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O Ministério Público e o poder não punitivo do Estado

O Ministério Público e o poder não punitivo do Estado

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Defende a mudança de postura do Ministério Público, que passaria a ser “Promotor de Políticas Criminais”, inclusive agindo preventivamente para evitar o crime e não apenas focando no processo criminal. Assim, privilegia-se o sistema do contraditório e abandonam-se as práticas inquisitivas.

O presente texto busca refletir analisar a  possibilidade de incorporaro princípio da oportunidade da ação penal pública no processo penal brasileiro como mecanismo para restringir o poder punitivo do Estado, o qual é aparelhado por um sistema policial que elege combater crimes cometidos pelas classes sociais mais carentes  (cliente preferencial da Polícia por cometer crimes de atavismo, ou seja,  roubos e  furtos de pequenos objetos e tráficos de drogas em pequenas quantidades). A priori, os temas “princípio da oportunidade” e o “processo penal consensual” suscitam muitas controvérsias na área em que operam os sistemas penais dos países com tradição continental.  

O rompimento do princípio da obrigatoriedade da ação penal controlao poder punitivo do Estado e reduz prisões desnecessárias, bem como processos com pouca, ou nenhuma efetividade.

  A discussão proposta centra-se necessidade/obrigatoriedade da açãopenal, notadamente a denúncia, ser exercida em todos os casos que tiver autoria e materialidade definidas. Ou, inversamente, se é possível permitir determinadas margens de oportunidade para não se ajuizar a ação penal. A rigor, no Brasil pouco se discute sobre o princípio/mito da obrigatoriedade da ação penal. 

O poder de Punir do Estado não é absoluto, tanto é que criou aoEstado a obrigação de instalar Defensoria ou pagar advogados dativos para fazer a defesa dos réus. Logo, não se pode afirmar que indisponível como se acredita ainda.

Curiosamente, setores da defesa  no Brasil acusam o MinistérioPúblico de abusos nas denúncias criminais, mas não se dispõe a discutir o mito da obrigatoriedade da ação penal. A ação penal é obrigatória, mas nada se reclama acerca do excesso de flexibilização na execução penal, inclusive com condenados no regime aberto cumprindo pena no regime domiciliar. Ao que parece setores da defesa vêem o processo judicial como mercado de trabalho, logo querem queo Ministério Público seja obrigado a processar as pessoas, para que estas ou o Estado pague pelo trabalho da defesa.

Retoricamente dizem “sem processo não há justiça”, mas traduzindo é “sem processo judicial não há necessidade de defesa, nem remuneração”.

 O poder de punir criminalmente pode-se afirmar que é do Judiciário, ou em alguns casos raros de jurisdição pelo Senado, mas neste caso nem há pena de prisão.

Contudo, o Poder de NÂO punir não é privativo do Judiciário. Afinal,o Legislativo pode aprovar anistia, o Executivo pode indultar condenados, a vítima  pode não comunicar o crime às autoridades. Nestes casos não cabe ao Judiciário intervir, pois não é órgão de segurança pública, mas sim de garantias de direitos do réu.  Logo, senão há processo judicial criminal, não há que se falar em garantia doréu.

Dessa forma, relembra-se teor do pensamento de Roxin, o qual estabelece que o Direito Penal não pode ficar adstrito à visão pequena da mera dogmática penal, na qual analisa a subsunção do fato ao tipo penal. Mas, deve também observar a criminologia e a política criminal. Portanto, o ato pode ser típico, antijurídico e culpável, mas não ter justa causa para ajuizamento de uma ação penal em face de questões de política criminal.

Assim, o Ministério Público como Instituição  autônoma não pode ser obrigado a processar apenas os quer a polícia, pois não é mero despachante judicial, nem mera acusação, mas sim Defensor doRegime Democrático e do Estado de Direito.

  Nesse sentido, a pesquisa propõe verificar se o exercício seletivo, efundamentado, da ação penal para delitos de menor gravidade é viável em face do atual colapso processual e prisional, o que demanda um foco constitucional do processo penal de partes, menos inquisitivo, e baseado na visão de processo consensual, com penas alternativas e reparação do dano, para a efetivação dos objetivos de prevenção geral e especial, buscando uma política criminal do Estado Democrático de Direito no qual a Vítima, bem como o Ministério Público, passariam a ter mais ativismo processual.

  O objetivo é o  desenvolvimento de um processo penal moderno de acordo com as necessidades colocadas pela sociedade de hoje exige-se uma ruptura com o paradigma do século XIX, isto é, limitando oDireito de Punir do Estado, o qual age concebido como uma espécie de “Justiça Criminal Policialesca”.”, pois a polícia acaba selecionando os futuros réus nas abordagens policiais ou instaurando Inquéritos Policiais apenas quando quer.

  Pouco se discute no Brasil sobre a “espinha dorsal” do processo penal atual que é o “princípio da obrigatoriedade da ação penal”, isto é colocado como uma verdade absoluta. Mas, na Europa doutrinadores brasileiros publicam os seus trabalhos questionando esta supremaciado Princípio da Obrigatoriedade da  Ação Penal, o qual é confundido com o princípio da legalidade. O Prof. Fernando Fernandes, in “OProcesso Penal como Instrumento de Política Criminal”, editora Almedina, pág. 310 leciona que: “Em conclusão, uma forma ampla para expressar todos esses fenômenos alternativos ao processo tradicional parece ser a de atenuações ao princípio da legalidade, verificando-se uma certa discricionariedade por  parte do ministério público no exercício da ação penal”.  O Autor destaca ainda que “a discricionariedade reconhecida ao MinistérioPúblico Alemão o permite dedicar a maior parte dos seus recursos ao problema da criminalidade grave.”

     Nesse mesmo sentido Roxin também destaca que na Alemanha oprincípio da legalidade está sujeito a tantas limitações na atualidade que no campo da criminalidade leve e também da criminalidade média vale praticamente o princípio da oportunidade.

     O presente  trabalho procurará abordar também  o paradoxo de se prender para  tentar ressocializar presos por crimes  de pouca relevância ou baixa periculosidade. Ou, até mesmo casos que nãodependem de trabalho ou educação, como no caso dos psicopatas, ou seja, analisando  situações díspares e o desequilíbrio ressaltado por uma aplicação exagerada dos preceitos da teoria da “Nova Defesa Social” para se encontrar o equilíbrio, protegendo os direitos do réu, mas sem aniquilar os da vítima.

    Nesse diapasão,  a pesquisa propõe verificar se o   exercício seletivo da ação penal para delitos de menor gravidade é uma via de soluçãoem face do colapso processual e prisional, o que demanda um foco constitucional do processo penal de partes, menos inquisitivo, e focado na visão de processo consensual, com penas alternativas, para a efetivação dos objetivos de prevenção geral.  

    E, assim, especialmente para orientar a política criminal doEstado Democrático de Direito em que a vítima, bem como oMinistério Público passariam a ter mais ativismo processual, o que seria o desenvolvimento de um processo penal moderno, inclusive fulcrado no modelo consensual de justiça criminal e de acordo com as necessidades colocadas pela sociedade de hoje que exige uma ruptura com o paradigma do século XIX limitando o Direito de Punir doEstado, o qual age como uma espécie de “Justiça Criminal Policialesca”.  Dessa forma, o Ministério Público deixaria de agir como mero órgão acusador e passaria a atuar efetivamento como Defensor do Regime Democrático e da de e da Ordem Jurídicaa, como está expresso nos arts 127 e 129 da CF.

Propõe-se discutir se a conduta criminosa do réu é “ato típico” ou “fato típico”. Em suma, avaliar se o réu é responsável pelo seu ato ou apenas a sociedade (Teoria da Defesa Social), ou se há co-responsabilidade como afirmado por Zaffaroni Além de se aprofundar na cifra negra para os delitos de colarinho branco.  Portanto, mesmo que o ato seja típico, antijurídico e culpável, pode não haver justa causa para se instaurar uma ação penal pela desproporcionalidade ou até mesmo pela ausência de interesse público ou da própria vítima em alguns casos de ação penal pública incondicionada, o que justifica “razões de arquivamento” previsto no art. 28 do CPP, ainda que provisoriamente, e por questões de prioridade e política criminal.

Dessa forma, o Ministério Público e o Judiciário deixariam de dividir a prioridade apenas em réu solto/réu preso e passariam a administrar a pauta com base no crime grave/crime de menor gravidade. Pois, hoje um réu de latrocínio solto terá audiência para o ano de 2015 na Vara Criminal de Araguari, mas se preso em flagrante por furto de chocolate terá audiência em até 90 dias. Logo, a prioridade precisa ser repensada em nível nacional, tanto na doutrina como na jurisprudência, pois a política criminal está sendo decidida pelo soldado da PM que decide se faz a prisão em flagrante, uma vez que senão conseguir fazer o flagrante (por motivos vários, ainda que medo), a audiência de instrução vai para o ano de 2015. E o acusado ainda terá direito a 40 recursos processuais em liberdade, mesmo que odelito de furto seja por insignificância e até mesmo que a vítima nãotenha interesse no processamento do feito.

A Comissão de Reforma do Código Penal no Senado é pela aprovaçãode ação penal condicionada à representação por furto em alguns casos, uma vez que aproximadamente 65mil pessoas estão presas por pequenos furtos.

Contudo, embora estejamos em processo legislativo de Reforma dos Códigos de Processo Penal e Penal, muito pouco se discute sobre os princípios da Oportunidade  e da Obrigatoriedade da Ação Penal Pública.

A rigor, doutrina e a jurisprudência majoritárias no Brasil afirmam que prevalece o Princípio da “Obrigatoriedade da açãopenal”, e isto é reforçado nos concursos e escolas de Direito, sem muita reflexão. Não raro chegam a afirmar que o Código de Processo Penal define, categoricamente, que a ação penal é obrigatória, mas tecnicamente/ não existe uma norma brasileira assegurando expressamente a obrigatoriedade da ação penal no Brasil. Logo, a obrigatoriedade da ação penal seria um princípio ou um mito dogmático?

Os principais países do mundo iniciaram a reforma da sua legislaçãoprocessual penal na década de 80, enquanto o Brasil permaneceu com a sua norma do Estado Novo, ou seja, da década de 40, e apenas iniciou alguns remendos, mas não surtiram o efeito necessário. Então, partiram para um Novo Código de Processo Penal. No entanto, a discussão mais importante ainda não ocupou o espaço para debate que é o avanço do Princípio da Oportunidade da Ação Penal para delitos de menor potencial ofensivo. Ou então, a ampliação do rol de ações penais condicionadas à representação, em especial para delitos de furto de objetos de pequeno valor, bem como os caminhos para uma justiça criminal consensual e com maior participação da vítima.

O objetivo do legislador com a estatização do Direito Penal e da Acusação, como regra, foi evitar a vingança privada judicializada e oaumento dos processos penais, logo é preciso avaliar a obrigatoriedade da ação penal para delitos de pouca relevância e que nem mesmo a vítima tem interesse no mesmo, caso contrário a prática jurídica está contrária ao previsto inicialmente. Uma vez que está ocorrendo é odemandismo e não o contrário,ou seja, reservar o Direito Penal para as questões mais relevantes, logo precisa-se fazer também uma análise dotipo penal material e tipo penal formal.

Estes dois debates estão ocorrendo com muita frequência nos demais países e muitos já avançaram legislativamente. Logo, o projeto propõe pesquisar o funcionamento nestes países, suas diferenças, seus prós e contras, bem como mecanismos para evitar abusos omissivos, corrupção e limitar o poder punitivo do Estado, além de apontar as resistências.

No Brasil, temos ainda uma justiça criminal policialesca que não se amolda ao Estado Democrático de Direito, pois a maior parte das prisões é por flagrante e não por mandados de prisão, o que mostra oempoderamento dos policiais que escolhem onde e contra quem/o que atuarão, e nem se preocupam em cumprir os mandados judiciais, exceto quando aleatoriamente abordam em uma blitz, por exemplo.

Normalmente, a Polícia Militar tem estrutura apenas para tratar dos crimes de atavismo (crimes cometidos com menor inteligência) e isto leva ao círculo vicioso da cifra negra para delitos mais elaborados como estelionatos, corrupção e colarinho branco. Sendo que a maioria dos processos criminais iniciam com Boletins de Ocorrência lavrados pela PM e com precária e limitada investigação pela Polícia Civil, os quais vão sendo denunciados pelo Ministério Público conforme ordem cronológica, exceto diferenciando entre acusados presos (novamente oempoderamento do PM e do PC para os flagrantes) e soltos.

Neste trabalho, propõe-se verificar a mudança de postura doMinistério Público, o qual deixaria de ser apenas Promotor Criminal e passaria a ser “Promotor de Políticas Criminais”, inclusive agindo preventivamente para evitar o crime e não apenas focando no processo criminal, além de se discutir maior liberdade para fazer arquivamentos, ainda que provisórios, por falta de justa causa ou por falta de prioridade para a pauta, ou antecipar proposta de pena alternativa, sendo que os mecanismos de controle devem ser discutidos também neste caso. Tal mudança de posicionamento significaria uma aplicaçãodo sistema do contraditório e abandono de práticas inquisitivas, as quais resistem no inconsciente jurídico coletivo.

A pesquisa visa abordar a atuação do Ministério Público como filtro das ações penais para reduzir o poder punitivo do Estado, o que é inerente ao seu papel de controle externo da atividade policial, defensor do Estado Democrático de Direito e fiscal da lei, logo é mero despachante judicial da polícia ou apenas órgão de acusação. Contudo, no modelo atualmente predominante na prática basta a polícia decidir atender à ocorrência e definir a autoria e o Ministério Público é obrigado a processar, o que implica em processar apenas crime de “furto de varal” e outros de menor complexidade.

Geralmente, os doutrinadores mais tradicionais citam quatro artigos doCódigo de Processo Penal para fundamentar a ideologia da obrigatoriedade:

Art. 24. Nos crimes de ação pública, esta será promovida por denúncia do Ministério Público, mas dependerá, quando a lei oexigir, de requisição do Ministro da Justiça, ou de representaçãodo ofendido ou de quem tiver qualidade para representá-lo.

Art. 28. Se o órgão do Ministério Público, ao invés de apresentar a denúncia, requerer o arquivamento do inquérito policial ou de quaisquer peças de informação, o juiz, no caso de considerar improcedentes as razões invocadas, fará remessa do inquérito ou peças de informação ao procurador-geral, e este oferecerá a denúncia, designará outro órgão do Ministério Público para oferecê-la, ou insistirá no pedido de arquivamento, ao qual só então estará o juiz obrigado a atender.

Art. 42. O Ministério Público não poderá desistir da ação penal.

Art. 576. O Ministério Público não poderá desistir de recurso que haja interposto.

Oportuno destacar que os artigos transcritos datam de 1941 e nãoforam atualizados pelas legislações posteriores até a presente data. Ademais, naquela época a estrutura jurídica era outra e a carreira doMinistério Público sequer existia como tal.

Em geral, alegam que o art. 24 do CPP ao dizer:  “Nos crimes de açãopública, esta será promovida por denúncia do Ministério Público”,estabelece a obrigatoriedade.  Mas, esta leitura do artigo pode ser vista com viés totalmente ideológico, pois o objetivo do texto é afirmar que a denúncia, se for o caso, é atribuição do Ministério Público” e nãoquer dizer que o órgão é obrigado a denunciar.

Ainda com relação aos mencionados artigos, observe-se que nenhum deles diz claramente que a ação penal é obrigatória. Afinal, oMinistério Público (MP) não pode desistir do recurso que haja interposto, mas nada impede que o procurador em segunda instância se manifeste pela absolvição nem que o promotor, em primeira instância, deixe de recorrer. Logo, a questão é nebulosa.

Com o advento da Constituição Federal de 1988, reforçamos a passagem de um processo penal inquisitivo para um processo penal de partes, mas a lei e a cultura jurídica brasileira têm dificuldade em assimilar esta situação.

A obrigatoriedade da ação penal é expressa na Constituição italiana: “Art. 112 – O Ministério Público tem obrigação de exercitar a açãopenal”. Nada obstante, a legislação italiana criou meios de se mitigar tal obrigatoriedade, prevista desde 1947, como a ação penal pública condicionada para pequenos furtos (representação da vítima), o que significaria quase 40% dos inquéritos policiais no Brasil, e também a possibilidade de se realizar “negócios penais”, espécie de acordos entre promotoria e réus para evitar processos, audiências preliminares e de instrução.

Também na Espanha prevalece o Princípio da Obrigatoriedade da Ação Penal, todavia, às partes é permitida a realização de acordo para abreviar o rito processual e obter uma sentença mais rápida.

Em regra, atualmente na maioria dos países prevalece o Princípio da Oportunidade da Ação Penal Pública, o qual se contrapõe ao da Obrigatoriedade. Ou seja, cabe ao Ministério Público avaliar a oportunidade de se ajuizar a ação penal naquele momento, mesmo tendo provas e sendo o fato ilícito, devido à falta de pauta de audiências ou por se estar priorizando o combate ao homicídio. Esse “arquivamento provisório” é o que faz o Judiciário quando, em 2011, marca audiências para 2016, mas em uma ordem meramente cronológica, em clara violação à eficiência da segurança pública e ao valor aos bens jurídicos tutelados.

Na Alemanha, a disponibilidade prevalece apenas para delitos de bagatela, o que já seria um enorme avanço no Brasil. Isso, no entanto, é diferente de se permitir transação penal, pois, não raro, os processos têm que tramitar por falta de localização do autor ou por descumprimento, o que tumultua a pauta por delitos que tendem à prescrição.

Na França, o Ministério Público pode deixar de ajuizar a ação penal por questões de oportunidade, mas, se o fizer, não poderá desistir.

Em Portugal também se permite ao Ministério Público arquivar inquéritos relativos a delitos com penas inferiores a seis meses.

No Brasil, a previsão do interrogatório ao final da instrução acabou por ampliar a duração da audiência, fazendo cair pela metade a quantidade daquelas que se consegue realizar. A rigor, somos o único país no mundo que adota esta ordem de interrogatório para todos os crimes, com enorme aumento do número de prescrições.

Pela legislação brasileira, o rito processual para se apurar um furto de bicicleta e o furto de milhões de reais pela Internet é o mesmo, o que tende a aumentar as prescrições por falta de vagas para a realização de audiências em tempo hábil. Em razão disto, acaba-se condenando oladrão de bicicleta, por ser mais simples definir a autoria neste caso, enquanto no delito praticado pela Internet há várias dificuldades técnicas, como, por exemplo, para ouvir as vítimas em Estados diversos.

Embora o CPP vede expressamente ao Ministério Público desistir da ação penal, não o impede de pleitear a absolvição (art. 385), o que parece incoerente.

Há doutrina crescente no sentido do fortalecimento do sistema acusatório, inclusive entendendo que não poderia o juiz condenar em face de manifestação absolutória do órgão de acusação, pois violaria oprincípio do contraditório; afinal, o réu não teria como se defender dos fatos aduzidos.

De fato, vários dispositivos do CPP não foram recepcionados pela Constituição de 1988, por violarem o sistema acusatório, em especial a possibilidade de o juiz iniciar o processo penal por portaria. É claro que a mudança do processo inquisitivo para o acusatório sofre resistência, pois, como é algo que muda paradigmas, é visto com desconfiança e relutância por muitos. Induvidoso, porém, que a Carta Federal coloca o Ministério Público na condição de titular privativo da ação penal pública (art. 129, I).

Retornando aos arts. 24 e 28 do CPP acima transcritos, cabe ressaltar que a expressão “esta será promovida” não significa obrigatoriedade de processar, mas, sim, que a titularidade da ação penal pública é doMinistério Público. No tocante ao arquivamento, é de se salientar que as “razões invocadas” podem ser da ordem de prioridade ou de gravidade.

Na realidade, porém, o que se tem observado é que delitos de menor potencial ofensivo estão lotando a pauta; logo, não há espaço para tratar de homicídios, estupros e sequestros. Assim, caso se decida pela obediência à mera ordem cronológica de entrada de inquéritos policiais, isto acabará por induzir o soldado da PM a definir a política de segurança pública, ou seja, a “decidir” se faz blitz em bairros chiques ou da periferia, ou se aborda apenas motos ou carros de luxo, ou, então, o delegado a instaurar inquéritos policiais para tudo, uma vez que a prática é não fazê-lo nos casos em que não se têm indícios de autoria e outros argumentos.

Apesar de o Ministério Público ser colocado na posição de vilão “por processar pobre”, a verdade é que, em razão do mito da obrigatoriedade da ação penal, o Promotor Criminal corre o risco de se tornar mero despachante de inquéritos policiais, atuando de forma burocrática, inclusive em uma cultura que pouco mudou desde 1940, como se a Constituição Federal não estivesse acima do Código de Processo Penal. Logo, não teria na área criminal o que a estudiosa Maria Tereza Sadek define como “poder de agenda”, ou seja, de definir prioridades.

O Direito Penal também ainda vive de mitos, inclusive repetem-se chavões como “o direito penal é que restringe a liberdade”, porém, a grande maioria dos processos criminais comporta transação penal ou pena alternativa, e isto não envolve restrição à liberdade. Ademais, temos crimes com pena exclusiva de multa, o que nem pode ser convertido em prisão. Ou seja, modificaram-se os fatos, mas não os mitos.

Ademais, a Lei 11.719/08, dentre outras modificações, acrescentou oinciso III ao art. 395, do CPP, que também foi modificado pela citada lei. A redação ficou da seguinte forma: "Art. 395. A denúncia ou queixa será rejeitada quando: [omissis] III – faltar justa causapara o exercício da ação penal". Logo, o Ministério Público também pode invocar como “razões” para  não ajuizar a ação penal o fato de entender que falta justa causa para a persecução penal.

Curioso que apenas se entenda que exista “obrigatoriedade da açãopenal”, mas não se discute obrigatoriedade da persecução penal na fase policial, por exemplo, e nem mesmo na fase da execução penal. Dessa forma, o Ministério Público fica refém dos órgãos policiais que alegam ter discricionariedade, pois a PM faz blitz onde e quando quer, e também aborda quem quer!!  E a Polícia Civil não pode arquivar Inquéritos Policiais, mas nada veda que arquive os Boletins de Ocorrência Policial. Sendo praxe comum que muitas ocorrências policiais virem apenas “diligências preliminares” nas Delegacias, um situação indefinida juridicamente.

Lado outro, a Polícia acaba decidindo quais as suas prioridades para investigação ou para abordagem nas ruas. Logo, define o público alvo. Se o Executivo põe como prioridade a apreensão de armas de fogo, isto é que vai gerar a demanda no processo penal ?

Recentemente com a bem intencionada política de estatísticas as polícias querem fazer flagrantes de usuários como se fossem traficantes, e nem a polícia civil quer investigar, pois prefere fazer inquéritos simples para terminar a média mensal e remeter ao fórum para cumprir a meta quantitativamente, a qual nem exige a descoberta de autoria, nem indica quais os crimes. Portanto, preferem fazer relatórios de pequenos furtos do que investigar a fundo o tráfico, pois leva tempo e pode não ser possível cumprir a estatística.

O que se observa nos demais países da América Latina e da Europa é um aumento da oportunidade para o Ministério Público arquivar inquéritos policiais de menor gravidade, enquanto no Brasil não há discussão e apenas se repete o termo “obrigatoriedade da ação penal” sem reflexão alguma.

Para agravar a imaginação, pesquisa do IBGE apontou que mais de 50% das vítimas de crimes não comunicam o fato às autoridades, ou seja, o processo penal não reflete a realidade criminal no País. Por outro lado, embora existam mais de 1.600 delitos tipificados na legislação penal, apenas três respondem por 80% das prisões: furto, roubo e tráfico em pequenas quantidades. Será que os demais crimesnão acontecem? Ou estão perdidos na burocracia?  Como fica a questão da “cifra negra”, a qual consiste nos delitos não apurados ounão comunicados?

A rigor, apenas o furto responde por mais de 50% das prisões. A questão é que crimes de furto comum (exceto os cometidos pela Internet) são realizados por pessoas com pouco estudo, enquanto pessoas estudadas e voltadas para a criminalidade tendem a cometer delitos mais elaborados, os quais são difíceis de provar e, se provados, têm penas menores.

Veja-se que mesmo a legislação processual italiana passou por reformas. Segundo Eduardo Araújo da Silva:

A reforma processual penal operada na Itália (1989) obedeceu a política criminal de descriminalização, buscando a aceleraçãoprocedimental, notadamente para os casos de prisão em flagrante (Giudizio direttismo – arts. 409 a 452), reservando também espaços para a iniciativa discricionária do Ministério Público, por meio da introdução do consenso e do procedimento por decreto, que muito se assemelha ao procedimento alemão por ordem penal. Com essa reforma, observa Ennio Amodio que o sistema processual italia­no se encontra hoje numa fase de transiçãoprojetada para a redefinição da regra da obrigatoriedade, que é consagrada em termos constitucionais (art. 112). Na verdade, segundo o autor, vai-se difundindo na cultura jurídica italiana a ideia de que o princípio constitucional não exige a instauração de todas as notícias de delito, mas transparência e o controle jurisdicional dos critérios, com base nos quais o promotor de justiça faz a escolha entre o arquivamento e a formulação da acusação. Destarte, não adejam dúvidas de que o sistema processual penal italiano também se rendeu ao princípio da oportunidade.

A discussão sobre “obrigatoriedade” ou “oportunidade” da ação penal deveria estar no centro dos debates no Brasil, mas é tratada como uma “verdade imutável”, como se princípios não mudassem nunca. A sutil previsão legal da transação penal em 1995 reacendeu o debate, mas sempre focado na “obrigatoriedade”; alguns até entenderam como uma mitigação. Mas, na prática, criou-se outra “obrigatoriedade”, a da transação penal. E, para agravar, muitas vezes o processo simplificadodo Juizado Especial é remetido às Varas Criminais quando não se localiza o autor do fato para citar, aumentando o colapso nas varas comuns, já abarrotadas com os seus processos iniciais.

Nesse sentido, caminha-se no Brasil para um processo penal quase “esquizofrênico”, em que o Estado acusa e cria outra instituição estatal para fazer a defesa. Oportuno destacar que, nos últimos anos, a maciça política do Governo Federal para estatizar a assistência jurídica acarretou um aumento de 80% no número de presos, conforme dadosdo DEPEN (Departamento Penitenciário Nacional) entre 2002 e 2010. No entanto, tal fato precisa ser pesquisado com maior profundidade para se apurar suas causas, mas não há muito interesse em face doencantamento atual com a estatização e seu forte lobby sindical. E, ao final, a mesma instituição que defendeu a maioria dos presos quer mais verbas para atendê-los nos presídios, alegando ainda que o Estadoabusa na quantidade de presos. Ora, mas então por qual motivo prendeu e depois é o próprio Estado a “desdizer” o que ele próprio acusa? Embora o índice de condenação nas ações penais seja superior a 80%, excluindo-se as prescrições e suspensões do processo. É fato, contudo, que o “ritmo de metralhadora” de denúncias permite apenas condenações por delitos simples, como furto, roubo e tráfico de pequenas quantidades, pois não há como aprofundar as investigações em crimes mais elaborados.

Ora, mas por qual motivo o Estado é obrigado a processar alguém por delitos que não são prioridade? E também a oferecer defesa, se nem deveria ter iniciado a ação penal? Por qual motivo a lesão corporal leve é ação penal pública condicionada e o furto de bagatela não? Por qual motivo se alguém apanha pode retirar a “queixa” [representação], masnão a do furto do seu lápis? Por qual motivo um processo precisa chegar ao STF para se dizer que é insignificante? Parece-me que por meras resistências de se mudar paradigmas e, em alguns casos, por puro interesse de se manter o mercado jurídico aquecido.

O sistema atual de processo penal no Brasil promove a insegurança pública ao se estabelecer audiências judiciais burocráticas, ausência de possibilidade de se simplificar o procedimento para determinados casos, mas, principalmente, pelo mito da obrigatoriedade da açãopenal.

Paradoxal que órgãos públicos como o CADE, a RECEITA e o CVM possam arquivar casos de crimes socialmente graves, embora cometidos sem violência, mas não precisam nem comunicar ao MP e nem ao Judiciário, o que comprova a inexistência do mito da obrigatoriedade da ação penal. Ou seja, para se arquivar o caso dofurto de bala no Carrefour tem que passar pelo crivo do Judiciário e discutir tipicidade. Mas, se o Carrefour comete crime tributário ou contra a ordem econômica pode ser beneficiado com acordos extrajudiciais e nem se chega à esfera judicial. Logo, o problema de se ter mais pobres presos não é por falta de assistência jurídica, mas por causa de brechas legais.  Ou seja, para os ricos é o Princípio da Oportunidade, mas para os pobres é o  Princípio da Obrigatoriedade da Ação Penal.

  1)   DELIBERAÇà    O CVM Nº 457, DE 23 DE DEZEMBRO DE 2002.

A intimação deverá conter a advertência de que o acusado poderá propor a celebração de termo de compromisso, em conformidade com o disposto no art. 11, § 5º, da Lei nº 6.385, de 7 de dezembro de 1976, com a redação dada pela Lei nº 9.457, de 5 de maio de 1997, exceto quando da apuração de irregularidades relacionadas com a Lei nº 9.613, de 3 de março de 1998.

2)   Lei 12529-11 (LEI do CADE)

Art. 87.  Nos crimes contra a ordem econômica, tipificados na Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e nos demais crimes diretamente relacionados à prática de cartel, tais como os tipificados na Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, e os tipificados no art. 288 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940  - Código Penal, a celebração de acordo de leniência, nos termos desta Lei, determina a suspensão do curso do prazo prescricional e impede o oferecimento da denúncia com relaçãoao agente beneficiário da leniência. 

Parágrafo único.  Cumprido o acordo de leniência pelo agente, extingue-se automaticamente a punibilidade dos crimes a que se refere o caput deste artigo. 

3)   Crimes Tributários

A partir da promulgação da Lei n.º 10.684, de 30 de maio de 2003 a extinção da punibilidade nos crimes de sonegação fiscal e apropriação indébita previdenciária ganhou novo regramento. Odispositivo que trouxe a inovação foi o artigo 9º, in verbis:

“Art. 9º É suspensa a pretensão punitiva do Estado, referente aos crimes previstos nos arts. 1o e 2o da Lei no 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e nos arts. 168A e 337A do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, durante operíodo em que a pessoa jurídica relacionada com o agente dos aludidos crimes estiver incluída no regime de parcelamento.

§ 1o A prescrição criminal não corre durante o período de suspensão da pretensão punitiva.

 § 2o Extingue-se a punibilidade dos crimes referidos neste artigo quando a pessoa jurídica relacionada com o agente efetuar o pagamento integral dos débitos oriundos de tributos e contribuições sociais, inclusive acessórios.”

 Destaca-se que o dispositivo legal supracitado não fazia qualquer menção ao recebimento da denúncia, silenciando, outrossim, quanto ao momento processual em que o pagamento integral do débito pode ser feito, com a consequência extinção da punibilidade,  o que somente foi alterado com o advento da Lei 12.382/11, lei do salário mínimo, a qual estabeleceu no art.6º que o parcelamento ou pagamento tem que ser requerido antes do recebimento da denúncia (nova redação ao art. 83 da Lei 9430/96):

Art. 83.  A representação fiscal para fins penais relativa aos crimes contra a ordem tributária previstos nos arts. 1º e 2º da Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e aos crimes contra a Previdência Social, previstos nos arts. 168-A e 337-A do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), será encaminhada ao Ministério Público depois de proferida a decisãofinal, na esfera administrativa, sobre a exigência fiscal do crédito tributário

§ 1º  Na hipótese de concessão de parcelamento do crédito tributário, a representação fiscal para fins penais somente será encaminhada ao Ministério Público após a exclusão da pessoa física ou jurídica do parcelamento. (Incluído pela Lei nº 12.382, de 2011).

§ 2º  É suspensa a pretensão punitiva do Estado referente aos crimes previstos no caput, durante o período em que a pessoa física ou a pessoa jurídica relacionada com o agente dos aludidos crimes estiver incluída no parcelamento, desde que o pedido de parcelamento tenha sido formalizado antes do recebimento da denúncia criminal. (Incluído pela Lei nº 12.382, de 2011).

§ 3º  A prescrição criminal não corre durante o período de suspensão da pretensão punitiva.  (Incluído pela Lei nº 12.382, de 2011).

§ 4º  Extingue-se a punibilidade dos crimes referidos no caput quando a pessoa física ou a pessoa jurídica relacionada com o agente efetuar o pagamento integral dos débitos oriundos de tributos, inclusive acessórios, que tiverem sido objeto de concessão de parcelamento. (Incluído pela Lei nº 12.382, de 2011).

§ 5º  O disposto nos §§ 1º a 4º não se aplica nas hipóteses de vedação legal de parcelamento. (Incluído pela Lei nº 12.382, de 2011).

 § 6º  As disposições contidas no caput do art. 34 da Lei  nº9.249, de 26 de dezembro de 1995, aplicam-se aos processos administrativos e aos inquéritos e processos em curso, desde quenão recebida a denúncia pelo juiz. (Incluído pela Lei nº 12.382, de 2011).

Art. 7º  Esta Lei entra em vigor no primeiro dia do mês subsequente à data de sua publicação. 

Art. 8º  Fica revogada a Lei nº 12.255, de 15 de junho de 2010. 

Brasília,  25  de  fevereiro  de 2011; 190º da Independência e 123ºda República

A questão é que a legislação brasileira não estabelece expressamente a obrigatoriedade da ação penal. Mas, como na década de 40 a doutrina e legislação italiana adotavam este princípio (hoje bem mitigado naquele país), copiam-se textos ideológicos em “Manuais de Processo Penal”. Também não pode alegar que decorre do princípio da legalidade, pois, se não existe lei obrigando expressamente, não há ilegalidade alguma. Mesmo nos países que a prevêem de modo expresso, como na Itália, a necessidade de se implantar a oportunidade vem aumentando imensamente. Ou seja, no Brasil, o problema não é oRito, mas o Mito.

Outros alegam que a obrigatoriedade está prevista em princípios, que são tratados como “normas divinas” e, portanto, imutáveis. Isto, porém, acaba engessando o debate. 

A solução seria, para pequenos furtos, permitir à vítima manter, ounão, a representação. E ainda,  os réus que desejassem confessar odelito pudessem pedir audiência preliminar, estes seriam beneficiados com redução da pena de um terço à metade, além de se conferir aoMinistério Público a possibilidade de arquivamento provisório de inquéritos policiais para delitos com pena mínima abstrata de até um ano e cometidos sem violência, por razões de oportunidade. Caso contrário, continuaremos a ter milhões de ações penais, mas com poucos resultados efetivos na segurança, ou seja, com o “guarda da blitz”, a priori, determinando os fatos que serão julgados em juízo, pois acaba por fazer triagem nas abordagens. 

Atualmente, a questão penal vive sob o paradoxo de leis que afrouxam a punibilidade e outras que endurecem o combate. Em suma, vivemos sob o embate do “prende e solta”, cujo objetivo é permitir que governadores apareçam na mídia com viaturas e batidas policiais e alguns setores da defesa criminal possam ter assegurado o mercado de trabalho. Isto fica nítido na política do Conselho Nacional de Justiça ao realizar mutirão carcerário para soltar preso. Ora, se é para soltar, entãopor qual motivo prender? Ademais, não há controle algum sobre as prioridades de combate ao crime, eleitas pelas Polícias, nem mesmo transparência nos dados sobre o destino das ocorrências policiais.

Nesse sentido, cita-se trecho da obra do Procurador da República Luis Wanderley Gazoto, in Princípio da Não Obrigatoriedade da AçãoPenal Pública, editora Manole, 2003, in pág. 118:

“De nada adianta à sociedade o Ministério Público oferecer denúncias e mais denúncias e não conseguir obter a resposta doaparelho judicial às suas ações penais, vendo as ações terminadas em reconhecimento de prescrição.”

O Direito Penal ainda vive de mitos, inclusive repetem-se chavões como: “é o direito penal que restringe a liberdade”, mas a grande maioria dos processos criminais hoje comporta transações penais ou penas alternativas que não restringem a liberdade. Além disso, temos crimes com pena exclusiva de multa, a qual não pode ser convertida em prisão. Ou seja, mudaram-se os fatos, mas não os mitos.

Para agravar a imaginação no meio criminal, pesquisa do IBGE em 2010 destacou que mais de 50% (cinquenta por cento) das vítimas de crimes não comunicam o fato às autoridades, ou seja, o processo penalnão reflete a realidade das ocorrências criminais.

Por outro lado, embora existam mais de 1,6 mil crimes tipificados nas normas penais brasileiras, apenas três desses delitos respondem por 80% (oitenta por cento) das prisões: furto, roubo e tráfico em pequenas quantidades. Será que os demais crimes não acontecem? Ou estão perdidos na burocracia? A rigor, apenas o furto responde por mais de 50% (cinqüenta por cento) das prisões. A questão é que crimes de furto comum (exceto os cometidos pela internet) sãorealizados por pessoas com pouco estudo, enquanto pessoas estudadas e voltadas para crime tendem a cometer crimes mais elaborados, os quais são difíceis de provar e se provados têm penas menores.

Mesmo a legislação processual italiana, segundo Eduardo Araujo da Silva, também passou por algumas reformas:

“A recente reforma processual penal operada na Itália (1989) obedeceu a política criminal de descriminalização, buscando a aceleração procedimental, nota­damente para os casos de prisãoem flagrante (Giudizio direttismo – arts. 409 a 452), reservando também espaços para a iniciativa discricionária do MinistérioPúblico, por meio da introdução do consenso e do procedimentopor decreto, que muito se assemelha ao procedimento alemão por ordem penal.

Com essa reforma, observa Ennio Amodio que o sistema processual italia­no se encontra hoje numa fase de transiçãoprojetada para a redefinição da regra da obrigatoriedade, que é consagrada em termos constitucionais (art.112). Na verdade, segundo o autor, vai-se difundindo na cultura jurídica italiana a ideia de que o princípio constitucional não exige a instauração de todas as notícias de delito, mas transparência e o controle jurisdicional dos critérios, com base nos quais o promotor de Justiça faz a escolha entre o arquivamento e a formulação da acusação.

Destarte, não adejam dúvidas de que o sistema processual penal italiano também se rendeu ao princípio da oportunidade.”

Os dados do DEPEN (Departamento Penitenciário Nacional) mostram que entre 2000 e 2010 a quantidade de presos saltou de 300 mil para 500 mil no Governo do PT, o que representa um aumento de quase 80%, embora os gastos com Defensoria e assistência jurídica tenham aumentado em mais de dez vezes em alguns Estados, isto não reduziu, mas sim acelerou os andamentos dos processos e as condenações por crimes de atavismo. Logo, a proposta é em vez de atender apenas à ampla defesa, buscar também permitir ao  o Ministério Público e até a vítima para que alguns delitos menos graves não gerem processos.  A estatização da defesa trouxe os efeitos contrários, embora o lobby tente mostrar o contrário

Diante disso, o objetivo do estudo discutir profundamente como funciona os Princípios da Obrigatoriedade e o da Oportunidade da Ação Penal em outros países, bem como no Brasil e buscar uma visão que avalie os limites e os resultados para um melhor planejamento estratégico na área criminal, bem como os mecanismos de controle, analisando-se também se há necessidade de uma nova legislação ou basta uma releitura dos artigos 24 e 28 do CPP, ou seja, se  o Promotor pode  arquivar o caso por não vislumbrar justa causa para a ação penal em razão da pequena ofensividade  da conduta, ou até mesmo permitir à vítima manifestar  pelo não ajuizamento em delitos como o de furto de objetos de pequeno valor. Afinal, é preciso ressaltar que o CNJ constatou que o custo agregado de um processo judicial para o Estado é de quase R$ 4.000,00, logo a “indisponibilidade da açãopenal pública” com base em um interesse público abstrato precisa ser repensando.

Por ora, nada impede que o Ministério Público promova o arquivamento PROVISÒRIO de ações penais públicas por razões de política criminal, com base no art. 28 do CPP, para que possa priorizar os crimes mais graves, mas que estão prescrevendo ou ficando impunes por outros motivos. Muitos acham esta proposta de arquivamento um absurdo, mas aceitam pacificamente as prescrições, os milhares de processos suspensos pelo art. 366 do CPP, e também o fato de réus condenados no regime aberto ficam no domiciliar sem fiscalização.  Há um fetiche quase que divino em relaçãoà obrigatoriedade da ação penal, mas poucos se preocupam com real ocumprimento da pena. Este mito atende ao interesse da defesa por mercado de trabalho, ou seja, cria-se uma demanda de processo, gera pagamentos, mas se o cliente for condenado, terá uma execução penal bem flexível em que a pena de seis anos acabará se tornando apenas seis meses com saídas temporárias de 35 dias ao ano, remições de um dia para três de trabalho e ainda de mais três dias para cada três (12 horas) de estudo.  Além do fato de que pena de prisão no regime aberto no Brasil é cumprida em casa e sem fiscalização alguma, mas isto é visto com naturalidade.

Ao fim, o que se propõe é que mesmo no caso de o ato criminoso ser típico, antijurídico e culpável, o Promotor poderá arquivar provisoriamente de forma fundamentada, por razões de política criminal para criminalidade leve e média, e se o Juiz discordar aplica o art. 28 do CPP e o Procurador Geral de Justiça decide.  Inclusive, poderia o Procurador Geral baixar ato orientando quais atos poderiam ser considerados como prioridade como política criminal, o que não obriga o Promotor por independência funcional, mas já fica orientado antecipadamente que terá o seu arquivamento confirmado ou rejeitado.   E assim, agiria no controle da política pública de segurança pública com efetividade e deixando de ser instrumento de mera passagem para se tornar meio de triagem.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ABADE, Denise Neves. Garantias do Processo Penal Acusatório. São Paulo: Renovar, 2005.

ALBRECHT, Peter-Alexis. Criminologia, Uma Fundamentação parao Direito Penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.

AMBOS, Kai. Processo Penal Europeu. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.

__ __. A Reforma do Processo Penal no Brasil e na América Latina. Rio de Janeiro: Lumen Juris,  2001.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MELO, André Luís Alves de. O Ministério Público e o poder não punitivo do Estado. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3261, 5 jun. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21935. Acesso em: 28 mar. 2024.