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O processo de generalização das cláusulas abusivas sob a perspectiva da função social dos contratos

O processo de generalização das cláusulas abusivas sob a perspectiva da função social dos contratos

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É irrefutável que a Constituição, com seus princípios normativos e com as diretrizes firmadas pelos direitos sociais fundamentais, representa o caminho adequado para uma compreensão construtiva, integradora e unificadora de todo o conteúdo jurídico da relação contratual em tempos atuais.

RESUMO

O presente estudo discute a questão da generalização das normas sobre cláusulas abusivas dispostas no Código de Defesa do Consumidor. Propõe-se, inicialmente, uma análise de referenciais normativos como as cláusulas gerais do Código Civil e de princípios constitucionais, como o solidarismo e a justiça social, do que se conclui que a referida hipótese de aplicação teria como fundamento os preceitos constitucionais dos quais decorre a função social do contrato. Em seguida, discute-se o problema da amplitude semântica das cláusulas gerais do Código Civil, do que decorre o problema da discricionariedade na aplicação imediata dessas normas, que se afigura incompatível com as exigências impostas pela ordem constitucional democrática. Por fim, investiga-se a questão das condições de possibilidade de incidência de cláusulas abusivas nas relações contratuais de direito civil e empresarial, considerando uma progressiva generalização desse instituto típico do direito do consumidor, transcendendo, assim, seu campo de aplicação originário.

Palavras-chave: Liberdade contratual.  Função social dos contratos. Cláusulas abusivas


1.INTRODUÇÃO

O contrato é um pressuposto lógico da vida em sociedade. Toda a convivência entre os membros de um grupo social se baseia e se concretiza em acordos de vontade. Nesse sentido, não há dúvida de que a liberdade de contratar, ou, mais especificamente, a liberdade contratual, isto é, a liberdade para definir o conteúdo do contrato, deve ser garantida aos indivíduos. Pois o Estado não pode tolher irrestritamente a autonomia da vontade dos contratantes, a qual possibilita o desenvolvimento de toda uma rede de relacionamentos entre os componentes de todo e qualquer grupo social. Decerto, tais acordos de vontade representam algo intrínseco à vida em sociedade.

Entretanto, para dar equilíbrio a essas relações sociais, evitando que prevaleça a “tirania” dos indivíduos mais fortes sobre os mais fracos, a ordem jurídica estabelece limitações à liberdade de contratar (e contratual). Essas limitações vão se estabelecendo gradualmente, no curso natural da evolução histórica do direito, que acompanha, certamente, a própria evolução das condições possibilitadoras e condicionantes dos arranjos sociais predominantes em cada época e em cada momento histórico. Assim, as sociedades vão, ao longo dos tempos, definindo uma moldura jurídica, em cujos limites os indivíduos exercem o direito de celebrar seus contratos.

Negar essa historicidade seria negar a própria história dos institutos jurídicos. Basta lembrar que na antiguidade, ou mais precisamente, nas origens do direito romano, a célebre Lei das XII Tábuas concedia ao credor o direito de tornar escravo o devedor inadimplente, tendo assim o domínio do seu próprio corpo, e até mesmo, em determinadas situações, a Lei previa que o devedor inadimplente poderia ser “esquartejado” em tantos pedaços quantos fossem os credores[1]. Já nos dias de hoje, felizmente, superamos até mesmo a possibilidade da prisão civil por dívida (com exceção da dívida de natureza alimentícia).

Já na modernidade, em tempos do denominado Estado liberal, no pós-revolução francesa, a liberdade contratual consistiu em uma das mais amplas garantias individuais contra a ingerência estatal, erigindo-se como postulado fundamental do direito moderno, amparado no individualismo racionalista, traço característico daquele período histórico.

Com as revoluções políticas, sociais e filosóficas ocorridas no sec. XX, sobretudo a partir do segundo pós-guerra, das quais exsurge a noção de Estado Social Democrático de Direito, pode-se constatar uma importante reviravolta paradigmática operada nas sociedades contemporâneas da tradição ocidental, especialmente no que se refere ao sentido da liberdade contratual, vale dizer, tal princípio (ou postulado) passou a ser dirigido e pautado por normas de direitos fundamentais, do que se fez surgir a ideia de função social do contrato, dentro de uma nova perspectiva de eficácia das normas constitucionais, o que muitos passaram a denominar constitucionalização do direito privado.

A função social do contrato, limitadora da liberdade de contratar, está expressa no art. 421 do Código Civil[2] (BRASIL, 2012) e decorre de princípios constitucionais, como a dignidade da pessoa humana, o valor social do trabalho e da livre iniciativa, a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, a redução das desigualdades sociais, a busca pela erradicação da pobreza e da marginalização e a função social da propriedade.

Nesse sentido, a manutenção do equilíbrio contratual, consubstanciada na proteção ao contratante que se encontre em situação de desvantagem, passa a condição de pressuposto do negócio jurídico, isto é, é condição de validade do contrato.

Assim, toda estipulação contratual, ainda que regularmente emanada da vontade dos contratantes deverá estar em consonância com essa nova base principiológica.

Como exemplo dessa perspectiva de proteção temos o instituto das cláusulas abusivas, previstas no art. 51 do Código de Defesa do Consumidor – CDC (BRASIL, 2012), essenciais para a proteção do consumidor contra a abusividade contratual cometida pelo fornecedor numa relação de consumo. O art. 51 enumera, de forma não exaustiva, as hipóteses de cláusula abusiva e as declara nulas de pleno direito[3].

Nesse contexto, a questão controversa que se avulta diz respeito a uma possível incidência, definição e alcance das cláusulas abusivas nos contratos civis e empresariais, já que tais dispositivos estão previstos, expressamente, apenas no CDC. Parte expressiva da doutrina sustenta que as cláusulas abusivas estão limitadas às relações de consumo, aplicando-se, nos contratos civis, em caráter excepcional, somente aos contratos de adesão. Todavia, em sentido contrário, boa parte da doutrina, como veremos, considera possível a hipótese de aplicação a ser analisada neste estudo.

Desse modo, o problema a ser enfrentado em nosso estudo consiste na seguinte indagação: haveria a possibilidade de reconhecimento de cláusulas contratuais abusivas nas relações jurídicas privadas, regidas pelo direito civil e empresarial? E, em tal hipótese, quais as possibilidades para a identificação dos elementos caracterizadores de tais cláusulas?

É, portanto, o que se analisará neste breve estudo, inicialmente, empreendendo-se um exame do princípio da função social do contrato e de sua relação com o instituto das cláusulas abusivas, seguindo-se então a apreciação específica das condições de possibilidade da incidência de cláusulas abusivas nas relações civis e empresariais.


2.A FUNÇÃO SOCIAL DOS CONTRATOS COMO FUNDAMENTO PARA O RECONHECIMENTO DE ABUSIVIDADE NAS RELAÇÕES CONTRATUAIS

O contrato é a mais importante fonte de obrigações, e seus efeitos são disciplinados pela lei (GONÇALVES, 2009, p. 2), sendo a vontade humana o seu fundamento ético, desde que essa vontade atue em conformidade com a ordem jurídica (PEREIRA, 2005, apud GONÇALVES, 2009, p. 2). Evidentemente, as limitações impostas à liberdade contratual, ou, de modo mais amplo, ao próprio princípio da autonomia da vontade, consistem em aspecto nuclear e essencial de todo e qualquer ordenamento jurídico.

 Muito embora esse princípio tenha sido elevado a mais alta categoria de postulados da ciência jurídica em tempos recentes, pode-se dizer, até mesmo de forma dogmática, em um período histórico caracterizado pela preponderância de ideologias individualistas e da doutrina liberal, fortemente manifestadas nas estruturas jurídicas dos Estados do pós-revolução francesa[4], não se há, todavia, como assentir aos indivíduos uma liberdade absoluta para contratar. Até mesmo nesses períodos de uma quase supremacia da autonomia da vontade, a ordem jurídica tem atuado na determinação dos limites da liberdade conferida aos indivíduos em suas relações contratuais, limites esses, que, obviamente, seguem parâmetros definidos pelos princípios norteadores de cada ordenamento.

Decerto, no século XIX prevaleceu o individualismo, manifestado na clássica concepção do contrato como uma declaração de vontade destinada a produzir efeitos jurídicos, mormente a teoria de Savigny, dentre outros. Nos dias atuais, entretanto, prevalece o solidarismo, fortemente explicitado nas teorias contratuais vinculadas ao constitucionalismo contemporâneo, considerando-se o termo no sentido de preeminência do texto constitucional na consolidação dos direitos fundamentais, bem como em seu caráter inovador, como assevera Lenio Streck, de influência na determinação de aspectos de constitucionalização de direitos e, sobretudo, na obrigatoriedade de interpretação das leis a partir de uma compreensão constitucional do direito. (STRECK, 2004, p. 101).

A própria concepção de Rousseau (2002, p. 25 e 26) em sua formulação da clássica teoria do contrato social, não obstante sua influência no pensamento iluminista, aponta nesse sentido de uma espécie de pacto de solidariedade como fundamento da vida em sociedade:

Cada um de nós põe em comum sua pessoa e toda sua autoridade, sob o comando supremo da vontade geral, e recebemos em conjunto cada membro como parte indivisível do todo. Logo, ao invés da pessoa particular de cada contratante, esse ato de associação produz um corpo moral e coletivo, composto de tantos membros quanto a assembleia de vozes, o qual recebe desse mesmo ato sua unidade, seu eu comum, sua vida e sua vontade.

Decerto, contemporaneamente, a noção de liberdade contratual tem se submetido a uma séria mudança de paradigmas, numa profunda reviravolta principiológica, em que saltamos da exaltação de “dogmas como a obrigatoriedade das convenções e a equiparação da vontade das partes à força da lei” (GOMES, 1997, apud SARDAS, 2008) para uma nova concepção das relações contratuais, com a ascensão da denominada função social dos contratos, assentada não somente nas cláusulas gerais do direito civil, como a boa-fé objetiva e o equilíbrio contratual, mas também, e fundamentalmente, nos princípios constitucionais característicos do Estado Social Democrático de Direito, máxime o solidarismo e a justiça social, assim como os direitos fundamentais a estes vinculados.

Essa fundamentação é firmemente atrelada à teoria da eficácia horizontal dos direitos fundamentais (Drittwirkung der Grundrechte), teoria de origem alemã[5], que afirma a eficácia de direitos constitucionais nas relações jurídicas privadas, partindo da evidente constatação de que “na sociedade moderna determinados grupos dispõem de poder social e econômico capaz de afetar intensamente as relações interprivadas e os direitos e interesses essenciais dos indivíduos.” (GUEDES, 2012, p. 11).

Decerto, um consenso sobre o sentido e alcance dessa teoria ainda se mostra distante, seja na Alemanha, ou em quaisquer dos países onde a teoria teve repercussão. Discute-se, então, até que ponto os direitos fundamentais podem e devem interferir nas relações jurídicas de natureza privada. Contudo, parece-nos inegável o fato de que normas constitucionais devem, efetivamente, atingir toda e qualquer relação jurídica.

Conforme se afirma na formulação original da Drittwirkung, há uma dupla dimensão nos direitos fundamentais: a tradicional significação de direitos subjetivos públicos; e a condição de princípios objetivos informadores da totalidade do ordenamento, inclusive o direito privado. A Drittwirkung seria, portanto, a consequência lógica das transformações ocorridas no âmbito do Estado Social de Direito. (ESTRADA, apud VALE, 2004.).

Nesse sentido, eloquente e esclarecedora é a lição do Min. Gilmar Ferreira Mendes[6]:

A autonomia privada, que encontra claras limitações de ordem jurídica, não pode ser exercida em detrimento ou com desrespeito aos direitos e garantias de terceiros, especialmente aqueles positivados em sede constitucional, pois a autonomia da vontade não confere aos particulares, no domínio de sua incidência e atuação, o poder de transgredir ou de ignorar as restrições postas e definidas pela própria constituição, cuja eficácia e força normativa também se impõem, aos particulares, no âmbito de suas relações privadas em tema de liberdades fundamentais.

A necessidade de limitações jurídicas à autonomia privada se acentua frente à moderna noção de Estado Social, no âmbito do constitucionalismo contemporâneo, em que o Estado, por meio de uma ordem constitucional democraticamente estabelecida, passa a atuar não mais com uma simples função de jurisdição (no sentido estrito da segurança jurídica) e de defesa, mas sim como efetivo garantidor dos direitos fundamentais e como transformador das condições sócio-econômicas, máxime os direitos sociais, nos quais depositamos todas as expectativas de transformação das condições de vida da população.

Nas palavras do mestre Bonavides (2009, p. 188), “o velho liberalismo, na estreiteza de sua formulação habitual, não pôde resolver o problema essencial de ordem econômica das vastas camadas proletárias da sociedade”. Em face da inoperância da ideologia liberal frente às contradições sociais que assolavam os sujeitos menos favorecidos e conduziam ao irremediável desequilíbrio da sociedade moderna, exsurge o Estado Social, que, em sua concepção jurídico-constitucional, visa à tutela da dignidade humana e da justiça social, de modo a, inevitavelmente, interferir mais profundamente nas relações sociais privadas. Seguindo na lição do Professor Bonavides (2009, p. 200), “o Estado social, por sua própria natureza, é um Estado intervencionista, que requer sempre a presença militante do poder político nas esferas sociais.”

Nesse contexto de atuação do direito na busca pela justiça social, que, não se pode negar, aplica-se também às relações de direito privado, pode-se, então, constatar uma importante alteração na situação jurídica dos contratantes, que não podem mais exercer seus interesses de modo alheio ao interesse coletivo. Assim, o conteúdo do contrato deve refletir as exigências da nova ordem, cabendo ao Estado disciplinar e corrigir as vontades das partes na medida em que possam vir a contrariar o interesse da coletividade. (SILVA, 2011).

Nessa concepção de Estado social democrático, rejeita-se a ideia de que a irrestrita liberdade contratual e a igualdade formal entre os indivíduos seriam capazes de garantir a dignidade do ser humano, fundamento máximo da nossa ordem jurídico-constitucional. Ao contrário, a busca pela igualdade fática e pelo efetivo equilíbrio nas relações contratuais são condições impostas pelo ordenamento. Voltemos à lição do ilustre Professor Bonavides (1998, p. 378), “o Estado social é enfim Estado produtor de igualdade fática.”

A função social dos contratos, portanto, funda-se na predominância da Constituição como unificadora do ordenamento e reguladora definitiva das relações jurídicas. Essa supremacia da Constituição é, enfim, condição para a conquista, ainda que tardia, das “promessas da modernidade”[7], sobretudo, a justiça social, o solidarismo, a erradicação da pobreza, a diminuição das desigualdades sociais, a função social da propriedade e a defesa do consumidor, dentre outros princípios consagrados na Lei Fundamental.

Na lição de José Afonso da Silva (2010, p. 144), ter por objetivo a construção de uma sociedade justa, livre e solidária, cf. art. 3º, I, CF (BRASIL, 2012), significa apontar para uma realidade humanista de fundo igualitário, de superação de conflitos e de integração social. Nesse sentido, merece destaque, no texto constitucional, o caput do art. 170: “a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social”. (BRASIL, 2012).

Ademais, as cláusulas gerais do nosso Código Civil expressam a nova ordem regente das relações contratuais, nos termos do art. 421: “a liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato”, bem como o art. 422: “os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé”, e ainda no parágrafo único do art. 2.035: “nenhuma convenção prevalecerá se contrariar preceitos de ordem pública, tais como os estabelecidos por este Código para assegurar a função social da propriedade e dos contratos”.(BRASIL, 2012).

Conforme observa Gonçalves (2009, p. 5), a concepção social do contrato, um dos pilares da moderna teoria contratual, tem por escopo a promoção de uma justiça comutativa, aplainando as desigualdades substanciais entre os contratantes. E nesse sentido, assevera o Professor Miguel Reale, na exposição de motivos do atual Código Civil: “firme consciência ética da realidade sócio-econômica norteia a revisão das regras gerais sobre a formação dos contratos e a garantia de sua execução equitativa.”

Ora, o que se pode (e se deve) entender por garantia de uma execução equitativa do contrato, referida pelo Professor Miguel Reale, consiste numa busca por aqueles objetivos dispostos no texto constitucional de solidarismo e justiça social e da igualdade (art. 3º, I, e art. 5º, caput, CF, Brasil, 2012), dentre outros princípios da Lei Maior. Portanto, o direito regula as relações civis no sentido de diminuir as desigualdades econômicas e sociais entre os indivíduos, tendo em vista a busca pela garantia da justiça social nessas relações.

Nesse sentido, pode-se asseverar que o reconhecimento de situações abusivas nas relações contratuais, ainda que não se tratem de relações de consumo, tem como pressuposto, como base principiológica e interpretativa, o princípio da função social do contrato, decorrente dos princípios constitucionais já referidos. Ademais, há de se considerar que toda compreensão jurídica exige um fundamento constitucional, o que, nesse caso, parece estar adequadamente evidenciado.


4.O PROBLEMA DA DISCRICIONARIEDAE NA APLICAÇÃO DA CLÁUSULAS GERAIS

Ressalte-se, porém, que não se afirma com isso uma opção pela aplicação direta das cláusulas gerais (ou abertas, ou conceitos indeterminados) aos contratos civis de modo a conferir ao julgador uma ampla discricionariedade na definição do conteúdo daquilo que seria uma relação contratual compatível com a função social dos contratos. Enfim, consentir que a simples declaração pelo julgador de que tal contrato, ou tal cláusula contratual é injusta, ou não equitativa, ou simplesmente abusiva, com base unicamente no conceito indeterminado das cláusulas gerais do Código Civil, seria apostar na discricionariedade judicial, enfim, um perigoso convite à arbitrariedade.

Noutro sentido, deve-se ressaltar que a democracia não é discricionária. A democracia, ao contrário, busca no Direito uma proteção contra a discricionariedade, baseada no respeito à lei e em uma decisão de caráter intersubjetivo definidora e construtora dos fundamentos, objetivos e princípios prevalentes no convívio entre os membros de uma sociedade. No Estado Social Democrático de Direito essa decisão é projetada (e legitimada) na Lei Fundamental. A democracia, portanto, funda-se nessa decisão intersubjetiva, que antecipa os sentidos possíveis, isto é, consiste numa atribuição e produção de sentidos que se antecipa ao aplicador do direito, de modo a se garantir a normatividade e efetividade da Lei Maior.

É nesse sentido, de respeito a essa decisão democrática projetada na Constituição, que o dever de fundamentação de toda decisão judicial disposto no art. 93, IX, CF[8] (BRASIL, 2012) exige uma explicitação dos motivos determinantes da sentença, isenta de vaguezas, ambiguidades ou obscuridades, vale dizer, pressupõe (e exige) um dever do julgador de convencer a sociedade sobre o acerto da sentença proferida (STRECK, 2011, p. 635).

Ora, não se convence com vaguezas, e afinal, é preciso superar a ilusão de que o convencimento somente tem de se dar na consciência do magistrado. Pensar assim, repita-se é apostar no solipsismo, o que pode representar um perigoso e indesejável convite ao autoritarismo, enfim, apostar na consciência do julgador como instância definitiva de solução dos problemas jurídicos não é compatível com sistema democrático constitucional que adotamos. Nesse sentido, vale citar, novamente, Lênio Streck (2010, p. 56): “em regimes e sistemas jurídicos democráticos, não há mais espaço para que a 'convicção pessoal do juiz' seja o 'critério' para resolver as indeterminações da lei, enfim, 'os casos difíceis'.”

Portanto, uma aplicação do direito no sentido de superação das desigualdades nas relações contratuais, garantindo sua composição e execução equitativa, pressupõe não somente a aplicação das cláusulas gerais, mas, sobretudo, a construção de uma precisa e adequada fundamentação de aplicação/interpretação baseada na Lei e na Constituição, de modo a garantir em cada caso concreto, uma inequívoca explicitação de que existe ali uma situação de desequilíbrio justificadora de uma intervenção do Direito em favor do contratante mais fraco, a fim de estabelecer uma situação contratual tendente ao equilíbrio.

Não se deve acatar também o velho argumento de justificação da discricionariedade judicial baseado no confronto que teria de um lado o juiz que decide com base nos princípios, “por equidade”, e do outro o “juiz boca da lei”. Poupemo-nos dessas “descobertas”. Afinal, se por um lado os últimos duzentos anos de teoria do direito serviram para sepultar o tal “juiz boca da lei”, o positivismo que aqui se critica, o positivismo normativista, que é decisionista e discricionário, é o próprio superador do positivismo exegético, do tal “boca da lei”.

Referimo-nos, pois, a uma superação do decisionismo do positivismo normativista, o qual se baseia no uso dos princípios como um instrumento de abertura semântica que daria ao julgador uma ampla discricionariedade para decidir “conforme sua consciência”, ou, nos moldes das teorias da argumentação, por meio de uma “ponderação” de princípios, de modo que a decisão permanece submisa ao solipsismo de quem pondera. Essa superação, enfim, pode (e deve) ter na própria Constituição o seu locus de compreensão e unidade de sentidos.

Decerto, depois de tantas conquistas no direito, mormente os avanços possibilitados e impulsionados pela nossa Constituição democrática dirigente compromissória, com sua pretensão de promoção da justiça social e de transformação da sociedade, seria descabido e,  como bem ressalta Lênio Streck (2011, p. 36), sem sentido, que apostássemos as nossas esperanças de realização dessas conquistas do direito na “loteria do protagonismo judicial”.

Nas palavras de Streck (2011, p. 39): “é preciso compreender a discricionariedade com sendo o poder arbitrário 'delegado' em favor do juiz para 'preencher' os espaços da 'zona de penumbra' do modelo de regras”.

Conforme adverte Dworkin, essa discricionariedade, em sentido forte, implica a incontrolabilidade da decisão judicial nos termos de um padrão antecipadamente estabelecido, no que se assenta a crítica de Dworkin ao positivismo de Hart, que afirma ter o juiz um poder decidir discricionariamente sempre que não lhe esteja disponível uma regra clara e preestabelecida (STRECK, 2011, p. 42-43). Essa abertura de sentido e essa falta de controle de conteúdo, portanto, aproximam perigosamente a decisão judicial discricionária da decisão arbitrária, e isso, repita-se, é deletério às conquistas da democracia.

Não basta, portanto, dizer simplesmente que o contrato não está cumprindo sua função social e, por isso, declará-lo nulo, ou declarar nula (s) alguma (s) de suas cláusulas. Isso seria uma forma extrema de discricionariedade, não legitimada no âmbito da democracia. É preciso que haja em cada ato decisório uma configuração suficiente para que o grau certeza do direito aplicado possa ser aferida, ou seja, a decisão tem de ser controlável, pois todo ato impassível de controle representa um lugar aberto e receptivo à arbitrariedade, ao autoritarismo.

É nesse contexto que se ressalta a questão da coerência e integridade do direito, no sentido proposto por Dworkin (2007, p. 271-273), de que a integridade do direito exige uma prática jurídica que identifique direitos e deveres legais que se evolvem e se desenvolvem em continuidade com passado e futuro, como se fossem obra de um único autor, a própria comunidade jurídica em seu conjunto, uma integridade que se configura ao mesmo tempo como produto e fonte da prática jurídica, capaz, assim, de garantir que uma decisão judicial possa ser considerada como uma decisão de toda a comunidade jurídica, no sentido de que aquele sujeito, naquela situação, é titular daquele direito, ou daquele dever.

Com isso, deve-se considerar que uma aplicação direta (imediata) das cláusulas gerais pode representar uma perigosa abertura semântica incapaz de oferecer um possível caminho para aplicação do direito que contemple essa integridade, que, ao menos, caminhe no sentido de construção de critérios harmonicos para a interpretação dessa problemática.

Observando, pois, questões suscitadas por parte da doutrina, quanto às hipóteses de aplicação direta das cláusulas gerais, é relevante aduzir, v.g., o que expõe Nery Júnior (apud GONÇALVES, 2009, p. 8), ao afirmar que diante do que se apresentar no caso concreto, e por ser de ordem pública a norma do art. 421, o juiz poderá declarar a nulidade do contrato com base no art. 166, VI, CC[9]  (BRASIL, 2012).

Dito de outro modo, ao aplicar a cláusula geral do art. 421, CC (BRASIL, 2012), o juiz poderia declarar a nulidade do negócio jurídico, preenchendo o conteúdo aberto do texto do art. 421, CC, por meio de uma discricionária atribuição de sentido, é o que se poderia depreender do referido trecho, considerando, evidentemente, sua leitura de forma isolada, ressalte-se, apenas para nos servir como exemplo, e tendo em vista, ainda, o que supõe a própria amplitude semântica da norma.

Como se pode notar, não se trata aqui de uma crítica à doutrina do eminente jurista, o qual, aliás, adota claro posicionamento contra as diversas formas de decisionismos e ativismos judiciais[10]. Decerto, Nery Júnior aponta para uma possibilidade de aplicação das cláusulas gerais que merece, evidentemente, ser seriamente considerada. Diante, portanto, das condições que se apresentam no caso concreto, deve-se buscar uma solução que contemple uma devida adequação à função social do contrato.

Ademais, é preciso anotar que na própria doutrina de Nery Junior (2003, p. 427), conforme exposta por Gonçalves (2009, p. 8), busca-se uma delimitação teórica para esta hipótese de aplicação do art. 421, ao afirmar-se que “o contrato estará conformado à sua função social quando as partes se pautarem pelos valores da solidariedade, da justiça social, da livre iniciativa, for respeitada a dignidade da pessoa humana e não se ferirem valores ambientais”. No mesmo trecho, vê-se um esboço traçado por Nery Junior, de forma exemplificativa, do que seria o desatendimento da função social do contrato, nas situações em que: “a prestação de uma das partes for exagerada ou desproporcional, extrapolando a álea normal do contrato; quando houver vantagem exagerada para uma das partes; ou quando se quebrar a base objetiva ou subjetiva do contrato.”

Note-se, contudo, que nesse esboço permanece a questão da abertura semântica, isto é, como se definir o que é prestação ou vantagem exagerada? Como definir o que seria a quebra da base objetiva ou subjetiva do contrato? Qual a relação desses conceitos com o texto normativo? E qual a relação e a posição desses conceitos no âmbito da integridade do direito?

Enfim, todas essas questões precisam ser suficiente e constitucionalmente respondidas, ou seja, não se há como negar que essa hipótese é dependente de uma adequada fundamentação do ato de aplicação, assentada em preceitos constitucionais, com a descrição e delimitação, nos termos legais, da situação exata de desequilíbrio contratual, sob pena de configurar uma aposta na discricionariedade, sobretudo, se considerarmos que em nosso ordenamento ainda convivemos com a primazia do “livre convencimento” do julgador. Por oportuno, a esse respeito, indispensáveis são os ensinamentos de Lênio Streck (2008):

Sob outra perspectiva, esse fenômeno se repete no direito civil, a partir da defesa, por parte da maioria da doutrina, do poder interpretativo dos juízes nas cláusulas gerais, que devem ser preenchidas com amplo “subjetivismo” e “ideologicamente”; no processo penal, não passa despercebida a continuidade da força do “princípio” da verdade real e do livre convencimento; já no direito constitucional, essa perspectiva é perceptível pela utilização descriteriosa dos princípios, transformados em “álibis persuasivos”; com isso, cinde-se a interpretação: para os casos fáceis, aplicam-se as regras mediante a subsunção (sic); já os casos difíceis abrem espaço para o uso da ponderação de princípios (como se pondera, afinal?), circunstância que, uma vez mais, fortalece o protagonismo judicial.

Assim, na hipótese de aplicação do art. 421, CC (BRASIL, 2012), fundada no subjetivismo e no simples convencimento do julgador, corre-se o risco (é importante que se repita) de se infligir a “legitimação” de decisões judiciais arbitrárias.

É no mínimo temerário outorgar ao julgador tanta amplitude de atribuição de sentido para determinar se uma cláusula contratual está ou não cumprindo sua função social, e com essa interpretação, “por equidade”, construir a norma aplicável ao caso concreto, e dizer, com isso, se o contrato é válido ou não. Seria, enfim, algo como uma “desmesurada moldura semântica”, lembrando o conceito da moldura kelseniana[11], exposta no célebre capítulo VIII da Teoria Pura do Direito, um conceito de interpretação jurídica que há muito permanece consagrado e amplamente aplicado no direito brasileiro.

Enfim, pode-se afirmar que nas cláusulas gerais do CC, constitutivas da noção de função social do contrato, e nos princípios constitucionais da igualdade, solidarismo e justiça social, há de se encontrar os fundamentos para aplicação do instituto das cláusulas abusivas nas relações civis e empresariais.

No entanto, é preciso investigar e delimitar cuidadosamente o alcance dessa hipótese específica de aplicação, dentro dos parâmetros traçados no ordenamento, fundamentados, também, na Constituição, o que demandaria, além de uma prévia e adequada compreensão das cláusulas abusivas, um processo hermenêutico de construção de proposições jurídicas capazes de oferecer uma noção satisfatória dessa nova hipótese de aplicação. A indagação inevitável, portanto, é a seguinte: seria possível chegar-se seguramente a tais proposições?


4.AS CLÁUSULAS ABUSIVAS NOS CONTRATOS CIVIS E EMPRESARIAIS

Com toda evidência, não se pretende aqui, nesses breves e limitados comentários, chegar-se a uma definição das cláusulas abusivas passíveis de serem reconhecidas em um contrato regido pelas normas de direito civil ou empresarial.

De outro modo, com algum esforço, pode-se empreender uma investigação acerca dos possíveis elementos a se considerar numa construção de proposições sobre a suscitada hipótese da aplicação de tal instituto, o qual, como já dito, consiste em dispositivo legal específico do direito consumerista, previsto no art. 51 do CDC (BRASIL, 2012).

Os conceitos ditos indeterminados, constantes da clausulas gerais do CC, já referidas, vale dizer, os arts. 421, 422 e 2035, CC, assim como o próprio art. 187, que define o abuso de direito[12], e ainda o próprio art. 5º da LINDB[13] (BRASIL, 2012)., todos estes, com sua extensa amplitude semântica, decerto, apesar de proverem importante base principiológica, mostram-se inadequadas para oferecer elementos capazes de conduzir a uma noção de cláusula abusiva para além do que se enumera no art. 51 do CDC.

Devemos lembrar, por oportuno, que o Código Civil estabelece disposição específica de uma hipótese de cláusula proibida para os contratos de adesão, no art. 424, in verbis: “nos contratos de adesão, são nulas as cláusulas que estipulem a renúncia antecipada do aderente a direito resultante da natureza do negócio.” Contudo, pela especifidade dessa previsão legal, a aplicação de tal conceito permanece adstrito ao contrato de adesão.

Ademais, o tema dos contratos de adesão e contratos padronizados não parece propício a uma abordagem mais detalhada neste estudo, sobretudo por conta das especificidades desse tipo de contrato, e tendo em vista a limitação de escopo deste estudo. Assim, considerando a nítida omissão do Código Civil quanto à disciplina de tais cláusulas, devemos investigá-las, primeiramente, no âmbito do direito do consumidor.

Note-se que o próprio direito do consumidor roga por uma definição, ou pelo menos uma noção de cláusula abusiva, como se depreende do caput do art. 51: “São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas [...]”. Ora, se podem existir outras hipóteses de cláusulas abusivas, além das já enumeradas nos incisos do art. 51, tal instituto precisa de uma definição, para que se possa determinar quais seriam “essas outras” hipóteses referidas no caput.

De acordo com Oliveira Ascensão (2003, p. 17), podemos encontrar critérios para uma possível definição no próprio art. 51 do CDC. Nos termos do inciso IV, são nulas as cláusulas que “estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa fé ou a equidade”.

Embora se deva afirmar que são critérios gerais, podemos encontrar algumas características que possibilitariam um sentido de definição, seriam, pois, a iniquidade, a desvantagem exagerada e a incompatibilidade com a boa-fé, ou com a equidade. Desconsiderando-se, portanto, o termo abusivas, pela notória impropriedade, redundância e inutilidade. Seria como dizer: são abusivas as cláusulas que estabeleçam obrigações abusivas (ASCENSÃO, 2003, p. 17).

No que se refere à boa-fé, já comentamos sobre sua relevância como cláusula geral, vinculada à função social do contrato, sendo relevante seu caráter principiológico na formação do conteúdo jurídico da abusividade.

Quanto aos outros três critérios, como afirma o Prof. Ascensão (2003, p. 18), pode-se dizer que estão intimamente interligados, pois a iniquidade nada mais é do que contrariedade à justiça, a desvantagem exagerada também caracteriza a situação de injustiça e a equidade é a própria justiça considerada em seus aspectos particulares de cada situação fática.

Obviamente, dizer que cláusula abusiva é a cláusula injusta comporta uma indesejável  e acentuada vagueza. O termo “desvantagem exagerada”, por sua vez, aponta para a compreensão de que não seria qualquer desequilíbrio um motivo a ensejar a abusividade. Afinal, tanto os indivíduos como as empresas, na atividade negocial, sempre irão buscar uma opção que lhes dê alguma vantagem econômica. “Com efeito, seria inviável que todo o negócio pudesse ser posto em causa, por invocação dum desequilíbrio no seu conteúdo” (ASCENSÃO, 2003, p. 18). Mas, quando esta vantagem se mostra exagerada, incompatível com a prática negocial eticamente aceita e ordinariamente adotada no mercado, poderíamos ter configurada, então, uma situação de abusividade.

Todavia, dizer que não seria qualquer desvantagem o suficiente para caracterizar a abusividade funciona mais como um elemento de orientação interpretativa do que um efetivo elemento caracterizador da abusividade, afinal como se determinar o que é “exagerado” ou não. É sem dúvida uma questão que não encontra no texto legal uma definição satisfatória, como supõe o próprio estudo do Professor Ascensão (2003, p. 17), conforme sua análise do § 1.º do art. 51, CDC, buscando elementos para uma definição de vantagem exagerada:

A 'vantagem exagerada' é esclarecida no § 1.º, mas de modo pouco satisfatório. No inc. I caracteriza-se por ofender os princípios fundamentais da ordem jurídica, o que pela sua vacuidade não diz nada e leva a confundir com a cláusula ilícita; no inc. II fala-se em restringir direitos fundamentais inerentes à natureza do contrato, expressão que é afim da usada no art. 424 CC, que já comentamos no número anterior; no inc. III fala-se em se mostrar excessivamente onerosa para o consumidor, o que é um sinónimo de exageradamente desvantajosa. Há todavia alguns aspectos úteis a anotar. O inc. II fala em ameaçar 'o equilíbrio contratual', o que mostra que é a questão do equilíbrio ou proporção, logo da Justiça, que está em causa. O inc. III manda atender às circunstâncias peculiares do caso, o que aponta para a recondução à equidade.

Neste ponto, a exemplo do esboço de Nery Junior sobre o desatendimento da função social do contrato, comentado anteriormente, não há como negar que acabamos voltando ao problema da demasiada abertura semântica, isto é, um livre atribuir de sentidos extremamente vulnerável ao perigo da arbitrariedade.

Com isso, nessa busca por uma definição da tal “vantagem exagerada” ou desproporcional, ou da própria noção de cláusula abusiva, entramos numa espécie de círculo vicioso, em que, de expressão a expressão, acabamos por retornar sempre aos mesmos termos, como justiça, equidade e proporcionalidade, dentre outros conceitos indeterminados.

Além disso, tais expressões podem ainda se confundirem com a figura da lesão[14], art. 157, CC, causa de invalidade do negócio jurídico, e vinculam-se, também, ao abuso de direito, art. 187, CC, que torna o negócio ilícito.

Certamente, estamos diante de um problema hermenêutico. Contudo, essa dificuldade de interpretação não pode significar a impossibilidade de se alcançar uma definição do objeto de nossa investigação. Devemos, de outro modo, considerar que existe aqui algo encoberto na (e pela) linguagem, e, portanto, deve-se empreender, dentro desse processo interpretativo, um confronto entre as soluções possíveis, em que se colocam lado a lado os enunciados propostos, a fim de se obter, dialogicamente, a solução mais adequada e coerente com o ordenamento, tomado em seu sentido de plenitude sistemática. Trata-se, pois, de uma busca pela verdade, no sentido de desencobrimento, utilizando aqui uma terminologia heideggeriana[15], dentro de parâmetros traçados pela coerência e integridade do direito.

Não obstante a dificuldade de se encontrar nesses conceitos um conteúdo jurídico que comporte algum nível de precisão, isto é, menos vagueza, é importante ressaltar que a cláusula abusiva em si constitui, evidentemente, uma situação contrária à função social do contrato, de modo que a incerteza não paira na incidência da cláusula abusiva, mas em sua definição, posto que aquelas hipóteses do art. 51 são dirigidas às relações de consumo.

Parece inegável, entretanto, a incidência de muitas dessas hipóteses em relações jurídicas não regidas pela norma consumerista, sejam relações civis ou comerciais. Vejamos, então, este interessante questionamento suscitado por Nery Junior (2004, apud AZEVÊDO, 2011): “num contrato civil seria válida cláusula que deixasse apenas a um dos contratantes, unilateralmente, a fixação do preço ou do reajuste das prestações?”

A resposta à indagação do ilustre jurista parece evidente, pois não há como negar que tal estipulação contratual poderia ser inválida em qualquer espécie de relação jurídica, seja de natureza civil, empresarial ou de consumo. No mesmo sentido, poderíamos indagar: uma cláusula que possibilite a renúncia do direito de indenização por benfeitorias necessárias (art. 51, XVI, CDC, Brasil, 2012), seria abusiva se inserida num contrato civil ou comercial? Tais cláusulas parecem, portanto, aplicáveis, em princípio, a qualquer espécie de contrato, e, para isso, encontram fundamento na própria constituição, vale ressaltar.

Nesse sentido, vê-se que algumas das cláusulas listadas no art. 51, CDC, como as que possibilitem a um dos contratantes a opção de concluir ou não o contrato, embora obrigando o outro; ou permitam cancelar o contrato unilateralmente, sem que igual direito seja conferido à outra parte; ou imponham representante para concluir ou realizar outro negócio jurídico pelo outro contratante, certamente, conforme as particularidades de cada caso concreto, poderiam ser consideradas abusivas, ainda que não se trate de uma relação de consumo.

É preciso, no entanto, lembrar que existe uma situação especial na relação de consumo que justifica todo o sistema de proteção do consumidor, centrada no conceito de vulnerabilidade, vale dizer, o consumidor é especialmente protegido pela ordem jurídica por ser considerado hipossuficiente em relação ao fornecedor. Esse também, por óbvio, é o fundamento das hipóteses previstas no art. 51, CDC. Todavia, há de se ressaltar que a vulnerabilidade não é uma situação exclusiva da relação de consumo. De fato, no direito do consumidor existe uma presunção legal de reconhecimento dessa vulnerabilidade, ao passo que no direito civil e comercial há uma presunção relativa de igualdade jurídica entre as partes. Entretanto, nada impede que se reconheça, em relações de direito civil ou empresarial, a vulnerabilidade de um dos contratantes, de acordo com as circunstâncias de cada caso, enfim, a posição de vulnerabilidade ou igualdade depende da própria realidade fática, mormente a situação particular de cada contratante. Com exemplo desse tipo de situação pode-se considerar um contrato comercial celebrado entre uma grande corporação e uma microempresa. Note-se que nesse caso há de se considerar que, sob certas condições, seria possível se reconhecer a vulnerabilidade da microempresa, sobre a qual a própria Constituição, expressamente, prevê tratamento favorecido, preceito que, inclusive, consiste em princípio da ordem econômica (art. 170, IX, CF, Brasil, 2012).

A presunção de igualdade jurídica é, certamente, relativa, isto é, as especificidades da relação contratual permitem uma adequação dessa presunção aos fins sociais dispostos no texto constitucional. A complexidade das relações contratuais do mundo contemporâneo exige uma compreensão jurídica também complexa, coerente e integradora, atenta às exigências sociais e econômicas da atualidade.

Vulnerabilidade e abusividade não se restringem às relações de consumo. Na economia moderna, vale lembrar, predomina a desigualdade econômica nas relações empresariais. A proteção do mais fraco, do sujeito vulnerável, vai além do interesse das partes, é interesse de todos, é, enfim, um interesse expresso na Constituição. Assim, busca-se a adequação da ordem jurídica a essa realidade.

Nesse contexto, a noção contemporânea de integridade do ordenamento não mais permite que os conceitos, institutos e figuras jurídicas permanecem isoladas em seus subsistemas. Há, portanto, um permanente processo de coordenação e complementariedade entre os diversos subsistemas normativos.

É nesse sentido que, assentada na teoria do diálogo das fontes[16], desenvolvida pelo jurista alemão Erik Jayme, a Professora Cláudia Lima Marques (2004) propõe um diálogo entre o CDC e o Código Civil. A eminente professora observa que na sociedade complexa atual, com uma forte pluralidade de leis ou fontes, a doutrina procura uma harmonia ou coordenação entre estas diversas normas do ordenamento jurídico, concebido como sistema, visando obter uma adequada funcionalidade. Nesse possível diálogo, a autora destaca três possibilidades: (MARQUES, 2004, p. 45-46).

1) na aplicação simultânea das duas leis, uma lei pode servir de base conceitual para a outra (diálogo sistemático de coerência), especialmente se uma lei é geral e a outra especial; se uma é a lei central do sistema e a outra um microssistema específico, não-completo materialmente, apenas com completude subjetiva de tutela de um grupo da sociedade. [...]

2) na aplicação coordenada das duas leis, uma lei pode complementar a aplicação da outra, a depender de seu campo de aplicação no caso concreto (diálogo sistemático de complementariedade e subsidiariedade em antinomias aparentes ou reais), a indicar a aplicação complementar tanto de suas normas, quanto de seus princípios, no que couber, no que for necessário ou subsidiariamente. [...]

3) há o diálogo das influências recíprocas sistemáticas, como no caso de uma possível redefinição do campo de aplicação de uma lei, ou como no caso da possível transposição das conquistas do Richterrecht (Direito dos Juízes) alcançadas em uma lei para a outra. É a influência do sistema especial no geral e do geral no especial, um diálogo de double sens (diálogo de coordenação e adaptação sistemática). [...]

Da segunda hipótese apresentada pela ilustre professora, podemos extrair uma importante fundamentação teórica para a aplicação das cláusulas abusivas definidas no art. 51 CDC, em contratos regidos pelo direito civil, num sentido de diálogo, de complementariedade e de coordenação de subsistemas normativos, enfim, na linha de compreensão e interpretação proposta pela denominada teoria do diálogo das fontes.

Há também uma relação dessa aplicação com a primeira e a terceira hipóteses apontadas pela autora, respectivamente, quando uma norma (art. 51 do CDC) pode servir de base conceitual para outra, e quanto às influências recíprocas sistemáticas, em que um sistema especial (CDC) pode influir no geral.

 Entretanto, há de se objetar que essa transposição do conceito de cláusula abusiva do direito do consumidor para os contratos civis exige uma base legal determinada, capaz de complementar o alicerce teórico (diálogo das fontes) e principiológico (cláusulas gerais e princípios constitucionais) que sustenta essa aplicação, vale dizer, um dispositivo legal que possibilite essa integração de conceitos normativos.

Com efeito, como bem observa Ascensão (2003), a disciplina das cláusulas abusivas no CDC aponta para uma generalização, nos termos art. 29, CDC (BRASIL, 2012), que dispõe: “para os fins deste Capítulo e do seguinte, equiparam-se aos consumidores todas as pessoas determináveis ou não, expostas às práticas nele previstas”.

Pois bem, se o capítulo seguinte ao do art. 29 é, justamente, o que dispõe sobre as cláusulas abusivas, verifica-se, então, que não só os consumidores, definidos nos termos do CDC, mas toda pessoa exposta a tais práticas abusivas terá a proteção legal, pois será equiparada a consumidor.

Nesse sentido, destacamos o leading case citado pela Professora Cláudia Lima Marques (1998, p. 158) - decisão do Tribunal de Alçada/RS, 2.ª Câm. Cív., Ap. cív. 192188076, Rel. Paulo Heerdt, j. 24.9.92 - com a seguinte ementa:

Contrato de crédito rotativo. Juros e correção monetária. Código de Defesa do Consumidor. Conceito de consumidor para os fins dos capítulos V e VI da Lei 8.078/90. Exegese do art. 29 do CDC. Contrato de adesão. Cláusula abusiva. Controle judicial dos contratos. Ainda que não incidam todas as normas do CDC nas relações entre Banco e empresa, em contrato de crédito rotativo, aplicam-se os Capítulos V e VI, por força do art. 29 do CDC, que amplia o conceito de consumidor possibilitando ao Judiciário o controle das cláusulas contratuais abusivas, impostas em contratos de adesão. Cláusula que permite variação unilateral de taxa de juros é abusiva porque, nos termos do art. 51, X e XIII, possibilita variação de preço e modificação unilateral dos termos contratados, Possibilidade de controle judicial, visando estabelecer o equilíbrio contratual, reduzindo o vigor do princípio "pacta sunt servanda"... Ação declaratória julgada procedente para anular lançamentos feitos abusivamente, Sentença reformada. (grifo nosso)

Vê-se, portanto, uma aplicação daquela hipótese de diálogo, em que conceitos do art. 51 do CDC, com base no art. 29, são transpostos para o âmbito de contratos que não se caracterizavam como relações de consumo, no caso, um contrato entre um banco e outra empresa, ou seja, em tese, relação de direito empresarial.

Decerto, dentre os contratos civis e empresariais, os denominados contratos de adesão, padronizados e de massa, constituem categorias específicas, que requerem sempre abordagens particularizadas, e sobre os quais a aplicação de cláusulas abusivas já vem sendo reconhecida, com base nas características específicas desse tipo de contrato, que supõe uma certa vulnerabilidade do aderente, considerando sua relativa (ou por vezes absoluta) incapacidade de influir na formação do conteúdo do contrato.

De fato, é importante ressaltar que no contrato de adesão já existe, em princípio, uma situação de desequilíbrio, em que uma das partes (em tese, a mais forte) determina, de antemão, todo o conteúdo do contrato, restando a outra parte (provavelmente, mais fraca) decidir simplesmente se aceita ou não os termos da avença. Ora, ficando o aderente sem a possibilidade de influir no conteúdo do contrato, é evidente que sua liberdade contratual já é, pelas próprias condições intrínsecas do contrato, mitigada, isto é, pode-se afirmar que há uma presunção relativa de desequilíbrio nesse tipo de relação contratual.

Entretanto, observa-se que o fundamento para essa compreensão do art. 29 não estaria vinculado ao fato de se tratar de contrato de adesão ou não, mas sim a uma efetiva possibilidade de que um dos contratantes se encontre numa determinada situação que o exponha à prática abusiva prevista no CDC, vale dizer, não é o tipo de contrato que vai determinar sua exposição à abusividade, mas sim as circunstâncias concretas da relação contratual, o que poderá ocorrer tanto em contratos de adesão, padronizados ou de massa, como também em outros tipos de contratos.

De todo modo, é relevante esta breve observação sobre os contratos de adesão, no sentido de se ressaltar a situação de desequilíbrio contratual como sendo uma das notas características dessa hipótese de generalização das cláusulas abusivas enumeradas no art. 51.

Nesse sentido, é oportuno lembrar que Nery Junior (2004, p. 383) também afirma que a teoria geral da proteção contratual do Código de Defesa do Consumidor deve ser aplicada a toda e qualquer relação jurídica de direito privado, seja civil, comercial ou de consumo.

Assim, as normas que formam todo o instituto de proteção contratual presente no CDC, oferecem uma consistente base conceitual para a adequada fundamentação de uma possível generalização das cláusulas abusivas, para além das relações de consumo.

Por fim, considerando, portanto, que as cláusulas abusivas, nas palavras do Professor Ascensão (2003, p. 24), “foram objeto de um processo de generalização e podem hoje ser entendidas como categoria aberta, de modo a possibilitar um desenvolvimento progressivo da matéria”, cabe ressaltar, que neste ponto, devemos tratar a questão com toda prudência, quanto a essa ideia de generalização, conforme comenta o ilustre professor:

Justamente neste ponto há que estar prevenido, para não criar uma ideia errada do que representa esta generalização. Não podemos supor que a matéria das cláusulas abusivas saltou do Código do Consumidor para o Código Civil, para se tornar um instituto comum, de que todas as pessoas participam igualmente. Não é assim, porque há duas ordens de restrições: por um lado, nem todas as regras disciplinadoras das cláusulas abusivas são transferíveis para o Direito Civil; e por outro lado, a generalização das regras a pessoas que não são consumidoras não significa a sua universalização. (ASCENSÃO, 2003, p. 24)

Decerto, há certas normas do CDC sobre as cláusulas abusivas, cuja possibilidade de aplicação parece restrita às relações de consumo, por terem como fundamento de existência a própria natureza específica da relação estabelecida no contrato de consumo, como, p. ex., o inc. II e XV do art. 51, CDC (BRASIL, 2012), que dispõe serem abusivas as cláusulas que “subtraiam ao consumidor a opção de reembolso da quantia já paga, nos casos previstos neste código”; ou “estejam em desacordo com o sistema de proteção ao consumidor.”

Enfim, ainda que pareça acertada a afirmação do Professor Ascensão (2003, p. 25) de que “mesmo explorando todas as potencialidades de expansão das previsões legais, não é possível chegar a um sistema integrado na disciplina das cláusulas abusivas”, pois, evidentemente, essa sistematização parece ainda distante, há de considerar, contudo, a efetiva  possibilidade de, a partir de normas do direito do consumidor, construir-se proposições tendentes a complementar os sistemas de contratos civis e empresariais no que se refere a disciplina das cláusulas abusivas, e com isso, formar-se uma base segura para esta hipótese de aplicação, mantendo-se a coerência e integridade do ordenamento.


5.CONCLUSÕES

Não se pode anular a autonomia da vontade dos indivíduos, afinal o direito fundamental de liberdade pressupõe essa autonomia. Mas é necessário redefinir as limitações para o exercício dessa autonomia, de modo a adequá-la à nova realidade do Direito, vale dizer, a uma nova conjuntura, em que a própria sociedade, mediante uma Constituição que almeja eficácia imediata sobre toda e qualquer relação jurídica, e de forma mediata, sobre a própria realidade social. Empreendeu nosso constituinte a difícil tarefa de dar ao Direito uma função social, centrada no solidarismo e na promoção da justiça social.

Desse modo, o constitucionalismo da pós-modernidade exige um diálogo constante entre entre as normas constitucionais e as normas do direito privado. Ademais, é dificílima a delimitação entre os campos do direito privado e público nas complexas relações sociais da contemporaneidade, sobretudo nas intrincadas relações econômicas da atualidade.

Uma adequada compreensão do fenômeno jurídico atual não mais comporta uma divisão absoluta ou uma demarcação exata do campo de aplicação de normas de direito público ou privado, ao contrário, exige uma integração e coordenação dos diversos institutos do ordenamento jurídico. Nesse sentido, as normas de ordem pública e interesse social assumem importante função num processo gradativo de consolidação da eficácia de regras e princípios constitucionais no direito privado.

O princípio da função social dos contratos, insculpido no art. 421, CC (BRASIL, 2012), consubstancia um forte e expressivo diálogo entre o Código Civil e a Constituição, porquanto representa essencial referência principiológica de todo o “novo” direito civil, bem como decorre de princípios constitucionais de incontestável eficácia sobre as relações jurídicas privadas, isto é, são todos aqueles preceitos que têm como precípua e imediata finalidade construir uma sociedade livre, justa, solidária (art. 3º, I, CF, Brasil, 2012), e, obviamente, as relações contratuais não estão imunes a essa eficácia constitucional.

O instituto das cláusulas abusivas, além de importante instrumento de defesa de direitos sociais e fundamentais, máxime a defesa do consumidor, surge nesse atual contexto como um relevante mecanismo de promoção do equilíbrio nas relações contratuais, pois atuam fundamentalmente na proibição de condutas contrárias a essa nova ordem, estabelecida sob a perspectiva do princípio da função social do contrato.

Fácil concluir, portanto, que nesses princípios encontra fundamento a possibilidade de aplicação das cláusulas abusivas em contratos civis e empresariais.

Contudo, o problema da discricionariedade mostra-se relevante, sobretudo, por conta da desmedida amplitude semântica do art. 421, CC, bem como de todas as demais cláusulas gerais do Código Civil. Aplicar essas cláusulas de forma imediata ao contrato comporta uma indesejável abertura de sentidos, um campo aberto e desprotegido, para que o aplicador do direito pudesse, no caso concreto (possivelmente, de modo arbitrário), determinar o que (ou como) seria, então, uma cláusula abusiva no contrato civil ou empresarial.

A opção contra essa discricionariedade, como já dissemos, caminha no sentido da construção de proposições que permitam uma progressiva generalização das cláusulas abusivas, fundamentando-se nos limites da integridade do direito e dos preceitos normativos aplicáveis a transposição, para os contratos civis e empresariais, de cada hipótese de aplicação desse instituto, que é típico do direito do consumidor.

Esse processo de generalização das cláusulas abusivas é um fenômeno atual e inevitável. Portanto, a questão a se definir é qual o alcance, ou quais os limites dessa aplicação. Isso perpassa toda uma construção teórica em torno dessa generalização, como, a própria conceitualização de cláusula abusiva, e, principalmente, a formulação de adequadas proposições que permitam essa aplicação do instituto das cláusulas abusivas, sem se apelar para a discricionariedade, sustentado-a em preceitos da Lei e da Constituição.

Considerando as limitações do presente estudo, não se tem aqui, portanto, a pretensão de enumerar quais seriam tais hipóteses de aplicação, o que se pretende é tão somente investigar qual seria o caminho adequado para se identificar essas hipóteses.

Com efeito, o problema da (in)segurança jurídica, que envolve a questão da discricionariedade judicial, é sem dúvida o ponto crucial neste processo de generalização das cláusulas abusivas, justamente por haver um considerável risco de ocorrerem equívocos na aplicação deste importante instituto, o que poderia redundar num indesejável esvaziamento da autonomia da vontade, a qual, não obstante a nova ordem principiológica vigente nas relações contratuais, continua sendo um dos postulados fundamentais dos negócios jurídicos.

De fato, as relações contratuais da atualidade são complexas, desequilibradas e produtoras de constantes inovações, tanto nos campos econômico, social e político, como no aspecto jurídico, evidente e consequentemente. Afinal, a ciência jurídica evolui de acordo os modelos sociais vigentes em cada época e lugar.

Com isso, irrefutável é a constatação de que, diante de toda essa complexidade, a Constituição, com seus princípios normativos e com as diretrizes firmadas pelos direitos sociais fundamentais, representa o caminho adequado para uma compreensão construtiva, integradora e unificadora de todo o conteúdo jurídico da relação contratual em tempos atuais.


ABSTRACT

This study discusses the matter of generalization of the norms on abusive clauses disposed in the Code of Consumer Protection. It is proposed, initially, an analysis of normative references as the general clauses of the Civil Code, and constitutional principles, such as solidarism and social justice, so that it is concluded that this hypothesis would have as the foundation of application the constitutional principles from which stems the social function of contract. Then, it is discussed the problem of semantic extent of the general clauses of the Civil Code, from which come the problem of discretionary in the immediate application of these norms, which appears incompatible with the requirements imposed by democratic constitutional order. Finally, investigates the issue of conditions of possibility of the incidence of abusive clauses in civil law and business contracts, considering a progressive generalization of this institute typical of consumer law, transcending so your original scope of application.

Keywords: Contractual liberty. Social function of contracts. Abusive clauses.


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______. O que é isso - decido conforme minha consciência? 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2010.

______. Dogmática jurídica, senso comum e reforma processual penal: o problema das mixagens teóricas. Revista Pensar, Fortaleza, v. 16, n. 2, p. 626-660, jul./dez. 2011.

______. O impasse na interpretação do artigo 396 do CPP. Revista Consultor Jurídico, 18 set. 2008. Disponível em: < http://www.conjur.com.br/2008-set-18/impasse_interpretacao _artigo _396_cpp >. Acesso em: 08 fev. 2012.

VALE, André Rufino do. Eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas. Porto Alegre: Sérgio Fabris, 2004.


Notas

[1]    Assim prescrevia a Lei IX da Tábua Terceira da Lei das XII Tábuas: “Se são muitos os credores, é permitido, depois do terceiro dia de feira, dividir o corpo do devedor em tantos  pedaços quantos sejam os credores, não importado cortar mais ou menos; se os credores preferirem, poderão vender o devedor a um estrangeiro, além do Tibre.” (MEIRA, 1972, p. 169).

[2]    Art. 421, Código Civil: “A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato.” (BRASIL, 2012).

[3]    Art. 51, Código de Defesa do Consumidor: “São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: [...]” (BRASIL, 2012).

[4]    O Código Civil Francês de 19804, o primeiro grande código, foi considerado o Código da Burguesia por ter atendido aos interesses e às aspirações dessa classe. Fundou-se nos princípios individualistas da liberdade contratual, na propriedade como direito absoluto e na responsabilidade civil fundada na culpa provada pelo lesado. Tal foi sua importância que influenciou na codificação civil de vários países, inclusive na elaboração e, posteriormente, na interpretação do Código Civil Brasileiro de 1916. ( GOMES, 1997, p. 10)

[5]    A doutrina da "Drittwirkung der Grundrechte" nasceu na Alemanha, na década de cinquenta, e foi formulada por Hans Carl Nipperdey, juiz e prestigioso especialista em direito civil e do trabalho.(GUEDES, 2012, p. 11)

[6]    Trecho do acórdão do Recurso Extraordinário 201.819, do Rio de Janeiro, constante do informativo nº 405 do Supremo Tribunal Federal – STF, 2005. (RAMALHO, 2011.)

[7]    Termo frequentemente utilizado pelo Professor Lênio Streck, conforme se observa nas obras do autor citadas neste artigo.

[8]    Art. 93, IX, CF/88: “As decisões administrativas dos tribunais serão motivadas e em sessão pública, sendo as disciplinares tomadas pelo voto da maioria absoluta de seus membros.” (BRASIL, 2012).

[9]    Art. 166, VI, CC: “é nulo o negócio jurídico quando: […] tiver por objeto fraudar lei imperativa”.

[10]  Cf. STRECK, 2010, p. 113, nota 119.

[11]  Em sua teoria pura, Kelsen sustenta que o Direito a se aplicar consiste numa moldura dentro da qual existem várias possibilidades de interpretação/aplicação, de maneira que todo ato que se mantenha dentro desta moldura, preenchendo-a em qualquer sentido possível, seria conforme o Direito, ou seja, qualquer decisão dentro da moldura seria válida e, portanto, legítima. (KELSEN, 1998. p. 247).

[12]  Art. 187, CC: “também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.”

[13]  Art. 5º, da Lei de Introdução às Normas de Direto Brasileiro: “na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum.” (BRASIL, 2012).

[14]  Art. 157, CC: “ocorre a lesão quando uma pessoa, sob premente necessidade, ou por inexperiência, se obriga a prestação manifestamente desproporcional ao valor da prestação oposta.

[15]  Para Heidegger a essência da verdade é sempre algo encoberto e sua busca consiste em um contínuo processo de desencobrimento, em uma luta constante com a não-verdade, a qual sempre se põe junto nesse processo de busca pela essência da verdade. (Cf. HEIDEGGER, 2007, pp. 249 e 270.) 

[16]  A teoria do diálogo das fontes, de origem alemã, é desenvolvida no direito brasileiro pela Professora Claudia Lima Marques, com ênfase no diálogo entre direito civil e do consumidor. Cf. Marques, 2004, p. 34-67.



Informações sobre o texto

Artigo originalmente publicado no livro "A constitucionalização do direito privado: o Estado Democrático de Direito e as novas perspectivas jurídicas nas relações privadas". Organizadoras: Paula Maria Tecles Lara e Renata Furtado de Barros. Raleigh, Carolina do Norte, Estados Unidos da América: Lulu Publishing, 2012, pp. 497-534. Obra organizada e coordenada pela Academia Brasileira de Produção Jurídica Discente.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

COSTA, Luis Alberto da. O processo de generalização das cláusulas abusivas sob a perspectiva da função social dos contratos . Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3247, 22 maio 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21835. Acesso em: 29 mar. 2024.