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A regulação brasileira do registro de nomes de domínios em perspectiva comparada

A regulação brasileira do registro de nomes de domínios em perspectiva comparada

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No modelo verticalizado atualmente vigente, o NIC.br faz as vezes de gestor do ccTLD e de registrador, ao tempo que poderia haver uma multiplicidade de registradores no mercado nacional competindo por preços, qualidade e prestando serviços de valor agregado.

Resumo: A execução do registro de nomes de domínios, a alocação de endereços IP e a administração relativa ao Código Nacional para o Domínio de Primeiro Nível – ccTLD são serviços críticos e essenciais à infraestrutura da internet. No Brasil, a regulação desses serviços é feita pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil, o CGI.br. O caráter interventivo e não previsto em lei da atuação desse Comitê nas relações privadas concernentes à gestão do “.br” coloca em xeque o modelo atualmente vigente no país quanto a esse relevante aspecto da governança da internet. Caso haja intenção do Estado em continuar exercendo algum papel sobre esses serviços, a experiência de países como a Colômbia, a França, a Suécia e a Suíça no processo de legitimação de sua autoridade estatal na gestão do respectivo ccTLD pode contribuir para o desenho, no Brasil, de um modelo de regulação claro, consistente e estável para os serviços de registro de nomes de domínios, de alocação de endereços IP e de administração relativos ao “.br”.

Palavras-chave: registro de nomes de domínios, intervenção estatal no domínio econômico, Comitê Gestor da Internet no Brasil, governança da internet.

Sumário: 1. Introdução. 2. Atores de um sistema de registro de nomes de domínios. 3. A governança dos ccTLDs e o Estado. 3.1 A relevância do registro de nomes de domínios para o Estado. 3.2 Modos de intervenção estatal e estruturas de governança para o ccTLD. 4. Experiência internacional. 4.1 França. 4.2 Suécia. 4.3 Suíça. 4.4 Colômbia. 5. Regulação dos serviços relativos ao ccTLD “.br”. 5.1 A regulação do serviço de registro de nomes de domínio e o ordenamento jurídico. 5.2 A delegação estatal da gestão do “.br”. 6. Análise comparativa dos modelos de gestão de cctld. 7. Conclusões. 8. Referências bibliográficas.


1. INTRODUÇÃO

Como requisito essencial à infraestrutura da internet, é necessária a utilização de “protocolos”, que são as regras e sinais de controle que permitem comunicação entre computadores para transmissão de dados.

Um desses protocolos, considerado o alicerce da internet (CANNON, 2010), é o Internet Protocol (IP), que tem como objetivo identificar de modo único1 na rede cada máquina a ela conectada. Essa identificação denomina-se “endereço IP” (Internet Protocol Address). Trata-se de um código usado em redes de comunicações de dados constituído de quatro sequências numéricas, que vão de 0 a 255, separadas por ponto (por exemplo, 192.0.33.61). No caso da telefonia, a referência de origem ou destino é o número internacional de cada telefone (código do país + código da localidade + número local). Na internet, é o endereço IP que funciona como a carteira de identidade do computador na rede.

Como a memorização dessa sequência de números não é trivial, foi criado, em 1984, um sistema que vincula cada sequência de números a um nome de domínio, que também deve ser único na internet. Esse sistema é denominado, em inglês, Domain Name System (DNS), e serve para traduzir em uma representação nominal a designação numérica dos endereços IP, sendo possível uma segregação desse nome de domínio por país e, em certa medida, por tipo de serviço ou área de atuação da respectiva organização.

Qualquer computador que pretenda utilizar ou oferecer serviços na internet precisa consultar um servidor de nomes de domínio – servidor DNS – predefinido para a rede em que essa máquina se encontra (para parte dos usuários, esse servidor DNS é o do seu provedor de acesso). Nesses servidores, os nomes de domínios são traduzidos em endereços IP numéricos, de tal forma que a informação, ao trafegar pela rede, possa encontrar o seu destino2.

Os nomes de domínios assumem uma configuração hierárquica, de modo que os endereços das páginas de internet baseiam-se em uma estrutura em que os níveis são separados pelo “ponto”, do mais específico (à esquerda) para o mais genérico (à direita). O nível hierárquico mais elevado no nome de domínio é denominado Top-Level Domain (TLD), que é a última representação nominal do nome de domínio (por exemplo, “.org” em www.oecd.org ou “.br” em www.puc-campinas.edu.br). A hierarquia decresce da direita para a esquerda. A representação nominal imediatamente à direita do TLD é chamada Second Level Top-Level Domain (por exemplo, “oecd” em www.oecd.org ou “.edu” em www.puc-campinas.edu.br).

Os TLDs são divididos em duas categorias. A primeira denomina-se Country Code Top-Level Domain (ccTLD), ou Código do País para o Domínio de Primeiro Nível. É designado para países ou regiões e representada por um código composto por duas letras, geralmente baseado no padrão ISO 3166-1 (por exemplo, “.br” para Brasil, “.au” para Austrália e “.jp” para Japão) (ISO, 2011). A segunda categoria, denominada TLD genérico (gTLD), não é relacionada a aspectos geográficos e tem uma forma genérica de utilização (por exemplo, “.com” para uso comercial e “.int” para organizações internacionais).

O registro de nomes de domínios, organizado a partir da estrutura dos gTLDs e ccTLDs, bem como o endereçamento IP, é um serviço que integra a infraestrutura da internet, sendo essencial e crítico para o seu funcionamento. Esse sistema hierárquico de representação de endereços permite a interconexão e a livre comunicação entre as centenas de milhões de máquinas na rede. Em seu Ato de Regulação nº 733, de 22/4/2002, o Parlamento Europeu evidenciou a essencialidade desses serviços:

TLDs são parte integrante da infraestrutura da internet. Eles são elementos essenciais da interoperabilidade global do “world wide web” (www). A conexão e a identidade garantidas pela atribuição de nomes de domínios e seus endereços [IP] correspondentes permitem aos usuários localizarem computadores e páginas de internet na rede. TLDs são também parte integrante de qualquer endereço de e-mail3. (UNIÃO EUROPÉIA, 2002, p. 1) (grifos nossos)

As estruturas de organização da infraestrutura e gestão da internet repetem-se a partir de um organismo central, apoiado em organismos regionais e em instituições nacionais. Na esfera mundial, a gestão é exercida pela Internet Corporation for Assigned Names and Numbers (ICANN), entidade de direito privado, sem fins lucrativos, vinculada ao governo dos Estados Unidos da América, que congrega representantes das comunidades mundiais acadêmica, empresarial, técnica e de usuários da internet.

No Brasil, a entidade designada pela ICANN4 para a gestão do domínio “.br” é o Comitê Gestor da Internet no Brasil – CGI.br. Nos termos do Decreto 4.829/2003, cabe ao CGI.br estabelecer as diretrizes para a organização das relações entre o governo e a sociedade na execução do registro de nomes de domínio, na alocação de endereços IP e na administração pertinente ao ccTLD ".br", no interesse do desenvolvimento da internet no país (BRASIL, 2003). Além disso, como será apresentado neste trabalho, o Comitê exerce – na prática – o papel de entidade reguladora da gestão do registro de nomes de domínios no Brasil, pois, de modo permanente e sistematizado, regula as tarifas cobradas e as despesas com a execução dos serviços, delibera sobre quaisquer questões relativas aos serviços de registro de nomes de domínio e alocação de endereços IP e regula a qualidade de sua prestação.

Nesse contexto, este artigo trata de aspectos concernentes à regulação da gestão do ccTLD brasileiro tendo como base o arcabouço normativo pátrio e as diretrizes e recomendações emanadas por organismos internacionais no que tange à governança da internet.

Tal questão se mostra relevante ao evidenciar-se, neste trabalho, o caráter interventivo e não previsto em lei da atuação exercida pelo CGI.br no domínio econômico. A partir daí, busca-se criticar a estrutura de governança do registro de nomes de domínios no Brasil, especialmente no que tange à relação do Estado com a administração do ccTLD “.br”. Para atingir esse resultado, este ensaio descreve experiências internacionais no processo de legitimação da intervenção estatal na gestão desse serviço, em comparação com o modelo brasileiro.

O tema é oportuno, haja vista que em agosto de 2011 foi apresentado à Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 2.126/2011, que se propõe a estabelecer o chamado Marco Civil da Internet. As discussões no Congresso Nacional sobre esse projeto – que trata dos princípios, garantias, direitos e deveres dos usuários da rede mundial – poderão definir o modelo de governança da internet no país.

Nesse contexto, o propósito do presente artigo é contribuir, eventualmente, para o desenho de um novo modelo de regulação, institucionalizado e legítimo, para os serviços de registro de nomes de domínios, de alocação de endereços IP e de administração relativos ao “.br”.

Para tanto, é inicialmente descrito o papel de cada stakeholder de um sistema de registro de nomes de domínios e suas inter-relações. Em seguida, é apresentado o papel do Estado em relação à gestão dos ccTLDs nacionais, os diferentes desenhos institucionais encontrados no mundo e os modelos de intervenção dos governos nacionais sobre esse serviço. Adiante, é abordada a experiência internacional quanto à legitimação da atuação estatal no serviço de registro de nomes de domínios, seguida pelo modelo de administração do ccTLD brasileiro, com foco na intervenção que o Estado exerce sobre os serviços. A partir daí, é feita uma análise comparativa do modelo brasileiro em relação às experiências internacionais descritas.


2. ATORES DE UM SISTEMA NACIONAL DE REGISTRO DE NOMES DE DOMÍNIOS

O desenho institucional para a gestão de um ccTLD pode assumir diferentes configurações, a depender de como os stakeholders do sistema de registro de nomes de domínio se inter-relacionam. Além do Estado, que em muitos países exerce papel preponderante nesse sistema, esses atores são o operador5, os registradores e os usuários.

Operador do registro (registry, em inglês), gestor do ccTLD ou simplesmente “registro” é a entidade responsável pelo repositório oficial e centralizado de todos os nomes de domínios registrados sob um ccTLD. É o responsável por publicar eletronicamente essa lista de nomes para o sistema de nomes de domínios (DNS), composto por vários servidores. Para tanto, essa entidade deve dispor da infraestrutura tecnológica necessária para comportar as suas bases de dados e para trocar informações com os servidores DNS, garantindo o funcionamento da internet sob aquele TLD, seja um ccTLD ou um gTLD. Também cabe ao operador gerir a alocação de endereços IP destinados àquele ccTLD, bem como manter informações adicionais, como os contatos dos proprietários dos nomes de domínio e o registrador que registrou o nome de domínio para o usuário (BUSH; HUTER; WENZEL, 2006).

O operador é, por definição, monopolista (UIT, 2008), ou seja, somente pode haver um para cada ccTLD, que, por sua vez, é único por país. A designação da entidade que irá atuar como operador em cada ccTLD é feita pela ICANN, com respaldo do país correspondente.

Os registradores (registrars, em inglês), ou revendedores de domínios, são organizações ou empresas privadas autorizadas pelo operador do registro e pela ICANN a negociarem nomes de domínios sob determinado ccTLD. Por meio de contrato firmado com o operador, eles oferecem o serviço de registro de nomes de domínios aos usuários finais. São tipicamente provedores de acesso à internet ou companhias que oferecem outros serviços adicionais, como hospedagem de página na internet e de correio eletrônico. Geralmente, existem vários registradores atuando no mercado de registro de domínios para cada ccTLD, competindo entre si quanto a preços, tipos de serviços oferecidos, qualidade do atendimento ao cliente, serviços de valor agregado, entre outros.

Os usuários, por sua vez, são organizações, empresas ou pessoas físicas que registram, em nome próprio, os domínios. Para todos os efeitos práticos, o usuário tem a propriedade sobre aquele nome. A partir de uma relação contratual geralmente estabelecida com o registrador, os nomes de domínios são registrados por um determinado prazo, a depender das regras impostas e dos preços pagos pelo usuário.

Devem ser consideradas também como usuários as pessoas e organizações que usam a internet. Eles dependem das informações fornecidas pelo DNS para que possam acessar websites, enviar e-mails e usar outras formas de comunicação baseadas nos protocolos da rede mundial para se comunicarem com aqueles que registraram nomes de domínios.

Esses stakeholders do sistema de registro de nomes de domínios podem se inter-relacionar de diferentes maneiras, a depender do modelo adotado em cada país. Dois modelos se destacam por serem os mais utilizados: o modelo de múltiplos registradores e o modelo verticalizado6, no qual não há segregação de funções entre o operador e os registradores.

O modelo de múltiplos registradores minimiza as funções monopolizadas pelo operador do registro, incrementa a competição e facilita o processo de inovação (UIT7, 2008). Os usuários não se relacionam diretamente com o operador, e sim com os registradores, que, por sua vez, interagem com o operador do ccTLD. Desse modo, os custos do operador são menores, pois a ele cabem apenas as atribuições que se constituem monopólio natural. Ao invés de lidar com milhões de usuários, ele atende demandas de dezenas de registradores.

No modelo verticalizado8, não existem registradores. Por esse motivo, o operador do ccTLD também lida diretamente com os usuários, acumulando o papel de registrador único. Nesse modelo, o operador tem custos mais elevados, por assumir mais atribuições. Ademais, os preços para os usuários tendem a ser maiores, por não haver competição (UIT, 2008). Por ser o operador um monopolista natural (BUSH; HUTER; WENZEL, 2006), qualquer serviço adicional prestado por ele gera uma barreira à entrada e pode desencorajar a prestação desses serviços por outras empresas.

Segundo a UIT (2008), esse modelo é mais encontrado em países em que há mais regulação. Nações em que o serviço não é regulado ou é regulado de maneira branda evitam esse modelo em função das consequências anticompetitivas para o mercado.

Figura 1

A depender da política pública adotada em cada país, assevera a UIT (2008) que o modelo de múltiplos registradores é mais aconselhável por proporcionar um ambiente favorável à competição. Esse modelo também fortalece a indústria de provedores de acesso e pode estimular o setor de serviços relacionados à rede mundial como um todo, aumentando a expertise e favorecendo a ampliação do uso da internet em um país.

Na maioria dos países, o sistema de registro de nomes de domínios, dada a sua relevância como elemento crítico na infraestrutura nacional da internet, conta com a participação de outro ator – o Estado – que se sobressai com maior ou menor intensidade. A seção seguinte tem como propósito apresentar as formas pelas quais o Estado pode exercer o papel de autoridade regulatória na gestão dos seus respectivos ccTLDs.


3. A GOVERNANÇA DOS ccTLDs E O ESTADO

Existem hoje mais de 250 extensões de ccTLD no mundo (IANA, 2011b), e para cada uma existe um operador designado. A ICANN é a entidade responsável por designar o operador de cada ccTLD, geralmente por indicação do governo ou da autoridade regulatória de cada país (UIT, 2008).

Nos primeiros anos de funcionamento internet, essa designação foi inicialmente feita, na maioria dos países, para universidades ou organizações não governamentais voltadas para a pesquisa, por serem as primeiras entidades que requisitaram conexão à rede mundial de computadores – na maior parte das vezes com o propósito de usá-la para fins acadêmicos (MUELLER, 2002 apud YU, 2004).

Em função do desenvolvimento da rede mundial de computadores, e pelo fato de os países terem se tornado mais conscientes quanto a sua importância, um número crescente de governos passou a interessar-se pela gestão ou supervisão de seus códigos nacionais de domínios de primeiro nível (OCDE, 2006). Além disso, os nomes de domínios passaram a chamar a atenção dos estados nacionais especialmente pela constatação de que muitas vezes essa infraestrutura crítica estava sendo administrada por atores privados de maneira independente do poder público.

3.1 A relevância do registro de nomes de domínios para o Estado

Os países cada vez mais têm considerado os códigos nacionais de domínios como parte estratégica de sua política de internet, integrante de sua soberania nacional e, em alguns casos, fonte de receita (OCDE, 2006). Ou seja, a questão “quem deve administrar o ccTLD?” deixou de ser acadêmica e passou a ser política. Segundo a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (2006, p. 4):

O ccTLD representa o interesse nacional ou territorial de um domínio, e é frequentemente visto como o carro-chefe da participação de um país na internet e como um ativo estratégico, com implicações simbólicas, socioeconômicas e relativas à segurança e à estabilidade da internet.9

Enquanto os gTLDs geralmente não têm sua designação relacionada a países ou territórios e são administrados pela ICANN, os operadores de ccTLDs estão sob jurisdição nacional para a definição das políticas públicas, diretrizes e responsabilidades legais a que se submetem10. Essa competência local ficou consubstanciada no documento denominado “Princípios e Diretrizes para a Delegação e Administração de ccTLDs”, aprovado pelo Comitê Consultivo Governamental (GAC) da ICANN, em 5/3/2005.

Tendo como escopo os princípios e diretrizes que devem orientar as relações entre governo, operador do registro e a ICANN, o documento destaca, em sua Cláusula 1.2, que:

o princípio fundamental a ser seguido é o princípio da subsidiariedade: a política pública que rege a atuação do operador de ccTLD deve ser definida localmente (por cada país), a menos que se demonstre eventual impacto global e a necessidade de que ela seja definida na esfera internacional. A maioria dos aspectos relativos a políticas de atuação de um operador de registro é de natureza própria de cada país e deve ser estabelecida pela comunidade local de usuários de internet, em conformidade com a respectiva legislação11. (ICANN, 2005, p. 1) (grifamos)

A Diretriz 4.2.1 do documento ressalta que o governo de cada país deve assegurar-se de que a administração do ccTLD está em consonância com o interesse público, com a política pública nacional estabelecida e com o seu arcabouço legal e regulamentar (ICANN, 2005).

Tal entendimento foi ratificado posteriormente pela segunda etapa da Cúpula Mundial da Sociedade da Informação (ONU, 2005) e pela UIT (2006), em que se concordou que não deve haver envolvimento de um país em decisões relativas ao ccTLD de outro país, e os interesses legítimos de cada país relativos às decisões que afetam seus respectivos registros devem ser respeitados e defendidos.

A UIT (2006b), por meio de sua Resolução 102/2006, reconhece que cada país-membro representa os interesses da população do país ou território para o qual o ccTLD foi atribuído. A Resolução destaca, ainda, que o papel dos governos quanto à gestão da internet inclui a implementação de um modelo regulatório claro, consistente e estável, a fim de promover um ambiente favorável no qual as redes globais sejam interoperáveis e acessíveis a todos os cidadãos, e para garantir a adequada proteção ao interesse público no gerenciamento dos recursos de internet, entre eles os nomes de domínios e os endereços IP. Na mesma linha, Park (2009) afirma que muitos governos consideram o sistema de nomes de domínio como um recurso público, e que a autoridade final sobre tal recurso deve ser o Estado.

3.2 Modos de intervenção estatal e estruturas de governança para o ccTLD

Em face da relevância desses serviços para a coletividade, uma questão que se coloca é a de saber se ou como um país deve implementar sua autoridade governamental sobre seu ccTLD, considerando-se especialmente o seu arcabouço legal e regulamentar.

Alguns governos acreditam que não há necessidade de intervir na gestão do registro nacional de nomes de domínios, deixando-a a cargo da iniciativa privada. Em outros casos, o estado pretende intervir, de alguma forma, na gestão do ccTLD, mas a legislação vigente oferece obstáculos por não sustentar essa atuação estatal. Há ainda os casos em que a legislação fundamenta a intervenção estatal na gestão do ccTLD, restando ao governo delinear a política pública a ser atendida pela prestação dos serviços.

Quando existe, o envolvimento governamental em seus ccTLDs pode estar institucionalizado de maneira formal ou informal, conforme o país. Em alguns casos, o operador do ccTLD está sujeito a um acordo ou contrato com o governo e a determinado mecanismo de fiscalização12. Pode, em outros casos, ser gerido e operacionalizado pelo próprio Estado. Existem ainda situações em que a relação entre o ccTLD e o governo se dá de maneira muito informal, desprovida de contrato ou legislação específica, como nos casos da alemã “.de” ou de inglesa “.uk” (OCDE, 2006).

Além de existirem variados níveis de envolvimento estatal na gestão do serviço de registro de nomes de domínios, os operadores de ccTLD assumem diferentes configurações institucionais, a depender do país. Isso é em parte devido a decisões políticas, e em parte devido a razões históricas. Em pesquisa realizada em 2003, com base em informações obtidas de 67 países, a UIT chegou ao seguinte resultado quanto à natureza dos operadores de registros nacionais:

Tabela 1

Tipo de estrutura que melhor define o ccTLD

Percentual

Empresa comercial

19,4%

Organização sem fins lucrativos

43,3%

Entidade pública

16,4%

Entidade do meio acadêmico

16,4%

Operado por um indivíduo

4,5%

Fonte: adaptado de (UIT, 2004)

Enquanto, em alguns países, o responsável pelos registros sob o código nacional de domínio de primeiro nível é um órgão público (agência reguladora do setor de telecomunicações ou ministério das comunicações, por exemplo), em outros o operador do ccTLD é um organismo não-governamental que representa a comunidade de internet. Nesse caso, a entidade pode ou não ser auditada ou supervisionada pelo governo do seu país, a depender do nível de envolvimento do governo e da legislação vigente. Há ainda aquelas entidades responsáveis pelo registro nacional de nomes de domínios que são completamente autônomas e sem fins de lucro, e também há casos empresas comerciais que operam o registro com base em um vínculo contratual com o governo.

Na Alemanha, por exemplo, o operador Denic é uma cooperativa formada por empresas comerciais. Outros registradores se definem como empresas privadas, como a JPRS, no Japão, a Nominet, no Reino Unido, ou a Neustar, nos Estados Unidos13. Outros administradores de ccTLD, como os da Espanha, Coréia do Sul e Argentina, são operados pelo próprio governo. Uma parcela menor de operadores de registros de nomes de domínios, como os do México, Suíça e Turquia, funciona em ambiente acadêmico, como universidades.

O Quadro 1 apresenta a relação de alguns operadores de ccTLD com a administração pública em alguns países, a título de exemplificação:

Quadro 1

cc

País

Registra-dor

Tipo de Entidade

Relação com o Governo

Papel Governamental

.au

Austrália

auDA

org. s/ fins lucrativos

Formal

autorizou a atuação

.is

Islândia

Isnic

empresa privada

Informal

nenhum

.mx

México

Nic-México

acadêmica

Informal

elaborou projeto de lei

.no

Noruega

Norid

org. s/ fins lucrativos

Formal

fiscaliza c/ base em lei

.es

Espanha

Es-NIC

governamental

Formal

gestor, com base em lei

.br

Brasil

CGI.br

governamental14

Formal

gestor, com base em decreto

.uk

Reino Unido

Nominet UK

org. s/ fins lucrativos

Informal

consultivo

.us

EUA

Neustar

empresa privada

Formal

contratante

.it

Itália

NIC.it

org. s/ fins lucrativos15

Formal

gestor

.de

Alemanha

Denic eG

coop. s/ fins lucrativos

Informal

observador

Fonte: adaptado de (OCDE, 2006).

Ao se observarem os operadores de ccTLD dos membros da OCDE e em outros países nos quais se constata um crescimento mais expressivo no número de registros, verifica-se que a maioria é de organizações sem fins lucrativos (OCDE, 2006), geralmente denominadas Network Information Center (NIC). São geralmente compostas por representantes de provedores de serviços de internet, de organizações representativas do setor, e, muitas vezes, com participação de representantes do governo.

Na maioria dos casos, o poder público tem significativa influência sobre a operação do ccTLDs, independentemente de este ser operado com fins comerciais16. Segundo a OCDE (2006), à medida que cresce o interesse dos governos em se envolverem na gestão de seus ccTLDs, diversos países têm editado leis destinadas a estabelecer a base legal para a participação governamental em seu correspondente ccTLD, tal como foi feito na França e na Índia, em 2004. Nos últimos anos, diversas organizações governamentais assumiram o controle dos seus respectivos registradores.

Em 2003, a partir de pesquisa realizada com diversos países e destinada a aumentar a compreensão quanto ao papel dos governos frente aos seus domínios nacionais, a UIT detectou que a maioria deles – se não todos – tendem a desempenhar algum tipo de papel sobre seu ccTLD (UIT, 2004). Naquele ano, entre os países cujos operadores de registro de nomes de domínios não tinham qualquer relação com o governo (18,6% do total), 84,6% afirmaram que planejavam mudar a situação, de modo a garantir um envolvimento governamental.

Apenas 18% dos países já tinham editado legislação que dava suporte à relação do Estado junto ao ccTLD. Contudo, 56% dos países estavam envidando esforços para conferir maior formalização da relação estatal com a administração do registro de nomes de domínios, por meio, por exemplo, da elaboração de projetos de lei, da realização estudos voltados à contratualização do serviço e da formação de comissões no governo para discutir o tema.

Atualmente, segundo Park (2009), a maior parte das designações ccTLD feitas pela ICANN são para entidades governamentais. Essa tendência, consolidada nos últimos anos, é resultado do interesse público envolvido na gestão dos ccTLDs, por meio da proteção da informação, da propriedade intelectual e dos direitos individuais, da promoção da presença nacional na internet e do reconhecimento dos nomes de domínios como recursos da coletividade.

A cada país cabe definir com que intensidade deve se dar o envolvimento governamental nos serviços de registro de nomes de domínios. O Estado, ao optar por exercer algum papel no sistema de registro e tendo definido a intensidade dessa intervenção, deve verificar quais as ações a serem adotadas a fim de legitimar essa atuação, tornando-a condizente com o seu arcabouço jurídico ou estabelecendo um marco regulatório específico. Isso posto, a seção seguinte destina-se a ilustrar a experiência internacional no que tange à legitimação da atuação do Estado na gestão do respectivo ccTLD.


4. EXPERIÊNCIA internacional

4.1 França

O organismo gestor do “.fr”17 é a Association Française pour le Nommage Internet en Coopération (AFNIC), responsável pela gestão administrativa e técnica do ccTLD francês. Trata-se de uma organização sem fins lucrativos criada conjuntamente, em 1998, pelo INRIA (Instituto Nacional de Pesquisa em Ciência da Computação, na França) e pelo Governo Francês, representado pelos ministérios das Telecomunicações, da Indústria e da Pesquisa (AFNIC, 2010).

A entidade é composta por representantes dos usuários, dos registradores (provedores de acesso à internet), entidades internacionais e por representante de autoridades públicas. Além disso, o modelo francês para a organização da gestão de nomes de domínio é baseado na segregação de papéis (modelo de múltiplos registradores)18, de modo que existem na França aproximadamente 770 agentes registradores (AFNIC, 2011) responsáveis por fazer a intermediação entre os usuários e o operador do registro.

Antes do AFNIC, o INRIA era o responsável pela administração do “.fr”, inicialmente para contribuir com a comunidade de pesquisa e desenvolvimento. Com a expansão comercial da rede mundial, foi criado, em meados dos anos noventa, um comitê destinado a estabelecer regras para o “.fr”, com foco em questões de propriedade. A intenção era estabelecer uma estrutura de gestão mais flexível e apta a atender às demandas pelo serviço, e isso não era possível de se implementar em um instituto de pesquisa. Com isso, por iniciativa de autoridades públicas, foi criada a AFNIC, que assumiu a responsabilidade pela gestão do ccTLD francês.

Apesar de atuar desde 1998, a designação da AFNIC – uma associação de direito privado – como gestora do ccTLD francês não havia ocorrido em conformidade com o arcabouço legal daquele país. Além disso, a preocupação do governo francês com o “.fr” era crescente, especialmente por representar um componente essencial da infraestrutura digital do país. Em 2003, o Governo Francês apresentou seu ponto de vista sobre a questão, ao afirmar que "o ccTLD é considerado um recurso público ou coletivo que não pode ficar sob o título de propriedade privada e deve ser gerido com base no interesse coletivo; e os governos, em última instância, têm autoridade sobre os ccTLDs pertinentes aos seus territórios” (UIT, 2003, p. 2).

Tendo entre os seus objetivos o de estabelecer um processo isonômico, adstrito à legalidade e transparente para a designação de nova entidade responsável pela gestão do “.fr”, foi publicada a Lei 2004-669, de 9/7/2004 – regulamentada pelo Decreto 2007-162 –, que introduziu um novo quadro jurídico para os domínios da internet na França, alterando o Código de Correios e Telecomunicações (CPCE) (FRANÇA, 2004).

Segundo o novo arcabouço legal19, a entidade gestora do ccTLD teria que ser designada pelo Ministro das Telecomunicações. Com isso, nos termos dos artigos L. 45 e R. 20-44-35 do CPCE, realizou-se uma consulta pública para discutir o modelo e, posteriormente, um chamamento público para o recebimento de propostas de entidades interessadas em atuar como operador do “.fr”. Essas propostas deveriam abordar aspectos como recursos humanos, técnicos e financeiros do interessado; política tarifária; segurança, qualidade e confiabilidade do serviço a ser prestado, entre outros.

Como resultado desse processo seletivo público, a AFNIC foi a entidade selecionada e, com isso, foi reconduzida como operadora do “.fr” por um período de sete anos, via Despacho Ministerial de 2/3/2010.

Apesar do novo marco legal constituído para normatizar aspectos atinentes à gestão do ccTLD francês, questões jurídicas voltaram a ser discutidas, dessa vez pelo Conselho Constitucional Francês, provocado por uma ação de declaração de inconstitucionalidade da Lei de Registros de Domínios, que também requeria a anulação do processo destinado a selecionar o operador do “.fr”. O Conselho decidiu em favor do requerente (Décision 2010-45, de 6/10/2010), aduzindo que a lei vigente não dava garantias suficientes quanto aos direitos de propriedade intelectual, livre iniciativa, liberdade de expressão e comunicação (FRANÇA, 2010). Questões relativas a esses direitos tinham sido regulamentadas pelo Decreto 2007-162, o que também gerou contestação quanto ao meio usado para dispor sobre tais matérias.

Além disso, o Conselho Constitucional asseverou que a elaboração de regulamentos quanto a registros de domínios por parte da AFNIC confere a essa entidade prerrogativas que não poderiam ser exercidas por uma associação de direito privado, mas tão somente pelo Parlamento enquanto órgão competente para legislar (FRANÇA, 2010).

Com isso, decidiu-se que o artigo L.45 do Código de Correios e Telecomunicações seria considerado inconstitucional a partir de 1º/7/2011, prazo supostamente necessário para que o Parlamento legislasse sobre o tema. Até a publicação da nova lei, a operação do “.fr” permaneceria sob responsabilidade da AFNIC.

Em via de consequência, em 22/3/2011 foi publicada a Lei 2011-302, que alterou o artigo L.45 do CPCE e acrescentou nove artigos que abordam a gestão do “.fr”. Desse modo, aspectos relativos ao registro de nomes de domínios, que antes estavam respaldados apenas em norma infralegal, passaram a ter uma conformação legal, tais como: obrigação de prestar contas ao Poder Executivo; condições que ensejam a perda da autorização para a prestação do serviço de gestão do “.fr”; princípios e critérios20 que regem a atribuição e o cancelamento de nomes de domínios; obrigações a serem cumpridas pelos registradores; transparência quanto ao preço dos serviços; direito de propriedade sobre o nome de domínio, entre outros.

A nova lei dispõe, ainda, que a regulamentação definirá o período de duração das futuras delegações para a gestão do ccTLD. Estabelece, adicionalmente, que a delegação recebida pela AFNIC é válida até o próximo processo público de seleção da entidade que será a responsável pela gestão do “.fr”, fixando esse prazo, que não pode ultrapassar o dia 30/6/2012.

A necessidade de que o marco regulatório da gestão do ccTLD francês fosse instituído por lei é fruto de disposições constitucionais que estabelecem o princípio da livre iniciativa. Apenas por meio de lei é que poderiam ser criadas obrigações civis e comerciais. Segundo o Conselho Constitucional Francês (FRANÇA, 2010), a relevância econômica e social dos serviços de internet para o país, tanto para indivíduos quanto para empresas, fazem com que a atribuição e o uso de nomes de domínio na internet possam afetar direitos de propriedade intelectual, liberdade de comunicação e liberdade de empresa. A fim de resguardar esses direitos, em respeito à Constituição, foi necessário o estabelecimento de um marco legal para a gestão do “.fr”.

4.2 Suécia

A função de coordenação e gestão do TLD nacional da Suécia (“.se”) é desempenhada pela Stiftelsen för Internetinfrastruktur, ou Internet Infrastructure Foundation – IIS, uma organização sem fins lucrativos21 (IIS, 2011a).

A IIS foi fundada em 1997 pela Internet Society na Suécia (ISOC-SE22). Anteriormente, o domínio “.se” era de responsabilidade de uma pessoa física, Sr. Björn Eriksen, a quem o ccTLD foi delegado em 1986 por uma entidade precursora da Internet Assigned Numbers Authority – IANA. Segundo Smith (2007), durante um certo período o Sr. Björn, mesmo sem regulamentação sobre o serviço, contou com o suporte e com a aprovação tácita do meio acadêmico. Com o crescimento continuado da demanda, mostrou-se necessário transferir a gestão do “.se” para uma entidade criada para essa finalidade. Na época de criação da IIS, havia 50.000 registros sob o “.se” (hoje existe mais de um milhão) (IIS, 2011b).

Os instrumentos de criação da IIS delinearam os objetivos da fundação como sendo os de garantir a estabilidade da infraestrutura da internet na Suécia e promover pesquisa, educação e treinamentos em computação e telecomunicações, com ênfase na internet. Parte das receitas geradas é usada para o cumprimento desses objetivos da IIS, especialmente por meio de financiamentos para instituições de pesquisa e projetos voltados ao desenvolvimento da internet.

Em julho de 2006 foi aprovado, após amplo processo de consulta pública, o marco regulatório da gestão de nomes de domínios na Suécia, por meio da Lei dos Domínios Nacionais de Primeiro Nível (SUÉCIA, 2006). A Lei estabelece que a IIS deve submeter-se à supervisão da Agência Nacional de Correios e Telecomunicações (PTS).

O marco legal instituído em 2006 é considerado brando (SMITH, 2007), especialmente se comparado à legislação recentemente aprovada na França para a gestão do “.fr”. Ele exige que o gestor do ccTLD conduza as operações no “.se” de forma segura e eficiente, atendendo o interesse público, a fim de manter adequadamente a base de dados contendo as informações dos registros. Determina ainda que uma cópia da base de dados seja armazenada na PTS, a fim de resguardar o funcionamento do “.se” em caso de cessação das atividades do gestor do ccTLD.

Ademais, a lei autoriza a agência reguladora a editar regulamentos a serem seguidos pela PTS, bem como a ter acesso às instalações do gestor do “.se” com o propósito de realizar fiscalizações ou qualquer outra atividade de supervisão.

Observa-se, assim, um modelo menos interventivo, tento em vista que lei autoriza o operador do ccTLD a estabelecer regras quanto à atribuição, ao registro, ao cancelamento e à transferência de nomes de domínios, sempre de modo aberto e não discriminatório, resguardada a proteção da privacidade e do interesse público, e em prol do desenvolvimento da internet. Ressalte-se que as leis suecas de propriedade industrial, privacidade, propriedade intelectual e de práticas comerciais são aplicáveis ao uso de nomes de domínios (SUÉCIA, 2006).

Por fim, por se tratar de uma fundação, a IIS está sujeita à supervisão governamental, em conformidade com a Lei das Fundações, de 1994. Essa supervisão tem como foco a gestão financeira e patrimonial, e é efetuada pelo Conselho de Administração da Comarca de Estocolmo (SUÉCIA, 1994).

4.3 Suíça

Na Suíça, o registro de nomes de domínios é conduzido pela Switch, uma fundação constituída em regime privado, que tem como principal objetivo o de operar redes de telecomunicações de alto desempenho para universidades nacionais. Contudo, desde 1987, a Switch também é responsável pela gestão do ccTLD no país, o “.ch”.

Antes da revisão da Lei de Telecomunicações no país, ocorrida em 1997, a gestão do registro de nomes de domínios na Suíça não era regulada como um serviço público ou de relevante interesse público (SMITH, 2007). A Switch realizava suas atividades unicamente com base na legislação que normatizava o setor privado. A partir de 1997, entretanto, com a nova Lei de Telecomunicações, os nomes de domínios – a partir de então denominados recursos de endereçamento – passaram a ser controlados pelo Estado por meio de uma entidade pública, o Federal Office of Communications (Ofcom), responsável, a partir de então, pela administração e pela regulação técnica e econômico-financeira desses recursos e dos serviços associados.

O art. 28, § 2º, da Lei de Telecomunicações dispõe que a administração dos recursos de endereçamento pode ser delegada pela Ofcom a terceiros, e que cabe ao Poder Executivo (Conselho Federal) fixar as regras detalhadas para a efetivação da delegação, da regulação e da supervisão a ser realizada pela Ofcom. Essa regulamentação foi publicada por meio de alteração ao Decreto sobre os Recursos de Endereçamento do Setor de Telecomunicações (SUÍÇA, 2001), fixando regramento que entraria em vigor em abril de 2002.

Com base no Decreto, a Ofcom poderia lançar um processo público de seleção da entidade responsável por administrar o “.ch”. Poderia também transferir diretamente a atividade, desde que o processo de transferência atendesse aos princípios da transparência, isonomia, objetividade e confidencialidade em relação às informações dos interessados. O instrumento a ser usado para formalizar a transferência seria um contrato de concessão ou um contrato de prestação de serviços (art. 13 do Decreto). A delegação seria por prazo determinado, podendo ser renovada.

Com isso, tendo-se em consideração a experiência da Switch na condução dos registros de nomes de domínios sob o “.ch”, a Ofcom delegou-lhe a gestão do ccTLD suíço, e passou a ser a responsável por regulamentar e fiscalizar o cumprimento de obrigações pela fundação privada. O contrato de delegação, cujo prazo inicialmente definido era até 31/3/2007, foi renovado em 2007, e a delegação se estenderá até 31/3/2015. O novo contrato visa garantir padrões adequados de qualidade de serviço e uma redução gradativa dos valores cobrados dos usuários pelos registros de nomes de domínios (OFCOM, 2007).

A relação entre a Switch e os usuários é regulada por contratos privados e, para tanto, a entidade editou um documento contendo os termos e condições gerais para o serviço, em conformidade com os parâmetros definidos pelo decreto editado pelo Conselho Federal. As condições gerais para o serviço submetem-se à aprovação da Ofcom. Cabe também ao regulador aprovar os valores a serem cobrados pela Switch pelos registros sob o “.ch”. Tais valores devem ser calculados considerando-se os custos de um registro eficiente (SUÍÇA, 2001).

4.4 Colômbia

Assim como ocorreu na maior parte dos países do mundo, o início da administração do registro de nomes de domínios sob o “.co” iniciou-se no meio acadêmico. Em 1991, a IANA delegou a gestão do ccTLD colombiano à Universidad de Los Andes.

Os anos que se seguiram foram envoltos em uma polêmica sobre a pertinência dessa delegação a uma instituição de ensino, especialmente ao constatarem-se os potenciais benefícios decorrentes da exploração comercial do “.co”23. Na época, a discussão, envolvendo o Ministério das Comunicações, o Conselho de Estado, a ICANN e a própria Universidad de Los Andes, abordou também aspectos como a natureza (se pública ou privada) da prestação daqueles serviços prestados pela universidade. O Conselho de Estado Colombiano, ao analisar a questão, concluiu que o marco legal do setor de telecomunicações não seria aplicável ao registro de nomes de domínios (COLÔMBIA, 2001).

O Governo Colombiano interveio então defendendo a necessidade de se legislar sobre a matéria24. Como resultado, foi aprovada a Lei 1.065/2006, que: a) atribuiu ao poder público a competência para administrar o ccTLD colombiano; b) estabeleceu que os nomes de domínios sob o “.co” são recursos do setor de telecomunicações; e c) afirmou o interesse público envolvido na gestão desses recursos, sujeitando-a ao planejamento, à regulação e ao controle exercidos pelo Estado, por meio do Ministério das Comunicações. A lei fixou ainda a possibilidade de delegação, pelo Ministério, à iniciativa privada, da prestação do serviço de gestão do ccTLD, por um prazo de 10 anos, que pode ser prorrogado somente uma vez.

O Governo Colombiano iniciou, então, uma consulta pública junto à comunidade local da internet a fim de definir o modelo de governança para o “.co”. Em consequência, no ano de 2008 a Colômbia estabeleceu, por meio das resoluções 284/2008 e 1.652/2008, a política de governança para os serviços de gestão do “.co” e o seu modelo de negócios (COLÔMBIA, 2008). Feito isso, iniciou-se um processo licitatório com o propósito de efetuar a concessão da gestão do ccTLD25.

Em 2009, o Ministério de Tecnologia da Informação e das Comunicações (Mintic) adjudicou a concessão do “.co” à empresa .CO Internet SAS, vencedora do processo licitatório. Em via de consequência, em janeiro de 2010 a .CO Internet SAS sucedeu de pleno direito à Universidad de Los Andes, passando a delegação a estar respaldada num contrato de concessão com uma vigência inicial de 10 anos.

Esse contrato de concessão, respaldado pela lei, salvaguarda o papel interventor do Estado Colombiano na gestão do ccTLD. O Mintic mantém o poder decisório sobre as regras aplicáveis ao registo de domínios, passando a atuar como regulador da prestação do serviço.

Com o novo marco regulatório, o modelo adotado pela Colômbia passou a ser o de múltiplos registradores. A receita do gestor do “.co” é obtida por meio da contraprestação pecuniária paga pelos registradores, que atuam em regime de liberdade de competição e de preços. Segundo o contrato de concessão, até 75%26 das receitas obtidas pela concessionária deverão reverter em favor dos cofres públicos, devendo, ainda, a concessionária promover atividades e eventos em prol do desenvolvimento da internet no país.

Esse processo de concessão, cuja modelagem contou com a participação ativa de múltiplos atores da iniciativa privada, do setor público e da sociedade em geral, trouxe um novo modelo de governança, com novas regras, marcadas pela abertura do “.co” para interessados de todo o mundo, diminuição do tempo de registo de três dias para cinco minutos e uma redução em 50% nos preços praticados. Além disso, a adoção do modelo de múltiplos registradores permitiu que agentes especializados dinamizassem o desenvolvimento comercial do setor, oferecendo serviços de valor agregado.


5. REGULAÇÃO DOS SERVIÇOS RELATIVOS AO ccTLD “.br”

No Brasil, a responsabilidade – perante a IANA e, posteriormente, também perante a ICANN – pela alocação de endereços IP e pelo registro de domínios sob o ccTLD “.br” foi atribuída, em 18/4/1989, a um grupo de pesquisadores da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo – Fapesp (NIC.br, 2010a). Esse grupo de pesquisadores da Fapesp, denominado Grupo Operador da Internet, ficou assim responsável pela administração do DNS e pela distribuição de endereços IP no Brasil, ligando o país à internet a partir de 1991.

Em 1995, o Governo Federal, por meio da Portaria Interministerial 14727 do Ministério de Ciência e Tecnologia – MCT e do Ministério das Comunicações – MC, criou o Comitê Gestor Internet do Brasil – CG, com a atribuição, principalmente, de “coordenar a atribuição de endereços IP (Internet Protocol) e o registro de Nomes de Domínio” (art. 1º, inciso V). Fariam parte do Comitê nove representantes – sendo alguns de órgãos estatais e outros de setores da sociedade civil.

Em seu primeiro ato formal, a Resolução-CG 1/1998, de 15/4/1998, o Comitê Gestor acentuou a relevância pública dos serviços relacionados à administração da internet no país, ao afirmar que:

Para conectividade à Internet, com o objetivo de disponibilização de informações e serviços, é necessário o registro de nomes de domínio e a atribuição de endereços IP (Internet Protocol), bem como a manutenção de suas respectivas bases de dados na rede eletrônica.

Por meio dessa Resolução, o Comitê Gestor acabou com a gratuidade do registro de domínios no Brasil, permitindo que fosse cobrado um valor de retribuição por esse procedimento.

Na mesma data, o Comitê Gestor editou outro ato formal de regulamentação, por meio da Resolução-CG nº 2/1998. Nesse momento, ficou plenamente caracterizada a intervenção da União sobre os serviços de gestão do “.br”, pois a citada Resolução delegou competência à Fapesp para que essa entidade de pesquisa continuasse operando o ccTLD brasileiro por meio da realização das atividades de registro de nomes de domínio, distribuição de endereços IPs e sua manutenção na internet. Além disso, autorizou a Fapesp a cobrar valores, fixados pelo Comitê Gestor, e a se ressarcir financeiramente pelos serviços prestados. A instituição acadêmica estaria, a partir de então, obrigada ao cumprimento de condições e regras para o registro e cancelamento de nomes de domínio nos termos definidos pelo Comitê.

Importante alteração regulamentar ocorreu com a edição do Decreto Presidencial 4.829, de 3/9/2003, que procurou ampliar a representatividade dos diversos setores da sociedade civil no Comitê Gestor (que passou a ser denominado Comitê Gestor da Internet no Brasil – CGI.br), ao prever a nova composição de vinte e um membros e disciplinar mais detalhadamente os critérios de eleição dos representantes (arts. 2º a 9º). O Decreto também estabeleceu a possibilidade de se delegar, a entidade pública ou privada, a gestão do “.br”:

Art. 1º Fica criado o Comitê Gestor da Internet no Brasil - CGIbr, que terá as seguintes atribuições:

(...) II - estabelecer diretrizes para a organização das relações entre o Governo e a sociedade, na execução do registro de Nomes de Domínio, na alocação de Endereço IP (Internet Protocol) e na administração pertinente ao Domínio de Primeiro Nível (ccTLD - country code Top Level Domain), ".br", no interesse do desenvolvimento da Internet no País;

(...) Art. 10. A execução do registro de Nomes de Domínio, a alocação de Endereço IP (Internet Protocol) e a administração relativas ao Domínio de Primeiro Nível poderão ser atribuídas a entidade pública ou a entidade privada, sem fins lucrativos, nos termos da legislação pertinente. (BRASIL, 2003) (grifamos)

Além dessas, outras competências do CGI.br foram delineadas pelo Decreto 4.829/2003, entre as quais se destacam: estabelecer diretrizes estratégicas relacionadas ao uso e desenvolvimento da internet no Brasil; propor normas e procedimentos relativos à regulamentação das atividades na internet; adotar os procedimentos administrativos e operacionais necessários para que a gestão da internet se dê segundo os padrões internacionais aceitos pelos órgãos de cúpula da Internet, podendo, para tanto, celebrar acordo, convênio, ajuste ou instrumento congênere.

Como se pode observar, os dispositivos do Decreto 4.829/2003 realçam o interesse público inerente à administração do domínio de primeiro nível “.br”. Fica evidente no texto do regulamento a preocupação quanto à organização das relações entre o Governo e a sociedade na execução do registro de nomes de domínio, na alocação de endereços IP e na administração do ccTLD “.br”.

Em decorrência da prescrição conferida pelo art. 10, que autoriza a atribuição da prestação desses serviços a entidade pública ou privada, houve uma relevante inovação na gestão do ccTLD brasileiro. Por meio da Resolução 1/2005, editada pelo CGI.br, foram atribuídas ao Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto Br – NIC.br a execução do registro de nomes de domínio, a alocação de endereços IP e a administração dos domínios “.br” (art. 1º). Assim como na Resolução-CG 2/1998, essa normativo também buscou regular diversos aspectos da prestação dos serviços, como ao obrigar o NIC.br à observância das regras estabelecidas pela Resolução-CGI 2/2005 (art. 2º) e ao controlar as tarifas cobradas (art. 3º) e a aplicação dos recursos arrecadados (art. 4º).

O NIC.br é uma associação privada, sem fins lucrativos, criada pelos próprios integrantes do Comitê Gestor da Internet no Brasil à época (BRASIL, 2010b). A Figura 2 apresenta a estrutura do NIC.br, bem como sua vinculação ao CGI.br. De acordo com o próprio CGI.br (2011), a associação é considerada o braço executivo do Comitê Gestor da Internet no Brasil.

Figura 2

Fonte: (NIC.br, 2011a)

Por meio do seu serviço denominado “registro.br”, a associação efetua os registros de domínios sob o ccTLD “.br”. Todos os domínios na internet com extensão “.br” são registrados, exclusivamente, por meio do “registro.br”, sejam eles destinados a instituições governamentais, acadêmicas ou privadas (como exemplo, respectivamente, www.presidencia.gov.br, www.ufpe.br, www.vale.com.br).

O Brasil adota o modelo verticalizado de prestação de serviços de registro (REGISTRO.br, 2011). Ou seja, o NIC.br é responsável por operar o ccTLD e efetuar os registros por demanda direta dos usuários finais. Exerce, assim, dentro de um modelo de integrado de prestação de serviços, o monopólio de atividades que poderiam ser atribuídas a várias empresas privadas, a exemplo do modelo de múltiplos registradores adotado em diversos outros países28.

Nos últimos nove anos, o número de registros no “.br” cresceu a uma taxa média de aproximadamente 24% ao ano, evidenciando o forte crescimento da demanda por registro de domínios sob o ccTLD brasileiro (CETIC.BR, 2011). Existem hoje mais de 2,6 milhões de domínios registrados sob o “.br”, que atualmente é o sétimo ccTLD com mais registros no mundo (ZOOKNIC, 2011 apud VERISIGN, 2011). O faturamento anual do NIC.br, apenas com receitas decorrentes da prestação dos serviços a ele atribuídos pelo CGI.br, é superior a R$ 80 milhões de reais (NIC.br, 2011b).

Além dos mencionados serviços, o NIC.br desempenha atividades consideradas de fundamental importância para o funcionamento e o desenvolvimento da internet no Brasil, atividades essas, em parte, originalmente atribuídas ao CGI.br por meio do Decreto 4.829/2003. Cite-se, como exemplo, a análise de incidentes de segurança na rede, entre outras atividades relacionadas à segurança da internet no país; a produção de indicadores e estatísticas sobre a disponibilidade e uso da internet no Brasil; e o desenvolvimento de estudos voltados à inovação, à melhoria do nível de qualidade técnica e à universalização do uso da internet.

5.1 A regulação do serviço de registro de nomes de domínio e o ordenamento jurídico

Inicialmente, releva mencionar que não existe lei que defina o marco regulatório para a gestão do ccTLD no Brasil. Daí a dificuldade de se caracterizar essa atividade como um serviço público ou como uma atividade privada29. Além disso, a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) nunca expediu norma atribuindo o caráter de serviço de telecomunicações ou de serviço de valor adicionado aos serviços de gestão do “.br”, de modo que não há possibilidade de se enquadrarem tais serviços como serviços de telecomunicações.

Apesar disso, a atuação do CGI.br sobre a gestão do ccTLD brasileiro configura autêntica regulação. Isso porque, por meio da Resolução CGI.br/RES/2008/008/P30, o Comitê Gestor da Internet efetivamente intervém nas relações privadas, ao tempo que: 1) estatui procedimentos a serem cumpridos por uma associação de regime privado por ocasião do registro de nomes de domínios (arts. 1º e 10); 2) estabelece vedações quanto ao uso de determinados nomes de domínios (art. 1º, parágrafo único); 3) determina os critérios para habilitação de pessoas interessadas em registrar sob o “.br” (arts. 2º, 6º e 14); 4) estabelece critérios que afetam os direitos dos usuários sobre os nomes de domínios (arts. 10, 12 e 13); 5) cria procedimentos, responsabilidades e obrigações a serem cumpridos pelos usuários dos serviços (arts. 4º, 5º, 10 e 14).

Segundo a mesma Resolução, o CGI.br estabelece, ademais, o valor a ser cobrado dos usuários pelos serviços prestados pela associação privada (art. 8º). A norma ainda fixa direitos dos usuários sobre os nomes de domínios registrados, bem como estabelece critérios para o cancelamento do registro, como, por exemplo, em caso de não pagamento dos valores cobrados (art. 9º).

A prestação dos serviços de registro de nomes de domínios prestados pelo NIC.br tem amparo em contrato firmado com os usuários registrantes. O contrato é padronizado, e contém cláusulas que também evidenciam a ingerência do CGI.br sobre a prestação dos serviços:

CONTRATO PARA REGISTRO DE NOME DE DOMÍNIO SOB O ‘.br’

O NÚCLEO DE INFORMAÇÃO E COORDENAÇÃO DO PONTO BR-NIC .br, (...), de acordo com a delegação do Comitê Gestor da Internet no Brasil, através da Resolução CGI.br nº 001/2005, e o REQUERENTE do registro de domínio, seja Pessoa Física ou Jurídica, com capacidade jurídica para este ato, resolvem, com base nos regulamentos vigentes, firmar o presente CONTRATO, em conformidade com os termos e condições adiante expostos.

(...) CLÁUSULA PRIMEIRA: DO OBJETO: Este instrumento tem por objeto estabelecer as principais condições e normas para o registro, a publicação e a manutenção de domínio na Internet sob o ".br" e para a utilização da base de dados do REGISTRO, sem prejuízo dos demais regulamentos instituídos pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil.

(...) CLÁUSULA SEXTA: DOS VALORES A SEREM RETRIBUÍDOS: I. Para registro de um domínio, o REQUERENTE deverá pagar até a data de seu respectivo vencimento, a retribuição referente à manutenção, conforme valores estabelecidos pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil; (...) IV. Os valores cobrados poderão ser alterados de acordo com as normas do Comitê Gestor da Internet no Brasil.

(...) CLÁUSULA DÉCIMA PRIMEIRA: DAS DISPOSIÇÕES GERAIS: (...) IV. O REGISTRO seguirá sempre as normas emanadas pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil, especialmente as suas Resoluções; V. As demais condições estabelecidas pelo REGISTRO relativas ao registro e manutenção de domínio estão dispostas nas normas do Comitê Gestor da Internet no Brasil e no endereço https://www.registro.br (REGISTRO.BR, 2011) (grifos nossos).

Ou seja, mesmo na ausência de lei que o autorize a tanto, o CGI.br regula a prestação do serviço de gestão do ccTLD de maneira permanente e sistematizada, interferindo até mesmo em questões que envolvem direitos e obrigações dos usuários dos serviços e sujeitando uma associação privada ao cumprimento de seus regulamentos. A atuação do CGI.br, na prática, configura intervenção estatal no domínio econômico.

Como já visto, a Portaria Interministerial 147/1995 criou o Comitê Gestor Internet do Brasil, que recebeu como atribuição, entre outras, “coordenar a atribuição de endereços IP e o registro de nomes de domínios” (art. 1º, inciso V). A edição dessa Portaria foi fundamentada no art. 87, parágrafo único, inciso II, da Constituição Federal (BRASIL, 1988), segundo o qual “compete ao Ministro de Estado (...) expedir instruções para a execução das leis, decretos e regulamentos”. Mas não houve, à época, exposição de motivos que explicitasse quais leis ou regulamentos a Portaria Interministerial visava disciplinar.

Albrecht (2000) entende haver inconstitucionalidade material e também formal na Resolução 1/1998 do Comitê Gestor, justificando que há vício de origem na criação do Comitê, pois afronta o disposto no art. 87, parágrafo único, inciso II, da Constituição Federal, segundo o qual compete ao ministro de Estado (...) expedir instruções para a execução de leis, decretos e regulamentos, e que há infração ao Princípio da Legalidade. Segundo a autora,

Uma portaria interministerial, como a que serve de fundamento para a validade do Comitê Gestor, pode tão somente determinar procedimentos e formas para facilitar a execução de ato legislativo, e nunca criar novos órgãos em substituição ao legislador próprio. Como no caso em tela não existe tal ato legislativo a ser instruído por portaria ministerial, a Portaria Interministerial MCT/MC 147, de 31/5/1995, não tem fundamento legal, o que a torna inconstitucional, e, por via de consequência, nula. Disso decorre que nenhum ato do Comitê Gestor tem qualquer validade, sendo como se jamais tivesse tal órgão efetivamente existido.

Na mesma linha, Falcão (2003) chama a atenção para a falta da indispensável autorizacão legislativa do Congresso Nacional para que o Poder Executivo pudesse ter instituído um órgão de gerenciamento da internet, inclusive com competência para o registro de nomes de domínio. Segundo o autor, o Poder Executivo delegou ao Comitê Gestor da Internet algo que não tinha, sendo que “a competência normativa objeto da portaria interministerial não está permitida em nenhuma norma superior. É de geração espontânea. Desrespeita a hierarquia das leis” (op. cit, p. 26).

As conclusões de Albrecht (2000) e de Falcão (2003) persistiriam atualmente, já que o Decreto 4.829/2003, que substituiu a Portaria Interministerial 147/1995, não supriu a ausência de disposição legislativa necessária para a intervenção do Comitê no domínio econômico – mesmo com o advento da Emenda Constitucional 32/2001, que modificou o inciso VI do art. 84 da Constituição Federal, aumentando o rol de matérias passíveis de regulamentação por meio de Decreto Presidencial.

A problemática não reside na suposta inconstitucionalidade ocasionada pela criação do Comitê Gestor. Afinal, existem inúmeros comitês e comissões criadas por Decreto, sem que disso resulte qualquer ilegalidade. O que vai de encontro ao ordenamento jurídico pátrio é a incompatibilidade entre a atuação regulatória exercida, na prática, pelo CGI.br e os limites constitucionais de competência do regulamento que estabeleceu as atribuições do Comitê.

Isso porque o Decreto 4.829/2003 é base normativa de inovações jurídicas não fundamentadas de forma explícita por lei, pois prescrevem uma ação estatal – a ser exercida pelo Comitê Gestor da Internet – que visa regular a prestação de serviços e instituir obrigações a particulares, o que caracteriza uma intervenção no domínio econômico. A teor do que leciona Moreira Neto (2005, p.36),

no sistema jurídico brasileiro, o emprego do poder estatal para restringir e condicionar liberdades e direitos individuais é uma exceção às suas correspectivas afirmações constitucionais, daí porque somente possa ser exercido sob reserva legal (grifos dele).

Nessa linha, revela-se expressiva a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal no RE 13.357, de 9/1/1950, Rel. Min. Ribeiro Costa, no qual ficou assente que:

o regulamento obriga enquanto não fira princípios substanciais da lei regulada. Se o regulamento exorbita da autorização concedida em lei ao Executivo, cumpre ao Judiciário negar-lhe aplicação (BRASIL, 1950 apud MENDES; COELHO; BRANCO, 2007, p. 870).

De fato, apenas as leis, organicamente consideradas, podem delinear o perfil dos direitos, elastecendo ou reduzindo o seu conteúdo. Entendimento semelhante é esposado pela jurisprudência31 e está pacificado pela doutrina, que fartamente32 aborda essa temática. Não há como cogitar-se, ademais, que o regulamento deriva o seu conteúdo diretamente da própria Constituição Federal, pois isso configuraria a inconstitucionalidade do Decreto, por ausência de lei formal a ser regulamentada, conforme jurisprudência do STF33.

Além disso, a ausência de amparo legal para a continuada atuação no domínio econômico exercida pelo Poder Executivo, no que tange aos serviços de gestão do ccTLD “.br”, resulta em infringência aos princípios gerais da atividade econômica ínsitos na Constituição Federal, em especial os arts. 170, parágrafo único, e 174, caput. Isso porque quaisquer medidas estatais de caráter interventivo devem estar previstas em lei, e o CGI.br não dispõe de autorização legal para praticar atos que criem obrigações e limitem direitos de particulares ou regulem a atuação de uma associação privada.

5.2 A delegação estatal da gestão do ccTLD

Como já visto, inicialmente a IANA, e depois a ICANN (2011), atribuiu ao Comitê Gestor da Internet no Brasil a responsabilidade pelo ccTLD brasileiro. O mesmo fez o Decreto 4.829/2003. Contudo, por meio da Resolução-CGI 1/2005, o CGI.br delegou ao Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto Br – NIC.br, uma associação privada, a execução do registro de nomes de domínio, a alocação de endereços IP e a administração dos domínios sob o “.br” (art. 1º). Pelo disposto na Resolução, o NIC.br deve se sujeitar às regras estabelecidas pelo CGI.br (art. 2º) e cobrar valores pela execução do registro de nomes de domínios mediante aprovação do Comitê Gestor (art. 3º), entre outras atribuições.

Segundo o CGI.br (2011), o NIC.br foi criado pelos próprios integrantes do Comitê Gestor da Internet no Brasil à época, e é o executor de algumas de suas atribuições. Além disso, “sua assembleia geral é sempre idêntica à composição do CGI.br” (BRASIL, 2005, p. 1).

Ocorre que não há outro instrumento destinado a formalizar essa delegação de atribuições que não seja a Resolução do CGI.br. Consultando-se os banco de dados da Imprensa Nacional, que contém o registro dos atos da Administração Pública, constata-se que não foi realizado processo licitatório com o propósito de selecionar a entidade gestora do ccTLD brasileiro. Também não foi firmado qualquer instrumento de gestão (contrato de gestão, convênio, termo de parceria) entre o CGI.br e o NIC.br para formalizar a relação entre as duas entidades – uma pública e outra privada. Ou seja, a delegação recebida pelo NIC.br não tem respaldo legal e não adota nenhuma figura contratual ou instrumento de gestão previsto no Direito Administrativo Brasileiro.

Apesar disso, a Resolução-CGI 1/2005 (art. 4º) atribui competência para que a associação privada utilize parte dos valores arrecadados com registro de nomes de domínios para promover atividades ligadas ao desenvolvimento da internet no Brasil.

Desde a edição da Resolução 1/1998 do Comitê Gestor e, posteriormente, com o Decreto 4.829/2003, a prestação dos serviços de gestão do “.br” da internet brasileira não pôde (e ainda não pode) ser feita por qualquer empresa – a não ser pela Fapesp inicialmente e, depois, pelo NIC.br –, o que consequentemente tolheu a livre iniciativa. Embora a gestão do ccTLD configure um monopólio natural, algumas das atribuições do NIC.br poderiam ser prestados por registradores autorizados em um regime de competição, como se observa em outros países. Em decorrência do modelo verticalizado adotado pelo CGI.br, entretanto, ficou impossibilitada a participação de outras entidades (registradores, ou registrars) na prestação dos serviços de registro, o que acaba por ferir também o princípio da livre concorrência.


6. ANÁLISE COMPARATIVA DOS MODELOS DE GESTÃO DE CCTLD

Nos últimos anos, especialmente após 2005, os atores estatais ganharam força política no ciberespaço, com apoio do Conselho Consultivo Governamental da ICANN – GAC e da UIT. A percepção dos estados nacionais quanto à necessidade de exercerem sua autoridade governamental sobre a gestão dos ccTLDs passou a ficar mais clara, e não encontrou muita resistência (PARK, 2009). E foi nesse contexto que diversos países passaram a adotar ações destinadas a consolidar a atuação do Estado no que tange ao registro de nomes de domínios.

Além de se tratar de infraestrutura crítica para a internet de cada país (UNIÃO EUROPÉIA, 2009), os nomes de domínios, assim como sua gestão, têm peculiaridades que exigem um diálogo constante entre o Direito e o uso dessa tecnologia. Aspectos como a proteção ao consumidor, à privacidade e à propriedade intelectual e industrial, bem como a necessária legitimação e accountability da atuação estatal (direta ou indireta) sobre esses serviços, acabam por exigir a criação de marcos regulatórios destinados a garantir a harmonia entre o arcabouço normativo de cada país e a prestação desses serviços sob a tutela do Estado. Ademais, a relevância do serviço para a coletividade requer mecanismos de participação e controle social em questões que envolvem a gestão do ccTLD.

A apresentação dos benchmarks da França, Suécia, Colômbia e Suíça teve como propósito destacar os esforços dos governos desses países com vistas a formalizar a sua atuação sobre a gestão do registro de nomes de domínios, face à relevância nacional e ao interesse coletivo envolvidos. Como visto, foi necessária, nesses países, a aprovação de marcos regulatórios destinados a legitimar a intervenção do Estado na prestação do serviço.

Esses marcos legais definiram qual a entidade pública responsável por regular o serviço. Estabeleceram também a competência regulatória da entidade, que, em geral, se dá por meio da edição de normativos e pelo acompanhamento e fiscalização das atividades exercidas pelo operador do ccTLD. Nos casos da Suíça e da Colômbia, destaca-se a regulação econômico-financeira do serviço. Além disso, obrigações do operador – como encaminhamento de relatório de atividades à autoridade reguladora – critérios de segurança e eficiência, entre outros, são matérias abordadas pela nova legislação aprovada.

Assim como nesses quatro países, o arcabouço jurídico brasileiro exige autorização legal para que haja intervenção estatal no domínio econômico. Apesar disso, desde 1995, o Comitê Gestor da Internet no Brasil intervém na prestação dos serviços de registro de nomes de domínios sem que haja lei dispondo sobre a matéria. O CGI.br, de maneira efetiva, sistematizada e permanente, atua como um regulador técnico e econômico-financeiro dos serviços prestados por uma associação privada, o NIC.br. Sem amparo em lei, o Comitê impõe obrigações ao NIC.br e aos usuários dos serviços prestados, chegando a ser o responsável por estabelecer os preços a serem cobrados dos usuários pela associação privada.

A exemplo da experiência internacional apresentada anteriormente, uma vez tendo o Estado Brasileiro optado por intervir no serviço de gestão do ccTLD, é imperioso que adote as providências cabíveis visando suprir a lacuna legal de que hoje padece a regulação exercida pelo CGI.br.

Para um adequado tratamento legislativo da matéria no Brasil, é especialmente relevante a experiência francesa. Em primeiro, pelas similaridades existentes entre os direitos francês e brasileiro quanto às formas de delegação da execução de serviços públicos e quanto ao princípio da legalidade (DI PIETRO, 2007). Em segundo, pelo conteúdo da recém-aprovada Lei Francesa 2011-302, que abordou de maneira ampla as garantias necessárias aos stakeholders do sistema de registro de nomes de domínios quanto aos direitos de propriedade intelectual, livre iniciativa, liberdade de expressão e de comunicação. Além disso, em recente decisão, o Conselho Constitucional Francês reconheceu que a liberdade de expressão poderia estar em risco no contexto da gestão do sistema francês de nomes de domínios, e que o quadro normativo deveria salvaguardá-la.

Os marcos legais apresentados pela experiência internacional na França, Suíça e Colômbia fixam também os modelos de delegação dos serviços de gestão dos seus ccTLDs. Nos três casos, instituíram-se processos transparentes e isonômicos para selecionar, por prazo determinado, o operador do ccTLD nacional. Nesses processos, são efetuadas consultas e chamamentos públicos, a fim de proporcionar a ampla participação de interessados, e a delegação é formalizada por meio de contrato. No caso da Colômbia, a delegação é feita por meio de concessão, precedida de licitação.

No Brasil, por seu turno, a delegação da gestão do ccTLD ao NIC.br foi formalizada, em 2005, por meio da Resolução-CGI 1/2005, mas não tem amparo legal e não foi precedida de qualquer tipo de consulta pública.

A relação entre o NIC.br e o CGI.br é de sujeição de um ente privado a regras estabelecidas por um ente público, para exercer atividades de interesse da coletividade. Contudo, na relação existente entre essas duas entidades, não se vislumbra a aplicação formal de nenhuma figura contratual ou instrumento de gestão previsto no Direito Administrativo Brasileiro.

A doutrina enfatiza que a imposição da colaboração de particulares com o interesse público deve atender aos pressupostos próprios dessas requisições, com observância às leis e aos princípios que regem tais relações entre o Estado e os particulares, a exemplo da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, economicidade e eficiência. Somente atendendo-se a esses requisitos o Poder Público e a sociedade poderão ser capazes de controlar, supervisionar e acompanhar as atividades desempenhadas pela entidade privada no decorrer do tempo.

O NIC.br é responsável por aplicar parte das receitas recebidas com a prestação do serviço de registro de nomes de domínios em prol do desenvolvimento da internet. Ora, sem que haja um contrato, ajuste, termo de parceria qualquer instrumento formal de gestão, não há como o Estado orientar, estabelecer metas ou fiscalizar a aplicação desses recursos. Um serviço regulado pelo Estado requer uma governança pública orientada para o planejamento e a transparência dos resultados alcançados.

A saudável separação entre o regulador e o regulado também parece não ser tão clara quanto o que se observa nas quatro experiências internacionais apresentadas, tendo em vista que o NIC.br foi criado por integrantes do CGI.br, e três dos sete integrantes de seu conselho de administração são representantes do Comitê Gestor (NIC.BR, 2010b). Observa-se, desse modo, que o processo de escolha do NIC.br como gestor do ccTLD, ao contrário do que foi visto nas experiências da França, Suíça e Colômbia, não resultou de um processo que proporcionasse a ampla participação de interessados em prestar o serviço.

Por fim, nas experiências internacionais apresentadas, o modelo comercial adotado é o de múltiplos registradores, ou seja, o operador do ccTLD concentra apenas as funções que se consistem em monopólio natural. Diversos registradores operam nesses países em um ambiente competitivo de disputa de preços cobrados, qualidade do serviço e de serviços adicionais prestados aos usuários.

Diferentemente dos casos apresentados, no Brasil, o NIC.br exerce o papel de monopolista, não somente de atividades que são tipicamente consideradas como monopólio natural, como a guarda do repositório consolidado dos registros de nomes de domínios sob o “.br”, mas também de atividades que poderiam ser segregadas e atribuídas a outras entidades.

No modelo verticalizado atualmente vigente, o NIC.br faz as vezes de gestor do ccTLD e de registrador, ao tempo que poderia haver uma multiplicidade de registradores no mercado nacional competindo por preços, qualidade e prestado serviços de valor agregado. Desse modo, pode ser que esteja ocorrendo uma monopolização desnecessária de atividades que poderiam ser atribuídas a diversos registradores, a exemplo do que ocorre em países como a França, Suíça, Suécia e Colômbia.


7. CONCLUSÃO

Existe um consenso de que muitos são os impactos sociais, políticos e econômicos que a internet vem ocasionando nos países. A rede mundial de computadores hoje interfere na geografia dos estados nacionais e nas suas dinâmicas internas, afetando a economia, a segurança, a soberania e o cotidiano da sociedade.

De acordo com a União Européia (2011), para que os indivíduos tenham acesso à internet, é necessário que a infraestrutura da rede esteja funcionando de maneira contínua e estável. Portanto, decisões tomadas no âmbito da gestão dos recursos críticos da internet, a exemplo do registro de nomes de domínios, podem exercer uma influência direta sobre o exercício da liberdade de expressão e o direto de transmitir e receber informações.

Nesse contexto, sobressai a relevância da gestão do registro de nomes de domínios, de tal forma que é crescente a preocupação dos governos nacionais em exercer alguma autoridade sobre esse serviço (OCDE, 2006). De fato, a soberania dos estados nacionais sobre seus respectivos ccTLDs foi reconhecida tanto pelo Comitê Consultivo Governamental da ICANN (2005) quanto pela Organização das Nações Unidas, por meio da UIT (2008), e pela OCDE (2006).

Para que a autoridade governamental possa ter legitimidade sobre a gestão de um ccTLD, é essencial que a intervenção do Estado sobre o serviço seja feita com amparo no arcabouço normativo vigente no país. Em algumas situações, é necessária a aprovação de lei que disponha sobre o papel da autoridade governamental na gestão desses recursos e que reflita o interesse público por meio da discussão prévia junto aos stakeholders envolvidos e à sociedade.

Esse processo de legitimação e de formalização da atuação do Estado sobre a gestão do ccTLD não é tarefa fácil. A discussão sobre o modelo a ser adotado e a positivação das regras que confiram legalidade à intervenção estatal em um serviço que, na maior parte das vezes, foi originalmente atribuído a entes não-governamentais, pode se estender por anos. As experiências internacionais expostas neste trabalho evidenciam os esforços dos governos da França, Suíça, Suécia e Colômbia destinados a legitimar a atuação estatal sobre os seus respectivos ccTLDs.

No Brasil, a partir da compreensão histórica e institucional da gestão do “.br”, pode-se deduzir que o Poder Executivo tem intenção de regular o serviço, e o faz – de modo permanente e sistematizado – desde 1995, com a criação do Comitê Gestor Internet do Brasil. O Governo Brasileiro reconhece oficialmente o NIC.br como operador do ccTLD, bem como as funções que ele desempenha. Ocorre, entretanto, que a matéria ainda não foi disciplinada pelo Congresso Nacional, mas tão somente regulamentada pelo Poder Executivo, o que se demonstrou ser insuficiente para legitimar tal atuação estatal na esfera das relações privadas concernentes ao registro de nomes de domínios.

Se é intenção do Estado regular a gestão do registro de nomes de domínios sob o “.br”, deve o mesmo buscar amparo legal, pois a Constituição Federal restringiu a possibilidade de interferência estatal na ordem econômica. É essencial que as medidas interventivas estejam previstas em lei e sejam executadas pela União ou por seus delegatários legalmente autorizados. Sem atender a essas condições, não há que se falar em legitimidade na atuação estatal nos serviços de registro de nomes de domínios, atribuição de endereços IP e administração do ccTLD “.br”.

Não se busca, neste trabalho, criticar a atuação do gestor do “.br” ou do comitê regulador dos serviços. O propósito, ao se evidenciar o descompasso entre a legislação brasileira e a atuação regulatória do CGI.br – bem como a delegação recebida pelo NIC.br – é suscitar o debate sobre o modelo de governança da internet adotado no país. Afinal, foi a partir de questionamentos e do debate que se iniciou o processo de elaboração dos marcos regulatórios hoje estabelecidos para a gestão dos ccTLDs da França, da Suíça, da Colômbia e de diversos outros países.

As dificuldades enfrentadas pela aplicação, pela Administração Pública, de políticas públicas voltadas ao desenvolvimento da internet, especialmente em temas relevantes como infraestrutura e interoperabilidade, são muitas vezes ocasionadas pela falta de amparo legal (BRASIL, 2011). Esse parece ser o caso da gestão do ccTLD brasileiro, em que a promoção do desenvolvimento da internet no Brasil é parcialmente financiada por uma associação privada, o NIC.br, que não está legalmente obrigada a cumprir as políticas públicas e os regulamentos editados pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil.

Dados recentes da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios apontam a existência de 68 milhões de internautas, com crescimento de 21% em relação ao ano anterior (IBGE, 2010). Além disso, o País tem hoje mais de 2,6 milhões de nomes domínios registrados sob o “.br”, número que tem se incrementado a uma taxa média de 24% ao ano (CETIC.BR, 2011), constituindo-se no sétimo maior ccTLD do mundo em número de registros.

Esses números, ao tempo que evidenciam um crescimento vertiginoso, no Brasil, quanto ao uso de recursos da rede mundial de computadores, expressam a dimensão dos diversos desafios a serem enfrentados pelo Estado para que a internet realize seu potencial social. Um desses desafios é reduzir o descompasso entre nosso direito legislado e o rumo trilhado pela internet, superando uma série de obstáculos críticos, presentes tanto nas instituições estatais quanto difusos na sociedade.

Nesse sentido, foi encaminhado ao Congresso Nacional pelo Poder Executivo o anteprojeto do denominado Marco Civil da Internet34, que resultou no Projeto de Lei 2.126/2011. O anteprojeto, que busca estabelecer “princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da rede mundial de computadores no país”, demonstra a intenção do Governo Federal em iniciar um melhor diálogo entre o Direito e a internet, considerando a riqueza e a complexidade dessa nova realidade.

Embora a questão da governança e gestão do ccTLD “.br” não tenha sido abordada pelo anteprojeto de lei, o momento se mostra oportuno – tanto pelo contexto nacional quanto pelo que se observa na experiência recente de outros países – para que seja discutido o modelo de governança da internet a ser adotado no Brasil, especialmente no que tange à gestão desse elemento crítico de sua infraestrutura, qual seja, o registro de nomes de domínios.


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Notas

1A referência ao endereço IP como único é uma simplificação. Técnicas como a Network Address Translation podem permitir que um computador use um IP que seja único apenas dentro de uma rede local. A maioria dos usuários domésticos de internet obtêm seus endereços IP a partir de um sistema de alocação dinâmica que atribui endereço diferente (provisório e exclusivo) a cada vez em que é feita uma nova conexão a seu provedor de acesso à internet.

2A comunicação pela internet é possível pela aplicação direta do endereço IP, o que evita interação com o DNS. Contudo, pouquíssimas comunições são feitas pela internet por esse modo. Os usuários de internet, em sua quase totalidade, usam nomes de domínios (por exemplo: www.google.com) ao invés de números IP para se comunicarem pela internet.

3 do original “TLDs are an integral part of the Internet infrastructure. They are an essential element of the global interoperability of the World Wide Web (‘WWW’ or ‘the Web’). The connection and presence permitted by the allocation of domain names and the related addresses allow users to locate computers and websites on the Web. TLDs are also an integral part of every Internet e-mail address” (UNIÃO EUROPEIA, 2002).

4 A designação do Comitê Gestor da Internet no Brasil como operador do ccTLD”.br” pode ser constatada por meio da página denominada “Root Database” da Internet Assigned Numbers Authority (IANA, 2011)

5 Neste trabalho, a denominação “operador do TLD” é utilizada para identificar o que literatura internacional chama de registry. Em alguns casos, os autores diferenciam o registry do registry operator, pela possibilidade de que o segundo seja um contratado do primeiro. Para fins de simplificação, os dois conceitos são unificados no termo “operador do TLD” (ou “operador do ccTLD”).

6 Em pesquisa realizada em 2003 pela UIT, envolvendo aproximadamente 70 países, foram levantados os seguintes modelos quanto à participação de registradores no sistema de registro de nomes de domínios: 1) apenas o operador do ccTLD pode registar nomes de domínios (46,8%); 2) uma subsidiária do ccTLD executa o registro de nomes de domínios (1,6%); 3) o gestor do ccTLD estabelece contrato com uma única empresa para esta operacionalizar os registros (3,2%); o gestor do ccTLD estabelece contratos com vários registradores (30,6%); o gestor ccTLD opera um modelo aberto de revenda de domínios (17,7%). (UIT, 2004)

7 A União Internacional de Telecomunicações (UIT), uma das agências especializadas da Organização das Nações Unidas (ONU), tem como propósito estabelecer padrões e normas técnicas relativas a tecnologias de telecomunicações e informática que assegurem a plena interconexão de redes de telecomunicações entre todos os países.

8 Como será apresentado em seção específica deste trabalho, o Brasil adota o modelo verticalizado, em que o NIC.br é responsável por administrar o sistema de registro de nomes de domínios, exercendo cumulativamente o papel de registrador (AFONSO, 2004). Segundo (BRASIL, 2006, p. 1), “No Brasil não existem ‘registrars’ para o domínio ‘.br’”.

9 do original “The country’s top-level domain represents the national or territorial interests of a domain, and is often viewed as the flagship of a country’s Internet participation and as a strategic asset,with symbolic, socio-economic and/or Internet stability and security implications”

10 Afinal, em quase todos os casos os operadores dos ccTLDs situam-se nos respectivos países e, por isso, estão sujeitos à legislação local e às políticas públicas estabelecidas pelo governo daquele país.

11 No original: The main principle is the principle of subsidiarity. ccTLD policy should be set locally, unless it can be shown that the issue has global impact and needs to be resolved in an international framework. Most of the ccTLD policy issues are local in nature and should therefore be addressed by the local Internet Community, according to national law.

12 Segundo a OCDE (2006), as melhores práticas observadas destacam também a importância da decisão sobre como deverá ser formalizado o vínculo entre o Estado e o gestor do ccTLD: se por meio contrato de prestação de serviços, instrumento de gestão, concessão ou por meio de leis que definem como a autoridade pública deverá ser exercida sobre a execução dos serviços, entre outras formas. Essa decisão é de fundamental importância ao se definir a estrutura de governança para a gestão do registro nacional de nomes de domínios.

13 Embora exista uma significativa diferença entre uma operação integralmente privada, como é o caso da Nominet (.uk), e o modelo adotado nos Estados Unidos, em que a Neustar (.us) opera sob a égide de um contrato firmado junto à National Telecommunications and Information Administration (NTIA), uma agência do Departamento de Comércio Americano.

14 No Brasil, o envolvimento governamental no ccTLD é considerado formal (OCDE, 2006). O CGI.br, criado pela Portaria Interministerial 147/1995 e designado pela ICANN como operador do “.br”, integra a estrutura da administração pública, e é composto por membros do governo, do setor empresarial, do terceiro setor e do meio acadêmico. Contudo, o CGI.br delegou a administração do registro de nomes de domínios a uma associação privada denominada NIC.br.

15 Istituto di Informatica e Telematica, vinculado ao Conselho Nacional de Pesquisa

16 Segundo Park (2009), sem que haja a anuência do governo nacional, passou a ser muito difícil para a ICANN efetuar designações para entidades privadas.

17Releva notar que o Direito Administrativo Brasileiro tem grande influência do Direito Francês. Segundo Di Pietro (2007), do Direito Francês foram herdados o conceito de serviço público, o princípio da legalidade, a teoria dos contratos administrativos, as formas de delegação da execução de serviços públicos, a ideia de que a Administração Pública se submete a um regime jurídico de direito público, derrogatório e exorbitante do direito comum, e que abrange o binômio autoridade/liberdade.

18 O papel da AFNIC não é fornecer o endereço IP do recurso correspondente a um nome de domínio, mas indicar as coordenadas do servidor DNS que conhece o endereço. A gestão deste servidor é atribuída aos registradores, que são os responsáveis pela correspondência de nomes de domínio e endereços IP. Essas entidades prestam serviços adicionais ao registro do domínio, a depender do público-alvo escolhido, tais como hospedagem e design de websites, webmail, antivirus, antispam, espaço virtual para armazenamento de dados, ferramentas para desenvolvimento de websites, maior sigilo para as informações sobre o registro de domínio, monitoramento do uso indevido do nome de domínio, entre outros.

19 A nova legislação atribuía ao operador do registro uma série de novas obrigações, como investimento de 5% de seu faturamento na infraestrutura da rede, estabelecimento de um programa de investimento para aumentar a confiabilidade e a estabilidade, e uma atuação em prol do desenvolvimento do ccTLD.

20Por exemplo: critérios para rejeição ou renovação de pedidos de registro de nomes de domínios, positivação do princípio do fist come, first served (ou seja, o nome de domínio é atribuído ao primeiro que requerer, via de regra), possibilidade de registro de nomes de domínios por pessoas e empresas localizadas fora do território francês etc.

21 O modelo comercial adotado pela Suécia é o de múltiplos registradores, existindo mais de 140 registradores cadastrados para intermediar as relações entre a IIS e os usuários finais (IIS, 2011b).

22 ISOC-SE é uma organização sem fins lucrativos que promove o modelo de colaboraçao aberto para a internet, padrões abertos, arquitetura descentralizada e maior liberdade de escolha para o usuário final da internet.

23 O domínio “.co” é também reconhecido por sua vertente comercial. Por se tratar de uma sigla que pode ser usada como abreviação de company, corporation ou commerce, o código de domínio colombiano tem o potencial de atrair interessados do mundo inteiro, podendo ser usado de forma semelhante a um gTLD (“.com”, por exemplo)..

24 Segundo o Conselho de Estado Colombiano, o Estado da Colômbia deveria regulamentar as condições que favorecem e e protegem o domínio “.co”, em virtude do interesse público envolvido, a fim de garantir que todos os colombianos e a comunidade da internet sejam beneficiados e que não sejam prejudicados pelas consequências do monopólio sobre esses serviços.

25 Um dos critérios de julgamento da licitação, além da avaliação técnica das propostsa, foi o valor percentual da receita bruta a ser repassado trimestralmente ao Ministério das Comunicações. Segundo o Edital (COLOMBIA, 2009a), o percentual não poderia ser menor que 5,7% do faturamento bruto, e deveria ser crescente à medida em que aumentasse o número de nomes de domínios registrados, considerando-se as economias de escala geradas.

26 O valor é variável e depende do total de nomes de domínios registrados. A .CO Internet ofereceu, como repasse ao Estado, 6% da receita bruta para menos de 1,7 milhões de registros, 7% para um total entre 1,7 milhões e 3,5 milhões, 45% para um total entre 3,5 e 7 milhões e 75% para mais de 7 milhões de registros (COLÔMBIA, 2009b).

27 Em Nota Conjunta publicada simultaneamente à Portaria 147/1995, os dois ministérios afirmaram que “7.1 No sentido de tornar efetiva a participação da Sociedade nas decisões envolvendo a implantação, administração e uso da Internet, será constituído um Comitê Gestor Internet” (BRASIL, 1995).

28 “O CGI.br adota como política nacional que os nomes de domínio sob o ".br" são bens da comunidade brasileira. Assim, o CGI.br não comercializa domínios nem autoriza revendedores de domínios apenas concede o registro de domínios a pessoas físicas e jurídicas do Brasil, conforme regras e código de conduta bem definidos...” (REGISTRO.BR, 2006, p. 1) (grifos nossos).

29 De fato, a vinda da internet e sua relação com o Direito pode ser simbolizada pela chamada lei de ruptura (law of disruption), que representa a dificuldade em se determinar o enquadramento jurídico correto e pertinente em razão do surgimento de novas tecnologias.

30 Revogou a Resolução-CGI 2/2005.

31 Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal consubstanciada, por exemplo, pelas decisões proferidas nas ADIns 2.387/DF, 996/DF, 1.435-8/DF e 1.553/DF, e do Superior Tribunal de Justiça, a exemplo de sua decisão proferida no REsp 130168/BA.

32 Citem-se, como exemplo, Alexandre de Moraes, (2006), di Pietro (2004), Carvalho Filho (2009), Bandeira de Mello (2008), Justen Filho (2006) e Mendes, Coelho e Branco (2007).

33 Supremo Tribunal Federal, ADIns 309-7/DF e 313-5/DF.

34 Segundo a exposição de motivos que acompanha o anteprojeto, “(...) No panorama normativo, o anteprojeto representa um primeiro passo no caminho legislativo, sob a premissa de que uma proposta legislativa transversal e convergente possibilitará um posicionamento futuro mais adequado sobre outros importantes temas relacionados à internet que ainda carecem de harmonização, como a proteção de dados pessoais, o comércio eletrônico, os crimes cibernéticos, o direito autoral, a governança da internet e a regulação da atividade dos centros públicos de acesso à internet, entre outros” (BRASIL, 2011) (grifos nossos)


Autor

  • Uriel de Almeida Papa

    Uriel de Almeida Papa

    Auditor Federal de Controle Externo no Tribunal de Contas da União. Formação acadêmica: Engenheiro eletricista formado pela Universidade de Brasília (2002) e pós-graduado em Controle Externo da Regulação. Estudante de Direito. Experiência Profissional: Diretor da 3ª Diretoria da 1ª Secretaria de Fiscalização de Desestatização e Regulação - Sefid-1 do Tribunal de Contas da União - TCU, em Brasília-DF. Auditor Federal de Controle Externo no TCU com experiência na fiscalização e avaliação da outorga de serviços públicos e de atividades econômicas dos setores de infraestrutura, da execução dos respectivos contratos e da regulação setorial (2006-2011).

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Orientador: Marcelo Barros Gomes.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PAPA, Uriel de Almeida. A regulação brasileira do registro de nomes de domínios em perspectiva comparada. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3259, 3 jun. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21888. Acesso em: 27 abr. 2024.