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Da nulidade das cláusulas compromissórias nos contratos de consumo

Da nulidade das cláusulas compromissórias nos contratos de consumo

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A cláusula compromissória inserida em contrato de consumo, mesmo com observância das normas do art. 4º, §2º da Lei nº 9.307/96, é nula de pleno direito. Por essa razão, não tem força para afastar a competência do Judiciário para solucionar lides de consumo.

Resumo: Propõe-se no presente artigo proceder a uma análise acerca da legalidade das cláusulas compromissórias no bojo dos contratos de consumo, tendo em vista o aparente conflito de normas existentes entre o art. 51, VII do CDC e o art. 3° da Lei nº 9.307/96.

Palavras-chave: Cláusula Compromissória –contratos de consumo- Nulidade–Proteção ao Consumidor - Arbitragem–Hipossuficiência- Vulnerabilidade.


I – Introdução

Devido à morosidade do Poder Judiciário e o grande número de litígios submetidos à sua apreciação, buscam-se, cada vez mais, soluções alternativas de conflitos de interesses. Nesse sentido, a submissão das partes ao juízo arbitral se dá em razão da expectativa de obtenção de solução adequada e efetiva para lide e tutela de suas pretensões.

A arbitragem é um meio de solução de conflitos caracterizado por procedimentos informais, julgadores com formação técnica ou jurídica e decisões vinculatórias sujeitas a limitadas possibilidades de recurso. No Brasil, essa prática veio a ser regulamentada por meio da conhecida “Lei Marco Maciel” em 1996, Lei nº 9.307, a qual foi salutar na tentativa de conceder novas alternativas de soluções de conflitos, com o intuito de evitar diversas e longas demandas no Judiciário.

Nesse sentido, o objetivo do presente estudo é proceder a uma análise acerca da legalidade das cláusulas compromissórias no bojo dos contratos de consumo. É polêmica a utilização da arbitragem nas relações consumeristas, tendo em vista o art. 6º, VII do Código de Defesa do Consumidor, o qual garante o acesso aos órgãos judiciários e administrativos para solução de conflitos, como direito básico do consumidor.


II - Da Impossibilidade de utilização de cláusulas compromissórias em contratos de consumo.

Em síntese, a problemática não está na possibilidade ou não de utilização da arbitragem, mas sim na previsão de cláusulas compromissórias em contratos de consumo frente à proteção que é dada pela Constituição Federal e o CDC aos consumidores. Nesse contexto, temos um conflito aparente de normas, entre o art. 51, VII do CDC e o art. 3º da Lei nº 9.307/96 (Lei de Arbitragem). Vejamos:

Art. 3º As partes interessadas podem submeter a solução de seus litígios ao juízo arbitral mediante convenção de arbitragem, assim entendida a cláusula compromissória e o compromisso arbitral.( Lei de Arbitragem).

Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:

(...)

VII - determinem a utilização compulsória de arbitragem; (Código de Defesa do Consumidor)

Conforme já asseverado, o problema não está na utilização da arbitragem nos contratos de consumo e sim na aplicação da cláusula compromissória.

 Dispõe a Constituição Federal, no capítulo que regula os direitos individuais e coletivos, que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito” (art. 5º, XXXV da CF).

Dessa forma, permitir a inserção de cláusula compromissória em contratos de consumo equivale excluir da apreciação do Poder Judiciário grande número de demandas. E isso ocorreria, normalmente,por ato de vontade de apenas um dos contratantes, como é o caso dos contratos de adesão, em que ao aderente não é permitido discutir cláusulas contratuais. Assim, a despeito da previsão do §2º do art. 4º da Lei nº 9.307/96, entende-se que a mencionada cláusula compromissória quando aposta nos contratos de consumo é nula de pleno direito, por força do inc. VII do art. 51 do CDC.

A respeito do tema, leciona Cláudia Lima Marques:

As cláusulas contratuais que imponham a arbitragem no processo criado pela nova lei devem ser consideradas abusivas, forte no art. 4º, I e V, e art. 51, IV e VII, do CDC, uma vez que a arbitragem não-estatal implica privilégio intolerável que permite a indicação do julgador, consolidando um desequilíbrio, uma unilateralidade abusiva ante um indivíduo tutelado especialmente justamente por sua vulnerabilidade presumida em lei. No sistema da nova lei (arts. 6º e 7º da Lei nº 9.307/1996), a cláusula compromissória prescinde do ato subseqüente do compromisso arbitral. Logo, por si só, é apta a instituir o juízo arbitral, via sentença judicial, com um só árbitro (que pode ser da confiança do contratante mais forte, ou por este remunerado); logo, se imposta em contrato de adesão ao consumidor, esta cláusula transforma a arbitragem “voluntária” em compulsória, por força da aplicação do processo arbitral previsto na lei. (MARQUES, Cláudia Lima. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor, 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, pg. 635)

Carlos Alberto Etcheverry[1] aponta outros problemas para a arbitragem, problemas estes que seriam sobremaneira prejudiciais ao consumidor, tais como a inexistência do duplo grau de jurisdição, a possibilidade de o árbitro afastar normas de direito positivo (devido à possibilidade de julgamento por equidade ou da escolha do direito aplicável ao caso), o caráter privado do juízo arbitral, a tendência da parte mais fraca ver como remota a possibilidade de um litígio.

Outro argumento para a impossibilidade de solução de conflitos de consumo pela arbitragem fundamenta-se no art. 6º, VII do CDC, o qual define como direito básico do consumidor o acesso aos órgãos judiciários e administrativos. A respeito do tema, Adriano Perácio de Paula resume o pensamento de alguns: “Com efeito, e é este o argumento posto, como a arbitragem não se insere em nenhuma destas premissas de órgão judiciário ou administrativo, torna-se impossível superar esta condição”.

Reforça-se que apesar de a Lei de Arbitragem defender a utilização de cláusulas compromissórias em contratos de adesão, desde que o consumidor “tome a iniciativa de instituir a arbitragem, ou manifeste sua concordância em documento anexo” (art. 4º, §2º da Lei nº 9.307/96), tal entendimento não se mostra adequado, tendo em vista que os contratos de adesão não podem ser vistos como bilaterais, haja vista que o consumidor só tem a opção de aceitar ou não o contrato.

Nesses termos, observando o art. 51, VII do CDC, não resta dúvida quanto a vedação legal da utilização da cláusula compromissória nos contratos de consumo.Nesse sentido, é a jurisprudência do STJ, in verbis:

RESCISÃO DE PROMESSA DE COMPRA E VENDACLÁUSULA PENAL - DESPROPORCIONALIDADE

REVISÃO QUE SE IMPÕE -Juízo arbitral. Cláusula compromissória em contrato de adesão. Afasta-se sua aplicação a fim de estabelecer o equilíbrio entre os contratantes, sendo certo que o consumidor é considerado hipossuficiente econômica, jurídica e tecnicamente e a cláusula compromissória só agrava sua posição de desvantagem. Autor pretende a rescisão do contrato de promessa de compra e venda. Cláusula penal que coloca o consumidor em desvantagem exagerada e é incompatível com a boa-fé e a equidade. Interpretação finalística do disposto no artigo 53 do Código de Defesa do Consumidor. Sentença deu adequada solução à lide, não demonstrando o réu que o percentual a ser devolvido lhe trará desvantagens considerando os gastos decorrentes do contrato. Pequeno reparo, tão somente para reduzir a verba honorária. Recurso manifestamente procedente em parte. (TJRJ -0006037-18.2008.8.19.0209 - APELACAO - 1ª Ementa - DES. EDSON VASCONCELOS - Julgamento: 25/02/2011 - DECIMA SETIMA CAMARA CIVEL) (grifos nossos). 

DECISÃO MONOCRÁTICA. RELAÇÃO DE CONSUMO. CONTRATO DE ADESÃO. PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA DE ARBITRAGEM. ABUSIVIDADE. NULIDADE. A previsão de cláusula de arbitragem em contrato de adesão em relação de consumo é nula, por força do inciso VII do artigo 51, VII do CDC, por ser manifestamente abusiva e cercear o amplo acesso à Justiça do consumidor aderente, na eventual violação ao seu direito. Precedentes do TJERJ e STJ. Sentença cassada. Provimento do recurso, com fulcro no art. 557, § 1º-A, do CPC. (TJRJ - 0000840-48.2009.8.19.0209(2009.001.51738) - APELACAO 1ª Ementa - DES. TERESA CASTRO NEVES - Julgamento: 08/09/2009 - QUINTA CAMARA CIVEL).

PROMESSA COMPRA E VENDA IMÓVEL. NULIDADE SENTENÇA. INEXISTENTE. CLÁUSULA DE ARBITRAGEM. ABUSIVIDADE. REEXAME DE PROVAS. SÚMULAS 5 E 7. – ...omissis..). -É nula a clausula de convenção de arbitragem inserta em contrato de adesão, celebrado na vigência do Código de Defesa do Consumidor. - Não se considera força maior o inadimplemento pelo atraso na entrega da obra pela empresa devido a inadimplemento dos outros promitentes compradores. - O inadimplemento de outros compradores não constitui força maior para justificar atraso na entrega de imóvel a comprador em dia com a amortização do preço.  (STJ – REsp 819519/PE – RESCURSO ESPECIAL – 3ª TURMA – RELATOR: MIN. HUMBERTO GOMES DE BARROS – JULGAMENTO: 09/10/2007) (grifos nossos).

PROMESSA DE COMPRA E VENDA. 2. APLICAÇÃO DA LEI 8.078/70 AOS CONTRATOS DE INCORPORAÇÃO IMOBILIÁRIA, DESTINANDO-SE O IMÓVEL À MORADIA DA OUTORGADA.  3. NULIDADE DA CLÁUSULA DE CONVENÇÃO DE ARBITRAGEM INSERTA EM CONTRATO DE ADESÃO, PROTEGIDO PELO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. 4. NÃO É ABUSIVA A CLÁUSULA QUE OBRIGA O CONSUMIDOR AO PAGAMENTO DE LIGAÇÕES DEFINITIVAS DE SERVIÇOS PRESTADOS PELAS CONCESSIONÁRIAS, COMO ÁGUA E LUZ, CONFORME ART.51 DA LEI Nº 4.591/64.5. POSSIBILIDADE AINDA DE TRANSFERÊNCIA À CONSUMIDORA DA DESPESA DE LAUDÊMIO, NÃO SENDO ESSA HIPOSSUFICIENTE E ATÉ MESMO TENDO INEGÁVEL CONHECIMENTO SOBRE A MATÉRIA, POSTO QUE ARQUITETA. 6. IMPROVIDO O AGRAVO RETIDO, PROVIDA A APELAÇÃO DA RÉ E PREJUDICADA A DA AUTORA.(0007675-23.2007.8.19.0209 (2008.001.35076) - APELACAO - 1ª Ementa - DES. MARIO DOS SANTOS PAULO - Julgamento: 07/10/2008 - QUARTA CAMARA CIVEL) (grifos nossos)


III – Considerações Finais.

Por fim, a cláusula compromissória inserida em contrato de consumo, mesmo com observância das normas do art. 4º, §2º da Lei nº 9.307/96, é nula de pleno direito. Por essa razão, não tem força para afastar a competência do Judiciário para solucionar lides de consumo.

Tendo em vista as considerações exaradas neste estudo, conclui-se que a utilização das cláusulas compromissórias em contratos decorrentes de relação de consumo, deve ser considerada nula de pleno direito, por força do art. 51, inc. VII do CDC, pois o consumidor goza de especial proteção constitucional. Tal mandamento constitucional visa proteger o consumidor hipossuficiente técnica, econômica e juridicamente.


Nota

[1] ETCHEVERRY, Carlos Alberto. A nova Lei de Arbitragem e os Contratos de Adesão. In Revista de Direito do Consumidor, n. 21.


Autor


Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GONÇALVES, Juliana de Assis Aires. Da nulidade das cláusulas compromissórias nos contratos de consumo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3260, 4 jun. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21919. Acesso em: 29 mar. 2024.