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Primos de segundo grau?!

Nepotismo e Súmula Vinculante nº 13

Primos de segundo grau?! Nepotismo e Súmula Vinculante nº 13

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O STF “criou” mais um grau de parentesco para proibir nomeações privilegiadas e, antagonicamente, permitiu a nomeação de alguns parentes, pois primos são nossos parentes de 4º (quarto) grau.

Sumário: 1. Intróito. 2.Relações de Parentesco. 3. E como contamos os graus de parentesco? 4. Incongruência Parental da Súmula Vinculante nº 13. 5. Conclusão. 6. Referências


1. Intróito

Com orgulho gritamos para o mundo: “Fulano, filho da prima de minha mãe, é meu primo de segundo grau”. Não há quem ouse se opor, discutir, ou questionar tal vinculo parental, principalmente no que concerne ao grau, pois a própria sociedade brasileira, no âmbito de sua ignorância jurídica, convencionou a existência desse grau de parentesco.

Nunca a população nacional se voltou tanto para o tema de parentesco, precipuamente no que se refere ao grau, quanto em agosto de 2008, momento em que o Supremo Tribunal Federal aprovou, por unanimidade, a 13ª Súmula Vinculante daquele Egrégio Tribunal, vendando o nepotismo, ou seja, a nomeação de cônjuge, companheiro ou parentes até o terceiro grau, no âmbito dos Três Poderes de toda a administração pública. Vejamos o enunciado da Súmula Vinculante nº 13:

“A nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica, investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança, ou, ainda, de função gratificada na Administração Pública direta e indireta, em qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas, viola a Constituição Federal.” (grifo nosso)

Nossa principal dúvida é quem são nossos parentes em linha reta, colateral ou por afinidade. Definindo isto, passaremos a entender os graus e como contá-los, para que não ocorra o equívoco comum de dizer que irmão é parente de primeiro grau e que seu primo de segundo grau passou no vestibular para medicina.


2. Relações de Parentesco

De logo, sem um estudo mais aprofundado, podemos definir o parentesco como a relação jurídico-familiar, por consanguinidade ou por afinidade, estabelecida entre as pessoas. Portanto, pode-se afirmar que as relações parentais não surgem apenas de um tronco familiar direto ou colateral, mas também daqueles que paralelamente entram por afinidade a partir da relação consanguínea de um cônjuge ou companheiro.

Então, sustenta-se que o parentesco é um vinculo de origens diversas, ligando pessoas umas as outras e, por próprio comando do Código Civil, distinguimos três formas de parentesco, levando em conta, por óbvio, a gênese de cada relação parental:

  1. Parentesco natural ou consanguíneo: é aquele que provém de um vínculo biológico, partindo de um ancestral comum, na forma direta ou indireta. Habitualmente chamamos de “meu parente de sangue”. Pais, filhos, avós, irmãos, tios, primos.

  2. Parentesco por afinidade: é o parentesco estabelecido entre os parentes de seu cônjuge ou companheiro. Vale ressaltar que tal parentesco limita-se aos ascendentes, descentes e irmãos do cônjuge ou companheiro, assim como é importante lembrar que estes últimos não são parentes. É previsão do artigo 1.595 do Código Civil que, conjuntamente com o seu §2º, diante do conhecimento de sua existência, faria qualquer noivo ou noiva repensar em uma união, vejamos, “Na linha reta, a afinidade não se extingue com a dissolução do casamento ou da união estável.” Isso mesmo, sogra é para vida toda!

  3. Parentesco civil: é a exceção, pois não se origina da consanguinidade nem da afinidade, portanto, o caso mais comum é a adoção, a qual não precisa tecer comentários, pois é conhecimento de todos sua existência. Temos também o reconhecimento da paternidade desbiologizada ou sócio-afetiva, reconhecida pela doutrina e acatada por Juízes, pois sabemos da existência de laços que vão muito além do sangue, como de pais que tem relações familiares fortes com seu filho e, mais tarde, descobrem que não são os pais biológicos. Maior prova disso foi recente decisão do Superior Tribunal de Justiça em que afirmou não ser suficiente o exame de DNA negativo para a anulação da paternidade, pois além da inexistência do vínculo genético, dever-se-á demonstrar a negativa de vinculo sócio-afetivo, desta forma, entendemos que aquele pai infértil que utiliza de material genético de terceiro para a reprodução assistida com óvulo da esposa, é sim pai sócio-afetivo daquele infante e tem seu reconhecimento assegurado judicial e civilmente por depreensão do art. 1.593 do CC.


3. E como contamos os graus de parentesco?

O vínculo parental é formado através de linhas, seja retas ou colaterais e, a cada geração contaremos um grau em se tratando de ascendência ou descendência. Frisaremos melhor entendimento depreendendo a previsão legal do código civilista, vejamos:

Art. 1.591. São parentes em linha reta as pessoas que estão umas para com as outras na relação de ascendentes e descendentes.

Art. 1.592. São parentes em linha colateral ou transversal, até o quarto grau, as pessoas provenientes de um só tronco, sem descenderem uma da outra.

Parentes em linha reta (art. 1591 do C.C.) são nossos pais, filhos, avós, netos, bisavós contando tantos graus quantas forem as gerações, até o infinito, onde será demonstrado facilmente de forma gráfica mais adiante. Esse tipo de estrutura gera diversas conseqüências jurídicas que facilitam a vida dos indivíduos, principalmente quando relaciona-se a questões patrimoniais, pois, seguindo os graus, por questão lógica conseguiremos saber quem tem o direito à herança, por exemplo.

De outro modo, os parentes de linha colateral (art. 1.592 do C.C.) são determinados a partir de um ascendente comum, ou seja, uma origem se dissipa em vários pontos, sem ligação direta entre os pontos criados paralelamente. São os irmãos, primos, tios, sobrinhos, tios-avós e sobrinhos-netos, desde que a contagem leve até no máximo o quarto grau.

Toda essa explicação será facilmente clarificada através de representação gráfica, observem:

Em suma, contam-se os graus em linha reta de acordo com as gerações, um grau para cada geração. Em linha colateral deve-se subir para o ascendente comum e descer para o que interessa, contando mais uma vez as gerações, inclua-se na contagem o ascendente comum.

A importância dessa contagem nos leva a facilidade criada para a relação de efeitos jurídicos importantes, por exemplo, um casal falece, seus bens vão para os descendentes de primeiro grau, não havendo, subimos para os ascendentes de primeiro grau, os quais, se não existirem, passamos para os colaterais de 2º grau (irmãos).


4. Incongruência Parental da Súmula Vinculante nº 13

Da redação da súmula extraímos que não se pode nomear parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau. Entretanto, o código civil não prevê parente por afinidade até o grau citado pela súmula, basta observar a redação do parágrafo primeiro do artigo 1.595:

Art. 1.595. (...)

§ 1º O parentesco por afinidade limita-se aos ascendentes, aos descendentes e aos irmãos do cônjuge ou companheiro.

Se realizarmos uma contagem até os irmãos, veremos que estes são de segundo grau e os ascendentes e descendentes do cônjuge são de primeiro. Até no que se refere às inelegibilidades houve a limitação até o segundo grau, pela própria Carta Constituinte, basta observar a redação de seu parágrafo sétimo do artigo 14:

Art. 14. (...)

§ 7º. São inelegíveis, no território de jurisdição do titular, o cônjuge e os parentes consangüíneos ou afins, até o segundo grau ou por adoção, do Presidente da República, de Governador de Estado ou Território, do Distrito Federal, de Prefeito ou de quem os haja substituído dentro dos seis meses anteriores ao pleito, salvo se já titular de mandato eletivo e candidato à reeleição.

Pode o STF criar mais um grau de parentesco? Como pode algo ser proibido judicialmente se sequer existe previsão legal?


5. Conclusão

Nossos irmãos, por mais próximos que sejam na consanguinidade quanto na afetividade são nossos parentes de 2º (segundo) grau.

Ao analisar o gráfico descobrimos outras curiosidades: não existem parentes colaterais de 1º (primeiro) grau. Além disso, não existem primos de segundo grau, pois só existe um tipo de primo e este é de 4º (quarto) grau, o máximo permitido colateralmente pelo Código Civil. Ou seja, nossos supostos primos de segundo grau, teoricamente, seriam ou de 5º (quinto) grau, no caso de filho de meu primo, e de 6º (sexto) grau, se filho do primo de meu pai. Ademais, você pode se divorciar da sua esposa e correr para o qualquer parte do planeta, ainda assim, sua sogra será sua parente por afinidade, mesmo que não haja intimidade para tanto.

Por fim, o STF “criou” mais um grau de parentesco para proibir nomeações privilegiadas e, antagonicamente, permitiu a nomeação de alguns parentes, pois como visto em nosso texto, primos são nossos parentes de 4º (quarto) grau, enquanto a súmula do STF proíbe até o 3º (terceiro) grau. Talvez aquela ínclita corte não tenha se atentado para o fato de que primos, em sua grande maioria, são nossos irmãos de criação e, por vezes, o grau de intimidade é muito maior que o de um parente de segundo grau, permitindo assim que o serviço público se torne um “cabide de empregos” para primos.


Referências

FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das Famílias. 3ª Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011.

FERNANDO SIMÃO, Jose; TARTUCE, Flávio. Direito Civil, Vol. 5. São Paulo: Método, 2006.


Autor

  • Anderson Melo da Silva Bastos

    Anderson Melo da Silva Bastos

    Servidor de Carreira do Ministério Público do Estado da Bahia. Diretor de Comunicação do Sindicato do Servidores do Ministério Público do Estado da Bahia - SINDSEMP-BA. Participou do Comitê de Planejamento do Gestão Estratégica 2011-2023 do Ministério Público do Estado da Bahia. Estudante de Direito da Faculdade Nobre de Feira de Santana (BA).

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BASTOS, Anderson Melo da Silva. Primos de segundo grau?! Nepotismo e Súmula Vinculante nº 13. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3186, 22 mar. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21340. Acesso em: 28 mar. 2024.