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Responsabilidade civil no mercado imobiliário.

O caso do Fórum Desembargador Jairon Maia Fernandes, em Maceió (AL)

Responsabilidade civil no mercado imobiliário. O caso do Fórum Desembargador Jairon Maia Fernandes, em Maceió (AL)

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Estudam-se a doutrina e a jurisprudência nacionais referentes à responsabilidade civil do construtor, a solidez e segurança da obra na construção civil, as quais compreendem não somente os riscos de ruína, mas também os vícios ou defeitos de construção que tornem o imóvel impróprio para o uso a que se destina.

RESUMO: O presente trabalho visa analisar a responsabilidade do construtor pela perfeição da obra, sua solidez e segurança, principalmente as peculiaridades, a abrangência e a incidência do Código de Defesa do Consumidor nos contratos de construção, bem como a polêmica relacionada à prescrição dos danos por esta ocasionados. Abordam-se em especial os problemas das instalações pela qual passou o Fórum desembargador Jairon Maia Fernandes em Maceió.

PALAVRAS-CHAVE: Responsabilidade Civil. Construtor. Obra. Obrigação.

SUMÁRIO: Introdução. 1. Responsabilidade civil no mercado imobiliário e o Caso do Fórum de Maceió. Conclusão. Referências. Anexo.


INTRODUÇÃO

De grande relevo na vida em sociedade são as atividades ligadas à construção civil, não só as que se destinam ao fomento da política habitacional do país, mas também as relativas às obras públicas, que atualmente são realizar por construtoras mediante licitação.

Atualmente, a atividade da construção civil no Brasil efervesce, e as perspectivas são de que essa grande atividade continue ainda por muitas décadas. Concomitantemente ao crescimento da construção civil no país, houve um aumento no número de acidentes e problemas a ela vinculados, o que é particularmente preocupante nas obras públicas, nas quais se verificam muitos defeitos por causa da má execução ou péssima qualidade do material.

Em momentos como esse é que surge a problemática da responsabilidade civil no mercado imobiliário, devendo-se analisar a incidência de dois conjuntos legais: o Código Civil, que classicamente regulou o assunto, e o Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078, de 11.9.90), que mais recentemente passou a dispor sobre o relacionamento construtor/adquirente de imóvel (consumidor).

Posto isto, tomaremos como referência neste trabalho o Foro Desembargador Jairon Maia Fernandes, localizado no bairro do Barro Duro na cidade de Maceió/AL, o qual se tornou o foco de discussões acerca de quem legitimaria no pólo passivo e ativo da obrigação de reparar os danos sofridos em decorrência das irregularidades apontadas em sua construção.


1. RESPONSABILIDADE CIVIL NO MERCADO IMOBILIÁRIO E O CASO DO FÓRUM DE MACEIÓ.

No dia 31 de outubro do ano de 1998, foi inaugurado no bairro do Barro Duro o fórum da Cidade de Maceió, a época denominado “Foro Desembargador Jairon Maia Fernandes”. A obra nasceu com a finalidade de concentrar, em um mesmo espaço físico, diversas varas da justiça estadual alagoana.

Inicialmente, o projeto previa a construção do fórum na Rua Cônego Machado, no bairro do Farol, nesta cidade. No entanto, mudaram o projeto e a obra foi transferida para o bairro supracitado sem que houvessem feito as adaptações necessárias às peculiares condições ambientais da nova localidade.

Logo nos primeiros anos do seu funcionamento, o prédio apresentou problemas incompatíveis com uma obra do seu porte, que se destinava ao atendimento diário de aproximadamente duas mil (2.000) pessoas.

As irregularidades da obra foram constatadas, primeiramente, em 2002 por um relatório de vistoria do CREA (Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura), isto é, quatro anos após a inauguração. Todavia, a cúpula do Judiciário alagoano, mesmo após o conhecimento da situação, não tomou medida alguma no sentido de sanar as falhas detectadas.

No ano de 2006, um laudo técnico de autoria do CREA, sob o comando do engenheiro Marcos Carnaúba, elencou várias querelas estruturais no prédio. Alguns dos fatores que fadaram a construção ao insucesso, segundo o citado engenheiro, diz respeito ao Norte magnético e ao tipo de solo do local.

Ao longo da sua breve história, foram vários os episódios onde funcionários e transeuntes sentiram abalos em sua estrutura. Com o passar do tempo, as varas com maior fluxo de pessoas foram transferidas para os andares inferiores e foi limitado o número de sessões do tribunal do júri em um mesmo dia, pois é grande o número de pessoas que acompanham seus julgamentos.

A situação calamitosa atingiu seu ápice no ano de 2008, quando o prédio foi evacuado após um forte tremor, que, segundo o relato de pessoas que se encontravam nas dependências do prédio, assemelhou-se a um terremoto, vez que chacoalhou todos os três andares do edifício.

Em momentos como esse aflora na sociedade um sentimento de indignação pelo desrespeito ao erário público. Surge também para a população dúvidas quanto à responsabilidade por esta “obra prima” alagoana. Haverá responsabilidade para a construtora? Há como reparar os danos ocorridos? Para responder a tais questões, passemos a analisar a questão sob um prisma jurídico.

 A responsabilidade civil do construtor por problemas em obras decorre, geralmente, do contrato de empreitada. Segundo Carlos Roberto Gonçalves, contrato de empreitada é aquele onde uma das partes (o empreiteiro) obriga-se a realizar determinada obra de forma pessoal ou por meio de terceiros, de acordo com as instruções do contratante (dono da obra) e mediante remuneração, a ser paga por este, sem relação de subordinação[1].

A empreitada não se confunde com a prestação de serviços, ou com o próprio contrato de trabalho, porque neste o objeto do contrato é o serviço em si, enquanto que a empreitada tem por objeto a obra, e não simplesmente o trabalho despendido em sua execução. Isso gera também diferença quanto à direção, os riscos e, consequentemente, à responsabilidade, visto que na prestação de serviços é o dono da obra que fiscaliza as etapas da atividade e, por isso, assume os riscos da obra e responde pelos mesmos. Já na empreitada, é o próprio empreiteiro que fiscaliza a execução da obra, devendo suportar os riscos e danos advindos de sua atividade[2].

Extrai-se disso que a empreitada é um contrato de resultado e a prestação de serviços é um contrato de meio. De acordo com a douta diferenciação de Paulo Luiz Netto Lôbo, algumas obrigações têm como causa final a atividade em si, independentemente do resultado obtido, enquanto outras têm como causa final o resultado esperado, para o qual a atividade empregada é simples meio de alcançá-lo. As primeiras correspondem a obrigações de meio, ou diligência, e as segundas dizem respeito às obrigações de resultado[3]. Faz-se mister tal distinção, pois o tratamento jurídico dispensado para essas obrigações é diferente, mormente no que concerne à responsabilidade.

Numa obra por empreitada, a construtora é responsável por entregar a obra com solidez e segurança no prazo acordado. Caso a obra apresente defeitos ou atrase, sua responsabilidade é presumida, pois o simples inadimplemento, isto é, a entrega da obra na data ou de forma diferente da que foi acordada, gera a idéia de culpa do empreiteiro pelos danos provenientes. No entanto, esta presunção é apenas relativa, podendo o construtor elidi-la mediante comprovação de que os danos resultaram de outra causa que não decorrente de sua conduta (força maior, fato exclusivo da vítima ou de terceiro, não se aplicando o fortuito interno, segundo Cavalieri Filho[4]).

O novo Código Civil brasileiro, em seu artigo 618 (correspondente ao artigo 1.245 do Código de 1916) fixou a responsabilidade do empreiteiro pela execução de obras edilícias. In verbis:

Art. 618. Nos contratos de empreitada de edifícios ou outras construções consideráveis, o empreiteiro de materiais e execução responderá, durante o prazo irredutível de cinco anos, pela solidez e segurança do trabalho, assim em razão dos materiais, como do solo.

Parágrafo único. Decairá do direito assegurado neste artigo o dono da obra que não propuser a ação contra o empreiteiro, nos cento e oitenta dias seguintes ao aparecimento do vício ou defeito.

Doutrina e jurisprudência, após um período de divergências, fixam hoje o entendimento de que o artigo não trouxe consigo uma norma restritiva, superando-se, portanto, uma interpretação literal do texto. Como é pacífica no meio acadêmico a ideia de que a melhor interpretação vai além de uma hermenêutica gramatical, sendo também necessária uma interpretação sistemática, teleológica e histórico-evolutiva, entende-se que esta norma não disciplina apenas os empreiteiros, mas também os construtores, incorporadores, engenheiros, arquitetos e todos que se envolvem com seus conhecimentos técnicos na execução da obra.

Na construção civil nacional, sabe-se que nem todas as construções são realizadas mediante empreitada. Há casos em que a construtora compra um terreno a fim de construir uma casa para vendê-la posteriormente. Em outras ocasiões há um contrato de incorporação onde se exerce uma atividade com intuito de promover e realizar a construção, para alienação total ou parcial, de edificações ou conjunto de edificações compostas de unidades autônomas[5], tendo um caráter comercial. Tais situações encontram-se fora do contrato de empreitada, mas não poderiam ficar à margem do Direito.

A responsabilidade abordada no artigo 618 do CC trata-se de responsabilidade legal imposta ao construtor em decorrência da realização de uma obra, independentemente da forma como será executada (por empreitada, por administração, por atividade própria ou por incorporação). Por isso, afirmamos no início que a responsabilidade do construtor decorre geralmente do contrato de empreitada, mas não tão-somente dele. Assim, frisamos a possibilidade no nosso ordenamento jurídico de haver tanto a responsabilidade contratual como a extracontratual (aquiliana) para o construtor.

Ademais, de acordo com a lição de Silvio Venosa, esta responsabilidade entende-se aos engenheiros e arquitetos, visto que os mesmos são técnicos e possuem o dever de alertar tanto à construtora quanto ao destinatário da obra, acerca dos riscos, pois “seu mister profissional impede que construam edifícios, sabidamente, instáveis”[6]. Entretanto, no caso em tela, exclui-se a responsabilidade do arquiteto, haja vista o problema da construção ser essencialmente estrutural, de acordo com os laudos técnicos feitos pelo CREA.

A dúvida estaria, portanto, se a responsabilidade do construtor seria objetiva ou subjetiva[7]. Pensamos que a responsabilidade do construtor é objetiva, não só com relação ao dono da obra, mas também perante terceiros e os vizinhos que sofram danos pelo fato da obra. Assim, ao acionar judicialmente o construtor, basta a comprovação do nexo de causalidade entre a conduta e o dano causado. Nada obstante, deverá o construtor, ao realizar sua defesa, alegar algumas das hipóteses excludentes de nexo causal, se houver.

É cediço que em nosso ordenamento existe a figura da responsabilidade solidária entre o construtor e o dono da obra perante eventuais danos causados a terceiros ou vizinhos. Essa determinação se justifica pelo fato do dono também auferir as vantagens da construção. Destarte, no caso em comento, o Estado de Alagoas não se eximirá da responsabilidade de reparar os danos ocasionados pelo desprendimento de partes da construção que acertaram pessoas ou bens (especialmente os carros do estacionamento).

Outrossim, importante frisar a incidência do Código de Consumidor nos contratos de construção e incorporação, pois o construtor (incorporador, empreiteiro, engenheiro e arquiteto) insere-se no conceito de fornecedor de produtos ou serviços descrito no art. 3° do referido diploma legal. No entanto, para não nos afastarmos do escopo do presente artigo, apenas abordaremos sua incidência quanto à qualidade e a solidez da obra, uma vez que a construção do fórum não foi realizada mediante contrato de incorporação.

Como é sabido, o fornecedor é responsável pelos vícios e defeitos dos produtos e serviços que põe no mercado. Por isso o Código do Consumidor impõe que o construtor seja responsável pela qualidade e solidez da construção, mesmo após a entrega da obra.

O artigo 618, CC/2002 dispõe sobre o dever de garantia pela qualidade e solidez da obra, fixando um período irredutível de 5 (cinco) anos pela integridade geral do trabalho, incluindo os materiais utilizados e o próprio solo.

Desse modo, a obrigação contratual não finda com a entrega da obra, independentemente de esta ter sido recebida, mesmo com falhas, pelo dono. Subsistirá a responsabilidade do construtor durante este período, ante a impossibilidade de que exista, neste instante, comprovação plena da segurança e solidez da unidade do imóvel, mormente no que concerne aos vícios considerados ocultos (infiltrações, problemas nas instalações elétricas, etc). Irrelevante será o desconhecimento da existência de vícios por parte do construtor, pois sua responsabilidade, como acima demonstrado, é objetiva.

Malgrado o aparecimento de defeitos ou vícios ocultos da obra cause controvérsias quando seu surgimento é após o período de garantia, a construção - objeto do presente artigo - , começou a apresentar problemas estruturais logo após a sua entrega, como abalos constantes no edifício, sem falar no primeiro laudo pericial do CREA que foi realizado quatro anos após a entrega da obra. Portanto, esta discussão mostra-se irrelevante para o presente caso.

Mas há uma polêmica com relação à prescrição do direito de indenização pelos danos causados por construtora. Seria ela de três anos como toda prescrição por dano? Seria o prazo de cinco anos descrito no artigo 618? Ou seria o antigo prazo prescricional de 20 anos? A resposta para tais questionamentos nos parece que foi dada pelo Egrégio Superior Tribunal de Justiça ao editar a súmula 194, que pacifica: “prescreve em vinte anos a ação para obter, do construtor, indenização por defeitos na obra”.

Neste sentido, o Colendo Tribunal proferiu o seguinte julgado:

“CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. RESPONSABILIDADE DO CONSTRUTOR. DEFEITOS DA OBRA. CAPACIDADE PROCESSUAL. PERSONALIDADE JURÍDICA. SÚMULA N. 7/STJ. PRAZOS DE GARANTIA E DE PRESCRIÇÃO. 618/CC. SÚMULA N. 194/STJ. DECISÃO MANTIDA POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS. IMPROVIMENTO.

I. Na linha da jurisprudência sumulada desta Corte (Enunciado 194), 'prescreve em vinte anos a ação para obter, do construtor, indenização por defeitos na obra'.

II. O prazo estabelecido no art. 618 do Código Civil vigente é de garantia, e, não, prescricional ou decadencial.

III. O evento danoso, para caracterizar a responsabilidade da construtora, deve ocorrer dentro dos 5 (cinco) anos previstos no art. 618 do Código Civil. Uma vez caracterizada tal hipótese, o construtor poderá ser acionado no prazo prescricional de vinte (20) anos. Precedentes.

IV. Agravo regimental improvido.”[8] (Grifo).

Como se pode analisar no acórdão mencionado, o prazo estabelecido no art. 618 do Código Civil vigente é de garantia, e, não, prescricional ou decadencial. Todavia, o evento danoso, para caracterizar a responsabilidade da construtora, deve ocorrer dentro dos 5 (cinco) anos previstos no art. 618 do Código Civil. Uma vez caracterizada tal hipótese, o construtor poderá ser acionado no prazo prescricional de vinte (20) anos.

Apesar do entendimento jurisprudencial acima exposto, Cavalieri Filho entende ser cabível a indenização mesmo após o prazo de cinco anos, pois a qualidade e utilidade do serviço devem corresponder ao prazo normal e razoável de durabilidade do bem, como determina o CDC. Assim, como construções têm uma durabilidade bem maior que cinco anos, o construtor se responsabiliza, de forma objetiva, pelos vícios que aparecerem posteriormente à garantia.

Tal posição reforça a ideia de que a construtora foi responsável pela situação pela qual passou Foro de Maceió, nos anos de 2008 e 2009, localizado no Barro Duro, porque, mesmo que os problemas estruturais não tivessem ocorrido dentro do prazo de cinco anos, não se admite que um edifício de tal porte tenha uma durabilidade menor que 10 anos e apresente problemas inconcebíveis no estágio em que a engenharia civil se encontra atualmente, com risco, inclusive, na época, de desabamento.

Portanto, está demonstrado que o Estado possui direito a indenização pelo dano sofrido com a desastrosa construção do Foro de Maceió. Restando apenas saber quais pessoas teriam a legitimidade ativa para conseguir o ressarcimento.

Está claro que o Ministério Público possui a citada legitimidade, como descrito no seu conceito e área de atuação, estabelecidos no artigo 127 da Carta da República. Dentre as funções institucionais que lhe foram outorgadas, existe a contida no inciso III, do artigo 129, qual seja:

“Art. 129 – São funções institucionais do Ministério Público:

III – Promover o inquérito civil e a ação civil pública para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos;”(Grifo)

De outro lado, a Lei Orgânica Nacional do Ministério Público tornou irrefutável a legitimação ministerial para a defesa dos direitos difusos e coletivos, estabelecendo:

“Art. 25 – Além das funções previstas nas Constituições Federal e Estadual, na Lei Orgânica e em outras leis, incumbe, ainda, ao Ministério Público:

IV – promover o inquérito civil e a ação civil pública, na forma da lei:

a) para a proteção, prevenção e reparação dos danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, aos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, e a outros interesses difusos, coletivos e individuais indisponíveis e homogêneos;

b) para anulação ou declaração de nulidade de atos lesivos ao patrimônio público ou à moralidade administrativa do Estado ou do Município, de suas administrações indiretas ou fundacionais ou de entidades privadas de que participem”. (Grifo)

Inarredável, pois, a legitimação do Ministério Público para figurar no pólo ativo da demanda.

Além do parquet, qualquer cidadão, no pleno gozo de seus direitos políticos, estava apto a demandar pela reparação do dano através de Ação Popular. Assim dispõe a Constituição Federal em seu artigo 5°, inciso LXXIII:

qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência”. (Grifo)

Dispõe ainda, o artigo 1º, §3° da Lei nº 4.717, de 29 de junho de 1965 que “a prova da cidadania, para ingresso em juízo, será feita com o título eleitoral, ou com documento que a ele corresponda". Assim, infere-se que a simples comprovação de cidadania brasileira, por meio da apresentação do título de eleitor, legitima o indivíduo para proteger o patrimônio público.

Por fim, o Estado de Alagoas, por óbvio, possuía legitimidade para agir, uma vez que foi a vítima direta deste infortúnio.

Destaque-se que o supradito problema foi levado ao judiciário alagoano tendo, então, o juiz Manoel Cavalcante de Lima Neto, da 18ª Vara Cível da Capital da Fazenda Pública Estadual, acertadamente, julgado procedente a Ação Popular em relação à reforma e fechamento do Fórum Desembargador Jairon Maia Fernandes em Maceió.

A ação foi proposta por Richard Wagner Medeiros Cavalcanti Manso, em face de Uchôa Construções Ltda, Construtora Sauer Ltda e Estado de Alagoas, com o objetivo do ressarcimento das despesas da construção deficitária do prédio.

De acordo com a decisão, publicado no Diário Eletrônico do Tribunal de Justiça de Alagoas (TJ/AL), do dia 11/02/2011, o magistrado determinou a condenação das empresas Uchôa Construções Ltda e Construtora Sauer Ltda ao ressarcimento do valor de R$ 2.213.975,91 “em face da infringência das regras da boa engenharia determinadas pela ABNT e que gerou a prejuízos ao erário devido à necessidade de reforma e reforço estrutural do prédio do Fórum de Maceió”.

Segue a ementa:

AÇÃO POPULAR. DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. RESSARCIMENTO DE DANO AO ERÁRIO. EXECUÇÃO DE CONTRATO DE CONSTRUÇÃO DO PRÉDIO DO FÓRUM DE MACEIÓ COM INFRINGÊNCIA DAS REGRAS DE BOA ENGENHARIA DETERMINADAS PELA ABNT. PREJUÍZOS CAUSADOS. NECESSIDADE DE REFORMA. CABIMENTO DA AÇÃO POPULAR. IMPRESCRITIBILIDADE[9].

Caminhou bem o judiciário alagoano em condenar as construtoras responsáveis pela obra perante esta excrescência da engenharia civil que afligiu o patrimônio público, a sociedade, o corpo de servidores da justiça e os advogados que precisam de um local adequado para a promoção de seus trabalhos e em consequência a promoção da justiça na sociedade. Destaque-se que segue em anexo a decisão, na íntegra, da 18ª Vara Cível da Capital – Fazenda Pública Estadual (Processo n.º 0019750-42.2009.8.02.0001) ao final desse artigo.


Conclusão

 Este artigo teve como ponto de partida a doutrina e a jurisprudência nacionais referentes à responsabilidade civil do construtor, bem como à solidez e segurança da obra na construção civil, as quais compreendem não somente os riscos de ruína, mas também os vícios ou defeitos de construção que tornem o imóvel impróprio para o uso a que se destina.

Além da solidez e segurança, o construtor também possui responsabilidade por outros vícios construtivos, que podem ser aparentes ou ocultos, sendo todos regulados pelo parágrafo único do art. 618 do novo Código Civil.

Inserido nesse aspecto, observa-se a notória situação calamitosa pela qual passou o prédio do Foro de Maceió, devido às irregularidades decorrentes de sua má-execução, desde o início de sua construção, o que cominou na condenação das empresas Uchôa Construções Ltda e Construtora Sauer Ltda ao ressarcimento do valor de R$ 2.213.975,91 (Dois milhões, duzentos e treze mil, novecentos e setenta e cinco reais e noventa e um centavos) em razão da infringência das regras da boa engenharia determinadas pela ABNT e dos prejuízos gerados ao erário pela necessidade de reforma e reforço estrutural.


Referências

CAVALIERI, Sérgio Filho. Programa de responsabilidade civil. 8 ed. São Paulo: Atlas, 2008.

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 18 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgRg no Ag 991883/ SP. Relator Ministro Aldir Passarinho Junior. Publicado: DJe 04/08/2008.

BRASIL. 18ª Vara Cível da Capital – Fazenda Pública Estadual. Comarca de Maceió. (Processo n.º 0019750-42.2009.8.02.0001). Publicado no Diário Eletrônico do Tribunal de Justiça de Alagoas em 11/07/2011.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume III: contratos e atos unilaterais. 5 ed. São Paulo: Saraiva, 2008.

LÔBO, Paulo Luiz Netto. Teoria geral das obrigações. 1 ed. São Paulo: Saraiva, 2005.

STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil – doutrina e jurisprudência. 7 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007.

STOLZE, Pablo & PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Curso de direito civil: contratos, Vol IV, Tomo 2. 1 ed. São Paulo: Saraiva, 2008.

VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Responsabilidade Civil. 7 Ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 263.


ANEXO

18ª Vara Cível da Capital – Fazenda Pública Estadual

Processo n.º 0019750-42.2009.8.02.0001

Sentença

EmentaAÇÃO POPULAR. DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. RESSARCIMENTO DE DANO AO ERÁRIO. EXECUÇÃO DE CONTRATO DE CONSTRUÇÃO DO PRÉDIO DO FÓRUM DE MACEIÓ COM INFRINGÊNCIA DAS REGRAS DE BOA ENGENHARIA DETERMINADAS PELA ABNT. PREJUÍZOS CAUSADOS. NECESSIDADE DE REFORMA. CABIMENTO DAAÇÃO POPULAR. IMPRESCRITIBILIDADE.

Legitimidade do cidadão para propor ação popular que visa o ressarcimento do erário por dano ao patrimônio. Adesão do Estado de Alagoas ao polo ativo. Caráter imprescritível da ação por dano ao patrimônio, na forma do previsto no art. 37, § 5º, da Constituição Federal.

Dano ao erário comprovado em laudos técnicos constantes nos autos.Um primeiro após o término da construção em 28/06/2000 e outro datado de dezembro de 2007. Interdição do prédio efetivada e mudança para o prédio comercial Blue Tower Empresarial com necessidade de pagamento de aluguéis. Reconhecimento parcial das rés pela proposta de acordo para ressarcimento de R$ 402.600,00 (quatrocentos e doismil e seiscentos reais).

Apresentação de memorial descritivo dos dispêndios para recuperação do prédio do Fórum pelo Estado de Alagoas no valor de valor de R$ 2.213.975,91 (dois milhões, duzentos e treze mil, novecentos e setenta e cinco reais e noventa e um centavos).Concordância do autor, do Estado de Alagoas e do Ministério Público com os valores apresentados como custos da reforma do Fórum.Rejeição das rés e manutenção da proposta de acordo.Procedência do pedido para condenar as rés ao pagamento do valor de R$ 2.213.975,91 (dois milhões, duzentos e treze mil, novecentos e setenta e cinco reais e noventa e um centavos), como ressarcimento do dano ao patrimônio público causado pela infringência das regras de boa engenharia determinadas pela ABNT.

Vistos, etc.

Richard Wagner Medeiros Cavalcanti Manso, através de procurador habilitado, propôs a presente Ação Popular em face de Uchôa Construções Ltda, Construtora Sauer Ltda e Estado de Alagoas objetivando o ressarcimento das despesas da construção deficitária do prédio do Fórum de Maceió.fls. 1

O autor comprova a legitimidade para interpor a presente ação com a juntada de documento que comprova a quitação eleitoral (fls. 32).O Estado de Alagoas apresentou contestação às fls. 194/200, alegando a impossibilidade de figurar no polo passivo da demanda tendo em vista ser o próprio prejudicado pela obra defeituosa, já que os poderes Judiciário, Legislativo e Executivo são integrantes do ente político Estado de Alagoas.Uchôa Construções Ltda e Construtora Sauer Ltda apresentaram contestação às fls.212/244, alegando carência de ação por falta de interesse de agir e aduziram: a litigância de má-fé; a prescrição quinquenal do direito de ação; a inexistência de ato ilegal ou de infração aos princípios da administração pública, ressaltando a higidez da construção e a publicidade dos atos de licitação e contratação; a inexistência de defeitos estruturais graves, mas apenas pequenos desgastes em função do tempo; a ausência de dano ao erário; a improcedência do pedido de ressarcimento de aluguéis provenientes da mudança do funcionamento do Fórum para outro prédio enquanto eram realizadas reformas em sua estrutura porque estas não decorreram de defeitos estruturais da construção, mas de conveniência do Tribunal de Justiça para dar mais conforto e funcionalidade às instalações do edifício. Alegaram também excesso no valor trazido pelo autor a título reparatório e a improcedência dos pedidos de quebra de sigilo fiscal e bancário e de suspensão dos passaportes dos sócios das empresas-rés, além de se eximir da responsabilidade por eventuais problemas que venham a surgir devido à reconstrução do prédio por outra empresa com modificação funcional da estrutura sem consulta prévia às empresas-rés.O Ministério Público emite parecer às fls. 330/333, pugnando pela adequação da via processual eleita e pela inexistência de prescrição quinquenal, tendo em vista que as ações para ressarcimento do erário são imprescritíveis, nos termos do art. 37, § 5º, da Constituição Federal.Quanto ao mérito, entende que é necessária perícia para determinar se houve ou não infração às regras da construção civil durante a construção do Fórum.

Às fls. 336/341, há decisão que enfrenta e rejeita as preliminares arguidas pelas rés,mantém o Estado de Alagoas no polo passivo da ação e exclui deste o sócio Evaldo Luís Fragoso de Araújo e, ainda, designa audiência para dia 10/06/2010.A audiência se realiza no dia pré-fixado, restando assentado que as rés deveriam apresentar proposta de acordo em cinco dias, devendo ser oficiada a Presidência do Tribunal de Justiça para que traga informações sobre o dano sofrido na construção do Fórum.

As empresas-rés interpõem Agravo Retido às fls. 346/354.O Estado de Alagoas, às fls. 355/357, requereu a adesão ao polo ativo da demanda nos termos do art. 6, § 3º da Lei n. 4.717/65, o que foi deferido às fls. 405.As rés apresentaram proposta de acordo às fls. 403/404 no valor de R$ 402.600,00 (quatrocentos e dois mil e seiscentos reais), a qual é rejeitada pelo autor às fls. 407/408.Intimado, o Estado de Alagoas junta memorial descritivo dos dispêndios em face darecuperação da sede do Fórum de Maceió às fls. 752.fls. 2

Intimado, o autor Richard Wagner Medeiros Cavalcanti Manso aceita que as rés façam o ressarcimento no valor de R$ 2.213.975,91 (dois milhões, duzentos e treze mil, novecentos e setenta e cinco reais e noventa e um centavos) estabelecido no documento juntado pelo Estado de Alagoas e, ainda, requer que seja arbitrado valor decorrente dos danos morais sofridos pela coletividade e pelos serventuários da Justiça e que seja decretada a responsabilidade das rés por futuros prejuízos que possam decorrer do desgaste estrutural do prédio do Fórum.O Ministério Público apresenta parecer às fls. 864/868, pugnando pela procedência do pedido do autor para que as empresas-rés promovam ao ressarcimento do erário no valor de R$ 2.213.975,91 (dois milhões, duzentos e treze mil, novecentos e setenta e cinco reais e noventa e um centavos).

É o relatório.

Fundamento e decido.

Trata-se de Ação Popular proposta por Richard Wagner Medeiros Cavalcanti Manso em face das empresas Uchôa Construções Ltda. e Construtora Sauer Ltda. objetivando o ressarcimento dos prejuízos advindos da construção deficitária do prédio sede do Fórum de Maceió, com a adesão do Estado de Alagoas no polo ativo.Decididas as questões preliminares no despacho de fls. 336/341, passo a análise do mérito.

Da imprescritibilidade

Embora já enfrentada em decisão interlocutória, destaco que não se aplica ao caso a prescrição de cinco anos prevista na Lei nº 4.717/65. É que a hipótese em aferição refere-se a ressarcimento em face de lesão ao erário que é imprescritível, por força do art. 37, § 5º da CF/88, que prescreve, in verbis:Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes daUnião, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípiosde legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, aoseguinte:.......§ 5º - A lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados porqualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízos ao erário, ressalvadas asrespectivas ações de ressarcimento.

O dispositivo em questão é constitucional e, portanto, se sobrepõe ao art. 21 da Lei4.717/65 que prevê a prescrição da ação popular em cinco anos. A referida lei que regulamenta a ação popular deve ser interpretada à luz da Constituição Federal, de modo a abranger não somente a possibilidade de anulação dos atos lesivos ao patrimônio público, mas também ser um instrumento efetivo de ressarcimento aos prejuízos causados ao erário em decorrência desses atos lesivos. A jurisprudência consolida essa interpretação:

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA.DANO AO ERÁRIO. RESSARCIMENTO. IMPRESCRITIBILIDADE. 1.Hipótese em que o Ministério Público ajuizou Ação Civil Pública com o fito defls. 3 reaver valores pagos em excesso a vereadores municipais. 2. A pretensão deressarcimento por prejuízo causado ao Erário é imprescritível. Precedentesdo STJ e do STF. 3. Agravo Regimental não provido. (AGRESP 200400864307STJ. Relator: HERMAN BENJAMIN. Órgão julgador: Segunda Turma.Publicação DJe: 06/05/2009).

AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITOADMINISTRATIVO. LICITAÇÃO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. RESSARCIMENTO. TOMADA DE CONTAS. DANO AO ERÁRIO. IMPRESCRITIBILIDADE. AGRAVO IMPROVIDO.1. A ação de ressarcimento dos prejuízos causados ao erário é imprescritível. Precedentes.2. Agravo regimental improvido. (AGA 200901772722 STJ. Relator:HAMILTON CARVALHIDO. Órgão julgador: Primeira Turma. Publicação DJe:10/02/2011).

Do dano ao erário

As empresas-rés alegam que não houve ilegalidade na licitação e na contratação para realização da obra de construção do prédio do Fórum de Maceió nem na execução do contrato, haja vista ter sido o projeto aprovado mediante rígida observação dos preceitos técnicos constantes nas normas que regulamentam a construção civil, não havendo dados que contrariem essa afirmação.Realmente, constata-se, da análise dos autos, que os trâmites legais foram cumpridos, não havendo a invocação de ilegalidade nos atos administrativos de licitação e contratação das empresas passível de aferição nesta ação, mesmo porque já abrangidos pelo prazo prescricional.

Em verdade, a ilegalidade desponta na execução do contrato pelas empresas-rés, as quais não seguiram as regras da boa engenharia, construindo um edifício que já foi entregue com vários defeitos, os quais, ao passar do tempo, intensificaram-se e culminaram na necessidade de reforma do prédio devido a problemas estruturais que deveriam ter sido observados quando da sua construção.Comprovando essa realidade consta nos autos o laudo de qualificação técnica datado de 28/06/2000, assinado pelos engenheiros Marcos F. Carnaúba, Agliberto de A Costa, Dilmas P. Medeiros, Marcos P. Lopes, Gustavo de S. Carvalho e pelo eletrotécnico José Augusto G. Da Cunha (fls.258-281), no qual são evidenciadas anomalias funcionais, como infiltração da água das chuvas e relatos de patologias diversas decorrentes da deformação excessiva da estrutura do edifício, como vazamentos, desprendimento das cerâmicas, problemas nas instalações elétricas, potencial risco de incêndio, dentre outros especificados no laudo e que demonstram o descumprimento das normas da ABNT e a necessidade de reforço estrutural. Este laudo trata da situação da obra pouco tempo após sua conclusão.Além disso, outro laudo datado de dezembro de 2007 e assinado pelos engenheirosAntonio Carlos Costa e Paulo Roberto Carneiro de Carvalho (fls.39-98), retrata situação mais grave do que a anterior, ocasionada pela deficiência da estrutura unida ao desgaste causado pelo tempo. O referido relatório emite algumas recomendações que, se cumpridas, estabilizariam a estrutura do prédio, dentre elas: reorganização dos arquivos de processos, levando-os para ofls. 4 térreo; escavações para verificação da integridade dos pilares e sapatas; vistorias para detectar fissuras e oxidação na estrutura e contratação de reforço estrutural, chegando-se à conclusão que o principal motivo dos danos são as deformações das vigas, principalmente nas suas partes em balanço, além de recalques das fundações, sobrecarga excessiva nas lajes e outros danos estruturais que contribuíram para a situação do edifício.Mesmo após o cumprimento das recomendações constantes do laudo acima relatado, os abalos e vibrações na estrutura física do Fórum continuaram a acontecer, conforme se depreende da nota oficial emitida pelo Presidente do Tribunal de Justiça do Estado de Alagoas e que consta às fls. 37, o que, posteriormente, tornou necessária a evacuação do prédio e transferência das atividades para o prédio comercial Blue Tower Empresarial para dar continuidade à prestação jurisdicional enquanto se realizava a reforma do Fórum.

Com a finalidade de realizar o reforço estrutural do prédio do Fórum, o Tribunal deJustiça do Estado de Alagoas contratou as empresas Policonsult para levantamento das deformações estruturais, Cavalcante Moura Engenharia para retirada do revestimento de cerâmica, Araújo e Costa Engenharia e Consultoria Ltda para elaborar e realizar o projeto de recuperação e reforço estrutural do prédio e ainda teve gastos com recolocação do revestimento da fachada, implantação das instalações no prédio comercial Blue Tower Empresarial e respectivos aluguéis decorrentes da locação do referido imóvel, além da contratação do engenheiro civil Agliberto Costa para prestar assessoria e complementar a recuperação, tudo conforme documento às fls752-753, no montante de R$ 2.213.975,91 (dois milhões, duzentos e treze mil, novecentos e setenta e cinco reais e noventa e um centavos). Valor este que deve ser ressarcido pelas empresas-rés ao Poder Judiciário, tendo em vista que estas deram causa a esses dispêndios devido a vício de execução na construção do edifício do Fórum de Maceió.

Ademais, as próprias empresas-rés admitem o erro na construção do referido prédio, pois se propõem ao pagamento de R$ 402.600,00 (quatrocentos e dois mil e seiscentos reais), para ressarcimento dos danos causados. Entretanto, o ressarcimento completo coincide com o valor trazido aos autos pelo Estado de Alagoas através de documento descritivo dos gastos com a recuperação do edifício e com os aluguéis de outro estabelecimento para dar continuidade às atividades do Fórum enquanto acontecia a reforma (fls.752-753), no valor total de R$ 2.213.975,91 (dois milhões, duzentos e treze mil, novecentos e setenta e cinco reais e noventa e um centavos).

Apesar da ilegalidade na execução do contrato, sua anulação não se revela necessária ouconveniente, tendo em vista a finalização da obra já ter acontecido há muito tempo. No entanto, persiste a possibilidade de ressarcimento dos prejuízos causados aos cofres públicos, conforme decisão do STF:

RECURSO EXTRAORDINÁRIO. AÇÃO POPULAR. COMPRA E VENDA DEIMÓVEL. PREÇO ABUSIVO. PREJUIZO AO ERARIO. DIANTE DA SOLUÇÃOPECULIAR ARTICULADA NO ARESTO RECORRIDO - DANDO PELAPROCEDENCIA DA AÇÃO POPULAR SEM DESFAZER O NEGÓCIOLESIVO, E CONDENANDO OS RESPONSAVEIS PELO RESSARCIMENTO-,E DE ENTENDER-SE MELHOR A MANUTENÇÃO DE SEU TEOR, EIS QUESOLUÇÃO DIVERSA CONDUZIRIA PARA ALÉM DOS LIMITES DOEXTRAORDINÁRIO. (RE 113916 / SP - SÃO PAULO. Relator(a): Min. CARLOSMADEIRA. Julgamento: 03/05/1988. Publicação: DJ 05-08-1988 PP-18630).fls. 5

A ação popular é instrumento hábil não apenas para a anulação de atos lesivos ao patrimônio público, mas também instrumento capaz de proporcionar o efetivo ressarcimento ao erário pelos danos causados. Sem isso, a função dessa ação restaria diminuída e ineficaz mesmo havendo o dano. Ademais, a interpretação teleológica que considera a finalidade da ação popular e a finalidade do art. 37, §5º da CF/88 não deixa dúvidas quanto à possibilidade de haver ressarcimento ao erário ainda que o ato lesivo não possa ser anulado devido à impossibilidade fática de desconstruir o prédio do Fórum de Maceió.

Do dano moral

O autor alega a existência de dano moral causado à coletividade e especialmente aos servidores da Justiça devido ao risco de desabamento do prédio onde trabalham e ao comprometimento da prestação jurisdicional aos cidadãos. O dano moral consiste no sofrimento, na angústia, na aflição espiritual, no exaurimento psicológico da(s) vítima(s) de algum ato ilícito ou ilegal, gerando o direito à indenização, a qual tem por objetivo punir o ofensor e compensar a vítima.No caso sub judice, não se caracteriza o dano moral, mas apenas o dano material. O fato de o prédio sede do Fórum ter sofrido abalos, dentre outros problemas estruturais, pode ter causado certo temor ou desconforto aos servidores do judiciário e aos jurisdicionados, porém essa situação de fato não tem o condão de gerar indenização por dano moral, pois não leva ao grau de sofrimento capaz de despertar a dor e o sofrimento tutelados pelo instituto do dano moral. Desse modo, não é qualquer desconforto ou mal-estar que se encaixa no conceito de dano moral, mas apenas aquele sofrimento profundo, relevante, marcante, que traga prejuízos à vida e à psiquê da vítima e queseja capaz de diminuir ou privar a pessoa da paz e da tranquilidade, que atinja e

altere o estado psicológico ou espiritual da pessoa, o que não acontece no caso em questão. Ainda que não se entenda o dano moral como a alteração do estado anímico da pessoa, mas como a lesão aos direitos da personalidade, não se aplicaria ao presente caso, posto não haver infringência dos direitos à intimidade, vida privada, imagem e dignidade. Ante o exposto, indefiro o pedido de indenização por danos morais.

Presentes, nesta ação, de modo incontrastável, os requisitos exigidos para a demanda popular, quais sejam: a condição de cidadão brasileiro (fls. 32); a ilegalidade da execução do contrato de construção do prédio do Fórum, ainda que não seja declarada a invalidade da avença; e a lesividade ao patrimônio público; todos sobejamente comprovados e que estão a reclamar o restabelecimento do prejuízo indevido causado ao patrimônio público, é de se ter por procedente a ação.Pelas razões expostas, julgo procedente o pedido, para, com fulcro no art. 37, § 5º da Constituição Federal, condenar as empresas Uchôa Construções Ltda e Construtora Sauer Ltda ao ressarcimento ao erário (Tribunal de Justiça) do valor de R$ 2.213.975,91 (dois milhões, duzentos e treze mil, novecentos e setenta e cinco reais e noventa e um centavos) em face da infringência das regras da boa engenharia determinadas pela ABNT e que gerou a prejuízos ao erário devido à necessidade de reforma e reforço estrutural do prédio do Fórum de Maceió.Condeno as rés ao pagamento de custas processuais e honorários advocatícios que fixo em R$ 50.000,00 para o autor Richard Wagner Medeiros Cavalcanti Manso e R$ 10.000,00 para o Estado de Alagoas, considerando a atuação das partes na demanda, a complexidade da causa, o interesse público envolvido e a iniciativa do autor popular.

fls. 6

P.R.IMaceió, 08 de julho de 2011.

Manoel Cavalcante de Lima Neto

Juiz de Direito


Notas

[1] GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume III: contratos e atos unilaterais. 5 ed. São Paulo: Saraiva, 2008.

[2] STOLZE, Pablo & PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Curso de direito civil: contratos, Vol IV, Tomo 2. 1 ed. São Paulo: Saraiva, 2008.

[3] LÔBO, Paulo Luiz Netto. Teoria geral das obrigações. 1 ed. São Paulo: Saraiva, 2005.

[4] CAVALIERI, Sérgio Filho. Programa de responsabilidade civil. 8 ed. São Paulo: Atlas, 2008.

[5] É o que se entende do exposto no Parágrafo Único do artigo 28 da Lei 4.591/64, Lei sobre condomínio em edificações e incorporações imobiliárias. No entanto, este dispositivo foi vetado.

[6] VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Responsabilidade Civil. 7 Ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 263.

[7] Para maiores esclarecimentos sobre a diferença entre as duas espécies de responsabilidade vide CAVALIERI, 2008, p. 16.

[8] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgRg no Ag 991883/ SP, Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, Publicado: DJe 04/08/2008.

[9] BRASIL. 18ª Vara Cível da Capital – Fazenda Pública Estadual. Comarca de Maceió. (Processo n.º 0019750-42.2009.8.02.0001). Publicado no Diário Eletrônico do Tribunal de Justiça de Alagoas em 11/07/2011.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MELO, Rafaele Monteiro. Responsabilidade civil no mercado imobiliário. O caso do Fórum Desembargador Jairon Maia Fernandes, em Maceió (AL). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3192, 28 mar. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21389. Acesso em: 28 mar. 2024.