catarina é o único estado brasileiro que não a implantou. Existe há algum tempo algumas manifestações em torno da sua instalação, o que ainda é objeto de discussões. No entanto, a Ordem dos Advogados do Brasil – OAB manifestou-se contrariamente, permanecendo vigente o procedimento de nomeação de advogados regularmente inscritos na OAB, seja como assistente judiciário ou defensor dativo, recebendo-se as respectivas URH’s, consoante anexo da Lei Complementar Estadual 155/97, de 15 de abril de 1997.

Pois bem, passo seguinte é remessa de carta-convite padrão (ANEXO C), preferencialmente via eletrônica, para a audiência de renegociação a todos os credores arrolados pelo superendividado. Para tanto, é necessário o fornecimento de endereço eletrônico dos credores, que deverá ser providenciado pelo consumidor.

Conforme já exposto, por meio de tal carta-convite, explica-se ao credor que o consumidor pretende adimplir seu débito, sendo solicitado o comparecimento de preposto, devidamente munido de carta de preposição e autorização para firmar acordos, afora cópia do contrato, planilha atualizada do débito e eventual proposta de acordo.

Por meio da carta-convite o credor é também alertado de que o não comparecimento será entendido como ausência de interesse na composição e caso seu comparecimento não seja possível na data aprazada, mas haja interesse em compor, é solicitado que este credor entre em contato via e-mail, informando o número da carta convite.

Nesse caso, será designada nova data para a audiência, que será novamente informada por e-mail.

Para execução do projeto são necessários uma sala razoavelmente grande - poderão haver muitos credores no mesmo ato - um computador, material gráfico para divulgação do projeto e o aplicativo computacional para armazenamento do banco de dados dos endereços eletrônicos dos credores.

Como dito acima, a infraestrutura é fixa, mas também pode ser itinerante. A exemplo da implementação nos estados do Rio Grande do Sul e Paraná, a intenção é que o projeto não demande nenhuma utilização de orçamento suplementar, utilizando-se os materiais disponíveis no Foro ou nas universidades onde se situam as extensões da ESMESC.

Pois bem, algumas ponderações devem ser feitas acerca da audiência de renegociação. Trata-se de uma audiência conjunta, presidida pelo conciliador aluno da ESMESC, sob a supervisão de magistrado, na qual a mediação é realizada com todos os credores e o superendividado, na mesma oportunidade, a fim de preservar a agilidade do projeto e a garantia da preservação do mínimo existencial ao superendividado.

As partes são esclarecidas sobre o fenômeno social do superendividamento e suas repercussões, sendo instadas a encontrar uma alternativa para que o devedor consiga, dentro de suas possibilidades, honrar suas obrigações.

O cálculo do mínimo vital é questão bastante complexa, não podendo ser reduzida a uma simples fórmula matemática, sendo relevante que o consumidor preserve o mínimo vital, ou seja, consiga por meio do acordo efetuado com os credores, prover o pagamento de suas despesas cotidianas, entendidas como as de energia, água, alimentação, saúde, educação, aluguel, condomínio, e as demais imprescindíveis ao seu bem-estar e de sua família, de modo a preservar a dignidade das pessoas envolvidas, integrantes do seu núcleo familiar.

As dívidas abrangidas podem ser as decorrentes de créditos consignados, contratos de crédito ao consumo em geral, contratos de prestação de serviços essenciais ou não, podendo estar vencidas ou a vencer.

Não há limitação do valor da dívida para ingressar no projeto de tratamento, apenas restam excluídas as dívidas alimentícias, fiscais e créditos habitacionais decorrentes de indenização por ilícitos civis ou penais, por não serem oriundas de relação de consumo, e no caso dos créditos habitacionais, devido à complexidade dos contratos e legislação incidente.

No que diz respeito aos pressupostos subjetivos, são admitidos o consumidor superendividado pessoa física, de boa-fé, com qualquer renda familiar e que não tenha contraído crédito para o exercício de suas atividades profissionais.

São somente admitidos os consumidores identificados como superendividado ativo inconsciente e superendividado passivo, sendo excluído o superendividado ativo consciente, que é aquele indivíduo que agiu com a intenção deliberada de não pagar, tencionando fraudar credores, ou seja, o consumidor de má-fé.

Quanto ao conteúdo, a renegociação poderá consistir no parcelamento das dívidas, concessão de moratória com alteração no vencimento da obrigação, redução dos encargos ou até mesmo perdão parcial ou total da dívida.

Também deverá existir a possibilidade de sessões individuais com cada credor e o superendividado, preferencialmente no mesmo dia e antes da audiência, com o intuito de preservar a agilidade do projeto, consubstanciado também na garantia da preservação do mínimo existencial do superendividado

.A conciliação exitosa na audiência de renegociação poderá ter caráter paraprocessual ou processual.

Paraprocessual é a desencadeada através do preenchimento do formulário padrão pelo consumidor, que voluntariamente procura o Poder Judiciário para solução de seu conflito. Neste caso o procedimento se desenvolve, via de regra, quando o consumidor ainda não tem processos pendentes com seus credores. Em outras palavras, a renegociação das dívidas ocorrerá antes das demandas eventualmente ajuizadas pelos credores, com o fim de recuperar o crédito.

A conciliação processual, de outro lado, só ocorre nos casos em que já existe ação judicial pendente entre o consumidor e seus credores, como ação revisional, ação de cobrança, ação de execução e ação monitória, entre outras.

Enfatiza-se que nesse caso, o juiz da causa em tramitação será cientificado que o consumidor superendividado foi admitido no projeto de tratamento e solicita-se a sobrestamento daqueles autos, até o desfecho do projeto.

Após a audiência de renegociação, será dada ciência sobre os resultados alcançados no projeto, devendo, consequentemente, ser o processo extinto ou suspenso, em caso de composição, ou retomado seu curso, caso inexitoso o acordo.

Se houver acordo exitoso em alguma das duas modalidades, há homologação pelo Juiz de Direito coordenador do projeto, constituindo título executivo judicial.

Ressalte-se de antemão, que as maiores dificuldades que possivelmente serão encontradas para o êxito das tentativas de composição inseridas no projeto consistem na divulgação e conscientização da necessidade da cultura da mediação e suas vantagens, bem como na superação do estigma do devedor quanto à culpa e a vergonha pelo seu endividamento excessivo frente ao contato com todos seus credores.

A ata da audiência de renegociação é redigida em documento único, com a identificação de cada credor, individualmente, assim como o valor da dívida, forma de pagamento e encargos para a hipótese de descumprimento.

Na conciliação processual é registrada na ata a suspensão ou extinção do processo pendente. No que diz respeito à competência para a execução do título executivo resultante do acordo ou quaisquer dúvidas dele advindas, será também consignada a eleição do Foro do domicílio do consumidor como o competente, em respeito às normas de ordem pública e de interesse social destinadas às relações de consumo, de acordo com os arts. 1º e 101, inciso I, ambos do Código de Defesa do Consumidor - CDC.

Além disso, deverão constar em ata alguns efeitos específicos que tiveram inspiração na legislação francesa, como que as dívidas vencerão antecipadamente caso o superendividado preste dolosamente falsas declarações ou produza documentos inexatos com o objetivo de utilizar-se dos benefícios do procedimento de tratamento da situação de superendividamento; dissimule ou desvie a totalidade ou parte de seus bens com objetivo de fraudar credores ou a execução; ou, sem o acordo de seus credores, agrave sua situação de endividamento mediante a obtenção de novos empréstimos ou pratique atos de disposição de seu patrimônio durante o curso do procedimento de tratamento da situação de superendividamento.

Também fica registrada a incidência de cláusula penal.

Por outro lado, se o acordo for inexitoso na conciliação paraprocessual, o superendividado é orientado a procurar a satisfação do seu direito pelas vias ordinárias, na Justiça Comum ou Juizado Especial Cível.

Se cumprido regularmente o acordo, o procedimento será arquivado, porém, se não for cumprido, o credor poderá executar o acordo no Juizado Especial Cível da Comarca, sendo que não mais poderá utilizar-se do projeto.

Apenas como exemplo de termo de audiência, encontra-se no ANEXO D deste trabalho o constante do Caderno de Investigações Científicas do Ministério da Justiça.

Referido Caderno de Investigações ainda traz um formulário pós-audiência, a fim de avaliar a efetividade do projeto e permitir ao consumidor a formulação de sugestões e/ou recomendações de aperfeiçoamento/melhoria (ANEXO E).

Por fim, tendo em vista que o superendividamento indubitavelmente constitui um fenômeno que afeta de modo profundo a vida do consumidor, sugere-se também um acompanhamento psicológico desse indivíduo e, em algumas situações, de toda sua família; afinal, o isolamento, os estados depressivos e as intrigas familiares são reações que ocorrem com assiduidade e facilmente modificam a vida destes sujeitos.


5 CONclusão

Ao longo dessa pesquisa foram encontrados dados extremamente recentes e alarmantes acerca do superendividamento em Santa Catarina.

 Em recente pesquisa feita pela FECOMÉRCIO SC – Federação do Comércio do Estado de Santa Catarina acerca da análise econômica de Endividamento e Inadimplência do Consumidor e do Índice de Consumo das Famílias de Santa Catarina, apurou-se que 86% das famílias estavam endividadas, sendo que 23% delas estavam com dívidas em atraso e 8% declararam que não teriam condições de pagar seus compromissos.

Sabe-se que superendividamento constitui um fenômeno que afeta toda a sociedade: são famílias inteiras que se desestruturam, há o isolamento do indivíduo e em alguns casos tal processo psicológico culmina em quadro de depressão. Os reflexos negativos se projetam ainda mais. Afinal, o consumidor superendividado produz menos em seu trabalho por conta da pressão exercida por ele mesmo, por credores e pela própria família. Não bastasse isso, o indivíduo se torna praticamente um “inválido” perante o mercado de consumo, afetando indubitavelmente sua autoestima.

Como se percebe, são inúmeras as consequências advindas da situação de superendividamento, de ordem física, psicológica, econômica e social, sem contar as diversas ações judiciais que podem ser geradas em face de apenas um indivíduo superendividado.

Preocupado com os efeitos do desencadeamento desta problemática, vários estados vem se mobilizando, por meio do Poder Judiciário local, para buscar alternativas à reversão de tal quadro.

O projeto implantado no Rio Grande do Sul, do qual se colhem maiores dados, revelou que o índice de conciliação nas Comarcas de Charqueadas e de Sapucaia do Sul superou a 60% após um ano de execução do projeto e em Porto Alegre ultrapassou 80%, após apenas quatro meses.

O Poder Judiciário Catarinense pretende ser reconhecido como um Judiciário eficiente, célere e respeitado pela sociedade, tendo apontado como objetivo de sua atuação a “humanização da justiça”. A implantação deste projeto em Santa Catarina virá ao encontro deste objetivo, pois seus resultados contribuem para o fortalecimento da própria noção de cidadania.

É hora de oportunizar ao consumidor superendividado a chance de recomeçar sua vida juntamente com a família, e o projeto em comento, por tudo que já foi exposto, demonstrou constituir via legítima para tanto, equiparando-se à luz no fim do túnel para muitos que nele se encontram desprovidos de esperança.

É procedimento célere, voluntário, não demanda orçamento suplementar nem efetivo, pois contará com o apoio dos alunos da Escola da Magistratura do Estado de Santa Catarina – ESMESC, não havendo óbices para a implantação.

Assim, a implantação do projeto de tratamento do consumidor superendividado é medida que se afigura urgente e necessária, diante da conjuntura econômica e social vivenciada em nosso estado.

Dessa feita, implantado o projeto, acredita-se que, por um lado, concretizar-se-á verdadeiro mecanismo de humanização da justiça e, por outro, permitir-se-á a ressocialização do consumidor superendividado, resgatando-se, assim, sua própria dignidade.


REFERÊNCIAS

ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS DEFENSORES PÚBLICOS – ANADEP. Disponível em: http://www.anadep.org.br/wtk/pagina/materia?id=9352. Acesso em 25/02/2011.

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LIMA, Clarissa Costa de. Empréstimo responsável: os deveres de informação nos contratos de crédito e a proteção do consumidor contra o superendividamento. 2006. 118 f. Dissertação (Mestrado em Direito) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Faculdade de Direito. Programa de Pós-Graduação em Direito, Porto Alegre, 2006.

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WATANABE, Kazuo. Acesso à justiça e sociedade moderna. In. GRINOVER, Ada Pellegrini et. al. Participação e processo. São Paulo: RT, 1988.


 ANEXO A

FORMULÁRIO PADRÃO:

Projeto-piloto “Tratamento das situações de superendividamento do consumidor”

1 Identificação

Nome: __________________________________ CPF:___________________

Endereço residencial: _________________________Telefone:___________

2 Dados Sócio-Econômicos

a) Sexo: ( )M ( )F

b) Idade:______

c) Profissão:______ ( )ativa ( )aposentado ( )desempregado

d) Estado civil: ( )casado ( ) solteiro ( )divorciado ( ) viúvo ( ) convivente ( ) outros

e) Número de dependentes:___

f) Renda média individual mensal: R$__________ Renda média familiar mensal: R$___________

g) Despesas mensais correntes: luz: R$______; aluguel: R$_______; água: R$_______; telefone: R$________; alimentação própria: R$_________; pensão alimentícia: R$________; educação: R$__________; plano de saúde: R$________; medicamentos: R$________; impostos: R$_________; outras (especificar): R$ _________

h) Possui casa própria? ( ) sim ( ) não

i) Montante total da dívida do superendividamento: R$ _________

j) Qual o comprometimento mensal com o pagamento das dívidas? R$___________

k) Número de credores: ________

l) Causas das dívidas: ( )gastou mais do que ganha; ( )desemprego; ( ) divórcio/separação/dissolução de união estável; ( )doença pessoal ou familiar; ( )redução de renda; ( )morte de familiar

m) Está registrado em cadastros de inadimplentes? ( ) sim ( ) não

n) Tomou conhecimento da oferta do crédito por: ( )televisão;( )meio eletrônico; ( )jornal/revista/mala direta; ( )panfletagem; ( ) telefone/telemarketing.

3 Mapa dos Credores

3.1 Credor:_________

a) Valor da dívida: R$ _______ a) Com garantia: ( ) sim ( )não. Qual?_______________

b) Possui processo judicial pendente? ( )sim ( )não

c)Desconto em folha de pagamento/benefício previdenciário? ( )sim, nº de prestações:_____ ( )não

d) A dívida está vencida? ( )sim ( )não

e) Tentou renegociar? ( )sim ( )não Como: ( )próprio credor ( )advogado

( )Juizado Especial Cível

f) Recebeu cópia do contrato? ( )sim ( )não. Se positivo, ( )antes ou ( )depois de assiná-lo.

g) Foi informado sobre: ( )juros mensais ( )juros anuais ( )valor total da dívida ( )conseqüências da falta de pagamento.

h) Quando contratou tinha seus dados registrados em cadastros de inadimplentes? ( )sim

( )não

3.2 Credor:_________

a) Valor da dívida: R$ _______ a) Com garantia: ( ) sim ( )não. Qual?_______________

b) Possui processo judicial pendente? ( )sim ( )não

c) Desconto em folha de pagamento/benefício previdenciário? ( )sim, nº de prestações:_____

( )não

d) A dívida está vencida? ( )sim ( )não

e) Tentou renegociar? ( )sim ( )não Como: ( )próprio credor ( )advogado

( )Juizado Especial Cível

f) Recebeu cópia do contrato? ( )sim ( )não. Se positivo, ( )antes ou ( )depois de assiná-lo.

g) Foi informado sobre: ( )juros mensais ( )juros anuais ( )valor total da dívida

( )conseqüências da falta de pagamento.

h) Quando contratou tinha seus dados registrados em cadastros de inadimplentes?( )sim ( )não

ADVERTÊNCIA: A análise da boa-fé do consumidor será considerada a partir das informações prestadas quando do preenchimento deste formulário.

Data:__________ Assinatura:___________________ANEXO B

CARTILHA DO SUPERENDIVIDADO:

ANEXO C

CARTA-CONVITE:

“CONCILIAR É LEGAL” PROJETO PILOTO DE TRATAMENTO DAS SITUAÇÕES DE SUPERENDIVIDAMENTO DO CONSUMIDOR

Foro da Comarca de ....... Rua/Cep/Cidade/Telefones

Carta Convite nºxxxx/07 (Cidade), xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx

Ao Ilmo. Sr. Representante Legal de

Rua/Av. Cidade - SC

Prezado Senhor,

O magistrado Coordenador do Projeto “Tratamento das Situações de Superendividamento do Consumidor”, no exercício de sua jurisdição, vem

C O N V I D A R

Vossa Senhoria para reunião visando RENEGOCIAÇÃO DE DÍVIDA, a realizar-se no dia xx/xx/2011, às xxh e xxmin, na sala do Projeto na sede do Foro, endereço acima, relativamente à(s) relação(ões) contratual(is) a seguir descrita(s):

Nome do consumidor/contratante: . CPF: . contrato nº: . valor:

Esclarecemos que o consumidor/superendividado admitido a participar do presente projeto é a pessoa física, de boa fé, impossibilitada de quitar suas dívidas vencidas ou a vencer, mas desejosa de saldá-las de alguma forma, abrangendo todos os seus credores.

Solicitamos o comparecimento de preposto, na data supra, com carta de preposição e autorização para firmar acordos, bem como cópia do contrato, planilha atualizada do débito e eventual proposta de composição.

O não comparecimento será entendido como ausência de interesse em compor.

Caso o comparecimento não seja possível na data aprazada, mas haja interesse em compor, solicitamos contatar por e-mail [email protected], fazendo referência ao número da presente carta convite, caso em que será designada nova data, também a ser informada por e-mail.

Confiando em que a solução extrajudicial dos conflitos é a melhor alternativa, tanto para o credor como para o devedor, aguardamos seu comparecimento.

Atenciosamente,

Juiz de Direito

ANEXO D

TERMO DE AUDIÊNCIA – CÍVEL:

Data: 18/06/2007 Hora: 09:00hs

Juiz Presidente: Clarissa Costa de Lima

Processo nº: 0022/2007

Natureza: Cobrança

Autor: Xxxxxxxxxx

Réus: Lojas A, Lojas B, Administradora de Cartão de Crédito, Banco Z, Operadora de saúde, Empresa de telefonia W, Lojas C, Financeira Azul, Banco X, Banco Y e Visa / Ourocard do Banco X.

Oficial Escrevente: Xxxxxxxxxx

Prevenção e Tratamento do Superendividamento

Aberta a audiência, realizado o pregão, compareceu o autor. Presente o Banco Z na pessoa do gerente Sr. Xxxxxxxxx. Presente o Banco X representado pelo Sr. Xxxxxxxxx. Presente a representante da Empresa de Telefonia W na pessoa de sua procuradora Dra. Xxxxxxxxxxxxxxxx. Presente a preposta das Lojas C. Presente a representante da Financeira Azul na pessoa de sua preposta Xxxxxxxxxxxxxxx. Presente o preposto da administradora de crédito o Sr. Xxxxxxxxxxxxxxxxx. Presente a preposta das Lojas A na pessoa da Sra. Xxxxxxxxxxxxxxx. Presentes os representantes do Banco Y na pessoa do preposto Sr. Xxxxxxxxxxxx e do procurador Dr. Xxxxxxxxxxxxxxx. A seguir pela MMa Juíza foi dito que proposto o acordo, restou exitoso nos seguintes termos: a) Banco Z a dívida será paga mediante entrada de R$63,00 com vencimento em 22 de junho e mais 11 parcelas de R$53,00 com vencimento no dia 22/07 e as demais sucessivamente. Os pagamentos serão efetuados diretamente na agência da Xxxxxxx. A requerida compromete-se a excluir o nome do autor do cadastro de inadimplentes em 5 dias úteis após o pagamento da entrada. b) Lojas C o débito será pago em 20 parcelas de R$42,00. A primeira parcela vencerá no dia 25 de agosto e as demais sucessivamente. Os pagamentos serão efetuados diretamente na loja. A requerida compromete-se a excluir o nome do autor do cadastro de inadimplentes em 48 horas após o pagamento da primeira parcela. c) Administradora de Cartão de Crédito o débito de R$ 150,00 será pago no dia 22 de agosto mediante boleto bancário que será enviado diretamente para a residência do autor. A requerida compromete-se a excluir o nome do autor do cadastro de inadimplentes no prazo de 48 horas após o pagamento da primeira parcela. d) Empresa de Telefonia W extornará o débito de R$206,55 no prazo de dez dias referente aos meses de janeiro a março de 2007, terminal telefônico xxxx-xxxx, contrato nº xxxxxxxx. Em contrapartida, o contrato e a linha telefônica serão cancelados a pedido do autor ainda nesta data. No prazo de dez dias a Empresa de Telefonia W compromete-se a excluir o nome do autor do cadastro de inadimplentes. e) Lojas A o débito será pago em 20 parcelas de R$63,00. A primeira parcela vencerá no dia 22 de agosto e as demais sucessivamente. Os pagamentos serão efetuados diretamente na loja. A requerida compromete-se a retirar o nome do autor do cadastro de inadimplentes em 48 horas após o pagamento da primeira parcela. A primeira parcela vencerá no dia. f) Banco X A dívida relativa aos contratos 200xxxx0 (cartão de crédito), contrato 5xxxxx1 (CDC) e contrato xxxxxxxx (CDC) e saldo xxxx (conta corrente) será paga com uma entrada de R$200,00 com vencimento em 22 de julho e 48 parcelas de R$145,00 com vencimento em 22 de agosto e as demais sucessivamente. Os pagamentos serão realizados mediante depósito na conta do autor. A requerida excluirá o nome do autor do cadastro de inadimplentes no prazo de 5 dias úteis após o pagamento da entrada. g) Financeira Azul A dívida referente ao cartão xxx000xxx000xx, será paga em 3 parcelas de R$180,00 com vencimento em 22/09/2007, 22/10/2007 e 22/11/2007. Os pagamentos serão efetuados mediante boleto que será enviado à residência do autor. A requerida compromete-se a excluir o nome do autor do cadastro de inadimplentes no prazo de 5 dias após o pagamento da primeira parcela. h) A dívida vencerá antecipadamente caso o superendividado: 1) Preste dolosamente falsas declarações ou produza documentos inexatos com o objetivo de utilizar-se dos benefícios do procedimento de tratamento da situação de superendividamento; 2) dissimule ou desvie a totalidade ou parte de seus bens com objetivo de fraudar credores ou a execução; 3) sem o acordo de seus credores, agrave sua situação de endividamento mediante a obtenção de novos empréstimos ou pratique atos de disposição de seu patrimônio durante o curso do procedimento de tratamento da situação de superendividamento. Em prosseguimento foi dito que homologava o presente acordo para que surta seus jurídicos e legais efeitos, com base no art. 269, inciso III, do CPC. Em relação ao Banco Y designo audiência para o dia 26/06/2007 às 15:30hs. Presentes e intimados, nada mais.

Clarissa Costa de Lima

Juíza de Direito

ANEXO E

FORMULÁRIO DE AVALIAÇÃO (PÓS AUDIÊNCIA):

Projeto-piloto “Tratamento das situações de superendividamento do consumidor”

Entrevista pós-audiência de conciliação

1 Identificação do entrevistado

Nome:_______________________________________________________________________

Endereço:____________________________________________________________________

Telefone:____________________________________________________________________

2 Dados sócio-econômicos

a)Profissão:__________________________________________________________________

( ) ativa ( ) aposentado ( ) desempregado

b) Estado civil: ( ) casado ( ) solteiro ( ) divorciado ( ) viúvo ( ) convivente

( )outros_____________________________________________________________________

c)Renda média individual mensal: R$__________________________________________________________________________

Renda média familiar mensal: R$__________________________________________________________________________

d) As despesas mensais correntes tiveram alguma alteração após a conciliação? (luz, água, alimentação, educação, etc) ( ) não ( ) sim

Quais?__________________________________________________________________________________________________________________________________________________

e) Foram adquiridas novas dividas após a conciliação:

( ) não ( ) sim

Quais foram as aquisições:___________________________________________________________________

f) Os acordos da conciliação estão sendo cumpridos? ( ) sim ( ) não

Por quê? ____________________________________________________________________

____________________________________________________________________________

g) Quantas prestações foram acordadas na conciliação? Quantas ainda restam?________________________________________________________________________________________________________________________

3 Quanto à participação no projeto de conciliação

a) A participação no projeto alcançou o resultado satisfatório? ( ) sim ( ) não

Por quê? ________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

b) A participação no projeto ajudou a partilhar o problema do endividamento com a família? ( ) sim ( ) não

Por quê? ________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

c) O Sr.(a) acredita que se tivesse negociado diretamente com o credor teria alcançado o mesmo resultado? ( ) sim ( ) não

Por quê? ________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

d) O acolhimento do Serviço Social foi esclarecedor e proporcionou alguma diferença para a sua participação na audiência? ( ) sim ( ) não

Por quê? ________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

e) Como o Sr.(a)avalia a atuação do(a) juiz(a) na audiência? Comente: ________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

f) A imagem que tinhas do Poder Judiciário foi alterada? ( ) sim ( ) não

Comente:________________________________________________________________________________________________________________________________________________

g) Diante da experiência de participar do projeto de conciliação sentir-se-ia estimulado a participar de “oficinas de orçamento doméstico” ou grupos de apoio? ( ) sim ( ) não

Por quê? ________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

h) Quais foram as repercussões da conciliação para o grupo familiar? (Vocês tiveram de reorganizações o orçamento? Como cada membro familiar acolheu o fato de ter de contribuir para saldar a divida?__________________________________________________________________________________________________________________________________________________

i) Como a conciliação foi encarada? (O que a conciliação representa/representou para você?) ________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

j) Terias alguma sugestão ou recomendação para que o projeto possa ser melhorado?______________________________________________________________________________________________________________________________________________

Data:___/___/___Assinatura:_____________________________________________________


Notas

[1] COVELLO, Sérgio Carlos. Notas sobre os contratos bancários. Revista de Direito Civil, Imobiliário, Agrário e Empresarial, v. 12, n. 45, p. 110-123, jul./set. 1988.

[2] KILBORN, Jason J. Comportamentos econômicos, superendividamento; estudo comparativo da insolvência do consumidor: buscando as causas e avaliando soluções. In: MARQUES, Cláudia Lima; CAVALLAZZI, Rosangela Lunardelli (Coord.). Direitos do consumidor endividado: superendividamento e crédito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 67.

[3] Conjunto de regras e métodos que conduzem à descoberta, à invenção e à resolução de problemas

[4] LEITÃO MARQUES, Maria Manuel et al. O endividamento dos consumidores. Coimbra: Almedina, 2000, p. 08.

 

[5] LIMA, Clarissa Costa de. Empréstimo responsável: os deveres de informação nos contratos de crédito e a proteção do consumidor contra o superendividamento. 2006. 118 f. Dissertação (Mestrado em Direito) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Faculdade de Direito. Programa de Pós-Graduação em Direito, Porto Alegre, 2006, p. 26.

 

[6] KILBORN, Jason J. Comportamentos econômicos, superendividamento; estudo comparativo da insolvência do consumidor: buscando as causas e avaliando soluções. In: MARQUES, Cláudia Lima; CAVALLAZZI, Rosangela Lunardelli (Coord.). Direitos do consumidor endividado: superendividamento e crédito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 83.

 

[7] Idem. p. 101.

 

[8] Idem. p. 95.

[9] BATELLO, Silvio Javier. A (in)justiça dos endividados brasileiros: uma análise evolutiva. In: MARQUES, Cláudia Lima; CAVALLAZZI, Rosangela Lunardelli (Coord.). Direitos do consumidor endividado: superendividamento e crédito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 221.

 

[10] Idem. p. 225.

 

 

[11] Idem. p. 226.

 

 [12] SAMPSON, Philip. Posmodernity. Apud Lyon, David. Posmordenidad. 2. Ed. Madrid: Alianza, 2000. P. 116.

[13] LOPES, José Reinaldo de Lima. Crédito ao consumidor e superendividamento: uma problemática geral. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo: Revista dos Tribunais, nº.17, p. 57-64, jan./mar. 1996, p. 58/59.

 

[14] BRASIL. Ministério da Justiça. Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor. Prevenção e tratamento do superendividamento / elaboração de Claudia Lima Marques, Clarissa Costa Lima e Káren Bertoncello. Brasília: DPDC/SDE, 2010, p. 7/8. Disponível em: http://portal.mj.gov.br/dpdc/data/Pages/MJ3DB528D3ITEMIDC24AD231CC6245C09AD6815514E2D603PTBRIE.htm Acesso em 25/02/2011.

[15] MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. 5. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005, p. 1236.

 

[16] LEITÃO MARQUES, Maria Manuel et al. O endividamento dos consumidores. Coimbra: Almedina, 2000, p. 02.

[17] BRASIL. Ministério da Justiça. Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor. Prevenção e tratamento do superendividamento / elaboração de Claudia Lima Marques , Clarissa Costa Lima e Káren Bertoncello. Brasília: DPDC/SDE, 2010, p. 7/8. Disponível em: http://portal.mj.gov.br/dpdc/data/Pages/MJ3DB528D3ITEMIDC24AD231CC6245C09AD6815514E2D603PTBRIE.htm Acesso em 25/02/2011.

[18] MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. 5 ed. São Paulo: RT, 2005, p. 373.

 

[20] BESSA, Leonardo Roscoe. Aplicação do Código de Defesa do Consumidor: análise crítica da relação de consumo. Brasília: Brasília Jurídica, 2007, p. 37.

[21] COSTA, Geraldo de Faria Martins da. Superendividamento: solidariedade e boa-fé. In: MARQUES, Cláudia Lima; CAVALLAZZI, Rosangela Lunardelli (Coord.). Direitos do consumidor endividado: superendividamento e crédito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 239.

 

[22] LIMA, Clarissa Costa de; BERTONCELLO, Karen Rick Danilevicz. Tratamento de crédito ao consumo na América Latina e superendividamento. In: MARQUES, Cláudia Lima; CAVALLAZZI, Rosangela Lunardelli (Coord.). Direitos do consumidor endividado: superendividamento e crédito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 201.

 

[23] COSTA, Geraldo de Faria Martins da. Superendividamento: solidariedade e boa-fé. In: MARQUES, Cláudia Lima; CAVALLAZZI, Rosangela Lunardelli (Coord.). Direitos do consumidor endividado: superendividamento e crédito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 244.

 

[24]G1 RIO DE JANEIRO. Disponível em: http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/2010/11/defensoria-publica-tem-comissao-para-ajudar-superendividados-no-rio.html. Acesso em 25/02/2011.

[25]DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE MINAS GERAIS. Disponível em: http://www.defensoriapublica.mg.gov.br/index.php/noticias/44-dpmg/255-uma-lei-para-os-superendividados.html. Acesso em 25/02/2011.

[26]Idem. Acesso em 25/02/2011.

[27]TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RIO GRANDE DO SUL - TJRS. Adesão ao Projeto Conciliar é legal - CNJ. Disponível em: http://www.superendividamento.org.br/wb/media/minuta.pdf. Acesso em 25/02/2011.

 

[28] INNOVARE. Projeto piloto: Tratamento das situações de superendividamento do consumidor. Disponível em: http://www.premioinnovare.com.br/praticas/projeto-piloto-tratamento-das-situacoes-de-superendividamento-do-consumidor-315/print/. Acesso em 25/02/2011.

[29]TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO PARANÁ - TJPR. Disponível em: http://portal.tjpr.jus.br/web/je/projeto_piloto. Acesso em 25/02/2011.

[30]TEIXEIRA DE FREITAS E DIAS DA SILVA ADVOGADOS ASSOCIADOS. Disponível em: http://teixeiradefreitasadvogados.com.br/blog/?p=444. Acesso em 25/02/2011.

[31]CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA – CNJ. Disponível em: http://www.cnj.jus.br/index.php?option=com_content&view=article&catid=1%3Anotas&id=12342%3Atjsp-faz-convenio-com-o-procon-para-auxiliar-consumidor-superendividado&Itemid=675. Acesso em 25/02/2011.

[32]ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS DEFENSORES PÚBLICOS – ANADEP. Disponível em: http://www.anadep.org.br/wtk/pagina/materia?id=9352. Acesso em 25/02/2011.

[33]BLOG SALA DE AULA. Disponível em: http://dasaladeaula.blogspot.com/2010/11/juizes-conhecem-projeto-curitibano-para.html. Acesso em 25/02/2011.

[34]INSTITUTO BRASILEIRO DE DEFESA DO CONSUMIDOR - IDEC. Disponível em: http://es.consumersinternational.org/media/241218/idec_estudio_credito.pdf. Acesso em 25/02/2011.

[35]FEDERAÇÃO DAS INDÚSTRIAS DO ESTADO DE SANTA CATARINA – FIESC. Disponível em: http://www2.fiescnet.com.br/web/pt/site/pei/produtos/show/id/46. Acesso em 25/02/2011.

[36]FEDERAÇÃO DO COMÉRCIO DE ESTADO DE SANTA CATARINA - FECOMÉRCIO SC. Disponível em: http://fecomercio-sc.com.br/fmanager/fecomercio/pesquisas/arquivo95_1.pdf. Acesso em 25/02/2011.

[37]TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RIO GRANDE DO SUL -TJRS. Adesão ao Projeto Conciliar é legal - CNJ. Disponível em: http://www.superendividamento.org.br/wb/media/minuta.pdf. Acesso em 25/02/2011.

 

[38] BLOG SALA DE AULA. Disponível em: http://dasaladeaula.blogspot.com/2010/11/juizes-conhecem-projeto-curitibano-para.html. Acesso em 25/02/2011.

[39]INNOVARE. Disponível em: http://www.premioinnovare.com.br/praticas/projeto-piloto-tratamento-das-situacoes-de-superendividamento-do-consumidor-315/print/. Acesso em 25/02/2011.

[40]TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SANTA CATARINA - TJSC. Disponível em: http://www.tj.sc.gov.br/institucional/assessorias/asplan/missao_visao.html. Acesso em 25/02/2011.

[41]JURISWAY. Disponível em: http://www.jurisway.org.br/v2/dhall.asp?id_dh=576. Acesso em 25/02/2011.

[42]SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001. p. 60.

[43]MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana: princípio fundamental. Curtitiba: Juruá, 2003. p.71/72.

[44]UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS - UNISINOS. Disponível em: http://www.ihuonline.unisinos.br/index.php?option=com_content&view=article&id=2391&secao=284. Acesso em 25/02/2011.

[45]Idem. Acesso em 25/02/2011.

 

[46] MARINONI, Luiz Guilherme. Novas linhas do processo civil. São Paulo: Malheiros Editores, 2000.

 

[47] WATANABE, Kazuo. Acesso à justiça e sociedade moderna. In. GRINOVER, Ada Pellegrini et. al. Participação e processo. São Paulo: RT, 1988. p. 128/135.

 

 


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WANDERLEY, Juliana Cristina. Delineamentos em torno da perspectiva de implementação do projeto do superendividamento do consumidor em Santa Catarina . Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3165, 1 mar. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21186. Acesso em: 29 mar. 2024.