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Por que punir? Punir pra quê?

Um estudo sobre a finalidade da aplicação da pena e a missão do Direito Penal

Por que punir? Punir pra quê? Um estudo sobre a finalidade da aplicação da pena e a missão do Direito Penal

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Com base em quais pressupostos se justifica que o grupo de homens associados no Estado prive de liberdade alguns dos seus membros ou intervenha de outro modo, conformando a sua vida?

“O principal, o principal é que agora tudo vai ser novo, vou me desdobrar — gritou ele subitamente, voltando mais uma vez à sua melancolia —, tudo, tudo, mas será que eu estou preparado para isso? Será que eu mesmo quero isso? Dizem que é necessário para me pôr à prova! Dizem que é necessário me pôr à prova! Para que, para que essas absurdas provações? Para que servem? Será que então, esmagado pelos tormentos, pela idiotice, na impotência da velhice após vinte anos de trabalhos forçados, irei compreender melhor do que compreendo agora? E então de que me servirá viver? Por que agora eu aceito viver assim? (...)

“Eu sou mau, estou vendo — pensava ele de si para si, ao cabo de um minuto envergonhado pelo seu gesto agastado para Dúnia —. Mas porque elas mesmas me amam tanto se eu não mereço isso! Oh, se eu fosse sozinho e ninguém me amasse, e eu mesmo não amasse ninguém! Nada daquilo teria acontecido! Curioso, será que nesses futuros quinze a vinte anos minha alma vai ficar tão resignada que eu vou choramingar com reverência diante das pessoas, chamando-me a mim mesmo de bandido? Sim, isso mesmo, isso mesmo! É para isso que estão me exilando agora, é disso que eles precisam... Aí estão eles nesse vai-e-vem pelas ruas, mas cada um deles é um patife e um bandido já pela própria natureza; pior ainda, é um idiota! Mas tente alguém me evitar o exílio e todos eles ficarão loucos de nobre indignação! Oh, como eu odeio todos eles!”

Meditou profundamente: “Através de que processo pode acontecer que eu venha finalmente a me resignar diante de todos já sem discutir, me resignar por convicção? Será que vinte anos de jugo continuo não me quebrarão definitivamente? Água mole em pedra dura!... E para que, para que viver depois disso, para que eu estou indo neste momento, quando eu mesmo sei que tudo vai ser exatamente como está nos livros e não de modo diferente?”.[1]

SUMÁRIO: 1) Sobre o conceito de Pena; 2) Introdução às teorias da pena; 3) A pena como garantia do cidadão: a concepção de Luigi Ferrajoli (e do utilitarismo reformado) como concepção válida para estabelecer a finalidade da pena e a missão do Direito Penal; 4) Considerações finais; 5) Bibliografia utilizada.


1.Sobre o Conceito de Pena

A punição daquele que se desvia do padrão social mínimo exigido é uma das características do ser humano, e marca, com sua história, de certa forma, a evolução do pensamento do homem. Desde as penas de banimento do grupo (impostas nos primórdios da civilização, quando éramos nômades), as penas de vingança de sangue (dos primeiros grupamentos sedentários), as penas de torturas (da idade média), até a pena de prisão (restrição de liberdade) e as suas modernas alternativas, o homem tenta encontrar uma forma de solucionar este problema ínsito nas sociedades: o desviado. Saber o que fazer com o delinquente é o grande problema enfrentado por sociedades de todos os tempos.

Qual a finalidade da aplicação da pena no atual sistema jurídico brasileiro?[2] A quem (ou quais interesses) ela serve? Deve a pena significar um castigo em retribuição ao mal causado ou a simples expiação do pecado por meio do sofrimento da pena? Que direito tem o Estado em tentar “corrigir” o cidadão desviado, para impor-lhe um padrão de conduta?[3] É válida a vontade do delinquente em não se deixar “ressocializar”? Estas indagações são apenas algumas das possíveis para suscitar uma reflexão necessária em tempos que tais[4].

A determinação da origem das penas implica em remontarmo-nos ao período do aparecimento do homem sobre a face da terra e a instauração do primeiro sistema de relações[5], pois ela nada mais é do que um mal que sofre o delinquente[6]; “é um desses fatos sociais de validade universal, no tempo e no espaço, do qual nenhum povo prescinde” e se quiser prescindir se dissolve, justificando-se pela sua necessidade, dado que se constitui em um meio imprescindível para a manutenção de uma comunidade social humana[7]. Isso porque o delinquente, como diria Messuti, não sobrevive à sua morte: o que é imortal não é o agente delituoso, mas a comunidade de pessoas que persiste como tal, apesar de que mudam as pessoas que a integram[8].

A pena pode ser trabalhada com a ideia clássica, resumida aqui nas palavras de Bettiol, tocando ao Homem em sua concreta individualidade, determinando nele o sofrimento equivalente ao que a outros inferiu com a ação delitiva, fazendo-o renascer de uma alma já endurecida pelo vício e despertando o sentido da dignidade humana[9]. Por outro lado, numa lente mais moderna, pode-se trabalhar a pena nos lindes propostos por Jakobs, como uma reafirmação da norma descumprida pelo agente perante a sociedade, revalidando-a[10]. De qualquer sorte, devemos sempre ter presente que problemas como o crime não são vistos como problemas sociais a serem resolvidos, mas como fatores de risco (abstrato) a controlar. Se os excluídos não têm valor, que valor pode ter um excluído que, além disso, é delinquente?[11]”

Pelo que brevemente se verificará nesse estudo, nenhuma das propostas sobre a pena esclarece de forma definitiva o real significado da aplicação de uma pena a alguém. Messuti, inclusive, refere que é perante a sociedade que se deveria medir o tempo da pena, pois é em função daquela que esta se quantifica, e não em função do tempo do delinquente[12]. Este é mero agente sofredor do mal. Cada delinquente vive de forma única e imprevisível sua própria pena. Daí que quando se dita a sentença não se sabe com certeza qual castigo se está aplicando, pois as unidades temporais nas quais se fixa a pena sucederão com maior ou menor lentidão, segundo a individualidade do sujeito. E à medida que o sujeito interiorize essa duração, irá configurando sua pena[13].

No seu sentido propriamente jurídico, a pena é a reação[14] que uma comunidade politicamente organizada opõe a um fato que viola uma das normas fundamentais da sua estrutura, o crime, funcionando como reação contra o criminoso[15]. Inclusive, Beccaria já afirmara, em sua época, que “para que cada pena não seja uma violência de um ou de muitos contra um cidadão privado, deve ser essencialmente pública, rápida, necessária, a mínima possível nas circunstâncias dadas, proporcional aos delitos e ditada pelas leis”[16]. Todas as questões relativas ao por que e ao para quê punir estão ligadas, definitivamente, ao problema da legitimação ou fundamentação da pena estatal, e, por conseguinte, do próprio Direito Penal[17]. Inclusive, disse Christie, que a punição pode ser vista “como um reflexo da nossa compreensão e dos nossos valores e é assim regulada pelas normas que as pessoas aplicam diariamente ao avaliar o que é possível e o que não é possível fazer aos outros. Estas normas se veem na prática, não apenas em pesquisas de opinião. Mais do que uma ferramenta para a engenharia social, o nível e o tipo de punição espelham normas que reinam na sociedade. Assim, a questão para cada um de nós é: estaria de acordo com o meu conjunto geral de valores viver num Estado que me representa desta forma particular?”[18]. Pode-se, nesse sentido, afirmar que a pena é um mal causado a uma pessoa, em um procedimento público-geral, levado a cabo pelo Estado, atendendo a formalidades preestabelecidas, porquanto tenha ela produzido lesão à regra jurídica, e essa lesão lhe tem de ser imputada, como reprovação de seu ato[19]. Significa dizer que hoje a pena é, em sua essência, retribuição e intimidação. Tanto assim que a pena é proporcional ao mal praticado. Crime mais grave, sanção maior. A grande função da pena é aquela de natureza intimidatória, devendo funcionar como um espantalho, afugentando e desencorajando o homem à prática do crime[20].


2. Introdução às Teorias das Penas

Historicamente, a pena sempre se fez presente, na vida do Homem em sociedade[21]. O Direito Penal como mecanismo de controle social primário e formalizado que associa ao delito (objeto a ser controlado e prevenido) a imposição de uma pena (instrumento com o qual se controla ou se previne o delito), se legitima por sua necessidade e porque resulta preferível frente a outros mecanismos de controle social[22]. Apenas no Renascimento é que se conheceu a humanização dos castigos, as considerações racionais e humanitárias que exigem a proporcionalidade entre o delito e a pena, o reconhecimento do princípio da legalidade, e com base em um juízo racional, junto ao imperativo da proporcionalidade, uma finalidade utilitária da pena[23]. Nesse passo, na obra de Beccaria, conflui toda a filosofia política do Iluminismo europeu e, especialmente, o francês. A consequência resultante para a história da ciência penal é a formulação efetiva dos pressupostos para uma teoria jurídica do delito e da pena e do processo, no quadro de uma concepção liberal do estado de direito, baseada no princípio utilitarista da maior felicidade para o maior número, e sobre as ideias do contrato social e da divisão dos poderes[24]. Nesse sentido, afirma Stratenwerth, ser apenas no Iluminismo a busca por uma finalidade da pena, o que trouxe congenitamente uma antinomia: a precisão das diferentes consequências às quais são submetidos os apenados[25]. Assim, é a partir do Iluminismo que inicia o pensar sobre a determinação do conteúdo e da justificativa (finalidade, portanto) da pena.

As chamadas teorias da pena são pontos de vista, que tentam explicar racionalmente — e legitimar ou justificar — a existência do Direito Penal[26]. Este, por sua vez, permite, a alguns cidadãos (instituídos como Juízes ou em Tribunais), que, em nome da sociedade, causem aos seus semelhantes (que são considerados delinquentes) o dano ou o mal que supõe (em todo caso, e por muito que se suavize sua execução) o sofrimento de uma pena[27]. Não se trata, portanto, de um problema teórico, sobre o sentido desta ou daquela manifestação da vida, mas de um tema de enorme atualidade prática: com base em quais pressupostos se justifica que o grupo de homens associados no Estado prive de liberdade alguns dos seus membros ou intervenha de outro modo, conformando a sua vida?[28] Se reduzirmos a ilimitada literatura filosófica e jurídica às suas posições fundamentais, veremos que até hoje não se propuseram mais que três soluções à questão do por que e do para que se pune[29].

A primeira destas soluções agrupa-se sob o manto das teorias absolutas da pena (também chamadas teorias da retribuição[30]), que devem seu nome ao fato de considerar ter a pena ao alcance os fins ou valores absolutos, tais como a “realização da Justiça” ou o “império do Direito”[31]. Se a pena é imposta por imperativo da ordem pública, pune-se para restaurar a ordem; se busca a expiação, é para a cura espiritual do infrator, que não deve voltar a pecar[32]. Para essas teorias, só é legítima a pena justa, ainda que não seja útil, assim como uma pena útil, embora injusta, carecerá, igualmente, de legitimidade[33]. Ainda, deve-se entender que, ao ser uma exigência de valores absolutos, a pena que corresponda ao delito cometido tem que ser executada sempre e em sua totalidade: a sua não execução, ou sua execução somente parcial, é inimaginável no contexto teórico das teorias absolutas da pena, porquanto frustraria as exigências irrenunciáveis da Justiça ou do Direito[34].

As teorias relativas da pena, por sua vez, (também chamadas “teorias da prevenção”) devem seu nome por considerar que a pena se legitima ao ter uma finalidade relativa, cambiante e circunstancial, como o é o fim útil da prevenção (evitação do delito): a pena é necessária para evitar a comissão de novos delitos. Dita finalidade pode ser perseguida pela pena já que a mesma é apta para cumprir funções de prevenção geral e de prevenção especial, descartando a participação do princípio da culpabilidade[35]. Aqui, a pena, é retribuição. E retribuição é uma reação, uma resposta a algo que já aconteceu; por isso, o fundamento real da pena (=culpabilidade) repousa no passado, ainda que seu fundamento final (=aquilo que com ela se tenta alcançar e se consegue) se encontre referido no futuro[36]. Os fins da pena são: o efeito intimidatório (prevenção geral “negativa”[37]), a correção (prevenção especial “positiva”[38]), assim como fazer o autor inofensivo (prevenção especial “negativa”[39])[40].

As chamadas soluções mistas ou ecléticas são consideradas como dominantes no cenário atual, por demonstrarem que cada uma das propostas anteriores individualmente consideradas não podia convencer nem justificar a intervenção penal sem os postulados oferecidos por uma das outras. Sempre houve “teorias da união”[41], e primordialmente elas pretendem dar satisfação, ao mesmo tempo, às exigências da justiça e às exigências da prevenção, a partir de, basicamente, duas versões diferentes, a teoria da união aditiva, que se caracteriza por dar prioridade às exigências da justiça, sobre as da prevenção; e, a teoria da união dialética, que, pelo contrário, dá prioridade às exigências da prevenção sobre as da justiça[42].

Para fechar essa introdução às teorias da pena não podemos deixar de lado a lição de Zaffaroni, no sentido de que: “nunca houve um sistema penal histórico que atuasse de acordo com os postulados racionalistas de Kant ou de Feuerbach, de Carmignani ou de Carrara; todos, em uma linha de tradição humanista, projetaram argumentos úteis na prática imediata para conter e limitar o exercício arbitrário de poder dos sistemas penais. No entanto, jamais poderão ser modelados sistemas penais de acordo com estas ideias, como não pode ocorrer naquela época, quando a nova divisão internacional do trabalho — gerada pena revolução industrial — levou as classes hegemônicas européias a uma cruel competição pela hegemonia européia e mundial, provocando nova etapa genocida em nossa região marginal, na região africana e, inclusive, na própria Europa”[43].

No Brasil, encontram-se previsões legais para aplicação da pena, às vezes com intuito de retribuição (§ 5.º do artigo 121 do Código Penal), outras preocupadas com a ressocialização do delinquente e o desejo de proteger a sociedade do cometimento de outros delitos por parte do mesmo apenado (artigo 2.º da Lei de Execuções Penais), e, ainda, anseios de prevenção, ressocialização e retribuição (artigo 59 do Código Penal e 1.º da Lei de Execuções Penais). Contudo, já esclarecera Boschi: “o conjunto da legislação penal (salvo raras exceções) traduz uma política criminal anti-garantista, na medida em que, por meio dela, se maximiza o Estado Penal, e enfraquecem-se as liberdades do cidadão, revelando a profunda intolerância oficial, que o vê, assim, como o grande inimigo, e não como a grande vítima de um sistema político desigual, privilegiador e injusto”[44]. Deve-se referir, por fim, que a finalidade da aplicação de pena perdeu-se na poeira do tempo, não havendo, hoje, um critério definitivo ou extreme de dúvidas para justificar a aplicação de uma pena a um ser humano.


3. A pena como garantia do cidadão. A concepção de Luigi Ferrajoli (e do utilitarismo reformado) como concepção válida para estabelecer a finalidade da pena e a missão do Direito Penal

Historicamente, o direito penal nasce não como desenvolvimento, mas como negação da vingança, e se justifica não com o fim de garanti-la, mas de impedi-la, tanto que se pode dizer que a história do direito penal e da pena corresponde à história de uma longa luta contra a vingança[45]. Assim, a prevenção geral é a razão de ser das proibições penais, que estão dirigidas a tutelar os direitos fundamentais dos cidadãos contra as agressões por parte de outros associados. Significa, ainda, que o direito penal assume como finalidade uma dupla função preventiva: a prevenção geral de delitos e a prevenção geral das penas arbitrárias ou desproporcionadas. A primeira função marca o limite mínimo e a segunda o limite máximo das penas. Uma reflete o interesse da maioria não desviada; a outra, o interesse do réu e de todo aquele de quem se suspeita e é acusado como tal. A segunda finalidade, via de regra esquecida, é a mais significativa e em maior medida merece ser destacada; primeiro, porque o direito penal é a via correta para alcançar este propósito; segundo, porque as garantias do acusado sempre estão à margem do pensamento do legislador (preocupado com a defesa e segurança social); e, terceiro, porque apenas ela é necessária e suficiente para fundamentar um modelo de direito penal mínimo e garantista[46].

Nesse sentido é de reconhecer-se que às exigências da prevenção (geral ou especial) devem assinalar-se limites externos a sua própria lógica para evitar o emprego abusivo da pena por parte do Estado. Um destes limites é o princípio da culpabilidade que, em sua moderna formulação (separado do livre arbítrio do indivíduo e da teoria da retribuição) impede que alguém possa ser castigado com uma pena excedente àquela adequada a gravidade de sua responsabilidade pelo fato (culpabilidade). Nesse contexto, impor-se ao autor de delito, baseado em sua periculosidade, uma pena que exceda o grau de sua responsabilidade pelo fato não seria legítimo, assim como aumentar indefinidamente a gravidade das penas para potencializar seu efeito intimidante. Assim, já referiu Zugaldía Espinar que “la aceptación de este límite a la pena estatal hace preferible frente a las demás a la teoría dialéctica de la unión que, en el fondo, como vimos, no es sino una teoría relativa de la pena aunque caracterizada por admitir como límite (máximo) de la pena (en la fase de su individualización judicial) la culpabilidad del autor. Téngase en cuenta — como se dijo — que esta construcción no impide que la pena que por debajo de la adecuada a la gravedad de la culpabilidad del autor por el hecho. La dificultad que entraña la determinación del límite de la pena adecuada a la culpabilidad del autor, no debe conducir a excluir el límite mismo del catálogo de los límites al poder punitivo del Estado: a) En primer lugar, porque siempre es posible encontrar criterios racionales y controlables en orden a determinar en qué medida (mayor o menor) una persona puede ser responsabilizada de sus actos; b) En segundo término, porque “todo lo que signifique limitar y controlar el poder punitivo del Estado debe ser bien acogido”. La legitimidad del recurso a la pena para la prevención de los hechos socialmente dañosos (delitos) en el marco indicado está condicionada, de todos modos, al respeto — entre otros — del principio de “mínima intervención” con las máximas garantías. Ambos extremos integrarían el programa de un Derecho Penal garantista que podría expresarse con la fórmula: “mínima intervención, máximas garantías”[47].

Assim, afirma Ferrajoli, que o fim do direito penal é a proteção do mais fraco, na luta contra o mais forte: do fraco ofendido ou ameaçado pelo delito, assim como do fraco ofendido ou ameaçado pela vingança; contra o mais forte, que no delito é o delinquente e na vingança é a parte ofendida ou os sujeitos públicos ou privados solidários a ele. A proibição e a ameaça penal protegem as possíveis partes ofendidas contra os delitos, enquanto o juízo e a imposição da pena protegem, paradoxalmente, os réus contra as vinganças ou outras reações mais severas. Sob todos os aspectos, a lei penal se justifica como a lei do mais fraco, orientada à tutela de seus direitos contra a violência arbitrária do mais forte[48]. A política criminal do direito penal clássico é tida como ultrapassada, e as discussões que hoje são travadas no âmbito da criminalidade moderna, que hostiliza a pena privativa de liberdade para crimes não violentos, busca sua substituição por penas reparatórias, restritivas de direitos, etc., tudo como parte de uma nova política social descarcerizadora[49].

As duas finalidades preventivas (de delitos e de penas arbitrárias) estão conectadas sobre essa base: legitimam conjuntamente a necessidade política do direito penal como instrumento de tutela dos direitos fundamentais, definindo estes normativamente os âmbitos e limites de sua atuação. Para Ferrajoli, apenas concebido deste modo o fim do direito penal é que será possível obter uma adequada doutrina de justificação e ao mesmo tempo uma teoria garantista dos vínculos e limites do poder punitivo do estado[50]. O direito penal e o seu exercício pelo Estado fundamentam-se na necessidade estatal de subtrair à disponibilidade de cada pessoa o mínimo dos seus direitos, liberdades e garantias indispensáveis ao funcionamento da sociedade, à preservação dos seus bens jurídicos essenciais; e a permitir por aqui, finalmente, a realização mais livre possível da personalidade de cada um enquanto pessoa e enquanto membro da comunidade[51]. Por fim, o modelo de justificação desenhado, ao orientar o direito penal até o fim único de prevenção geral negativa (das penas e dos delitos), exclui a confusão do direito penal com a moral que caracteriza as doutrinas retribucionistas e as da prevenção positiva, e, consequentemente, exclui sua autolegitimação moralista, naturalista ou sistemicamente autorreferente. Maximizando, desta forma, o bem estar possível dos não desviados e minimizando o mal estar necessário dos desviados, dentro do fim geral da máxima tutela dos direitos individuais, da limitação da arbitrariedade e da minimalização da violência na sociedade[52].

A pena apresenta-se como instrumento político e negação da vingança, como limite ao poder punitivo, como o mal menor em relação às possibilidades vindicativas que se produziriam na sua inexistência[53]; e, particularmente, deve ser reconhecida por seu caráter aflitivo e coercitivo, como um mal, desincumbida de finalidades filantrópicas do tipo reeducativo ou ressocializador. Mesmo sendo um mal, a pena é justificável apenas nos casos em que se reduz a um mal menor (se comparada à vingança ou as outras reações sociais), e nos quais o condenado obtém dela o benefício de ver-se não atingível por castigos informais, imprevisíveis, incontrolados e desproporcionados[54]. Assim, pune-se o agente porque praticou um delito e para que não lhe seja aplicada pena maior do que a estabelecida em lei. Apena-se o indivíduo para garantir-lhe um mal (necessário) menor do que os possíveis maus a que estaria ele sujeito não fosse a existência da pena e ao mesmo tempo para que a sociedade sinta-se segura com a aplicação do direito ao infrator.


4.Considerações finais

Dentre as propostas esposadas nesse ensaio, destaca-se a corrente funcionalista, delineada por Ferrajoli, no sentido de apontar uma dupla função preventiva ao direito penal: a prevenção geral de delitos e a prevenção geral das penas arbitrárias ou desproporcionadas, sustentando ser a finalidade da pena (mal infligido ao infrator) a preservação de seus direitos fundamentais, isto é, garantia de seus direitos fundamentais de cidadão que é. Assim, se por um lado é aceitável a necessidade da pena aflitiva como meio de controle social, por outro, os limites da intervenção penal devem ser fixados em patamares que não autorizem ou ensejem o sacrifício de liberdades individuais em razão de uma discutível “vontade geral” e de medidas de bem-estar social impostas por classes hegemônicas em determinada época[55]. É talvez esse aspecto que a citação da passagem de Dostoiévski procura sugerir: de quê servirá a violação de direitos fundamentais de um cidadão para a coletividade? Mudará o Homem sua natureza (ou instinto, ou maneira de viver) sob o jugo de uma pena de restrição de sua liberdade? Sob o jugo de uma pena que na realidade lhe restringe o tempo restante de vida? A falta de previsibilidade do futuro, refere Messuti, se origina na transitoriedade própria do ser humano, que por natureza só existe entre seu nascimento e sua morte, para onde caminha inexoravelmente[56]. A pena, quando aplicada ao sujeito, se “temporaliza” no tempo de vida do sujeito. Isto é, seu transcurso seguirá o fluir do tempo natural no qual transcorre a vida biológica do sujeito: seguirá seu gradual envelhecimento, e poderá, inclusive, ser interrompida por sua morte. Neste caso, o tempo objetivo impedirá o cumprimento do termo que o direito lhe havia fixado[57].

Neste último caso, ou se admite que o sistema efetivamente falhou (qualquer que seja a finalidade da pena) e que merece, portanto, ser reformado (mantendo como paradigma o princípio da dignidade humana), ou deixemos de ser hipócritas quanto ao real significado do cárcere, e admitamos que ele funciona como um depósito de pessoas indesejadas por uma dada sociedade, funcionando como uma “lixeira” social, onde se atira toda espécie de dejeto humano[58].

Por fim, se nos afigura que a concepção da prevenção geral positiva limitadora, embora utópica, é mais completa na resposta que se pretendia pesquisar. Pune-se por que se deve retribuir o mal causado pelo infrator, e para que esta pena sirva de garantia contra arbitrariedades ou desproporcionalidades relativas à punição que este infrator possa sofrer. Ante as concepções, que esse breve estudo ostenta, a pena como garantia ganha sentido e conteúdo, merecendo regulamentação e aplicação por meio do incremento do rol das penas alternativas, que aproximam o indivíduo apenado, no curso do cumprimento de sua pena, da sociedade, que o apenou, independentemente do fato de ser ele membro efetivo dessa corporação ou não[59]; isso quando não for o caso, como propôs Ney Fayet, de utilizar-se a sentença penal como instrumento de descriminalização de comportamento não mais considerados com desvalor capaz de ensejar a pena[60]. Inclusive porque a ideia de que o direito penal deve funcionar como garantia é tão antiga quanto os postulados da Escola Clássica[61].


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ZUGALDÍA ESPINAR, José Miguel. Fundamentos de derecho penal. 3.ed. Valencia: Tirant Lo Blanch, 1993.


Notas

[1]       DOSTOIÉVSKI, Fiodor. Crime e castigo. Traduzido por Paulo Bezerra. São Paulo: Editora 34, 2001, pp. 527-8.

[2]       Se, como já referiu Fayet, reconhecidamente há mais de trinta anos, “a pena privativa de liberdade está em crise”. (FAYET, Ney. A crise da pena e a descriminalização. In: AJURIS, n.º 11, Ano IV, novembro, Porto Alegre, 1977, p. 25.

[3]       Ver nesse sentido, a lição de Salo de Carvalho sobre o “direito de resistência” os presos em face ao atual sistema penitenciário nacional: CARVALHO, Salo de. Pena e garantias: uma leitura do Garantismo de Luigi Ferrajoli no Brasil. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2001.

[4]       “Para que serve, finalmente, a prisão no século XXI? Seria fácil perceber, se tal questão fosse colocada, que, na verdade, ninguém sabe mais por que se trancafia as pessoas. Invoca-se ritualmente a filosofia terapêutica e continua-se a acreditar e fazer acreditar que a prisão tem por missão ‘reformar’e ‘reinserir’ seus internos… ” (WACQUANT, Löic. Punir os pobres: a nova gestão da miséria nos Estados Unidos. Rio de Janeiro: Instituo Carioca de Criminologia: Freitas Bastos, 2001, p. 143).

[5]       BOSCHI, José Antonio Paganella. Das penas e seus critérios de aplicação. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000, p. 87.

[6]       LISZT, Franz von. Tratado de derecho penal. T.III. Traduzido por Jimenez de Asua. 4.ed. Madrid: Reus, 1999, p. 199.

[7]          BRUNO, Aníbal. Direito Penal. São Paulo: Forense, 1967, p. 27. No mesmo sentido, ensinam ZAFFARONI & PIERANGELI que “A pena é a manifestação da coerção penal, se falamos de “coerção penal — deixando de lado sua verdadeira natureza jurídica —, abarcamos neste conceito as medidas de internaçao de incapazes psíquicos. A coerção penal se distingue do resto da coerção jurídca porque — como dissemos — procura evitar novos delitos com a prevenção especial ou reparação extraordinária” (ZAFFARONI, Eugenio Raúl & PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 101). No mesmo sentido, Muñoz Conde explica que: “El derecho penal existe porque existe um tipo de sociedade que lo necesita para mantener lãs condiciones fundamentales de su sistema de convivencia. Sin él, es decir, sin la sanción del comportamiento social desviado (delito), la convivência humana em uma sociedad tan compleja y altamente tecnificada como la sociedad moderna sería imposible. La pena es uma condición indispensable para el funcionamiento de los sistemas sociales de convivência o, como dice el Proyecto Alternativo alemán de 1966 redactado por um grupo de penalistas, ‘uma amarga necesidad em uma sociedad de seres imperfectos como son los hombres’” (MUÑOZ CONDE, Francisco. Derecho penal y control social. 2.ed. Bogotá: Temis, 1999, p. 119).

[8]       MESSUTI, Ana. O tempo como pena. Traduzido por Tadeu Antonio Dix Silva e Maria Clara Veronesi de Toledo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 41.

[9]       BETTIOL, Giuseppe. El problema penal. Buenos Aires: Hammurabi, 1995, pp. 176-7.

[10]     Na concepção de Jakobs, o Direito Penal obtém sua legitimação material de sua necessidade para garantir a vigência das expectativas normativas essenciais (aquelas de que depende a própria configuração ou identidade da sociedade) diante das condutas que expressam uma regra de comportamento incompatível com a norma correspondente e colocam nesta, portanto, uma questão como modelo geral de orientação no contato social (RAMOS, Enrique Peñaranda; GONZÁLEZ, Carlos Suárez; MELIÁ, Manuel Câncio. Um Novo Sistema do Direito Penal: Considerações sobre a Teoria de Günter Jakobs. Organizado e traduzido por André Luís Callegari e Nereu José Giacomolli. Barueri: Manole, 2003, p. 1). Entende este autor que a função da pena é garantir a estabilização e a padronização das perspectivas sociais, ou seja, garantir ao meio social que na norma está vigente, fortalecendo a fidelidade e a consciência de dever obediência ao comando normativo (JAKOBS, Günther. Derecho penal. Parte general: fundamentos y teoría de la imputación. Traduzido por Joaquín Cuello Contreras e Jose Luis Serrano Gonzales de Murillo. 2.ed. Madrid: Marcial Pons, 1997, p. 9). A pena deve restabelecer, confirmar, reavivar na sociedade a confiança na ordem normativa. Não há qualquer referência a limites ou a bens jurídicos, mas simplesmente à norma, à estabilização das expectativas. É que a pena nunca recompôs um bem jurídico lesionado, e sempre é vinculada a eventuais futuras lesões a bens (ne peccetur) (JAKOBS, Günther. ¿Qué protege el derecho penal: bienes jurídicos o la vigencia de la norma? In: Eduardo MONTEALEGRE-LYNETT (Coord.). El funcionalismo en derecho penal: libro en homenaje al Profesor Günther Jakobs. Bogotá: Universidad Externado de Colombia, 2003, p. 53). No mesmo sentido: HASSEMER, Winfried. Prevención general y aplicación de la pena. In: NAUCKE, Wolfgang; HASSEMER, Winfried; LÜDERSSEN, Klaus. Principales problemas de la prevención general. (1979) Traduzido por Gustavo Eduardo Aboso e Tea Löw. Montevideo: B. de F., 2004, p. 52; MONTEALEGRE-LYNETT, Eduardo. Estudio introductório a la obra de Günther Jakobs. In: Eduardo MONTEALEGRE-LYNETT (Coord.). El funcionalismo en derecho penal: libro en homenaje al Profesor Günther Jakobs. Bogotá: Universidad Externado de Colombia, 2003; JAKOBS, Günther. Derecho penal. Parte general: fundamentos y teoría de la imputación. Traduzido por Joaquín Cuello Contreras e Jose Luis Serrano Gonzales de Murillo. 2.ed. Madrid: Marcial Pons, 1997, p. 18; JAKOBS, Günther. Teoria da pena e suicídio e homicídio a pedido. Traduzido por Maurício Antonio Ribeiro Lopes. Barueri, São Paulo: Manole, 2003, p. 26. Para finalizar, Jakobs sustenta que a violação de uma norma não tem significado para o Direito Penal por suas conseqüências, dado que estas já se produziram. Às vezes, inclusive, nem é necessário que estas se produzam para que uma violação normativa tenha lugar, como, por exemplo, nos crimes de perigo, onde o resultado não é relevante para a consumação do crime, e consequentemente para a violação da norma. Ao sujeito que atua de modo contrário à norma, mediante conduta evitável, se lhe imputa a formulação de uma regra de comportamento, incompatível com aquela, que a desautoriza como modelo geral de orientação no contato social. A violação da norma consiste, pois, nessa contradição ao que ela estabelece, e na desautorização que a mesma implica. A pena como resposta à violação da norma, situa-se no mesmo contexto de significado que esta, e simboliza, por sua vez, a contradição dessa violação o ou, dito em termos positivos, que a norma infringida continua sendo, apesar de sua violação, a regra de comportamento em que se pode continuar confiando (RAMOS, Enrique Peñaranda; GONZÁLEZ, Carlos Suárez; MELIÁ, Manuel Câncio. Um Novo Sistema do Direito Penal: Considerações sobre a Teoria de Günter Jakobs. Organizado e traduzido por André Luís Callegari e Nereu José Giacomolli. Barueri: Manole, 2003, pp. 7-9).

[11]     ELBERT, Carlos Alberto. ¿Hay un futuro para la criminología? In FAYET JÚNIOR, Ney (Org.). Ensaios penais em homenagem ao Professor Alberto Rufino Rodrigues de Sousa. Porto Alegre: Ricardo Lenz Editor, 2003, p. 191.

[12]     MESSUTI, Ana. O tempo como pena. Traduzido por Tadeu Antonio Dix Silva e Maria Clara Veronesi de Toledo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 41.

[13]     MESSUTI, Ana. O tempo como pena. Traduzido por Tadeu Antonio Dix Silva e Maria Clara Veronesi de Toledo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 50.

[14]     A esse propósito, já referiu Carnelutti: “El fin de la pena no es ni puede ser, por consiguiente, sino la reacción contra el delito. Es esta una fórmula genérica, que se puede traducir en muchas otras: la formula de la retribución, la fórmula de la expiación, hasta la fórmula de la vindicta (cuya raíz, vis, denota una fuerza opuesta a la fuerza); cada una de ellas responde a la idea del desorden remediado o del orden restablecido mediante la oposición del mal al mal, por la que los dos males se anulan, resolviéndose en un bien.” (CARNELUTTI, Francesco. El Delito. Traduzido por Santiago Sentis Melendo. Buenos Aires: Ediciones Jurídicas Europa-América, 1952, pp. 17-8).

[15]     “O delicto é uma transgressao das limitações impostas pela sociedade ao indivíduo na lucta pela existência. Fere directa ou indirectamente o alheio direito á vida, cujas condições são estabelecidas pela ethica social e tendem a fixar-se em formulas jurídicas, variadas segundo as circunstancias de tempo, modo e lugar” (INGENIEROS, José. Criminologia. Traduzido por Haeckel de Lemos. 2.ed. Rio de Janeiro: Livraria Jacyntho, 1934, p. 25).

[16]     BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. Traduzido por Lucia Guidicini e Alessandro Berti Contessa. São Paulo: Martins Fontes, 1991, p. 146. Vale a pena citar aqui, ainda, uma passagem desta mesma obra, referente à prisão: “À medida que as penas forem eliminadas dos cárceres, quando, enfim, a compaixão e a humanidade penetrarem as portas de ferro e prevalecerem sobre os ministros da justiça inexoráveis e empedernidos, as leis poderão contentar-se com indícios cada vez mais fracos para a prisão. Um homem acusado de um delito, encarcerado e depois absolvido, não deveria trazer consigo nenhuma nota de infâmia. Quantos romanos acusados de delitos gravíssimos, depois reconhecidos como inocentes, foram reverenciados pelo povo e honrados com magistraturas! Mas por que razão é tão diferente, nos nossos dias, a sorte de um inocente? Porque no sistema criminal presente, segundo a opinião dos homens, parece prevalecer a idéia da força e da prepotência sobre a idéia da justiça; porque se atiram indistintamente à mesma masmorra os acusados e os convictos; porque a prisão é mais um lugar de suplício que de custódia do réu e porque a força interna tutora das leis é separada da força externa defensora do trono e da nação,  quando deveriam estar unidas.” (BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. Traduzido por Lucia Guidicini e Alessandro Berti Contessa. São Paulo: Martins Fontes, 1991, p. 109).

[17]     ZUGALDÍA ESPINAR, José Miguel. Fundamentos de derecho penal. 3.ed. Valencia: Tirant Lo Blanch, 1993, p. 59.

[18]     CHRISTIE, Nils. A indústria do controle do crime. Traduzido por Luis Leiria. Rio de Janeiro: Forense, 1998, pp. 199-200.

[19]     LESCH, Heiko H.. La función de la pena. Traduzido por Javier Sánchez-Vera Gómez-Trelles. Colección de Estúdios n.º 17. Bogotá: Centro de Investigaciones de Derecho Penal y Filosofia del Derecho de la Universidad Externado de Colômbia, 2000, p. 16.

[20]     COSTA JÚNIOR, Paulo José da. Funções da pena e imputabilidade. In: In FAYET JÚNIOR, Ney (Org.). Ensaios penais em homenagem ao Professor Alberto Rufino Rodrigues de Sousa. Porto Alegre: Ricardo Lenz Editor, 2003, p. 633.

[21]     “Se, depois do naufrágio, Robinson Crusoé se pusesse a pensar em um modelo de direito penal para viger em sua ilha deserta, de nada valeria seu esforço mental, pois a definição de condutas criminosas e a cominação de sanções só ganham sentido e importância quando situadas num contexto de relações humanas, o que só acontece, em relação ao personagem acima, depois da chegada de seu novo amigo, Sexta-Feira” (BOSCHI, José Antonio Paganella. Das penas e seus critérios de aplicação. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000, p. 87).

[22]     ZUGALDÍA ESPINAR, José Miguel. Fundamentos de derecho penal. 3.ed. Valencia: Tirant Lo Blanch, 1993, pp. 60-1. Continua o autor: “Así las cosas, es lógico pensar que la pena estatal debe legitimarse del mismo modo que el sistema de control social del que es instrumento y que la utiliza, esto es, por su necesidad para prevenir conductas desviadas especialmente graves (delitos) y por ser preferible frente a otros mecanismos de control (dadas las garantías de que va rodeado su funcionamiento). Sin embargo, no siempre se ha pensado así y, en la actualidad, se sigue discutiendo acerca del sentido de la pena estatal.” (Idem. Idem, pp. 60-1).

[23]     “Parece-me impossível que o costume de torturar privadamente no cárcere para obter a verdade possa ainda se sustentar por muito tempo, depois de se demonstrar que muitos e muitos inocentes foram condenados à morte pela tortura, que ela constitui em suplício de extrema crueldade, por vezes infligido da maneira mais atroz, que sua brutalidade depende apenas do capricho do juiz, sem testemunhas; que a tortura não é um meio para obter a verdade nem assim a consideram as leis e sequer os próprios doutores, que ela é intrinsecamente injusta, que as nações conhecidas da Antiguidade não a praticaram, que os mais veneráveis escritores sempre a abominaram, que foi ilegalmente introduzida nos séculos da barbárie de outrora, e que finalmente, hoje em dia, várias nações a aboliram e continuam a aboli-la, sem qualquer inconveniente”(VERRI, Pietro. Observações sobre a tortura. Traduzido por Federico Carotti. São Paulo: Martins Fontes, 1992, pp. 116-7). “O valor e a importância da obra de Beccaria não está, de fato, em ter demonstrado a maior verdade de um conceito filosófico particular sobre o delito ou sobre a pena: não está em ter comprovado que a concepção utilitária deve substituir todas as outras, e que se deve substituir todas as outras, e que se deve abandonar, por exemplo, o critério de expiação dos culpados, mantendo, em troca, o da defesa social e o da prevenção e repressão.”... “Em suma, a obra de Beccaria está impregnada de uma nova consciência jurídica mais do que um rigoroso princípio explicativo da lógica da não violência (CAMPA, Ricardo. Prefácio. In BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. Traduzido por Lucia Guidicini e Alessandro Berti Contessa. São Paulo: Martins Fontes, 1991, p. 18) “César Beccaria, nos dias de arbítrio, disse ao homem: conhece a justiça; César Lombroso, na época em que se está aferrado as formulas clássicas do Direito Penal, disse à justiça: conhece o homem” (nota 54 [da tradutora] in FERRI, Enrico. Os criminosos na arte e na literatura. Traduzido por Dagma Zimmermann. Porto Alegre: Ricardo Lenz Editor, 2001, p. 152).

[24]     BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do direito penal: introdução à sociologia do direito penal. 2.ed. Rio de Janeiro: Instituto Carioca de Criminologia: Freitas Bastos, 1999, p. 33.

[25]     STRATENWERTH, Günter. ¿Qué aporta la teoría de los fines de la pena? Traduzido do original alemão por Marcelo A. Sancinetti. Cuadernos de Conferencias y Artículos nº 8. Bogotá: Centro de Investigaciones de Derecho Penal y Filosofía del Derecho de la Universidad Externado de Colombia, 1996, p. 9.

[26]     É de se referir, nesse talante, que hoje é quase um lugar comum, entre os estudiosos do tema, dizer-se que a finalidade das penas no direito penal econômico é diferente da que envolve ou dá sentido ao direito penal comum. “O que é o mesmo que dizer: mais do que discutir a finalidade ou as finalidades precípuas das penas, tendo em vista o direito penal comum, o que ali se quer salientar é o próprio sentido proposital da diferença que se defende, assumindo-o de maneira positiva. A esta luz, as penas, no campo do direito penal econômico, vivem debaixo da sigla dos três sh: sharp, short, shoch. Ora, basta a enunciação de que neste campo as penas deve ser “acutilantes”, “curtas” e “chocantes” para, de imediato, se perceber como se está longe de qualquer fim que classicamente (prevenção geral positiva, prevenção geral negativa, prevenção especial; ressocialização, retribuição; neo-retribuição) se possa atribuir às penas” (COSTA, José de Faria. Direito penal econômico. Coimbra: Quarteto, 2003, pp. 91-2).

[27]     ZUGALDÍA ESPINAR, José Miguel. Fundamentos de derecho penal. 3.ed. Valencia: Tirant Lo Blanch, 1993, pp. 59-60. Nesse sentido: STRATENWERTH, Günter. ¿Qué aporta la teoría de los fines de la pena? Traduzido do original alemão por Marcelo A. Sancinetti. Cuadernos de Conferencias y Artículos nº 8. Bogotá: Centro de Investigaciones de Derecho Penal y Filosofía del Derecho de la Universidad Externado de Colombia, 1996, pp. 12-3.

[28]     ROXIN, Claus. Problemas fundamentais de direito penal. 3.ed. Traduzido por Ana Paula dos Santos e Luís Natscheradetz. Lisboa: Vega, 1998, p. 15.

[29]     ROXIN, Claus. Problemas fundamentais de direito penal. 3.ed. Traduzido por Ana Paula dos Santos e Luís Natscheradetz. Lisboa: Vega, 1998, p. 16.

[30]     Essas teorias da retribuição surgem no seio da chamada Escola Clássica do direito penal, que marca a transição do pensamento medieval para a Idade da Razão. “A idéia de interesse público, desconhecida no regime feudal e ignorada pelo direito canônico, voltado para a idéia de confissão pela dor, forneceu inspiração para que a Escola Clássica, com Beccaria, Locke, Rousseau e Montesquieu, passando, depois, por John Howard, Jeremias Bentham e outros pudesse desenvolver a primeira teoria justificadora da pena: a da retribuição” ... “Com a pena, os clássicos olhavam para o passado e só indiretamente para o futuro, pois apostavam que o com o castigo exemplificador não seriam cometidos outros crimes pelo acusado ou pelos outros membros da comunidade a que pertenciam” (BOSCHI, José Antonio Paganella. Das penas e seus critérios de aplicação. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000, p. 103).

[31]     ZUGALDÍA ESPINAR, José Miguel. Fundamentos de derecho penal. 3.ed. Valencia: Tirant Lo Blanch, 1993, p. 67.

[32]     JUNQUEIRA, Gustavo Octaviano Diniz. Finalidades da Pena. Barueri: Manole, 2004, p. 29.

[33]     QUEIROZ, Paulo de Souza. Funções do Direito Penal. Legitimação versus Deslegitimação do Sistema Penal. Belo Horizonte: Del Rey, 2001, p. 19.

[34]     ZUGALDÍA ESPINAR, José Miguel. Fundamentos de derecho penal. 3.ed. Valencia: Tirant Lo Blanch, 1993, p. 68. São teorias absolutas as teorias da expiação e da retribuição. Vejamos uma a uma as teorias absolutas da pena, que possuem suas grandes vertentes. Na prmeiro delas, a pena, como expiação, é a reconciliação do delinqüente consigo mesmo, com o ordenamento atingido, com a comunidade e, sobretudo, com a divindade. Percebe-se logo que apenas com o livre arrependimento do agente é que a pena alcançaria seu fim. E é nesse ponto que a teoria é insustentável: a transformação se daria na disposição psíquica da pessoa, o que é impossível à ingerência estatal, apesar de a gravidade dos métodos utilizados. Com a imensa influência da Igreja, é possível sentir reflexos dessa concepção até nos dias atuais, tanto que a pena por excelência é exatamente a espécie criada com a função de permitir o arrependimento: a pena privativa de liberdade. Duas são as fortes críticas a esse modelo, residindo a primeira quanto à dependência da vontade do apenado, pois a expiação, devendo acontecer no recôndito profundo da pessoa autônoma, dependerá tão-somente da disposição psíquica desta, que não pode ser obrigada pelo Estado mediante uma pena; e, frente a um autor que não mostre minimamente um sentimento de culpa, falharia a função primordial da pena. Já a segunda crítica, cinge-se a não-redenção pela expiação da culpa, no sentido de que a sociedade atual não reconhece o caráter exculpatório à expiação do delinqüente apenado, inclusive porque ao encarcerá-lo, se lhe fecham as portas de acesso à sociedade, ao invés de abri-las. O egresso do sistema carcerário, para a atual sociedade não é uma pessoa redimida. Entretanto, o trânsito do Estado absoluto ao Estado liberal, por conseqüência movimento Iluminista, modificou as concepções de Estado, indivíduo e sociedade e a pena passou a ser considerada como retribuição pela perturbação da ordem jurídica adotada pelos homens e consagrada nas leis. Portanto, para esta segunda vertente, a pena não serve, pois, para nada, contendo um fim, em si mesma. Tem de existir pena para que a justiça impere. A teoria da retribuição possui duas vertentes: a teoria da retribuição moral e a teoria da retribuição jurídica. A teoria da retribuição moral, expressada por Kant, considera que a pena se fundamenta no princípio de culpabilidade (entendido em seu sentido tradicional e clássico), isto é, a liberdade de vontade ou o livre arbítrio. Desta forma, a pena justifica-se a si mesma, como um imperativo categórico [o imperativo categórico afirma a autonomia da vontade como único princípio de todas as leis morais e essa autonomia consiste na independência em relação a toda a matéria da lei e na determinação do livre-arbítrio mediante a simples forma legislativa universal de que uma máxima deve ser capaz], sendo moralmente correto castigar a quem praticou um delito, provocando uma ofensa que deve ser respondida obrigatoriamente por via da imposição da pena, que para ser justa tem sua medida na lex talionis, a única que pode indicar a quantidade e qualidade do castigo. O malfeitor deve ser julgado digno de punição antes que se tenha pensado em extrair de sua pena alguma utilidade para ele ou para seus concidadãos. Repudia-se, portanto, a instrumentalização do homem, em favor de razões de utilidade social. Para a teoria da retribuição jurídica, a pena representa o restabelecimento da ordem jurídica perturbada. Hegel parte da premissa de que toda “coação” ou “violência” é idealmente injusta, pois que atenta contra a existência real da liberdade. “O direito abstrato”, disse, “é o direito de coação, pois o ato injusto é uma violência contra a existência da minha liberdade numa coisa exterior. Manter essa existência contra violência como ação exterior é uma violência que suprime a primeira”. A pena é, pois, a restauração lógica e positiva do direito. O crime é aniquilado, negado, expiado pelo sofrimento da pena que, desse modo, restabelece o direito lesado. “O mesmo que ele fez, deve suceder a ele; é a sua vontade, sua lei”, outorgando à pena um limite como expressão de justiça. Daí que a pena não pode desvincular-se quanto ao seu conteúdo nem acima nem abaixo da magnitude da culpabilidade. A pena, em Hegel, apresenta-se como condição lógica inerente à existência do próprio direito, que não pode permanecer sendo direito, senão pela negação da vontade particular do delinqüente, representada pelo delito, pela vontade geral (da sociedade) representada pela lei. A estas teorias absolutas se objeta, em primeiro lugar, que seus pontos de partida (o princípio da culpabilidade em seu sentido tradicional e livre arbítrio) são cientificamente indemonstráveis. Ao depois, critica-se a abstração total do problema da necessidade da pena, isto é, de até que ponto é necessário que o Estado recorra à pena para retribuir a culpabilidade do ator de um delito: que em termos metafísicos (idéia de liberdade e de justiça) deva ser assim, não equivale a demonstrar que necessariamente tenha que ser assim. Na verdade, as teorias da retribuição pressupõem já a necessidade de pena, que é o primeiro que deveriam fundamentar. Mas deve-se advertir, que as críticas apresentadas às teorias retribucionistas não merecem crédito, dado que não criticam a teoria em seu tempo, mas sim, a partir da leitura moderna que pretensamente se faz dela, tentando enquadrá-la em nosso padrão de sociedade. Fica por resolver a questão decisiva de saber sob que pressupostos a culpa humana autoriza o Estado a castigar. O período acima foi elaborado com a utilização das seguintes obras, como referência: BUSATO, Paulo César; HUAPAYA, Sandro Montes. Introdução ao Direito Penal: fundamentos para um sistema penal democrático. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003, pp. 206-11; CHAUÍ, Marilena. Vida e Obra. In: KANT, Immanuel. Crítica da razão pura. Traduzido por Valério Rohden e Udo Baldur Moosburger. São Paulo: Nova Cultural, 1999, p. 15; CUELLO CONTRERAS, Joaquín. El Derecho penal español. Parte general. 3. ed. Madrid: Dykinson, 2002, p. 85; DIAS, Jorge de Figueiredo. Questões fundamentais do direito penal revisitadas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, pp. 93-4; HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. Filosofia do direito. In: MORRIS, Clarence (org.) Os grandes Filósofos do Direito: leituras escolhidas em direito. Traduzido por Reinaldo Guarany. São Paulo: Martins Fontes, 2002, pp. 307-8; JUNQUEIRA, Gustavo Octaviano Diniz. Finalidades da Pena. Barueri: Manole, 2004, pp. 38-9; KANT, Immanuel. A filosofia do Direito. In: MORRIS, Clarence (org.) Os grandes Filósofos do Direito: leituras escolhidas em direito. Traduzido por Reinaldo Guarany. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p. 256; KANT, Immanuel. Doutrina do direito. 3.ed. Traduzido por Edson Bini. São Paulo: Ícone, 1993, p. 177; LESCH, Heiko H.. La función de la pena. Traduzido do original alemão por Javier Sánchez-Vera Gómez-Trelles. Colección de Estúdios n.º 17. Bogotá: Centro de Investigaciones de Derecho Penal y Filosofia del Derecho de la Universidad Externado de Colômbia, 2000, pp. 18-36; REALE JÚNIOR, Miguel. Instituições de Direito Penal. 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[35]     ZUGALDÍA ESPINAR, José Miguel. Fundamentos de derecho penal. 3.ed. Valencia: Tirant Lo Blanch, 1993, p. 71. E continua o citado autor, à mesma página: “conviene precisar con carácter previo que cuando desde el punto de vista de las teorías relativas de la pena se habla de “prevención” o “evitación” del delito no se está haciendo referencia en ningún momento a la pretensión ilusoria de erradicar el delito de la vida social y sí sólo, a lo sumo, a la de mantener los índices de delincuencia dentro de límites tolerables. Una sociedad sin delincuencia es inimaginable ya que en toda sociedad libre (no mecánica) y plural (no uniforme) son inevitables los conflictos sociales y los fenómenos de “desviación” como simples expresiones de la diversidad. Es más, para que en una sociedad dejaran de cometerse delitos sería necesario que los sentimientos que éstos ofenden se encontrasen arraigados en todas la conciencias individuales, sin excepción, y con el grado de fuerza necesario para contener los sentimientos contrarios: claro que entonces, el delito no desaparecería, cambiaría sólo de forma, pues la misma causa que impediría las fuentes del a diversidad haría surgir inmediatamente otras nuevas modalidades de delitos”. No mesmo sentido: QUEIROZ, Paulo de Souza. Funções do Direito Penal. Legitimação versus Deslegitimação do Sistema Penal. Belo Horizonte: Del Rey, 2001, p. 36.

[36]     LESCH, Heiko H.. La función de la pena. Traduzido do original alemão por Javier Sánchez-Vera Gómez-Trelles. Colección de Estúdios n.º 17. Bogotá: Centro de Investigaciones de Derecho Penal y Filosofia del Derecho de la Universidad Externado de Colômbia, 2000, pp. 38-9.

[37]     As modernas teorias da prevenção geral negativa surgiram em meados dos anos setenta com grande força e complemento do princípio de exclusiva proteção de bens jurídicos, entendendo, estas teorias, que, da mesma forma que o Direito Penal havia de proteger de forma eficaz bens jurídicos necessários para a convivência (não valorados conforme uma determinada concepção ética), a pena devia cumprir uma função puramente social, isto é, verdadeiramente, serviria para evitar que se realizassem comportamentos lesivos aos bens jurídicos, o que, a partir de então, afastou a concepção de pena surgida da idéia de castigo ou expiação (CUELLO CONTRERAS, Joaquín. El Derecho Penal Español. Parte General. 3. ed. Madrid: Dykinson, 2002, p. 93). Os fundamentos dogmáticos desta concepção foram propostos por Feuerbach, através de sua teoria da “coação psicológica” e no que tange a pena, este autor segue, aparentemente, a Kant: o fundamento da pena reside no delito — punitur, quia peccatum est —, posto que, do contrário, o indivíduo seria confundido com um objeto, do direito das coisas. A vinculação do mal ao delito deve ser sustentada pela ameaça da lei. A lei é geral e necessária: rege a todos os cidadãos, ameaça com pena a todo aquele seja punível, e estabelece essa pena precisamente porque existe uma lei como conseqüência jurídica necessária do delito. Quem realiza essa ação, tem que sofrer a pena. O que propõe Feuerbach é provocar com a pena uma sensação de desagrado na psique coletiva que impeça a comissão de delitos, por isso, afirma que “el mal conminado por una ley del Estado e infligido en virtud de esa ley es la pena civil (poena forenses). La razón general de la necesidad y de la existencia de la misma — tanto en la ley como en su ejercicio — es la necesidad de preservar la libertad recíproca de todos mediante la cancelación del impulso sensual dirigido a las lesiones jurídicas” (FEUERBACH, Paul. Johann Anselm Ritter von. Tratado de derecho penal. Traduzido por Eugenio Raúl Zaffaroni e Irma Hagemeier. Buenos Aires: Hammurabi, 1989, p. 61). Nesse senido, LESCH, Heiko H.. La función de la pena. Traduzido por Javier Sánchez-Vera Gómez-Trelles. Colección de Estúdios n.º 17. Bogotá: Centro de Investigaciones de Derecho Penal y Filosofia del Derecho de la Universidad Externado de Colômbia, 2000, pp. 41-2; ZUGALDÍA ESPINAR, José Miguel. Fundamentos de derecho penal. 3.ed. Valencia: Tirant Lo Blanch, 1993, p. 72.

[38]     É a também chamada teoria da prevenção-integração, capitaneada por Welzel. Também nessa teoria da prevenção geral positiva se trata de uma prevenção prospectiva do delito, de futuro, por meio de um efeito de aprendizagem motivado de forma pedagógico-social, uma aprendizagem transmitida e adquirida não mais por meio do medo, mas por meio de uma tomada de consciência. Função da pena é, pois, o reforço da consciência coletiva, dos valores éticos da convicção jurídica, ou, o que é o mesmo, o exercício no reconhecimento da norma. Se é verdade que a pena tem como fim melhorar aquele que impõe, em que se apóia a motivação, a aprendizagem, senão no efeito de intimidação do exemplo que a custa do delinqüente se estatui para outros? Uma primeira resposta seria a de cunho psicanalítico, segundo a qual aquele que delinqüe transforma no fato os desejos próprios e escondidos, os desejos infantis do resto dos membros da sociedade. Isso conduz a que estes, inconscientemente, em virtude de um contágio emocional, se identifiquem com o delinqüente e tratem depois de imitar-lhe. Assim, para impedir este perigo de infecção a sociedade tem que estatuir um exemplo frente ao delinqüente, por meio da causação do mal da pena: a pena serve, pois, para que se acalmem e esqueçam as energias criminais que se haviam despertado por meio do fato. Em todo caso, parece paradoxo, e até arbitrário, que se responsabilizem pessoas concretas pelas carências de socialização de toda a sociedade e que se lhes impunha uma pena com o fim de reprimir os impulsos criminais de outros (LESCH, Heiko H.. La función de la pena. Traduzido por Javier Sánchez-Vera Gómez-Trelles. Colección de Estúdios n.º 17. Bogotá: Centro de Investigaciones de Derecho Penal y Filosofia del Derecho de la Universidad Externado de Colômbia, 2000, pp. 48-50). No mesmo sentido, CUELLO CONTRERAS, Joaquín. El Derecho Penal Español. Parte general. 3. ed. Madrid: Dykinson, 2002, pp. 97-8; WELZEL, Hans. Direito penal. Traduzido por Afonso Celso Rezende. Campinas(SP): Romana, 2003, p. 32, pp. 327-333; PIERANGELI, José Henrique. A coerção penal e os fins da pena. In: José Henrique Pierangeli (Coord.). Direito criminal. Vol. 5. Belo Horizonte: Del Rey, 2004, pp. 159-60. Para esta teoria da prevenção geral positiva, portanto, o Direito penal não persegue uma finalidade de justiça em si mesma, senão que uma finalidade prática com meios justos. Por isso, quase todos seus defensores admitem, ainda que a pena sirva de escárnio e evitação de delitos futuros, deve encontrar um limite na culpabilidade do autor, não podendo ir mais além da prevenção do delito (CUELLO CONTRERAS, Joaquín. El Derecho Penal Español. Parte general. 3. ed. Madrid: Dykinson, 2002, pp. 91-2). Assim já ensinara Welzel: “As teorias preventivas gerais vêem o efeito principal, e com isso a finalidade da pena, na influência, na formação e reafirmação do juízo moral; se trata de um efeito da retribuição justa e somente da retribuição justa”. O interesse próprio das teorias preventivas gerais se dirige mais para a intimidação, mediante a execução exemplar das penas e por intermédio de graves ameaças de pena, ambos aspectos dosados em sua gravidade não de acordo com a culpabilidade, mas de acordo com a intensidade do impulso do fato. (WELZEL, Hans. Direito penal. Traduzido por Afonso Celso Rezende. Campinas(SP): Romana, 2003, pp. 332-333).

[39]     A prevenção especial tem como meta, ao invés de retribuir os fatos passados, afastar o autor de futuros delitos, assentando a justificação da pena na prevenção de novos delitos do autor. A pena funcionaria, portanto, como uma coação, voltando-se contra a vontade [expressada no delito] do delinqüente, uma vez que ela danifica ou elimina os bens jurídicos que esta vontade corporificou. Assim entendida [como coação], a pena pode ter uma dupla natureza: a) coação indireta, mediata, psicológica ou de motivação. Significando que a pena proporcionaria ao delinqüente os motivos que lhe faltam e que são adequados contra o delito, e lhe incrementariam e intensificariam a motivação que já possua, surgindo como uma forma de adaptar artificialmente o delinqüente a sociedade ou sob a correção (isto é: o estabelecimento de motivações altruístas e sociais), ou mediante intimidação (isto é: mediante o estabelecimento e incremento de motivações egoístas, mas que tenham um efeito na mesma direção que os altruístas). b) coação direta, imediata, mecânica ou violenta. A pena é a retirada do delinqüente, perpétua ou temporariamente, da possibilidade física de cometer novos crimes, por meio da exclusão da sociedade ou internamento, mostrando-se a pena como uma seleção artificial dos indivíduos que não são aptos socialmente. Aqui, como diria Liszt, se trata da inoculação do delinqüente (LISZT, Franz von. Tratado de derecho penal. T II. Traduzido por Jimenez de Asúa. 4.ed. Madrid: Reus, 1999, pp. 9-10). Sobre o tema ver: LESCH, Heiko H.. La función de la pena. Traduzido por Javier Sánchez-Vera Gómez-Trelles. Colección de Estúdios n.º 17. Bogotá: Centro de Investigaciones de Derecho Penal y Filosofia del Derecho de la Universidad Externado de Colômbia, 2000, p.53, pp. 56-8; ROXIN, Claus. Problemas fundamentais de direito penal. 3.ed. Traduzido por Ana Paula dos Santos e Luís Natscheradetz. Lisboa: Vega, 1998, pp. 20-2; ZUGALDÍA ESPINAR, José Miguel. Fundamentos de derecho penal. 3.ed. Valencia: Tirant Lo Blanch, 1993, pp. 73-5; GARCIA, Basileu. Instituições de direito penal. Vol. I. T. I. São Paulo: Max Limonad, [s.d.], p. 72;. Por fim, a teoria da prevenção especial não é idônea para fundamentar o direito penal, porque não pode delimitar os seus pressupostos e conseqüências. Também, porque não explica a punibilidade de crimes sem perigo de repetição e porque a idéia de adaptação social coativa, mediante pena, não se legitima por si própria, necessitando de uma legitimação jurídica que se baseia noutro tipo de considerações (ROXIN, Claus. Problemas fundamentais de direito penal. 3.ed. Traduzido por Ana Paula dos Santos e Luís Natscheradetz. Lisboa: Vega, 1998, p. 22). É visível a contradição que supõe, efetivamente, um sistema penal que gira fundamentalmente em torno da pena privativa de liberdade, tentar fazer da privação da liberdade (mecanismo basicamente dessocializador) um instrumento para lograr a ressocialização do autor (ZUGALDÍA ESPINAR, José Miguel. Fundamentos de derecho penal. 3.ed. Valencia: Tirant Lo Blanch, 1993, pp. 75-6).

[40]     LESCH, Heiko H.. La función de la pena. Traduzido do original alemão por Javier Sánchez-Vera Gómez-Trelles. Colección de Estúdios n.º 17. Bogotá: Centro de Investigaciones de Derecho Penal y Filosofia del Derecho de la Universidad Externado de Colômbia, 2000, p. 38.

[41]     LESCH, Heiko H.. La función de la pena. Traduzido por Javier Sánchez-Vera Gómez-Trelles. Colección de Estúdios n.º 17. Bogotá: Centro de Investigaciones de Derecho Penal y Filosofia del Derecho de la Universidad Externado de Colômbia, 2000, pp. 66-7. Essas teorias, ainda que com diversos matizes, procuram articular as idéias de culpabilidade e de prevenção para lograr uma pena que resulte, a um mesmo tempo, justa e útil. As teorias da união incidem fundamentalmente de forma prática no importante tema dos critérios que devem levar em conta os juízes e tribunais para individualizar a pena, isto é, para determinar (dentro do marco legal) a pena concreta que deve ser imposta ao autor de um delito.

[42]     A primeira destas teorias é a teoria da união aditiva, que parte de considerar que, no marco da pena legalmente estabelecida, o juiz há de buscar, em primeiro lugar, um novo marco: o da pena justa (isto é, o marco da pena adequada à gravidade da culpabilidade do autor, ou marco da pena adequada à gravidade do mau uso da liberdade por parte do autor). Dentro desse marco (o da pena justa), em segundo lugar, o juiz poderá mover-se livremente atendendo às exigências da prevenção e eleger a pena útil para esse autor concreto. O princípio da culpabilidade, se afirma, seria assim, uma função de garantia como fundamento da pena, já que única pena lícita será aquela que resulta adequada à gravidade da culpabilidade do autor. Tal construção, ainda que lógica, feriria a segurança jurídica necessária para o estabelecimento (e controle) da aplicação das penas. Já a teoria unificadora dialética, defendida por Roxin, pretende evitar os exageros unilaterais e dirigir os diversos fins da pena para vias socialmente construtivas, conseguindo do equilíbrio de todos os princípios, mediante restrições recíprocas. Esta teoria se apresenta com a pretensão de unir os aspectos acertados das diferentes teorias da pena numa concepção superadora e de suprimir as debilidades mediante um sistema de complementação e limitação. Em que pese fundir numa só teoria as tendências mais diversas, a análise das funções do Direito Penal deve ter em consideração três momentos distintos que não se repelem, antes, se integram e se completam; cada um reclamando, porém, uma justificação particular, a saber: a ameaça (cominação), a imposição (aplicação) e a execução da pena. As teorias da união não podem considerar-se como um ponto concluído da evolução das doutrinas legitimadoras da intervenção penal, já que aparecem e infravaloram a significação do Direito penal como instituição garantista. Ainda, destaca-se a impossibilidade, no âmbito das teorias da união, de pretender conciliar postulados eminentemente opostos, como a retribuição, de evidente caráter prejudicial ao condenado, e a ressocialização, que o beneficia. Para encerrar, deve-se ter em mente as três etapas dos fins da pena: a cominação legal abstrata, que é a pena contemplada na lei e que opera na forma da prevenção geral; a realização da justiça na mediação judicial da pena, na qual a pena opera “para a proteção subsidiária e preventiva geral e individual dos bens jurídicos e demais prestações estatais, mediante prevenção geral e especial, que salvaguarda a personalidade no quadro traçado pela medida da culpa individual” (ROXIN, Claus. Problemas fundamentais de direito penal. 3.ed. Traduzido por Ana Paula dos Santos e Luís Natscheradetz. Lisboa: Vega, 1998, p. 43). A chamada teoria da união dialética está muito aquém de suas pretensões, justamente por não ter um critério determinado dentre as diferentes finalidades da pena, o que torna impossível uma concepção unitária da pena como meio de satisfação social. A primeira objeção, portanto, é no sentido de a teoria da união viver da suposição sobre as legitimações e os fins da pena poderem combinar-se — ao menos em linha gerais — mediante adição. Se for possível a harmonia, a teoria da união perde relevo, já que não identifica o elemento criador de harmonia, inclusive, nem se quer o busca. A insuficiência no ponto de partida desta teoria remete, em segundo lugar, ao erro de base dessa aproximação: se o delinqüente expulsa a si mesmo da sociedade, os limites desta dependem da conduta do infrator da norma, de modo que nem sequer cabe descrever um conflito social específico, com o que também resta cega a possibilidade de uma reação no plano do entendimento normativo recíproco. É que soma desordenada das diversas finalidades da pena, que entre si não resultam compatíveis e por isso colidem, não somente não oferecem a dissolução das contradições sustentadas, mas, ainda, não é adequada para eliminar as insuficiências das distintas teorias. [O período acima foi elaborado com a utilização das seguintes obras, como referência: JAKOBS, Günther. Teoria da pena e suicídio e homicídio a pedido. Traduzido por Maurício Antonio Ribeiro Lopes. Barueri, São Paulo: Manole, 2003, pp. 4-13; LESCH, Heiko H.. La función de la pena. Traduzido por Javier Sánchez-Vera Gómez-Trelles. Colección de Estúdios n.º 17. Bogotá: Centro de Investigaciones de Derecho Penal y Filosofia del Derecho de la Universidad Externado de Colômbia, 2000, pp. 66-8; ROXIN, Claus. Problemas fundamentais de direito penal. 3.ed. Traduzido por Ana Paula dos Santos e Luís Natscheradetz. Lisboa: Vega, 1998, p. 26 e p. 44; ZUGALDÍA ESPINAR, José Miguel. Fundamentos de derecho penal. 3.ed. Valencia: Tirant Lo Blanch, 1993, pp. 81-3].

[43]     ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Em busca das penas perdidas: a perda da legitimidade do sistema penal. 2.ed. Traduzido por Vânia Romano Pedrosa e Amir Lopez da Conceição. Rio de Janeiro: REvan, 1996, p. 150.

[44]     BOSCHI, José Antonio Paganella. Das penas e seus critérios de aplicação. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000, pp. 129-30.

[45]     FERRAJOLI, Luigi. Derecho y razón. Teoría del garantismo penal. 3.ed. Traduzido por Perfecto Andrés Ibáñez et alli. Madrid: Trotta, 1998, p. 333.

[46]     FERRAJOLI, Luigi. Derecho y razón. Teoría del garantismo penal. 3.ed. Traduzido por Perfecto Andrés Ibáñez et alli. Madrid: Trotta, 1998, p. 334.

[47]     ZUGALDÍA ESPINAR, José Miguel. Fundamentos de Derecho Penal. 3. ed. Valencia: Tirant Lo Blanch, 1993, pp. 94-5.

[48]     FERRAJOLI, Luigi. Derecho y razón. Teoría del garantismo penal. 3.ed. Traduzido por Perfecto Andrés Ibáñez et alli. Madrid: Trotta, 1998, p. 335.

[49]     CIPRIANI, Mário Luís Lírio. Das Penas: suas teorias e funções no moderno direito penal. Canoas: ULBRA, 2005, p. 115.

[50]     FERRAJOLI, Luigi. Derecho y razón. Teoría del garantismo penal. 3.ed. Traduzido por Perfecto Andrés Ibáñez et alli. Madrid: Trotta, 1998, pp. 335-6.

[51]     DIAS, Jorge de Figueiredo. Questões fundamentais do direito penal revisitadas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 129.

[52]     FERRAJOLI, Luigi. Derecho y razón. Teoría del garantismo penal. 3.ed. Traduzido por Perfecto Andrés Ibáñez et alli. Madrid: Trotta, 1998, p. 336.

[53]     CARVALHO, Salo de. Pena e garantias: uma leitura do Garantismo de Luigi Ferrajoli no Brasil. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2001, p. 164.

[54]     FERRAJOLI, Luigi. Derecho y razón. Teoría del garantismo penal. 3.ed. Traduzido por Perfecto Andrés Ibáñez et alli. Madrid: Trotta, 1998, p. 337. No mesmo sentido, dentre outros, SICA, Leonardo. Direito penal de emergência e alternativas à prisão. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 36.

[55]     SICA, Leonardo. Direito penal de emergência e alternativas à prisão. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 37. Um destes limites, às claras é o princípio da culpaibilidade, e um direito penal cada vez mais racional e controlado, “no puede gustar a quienes están aconstumbrados a utilizar el poder del Estado em su particular benefício y em la proteción de sus intereses. El derecho penal de culpabilidade, con todas sus imperfecciones pero también con todas sus garatías para el individuo, comienza a ser sustituido por otros sistemas de control social, oficialmente no penales, pero mucho más eficaces en el control de los individuos y, sobre todo, mucho más difíciles de limitar y controlar democráticamente. En esa tendencia se observa um aumento creciente de la importancia de las medidas y se habla incluso de um derecho de medidas que se rige por unos principios distintos a los del derecho penal de culpabilidad. El sistema dualista ha sido la puerta por la que se há clado esta nueva fórmula de control social, sin que prácticamente nadie haya denunciado hasta la fecha com claridad cuáles sonlos peligros que para la libertad individual se avecinan. El derecho penal como instrumento de control social está pasando a um plano secundário, porque las clases dominantes son cada dia que pasa más conscientes de que hay otros sistemas más sutiles y más eficaces, pero también menos costosos, de control social para defender sus intereses y controlar a los que, real o potencialmente, puedan atacarlos” (MUÑOZ CONDE, Francisco. Derecho penal y control social. 2.ed. Bogotá: Temis, 1999, pp. 59-60).

[56]   MESSUTI, Ana. O tempo como pena. Traduzido por Tadeu Antonio Dix Silva e Maria Clara Veronesi de Toledo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 42. “O indivíduo, o homem de carne e osso, só existe entre seu nascimento e sua morte. Diferentemente da comunidade, tem um tempo limitado a sua disposição. Na realidade, a única coisa que verdadeiramente lhe pertence neste mundo é esse tempo. A pena de prisão, que veio para humanizar o direito, para substituir a barbárie dos castigos corporais, afeta o sujeito em seu ponto mais vulnerável: esse pouco tempo de vida que lhe corresponde, e que é a própria vida” (MESSUTI, Ana. O tempo como pena. Traduzido por Tadeu Antonio Dix Silva e Maria Clara Veronesi de Toledo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 62).

[57]     MESSUTI, Ana. O tempo como pena. Traduzido por Tadeu Antonio Dix Silva e Maria Clara Veronesi de Toledo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 43.

[58]     Deve-se referir nesse tópico a lição de Zaffaroni: “Toda esta nossa proposta é uma prova da recusa deste ‘pessimismo’: acreditamos ser possível reduzir os níveis de violência, salvar muitas vidas humanas, evitar muita dor inútil, e, finalmente, fazer o sistema penal desaparecer um dia, substituindo-o por mecanismos reais e efetivos de solução de conflitos. Sem dúvida, para neutralizar nossas afirmações não faltarão vozes que se acovardem e nos qualifiquem de “pessimistas” e, às vezes, de “utópicos” enquanto continuam brincando com seus fliperamas nos salão de jogos. A incompatibilidade entre “pessimista” e “utópico” é tão óbvia que fica bastante claro que o “pessimismo” não é uma nota de nota posição,mas uma disposição de quem tem urgência em encontrar uma resposta no sentido redutor da violência. As razoes que nos levam a ser otimistas quanto às possibilidades redutoras de violência são várias. Em princípio, acreditamos que o homem não é racional, mas pode (e deve) chegar a sê-lo. Além disso, apesar de o avanço da civilização industrial ter sido uma cadeia de indiscutível violência genocida em nível planetário, negamo-nos a ver nisso quer uma lei universal, segundo a qual uma suposta marcha em direção ao “progresso” se balizaria, de forma “natural” e necessária, em cataclismos, catástrofes, destruições e aniquilamentos dos “fracos” e inferiores”, .... Por último, acreditamos existirem motivos para suor que o homem é capaz de reagir de modo racional diante do espetáculo da destruição inútil de milhões de vidas humanas e que, em última instância, a espécie humana não é suicida, como não o é nenhuma outra. (ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Em busca das penas perdidas: a perda da legitimidade do sistema penal. 2.ed. Traduzido por Vânia Romano Pedrosa e Amir Lopez da Conceição. Rio de Janeiro: REvan, 1996, pp. 159-160).

[59]     Sobre o tema, ver: LEAL, Barros. Prisão: crepúsculo de uma era. 2.ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2001; GOMES, Luiz Flávio. Penas e Medidas Alternativas à Prisão. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999; PRADO, Luiz Regis. Multa Penal. 2.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993; BRAGA, Vera Regina de Almeida. Pena de multa substitutiva no concurso de crimes. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997; HERKENHOFF, João Batista. Crime: tratamento sem prisão. 3.ed. Porto Alegre: Revista dos Tribunais, 1998;CERVINI, Raúl. Los procesos de decriminalización. 2.ed. Montevidéo: Universitária, 1993; DOTTI, René Ariel. Bases alternativas para o sistema de penas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998.

[60]     FAYET, Ney. A sentença criminal como instrumento de descriminalização e a argumentação de sentença e o arbítrio judicial. Separata de Estudos Jurídicos, Ano XII, Vol. IX, n.º 25, Universidade do Vale do Rio dos Sinos, 1979, p. 85.

[61]     Assim já professou Ingenieros: “O Direito Penal é o resultado de uma formulação natural; em cada momento de usa evolução tende a refletir o critério ethico predominante na sociedade. Nella se coordenam sob o amparo político do Estado, as funcções defensivas contra os indivíduos anti-sociais cuja conducta compromette a vida ou os meios de vida de seus similhantes. Constitue uma garantia recíproca para o livre desenvolvimento da actividade individual.” (INGENIEROS, José. Criminologia. Traduzido por Haeckel de Lemos. 2.ed. Rio de Janeiro: Livraria Jacyntho, 1934, p. 26).


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FAYET, Fábio Agne. Por que punir? Punir pra quê? Um estudo sobre a finalidade da aplicação da pena e a missão do Direito Penal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3169, 5 mar. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21207. Acesso em: 2 maio 2024.