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Ética nos négocios - um dever legal ou moral

Ética nos négocios - um dever legal ou moral

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Faz-se uma abordagem histórica da ética, para entender sua importância nos negócios atuais.

Há não muito tempo, dizer a um empresário que ele, estando no Brasil, poderia fazer negócios com empresários chineses, japoneses ou qualquer outro país que está do outro lado do sol nascente seria algo quase impensável e inacreditável, por assim dizer. Todavia, a globalização chegou e nos veio permitir que distâncias fossem encurtadas, e graças também ao grande avanço da tecnologia, que nos permite, em tempo real, contactar diversas partes do mundo.

Entretanto, o desmensurado crescimento do tráfego comercial, tanto em âmbito nacional como em âmbito internacional, nos remonta à questões antigas, que por vezes é esquecida, mas que invarialvemente devem ser trazidas a tona para discussão e reflexão. Refiro-me a ética nos negócios.

Pois bem, diria o mais apressado, qual é o real conceito enraizado por detrás desta simples palavra que tanto é falada e pouco praticada, e, como, em que pese a palavra Ética náo ser um verbo, poderia ela converter-se em um verbo e provocar uma efetiva ação naqueles em que proclaman em alto e bom som serem éticos? E vou mais adiante, como se consegue implementar efetivamente a ética nos negócios ante a todo este tráfego comercial transfronteriço, em que para uns o conceito de ética é totalmente distinto que para outros dada a questão cultural, social e até mesmo política, e principalmente fazer entender aos colaboradores de nossas empresas, a quem efetivamente está incumbido o “dever ser” ético, de que devem observá-lo incondicionalmente? Respostas difícieis de serem dadas, mas vamos ao desenvolvimento da idéia.

Os mais adeptos ao Positivismo nos planteariam una solução mais radical – Uma lei obrigando aos participantes de um negócio comercial a terem ética seria a solução – os mais Naturalistas diriam que não necessariamente uma lei resolveria o problema, mas que talvez apelar para sociologia, filosofia, psicologia, e com isso fazer com os participantes deste tráfego comercial entendessem a real necessidade de se ter etica nos negócios poderia resolver a questão. Aqueles que estão sempre encima do muro dirian que um pouco de cada uma das duas teorias, adicionando um pouco de bom senso seria a formula ideal.

Planteada está a questão, e aí, qual a fórmula adequada e ideal para os tempos atuais?

Já lhes adianto que não temos a fórmula, pois se a tivéssemos, seguramente a venderíamos por um alto preço, e tampouco temos a pretensão de esgotar o tema nestas poucas páginas, todavía, pretendemos trazer-lhes alguns conceitos históricos e dados atuais a respeito do tema, que seguramente nos ajudarão a refletir e talvez avançar no tema.

Pois bem, para chegarmos ao cenário atual, necessário é voltarmos ao tempo até chegarmos a Roma Antiga, e partindo dalí poderemos percorrer algums caminhos que nos ajudarão a compreender toda esta problematica que envolve a ética, e por que não dizer também a moral, uma vez as duas podem ser consideradas como gêmeas siamesas, (em que pese alguns autores as conceituarem de modo distinto), e seguramente poderemos extrair sábios e bons ensimanemtos para aplicá-los em nossos negócios, na atualidade.

Estamos em Roma, no século I a.C. Durante este período um importante filósofo estóico de nome Marco Tulio Cícero (a seguir somente Cicero) já se preocupava com a questão da ética nos negócios entre os romanos e os estrangeiros que negociavam com aqueles, ou entre os próprios nacionais, e teve um especial interesse pelo estudo do tema. Para Cícero, o comportamento ético deve ser o balizador da conduta do negociante e nos presenteia pensamentos preciosos sobre o tema, dizia o mestre “a etica e a boa fé terão que existir antes de que haja um dever jurídico”, e a melhor maneira de explicar este pensamento, é trazermos a baila alguns exemplos comentados e ensinados por Cícero.

Começemos com um análise detida a respeito da Ética em seu plano histórico.

Podemos dividir a ética estóica em duas partes; a) moral em quanto ao dever de estar em retidão - que está relacionada com o honestum, ou seja, a vontade deve estar intimamente ligada a uma conduta reta, estar convicto, com o empenho do mais alto grau de moral, mantendo sempre o caráter a margem de qualquer mácula corruptível; b) moral em quanto às obrigações médias - este ponto está conectado com o dever de cumprir as ações de acordo com a ordem natural das coisas, que é nato de todo ser humano.

 A ética em quanto aos deveres, que possui em suas primeiras intenções seu ponto inicial, consiste em direcionar-se de forma lenta à moral e à obrigação de estar em retidão; ou seja, o homem, com seu amor próprio, têm que amplia-la em direção aos amigos, ao seu próximo, a sua família, vizinhos e companheiros de trabalho.

Este dever de estar em retidão constante (conduta reta e caráter a margem de qualquer corrupção) que, sobretudo passa primeiro por uma necessidade pessoal para que se exteriorize, dá-se o nome de honestum. 

De igual modo, em quanto às obrigações médias, não se pode conceber que alguém prefira o mal que o bem, ou seja, um caráter corruptível e sem honra ao invés de ter uma conduta ilibada e ser honrado.

Dominar a moral, e consequentemente manter um caráter ético, é manter constantemente o pensamento e a atitude conectado ao que é reto, convertendo-se em uma ação positiva.

Sendo assim, como dissemos acima, ficou a cargo de Cícero ligar os pontos de conexão entre o dever de estar em retidão e as obrigações médias, e nos apresenta dois supostos, onde se discute o dever ético de informação entre os negociantes como componente ético. De um lado Diógenes de Babilonia e do outro seu diiscípulo Antipatro de Tarso.

Neste suposto, a principal preocupação não era a informação que devería ter sido passada ao comprador, como parte do dever ético do vendedor, mas sim o alcance da mesma na relacão negocial, vamos ao caso.

Um homem que se dizia honrado chega a Rodes, vindo de Alexandria, com um importante carregamento de trigo. O preço do grão está muito alto porque Rodes estava passando por uma situação crítica de fome e falta de alimentos. O vendedor tem informações que muitos navios deixaram Alexandria em direção a Rodes, posto que em dito porto chegaríam uma grande quantidade de trigo ao mesmo tempo. O vendedor mantén silêncio quanto a esta informação para os compradores de Rodes, ou seja, omite tal informação para obter um melhor preço de venda.

Aqui em primeiro lugar, é necesario avaliar eticamente esta conduta silenciosa. Diógenes de Babilonia considera moralmente justificado, fixando-se na habilidade do vendedor, posto que ele obedece ao instinto de conservação que é nato ao ser humano. Inobstante a isto, seu discípulo, Antipatro de Tarso, sustenta a questão da solidariedade humana, que deve superar este egoísmo para ser solidario com o próximo. Se trata de cumprir a ação moralmente e eticamnete correta, e, sobretudo, incorpora já uma alteração da justiça material.

Rebate Diogenes que a única censura que se pode fazer ao vendedor é que ele quer vender com o melhor preço possível. O discípulo Antipatro diz que ainda que a conduta do vendedor não seja antijuridica, omitir e não informar ao comprador sobre a chegada iminente de vários navios com grãos e a consequente baixa dos preços, deve ser jurídicamente sancionada porque é éticamente reprovável. Silenciar a chegada iminente a Rodes de muitos navios de trigo, traí o principio da solidariedade.

A réplica do mestre se resume na seguinte frase: uma coisa e enganar, outra coisa é guardar silêncio. Omitir informações que poderiam ser de interese do comprador, por exemplo, a finalidade dos bens ou sua natureza, não é o mesmo que tapar valores próprio de engaano, neste caso, só houve um ato de silêncio, de se calar, estar quieto.

Segundo suposto apresentado por Cicero

Agora estamos ante um suposto de venda de um bem imóvel. Falamos de uma domus pestilen,.ou seja, é um imóvel com deficiências, impróprio. O vendedor tem que se apresentar sempre como bom homem. O vendedor é o único que conhece todas as deficiências da casa, havendo dois tipos de deficiências:

·                    Condições insalubres (serpentes e cobras na casa)

·                    Deficiencias na construção (a estrutura de madeira da casa não era boa e em algumas zonas ameaçava cair)

O vendedor no momento de abrir a negociação com o comprador, omite estas informações aos interessados para conseguir um preço mais alto. A conduta do vendedor é justa ou injusta?

Cicero começa nos advertindo que estas deficiencias poderíam ser definidas como vícios ocultos e havería que incluí-las como deficiencia do comprador, se ele não se informou como devería das condições da casa, não há que pensar em culpa do comprador, só em vicios ocultos.

Aquí se começa a discutir entre o dolo e o erro. A conduta do vendedor é de se calar, não dizer nada, gerando uma aparencia enganosa e produzindo um erro para a outra parte. No debate Ciceroniano aparece Diógenes dizendo que o vendedor não pode estar obrigado pelo que não disse, alguém somente se obriga a algo quando o faz com palavras. Exigir neste caso que o vendedor informe com precisão sobre os detalhes da casa é uma hipótese que o proprio Diógenes assinala a seu discípulo como irrisória. Como vai dizer a uma pessoa que a casa que está vendendo apresenta avarias? Isto é algo inviável.

Mas existem algumas perguntas no ar: Há neste silêncio do vendedor fraude?, Pode se dizer que houve dolo? Aparecem termos como obscuro, malicioso, astuto, em particular, o conteúdo omissivo do silêncio que oculta ou dissimula as condições menos favoráveis de algo.

Antipatro rebate. - De qual modalidade de silêncio estamos falando aqui? É evidente que o silêncio do vendedor incide sobre a coisa, uma descrição completa e veraz da casa. Outra coisa é se estivéssemos falando do silêncio ativo do receptor. O caso se apresenta absurdo e inexplicável.

Cicero nos quer apresentar outra modalidade do silêncio, agora silenciar toma o valor menos inofensivo de omitir o que se sabe, de abster-se de dizer o que precisamente se conhece. Agora o fato silêncioso vai ser produzido em um ato bilateral e consensual, sem fórmulas rígidas, mas vontade expresada no acordo de vontade: as partes podem se falar duarante as negociaçóes livremente e também podem se calar sobre essas negociaçóes. O vendedor deixa de falar e se cala quando na verdade devería falar o que conhece, mas, entretanto, permanece calado. Esta violação irá produzir através da mesma ação de informar ou em segundo lugar por omissão, um ato de silêncio.

Neste novo cenário consensual de compra e venda, o silêncio é um elemento a mais nesta fase prévia de celebração do contrato. Na medida que este silêncio incide, esta modalidade de atividade humana (omissão de informação) vai ser jurídicamente valorada. Nos parece que a boa fé exige correção no comportamento das partes. Cicero, entretanto, tem dúvida de que todo silêncio implique em uma conduta desleal, contraria à boa fé, conduta desonrada, e portanto sancionável. Somente quando o vendedor com o silêncio trair a confiança do comprador, o calar se apresentará efetivamente relevante. Cicero se pergunta pela presença de dolo por parte do vendedor e a invalidez o validez do negócio. Segue viva aquí a discussão sobre a possível vida do silêncio neste debate.

Em que pese todas estas dúvidas, Cicero nos oferece ao final do debate um principio de solução. O guardar silêncio como omissão do que sabe o vendedor, não informando ao comprador e fazendo com que caía em um erro, é algo que vai contra a boa fé e contra a ética. O principio de boa fé influencia, porntato, na compra venda de um bem imóvel. Os juristas romanos vão introduzir então a obrigação de pontuar, precisar com veracidade todos os defeitos que conheça o vendedor de imóveis, no momento da negociação da compra venda. Cicero, no texto, o único que faz é uma especie de proposta. A conduta silênciosa do vendedor é um comportamento incompatível com a boa fé e com a ética. O vendedor se faz responsável por causa de seu silêncio. Cicero é partidário de promover o dever jurídico de informação para a venda de imóveis dado que a conduta silênciosa do vendedor é claramente contrária a ética e a boa fé.

Os debates nos deixam algumas conclusões interessantes.

Em primeiro lugar a conduta silenciosa do vendedor nada tem a ver com o silêncio ativo do ato receptivo constitutivo que é o que ponderava e reconhecia eficiência no Direito Romano. No caso da venda de trigo, o silêncio do vendedor afeta à previsível repercursão que o incremento de muitos grãos no porto de Rodes terá no preço do mesmo. Agora, o silêncio, o produz aquele que deveria falar, mas não fala, guarda silêncio. A conduta silenciosa do vendedor forma parte do tráfego económico que o direito tem que regular, e em seu caso, sancionar.

O conceito de boa fé é um conceito meta jurídico, um conceito ético. Se incorpora então uma nova visão a respeito da ética e quando ela implica em uma conduta moralmente reprovável. Se cría uma falsa realidade que vai contra a boa fé. Pois bem, não é fácil estabelecer a conduta ética do vendedor, nestes supostos apresentados.

·                    Una primera opção é crer que o dever de informação e consequentemente uma conduta ética se cria com a palavra, pelo que somente se sanciona a falsidade no uso dessa palavra e não o silêncio ou ausência de palavras

As passagens Ciceronianos apresentam fatos históricos do silêncio, como parte de um dever de se comportar com ética e boa fé. Os usos no tráfego mercantil em que nos encontramos, ensinavam aos comerciantes da época a guardarem um prudente silêncio, a não dizer nada sobre as possíveis deficiências da coisa, a ocultar coisas que lhes eram desfavoráveis. Os vendedores estavam bem ocupados em evitar as palavras, eles sabían que as palavras lhes levavam ao compromisso, pelo que evitando-as, se evitava o compromisso. O principio de confiança na sinceridade dos tratos exigem reprimir o uso do silêncio na medida em que o uso do mesmo disimula a realidade.

Talvez certo abuso de condutas silenciosas traía o principio da boa fé, quando os pretores romanos converteram a boa fé em principio fundamental de compromisso. Era necessário proteger o comprador frente a esse modus operandi do vendedor. O vendedor que cala o que sabe, debe ser sancionado por esta conduta contraria a ética e a boa fé.

A exigencia ética de não ocultar o que se sabe se converte em dever jurídico de informar sobre o que se sabe. A ação de informar são duas faces da mesma moeda. Foi o silêncio do vendedor a conduta inicialmente valorada e a causa do reconhecimento jurídico do silêncio do vendedor.

É contrário à boa fé que o vendedor oculte qualidades sobre a coisa, e, é conforme a boa fé uma conduta ética que se informe delas.

Esta reprovação moral de uma conduta não ética não tinha nada que ver com a reprovação legal. Não está tampouco nada claro qual deve ser a sanção jurídica do silêncio. As consequências jurídicas do silêncio para o vendedor varíam de um jurista para outro e de um momento histórico a outro. Não é o mesmo apreciar dolo que apreciar um dever sem boa fé. O certo é que o contraste de opiniões provocou um interessantísimo debate.

Devemos lembrar que a figura do honestum se converte em quatro qualidades necessárias: a) a sabedoria: é o honesto que se liga ao conhecimento; b) a justiça: é o honesto sobre a distribuição dos bens; c) a coragem: é o honesto sobre aquilo que se deve suportar; d) a prudência: é o honesto sobre a escolha das coisas.

Tais qualidades poderiam ser encaixadas da seguinte forma, como nos ensina Cícero: a) se é sábio, então conhece a virtude; b) se é justo, então dá a cada um o que é de cada um; c) se é corajoso, então enfrenta os obstáculos; d) se é prudente, então escolhe de maneira refletida.

Na realidade Cícero nos deixa alguns exemplos e dicas de como adotar medidas que sejam justas, e como avaliar os mais variados percursos que se lançam mão para chegar à ação, posto que a ação não pode se converter em vantagens pessoais em detrimento do honesto.

Ao diferenciar e distanciar a honestidade (ética) da utilidade (direito), os homens podem desvirtuar os negócios e acordos e, por meio desta ação, afrontar a lei natural. Tudo que for contrário ao honesto, diz Cícero (1999, p. 41), é torpe, e onde houver torpeza, não haverá utilidade, porque a utilidade e a torpeza não podem conviver no mesmo objeto. O homem justo é, ao mesmo tempo, sábio, corajoso e prudente.

Existem segundo Cícero (1999, p. 14-15), dois gêneros de injustiça: a) injustiça comissiva, que resulta da prática de um ato injusto; b) injustiça omissiva, que resulta da omissão diante da prática de um ato injusto. Essas injustiças são motivadas pelas paixões, em especial a cobiça e o medo.

Continua o mestre, a fraude é a mais odiosa das práticas injustas, porque quem a pratica quer parecer que é um “homem bom”. Cícero nos apresenta o modelo de comportamento para que se tenha justiça, evitando assim a injustiça: “ninguém pode se beneficiar à custa de outrem, pois isso viola o honestum e os laços naturais entre os homens”.

Pois bem, avançemos quase dois mil anos e cheguemos a Freud, o chamado pai da psicanálise. Igualmente aos romanos, Freud também dedicou especial atenção para o tema da ética e da moral. Para ele a civilização que temos hoje começa quando nos damos conta que dependemos do trabalho coletivo para evoluirmos e a moral e a ética, como componente relacional, aparece como vetor para possibilitar tal feito, conforme afirma (1895, p.119), “o desamparo inicial dos seres humanos é a fonte primordial de todos os motivos morais”.

Entede o mestre que a ética se faz necessária para estabelecer e demonstrar quais são os direitos do coletivo em oposição ao indivídual, e o direito individual em oposição ao coletivo e o direito de um indivídual para com o outro individual. Nos adverte ainda que as vezes pensamos que estamos abrindo mão de um desejo porque temos uma conduta ética, mas devemos entender que é ao contrário, ou seja, por termos uma conduta ética, abrimos mão de desejos individuais para o bem do coletivo.

Conclui então Freud que a conduta ética não é algo nato do ser humano, a conduta ética será construída de acordo com a necessidade de sobrevivência, porém, é verdade, que a pessoa desenvolve os preceitos éticos a partir do momento em que ela passa pelo mesmo caminho que todo ser humano passa para conquistar preceitos morais. Entende Freud que o individual necessariamente leva ao coletivo.

A principal conclusão que podemos extrair da análise que Freud no brinda a respeito da ética e da moral é o surgimento do superego como um balizador ético para o ego. “Quanto mais o homem controla sua agressividade para com o exterior, mas severo ele se torna em seu ideal de ego” (Freud, 1923a, p.70), ou seja, por mais que o homem tente controlar seus instintos mais despreziveis, ainda assim, seu ego estará mais aflorado, possibilitando que suas ações, que estão fora de uma conduta ética, se desencadeiem com maior facilidade.

Pois bem, qual a conectividade que se pode fazer entre os ensinamentos dos dois mestres e invariavelmente que contribuição podemos trazer para nossos dias? Esta é a pergunta que não quer calar.

Quando Cícero nos apresenta o debate a respeito da conduta ética dos vendedores, seja do vendedor de trigo ou da casa, nos leva a pensar e refletir que acima de tudo, em uma relação de negócio, deve prevalecer o senso de humanidade e principalmente a prevalecência dos preceitos morais que regem as relações humanas. Tendo como pano de fundo as reflexões de Cícero, e aplicando-as sobre elas o pensamento de Freud, temos que, por mais que o ser humano seja dotado de ética e moral, invariavelmente ele será tentado a corromper seus preceitos éticos e morais, uma vez que seu ego o impulsiona a adotar medidas que são contrárias a seus principios.

Lhes apresentamos acima alguns supostos, onde o debate central estava em ter ou não uma conduta ética por intermédio do silêncio, quando deveria ser dito algo em uma negociação, todavia, a ética nos negócios não se resume neste ponto, este ponto foi apenas uma referência quanto ao comportamento humano. O que se pode extrair destes exemplos? Está aí o cerne da questão. Qual a consequencia que um comportamento anti ético, ou seja uma conduta não ética em um negócio pode desencadear a outra parte, ou a mais partes? O que isto pode refletir às pessoas que estão próximas a nós?

Depois deste recorrido histórico, mister se faz avaliarmos qual é a nossa realidade no que tange a questão da ética nos negócios.

Com o advento do novo Código Civil, em 2002, foi introduzido em nosso ordenamento jurídico, em especial ao mundo negocial, o principio da boa fé objetiva, ou seja, as partes, quando da realização de um negócio, - antes, durante e depois – deverão empenhar os mais altos esforços no sentido de que esta relação seja justa, equilibrada e transparente, não se admitindo com isso, que uma parte obtenha um beneficio desmensurado ou desproporcional em detrimento ou em prejuízo da outra ou fruto de seu engano/erro. Mas a pergunta permanece, qual a força que uma lei tem sobre a conduta ética individual de cada ser humano? Indo mais adiante, qual a força que uma lei pode exercer sobre o caráter do ser humano, que como bem ressaltou Freud, que se infla a cada ataque ao seu superego?

As respostas a estas perguntas não são fáceis, tanto é que desde milhares de anos se discute o tema. Hoje, mais do que nunca, muito se fala em código de conduta e implementação de regras de condutas, manual de mehores práticas, afim de que os negócios, sobretudo, estejam alicerçados sobre uma conduta ética, todavia, seguimos acompanhando relatos de empresas e pessoas que, relegam a segundo plano todo o esforço de suas organizaçóes para manterem um padrão ético, e, ousadamente, optam por viver sob o fio da navalha da fraude ou em condutas antiéticas. Exemplos são muitos e não se faz mister relacioná-los.

Contudo, penso que, ainda que advenham leis ou normativas privadas instituindo o dever ético nos negócios, se não houver uma mudança de postura quanto a moral e a ética, individualmente em cada ser humano, permanecermos no mesmo ponto onde estávamos a dois mil anos atrás com Cícero e onde estamos hoje. Seguiremos ouvindo notícias e relatos de descobertas de fraudes, de negócios obscuros, de facilitação a determinada gente, e outros tantas mais.

A dificuldade de implementação de condutas éticas nos negócios passa necessariamente pela questão de que nem todos querem ser éticos ou estar éticos, por uma razão muito simples, não consideram que a ética seja algo relevante para o negócio em que está metido ou participando. Digo mais, alguns empresários também não possuem o menor interesse que seus negócios se pautem pela ética, transferindo assim este mal aos seus colaborades que não vêem razões para manter uma conduta da qual não lhes é requerida, ou, sua não observancia, não lhes é reprimida.

Estar ético requer um exercício diário, pois invariavelmente somos tentados e levados a condutas que podem não estar totalmente em conformidade a uma conduta eticamente aceitável, ainda que tal conduta não seja ilegal.

Não podemos deixar de enaltecer muitas empresas, (algumas obrigadas por força de imposição legal ou judicial – muitas destas americanas - ) que tem adotado medidas para que seus colaborades e seus negócios estejam em conformidade com a ética, o que não deixa de ser um ponto positivo em meio a onda negra.

Fato é que, em toda realção seja de negócio, familiar, religiosa, devemos colocar adiante de tudo a Ética como ponto fundamental para a concretude benefica de dito negócio, ou seja, não só é necessário e importante que se tenha ética, mas sim que se pratique efetivamente a ética e em especial, nos negócios, e novamente o homem tem o papel fundamental em toda esta mudança.

Acredito firmemente na real necessidade de que mantenhamos vivos e acessos os ensinamentos do mestre Cícero, porque tal necessidade – de um conduta ética - se faz presente em nossas relações comerciais, assim como o era nos tempos antigos.

Enquanto houver complacência e tolerância com fraudadores e pessoas que decidem viver sem ética, não avançaremos no tema e permaneceremos sendo bombardeados com noticias de descoberta de fraude aquí e alí. Penso que ao serem descobertas, tais pessoas ou empresas deveriam ser banidas do tráfego comercial, para que sirva de caráter pedagógico, pois conforme nos adverte Cícero, a fraude é a mais odiosa das práticas injustas, porque quem a pratica quer parecer que é um “homem bom

“O comportamento ético deve ser o balizador da conduta do negociante” se é sábio, então conhece a virtude, se é justo, então dá a cada um o que é de cada um, se é corajoso, então enfrenta os obstáculos e se é prudente, então escolhe de maneira refletida, este é o modelo ideal a ser perseguido.


Bibliografia

- CÍCERO, Marco Tulio. Dos deveres. São Paulo: Martins Fontes, 1999.

- FREUD, Sigmund (1895). Projeto para uma Psicologia Científica, v.I, In: Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, Imago, 1990.

 (1923a). O ego e o id, v. XIX.

- Código Civil Brasileiro

- CASTRESANA, Amelia. Fides Bona Fides. Madrid: Tecnos. 1991.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RIBEIRO, Josiel. Ética nos négocios - um dever legal ou moral. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3236, 11 maio 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21737. Acesso em: 28 mar. 2024.