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Prescrição retroativa antecipada.

Análise entre o pragmatismo e a ausência de fundamento científico-jurídico

Prescrição retroativa antecipada. Análise entre o pragmatismo e a ausência de fundamento científico-jurídico

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Nosso legislador deveria extinguir a prescrição retroativa projetada ou em perspectiva, que é uma ferramenta em favor da impunidade, e com isso vedar este perigoso exercício de futurologia.

Resumo: No presente artigo serão apresentados os argumentos favoráveis e contrários à aplicação da prescrição retroativa antecipada, bem como a análise do instituto frente aos princípios constitucionais da individualização da pena, da legalidade, da presunção de inocência e do devido processo penal.

Sumário: Introdução. 1. Conceito de Prescrição. 2. Argumentos favoráveis. 3. Argumentos desfavoráveis. Conclusão.


INTRODUÇÃO

  É bastante controvertida a possibilidade do reconhecimento da prescrição virtual também denominada de prescrição por antecipação, projetada ou em perspectiva, pela qual se declara antecipadamente a prescrição retroativa, com base na pena a ser virtualmente aplicada ao réu, ou seja, a sanção que seria, em tese, imposta ao agente por ocasião da futura sentença penal condenatória.

 Com o advento da Lei 12.234/2010, a prescrição retroativa foi extinta parcialmente de nosso ordenamento jurídico, pois a contagem retroativa, na forma da nova redação do artigo 110, § 1.º do Código Penal, não pode mais ser realizada entre a data do fato e o recebimento da denúncia ou queixa. Todavia, para efeitos de prescrição retroativa, deverá ser considerado o prazo entre o recebimento da denúncia ou queixa e a publicação da sentença penal condenatória recorrível. Além disso, haverá possibilidade de seu reconhecimento, para os fatos que ocorreram antes da edição da lei, o que deixa em aberto a discussão acerca da possibilidade do reconhecimento da prescrição por antecipação.

 No presente artigo serão apresentados os argumentos favoráveis e contrários à aplicação da prescrição retroativa antecipada, bem como a análise do instituto frente aos princípios constitucionais da individualização da pena, da legalidade, da presunção de inocência e do devido processo penal.


1. CONCEITO DE PRESCRIÇÃO

 Violado o preceito, conforme enfatiza Hermínio Alberto Marques Porto “passa a ter o Estado, em relação ao autor do fato violador, o direito de punir (jus puniendi), direito subjetivo e público e de exercício autolimitado pelo próprio Estado”[1].

 A prescrição é a perda do jus puniendi do Estado ou do direito de executar a sanção imposta em virtude do decurso de um determinado lapso temporal. A prescrição é matéria de ordem pública, assim, pode ser conhecida de ofício pelo juiz, conforme dispõe o artigo 61 do Código de Processo Penal.

  Segundo Basileu Garcia, “a prescrição é a renúncia do Estado a punir a infração, em face do decurso do tempo” [2].

 Damásio Evangelista de Jesus ensina que “prescrição penal é a perda do poder-dever de punir do Estado pelo não-exercício da pretensão punitiva ou da pretensão executória durante certo tempo” [3].

  E. Magalhães Noronha pondera que prescrição “é a perda do direito de punir, pelo decurso do tempo; ou, noutras palavras, o Estado, por sua inércia ou inatividade, perde o direito de punir” [4].


2. ARGUMENTOS FAVORÁVEIS

 O fundamento para seu acolhimento, segundo apregoam seus defensores[5], está no reconhecimento antecipado da prescrição retroativa, com o fito de evitar um provimento jurisdicional inútil, quando o julgador possa avaliar que todas as circunstâncias judiciais e legais são favoráveis ao réu. Sustenta-se que sua aplicação decorre, portanto, de uma questão de economia processual, pois não há sentido movimentar a máquina Estatal desnecessariamente, ou seja, defende-se a ocorrência de uma carência superveniente da ação em razão da ausência de interesse de agir.

 Em linhas gerais, de acordo com Júlio Cezar Lemos Travessa,

o fundamento dogmático dessa tese está na segunda figura do inciso III, do artigo 43 do Código de Processo Penal, que prevê a falta de interesse de agir, baseada no binômio inadequação e inutilidade, que torna o autor da ação penal carecedor de ação, toda vez que propuser ou mantiver uma demanda penal, sabendo de antemão que, em razão das condições pessoais e legais do suposto agente (...), a pena definitiva será fixada no mínimo previsto em lei, o que levaria à ocorrência da prescrição penal retroativa[6].

Segundo Ricardo Teixeira Lemos, “sintetiza-se o reconhecimento e declaração da extinção da punibilidade pela prescrição retroativa antecipada, exatamente por faltar justa causa” [7].

 Alguns arestos reconhecem a possibilidade do reconhecimento da prescrição retroativa antecipada[8].

 O Fórum Nacional dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do Brasil (FONAJE) já se posicionou no sentido da admissibilidade do reconhecimento da prescrição retroativa antecipada, editando o Enunciado n.º 75, que expressamente prevê: "É possível o reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva do Estado pela projeção da pena a ser aplicada ao caso concreto".


3. ARGUMENTOS DESFAVORÁVEIS

No entanto, a prescrição retroativa antecipada tem sido rechaçada pelo Supremo Tribunal Federal[9], Superior Tribunal de Justiça[10], Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso[11], Tribunal de Justiça de São Paulo[12] e Ministério Público do Estado de Mato Grosso[13], os quais sustentam que o reconhecimento antecipado da prescrição da pretensão punitiva contraria a lei, tendo em vista que o requisito básico para a incidência da prescrição penal retroativa é a existência de sentença penal condenatória transitada em julgado para a acusação, consoante o disposto no artigo 110, § 1.º, do Código Penal e não a de uma possível condenação a uma pena em patamar hipotético.

 O reconhecimento antecipado da prescrição retroativa viola frontalmente os princípios da individualização da pena, da legalidade, da presunção de inocência e do devido processo penal, pois o acusado tem o direito a uma decisão de mérito.

A prescrição retroativa antecipada é uma construção jurisprudencial que admite a aplicação da prescrição retroativa com base na pena que provavelmente será imposta ao réu no caso de virtual condenação. Diante da imprecisão que representa, visto que se baseia em uma fictícia celeridade e em economia processual, como pontifica Luiz Regis Prado, “sua eventual aplicação importa em indisfarçável atentado aos princípios e garantias fundamentais”[14].

 Não se pode aceitar esta criação da jurisprudência, pois não há amparo na lei para sua aplicação. Alberto Silva Franco, entretanto, evidencia que seria interessante “que a lei deixasse uma certa margem de discricionariedade ao juiz e ao promotor, com vistas ao princípio da economia processual. Mas, perante a legislação atual, isso não é possível”[15]. Alguns autores, porém, de forma enfática e com contundência criticam até mesmo a prescrição retroativa já consagrada em nosso ordenamento jurídico, a intitulando como uma armadilha plantada na lei em detrimento dos interesses da sociedade e da persecução penal[16].

Sua aplicação traz malefícios para a vítima, pois a prática do delito além de violar um bem juridicamente tutelado, gera em algumas situações a obrigação de reparar o dano provocado ao ofendido.

 Nos casos em que se decreta a extinção da punibilidade, sob o argumento de que a pena ficará no mínimo legal, se retira da vítima a possibilidade de ter constituído em seu favor um título executivo judicial. Neste caso a vítima terá que discutir na esfera cível a responsabilidade do acusado, cabendo-lhe o ônus de fazer prova que o réu é o autor do dano.

 Pondere-se ainda, que, com a mudança do artigo 387, IV do Código de Processo Penal[17] esta situação se agrava, pois o juiz não deverá somente estabelecer o an debeatur, mas também o quantum deabeatur mínimo para a reparação de danos suportados pela vítima.

A adoção da prescrição retroativa antecipada dificulta a agilidade, a qual pretendeu trazer a reforma do dispositivo acima citado.

 Observa Andrey Borges de Mendonça que “a intenção explícita do legislador reformador foi agilizar a indenização do dano causado, ao menos parcialmente”[18].

 Com relação ao acusado, permanecerá a dúvida quanto sua conduta, ou seja, se o agente tem, ou não, responsabilidade criminal sobre o fato pelo qual foi denunciado, o que fere o princípio da presunção de inocência.

 Não há lastro jurídico para o reconhecimento antecipado da prescrição retroativa, com base numa pena hipotética. Ademais, conforme preleciona Cezar Roberto Bitencourt,

o réu tem direito a receber uma decisão de mérito, onde espera ver reconhecida a sua inocência. Decretar a prescrição retroativa, com base em hipotética pena concretizada, encerra uma presunção de condenação, consequentemente de culpa, violando os princípios constitucionais da presunção de inocência e do devido processo legal (art. 5.º, LVII, da CF)[19].

A prescrição retroativa antecipada se baseia em uma provável condenação, violando além do princípio da presunção de inocência o princípio da individualização da pena, segundo decisão do Superior Tribunal de Justiça da lavra da Ministra Maria Thereza de Assis Moura,

(...) já que o mero fato de o recorrente afirmar que as circunstâncias judiciais do agravante são favoráveis não lhe garante a pena mínima, cabendo apenas ao juiz competente, que é o juiz de primeiro grau, verificar, em caso de eventual condenação, qual deverá ser a pena aplicada, de acordo com a valoração de cada uma das circunstâncias do artigo 59 do Código Penal[20].

 Durante o recebimento da denúncia ou no curso da instrução criminal não é momento para análise da pena. A ocasião apropriada para se discutir qual será a reprimenda aplicada é a da prolação da sentença, quando o julgador deverá fazer uma análise minudente das circunstâncias judiciais do artigo 59 do Código Penal, com base nos elementos de convencimento colhidos durante toda a persecução penal.

 Dificilmente o juiz terá elementos consistentes para formar sua convicção, no tocante à culpabilidade, a conduta social, a personalidade do agente, os motivos, as circunstâncias, as conseqüências do crime e o comportamento da vítima, pois em matéria de sanção penal não há espaço para cognição sumária ou superficial, que se contenta com um juízo de probabilidade e de aparência. Nesta seara deve a cognição ser plena e exauriente, tendente a se aproximar ao máximo da certeza do direito (verdade real). Pensar o contrário é privilegiar a insegurança jurídica e afrontar os princípios do devido processo legal e da individualização da pena.

 A partir do momento em que se adota esta nova modalidade de prescrição o julgador se limita a analisar o trabalho realizado na fase inquisitiva e a capitulação apresentada na denúncia ou queixa-crime. Todavia, após a instrução processual, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, poderá o juiz, com base no princípio da correlação, dar nova definição jurídica ao fato (emendatio libelli), podendo aplicar pena mais grave (artigo 383 do Código de Processo Penal). Considere-se ainda a possibilidade de ficar comprovado fato diverso daquele narrado na imputação, dando ensejo, a mutatio libelli (artigo 384 do Código de Processo Penal), instituto que poderá ter como conseqüência uma classificação mais gravosa na sentença condenatória, o que terá reflexos na prescrição.

Outro aspecto importante trazido por Pedro Henrique Demercian e Jorge Assaf Maluly, a demonstrar a ausência de fundamento técnico para a aplicação da prescrição retroativa antecipada, é que o Código de Trânsito Brasileiro deu importância especial à sentença penal condenatória, conforme dispõe seu artigo 160, ao impor ao condenado a submissão a novos exames de habilitação, para que possa voltar a dirigir, nos seguintes termos: “O condutor condenado por delito de trânsito deverá ser submetido a novos exames para que possa voltar a dirigir, de acordo com as normas estabelecidas pelo CONTRAN, independentemente do reconhecimento da prescrição, em face da pena concretizada na sentença”. Nesta situação o Ministério Público deverá buscar uma sentença penal, “mesmo com o prognóstico de uma virtual prescrição retroativa”[21].

 Carlos Frederico Coelho Nogueira realiza síntese oportuna sobre o tema, explicitando que:

Nesses casos ainda não ocorreu a prescrição, mas um prognóstico consistente em mero exercício de futurologia faz com que o inquérito policial tenha o destino do arquivo, ou que a inicial seja liminarmente rejeitada pelo juiz (...) Além de constituir procedimento ilegal, o reconhecimento antecipado da prescrição traduz conduta temerária por parte dos que a adotam. Como adivinhar, com total segurança, qual a pena a ser fixada em futura sentença condenatória? Como garantir seja ela a mínima legal, ou mesmo próxima a ela? Como garantir seja o réu condenado no final do processo? O réu que hoje se apresenta aparentemente primário pode ser considerado reincidente no curso do processo judicial, o que poderá impedir a fixação da pena mínima em caso de condenação. O crime narrado e capitulado na inicial pode transmudar-se em infração mais grave no curso do processo, surgindo a prova de fato novo que possa levar a uma classificação mais gravosa na sentença condenatória, com aditamento espontâneo ou provocado da inicial (art. 569 e parágrafo único do art. 384 do CPP, respectivamente). O que hoje parece ser um furto simples pode vir a ser enquadrado como furto qualificado se, no curso do processo, surgir prova, por exemplo, de rompimento de obstáculo à subtração da coisa. A lesão corporal grave que por ora tem aparência de leve pode tornar-se grave, ou até mesmo gravíssima, no transcorrer do processo judicial, ou através de prova que revele sua verdadeira proporção ou por meio do agravamento da lesão original. Aquilo que, no pórtico da ação penal, se considera ser contravenção, pode vir a ser considerado crime em meio à demanda judicial. Tudo isso, sem contar o próprio surrealismo de uma projeção para o futuro de algo que poderá, se ocorrer, alcançar o passado[22].

 Nosso legislador deveria, portanto, inumar definitivamente a prescrição retroativa, que é uma ferramenta plantada na lei em favor da impunidade, e com isso vedar, por via de consequência, este perigoso exercício de futurologia denominado prescrição retroativa projetada ou em perspectiva.


CONCLUSÃO

 A prescrição retroativa antecipada, como visto, pode ser dotada de grande pragmatismo, mas não encontra amparo científico-jurídico para sua fundamentação, dada a sua ilegalidade e descompasso com os princípios da individualização da pena, da legalidade, da presunção de inocência e do devido processo penal delineados na Constituição Federal de 1988.


REFERÊNCIAS:

BRANDÃO, Edison Aparecido. Prescrição em perspectiva. Revista dos Tribunais, São Paulo, n. 710, p. 391-392, dezembro de 1994.

DEMERCIAN, Pedro Henrique; MALULY, Jorge Assaf. Curso de Processo Penal. 4. ed. rev. amp. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2009.

FERNANDES DE SOUZA, Luiz Sérgio. A prescrição retroativa e a inutilidade do provimento jurisdicional. Revista dos Tribunais, São Paulo, n. 680, p. 435-438, junho de 1992.

JESUS, Damásio E. de. Prescrição penal. 8. ed. rev. e ampl. São Paulo: Saraiva, 1994.

LEMOS TRAVESSA, Julio Cezar. O reconhecimento antecipado da prescrição penal retroativa, Salvador: Editora Jus Podivm, 2008.

LEMOS, Ricardo Teixeira. Prescrição Penal: Retroativa e antecipada em face da competência. Rio de Janeiro: Lumen Júris Editora, 2007.

MENDONÇA, Andrey Borges de. Nova reforma do Código de Processo Penal: comentada artigo por artigo. São Paulo: Método, 2008.

NOGUEIRA, Carlos Frederico Coelho. Comentários ao Código de Processo Penal, vol. 1. Bauru, SP: Edipro, 2002.

PORTO, Hermínio Alberto Marques. Júri: procedimentos e aspectos do julgamento. 11. ed. ampl. e atual. São Paulo: Saraiva, 2005.


Notas

[1] PORTO, Hermínio Alberto Marques. Júri: procedimentos e aspectos do julgamento. 11. ed. ampl. e atual. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 1.

[2] Idem. Instituições de Direito Penal, vol. I, Tomo II, p. 699.

[3] JESUS, Damásio E. de. Prescrição penal. 8. ed. rev. e ampl. São Paulo: Saraiva, 1994, p. 20.

[4] Op. cit. p. 342.

[5] A esse respeito consultar as seguintes referências: FERNANDES DE SOUZA, Luiz Sérgio. A prescrição retroativa e a inutilidade do provimento jurisdicional. Revista dos Tribunais, São Paulo, n. 680, p. 435-438, junho de 1992; BRANDÃO, Edison Aparecido. Prescrição em perspectiva. Revista dos Tribunais, São Paulo, n. 710, p. 391-392, dezembro de 1994.

[6] LEMOS, Ricardo Teixeira. Prescrição Penal: Retroativa e antecipada em face da competência. Rio de Janeiro: Lumen Júris Editora, 2007, 214.

[7] LEMOS TRAVESSA, Julio Cezar. O reconhecimento antecipado da prescrição penal retroativa Salvador: Editora Jus Podivm, 2008, p. 79.

[8] "De nenhum efeito a persecução penal, com dispêndio de tempo e desgaste do prestígio da Justiça Pública, se, considerando-se a pena em perspectiva, diante das circunstâncias do caso concreto, se antevê o reconhecimento da prescrição retroativa na eventualidade de futura condenação. Falta, na hipótese, o interesse teleológico de agir, a justificar a concessão ex qfficio de habeas corpus para trancar a ação penal" (TACrimSP, RT 669/314).

"O processo, como instrumento, não tem razão de ser quando o único resultado previsível levará, inevitavelmente, ao reconhecimento da ausência de pretensão punitiva. O interesse de agir exige da ação penal um resultado útil. Se não houver aplicação possível de sanção, inexistirá justa causa para a ação penal. Assim, só uma concepção teratológica do processo, concebido como autônomo, auto-suficiente e substancial, pode sustentar a indispensabilidade da ação penal, mesmo sabendo-se que levará ao nada jurídico, ao zero social. E a custas de desperdício de tempo e recursos materiais do Estado. Desta forma, demonstrado que a pena projetada, na hipótese de uma condenação, estará prescrita, deve-se declarar a prescrição, pois a submissão do acusado ao processo decorre do interesse estatal em proteger o inocente e não intimidá-lo, numa forma de adiantamento de pena." (TJRS - RSE n.° 70.003.477.395 - 6." Câm. Criminal, rel. Des. Sylvio Baptista, j . 20/12/2001, RJTJRS n.° 214).

[9] “Recurso Ordinário em Habeas Corpus. Prescrição pela pena em perspectiva. Tese contrária à jurisprudência pacificada neste Supremo Tribunal. Alegação de inviabilidade do indiciamento formal: desnecessidade de enfrentamento da tese, que parte de premissa equivocada, qual seja, de que o fato investigado seria crime de menor potencial ofensivo. Recurso Ordinário ao qual se nega provimento. 1. A "jurisprudência do Tribunal (...) tem repelido sistematicamente a denominada prescrição antecipada pela pena em perspectiva" (v.g., Habeas Corpus ns. 88.818, Rel. Ministro Sepúlveda Pertence, decisão monocrática, DJ 1º.8.2006; 82.155, Rel. Ministra Ellen Gracie, DJ 7.3.2003; 83.458, Rel. Ministro Joaquim Barbosa, DJ 6.2.2004; RHC 66.913, Rel. Ministro Sydney Sanches, DJ 18.11.88; e Inquérito n. 1.070, Rel. Ministro Sepúlveda Pertence, DJ 1º.7.2005). 2. Consideram-se infrações penais de menor potencial ofensivo as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a dois anos, cumulada ou não com multa (Lei n. 9.099/95, art. 61, com as alterações da Lei n. 11.313/06). 3. Desnecessidade, portanto, de se enfrentar a questão quanto à possibilidade, ou não, de indiciamento formal quanto às infrações de menor potencial ofensivo, pois, na espécie vertente, investiga-se crime de apropriação indébita, cuja pena máxima cominada é de quatro anos de reclusão. 4. Recurso Ordinário ao qual se nega provimento”. (RHC 94757 / SP, 1.ª Turma, Rel. Min. Cármen Lúcia, J. em 23/09/2008).

“Direito Processual Penal e Penal. Habeas Corpus. Prescrição por antecipação ou pela pena em perspectiva. Inexistência do direito brasileiro. Denegação. 1. A questão de direito argüida neste habeas corpus corresponde à possível extinção da punibilidade do paciente em razão da prescrição "antecipada" (ou em perspectiva) sob o argumento de que a pena possível seria a pena mínima. 2. No julgamento do HC nº 82.155/SP, de minha relatoria, essa Corte já assentou que "o Supremo Tribunal Federal tem repelido o instituto da prescrição antecipada" (DJ 07.03.2003). A prescrição antecipada da pena em perspectiva se revela instituto não amparado no ordenamento jurídico brasileiro. 3. Habeas corpus denegado”. (HC 94729 / SP, 2.ª Turma, Rel. Min. Ellen Gracie, J. em 02/09/2008).

[10] O STJ aprovou a Súmula n. 438, que reconhece ser inadmissível a extinção da punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva com fundamento em pena hipotética.

[11] “Ação Penal Pública Originária - Denúncia contra prefeito municipal - Crime de responsabilidade - Art. 1º, VIII, do Decreto-Lei nº 201/67 - Alegação de prescrição antecipada da pretensão punitiva - Impossibilidade - Falta de previsão legal - Precedentes - Preliminar rejeitada – Contrair empréstimos de fundo previdenciário - Conduta típica praticada pelo denunciado - Requisitos do artigo 41 do CPP - Indícios de autoria e materialidade - Recebimento da denúncia. A prescrição antecipada da pena contraria o sistema legal vigente, pois tem como referência uma condenação hipotética que revela o prejulgamento da causa, em flagrante desrespeito às garantias constitucionais da presunção da inocência, do devido processo legal e da ampla defesa. Precedentes. Presentes os requisitos do artigo 41 do Código de Processo Penal, evidenciando a materialidade e autoria do delito, e não constatada nenhuma causa de rejeição ou improcedência da acusação, recebe-se a denúncia em todos os seus termos para o regular desenvolvimento da pretensão acusatória cognitiva”. (Ação Penal Pública Orginária n.º 93097/2007- Classe I- 2- Comarca Capital, Turma de Câmaras Criminais Reunidas, Rel. Des. Paulo da Cunha, j. 02/10/2008.

[12] RSE n.º 130.604-3, Rel. Des. Dirceu de Mello e RSE n° 993.07.028182-0, Rel. França Carvalho.

[13] O Procurador-Geral de Justiça do Estado de Mato Grosso, Paulo Roberto Jorge do Prado, nos termos do artigo 28 do Código de Processo Penal, nos autos do Inquérito Policial n.º 212/2006 (capital), entendeu ser inaplicável a tese da prescrição retroativa, “por incompatibilidade formal e material com o Texto Político de 1988”. Sustentou a não aplicação da prescrição virtual, alegando, dentre outros argumentos, que o princípio da eficiência não fundamenta a incidência do instituto, pois: “Referido princípio - eficiência ­- deve sim ser observado em todas as esferas de atuação das funções estatais, e no presente caso, principalmente na rápida apuração das condutas tidas como delituosas e efetividade das investigações e punições, se processo penal houver”.

[14] Op. cit. p. 738. Curso de Direito Penal Brasileiro, volume 1: parte geral, arts. 1. a 120. 6. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.

[15] Op. cit. p. 572.

[16] “A prescrição da pretensão punitiva do Estado pode retroagir a data anterior ao recebimento da denúncia ou da queixa, nos termos do § 2. do art. 110 do Código Penal, que institucionalizou legalmente a esdrúxula figura da prescrição retroativa, nefasta originalidade do direito penal brasileiro. Assim sendo, pode acontecer de um processo criminal correr normalmente sem o advento, em seu curso até a sentença, da prescrição em abstrato (baseada na pena máxima cominada à infração), mas acaba ocorrendo a prescrição retroativa, com lastro na pena fixada na sentença condenatória (quase sempre inferior à máxima prevista para o delito, muitas vezes correspondente ao mínimo legal ou próximo dele). Trata-se de verdadeira armadilha plantada na lei em detrimento dos interesse da sociedade e da persecução penal, pois o Estado deve balizar-se, tanto na fase investigatória quanto no processo judicial pelos prazos da prescrição em abstrato e não por uma possível ou provável prescrição retroativa que possa vir a se dar com base na pena concretizada em eventual sentença condenatória”. (NOGUEIRA, Carlos Frederico Coelho. Comentários ao Código de Processo Penal, vol. 1. Bauru, SP: Edipro, 2002, p. 666).

[17] “Art. 387. O juiz, ao proferir sentença condenatória: IV- fixará valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido”.

[18] MENDONÇA, Andrey Borges de. Nova reforma do Código de Processo Penal: comentada artigo por artigo. São Paulo: Método, 2008, 240.

[19] Idem. Código penal comentado, p. 288-289.

[20] STJ: Agravo de Instrumento n.º 764.670- RS (2006/0077817-9).

[21] DEMERCIAN, Pedro Henrique; MALULY, Jorge Assaf. Curso de Processo Penal. 4. ed. rev. amp. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 96.

[22] NOGUEIRA, Carlos Frederico Coelho. Comentários ao Código de Processo Penal, vol. 1. Bauru, SP: Edipro, 2002, p. 667-668.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PIEDADE, Antonio Sergio Cordeiro. Prescrição retroativa antecipada. Análise entre o pragmatismo e a ausência de fundamento científico-jurídico. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3827, 23 dez. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22029. Acesso em: 28 mar. 2024.