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Trabalho escravo em terras economicamente produtivas: a possibilidade de desapropriação-sanção

Trabalho escravo em terras economicamente produtivas: a possibilidade de desapropriação-sanção

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Estuda-se a desapropriação-sanção de imóvel rural, especificamente nas hipóteses de utilização de mão-de-obra escrava, como forma de sanção, à luz dos preceitos constitucionais pertinentes.

RESUMO

Ao tratar dos direitos fundamentais, a Constituição Federal de 1988 prevê o direito de propriedade, a qual atenderá sua função social. Em seu art. 184, o texto constitucional atribui à União competência para desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social. Constitui objeto deste artigo o estudo acerca da desapropriação-sanção de imóvel rural, especificamente nas hipóteses de utilização de mão-de-obra escrava. Será analisada a possibilidade de desapropriação sancionatória nesses casos, à luz dos preceitos constitucionais pertinentes.

Palavras-chave: Direitos fundamentais. Trabalho em condições análogas à de escravo. Função social da propriedade. Desapropriação-sanção.  

Sumário: 1  Introdução. 2 O trabalho escravo no brasil: uma análise contemporânea. 3  A função social da propriedade no brasil. 3.1  O direito de propriedade no ordenamento jurídico brasileiro: considerações introdutórias. 3.2 A função social da propriedade: análise à luz da constituição de 1988. 3.2.1  A função social da propriedade como direito e garantia fundamental. 3.2.2  A função social da propriedade como princípio constitucional da ordem econômica. 3.2.3  A função social da propriedade como princípio da reforma agrária. 4  desapropriação-sanção e a constituição federal de 1988. 4.1  Desapropriação - delimitação conceitual. 4.2  O instituto da desapropriação na constituição de 1988 - breve panorama. 4.3  A desapropriação-sanção na constituição de 1988. 4.3.1  Desapropriação urbanística sancionatória. 4.3.2  Desapropriação rural sancionatória. 4.3.3  Desapropriação confiscatória. 5  A possibilidade de desapropriação-sanção de imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social. 6. Conclusão. Referências bibliográficas.

 


1INTRODUÇÃO

A Constituição Federal de 1988 exige e garante, em vários dispositivos - como, por exemplo, no art. 5º, incisos XXII e XXIII, e no art. 170, incisos II e III - os direitos à propriedade e à função social da propriedade.

 Em relação à propriedade rural, as exigências para o cumprimento de sua função social estão elencadas em disposição específica (art. 186 da Constituição Federal) e têm sanção própria: a desapropriação-sanção (art. 184). A dificuldade na aplicação do instituto se vislumbra com a leitura do art. 185 da Carta Magna, que exclui da desapropriação para fins de reforma agrária a propriedade produtiva. É preciso, portanto, interpretar de forma sistemática a Constituição de 1988 e entender o que ela pretendeu ao proteger a propriedade produtiva. Especificamente, cabe indagar se o uso de mão-de-obra escrava macula a propriedade tida por produtiva, ensejando a desapropriação com efeito sancionador.

Na primeira etapa deste artigo, ver-se-á que o uso de mão-de-obra escrava não foi de todo erradicado no Brasil. De fato, verifica-se que, em inúmeras propriedades pelo interior do país, empregadores que submetem seus trabalhadores a situações degradantes, limitando seu direito de locomoção, e explorando-os à exaustão, têm sido autuados e multados pela fiscalização federal[1].

  Na segunda etapa, será feito um breve apanhado histórico do conceito de direito de propriedade, analisando-se também sua função social no bojo da Constituição Federal de 1988. Em específico, abordar-se-á a função social da propriedade como direito e garantia fundamental, como princípio constitucional da ordem econômica e como princípio da reforma agrária.

 Na terceira etapa, empreender-se-á um estudo sobre o instituto da desapropriação, seus conceitos, e suas diferentes modalidades previstas na Constituição Federal de 1988: desapropriação urbanística sancionatória, desapropriação rural sancionatória e desapropriação confiscatória.

Na quarta etapa, analisar-se-á a possibilidade de desapropriação-sanção de imóvel rural que não esteja cumprindo com sua função social.

Assim, delimita-se o objeto deste trabalho que é o de verificar se uma propriedade rural produtiva poderia sofrer desapropriação-sanção por obter essa produtividade através do uso de mão-de-obra escrava, em desrespeito ao princípio constitucional da função social da propriedade.

 


2  O TRABALHO ESCRAVO NO BRASIL: UMA ANÁLISE CONTEMPORÂNEA

 A realidade do trabalhador escravo da atualidade não se assemelha à escravidão havida no Brasil até o século XIX. Àquela época, o escravo era negro, de origem africana, trazido à força, negociado e tratado como mera mercadoria. Aquela forma de escravidão não coincide com a escravidão contemporânea. Naquela época, o escravo era visto como objeto e entendido como uma propriedade privada do fazendeiro. Por serem mercadorias, os proprietários tinham certo interesse em que os escravos fossem, de certa maneira, “preservados”, para que não perdessem seu valor econômico. A escravidão tinha base legal e era, relativamente, aceita pela sociedade.

 Diferentemente do que ocorreu no Brasil até o século XIX, as formas contemporâneas de escravidão possuem indicadores próprios, dentre os quais se destacam o aliciamento e a servidão por dívida. O aliciamento é feito por prepostos do proprietário rural, usualmente conhecidos como “gatos”, que recrutam trabalhadores em outras localidades por intermédio de promessas que envolvem remuneração e condições de trabalho. O trabalhador, iludido pelas falsas promessas, aceita sair do seu domicílio para trabalhar na propriedade. Nesse momento, tem início uma outra etapa, na qual os trabalhadores contraem dívidas, que mais tarde serão responsáveis pela sua permanência na fazenda do proprietário rural. O próprio transporte do trabalhador até a fazenda costuma ser cobrado mais tarde, além dos produtos de alimentação, higiene e saúde, cuja aquisição fica restrita ao armazém da própria fazenda, onde os preços praticados são mais altos que os normalmente estipulados em outros estabelecimentos. Desse modo, o trabalhador, sem dinheiro para quitar seus débitos, vê-se oprimido pela estrutura montada pelo proprietário, que não permite que ninguém saia de sua fazenda sem pagar as dívidas, que crescem continuamente[2]. É nesse contexto que a escravidão contemporânea se manifesta no Brasil.

 Os escravocratas modernos, além de não garantirem aos trabalhadores os mais básicos direitos trabalhistas, não lhed dirigem qualquer tipo de preocupação com a sua “preservação”. Assim, esses trabalhadores não possuem acesso a comida, bebida, moradia ou saúde dignos. Geralmente as relações estão repletas de atos que podem configurar crimes, como cárcere privado, torturas, impossibilidade de livre locomoção, violência física, danos ambientais, trabalho infantil, além de inúmeras violações aos direitos trabalhistas, como, por exemplo, não registro na Carteira de Trabalho por Tempo de Serviço - CTPS, não realização de exames médicos admissionais e periódicos, não fornecimento de equipamentos de proteção individual - EPIs, não elaboração e implementação do Programa de Proteção de Riscos Ambientais - PPRA - e mesmo o não pagamento ou o pagamento atrasado da contraprestação monetária.

 Mariana Setúbal[3], ao discorrer sobre o escravo contemporâneo, informa que, desde a época da proclamação da República, após a extinção formal da escravidão no Brasil, existe a preocupação política por parte do poder público em participar de acordos internacionais condenando a escravidão.

 A Organização Internacional do Trabalho - OIT[4], por seu turno, considera como possíveis formas contemporâneas de trabalho forçado, entre outras, a coerção de uma pessoa para realizar certos tipos de trabalho e a imposição de uma penalidade caso esse trabalho não seja feito; o trabalho forçado no tráfico de pessoas; o recrutamento abusivo que leva à escravidão por dívidas; a imposição de obrigações militares a civis; a punição por opiniões políticas através do trabalho forçado.

  A Constituição Federal de 1988 garante ser livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer (artigo 5º, inciso XII). Por sua vez, o artigo 6º do texto constitucional inclui o trabalho entre os direitos sociais e o artigo 7º lista os direitos dos trabalhadores urbanos e rurais.

  Do ponto de vista normativo, temos: (i) no plano internacional, a Convenção nº 29 da Organização Internacional do Trabalho - OIT (devidamente aprovada pelo Brasil pelo Decreto Legislativo nº 24, de 29 de maio de 1956, e promulgada através do Decreto nº 41.721, de 25 de junho de 1957), que conceitua o trabalho forçado (ou obrigatório) como “todo trabalho ou serviço exigido de um indivíduo sob ameaça de qualquer penalidade e para o qual ele não se ofereceu de espontânea vontade”; e (ii) no plano nacional, inserido no capítulo que trata dos crimes contra a liberdade individual, e na seção que trata dos crimes contra a liberdade pessoal, o art. 149 do Código Penal Brasileiro (Decreto-Lei n° 2.848, de 7 de dezembro de 1940), alterado pela Lei n° 10.803, de 11 de dezembro de 2003, in verbis:

Redução a condição análoga à de escravo

Art. 149. Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto:

Pena - reclusão, de dois a oito anos, e multa, além da pena correspondente à violência.

§ 1º Nas mesmas penas incorre quem:

I - cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho;

II - mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera de documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho.

§ 2º A pena é aumentada de metade, se o crime é cometido:

I - contra criança ou adolescente;

II - por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem.

(grifos nossos)

 José Claudio Monteiro de Brito Filho[5] entende que, com a nova redação do artigo 149 do Código Penal, o trabalho em condições análogas à de escravo deve ser considerado gênero, do qual o trabalho forçado e o trabalho em condições degradantes são espécies. Não seria somente a falta de liberdade de ir e vir que caracterizaria o trabalho forçado, mas também o trabalho em condições análogas à de escravo e o trabalho sem as mínimas condições de dignidade.

 


3  A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE NO BRASIL

3.1  O DIREITO DE PROPRIEDADE NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO: CONSIDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS

 O conceito do direito de propriedade sofreu grandes alterações em sua interpretação ao longo do desenvolvimento da sociedade. Antigamente, a propriedade se caracterizava por seu feitio nitidamente individualista, egoístico, de caráter sagrado e absoluto. Aduz José Afonso da Silva[6] que, da concepção como uma relação natural, absoluta e imprescritível entre uma pessoa e uma coisa, passou-se à interpretação de que o direito de propriedade era uma relação entre um sujeito ativo e um sujeito passivo universal, integrado por todas as demais pessoas.

 A noção liberal de propriedade, que atendia aos anseios da burguesia, vitoriosa na Revolução Francesa, e que foi consagrada pelo Código Napoleônico, não consegue mais atender aos anseios sociais do século XXI[7]. A Revolução Francesa fortaleceu a tese de que a propriedade privada da terra não pode assumir uma feição absoluta, posto que a ação do homem sobre ela importava, inclusive, aos que não a possuíam[8].

 No Brasil, o direito de propriedade é protegido desde a Constituição do Império, de 1824[9].

Atualmente, a propriedade não é mais entendida como um direito absoluto, não podendo mais ser usada de forma individualista, nem vista como instituto exclusivo do direito privado. Apesar de ser assegurada a instituição do direito à propriedade, sua concepção e limites sofreram considerável humanização. O proprietário não mais pode utilizar o seu bem egoística e indiscriminadamente. Hoje, toda propriedade tem um sentido social, havendo quem entenda que pese sobre ela verdadeira hipoteca social[10].

Sobre o tema, vale destacar o escólio de José Cretella Junior[11]:

[...] o direito de propriedade, outrora absoluto, está sujeito em nossos dias a numerosas restrições, fundamentadas no interesse público e também no próprio interesse privado, de tal sorte que o traço nitidamente individualista, de que se revestia, cedeu lugar a concepção bastante diversa, de conteúdo social, mas do âmbito do direito público.

O conceito do direito de propriedade busca ajustar-se às novas condições sociais, políticas e econômicas exigidas pelas modernas teorias constitucionalistas.

 Léon Duguit[12] ressalta que a propriedade individual vai perdendo, aos poucos, o caráter absoluto e intangível dos primeiros tempos para tornar-se uma situação objetiva, constituída, antes de tudo, de deveres impostos aos proprietários, cujas prerrogativas estão condicionadas à satisfação desses deveres e que devem cair, entretanto, diante da utilidade pública, entendida em sentido amplo.

 Como bem observado por Cretella Júnior[13], a propriedade, um dos pilares em que se apoia o mundo ocidental não socialista, deixa de figurar, no Preâmbulo da Carta Política de 1988, ao lado do exercício de outros direitos sociais e individuais assegurados naquele intróito: o bem-estar, o desenvolvimento, a segurança e a liberdade.

3.2  A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE: ANÁLISE À LUZ DA CONSTITUIÇÃO DE 1988

3.2.1  A função social da propriedade como direito e garantia fundamental

A Constituição Federal de 1988, apesar de tratar a propriedade como direito fundamental do indivíduo (o caput do artigo 5º garante o direito da propriedade como algo inviolável), traz, em seu art. 5º, os incisos XXII e XXIII, que garantem o direito de propriedade e a função social da propriedade, in verbis:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

[...]

XXII - é garantido o direito de propriedade;

XXIII - a propriedade atenderá a sua função social;

 A inclusão, pela Constituição Federal de 1988, da função social da propriedade como direito e garantia fundamental é visto como a grande diferenciação entre a Carta atual e o preceito constitucional pré-vigente.[14]

Observa-se que tanto a propriedade rural como a urbana devem cumprir sua função social. No entanto, o objetivo deste artigo se restringe à função social da propriedade rural produtiva, em que tenha sido comprovada a utilização de mão-de-obra escrava.

 Dessa forma, apesar de o caput do artigo 5º da Constituição Federal de 1988 garantir o direito da propriedade como algo inviolável, o inciso XXIII dispõe que a propriedade deverá atender a sua função social.

  Em regra, as normas que consubstanciam os direitos fundamentais democráticos e individuais são de eficácia plena e aplicabilidade imediata. A própria Constituição Federal, em uma norma-síntese, determina tal fato dizendo que as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata (§ 1º do artigo 5º da Constituição Federal de 1988)[15].

 Porém, em um primeiro momento, haveria aparente conflito de princípios constitucionais, já que uma norma garante o direito de propriedade, e outra, de mesmo porte, afirma que toda propriedade deverá cumprir a sua função social. Sobre o assunto, afirma Barroso[16], ao discorrer sobre o princípio da unidade da Constituição, que:

A ordem jurídica é um sistema, o que pressupõe unidade, equilíbrio e harmonia. Em um sistema, suas diversas partes devem conviver sem confrontos inarredáveis. Para solucionar eventuais conflitos entre normas jurídicas infraconstitucionais utilizam-se, como já visto, os critérios tradicionais da hierarquia, da norma posterior e o da especialização. Na colisão de normas constitucionais, especialmente de princípios - mas, também, eventualmente, entre princípios e regras e entre regras e regras - emprega-se a técnica da ponderação. Por força do princípio da unidade, inexiste hierarquia entre normas da Constituição, cabendo ao intérprete a busca da harmonização possível, in concreto, entre comandos que tutelam valores ou interesses que se contraponham. Conceitos como os de ponderação e concordância prática são instrumentos de preservação do princípio da unidade, também conhecido como princípio da unidade hierárquico-normativa da Constituição.

 Desta forma, verifica-se que não há conflito entre as normas. A interpretação sistemática da Constituição impõe a conclusão de que só se garante o direito da propriedade que atenda à sua função social. Ou de que se garante o direito de propriedade desde que ela cumpra sua função social. Alguns chegam a encarar esse princípio como uma verdadeira hipoteca social sobre a propriedade[17].

 Pertinente observar a estabilidade que a função social da propriedade possui como fundamento constitucional, por estar inserida no rol das cláusulas pétreas:

Art. 60 [...]

.................

§ 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:

.................

IV – os direitos e garantias individuais.                                      

 As matérias constantes do § 4º do art. 60 formam o núcleo intangível da Constituição de 1988. Assim, enquanto estiver em vigor esse diploma constitucional, o princípio da função social da propriedade não poderá ser alterado.

3.2.2  A função social da propriedade como princípio constitucional da ordem econômica

 A propriedade privada e sua função social estão também inseridas na Constituição Federal de 1988 como princípios gerais da ordem econômica. A este respeito, o art. 170 estipula que:

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

[...]

II – propriedade privada;

III – função social da propriedade;                                              

Tal artigo se encontra dentro do Capítulo I (“Dos princípios Gerais da Atividade Econômica”) do Título VII (“Da Ordem Econômica e Financeira”) da Constituição Federal de 1988.

 Assim, embora também prevista entre os direitos individuais, a função social da propriedade não mais poderá ser considerada puro direito individual. Os princípios da ordem econômica são preordenados à vista da realização do seu fim: assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social. Relativizou-se o conceito de propriedade privada, porque se submete a propriedade aos ditames da justiça social. Nesse entender, só é legítima a propriedade enquanto esta cumpra uma função dirigida à justiça social[18].

 A propriedade rural tem a natureza de bem de produção[19], e não simplesmente de bem patrimonial. Deste modo, “quem detém a posse ou a propriedade de um imóvel rural tem a obrigação de fazê-lo produzir, de acordo com o tipo de terra, com a sua localização e com os meios e condições propiciados pelo Poder Público, que também tem responsabilidade no cumprimento da função social da propriedade agrícola.”[20]

3.2.3  A função social da propriedade como princípio da reforma agrária

 A Constituição Federal de 1988 permite, em seu artigo 184, a desapropriação do imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social. Vejamos:

Art. 184. Compete à União desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social.          

 Analisando essa disposição, verifica-se que a exigência fundamental para que o imóvel rural possa ser desapropriado por interesse social é a configuração de que ele não esteja cumprindo a sua função social. Para tanto, é preciso conceituar e entender o que é função social do imóvel rural.


4  DESAPROPRIAÇÃO-SANÇÃO E A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

4.1  DESAPROPRIAÇÃO - DELIMITAÇÃO CONCEITUAL

 A desapropriação é espécie de intervenção do Estado na propriedade privada. É verdadeira atividade administrativa, cuja finalidade - o interesse público - é garantida pela regra jurídica constitucional e regulamentada por regras jurídicas ordinárias.

A desapropriação é a mais acentuada forma de intervenção do Estado no direito de propriedade. Cretella Júnior[21] conceitua desapropriação como “o procedimento complexo de direito público mediante o qual o Estado, fundamentado na utilidade pública, na necessidade pública ou no interesse social, subtrai, em benefício próprio ou de terceiros, bens do proprietário, mediante prévia indenização”. Noutros termos, “é o procedimento de transferência compulsória da propriedade privada ou pública para o Estado, ou para terceiros, por utilidade pública, necessidade pública ou interesse social, mediante prévia e justa indenização em dinheiro, exceto o caso da propriedade rural, considerada latifúndio, situada em zona prioritária quando a indenização pode ser paga em títulos especiais da dívida pública.”

4.2  O INSTITUTO DA DESAPROPRIAÇÃO NA CONSTITUIÇÃO DE 1988 – BREVE PANORAMA

  No sistema constitucional brasileiro, a desapropriação possui fundamentos diversos, tais como o art. 5º, XXIV; o art. 182, § 3º; o art. 182, § 4º, III; o art. 184 e o art. 243.

 O art. 5º, XXIV, da Constituição Federal é a fonte primeira da desapropriação e regra para as desapropriações em geral[22]. Dispõe o mencionado preceito normativo, in verbis:

XXIV - a lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro, ressalvados os casos previstos nesta Constituição;

Essa forma de desapropriação evidencia a supremacia do interesse público sobre o particular. É realizada mediante indenização prévia, justa e em dinheiro. Tem como pressuposto a utilidade pública, ou a necessidade pública, ou o interesse social.

A doutrina distingue essas hipóteses, entendendo que existe:  a) necessidade pública quando “[...] a Administração está diante de um problema inadiável e premente, isto é, que não pode ser removido, nem procrastinado, e para cuja solução é indispensável incorporar, no domínio do Estado, o bem particular”;  b) utilidade pública quando “[...] a utilização da propriedade é conveniente e vantajosa ao interesse coletivo, mas não constitui um imperativo irremovível”; e  c) interesse social quando “[...] o Estado esteja diante dos chamados interesses sociais, isto é, daqueles diretamente atinentes à camadas mais pobres da população e à massa do povo em geral, concernentes à melhoria nas condições de vida, à mais equitativa distribuição da riqueza, à atenuação das desigualdades em sociedade”.[23]

  Hely Lopes Meirelles[24] entende, por seu turno, que há necessidade pública quando “a Administração defronta situações de emergência, que, para serem resolvidas satisfatoriamente, exigem a transferência urgente de bens de terceiros para o seu domínio e uso imediato”; utilidade pública quando “a transferência de bens de terceiros para a Administração é conveniente, embora não seja imprescindível”; e interesse social quando “as circunstâncias impõem a distribuição ou o condicionamento da propriedade para seu melhor aproveitamento, utilização ou produtividade em benefício da coletividade ou de categorias sociais merecedoras de amparo específico do poder público.”

 No entanto, as hipóteses que configuram a desapropriação como sendo de necessidade pública, de utilidade pública, ou de interesse social, não ficam a critério da Administração Pública, uma vez que tais hipóteses estão taxativamente definidas em legislação ordinária (o Decreto-lei nº 3.365, de 1941 - Lei Geral das Desapropriações - que dispõe sobre os casos de desapropriação por utilidade pública; a Lei 4.132, de 1962, que define os casos de desapropriação por interesse social; e a Lei Complementar nº 76, de 1993, a Lei nº 4.504, de 1964, e a Lei n º 8.629, de 1993, que tratam da desapropriação por interesse social, para fins de reforma agrária).

  O art. 182, § 3º, da Constituição de 1988, ao prever que “as desapropriações de imóveis urbanos serão feitas com prévia e justa indenização em dinheiro”, fundamenta a desapropriação para fins urbanísticos. Por prever prévia e justa indenização em dinheiro, não há caráter sancionatório nessa modalidade desapropriatória. Dessa forma, a desapropriação com fundamento no § 3º do artigo 182 é conhecida como desapropriação normal ou geral, para fins urbanísticos[25], em contraponto à desapropriação urbanística sancionatória do art. 182, § 4º, III, da Constituição Federal.

4.3  A DESAPROPRIAÇÃO-SANÇÃO NA CONSTITUIÇÃO DE 1988

 Quando o imóvel não está cumprindo a sua função social, a Constituição de 1988 prevê duas formas de desapropriação sancionatória. Nestes casos, apesar de haver indenização, esta não é prévia, nem é em dinheiro.

 Há, também, uma terceira forma de desapropriação-sanção, prevista no art. 243[26] do texto constitucional. Esta, porém, configura verdadeiro confisco, já que não há o pagamento de qualquer tipo de indenização.

4.3.1  Desapropriação urbanística sancionatória

 A primeira hipótese está prevista no Capítulo II do Título VII da Constituição Federal, que trata da Política Urbana. O art. 182, § 4º, III, da Constituição Federal prevê , in verbis:

Art. 182 [...]

[...]

§ 4º. É facultado ao Poder Público municipal, mediante lei específica para área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que promova seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de:

I - parcelamento ou edificação compulsórios;

II - imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo;

III - desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais.

(grifos nossos)

 Trata-se, segundo a doutrina, da desapropriação urbanística sancionatória[27].  Carvalho Filho aduz que “[...] essa forma expropriatória é prevista como a que pode ser adotada a título de penalização ao proprietário do solo urbano que não atender à exigência de promover o adequado aproveitamento de sua propriedade ao plano diretor municipal”[28]

 O imóvel não edificado, subutilizado ou não utilizado estará sujeito a sofrer desapropriação. Assim, o Poder Público municipal, mediante lei específica, poderá promover essa desapropriação, observada a Lei 10.257, de 2001 (Estatuto da Cidade). O pagamento da indenização será feito mediante títulos da dívida pública, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais.

4.3.2  Desapropriação rural sancionatória[29]

 A segunda hipótese de desapropriação sancionatória, conhecida como desapropriação rural[30], incide sobre o imóvel rural quando este não está cumprindo a sua função social. Está prevista no capítulo que trata da política agrícola e fundiária e da reforma agrária. O art. 184 da Constituição Federal estipula que:

Art. 184. Compete à União desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social, mediante prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária, com cláusula de preservação do valor real, resgatáveis no prazo de até vinte anos, a partir do segundo ano de sua emissão, e cuja utilização será definida em lei.

 O imóvel rural desapropriado com fundamento no artigo 184 tem sua destinação vinculada para fins de reforma agrária. A indenização será paga em títulos da dívida agrária, com cláusula de preservação do valor real, resgatáveis no prazo de até vinte anos, a partir do segundo ano de sua emissão. Apenas as benfeitorias úteis e necessárias serão indenizadas em dinheiro.  A Lei 8.629 e a Lei Complementar 76, ambas de 1993, disciplinam sobre a desapropriação rural, por interesse social, para fins de reforma agrária.

 Como requisito essencial para a configuração desse tipo de desapropriação, exige o mandamento constitucional que o imóvel rural não esteja cumprindo sua função social. Estudaremos esse aspecto em tópico próprio.

 4.3.3  Desapropriação confiscatória

 A terceira espécie de desapropriação com efeito sancionatório é a desapropriação prevista no art. 243 da Constituição Federal.

Art. 243. As glebas de qualquer região do País onde forem localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas serão imediatamente expropriadas e especificamente destinadas ao assentamento de colonos, para o cultivo de produtos alimentícios e medicamentosos, sem qualquer indenização ao proprietário e sem prejuízo de outras sanções previstas em lei.

(grifos nossos)

 Esse tipo de desapropriação é chamada pela doutrina de desapropriação confiscatória[31], por não conferir ao proprietário das terras expropriadas qualquer direito indenizatório, ao contrário do que ocorre nas duas modalidades de desapropriação-sanção anteriormente estudadas. A utilização da propriedade para cultura ilegal de plantas psicotrópicas fundamenta a perda da propriedade.

 A Constituição Federal exige que o imóvel desapropriado sob essas circunstâncias seja destinado especificamente para o assentamento de colonos e para o cultivo de produtos alimentícios e medicamentosos.


5  A POSSIBILIDADE DE DESAPROPRIAÇÃO-SANÇÃO DE IMÓVEL RURAL QUE NÃO ESTEJA CUMPRINDO SUA FUNÇÃO SOCIAL

 Como visto, o art. 184 da Constituição Federal, já transcrito, prevê a possibilidade de desapropriação, para fins de reforma agrária, do imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social.  A contrario sensu, pode-se inferir, que, se o imóvel rural estiver cumprindo sua função social, não poderá ser desapropriado, nos moldes do art. 184 da Constituição Federal de 1988[32].

 Vislumbra-se, nesse momento, que a grande questão talvez seja entender o que configuraria o cumprimento da função social da propriedade rural e analisar se a propriedade rural que se utiliza da mão-de-obra escrava, mesmo que produtiva, estaria cumprindo sua função social.

 A Constituição Federal de 1988 elucida essa questão ao trazer, em seu art. 186, I a IV, os requisitos necessários ao cumprimento da função social da propriedade rural, in verbis:

Art. 186. A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos:

I - aproveitamento racional e adequado;

II - utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente;

III - observância das disposições que regulam as relações de trabalho;

IV - exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.       (grifos nossos)

 Ao se proceder a uma breve análise dos transcritos incisos, tem-se que o aproveitamento racional e adequado é entendido, por muitos doutrinadores[33], como simplesmente o grau de utilização da terra e a eficiência na sua exploração, de acordo com o previsto no art. 6º, §§ 1º a 7º, da Lei nº 8.629, de 1993[34]. Assim, por exemplo, o grau de utilização da terra deve ser igual ou superior a 80% da área aproveitável, e o grau de eficiência na exploração deve ser igual ou superior a 100%. Porém, mostra-se mais adequado considerar que o aproveitamento racional e adequado envolve conceitos muito mais amplos do que a mera exploração eficiente da terra, como, por exemplo, o comando posto no inciso IV do citado artigo, que exige que a exploração favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores. Por se relacionar ao objeto deste artigo, esse assunto será aprofundado a seguir.

 Inicialmente, observe-se que a Constituição Federal expressamente exige que todos os requisitos do art. 186 sejam observados simultaneamente, de onde se infere que não é suficiente que a propriedade rural atenda a apenas um desses requisitos.

 Esclarecendo o alcance da função social da propriedade rural, José Afonso da Silva[35] aduz que se a propriedade rural “produz, mas de modo irracional, inadequado, descumprindo a legislação trabalhista em relação a seus trabalhadores, evidentemente que está longe de atender a sua função social”.

 Em contraponto ao art. 184 da Constituição Federal, que permite a desapropriação-sanção do imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social, tem-se o art. 185, que expressamente exclui a propriedade produtiva da desapropriação, se o fim for o de realizar a reforma agrária. Veja-se:

 Art. 185. São insuscetíveis de desapropriação para fins de reforma agrária:

I - a pequena e média propriedade rural, assim definida em lei, desde que seu proprietário não possua outra;

II - a propriedade produtiva.

Parágrafo único. A lei garantirá tratamento especial à propriedade produtiva e fixará normas para o cumprimento dos requisitos relativos a sua função social.                         

 A princípio, poder-se-ia concluir que toda e qualquer propriedade rural, desde que produtiva, estaria resguardada contra a desapropriação fundada no art. 184 da Carta Magna. Porém, trata-se de uma interpretação simplista do texto constitucional. É preciso entender o tipo de propriedade produtiva que a Constituição Federal quis proteger no inciso II do art. 185, objetivando descobrir se esse objetivo é proteger: (i) a mera propriedade economicamente produtiva, ou (ii) a propriedade produtiva, ora denominada de propriedade racionalmente produtiva, que cumpre sua função social nos moldes do art. 186.

A importância da função social da propriedade é tamanha que a doutrina diverge sobre a interpretação a ser dada aos artigos 184 a 186 da Constituição Federal. Alguns entendem que função social da propriedade e produtividade seriam coisas distintas, somente sendo permitida a desapropriação-sanção das áreas economicamente improdutivas. Outros afirmam que não poderia haver produtividade sem função social, de forma a estar contido no conceito de produtividade o respeito, entre outros requisitos, às normas trabalhistas.

 Basicamente, diverge-se sobre se a produtividade, exigida no art. 185 do texto constitucional, que evita a desapropriação-sanção, é a econômica ou a racionalmente produtiva.

 Entende-se por propriedade economicamente produtiva - em contraponto à racionalmente produtiva – aquela que obtém lucratividade, apesar de eventualmente desrespeitar as leis ambientais e trabalhistas.

 Já por propriedade racionalmente produtiva, entende-se aquela que também é lucrativa, porém respeitando, simultaneamente, todas as condições do art. 186 da Constituição Federal (aproveitamento racional e adequado; utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; observância das disposições que regulam as relações de trabalho; exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores).

 Conforme já visto neste artigo, não deve haver interpretação isolada dos preceitos de uma Constituição, a qual constitui uma unidade harmônica, devendo ser sempre interpretada de forma sistemática.

 Ao discorrer acerca da interpretação das Constituições, Canotilho[36] catalogou seis princípios de interpretação constitucional:

1. Princípio da Unidade da Constituição - significa que “a Constituição deve ser interpretada de forma a evitar contradições (antinomias, antagonismos) entre as usas normas”. Esse princípio “obriga o intérprete a considerar a Constituição na sua globalidade e a procurar harmonizar os espaços de tensão existentes entre as normas constitucionais a concretizar”.

2. Princípio do Efeito Integrador - orienta que, “na resolução dos problemas jurídico-constitucionais, deve dar-se primazia aos critérios ou pontos de vista que favoreçam a integração política e social e o reforço da unidade política.”

3. Princípio da Máxima Efetividade - também conhecido por princípio da eficiência ou princípio da interpretação efetiva. Postula que “a uma norma constitucional deve ser atribuído o sentido que maior eficácia lhe dê”.

4. Princípio da Justeza ou da Conformidade Funcional - busca “impedir, em sede de concretização da Constituição, a alteração da repartição de funções constitucionalmente estabelecidas”

5. Princípio da Concordância Prática ou da Harmonização - tal princípio “impõe a coordenação e combinação dos bens jurídicos em conflito de forma a evitar o sacrifício (total) de uns em relação aos outros”.

6. Princípio da Força Normativa da Constituição - entende que, “na solução dos problemas jurídico-constitucionais, deve dar-se prevalência aos pontos de vista que, tendo em conta os pressupostos da Constituição (normativa), contribuem para uma eficácia ótima da lei fundamental. Consequentemente, deve ser-se primazia às soluções hermenêuticas que, compreendendo a historicidade das estruturas constitucionais, possibilitam a ‘atualização’ normativa, garantindo, do mesmo pé, a sua eficácia e permanência.”

  Jorge Miranda[37] completa tais princípios com as seguintes regras:

 - a contradição dos princípios deve ser superada, ou por meio da redução proporcional do âmbito de alcance de cada um deles, ou, em alguns casos, mediante a preferência ou prioridade de certos princípios;

 - deve ser fixada a premissa de que todas as normas constitucionais desempenham uma função útil no ordenamento, sendo vedada a interpretação que lhes suprima ou diminua a finalidade;

 - os preceitos constitucionais deverão ser interpretados tanto explicitamente quanto implicitamente, a fim de colher-se seu verdadeiro significado.

 Assim, indaga-se se teria sido objetivo da Carta Magna (após garantir a função social da propriedade como direito e garantia fundamental, como princípio constitucional da ordem econômica e como princípio da reforma agrária; após expressar o que entende por cumprimento da função social da propriedade rural; e após elencar como fundamentos a cidadania, a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, e como objetivos fundamentais construir uma sociedade livre, justa e solidária, erradicar a pobreza e a marginalização, reduzir as desigualdades e promover o bem de todos) simplesmente isentar a propriedade economicamente produtiva do cumprimento da função social.

 Gondinho[38] afirma que “a Constituição procedeu clara opção pelos valores existenciais que exprimem a ideia de dignidade da pessoa humana, em superação do individualismo tão marcante em nosso ordenamento anterior a ela. Os interesses patrimoniais devem se adequar à nova realidade, pois a pessoa prevalece sobre qualquer valor”.

 Interpretando-se a Constituição à luz dos princípios e das regras acima transcritas, afigura-se cogente a exegese no sentido de que a propriedade produtiva, para ser insuscetível de desapropriação, deve estar cumprindo os critérios configuradores da função social, de acordo com o previsto no art. 186 da Constituição Federal. Outra não poderia ser a interpretação, apesar dos entendimentos diversos[39].

 Nesse sentido, Tepedino[40] entende que, à luz dos princípios constitucionais e dos objetivos da República, a produtividade, para impedir a desapropriação, deve ser associada à realização de sua função social. O conceito de produtividade estaria definido pela Constituição de maneira essencialmente solidarista. Complementa o autor, dizendo que:

[...] a propriedade, para ser imune à desapropriação, não basta ser produtiva no sentido econômico do termo, mas deve também realizar sua função social. Utilizada para fins especulativos, mesmo se produtora de alguma riqueza, não atenderá a sua função social se não respeitar as situações jurídicas existenciais e sociais nas quais se insere. Em consequência, deverá ser desapropriada, pelo Estado, por se apresentar como um obstáculo ao alcance dos fundamentos e objetivos - constitucionalmente estabelecidos - da República. Em definitivo, a propriedade com finalidade especulativa, que não cumpra a sua função social, ainda que economicamente capaz de produzir riqueza, deverá ser prioritariamente desapropriada, segundo a Constituição, para fins de reforma agrária.                                                                    

 Condiciona-se a fruição individual do proprietário ao atendimento dos múltiplos interesses dos não-proprietários[41]. Gondinho, partilhando desse entendimento, afirma que “uma propriedade rural, embora seja extremamente produtiva, não cumpre a sua função social se a produção estiver baseada, por exemplo, no desrespeito aos direitos trabalhistas ou na exploração predatória do meio ambiente.”[42]

 Também Marés[43] consigna que:

Nesse sentido, a interpretação do capítulo relativo à política agrícola e fundiária e da reforma agrária, especialmente dos artigos 185 e 186, combinados com o caráter emancipatório e pluralista de toda a Constituição nos leva a certeza de que é protegida pela Constituição a propriedade que faz a terra cumprir sua função social, porque a ocupação que não a cumpre, por mais rentável que seja, incorre em ilegalidade.

 Em tal contexto, o uso de mão-de-obra escrava constitui grave infração ao art. 186 da Constituição Federal, em especial aos incisos III e IV, os quais exigem que sejam observadas as disposições que regulam as relações de trabalho e que a exploração favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores. Neste sentido foi a conclusão de Joaquim Modesto Pinto Júnior e Valdez Adriani Farias[44], ao exararem parecer jurídico a pedido do Ministério do Desenvolvimento Agrário - MDA:

a) Deflui da ordem jurídica positivada que no conceito de função social está contido o conceito de produtividade, mas que no conceito de produtividade também estão contidas parcelas dos conceitos de função ambiental, função trabalhista e função bem-estar, isto é, que a função social é continente e conteúdo da produtividade.

b) A vedação do art. 185 da CF/88 não pode excepcionar ipso facto o comando do art. 184, senão nos casos em que a produtividade provenha de atividades não contrapostas a vedações legais, e, pois, não pode ser invocada para tutelar os casos em que a produtividade derive de descumprimento de preceitos de regime ambiental ou trabalhista, já que, em essência, esses ilícitos, além de impedirem o aperfeiçoamento da função social, viabilizam desincorporação dos ganhos de produtividade correspondentes, expondo o imóvel à desapropriação-sanção inclusive por improdutividade ficta, ou produtividade irracional.

c) No contrario sensu da expressão “exploração racional”, preceituada no caput do art. 6º da Lei nº 8.629/93 se desenham todas as situações de ilícito possíveis, e previstas em regimes jurídicos próprios, entre elas cada qual que vier a configurar vulneração dos incisos II a IV do art. 186 da CF/88, na tipificação a eles dada pelos parágrafos 2º a 5º do art. 9º da Lei nº 8.629/93.

d) Em casos nos quais o descumprimento da função social da propriedade possa ser objetivável de plano e demonstrado por simples operação de conta e conferência, compete autonomamente ao órgão federal executor da política e reforma agrária proceder à objetivação, mediante fiscalização em que se assegure ao proprietário o devido processo legal administrativo.

e) Nos demais casos, compete ao órgão federal executor da política e reforma agrária, em conjunto com os demais órgãos executores das políticas conexas às funções ambiental e trabalhista, a elaboração de norma técnica e adoção de medidas administrativas conjuntas de fiscalização, com vistas a conferir efetividade às normas constitucionais previstas no art. 186 da CF/88, e incisos II a IV do art. 9º, da Lei nº 8.629/93.

f) Nos casos das alíneas anteriores, a propriedade, embora produtiva do ponto de visa economicista, suscetibiliza-se à desapropriação-sanção de que cuida o art. 184 da Constituição Federal da República Federativa do Brasil, se flagrada como descumpridora das outras condicionantes da função social elencadas no art. 186, II, III e IV da CF/88 (II - utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; III - observância das disposições que regulam as relações de trabalho; IV - exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores).

 Dessa forma, entende-se que a propriedade rural na qual foi constatado o uso de mão-de-obra escrava é passível de sofrer desapropriação-sanção, mesmo que as terras em questão sejam economicamente produtivas.


6CONCLUSÃO

 A Carta Federal de 1988 inclui a função social da propriedade como princípio da ordem econômica e social, no art. 170, III, e como princípio da reforma agrária, no art. 184. Destarte, fez mais que isso: assegurou a função social no âmbito dos direitos e garantias fundamentais do cidadão no art. 5º, XXIII. Isso significa que a função social foi encarada pelo constituinte como princípio próprio e autônomo, apto a instrumentalizar todo o tecido constitucional, e, por via de consequência, todo o ordenamento infraconstitucional. O direito de propriedade é garantido, desde que cumprida a sua função social. É tratado, ao mesmo tempo, como direito individual fundamental e de interesse público, visando a atender os anseios sociais.  Por ser direito e garantia individual, e a partir de uma interpretação sistemática dos comandos insertos nos incisos XXII e XXIII do art. 5º da Carta Maior, entende-se que se encontra protegido por cláusula pétrea o direito de propriedade que atenda à sua função social.

 Dessa forma, a função social da propriedade (inclusive a rural) está erigida ao status de princípio constitucional que norteia o exercício do direito de propriedade.

No caso da propriedade rural, de acordo com o art. 184 da Constituição Federal, a União pode desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social. A Carta Magna lista, no art. 186, os requisitos simultâneos a que a propriedade rural tem que atender, para ter como cumprida sua função social[45]. Porém, o art. 185 afirma estar protegida da desapropriação, se para fins de reforma agrária, a propriedade produtiva.

A conclusão sobre se a produtividade seria um dos elementos da função social ou não da propriedade rural tem grande repercussão prática. Uma de suas consequências é, por exemplo, a possibilidade de desapropriação como sanção da propriedade que, apesar de produtiva, não atende aos outros requisitos do art. 186, no caso, a observância das disposições que regulam as relações de trabalho e a exploração que favoreça o bem-estar do trabalhador.

Com base nesse fundamento, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) já vem atuando, quando constatado o descumprimento da “função social trabalhista”. O primeiro caso desse tipo aconteceu na fazenda Cabaceiras, em Marabá, no sudeste do Pará, declarando-se de interesse social para fins de reforma agrária uma área de 9,9 mil hectares.[46]


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Notas

[1] O Ministério do Trabalho e Emprego - MTE editou a Portaria nº. 540, de 15 de outubro de 2004 - atualizada periodicamente . Esta Portaria traz um Cadastro de Empregadores flagrados explorando trabalhadores na condição análoga à de escravos. Atualmente, de acordo com o MTE, o Cadastro contém 169 infratores, entre pessoas físicas e jurídicas, não computados 34 casos de exclusão por força de decisão judicial. Disponível em:  < http://www.mte.gov.br/trab_escravo/cadastro_trab_escravo.asp>. Acesso em: 06/03/2007.

[2] Trabalho escravo. Disponível em: <http://www.mte.gov.br/empregador/fiscatrab/Publicacao/default.asp>. Acesso em: 03/11/2006.

[3] SETÚBAL, Mariana. Escravidão contemporânea: a permanência do trabalho escravo na agroindústria canavieira de Campos dos Goytacases. Disponível em: <http://www.lpp-uerj.net/outrobrasil/Docs/2312006183726_Analise_Mariana_Jul05.doc>. Acesso em: 03/11/2006.

[4] Disponível em: <http://www.oitbrasil.org.br/trabalho_forcado/oit/faq/p1.php>. Acesso em: 03/11/2006.

[5] Disponível em: <http://www.oitbrasil.org.br/trabalho_forcado/brasil/documentos/dignidadetrabalhoescravo.pdf. >. Acesso em 03/11/2006.

[6] SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional positivo. 26. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 271.

 [7] MOESCH, Frederico Fernandes. O princípio da função social da propriedade e sua eficácia. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 880, 30 nov. 2005. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/7645>. Acesso em: 25 out. 2006.

[8] COLARES, Marcos. Breves notas sobre a função social da propriedade. Jus Navigandi, Teresina, ano 5, n. 51, out. 2001. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/2254>. Acesso em: 25 out. 2006.

[9] A Constituição do Império, de 1824, dispunha, em seu artigo 179, inciso XXII: “É garantido o direito de propriedade em toda a sua plenitude. [...]”. Assim também dispunha o artigo 72, § 17, da Constituição Republicana de 1891: “O direito de propriedade mantém-se em toda a sua plenitude. [...]”. Desde então, o direito de propriedade encontra-se protegido, apesar de, muitas vezes, encontrar restrições.

[10] Sobre o assunto, cita-se parte de decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal - STF na ADIMC 2213, acórdão publicado em 23/04/2004: “[...] O direito de propriedade não se reveste de caráter absoluto, eis que, sobre ele, pesa grave hipoteca social [...].”

[11] JUNIOR, José Cretella. Comentários à Constituição Brasileira de 1988. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1990, v. I, p. 302.

[12] Apud JUNIOR, José Cretella. Comentários à Constituição Brasileira de 1988. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1990, v. I, p. 186

[13] Ibidem.

[14] TEPEDINO, Gustavo. Temas de Direito Civil. 3 ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 307.

[15] MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 11 ed. São Paulo: Atlas, 2002, p. 60.

[16] BARROSO, Luís Roberto. O Direito Constitucional e a Efetividade de suas Normas. 7 ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 314.

[17] MOESCH, Frederico Fernandes. O princípio da função social da propriedade e sua eficácia. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 880, 30 nov. 2005. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/7645>. Acesso em: 25 out. 2006.

[18] SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional positivo. 26 ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 812.

[19] Ibidem, p. 813. Segundo este autor, o bem de produção, também chamado de capital instrumental, é o bem que se aplica na produção de outros bens ou rendas, como as ferramentas, máquinas, fábricas, matérias-primas e a própria terra.

[20] SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional positivo. 26 ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 819, citando Fernando Pereira Sodero, Curso de Direito Agrário: 2 – O Estatuto da Terra, p25 e 31.

[21] CRETELLA JUNIOR, José. Comentários à Constituição Brasileira de 1988. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1990, v. I, p. 304.

[22] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 13 ed. Rio de Janeiro: Lumen Iuris, 2005, p. 627.

[23] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 12. ed. São Paulo: Atlas, 2000, p. 157, citando Seabra Fagundes, 1984:187-288.

[24] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 22 ed. São Paulo: Malheiros, 1997, p.521.

[25] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 13 ed. Rio de Janeiro: Lumen Iuris, 2005, p. 628, nota de rodapé nº 09.

[26] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 13 ed. Rio de Janeiro: Lumen Iuris, 2005, p. 628, nota de rodapé nº 08.

[27] Ibidem, p. 628.

[28] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 13 ed. Rio de Janeiro: Lumen Iuris, 2005, p. 628.

[29] Tecendo uma visão histórica, José Cretella Junior (Comentários à Constituição Brasileira de 1988.- 2ª ed. – Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1990, v. I, p. 188/189) observa que, em 1º de maio de 1946, perante a Comissão Constitucional, o Senador e Professor Ferreira de Souza teceu oportunas considerações sobre a desapropriação e o direito de propriedade, assinalando a passagem do “individual” para o “social”: “[...] Mas devemos também possibilitar a desapropriação sempre que necessária à ordem social, à vida social. Vamos citar dois casos: na sociedade puramente individualista, que compreende a propriedade como um direito absoluto, admite-se a propriedade dos bens que não produzem e recebem valorização do próprio Estado ou do Estado coletivo. Evidentemente, essa propriedade improdutiva, que o proprietário não explora no sentido de transformá-la numa utilidade geral, criando riqueza para a coletividade, é um peso para a sociedade. O proprietário tem, em seu favor, toda a proteção da lei e da autoridade; recebe as consequências do enriquecimento resultante do trabalho real e da própria ação do Estado e nada lhe dá em virtude desse mesmo direito. Deve ser possível ao Estado, em casos especiais, desapropriá-la, a fim de tornar a propriedade uma utilidade, uma riqueza social, seja porque vá dividi-la entre os que pretendem cultivá-la, seja para outro fim de ordem coletiva.”

[30] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 13 ed. Rio de Janeiro: Lumen Iuris, 2005, p. 629.

[31] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 13 ed. Rio de Janeiro: Lumen Iuris, 2005, p. 629.

[32] Importante observar, como bem anota André Osório Gondinho, que a prerrogativa concedida ao Poder Público de desapropriar bens particulares não se confunde com o princípio da função social da propriedade. O poder de desapropriar pode, assim, incidir também sobre bens que cumpram sua função social, desde que haja a prévia e justa indenização em dinheiro. (GONDINHO, André Osório. Função Social da Propriedade. In: TEPEDINO, Gustavo (coord.).

[33] Esse é o entendimento encontrado em CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 13 ed. Rio de Janeiro: Lumen Iuris, 2005, p. 684.

[34] Leia-se o disposto na Lei nº 8.629, de 1993:

“Art. 6º Considera-se propriedade produtiva aquela que, explorada econômica e racionalmente, atinge, simultaneamente, graus de utilização da terra e de eficiência na exploração, segundo índices fixados pelo órgão federal competente.

§ 1º O grau de utilização da terra, para efeito do caput deste artigo, deverá ser igual ou superior a 80% (oitenta por cento), calculado pela relação percentual entre a área efetivamente utilizada e a área aproveitável total do imóvel.

§ 2º O grau de eficiência na exploração da terra deverá ser igual ou superior a 100% (cem por cento), e será obtido de acordo com a seguinte sistemática:

I - para os produtos vegetais, divide-se a quantidade colhida de cada produto pelos respectivos índices de rendimento estabelecidos pelo órgão competente do Poder Executivo, para cada Microrregião Homogênea;

II - para a exploração pecuária, divide-se o número total de Unidades Animais (UA) do rebanho, pelo índice de lotação estabelecido pelo órgão competente do Poder Executivo, para cada Microrregião Homogênea;

III - a soma dos resultados obtidos na forma dos incisos I e II deste artigo, dividida pela área efetivamente utilizada e multiplicada por 100 (cem), determina o grau de eficiência na exploração.

§ 3º Considera-se efetivamente utilizadas:

I - as áreas plantadas com produtos vegetais;

II - as áreas de pastagens nativas e plantadas, observado o índice de lotação por zona de pecuária, fixado pelo Poder Executivo;

III - as áreas de exploração extrativa vegetal ou florestal, observados os índices de rendimento estabelecidos pelo órgão competente do Poder Executivo, para cada Microrregião Homogênea, e a legislação ambiental;

IV - as áreas de exploração de florestas nativas, de acordo com plano de exploração e nas condições estabelecidas pelo órgão federal competente;

V - as áreas sob processos técnicos de formação ou recuperação de pastagens ou de culturas permanentes.

§ 4º No caso de consórcio ou intercalação de culturas, considera-se efetivamente utilizada a área total do consórcio ou intercalação.

§ 5º No caso de mais de um cultivo no ano, com um ou mais produtos, no mesmo espaço, considera-se efetivamente utilizada a maior área usada no ano considerado.

§ 6º Para os produtos que não tenham índices de rendimentos fixados, adotar-se-á a área utilizada com esses produtos, com resultado do cálculo previsto no inciso I do § 2º deste artigo.

§ 7º Não perderá a qualificação de propriedade produtiva o imóvel que, por razões de força maior, caso fortuito ou de renovação de pastagens tecnicamente conduzida, devidamente comprovados pelo órgão competente, deixar de apresentar, no ano respectivo, os graus de eficiência na exploração, exigidos para a espécie.”

[35] SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 26. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 820.

[36] CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição Coimbra. 3 ed. Portugal: Almedina, 1999, p. 1148.

[37] Apud MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 11 ed. São Paulo: Atlas, 2002, p. 45.

[38] GONDINHO, André Osório. Função Social da Propriedade. In: TEPEDINO, Gustavo (coord.). Problemas de Direito Civil-Constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 415.

[39] Segundo José Afonso da Silva, “A proibição de desapropriação da propriedade produtiva, para fins de reforma agrária, com pagamento da indenização mediante títulos da dívida agrária, é, a nosso ver, absoluta, sendo inútil procurar interpretação diferente com base em nossos desejos. Isso não seria científico.” (SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional positivo. 26. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 820)

[40] TEPEDINO, Gustavo. Temas de Direito Civil. 3 ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 311.

[41] Ibidem, p. 309.

[42] GONDINHO, André Osório. Função Social da Propriedade. In: TEPEDINO, Gustavo (coord.). Problemas de Direito Civil-Constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 414.

[43] MARÉS, Carlos Frederico. A Função Social da Terra. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2003, p.122.

[44] Pinto Júnior, Joaquim Modesto, e Farias, Valdez Adriani. Função Social da Propriedade: Dimensões Ambiental e Trabalhista (íntegra do PARECER CONJUNTO/ CPALNP-CGAPJP/CJ/MDA/Nº 011/2004 (VAF/ JMPJ). – Brasília: Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural, 2005.

[45] “Art. 186. A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos:

I - aproveitamento racional e adequado;

II - utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente;

III - observância das disposições que regulam as relações de trabalho;

IV - exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.”

[46] Notícia sobre Portaria que permite ao Incra reivindicar imóveis de “lista suja” autuados com trabalho escravo. Publicada em 20/12/04. Disponível em < http://www.incra.gov.br/>. Acesso em 06.mar. 2007.


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MACEDO, Tatiana Bandeira de Camargo. Trabalho escravo em terras economicamente produtivas: a possibilidade de desapropriação-sanção . Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3255, 30 maio 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21889. Acesso em: 5 maio 2024.