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O marco inicial da contagem do prazo decadencial sob a sistemática da Lei 9.099/1995

O marco inicial da contagem do prazo decadencial sob a sistemática da Lei 9.099/1995

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Não obtida a conciliação, a suposta vítima terá seis meses, a partir da audiência preliminar, para exercer seu direito de representação, seja nos crime de ação penal privada, seja nos crimes de ação penal pública condicionada.

 “Exigir que o juiz julgue de acordo com a lei, mesmo injusta, que o juiz seja neutro, e não criativo, constitui forma disfarçada de conservação do poder por aqueles que o detêm. A segurança e a ordem jurídica não devem ser pressupostos para manietar os juízes, mas, sim, para levá-los a encontrar um meio de assegurar a paz social, a paz de todos, e não a segurança de poucos”.

Fernando da Costa Tourinho Filho

RESUMO

O presente estudo tem por objetivo analisar de forma conceitual e teleológica a Lei nº. 9.099/1995, que instituiu um novo modelo de Justiça Criminal no ordenamento jurídico brasileiro, principalmente quanto à audiência preliminar de conciliação. O estudo ainda tem por condão verificar as transcrições contidas nos artigos 72, 74 e 75, observando se a lei que rege os Juizados Especiais Criminais excepcionou o marco inicial do lapso decadencial de 06 (seis) meses, conforme disposto no art. 38, do Código de Processo Penal. Dessa forma, tais análises terão por fim possibilitar uma melhor reflexão, sob a sistemática dos Juizados Especiais Criminais, acerca do marco inicial da contagem do prazo decadencial. Impende assentar, no mais, que este estudo se desenvolveu por meio de pesquisa exploratória, municiada com consulta em livros e sites que abordam o tema, sem olvidar-se do que é, hodiernamente, aplicado na prática do dia a dia forense.

Palavras-chave: Juizados Especiais Criminais; audiência preliminar; oferecimento da representação ou da queixa; princípio da especialidade; prazo decadencial.

SUMÁRIO: introdução. 1 CONCEITO HISTÓRICO. 1.1 A origem dos Juizados Especiais no cenário mundial. 1.2 A origem dos Juizados Especiais no contexto jurídico brasileiro. 2 A IMPORTÂNCIA DOS JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS E CRIMINAIS COM O ADVENTO DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988. 2.1 Juizados Especiais Estaduais – Lei nº. 9.099, de 26 de setembro de 1995. 2.2 Juizados Especiais Federais – Lei nº. 10.259, de 26 de julho de 2001. 2.3 A criação e implantação dos juizados especiais estaduais criminais no ordenamento jurídico brasileiro. 3 DOS JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS (LEI Nº. 9.099/1995). 3.1 Princípio da Especialidade. 3.2 Princípios Norteadores dos Juizados Especiais Criminais. 3.2.1 Princípio da oralidade. 3.2.2 Princípio da informalidade. 3.2.3 Princípio da simplicidade. 3.2.4 Princípio da economia processual. 3.2.5 Princípio da celeridade processual. 3.3 Objetivos dos Juizados Especiais Criminais. 3.3.1 Conciliação. 3.4 Da composição e competência material. 3.5O Art. 61 da Lei 9.099/1995 com a vigência da Lei 11.313/2006. 3.6 Da competência territorial. 3.7 Dos atos processuais. 4 DA FASE PRELIMINAR. 4.1 Do Termo Circunstanciado de Ocorrência. 4.1.1 Do Termo Circunstanciado de Ocorrência. 4.1.2 O termo circunstanciado como representação do ofendido. 4.2 Das audiências preliminares. 4.2.1 Da audiência preliminar de conciliação. 4.2.2 Renúncia ao direito de representação ou queixa. 4.2.3 O oferecimento da representação verbal nos crimes de ação privada e pública condicionada. 5 O início da contagem do prazo decadencial no âmbito dos Juizados Especiais Criminais. 6 Considerações Finais. REFERÊNCIAS


introdução

Com o advento da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, o ordenamento jurídico brasileiro passou a denominar os Juizados de Pequenas causas como Juizados Especiais, competentes para conciliação, julgamento e execução de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo, providos ainda por juízes togados, ou togados e leigos, a valer-se do procedimento oral e sumaríssimo, permitindo, contudo, nas hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro grau.

 A Lei nº. 9.099/1995, que veio regulamentar o inciso I, do art. 98 da CRFB, traz, no âmbito penal, como objetivos principais, consoante se depreende do art. 2º, a composição entre as partes – na audiência preliminar de conciliação – e a proposta de transação penal, exercido pelo Ministério Público nos crimes em que é legitimado para tal ato. Vele mencionar, ainda, que a citada lei orienta-se pelos princípios da celeridade, da oralidade, da informalidade, da economia processual e da simplicidade.

Por outro lado, não obstante às diretrizes ideológicas e aos enormes avanços que a Lei nº. 9.099/1995 proporcionou ao sistema jurídico brasileiro, em especial às matérias penais e processuais penais, há de se frisar que esse novo modelo de justiça vem sofrendo alguns embaraços no campo pragmático e doutrinário, principalmente quanto à aplicação subsidiária do Código Penal e de Processo Penal, haja vista que uma das grandes celeumas encontra-se alojada no momento inicial para a contagem do prazo decadencial.

Nesse passo, essas diversidades de entendimentos, com suas implicações na prática, vêm dando subsídios a dois entendimentos. A primeira corrente, defendida, dentre outros, pelo Ilustre Promotor de Justiça Marcellus Polastri Lima, entende que a Lei nº. 9.099/1995 não trouxe nenhuma excepicionalidade quanto à aplicação da regra contida no art. 38 do Código de Processo Penal. Em sentido inverso, a segunda corrente, defendida pelo Eminente Jurista Fernando da Costa Tourinho Neto e outros, aduz seu entendimento no sentido de que a lei que rege os Juizados Criminais disciplinou o prazo decadencial e o oferecimento da representação no âmbito do microssistema processual para outro momento, alterando, com isso, alterou o preceito contido no art. 38 do Código de Processo Penal e, com isso, o preceito contido no art. 38 do Código de Processo Penal.

Vislumbra-se, por conseguinte, que, como não se encontra pacificado o assunto, juízes dividem-se doutrinariamente na aplicação prática dos institutos da decadência e da representação nos âmbito dos Juizados Especiais Criminais. Portanto, o presente estudo terá como propósito, à luz da Lei nº. 9.099/1995, fazer uma análise quanto ao momento processual para a representação no campo dos Juizados Especiais Criminais, assim como o momento que se inicia a contagem do prazo decadencial, nos crimes em de ação penal privada e ação penal pública condicionada à representação. Esse estudo tem ainda o objetivo de colaborar significativamente para o avanço do Direito em suas realidades práticas.

Cabe ressaltar que o desenvolvimento do presente trabalho divide-se em 05 (cinco) títulos, sendo que o sexto título reserva-se às considerações finais. O primeiro capítulo abordará o conceito histórico dos Juizados Especiais, bem como sua origem no mundo e, de forma elucidativa, no Brasil. O segundo capítulo, por sua vez, tender-se-á a demonstrar a importância dos Juizados Especiais no palco jurídico brasileiro, mormente com o advento da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Noutra senda, o terceiro capítulo fará uma abordagem sistemática dos princípios e dispositivos contidos na Lei nº. 9.099/1995. No quarto capítulo será demonstrada a importância da audiência preliminar e seus desdobramentos, tanto do ponto de vista teórico quanto em suas aplicações práticas. O quinto capítulo analisará, pormenorizadamente, as duas posições existentes referente ao marco inicial do prazo decadencial no âmbito dos Juizados Especiais Criminais. Por fim, o sexto capítulo terá por fito avaliar contextualmente todo o esposado com vistas a contribuir relevantemente para a evolução do Direito no Brasil. 


1.CONCEITO HISTÓRICO

1.1. A origem dos Juizados Especiais no cenário mundial

O primeiro órgão jurisdicional com atribuição especial para cuidar das pequenas causas deu-se nos Estados Unidos da América, em 1913. Nesse mesmo ano, em Creveland, foi criado a primeira poor man’s court[1], que era uma espécie de filial da corte municipal. Tal ideia, de criar cortes com jurisdição especial e limitada, que servissem às pequenas causas, foi muito bem aceita pela comunidade, sendo adotada em várias cidades no período de 1912 e 1916. (FRIEDMAM, 1985)

Para Carneiro (1985), esse período é apontado como surgimento e estruturação das cortes em diversas regiões americanas, especialmente em cidades dos Estados do Kansas, Oregon, Ohios e Illinois. Na virada do século XX, vislumbrou-se uma grande e crescente mudança na estrutura social dos Estados Unidos, levando à necessidade de se criar órgãos especializados em resolver litígios que ocorriam nas comunidades urbanas advinda de uma nova realidade social. (FAULKNER, 1937)

As pessoas viventes na zona rural começaram a procurar espaços nas cidades, aumentando consideravelmente a população urbana. As cidades recebiam constantemente imigrantes de outras regiões dos Estados Unidos, assim como da Europa. Esse crescimento populacional urbano também foi causado pelo desenvolvimento de indústrias, como as de ferro – no Alabama –, de automóveis – em Detroit –, e de fornecimento de energia elétrica em Ohio e Nova Iorque. Acrescenta-se ainda, às circunstâncias imigratórias, a entrada cada vez mais rápida dos negros no mercado de trabalho. Com isso, percebe-se como foi crescente o acúmulo das pessoas nos centros urbanos na primeira década do século XX. Rapidamente, notou-se que esse movimento populacional iria mudar e complicar os problemas sociais no século XX nos Estados Unidos da América. Os novos imigrantes estrangeiros detinham um nível econômico e educativo inferior àqueles que haviam chegados noutras épocas. (FAULKNER, 1937)

 Constatou-se, com essa nova realidade, que ao mesmo tempo em que o enchimento populacional nas cidades fazia crescer a mão-de-obra e aquecia o mercado consumidor, paralelamente tinha-se o aumento do desnível salarial, tornando as pessoas suscetíveis ao desemprego e à marginalização social, por não participarem de uma efetiva distribuição de renda. Com uma nova estrutura social, os litígios ora existentes dificilmente envolviam grande soma em dinheiro, tendo em vista o perfil econômico dessa população. (CARNEIRO, 1985)

Há de se frisar, também, o surgimento da primeira poor man’s court na cidade de Nova Iorque, em 1934, cuja finalidade era de julgar causas inferiores a cinqüenta dólares. Esse tipo de Juizado surgiu em decorrência de mais uma modificação social nos Estados Unidos, a queda da bolsa de valores de Nova Iorque, em 1929. Essas cortes comportavam importantes características que as tornavam especiais, como o fato de atenderem a uma população de baixo e médio nível social, além de deter baixo custo para seus usuários. Tendem a ser bastante informais, dispensando a propositura de uma ação sem advogado e tornando os ritos processuais mais céleres, atendo aos conclames do povo. Com isso, buscou-se aproximar a justiça dos seus jurisdicionados, evitando que a falta dessa aproximação pudesse fazer o homem voltar no tempo e fazer justiça com suas próprias mãos. (FRIEDMAM, 1985)

Atualmente, dá-se nova nomenclatura ao poor man’s court, sendo substituída pela expressão Small Claim´s Courts. Nos anos 70, com essa tendência de proporcionar ao cidadão um acesso ao judiciário de forma gratuita e rápida, a Europa começou a experimentar um pouco dos aparatos dos Juizados de Pequenas Causas, merecendo destaque ao chamado modelo de Stuttgart, oriundo do processo civil alemão, no qual as partes, os advogados e juiz travavam um ativo diálogo em torno da celeuma, tendo como resultado objetivo tanto a celeridade do procedimento quanto a obtenções de decisões mais facilmente aceitas pelas partes.

Após essa valiosa excursão na origem histórica dos Juizados Especiais no contexto mundial, torna-se necessário e imprescindível, para o desenvolvimento cognitivo do que se almeja com o presente trabalho, uma exploração também histórica da origem dos juizados Especiais no Brasil.

1.2. A origem dos Juizados Especiais no contexto jurídico brasileiro

Antes, porém, é necessário ressaltar que a Constituição Imperial brasileira de 1924, em seu art. 161, já dispunha que “sem fazer constar que se tem intentado o meio da reconciliação não se começará processo algum”. (TOURINHO NETO, 2009, p. 406) Em outras palavras, antes da instauração de qualquer processo, teria que ser tentada a conciliação entre as partes, sendo esse mecanismo o objetivo maior da Justiça. Assim, sendo possível resolver o conflito sem mágoas, e sendo o acordo possível, que então fosse feito.

No Brasil, contudo, os Juizados Especiais tiveram sua origem no sul, iniciados por juízes gaúchos, seguidos pelos magistrados paranaenses e baianos, com a criação dos conselhos de conciliação e arbitramento, no ano de 1982. Essas reuniões tinham por fim solucionar, através da conciliação, os desentendimentos ocorridos entre vizinhos. Formava-se, com isso, a conceituada litigiosidade contida, nome dado devido ao fato de essas celeumas nunca chegarem ao judiciário.

Essa forma de prover a solução dos litígios através da celeridade informal e simplista, sem trazer nenhuma despesa para as partes, fez despertar a curiosidade da imprensa, que começou a acompanhar de perto o desenvolvimento dessa “justiça paralela”. O funcionamento do conselho despertou a atenção do Programa Nacional de Desburocratização[2], por meio do ministro Hélio Beltrão[3]. Os estudos acerca dessa nova forma de racionalizar a justiça, aproximando-a da população, geraram o Projeto de Lei nº. 1.950/1983, mas tarde transformando na Lei nº. 7.244/1984. Vale salientar, consideravelmente, que o projeto buscou amparos em Nova Iorque, onde funcionava a small Claim Court, desde o ano de 1934.

A comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados aprovou o referido projeto, e rejeitou a emenda que exigia advogados para acompanhar as partes, pois, se tal proposta fosse aprovada, iria de encontro com a essência do sistema. Por fim, a Lei nº. 7.244/1984 instaurou os Juizados de Pequenas Causas no ordenamento jurídico brasileiro, com competência para julgar ações cíveis de valor não superior a 20 (vinte) salários mínimos. Havia, ainda, a sinalização, contida no art. 2º da referida lei, de que o processo, perante os Juizados de Pequenas Causas, orientar-se-ia pelos princípios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, buscando sempre que possível a conciliação entre as partes, princípios esses que foram mantidos pela Lei nº. 9.099/1995.

Mais tarde, com a promulgação do Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, o legislador constituinte consignou, no inciso I, do art. 98 da referida Carta Política, a criação compulsória dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais. Numa variante de tempo, foi, então, editada a Lei nº. 9.099/1995, que veio disciplinar a determinação constitucional, criando um novo modelo de justiça, com o objetivo de dar uma nova forma de jurisdição ao povo brasileiro, buscando sempre que possível, através dos meios alternativos de composição, a pacificação judicial e, principalmente, extrajudicial dos conflitos.

Diante desse passeio histórico sobre a origem e evolução, tanto no contexto mundial quanto brasileiro, desse importantíssimo modelo de Justiça (que são os Juizados Especiais), buscar-se-á, a seguir, destacar a importância dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais com a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. 

 


2.A IMPORTÂNCIA DOS JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS E CRIMINAIS COM O ADVENTO DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

Com a redemocratização do Brasil, em 1985, após duas décadas sob o regime de exceção, posto pela Ditadura Militar, o povo brasileiro queria ver, e ter, seus direitos fundamentais em plena e resguardada segurança constitucional. Assim, em 1988, promulgou-se a nova Constituição da República Federativa do Brasil, a Constituição Cidadã, como popularmente é denominada. A Constituição Federal de 1988 trouxe vários direitos e garantias fundamentais, bem como vários institutos democráticos com a finalidade de irem ao encontro dos anseios da sociedade brasileira.

O Poder Judiciário teve uma importante e ativa participação no processo democrático brasileiro, mormente no que tange à solução dos conflitos, ampliando a sua atuação com novas vias processuais, demonstrando preocupação voltada, prioritariamente, para a cidadania, por meios de instrumentos jurídicos, normas, preceitos e princípios que sinalizavam e, ainda, hodiernamente, sinalizam a vontade popular de possuir uma justiça célere e distributiva.

Com efeito, a magna carta esculpiu, no art. 98, caput e inciso I, a determinação constitucional de serem criados os Juizados Especiais Cíveis e Criminais, dando poderes à união, nos Distrito Federal e nos Territórios, e aos Estados, criarem Juizados Especiais, dispondo da seguinte redação:

Art. 98: A União, nos Distritos Federais e nos Territórios, e os Estados criarão:

I – juizados especiais, providos por competentes para a conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumaríssimo, permitidos nas hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de primeiro grau;

[...]

Com esse esteio constitucional, alguns Estados-Membros da federação brasileira, como Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Paraíba, adiantadamente em relação ao legislador federal, editaram leis estaduais que disciplinavam o alcance e o funcionamento dos Juizados Especiais. Entretanto, todas as leis que acalentavam essa matéria foram julgadas inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal[4], tendo em vista que a competência para legislar sobre a seara penal é privativa da União. (MORAES; PAZAGLINI FILHO; SMANIO; VAGGIONE, 1996) Diante, então, da necessidade de assegurar o mandamento constitucional inserto no art. 98, em seu inciso I, criam-se a Lei nº. 9.099, de 26 de setembro de 1995, e a Lei nº 10.259, de 12 de julho de 2001, que trouxeram enormes mudanças para o ordenamento jurídico brasileiro.

2.1.Juizados Especiais Estaduais – Lei nº. 9.099, de 26 de setembro de 1995

Objetivando dar respaldo ao texto constitucional, o Congresso Nacional, em 26 de setembro de 1995, fez entrar em vigor a Lei 9.099[5], que dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais, com o objetivo de levar aos jurisdicionados brasileiros, em especial aquelas pessoas que não dispõem de recursos econômicos para custear um processo, uma célere e efetiva prestação jurisdicional, promovendo, sempre que possível, formas alternativas e mui eficazes para a resolução de conflitos.

No tocante ao surgimento dos Juizados Especiais, sábias são as palavras de Figueira Júnior:

Introduziu-se no mundo jurídico um novo sistema, ou ainda melhor, um microssistema de natureza instrumental e de instituição constitucionalmente obrigatória (o que não se confunde com a competência relativa e a opção procedimental) destinada à rápida e efetiva atuação do direito, estando a exigir dos estudiosos da ciência do processo uma atenção toda particular, seja a respeito de sua aplicabilidade no mundo empírico como do seu funcionamento técnico-profissional. [...] Os Juizados Especiais não podem ser considerados uma justiça de segunda classe, porquanto não refletem nenhum dado indicativo capaz de importar um desprestígio ou diminuição. [...] Essa nova forma de prestar jurisdição significa, antes de tudo, um avanço legislativo de origem eminentemente constitucional, que vem dar guarida aos antigos anseios de todos os cidadãos, especialmente aos da população menos abastada, de uma justiça apta a proporcionar uma prestação de tutela simples, rápida, econômica e segura, capaz de levar à liberação da indesejável litigiosidade contida. Em outros termos, trata-se, em última análise, de mecanismo hábil na ampliação do acesso à ordem jurídica justa. (FIGUEIRA JÚNIOR, 2010, p. 41-42)

A Lei nº. 9.099/1995, sem dúvida alguma, proporcionou uma revolução processual, tanto na área cível quanto na seara penal. Esse novo modelo de justiça concedeu aos meios alternativos de solução da lide um papel relevante e indispensável para composição amigável:

Estamos diante não apenas de um novo microssistema apresentado ao mundo jurídico. Esta lei representa muito mais do que isso, visto que significa o revigoramento da legitimação do poder judiciário perante o povo brasileiro e a reestruturação (ou verdadeira revolução) de nossa cultura jurídica, porquanto saímos de um mecanismo (entravado em seu funcionamento mais elementar e desacreditado pelo cidadão) de soluções autoritárias dos conflitos intersubjetivos para adentrar na órbita da prestigiosa composição amigável, como forma alternativa de prestação da tutela pelo Estado-Juiz. [...] A Lei 9.099/1995 não trata apenas de um novo procedimento; transcende essa barreira e, ancorando-se no art. 98, I e seu § 1º, da Constituição Federal, dispõe sobre um novo processo e um novo rito diferenciado. Em outras termos, não é apenas não apenas um procedimento sumaríssimo, é também, e muito mais, um um processo especialíssimo. (FIGUEIRA JÚNIOR, 2010, p. 47)

Ressalta-se, também, que:

O segredo e o sucesso dessas técnicas de composição amigável dos inúmeros conflitos intersubjetivos estão na simples circunstância de que, por meio da resolução pacífica encontradas pelos próprios litigantes, não resultarão vencidos ou vencedores em decorrência do entendimento mútuo resultante da análise de propostas e eliminação de riscos e ônus maiores que poderão advir com a prolação de uma decisão de mérito, solucionando-se de maneira mais ampla e circunstancial as lides jurídicas e sociológicas. Estamos convictos de que somente o estímulo e a efetiva prática das inúmeras formas complementares de solução de controvérsias, sobretudo as consensuais, poderão mudar a concepção dos brasileiros de que “só a justiça” pode solucionar os seus conflitos. (FIGUEIRA JÚNIOR, 2010, p. 55)

Mencionando, ainda, Figueira Júnior (2010), é nesse contexto de Justiça Especializada que se aferem os mecanismos da justiça coexistencial e participativa. Passo esse em que os juízos conciliatórios, ancorados nos princípios da simplicidade, oralidade em grau máximo, informalidade, concentração e economia processual, irão buscar, através da autocomposição, a pacificação social das partes em conflito, fim maior da Lei 9.099/1995.

2.2.Juizados Especiais Federais – Lei nº. 10.259, de 26 de julho de 2001

Como a Constituição Federal de 1988 não havia dado margem à criação dos Juizados Especiais na esfera da Justiça Federal, a Emenda Constitucional nº. 22, de 18 de março de 1998, acrescentou um parágrafo ao art. 98, prevendo a criação de Juizados Especiais no âmbito da Justiça Federal. Assim, com essa disposição constitucional, precisava-se de uma lei ordinária para efetivar sua implementação, o que foi feito pelo Presidente da República Federativa do Brasil, em 21 de janeiro de 2001.

Diante da disposição constitucional da criação dos Juizados Especiais Federais, o conceituado jurista Silva (2008) relata, acrescentando, que com o objetivo de melhorar o acesso à Justiça, proporcionando uma eficaz celeridade processual, formou-se uma comissão de Ministros do Superior Tribunal de Justiça para elaborar um anteprojeto de lei para a criação dos Juizados Especiais com vista a abarcar processos em que a União, autarquias, fundações ou empresas públicas federais sejam partes na condição de ré.

No mesmo sentido o ilustre jurista Fernando da Costa Tourinho Neto transcreve o seguinte:

Sua implantação estava a depender de lei ordinária. Em 12 de janeiro de 2001, o Presidente da República, por meio da Mensagem 21, encaminhou ao Congresso Nacional o projeto de Lei que dispunha “sobre a criação dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais no âmbito da Justiça Federal”. O projeto resultou de trabalho da comissão integrada pelos Ministros do Superior Tribunal de Justiça Fontes de Alencar, Ruy Rosado de Aguiar, José Arnaldo da Fonseca, Sávio de Figueiredo, Ari Pangledler e Fátima Nancy, cujo texto foi aprovado pelo Conselho da Justiça Federal e pelo Plenário daquela corte. A Associação dos Juízes Federais do Brasil – AJUFE, sob nossa presidência, em abril de 2000, nomeou uma comissão composta pelos Juízes Federais Itagiba Catta Preta Neto, Willian Douglas dos Santos, Nelson Agnaldo dos Santos, Eloy Bernst Justo e Walter Nunes da Silva Júnior para apresentar uma proposta de regulamentação dos Juizados Especiais Federais. A comissão apresentou uma proposta ampla e bem elaborada, que serviu de base para o projeto anteprojeto apresentado pelo Superior Tribunal de Justiça. (TOURINHO NETO, 2010, p. 409 – 410)

Uma vez elaborado pelo Superior Tribunal de Justiça, e apresentado ao Poder Executivo, o projeto de lei foi, posteriormente, encaminhado a uma comissão de trabalho composta por representantes da Advocacia–Geral da União, do Ministério da Justiça, da Secretaria do Tesouro Nacional, da Secretaria de Orçamento Federal e do Instituto Nacional do Seguro Social – INSS para um estudo minucioso dos impactos da proposta nas áreas orçamentária e financeira, bem como quais seriam os procedimento adotados para a sua ocorrência na prática, tendo como pontos cruciais a previsão orçamentária, sistemática de inclusão no orçamento, forma de liberação e o pagamento. (TOURINHO NETO, 2010)

A referida comissão, após a realização dos trabalhos, enviou ao Presidente da República um ofício contendo o seguinte teor:

[...] houve por bem sugerir modificações no anteprojeto do STJ, destacando-se as que visam a manter a consonância da proposição com o texto da Lei 9.099, de 1995, inclusive no que concerne à reforma da Parte Geral do Código Penal; a determinação da forma de cálculo da valor da causa. A sanção aplicada aos servidores civis e militares que, por sua própria natureza, deva ser excluída da competência do Juizado Especial Federal; a exclusão de entidades que não se caracterizam como hipossuficientes, tendo em vista a finalidade primordial do Juizado; a possibilidade de realização de perícias tendo em vista serem fundamentais para o deslinde de causas previdenciárias e demais outras providências que têm o claro desiderato de agilizar implementação dos Juizados Especiais Federais. (TOURINHO NETO, 2010, p. 410)

O Deputado Moroni Torgan, que foi o relator do projeto, na Comissão de Constituição e Justiça e de Redação da Câmara dos Deputados, observou, com devida atenção, que o referido projeto deveria partir do Poder Judiciário, e não do Executivo. Porém, não seria o caso de inconstitucionalidade por vício de iniciativa, pois na verdade ele é originário do Superior Tribunal de Justiça.

Embora a iniciativa do Projeto de Lei tenha partido do Poder Executivo, o que culminaria em sua inconstitucionalidade, pois a iniciativa de lei que diga a respeito aos tribunais, competência e funcionamento dos respectivos órgãos jurisdicionais e administrativos, bem como a alteração da organização e divisão judiciárias (arts. 61[6], caput, e 96, II[7]) é da sua competência privativa, a verdade é que ele é oriundo do Superior Tribunal de Justiça, o que o escoima de tal vício. (TOURINHO NETO, 2010, p. 410)

O nobre Deputado Torgan manifestou-se em relação ao projeto de lei com as seguintes palavras:

“Senhor Presidente, este projeto é dos mais importantes que estaremos votando nesta Casa. Ele permite agilização da Justiça Federal. Para se ter uma idéia, a aprovação da proposta implicará a agilização de processos de menor expressão econômica e complexidade técnica em tramitação na Justiça Federal. Merece ser frisado, ainda, que milhares de feitos deixarão de ser levados aos Tribunais Regionais Federais e ao Superior Tribunal de Justiça, notoriamente assoberbados: em 29 de dezembro de 2000, tramitavam nos cinco Tribunais Regionais Federais 1.000.013 processo, segundo dados do Conselho da Justiça Federal (...).” [...] “Aquela visão de que, por serem pobres, não conseguirão resolver nada na Justiça, porque ela é morosa, será agora modificada. Teremos a chance de dar oportunidades às pessoas mais simples e carentes de terem solucionados seus problemas de modo sumaríssimo. Isso irá agilizar algum ganho que possam vir a ter, e que, muitas vezes, levaria anos.” (TOURINHO NETO, 2010, p. 411)

No dia 12 de junho de 2001, o projeto foi, então, após deliberações na Câmara dos Deputados, aprovado. Em seguida, encaminhou-se para o Senado Federal, sendo aprovado na referida Casa Legislativa em 27 de junho de 2001. Remetido, ulteriormente, ao Presidente da República, foi sancionado em 12 de julho de 2001, com a característica não mais de Projeto de Lei, mas sim, a Lei 10.259/2001. A publicação deu-se no dia seguinte.

2.3.A criação e implantação dos juizados especiais estaduais criminais no ordenamento jurídico brasileiro

Como já é sabido, o art. 98 da Carta Política brasileira, em seu inciso I, determinou a criação não só dos Juizados Especiais Cíveis, como também dos Juizados Especiais Criminais. Os ilustres doutrinadores Moraes, Pazzaglini Filho, Smanio e Vaggione (1996) expõem que, dado à necessidade de dar uma resposta efetiva ao chamamento constitucional do art. 98, foi promulgada, após aprovação do Congresso Nacional, e sanção do Presidente da República, a Lei nº. 9.099/1995.

Diante da necessidade de implementar a norma constitucional, o Congresso Nacional aprovou projeto de lei, resultante da fusão de um que cuida dos Juizados Especiais Cíveis e de outro que regula os Juizados Especiais Criminais (Projeto de Lei nº. 1.480-D, de 1989, de autoria do Deputado Michel Temer, elaborado por uma plêiade de eminentes juristas: Ada Pellegrini Grinover, Antônio Magalhães  Gomes Filho, Antônio Scarance Fernandes, Antônio Carlos Viana Santos, Manoel Carlos Vieira de Moraes, Paulo Costa Manso, Ricardo Antunes Andreucci e Rubens Gonçalves), que resultou na Lei nº. 9.099/95, sancionada e promulgada pelo Presidente da República, em 26-9-1995 e publicada no Diário Oficial da União no dia seguinte, prevendo vocatio legis de 60 dias. (MORAES; PAZZAGLINI FILHO; SMANIO; VAGGIONE, 1996, p. 17-18)

Tozatte (2011, online), com máxima precisão que lhe é peculiar, detalha que, durante os trabalhos da Assembleia Constituinte, apresentou-se à Associação Paulista de Magistrados, pelos então juízes Pedro Luiz Ricardo Gagliardi e Marco Antônio Marques da Silva, a minuta de um anteprojeto de Lei Federal que disciplinava a matéria referente aos Juizados Especiais Criminais. Tozatte (2011, online) ainda ressalta que, após a promulgação da Constituição Cidadã de 1988, o magistrado Manoel Veiga de Carvalho determinou fosse constituído um grupo para examinar a referida proposta:

Tinham como integrantes os Juízes do Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo Antônio Carlos Viana dos Santos, Manoel Carlos Vieira de Moraes, Paulo Costa Manso, Ricardo Antunes Andrucci e Rubens Gonçalves, e como convidada, a Professora Ada Pellegrini Grinover, titular da cadeira de Processo Penal na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, encarregada de examinar os resultados dessa comissão. Ainda houve a colaboração com esta, dos Professores e Procuradores de Justiça de São Paulo, Antônio Magalhães Gomes Filho e Antônio Scarance Fernandes (JESUS, 2002, p. 89 apud TOZATTE, online, 2011).

A referida comissão, sem perder tempo, elaborou, com sugestões da Ordem dos Advogados do Brasil, secção São Paulo, uma outra proposta; substituindo, assim, a minuta do anteprojeto apresentado. Nesse intermédio de tempo, apresentou-se o referido anteprojeto à Presidência do Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo, que foi repassado ao, até então Deputado, Michel Temer. Todo esse caminho foi percorrido para dar lugar ao Projeto de Lei nº. 1480-A de 1989.

O Deputado Ibrahim Abi-ackel – relator da Comissão de Constituição e Justiça – selecionou, de forma cuidadosa, dentre outros Projetos de Lei que tratavam sobre a questão dos Juizados Especiais Ceveis e Criminais, o Projeto de Lei do Deputado Michel Temer e o Projeto de Lei nº. 3.698/89, do, na época, Deputado Nelson Jobim, que cuidava de matérias ligadas à esfera cível. Esses projetos foram unificados, transformando-se na Lei nº. 9.099 de 26 de setembro de 1995.

Para ilustres juristas Moraes, Pazzaglini Filho, Smanio e Vaggione, (1996), a lei que rege os Juizados Especais Criminais, de extrema relevância penal e processual penal, criou um novo modelo de Justiça Criminal, haja vista a introdução no mundo jurídico brasileiro de novos institutos, como o acordo civil, a transação penal e a suspensão condicional do processo; produzindo profundas mudanças no que concerne aos postulados que estruturam a função punitiva do Estado, a persecutio criminis e o próprio sistema processual penal.

A criação dos Juizados Especiais Criminais, com fundamentais inovações em nosso ordenamento jurídico penal e processual penal, decorre da imperiosa necessidade de recepcionarmos em nossa legislação instrumentos jurídicos já utilizados, com êxito, em vários paises, com vistas na desburocratização e simplificação da Justiça Penal, propiciando solução rápida, mediante consenso das partes ou resposta penal célere, de certas infrações penais. Sua criação atende a inadiável necessidade de desformalização do processo criminal, dotando-o de mecanismos rápidos, simples, econômicos, com o objetivo de torná-lo adequado à solução das controvérsias de cunho penal, notadamente aquelas oriundas da prática de infrações definidas como de menor potencial ofensivo, em especial as denominadas pela doutrina como infrações “bagatelares”. Alvo constante de críticas, a Justiça Criminal brasileira, por intermédio de seus operadores – juizes, promotores de justiça, advogados e procuradores de Estado –, buscava sanar suas falhas, especialmente as decorrentes de sua morosidade no julgamento de fatos típicos de ínfima expressão do ponto de vista da reprovabilidade social, o que lhe acarretava sensível diminuição de tempo para a investigação e o julgamento de graves atentados aos valores protegidos pelo Direito Penal e tardia prestação jurisdicional. Não se desconhece ainda que tal situação ensejou, notadamente entre as comunidades carentes existentes na periferias de nossas maiores cidades, quer em razão da excessiva burocracia, quer em virtude da pesada tecnologia conceitual. (MORAES; PAZAGLINI FILHO; SMANIO; VAGGIONE, 1996, p. 18)

Assim, para que fosse realmente dado efetividade aos ditames constitucionais de uma justiça desburocratizada e diferenciada, era imprescindível que o ordenamento jurídico brasileiro reformulasse sua estrutura, por deveras arcaicas e inadequadas aos anseios da sociedade:

Dentro deste contexto, a implantação dos Juizados Especiais Criminais, além de permitir maior inserção da Justiça Criminal nas comunidades mencionadas, com prestação jurisdicional mais próxima e mais célere, possibilitará, mediante a simplificação da persecução penal e do julgamento de menor potencial ofensivo, maior dedicação e, consequentemente, melhores resultados na repressão dos crimes mais graves. A Lei preservou, em sua plenitude, o sistema acusatório vigente, em que cabe às partes (Ministério Público, na ação penal pública, e Particular, na ação penal privada) provocar a prestação jurisdicional e ao juiz, que não pode proceder sem a iniciativa das partes (ne procedet iudex ex officio), pronunciar-se sobre o pedido do autor, observando seus limites e não podendo decidir sobre o que não foi solicitado (ne eat iudex ultra petita partium). E preservou, em sua inteireza, o postulado constitucional de que o Ministério Público é o titular exclusivo da ação penal pública (art. 129, inciso I, da CF). Todavia não adotou o princípio da obrigatoriedade e da indisponibilidade da ação penal pública, que vigora tradicionalmente entre nós, segundo o qual, ocorrendo crime de ação pública, é obrigatória a promoção do ius puniendi, não se facultando aos órgãos persecutórios a apreciação da oportunidade ou conveniência de oferecimento da pretensão punitiva do Estado-juiz ou de disposição ou desistência da ação penal proposta. [...] O Ministério Público passou a ter o poder discricionário de dispor da ação penal pública, mas apenas nas hipóteses previstas em lei, fazendo uso dos institutos da transação penal e da suspensão condicional do processo. No entanto, as proposta ministeriais nesse sentido dependem da concordância do autor da infração ou do acusado e são submetidas ao crivo do controle jurisdicional. (MORAES; PAZAGLINI FILHO; SMANIO; VAGGIONE, 1996, p. 19)

Nesse diapasão, com tantas inovações jurídicas, a Lei nº. 9.099/1995 compõe-se de 97 artigos, divididos da seguinte forma: do artigo 1º ao 59, abordam-se matérias de Direito Civil e Processual Civil; do artigo 60 ao 92, matérias de Direito Penal e Processual Penal; e, por fim, do art. 93 ao 97, tem-se as disposições finais. Ademais, a Lei nº. 9.099/1995 destaca, em seu art. 92[8], que o Código Penal e Processual Penal terão seus dispositivos aplicados subsidiariamente, desde que, porém, não sejam incompatíveis com sua sistemática do microssistema processual.

Para melhor compreensão dos princípios e dispositivos que compõe a lei em comento, a seguir será feita uma abordagem doutrinária e pragmática sobre o sistema processual que impulsiona a aplicação da Lei dos Juizados Especiais Criminais nos crimes de pequeno potencial ofensivo.  


3.DOS JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS (LEI Nº. 9.099/1995)

3.1.Princípio da Especialidade

Como bem abordado pela ilustre doutrinadora Diniz (2008, p. 4), “o ordenamento jurídico não possui um filtro que possa prevenir a ocorrência das antinomias jurídicas[9], de modo que, uma vez havendo conflitos normativos, deverão ser solucionados por meio dos critérios normativos”. Esses critérios normativos dividem-se em hierárquico, cronológico e o da especialidade.

Quando houver normas conflitantes de diferentes níveis, aplicar-se-á o critério hierárquico, no qual norma superior revoga a inferior. Quanto ao critério cronológico, reporta-se ao tempo em que as normas começam a ter vigência, restringindo-se somente ao conflito de normas pertencentes ao mesmo escalão, no qual norma posterior revoga a anterior. Já no critério da especialidade, considera-se a matéria normativa em si, ou seja, quando uma lei de cunho especial tratar determinado assunto existente em lei de caráter geral, prevalecerá à norma especial sobre a geral.

É cediço que a Lei 9.099/1995 ostenta uma qualidade de lei especial, conceito esse que lhe confere o rótulo de Justiça Especializada, pois rege seus ditames e procedimentos, no âmbito dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais na esfera estadual, de forma legal e com princípios próprios, inerentes ao seu microssistema.  Dessa forma, atentando-se para o princípio da especialidade, lex specialis derrogat generalis, ou seja, lei especial derroga lei geral, tem-se que a lei em comento sobrepõe-se à determinadas matérias existentes no Código Penal e de Processo Penal.

No Habeas Corpus 85.174-6, oriundo do Rio de Janeiro, tendo como impetrante a Defensoria Pública da União, e como autoridade coatora a Primeira Turma Recursal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, o relator ministro Marco Aurélio fundamentou seu voto assinalando que:

Indaga-se: está-se diante de tratamento especial da matéria ou aplica-se a regra geral relativa à intimação? Ora, buscou-se, com a introdução no cenário jurídico-constitucional dos juizados especiais cíveis e criminais, a simplificação da forma, a rapidez na tramitação das ações. Quanto ao processo penal, estabeleceu-se rito próprio, cogitando-se de procedimento sumaríssimo, a envolver, inclusive, a denúncia oral (artigo 77). Previu-se a intimação em audiência, inclusive, a do Ministério Público e, aí, conforme consta do citado § 4º, determinou-se, expressamente, a intimação da data da sessão de julgamento pela imprensa. Ora, a Lei 9.099, de 26 de setembro de 1995, é enquadrável como lei especial e a aplicação do Código e Processo Penal apenas ocorre subsidiariamente, no que não se mostrar incompatível com a sistemática por ela consagrada. Poderia o legislador ter feito inserir na lei a possibilidade, igualando o procedimento ao dos processos penais em geral, tal como inserto na Lei nº. 1.060/50 (artigos 5º, § 5º), que prevê a intimação pessoal do defensor. Mais do que isso, poderia ter cuidado da pessoalidade quando, no ano seguinte à criação dos juizados, procedeu à alteração do Código de Processo Penal, inserindo no artigo 370 o § 4º, com a previsão da pessoalidade. Não o fez e, com isso, prestou homenagem ao princípio da celeridade e economia processuais, no que voltados à máxima eficácia da lei com o mínimo de atuação judicante. Tenho que a controvérsia resolve-se, de forma clara e evidente, pelo princípio da especialidade. Observa-se, no tocante às intimações, a publicidade decorrente da circulação da notícia do ato via imprensa, não se podendo caminhar para a exigência da pessoalidade almejada neste habeas corpus, sob pena de olvidarem-se os parâmetros normativos de regência e, com isso, introduzir-se, em relação a eles, prática burocrática que somente postergará, no tempo, a eficácia dos atos processuais. Ressalto ainda que a norma contida na Lei Orgânica da Defensoria Pública, Lei complementar nº. 80/94, sobre a intimação pessoal, é de natureza simplesmente processual, não tendo contornos conducentes a ser tomada como de caráter complementar. Em síntese, não se tem regra materialmente complementar. (Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus nº. 85.174-6, Rio de Janeiro. Relator: Ministro Marco Aurélio. D.J. 16.12.2005, Grifo no original)

O que se infere do voto do ministro Marco Aurélio é que, indubitavelmente, o princípio da especialidade coaduna-se com a sistemática dos Juizados Especiais Criminais, mesmo por que a Lei nº. 9.099/1995 fez exsurgir, além dos princípios que lhe são próprios, um procedimento diferenciado ao do Código de Processo Penal. Não obstante ao ponderado princípio da especialidade, importante também se faz a análise dos princípios que, sem dúvida alguma, engrandecem o modelo de Justiça empregado pela lei que rege os Juizados Especiais Criminais.

3.2.Princípios Norteadores dos Juizados Especiais Criminais

Celso Antônio Bandeira de Mello (2001 apud TOURINHO NETO, 2010) define “princípio” como sendo o mandamento central de um sistema, a verdadeira base dele. Para o autor, “princípio” nada mais é do que a disposição fundamental que se expandi sobre diferentes normas, compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, pois por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, confere-lhe a tônica e lhe dá sentido harmônico.

Para Tourinho Neto (2010, p. 466), “a oralidade, a informalidade, a simplicidade, a celeridade e a economia processual são os preceitos fundamentais do Juizado Especial”. O art. 62 da Lei nº. 9.099/1995 preconiza que, perante o Juizado Especial Criminal, o processo orientar-se-á pelos critérios da oralidade, informalidade, economia processual e celeridade, objetivando, sempre que possível, a reparação dos danos sofridos pela vítima e a aplicação de pena não privativa de liberdade.

Tais princípios são de extrema importância processual, posto que, por possuírem funções próprias voltadas a promover uma Justiça célere e efetiva, asseguram aos jurisdicionados a efetiva aplicação do disposto no inciso LXXVIII[10] do art. 5º da Constituição Federal de 1988.

3.2.1. Princípio da oralidade

O princípio da oralidade estabelece uma predominância da palavra oral sobre a escrita, visando dar maior agilidade na tramitação do processo e na entrega da prestação jurisdicional. É o processo verbal em suas peças mais importantes. Nos Juizados Especiais, o princípio da oralidade está empregado com alta intensidade e em grau máximo. Para os renomados Moraes, Pazzaglini Filho, Smanio e Vaggione (1996, p. 25), o princípio da oralidade é “a tônica que informa a atuação do Juiz, do Ministério Público, do autor da infração e de seu defensor. Tanto a transação civil quanto a penal será conduzida oralmente, sendo reduzida a termo quando viabilizada (arts. 74 e 76)”.

Conforme dispõem os artigos 74 e 76, ambos da Lei dos Juizados Especiais, o princípio da oralidade será o ponto de partida para uma efetiva celeridade na tramitação do processo. Veja-se a dicção desses dispositivos:

Art. 74. A composição dos danos civis será reduzido a escrito e, homologada pelo juiz mediante sentença irrecorrível, terá eficácia de título a ser executado no juízo civil competente.

Art. 76. Havendo representação ou tratando-se de crime de ação penal pública incondicionada, não sendo caso de arquivamento, o Ministério Público poderá propor de a aplicação imediata da pena restritiva de direito ou multa, a ser especificada na proposta.

Tal princípio nada mais reflete senão a exigência intensa e primordial da forma oral no tratamento da causa, sem que com isso se exclua de vez a forma escrita, mesmo por que seria impossível, tendo em vista ser imprescindível a conjuntura de documentações de todo o processado e a conversão em termos de suas fases e atos principais. O procedimento oral e o escrito, sem dúvida alguma, completam-se em suas essências. Ademais, não há de se confundir processo oral do processo verbal.

Para contemplar ainda mais este valorado princípio, viga mestre dos Juizados Especiais, infere-se da prática que, no tocante à audiência preliminar de conciliação, o conciliador judicial, ou o juiz togado, conduzirá a referida audiência de modo a estimular as partes a um diálogo, com fim de encurtar a distância existente entre os litigantes, para que se possa realizar um acordo em que se busque a pacificação social. Nessa audiência, o conciliador não lavrará termo com toda a conversa, mas apenas com o desfecho alcançado.

3.2.2. Princípio da informalidade

O princípio da informalidade tem por escopo dar uma efetiva celeridade ao procedimento instituído pela Lei nº. 9.099/1995, vez que elide as formalidades desnecessárias em função do bom andamento do feito. Deixa-se claro, contudo, que o princípio da informalidade visa tão-somente à desburocratização das formas:

Houve um tempo, quando o processo se afirmava enquanto disciplina autônoma, em que às formas se deu demasiada importância de tal modo que se hipertrofiaram criando embaraços aplicação do Direito. Mas a moderna processualística retoma o valor da instrumentalidade processual, repelindo a forma pela forma, e ciente que a formalidade só cumpre uma função quando resguarda valores, mormente os constitucionais. A nova lei reduz as formalidades excessivas, procurando um mínimo possível de fórmulas e providências que possam entravar o rápido deslinde da lide. Procura-se dar máxima aplicação ao princípio do prejuízo na máxima pas de nulitté sans grief e do princípio da finalidade, art. 563 do CPP e 65, § 1º da Lei 9.099/95. Não se justificam formalidades que não estejam arrimadas na preservação de princípios que resguardam às partes e sua atuação em juízo. Não há lugar para o fetichismo das formas.

Para Lima (2005, p. 47), “a informalidade, que está ligada intimamente ao princípio da simplicidade, deve imperar no Juizado, devendo o resultado final ser alcançado da forma mais simples possível, sem formalidades ou atos sacramentais”. Em conexão com o princípio da informalidade, a Lei nº. 9.099/1995 verbera que só se falará em nulidade quando houve prejuízo manifesto, de maneira absoluta e não suprível por qualquer forma.

3.2.3        Princípio da simplicidade

Nas palavras de Tourinho Neto (2010, p. 468), “o procedimento dos Juizados Especiais deve ser simples, natural, sem aparato, franco, espontâneo, a fim de deixar os interessados à vontade para exporem seus objetivos”. Assim, o rito dos Juizados Especiais Criminais deve pautar-se pela simplicidade dos atos e do procedimento. Simplificar significa reduzir os atos estritamente necessários para chegar ao julgamento e à execução, sendo os termos do processo suficientes para a fluência da instância.

3.2.4        Princípio da economia processual

É notório que a diminuição de fases e atos processuais leva à rapidez, economia de tempo, resumindo-se, logo, em economia de custos. Importa ressaltar, com isso, que a economia processual promove uma Justiça célere e eficaz.

3.2.5        Princípio da celeridade processual

O rito do Juizado Criminal contemplou-se de métodos que propiciam a real efetivação da celeridade processual. Tais métodos podem ser compreendidos como princípios, institutos e instrumentos que a Lei nº. 9.099/1995 detém para alcançar, no seu sistema processual, a tão almejada rapidez na tramitação do processo. Os princípios norteadores dos Juizados, uma vez conjugados, inegavelmente, ensejam na celeridade. Outro mecanismo é a realização de atos processuais em horário noturno e em qualquer dia da semana, conforme dispuserem a normas de organização judiciária. O Juizado Especial pode, por conseguinte, funcionar em qualquer dia da semana, de domingo a domingo, e a qualquer hora do dia ou da noite. A celeridade pode ser vista também no fato de não haver nos Juizados Criminais a construção de um inquérito policial, mas sim de um Termo Circunstanciado de Ocorrência. (TOURINHO NETO, 2010, p. 472)

A despeito da celeridade no Juizado Especial Criminal, Alexandre de Moraes, Mariano Pazzaglini Filho, Gianpaolo Poggio Smanio e Luiz Fernando Vaggione estabelecem que:

O princípio da celeridade informa toda a apuração e persecução das infrações de menor potencial ofensivo. A autoridade policial, tomando ciência de sua ocorrência, lavra termo circunstanciado e o remete imediatamente ao Juizado Especial Criminal. E, na medida do possível, encaminha também a este o autor do fato e a vítima (arts. 69 e 70). Estando ambos presentes, realiza-se, em sendo viável, a audiência preliminar. Caso contrário, já se procede a sua designação para data próxima, saindo estes cientificados (art. 70). Na audiência preliminar, já podem acontecer a transação civil e a transação penal, o Juiz aplica de imediato a pena acordada[11] (art. 76, § 4º). Por outro lado, não ocorrendo a transação penal ou não oferecendo o Ministério Público proposta nesse sentido, apresentará o Promotor de Justiça, ato contínuo, não havendo necessidades de diligências imprescindíveis, denúncia oral (art. 77), acompanhada, ou não, de proposta de suspensão do processo (art. 89). Reduzida a termo, não formulada ou não aceita tal proposta, entregar-se-á cópia ao acusado, que com ela ficará citado e cientificado da  data de audiência de instrução e julgamento. Nesta, por outro lado, serão praticados os atos processuais seguintes: resposta do defensor à acusação, recebimento da denúncia ou queixa, oitiva da vítima e testemunhas de acusação e defesa, interrogatório do acusado, debates e prolação da sentença (art. 81). (MORAES; PAZZAGLINI FILHO; SMANIO; VAGGIONE, 1996, p. 26)

Insta informar, entretanto, que os princípios que regem os Juizados Criminais não excluem os princípios gerais fundamentais da ordem constitucional, que orientam o processo penal, a saber: presunção de inocência (art. 5º, LVII, da CF); do contraditório e da ampla defesa (art. 5º, LV, da CF); do Juiz Natural (art. 5º, LIII, da CF); e da publicidade (art. 5º, LX, da CF). Nesse contexto, o Juiz cuidará de compatibilizá-los, deixando-os harmônicos entre si, inclusive, com a aplicação subsidiária das disposições do Código de Processo Penal. Portanto, o princípio da oralidade, informalidade, simplicidade, economia processual e celeridade dão vida à sistemática dos Juizados Especial Criminais, fazendo com que se tenha uma Justiça rápida, eficaz e menos desburocratizada.

3.3         Objetivos dos Juizados Especiais Criminais

O juizado Especial Criminal, consoante preconizado no art. 62[12] da Lei 9.099/1995, tem por objetivo a não aplicação de pena privativa de liberdade e, sempre quando for possível, a reparação dos danos sofridos pela vítima:

O objetivo fundamental é a tutela da vítima mediante a reparação, sempre que possível, dos danos por ela sofridos. Daí, a ênfase dada à composição dos danos, à denominada transação civil, a ser buscada na fase preliminar (art. 72). E, caso não tenha sido possível empreendê-la nesse momento, abre-se, ainda, a possibilidade de ser tentado o acordo civil por ocasião da instalação da Audiência de instrução e julgamento (art. 79). O segundo objetivo é a aplicação de pena não privativa de liberdade, ou seja, multa ou penas restritivas de direitos, cabendo sua aplicação imediata, tal como a transação civil, na audiência preliminar, após a ocorrência, ou não, desta, ou no início da audiência de transação penal, quando não for possível naquela fase, desde que proposta pelo Ministério Público e aceita pelo autor da infração e de seu defensor (art. 76). É a transação penal instituto moderno, cediço na legislação de outros países e pela primeira vez adotado por nossa [...]. (MORAES; PAZAGLINI FILHO; SMANIO; VAGGIONE, 1996, p. 24, grifo no original)

Há de se destacar que, nas infrações de menor potencial ofensivo, ou seja, aquelas que são de baixa lesividade social, as vítimas, em grande maioria, sofrem mais prejuízos de ordem patrimonial do que físico-moral. Conforme já abordado anteriormente, a sistemática dos Juizados Especial gira em torno da reparação dos danos civis ou de um acordo civil (reconciliação) ou, como num todo, pugna pala pacificação social entre as partes, o que é feito de forma efetiva nas audiências preliminares.

O que se infere da prática é que, nessas audiências preliminares de conciliação, o conciliador judicial – sob a orientação do juiz togado, através do diálogo, obtenha das partes os fatos desencadeadores da contenda e, dessa forma, auxilie-os, de forma sempre imparcial, a chegarem numa solução amigável. O objetivo maior da Lei 9.099/1995 sempre será, quando possível, a solução da questão amigavelmente. Tourinho Neto (2010, p. 416) diz que “é a conciliação o fim maior que se busca no Juizado Especial, e não a punição”.

3.3.1        Conciliação

Sabe-se que a Justiça Penal tem por fim precípuo a busca da ressocialização do infrator, ou seja, a sua reabilitação ao convívio social. Quando um indivíduo transgride uma norma penal, ser-lhe-á aplicada uma pena, com o intuito de corrigi-lo (prevenção especial), como também terá uma postura intimidativa, com vistas a impedir que outras pessoas venham a praticar outros crimes (prevenção geral). A pena tem caráter secundário, pois o objetivo da Justiça Penal, em seu todo, é devolver um homem apto a viver em harmonia com seus semelhantes.

Em suma, os Juizados Especiais Criminais são geridos por um sistema consensual, em que a vítima tem ponderações especiais. Nas palavras de Machado (apud TOURINHO NETO, 2008, p. 417), “A Justiça coexistencial volta-se, dirigi-se e tem por fito fundamental tutelar, proteger, amparar a vítima do crime”. A conciliação não se acanha em abarcar apenas a composição dos danos civis, mas também tem instinto amigável, ajudando na reconciliação do infrator e vítima, de modo a alcançarem a pacificação social.

O conciliador judicial tem um importante papel na realização da audiência preliminar de conciliação. É ele quem irá conduzir a audiência sob a orientação do juiz. É na verdade um auxiliar da justiça, cujo papel é de ajudar na solução amigável do feito. Na prática, o conciliador judicial tem, por incumbência, receber as partes em contenda e, por meio exclusivamente do diálogo, da conversa, proporcionar um clima voltado à aproximação dos envolvidos, para que possam realizar uma tentativa de conciliação exitosa.

O conciliador judicial pode, mesmo não realizando ato processual, segundo normativa do artigo 73[13] da Lei nº. 9.099/1995, conduzir a referida audiência preliminar. No mesmo sentido, e sobremaneira acertado, é o que se encontra prescrito no Enunciado 70 e 71 do FONAJE (Fórum Nacional dos Juizados Especiais):

Enunciado 70 – O conciliador ou o juiz leigo podem presidir audiências preliminares nos Juizados Especiais Criminais, propondo conciliação e encaminhamento da proposta de transação. (TRIBUNAL JUSTIÇA DO ESTADO DO TOCANTINS. 2010. p. 73)

Enunciado 71 – A expressão conciliação prevista no art. 73 da Lei 9.099/1995 abrange o acordo civil e a transação, podendo a proposta de transação ser encaminha pelo conciliador ou pelo juiz leigo, nos termos do art. 76, § 3º, da mesma Lei. (TRIBUNAL JUSTIÇA DO ESTADO DO TOCANTINS. 2010. p. 73)

Como se depreende dos Enunciados 70 e 71 do FONAJE, o conciliador judicial e o juiz leigo poderão presidir a audiência preliminar de conciliação, independentemente da presença do juiz togado; no entanto, se houver acordo, somente o magistrado poderá homologá-lo, transformando-o em sentença homologatória para que surtam seus jurídicos e legais efeitos. O acordo mencionado anteriormente, como já sabido, abrange a composição civil de danos e o acordo civil.

3.4         Da composição e competência material

Conforme preconiza o art. 60, o Juizado Especial Criminal será provido por juízes togados, que poderá ser auxiliado por juiz leigo ou conciliador, ou ainda ambos. Alguns autores sustentam que o Juizado Criminal, e não só o Juizado Cível, tem uma composição mista, porquanto salientam que o legislador constituinte não fez nenhuma distinção. O mencionado dispõe que “o Juizado Especial Criminal, provido por juízes togados, ou togados e leigos, tem competência para a conciliação, o julgamento e a execução das infrações penais de menor potencial ofensivo, respeitadas as regras de conexão e continência”.

O art. 7º, parte da Lei nº. 9.099/1995 que versa sobre os Juizados Especiais Cíveis, traz uma melhor performance sobre a forma de provimento, expondo que os conciliadores e os juízes leigos são auxiliares da justiça, recrutados, os primeiros, preferencialmente, entre bacharéis em Direito, e os segundos, entre advogados com mais de 05 (cinco) anos de experiência.

Por seu turno, o art. 73 da mesma lei, parte que detalha sobre os Juizados Criminais, reza, em sua literalidade, que a audiência preliminar de conciliação será conduzida pelo juiz ou por conciliador sob sua orientação. Demais disso, o parágrafo único do mesmo artigo preconiza que os conciliadores são auxiliares da Justiça, recrutados, na forma da lei local, preferencialmente entre bacharéis em Direito, excluídos os que exerçam funções na administração da Justiça Criminal.

O papel do conciliador reveste-se de muita importância, no entanto se remete apenas à realização da audiência preliminar de conciliação, ou seja, na tentativa de uma composição amigável do feito. O conciliador não faz nenhuma coleta probatória. Ademais, Figueira Júnior (2010 apud TOURINHO NETO, 2010) aduz, complementando o esposado, que o juiz leigo cumpre, alinhado à norma, um papel destacado na condução do processo, auxiliando o julgador de forma mais efetiva, muito mais do que o próprio conciliador.

Diferentemente do que é aplicado no Juizado Cível, no qual o juiz leigo, além de ter por incumbência a realização de audiência preliminar (conciliatória), “poderá efetuar a instrução probatória e proferir sentenças a ser submetida à apreciação do togado para homologação”. (TOURINHO NETO, 2010, p. 418) Por outro lado, no Juizado Criminal, não há disposição que conceda ao juiz leigo a determinação de instruir ou o de julgar.

Quanto à competência, aprofundando-se ainda mais no que – inicialmente – já foi explanado, aos Juizados Criminais Estaduais competirá o processamento, o julgamento e a execução dos crimes elencados como os de menor potencial ofensivo, compreendido esses, nos termos do art. 61[14], em contravenções penais, qualquer que seja a pena em abstrato, e os crimes cuja cominação máxima em abstrato não ultrapassem a 02 (dois) anos, cumulada ou não com multa.

3.5         O Art. 61 da Lei 9.099/1995 com a vigência da Lei 11.313/2006

Em primeiro momento, o art. 61 da Lei nº. 9.099/1995 considerava infrações de menor potencial ofensivo as contravenções penais – qualquer que fosse a pena em abstrato aplicada – e os crimes cuja pena cominada em abstrato não ultrapassasse 01 (um) ano. Mais tarde, com a edição da Lei dos Juizados Federais, considerou-se que as infrações de menor potencial ofensivo seriam todos os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a dois anos, ou multa.

Com o advento da Lei 9.099/1995, o legislador optou pelo critério da pena máxima cominada, ou seja, não superior a um ano, vale dizer: menor ou igual a um ano, seja crime ou contravenção, não se referindo à natureza do cumprimento da pena, se reclusão, detenção ou prisão simples. [...] Ocorre que, através da Lei nº. 10.259/2011, instituiu-se o Juizado Especial na Justiça Federal, dispondo o parágrafo único, do art. 2º, da referida lei que: “Consideram-se infrações de menor poder ofensivo, para os efeitos desta lei, os crimes a que lei comine pena máxima não superior a dois anos, ou multa”.  (LIMA, 2005, p. 16 – 18, grifo do autor)

Frente às diferentes interpretações quanto ao real conceito dos crimes de menor potencial ofensivo, o Juiz Federal Fernando da Costa Tourinho Neto assentia que, com a vigência do parágrafo único do artigo 2º da Lei 10.259/1995, houve, na realidade, uma derrogação do artigo 61 da Lei 9.099/1995:

[...] “O parágrafo único do art. 2º da Lei 10.259/2001 derrogou o art. 61 da Lei 9.099/1995. Depois da Lei 10.259/2001, a interpretação dada pela jurisprudência e pela doutrina dominantes era que a infração de menor potencial ofensivo seria aquela em que a lei cominasse pena máxima não superior a dois anos, ou multa. Seja o crime de competência estadual ou federal. Também pouco importa se se trate de crime em que a lei preveja procedimento especial. (TOURINHO NETO, 2010, p. 427-428)

Surgiu, a partir dessas indagações, uma enorme discussão no campo doutrinário e jurisprudencial no que tange ao real conceito de infração de menor potencial ofensivo e a sua efetiva aplicação na prática. A corrente majoritária da doutrina e da jurisprudência entendia que, com o advento da Lei nº. 10.259/2001 – Lei dos Juizados Especiais Federais –, houve uma revogação tácita ao artigo 61 da Lei 9.099/1995, assim os crime de menor potencial ofensivo seriam aqueles em que a lei em abstrato comine pena não superior a 02 (dois) anos. Por sua vez, outra parte corrente, minoritária, entendia que o dispositivo contido no artigo 2º da Lei dos Juizados Federais era inconstitucional. Por fim, poucos doutrinadores e aplicadores do direito sustentavam que, caso fosse admitido concomitantemente os dois conceitos de menor potencial ofensivo, tais preceitos negariam vigência ao valorado principio constitucional da isonomia.

A questão que se passou a discutir foi a seguinte: Qual a influência que poderia exercer este novo conceito de delito de pequeno potencial ofensivo em relação à Lei nº. 9.099/1995? A doutrina, logo de início se dividiu acerca da resposta a esta indagação, sendo que grande parte da mesma passou a entender que houve revogação tácita do conceito de delito de pequeno potencial ofensivo erigido no art. 61 da Lei nº. 9.099/1995, em face da superveniência da supracitada lei.  É que acabou sendo criado um conflito com o já estabelecido conceito de infração de menor potencial ofensivo a nível Estadual, ou seja: as infrações penais com pena corporal máxima de um ano, excluídas as que seguem rito especial. [...] Outra parte da doutrina pugnava, por razões diversas, pela inconstitucionalidade do dispositivo da Lei 10.259/2001. [...] Outra corrente, entendia que havia ofensa ao princípio constitucional da isonomia (art. 5º, caput, da CF) caso prevalecesse a vigência dos dois conceitos de “infrações de pequeno potencial ofensivo”, ou sejam, o da lei estadual e o da lei federal. (LIMA, 2005, p. 18 – 19, grifo do autor)

O Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, em 6 de dezembro de 2001, baixou a Portaria Conjunta 24/2001, dispondo que, “a partir de 13 de janeiro de 2002, data de vigência da Lei Federal 10.259/2001, aplicar-se-á, para fixação da competência dos Juizados Especiais Criminais do Estado, o disposto no seu art. 2º, parágrafo único”. [...] O Superior Tribunal de Justiça, pela sua 3ª seção, já firmou entendimento no sentido de que o rol dos crimes de menor potencial ofensivo de competência dos Juizados Especiais Estaduais foi ampliado, em face da Lei 10.259/2001, para dois anos[15]. A parte do parágrafo único do art. 2º da Lei que diz “para os efeitos desta Lei[16]” e a parte final do art. 20[17], ambos da Lei 10.259/2001, nestes pontos, são inconstitucionais porque contrariam o art. 5º da Constituição Federal, que proclama: “todos são iguais perante a Lei, sem distinção de qualquer natureza...” (TOURINHO NETO, 2010, p. 429)

Para Gomes (apud LIMA, 2005), a Lei nº. 10.259/2001, ao considerar infrações de pequeno potencial ofensivo como aquelas em que a lei prevê pena máxima em abstrata não superior a 02 (dois) anos, dilatou o conceito que anteriormente se tinha em relação a tais crimes, dessa forma, o conceito contido no parágrafo único do artigo 2º da Lei dos Juizados Federais passou, também, a ser aplicado nos Juizados Especiais Estaduais.

A lei nº. 10.259/2001, ao definir o que se entende por infração de pequeno potencial ofensivo (art. 2º), ampliou esse conceito e aplica-se também aos Juizados Estaduais (cf. nesse sentido, vários artigos no site do ibccrim.com.br). Não se pode admitir o disparate de um desacato contra policial federal ser infração de menor potencial ofensivo (com todas as medidas despenalizadoras respectivas) e a mesma conduta praticada contra um policial militar não o ser. Não existe diferença valorativa dos bens jurídicos envolvidos. O valor do bem e a intensidade do ataque é o mesmo. Fatos iguais, tratamentos isonômicos.  (GOMES, 2002, apud LIMA, 2005, p. 19 – 20, grifo do autor)

Para resolver essa celeuma, o legislador secundário não teve outra solução e, cedendo à pressão da jurisprudência e da doutrina, editou a Lei nº. 11.313/2006, que alterou o art. 61 da Lei 9.099/1995. Assim, o art. 61 passou a considerar infração de menor potencial ofensivo os crimes com pena máxima em abstrato não superior a 02 (dois) anos, com ou sem previsão de multa cumulativa. Ademais, a Lei nº. 11.313/2006, além de aumentar a pena máxima para 02 (dois) anos, passou, também, a admitir o julgamento de delitos para os quais a lei previa rito especial, como, por exemplo, os crimes contra a honra e alguns crimes contra a administração pública, como a prevaricação.

Nas lições de Gonçalves e Reis (2009), a Lei nº. 10.259, de 12 de julho de 2001, também sofreu alterações com a vigência da Lei nº. 11.313/2006, porque estabeleceu – aos Juizados Especiais Criminais Federais – somente o julgamento das infrações de menor potencial ofensivo atinente a tal esfera, e que, por outro lado, diferentemente dos Juizados Estaduais, não devem julgar contravenções penais, vez que o inciso IV do art. 109 da Constituição Federal de 1988 vedou a possibilidade de a Justiça Federal julgar essa espécie de infração penal, sendo todas elas, então, julgas pela Justiça Estadual.

3.6         Da competência territorial

Seguindo a normativa do art. 63 da Lei 9.099/1995, a competência dos Juizados Especiais Estaduais será determinada pelo lugar em que foi praticada a infração penal. Parece que o legislador adotou um caminho inverso ao do artigo 70[18] do Código de Processo Penal, que diz que a competência será, de regra, determinada pelo lugar onde ocorreu o resultado, ou seja, onde se consumar o delito – Teoria do Resultado. Nas palavras de Lima (2005), o legislador quis que, para os crimes de pequeno potencial ofensivo, o Juízo competente fosse o do lugar da ação (teoria da atividade), mas, infelizmente, não soube dispor adequadamente a respeito, e, assim, deixou persistir dúvidas.

Todavia, para Fernando da Costa Tourinho Filho, a discussão não deve persistir, pois o tema se encontra pacificado na doutrina e na jurisprudência:

A discussão, contudo, não apresenta maiores problemas, porquanto doutrina e jurisprudência estão pacificadas no sentido de que a incompetência territorial é relativa, e isso porque, como bem diz Leone, a incompetência em razão do território se reduz à inobservância de uma exigência de maior funcionalidade do processo [...]. Ademais, em razão mesmo dessa “maior funcionalidade” que apresenta o foro lócus comissi delicti, o direito pretoriano tem admitido como competente para o processo o do lugar da ação, não obstante outro tenha sido o do resultado, como nos casos de homicídio, culposo ou doloso, em que a ação se verifica num lugar e o resultado, noutro [...]. Embora, legalmente, tal posicionamento não encontre respaldo, em face do que dispõe o art. 70 do CPP, tem lógica, já que a colheita de provas se torna mais fácil e, além disso, é no lugar da ação que há o alarma social, e a repressão se torna necessária para a exemplaridade. (TOURINHO FILHO, 2007, p. 45 – 46)

Partilhando da mesma contextualização, Tourinho Neto (2010) verbaliza que, no Juizado Especial Criminal, não se aplica o disposto no art. 70 do Código de Processo Penal, porquanto a preferência pelo lugar da infração decorre de que, o julgamento do autor no lugar em que a cometeu, serve de exemplo para os que o conhecem e souberam da prática do delito. É o que se chama de prevenção geral. Outros motivos são: a inexistência de Inquérito Policial, e sim Termo Circunstanciado de Ocorrência e a facilitação para a colheita de provas, oitiva de testemunhas, perícias e declarações dos envolvidos.

A essência dos Juizados Especiais cinge-se, além da busca pela pacificação social, na capacidade de oportunizar uma Justiça célere, distributiva e mais próxima da população. Os Juizados Especiais foram criados sob o manto da justiça participativa e coexistencial, ou seja, estão ancorados nos princípios norteadores da oralidade, da informalidade, da simplicidade, da economia processual, da celeridade e da pacificação social, bem com na ingerência da comunidade local.

Dessa forma, para dar ênfase a esse modelo de Justiça, os Tribunais de Justiça dos Estados poderão, por meio de lei, ou outro ato com tal força, criar em uma única comarca mais de um Juizado Especial Cível e Criminal, determinando suas respectivas competências territoriais. Cita-se, por exemplo, a Comarca de Palmas – Estado do Tocantins – que, através da Resolução nº. 003/2004, do Tribunal de Justiça do Tocantins, resolveu delimitar a circunscrição territorial dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais da seguinte forma:

O egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins, na 3ª Sessão Ordinária Administrativa, realizada no dia 02 de abril do ano em curso, e [...] CONSIDERANDO-SE o que prescrevem a constituição Estadual no seu artigo 48, inciso II, e Lei Complementar nº. 10/96, alterada pela Lei Complementar nº. 16/98 em seu artigo 19, incisos I e II; CONSIDERANDO-SE que a Lei Estadual que criou os Juizados Especiais Cíveis e Criminais da Comarca da Capital, não fixou suas respectivas circunscrições territoriais; [...] CONSIDERANDO-SE que em razão do número de Juizados atualmente instalados na Comarca, faz-se necessário estabelecer a competência territorial destes, com vistas a melhoria da prestação jurisdicional, facilitando o acesso dos cidadãos; CONSIDERANDO-SE a necessidade de se delimitar a área territorial de abrangência dos Juizados Especiais, sem, contudo, obstruir sua competência, que decorre dos artigos 3º, 4º e 63 da Lei Federal nº. 9.099/1995; RESOLVE; Art.1º. Fixar a circunscrição territorial dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais da Comarca de Palmas, ficando delimitada da seguinte forma: I - Juizado Especial Cível - instalado no edifício sede da Comarca: compreenderá toda a região central do município, tendo como divisor, ao norte, o córrego Sussuapara e ao sul a avenida LO 21; II - Juizado Especial Criminal - instalado no edifício sede da Comarca: compreenderá toda a região central do município, tendo como divisor, ao norte, o córrego Sussuapara e ao sul a avenida LO 21; III - Juizado Especial Cível e Criminal da Região Norte: compreenderá toda a região norte do município, tendo como divisor o córrego Sussuapara; IV - Juizado Especial Cível e Criminal da Região Sul (Rodoshopping): compreenderá a região situada entre a avenida LO 21 e o rio Taquaruçu; V – Juizado Especial Cível e Criminal de Taquaralto (Shopping da Cidadania): compreenderá a região situada ao sul, a partir do rio Taquaruçu, incluídos os distritos de Taquaruçu e Buritirana. (TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO TOCANTINS. Resolução 003/2004, online, grifo no original)

Como se vê, o Tribunal de Justiça do Tocantins, nos usos de suas atribuições, dividiu a comarca de Palmas, Estado do Tocantins, em várias circunscrições territoriais, e criou, com isso, 04 (quatro) Juizados Especiais diferentes. Notadamente, tal divisão levou, sem dúvida alguma, o Poder Judiciário para mais próximo da comunidade, sem contar que contribuiu – e muito – para a celeridade na tramitação dos processos judiciais, promovendo, inegavelmente, uma Justiça célere e distributiva.

3.7         Dos atos processuais

No tocante aos atos processuais, o artigo 64, da Lei nº. 9.099/1995, estabelece que sejam públicos, podendo realizar-se em horários noturno, em qualquer dia da semana e sempre serão válidos quando preencherem as finalidades para os quais foram realizados, atendidos ainda os critérios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade. A Lei nº. 9.099/1995 estabelece, ainda, que não se pronunciará qualquer nulidade sem que tenha havido efetivo prejuízo, e que a prática de atos processuais em outras comarcas poderão se dá por qualquer meio hábil de comunicação.

O parágrafo 3º, do artigo 65, da lei em análise, dispõe que os atos havidos por essenciais serão, exclusivamente, objeto de registro escrito; e os atos realizados nas audiências de instrução e julgamento poderão ser gravados em áudio. A citação será sempre pessoal, podendo ser feita no próprio Juizado, quando for possível, ou por mandado. Se, contudo, não foi possível encontrar o acusado, o juiz remeterá os autos ao juízo comum para adoção do procedimento previsto em lei, tendo em vista que no âmbito dos Juizados Especial não cabe citação ou intimação por edital.

Não cabe, no Juizado Especial, a citação ficta, por edital (citatio edictalis), que é aquela que “se faz por avisos (éditos), publicados pela imprensa e afixados na sede do juízo”, como explica Moacyr Amaral Santos. É, como acentua ele, uma “citação ficta: presume-se que o citado venha a ler os avisos ou a saber que o estão chamando a juízo”. Assim, não encontrando o autor do fato, o juiz, após esgotados todos os meios para citá-lo pessoalmente, encaminhará os autos ao juízo comum, tradicional, para que seja adotado o procedimento previsto no Código de Processo penal, ou seja, o procedimento comum (Lei 9.099/1995, art. 66, parágrafo único). Dá-se, desse modo, a declinatoria fori. A razão é simples. No Juizado, temos institutos, como a transação penal, que só podem ser aplicados com a presença do réu. Além do mais, haveria quebra dos princípios do informalismo, da celeridade e da economia processual. Nesse caso, ainda que a infração seja de menor potencial ofensivo, o processo e o julgamento não serão da competência do Juizado Especial, e sim do Juízo comum.  (TOURINHO NETO, 2009, p. 527, grifo no original)

Lima (2005) expõe que, caso o autor do fato compareça espontaneamente ao Juízo comum, ou por qualquer modo ali seja localizado, a demanda seguirá neste Juízo, não podendo mais ser devolvido ao Juizado, pois a lei não permite o reaforamento:

Questão interessante tem sido suscitada na prática do foro: para a audiência preliminar a Lei exige a intimação do autor do fato (art. 71), caso não tenha sido encaminhado imediatamente a Juízo, e, pergunta-se, não localizando, seria necessária a denúncia para que depois se efetivasse a citação, na forma do art. 78 da Lei 9.099/1995? Tem-se entendido que sim, o que conflita com o art. 62 da Lei, que determina que o juizado se paute pela informalidade e celeridade, e, por outro lado, causa espécie uma denúncia sendo localizado, o juiz não será competente para receber a denúncia e os autos irão para o juiz comum com denúncia, o que inviabilizaria ou tornaria conflitante o encaminhamento para a polícia, para novas diligências, caso necessárias. Assim, nos parece que se procura dar excessiva formalidade quando o que quis o legislador assegura foi simplesmente que o autor do fato estivesse presente no julgamento pelo Juizado, até porque deverá ser dada chance ao mesmo para transacionar. (LIMA, 2005, p. 58 – 59, grifo do autor)

Entretanto, o artigo 78, da lei em comento, assinala que a citação dar-se-á no próprio Juizado, pessoalmente, com entrega da denúncia, mas admite, por outro lado, a citação por mandado, e, para compatibilizar a questão com o espírito da lei, deveria constar do parágrafo único do artigo 66 não a referência à citação e sim, à intimação, desta feita pessoal e por mandado. Em outras palavras, não há que se falar em citação do suposto infrator para comparecimento à audiência preliminar, e sim intimação, tendo em vista que ainda não se formulou, por parte do Ministério Público ou querelante, respectivamente, denúncia ou queixa.

Nesse contexto, ante de haver verdadeiramente uma processo penal acusatório, com oferecimento de denúncia ou interposição de queixa-crime, as partes precisam se submeter à realização de uma audiência preliminar, a qual será objeto de estudo a seguir.


4 .DA FASE PRELIMINAR

4.1.Do Termo Circunstanciado de Ocorrência

A autoridade policial, que tomar conhecimento do fato delituoso, lavrará Termo Circunstanciado de Ocorrência e, se for o caso, providenciará os devidos exames periciais. Após, promoverá o encaminhamento das peças imediatamente para o competente Juizado Criminal, procedendo, ainda, a apresentação do autor do fato e da vítima para a audiência preliminar. Em transcrições práticas, quando uma autoridade policial tomar conhecimento de um fato tido como delituoso, terá que, por incumbência, lavrar Termo Circunstanciado de Ocorrência, no qual conterá, necessária e imprescindivelmente, as declarações da suposta vítima e do suposto infrator sobre a suposta infração, de eventuais testemunhas e, se for o caso, promoverá as requisições de perícias técnicas ou exames periciais.

O artigo 69, parágrafo único, da Lei nº. 9.099, de 26 de setembro de 1995, prescreve que:

Art. 69. A autoridade policial que tomar conhecimento da ocorrência lavrará termo circunstanciado e o encaminhará imediatamente ao Juizado, com o autor do fato e a vítima, providenciando-se as requisições dos exames periciais necessários.

Parágrafo único. Ao autor do fato que, após a lavratura do termo, for imediatamente encaminhado ao juizado ou assumir o compromisso de a ele comparecer, não se imporá prisão em flagrante, nem se exigirá fiança. Em caso de violência doméstica, o juiz poderá determinar, como medida de cautela, seu afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a vítima.

A regra no Processo Penal brasileiro é a investigação através do inquérito policial (art. 5º do Código de Processo Penal) a cargo da autoridade policial judiciária (Delegado de Polícia). Porém, a lei que rege os Juizados Especiais Criminais trouxe novos moldes no que tange ao procedimento administrativo policial. Para enriquecer ainda mais o esposado, sábias são as palavras de Marcellus Polastri Lima, ao aduzir que:

Com o advento, entretanto, da Lei 9.099/95, pode-se dizer que, apesar de continuarmos adotando o sistema da duplicidade de instrução, a primeira fase, concernente à investigação, em nome dos princípios da celeridade e informalidade, foi reduzida de tal forma que a Autoridade Policial só deverá colher os elementos existentes no clamor do fato, de forma sucinta, lavrando-se o que se denomina termo circunstanciado, que nada mais é do que uma coleta abreviada das versões dos envolvidos, indicação de testemunhas e outros dados relevantes, constando o registro de requisição do exame de corpo de delito e outras perícias. Trata-se, evidentemente, de verdadeira exceção à regra geral do art. 5º, § 5º, do Código de Processo Penal pelo art. 69 da Lei 9.099/95, pois, em se tratando de delito de menor potencial ofensivo, não há que se falar em instauração de inquérito, e sim de termo circunstanciado. (LIMA, 2005, p. 66)

Ademais,

Esse termo circunstanciado de ocorrência, sem formalidades, abreviado pela sigla TCO, substitui o inquérito policial e o auto de prisão em flagrante. O termo circunstanciado não é o mesmo que o boletim de ocorrência (BO), que é um termo simples, bem simples, feito tão-somente para registrar a queixa (queixa não no sentido técnico de queixa-crime, e sim de reclamação). É com base no termo circunstanciado que o Ministério Público formará sua opinio delicti[19]. (TOURINHO NETO, 2010, p. 539)

Para Tourinho Neto (2010) o Termo Circunstanciado de Ocorrência significa um documento policial que conterá todas as particularidades de como ocorreu o fato, com a demonstração da existência de um ilícito penal, de suas circunstâncias e de sua autoria, constando ainda o resumo do interrogatório do autor do fato, dos depoimentos da vítima e de suas testemunhas. Esses depoimentos não serão tomados por termo, faz-se um resumo. Caso haja necessidade de realização de diligências, como, por exemplo, exame de corpo de delito, mencionar-se-á o fato no boletim circunstanciado e, depois de realizadas, serão, o mais rápido possível, encaminhadas ao Juizado Especial em aditamento ao boletim circunstanciado.

4.1.1        Do Termo Circunstanciado de Ocorrência

O que se vê na prática é totalmente oposto à letra da lei, daí o brocardo: “na prática a teoria é outra”. A Autoridade Policial, após lavrar o Termo Circunstanciado de Ocorrência, designa previamente a audiência preliminar para data futura, intimando, na Delegacia, o suposto infrator e a suposta vítima para que compareçam ao Juizado Criminal; posteriormente, o Termo Circunstanciado é remetido ao Juizado. Veja-se que os envolvidos não são encaminhados imediatamente ao Juizado Criminal.

Na Comarca de Palmas, Estado do Tocantins, o processo virtual já é uma realidade. Todo o sistema é integrado entre a Secretaria de Segurança Pública (Polícia Civil), Ministério Público, Advogados e Poder Judiciário. Nesse passo, a Delegacia de Polícia envia o Termo Circunstanciado via sistema E-proc[20], com a data da audiência preliminar previamente designada e documento anexo contendo a intimação dos envolvidos (suposta vítima e suposto infrator), cabendo apenas à secretaria do Juizado Criminal agendá-la na pauta de audiência do conciliador judicial ou do juiz togado.

A Lei nº. 9.099/1995, em seu artigo 70, ressalta que “comparecendo o autor do fato e a vitima, e não sendo possível a realização imediata da audiência preliminar, será designada data próxima, da qual ambos sairão cientes”. Já o artigo 71, da mencionada lei, leciona que “na falta do comparecimento de qualquer dos envolvidos, a Secretaria providenciará sua intimação e, se for o caso, a do responsável civil, na forma dos arts. 67 e 68 desta lei[21].

Porém, na realidade prática, não comparecendo o suposto infrator, sendo constatado que ele foi devidamente intimado na Delegacia de Polícia, alguns juízes vêm determinando a expedição de mandado de condução coercitiva. Inversamente, se a suposta vítima estiver devidamente intimada para a audiência de conciliação e não comparecer, tampouco justificar sua ausência, alguns juízes vem promovendo o arquivamento dos autos, nos termos do Enunciado 99 do FONAJE (TRIBUNAL JUSTIÇA DO ESTADO DO TOCANTINS. 2010. p. 76), cujo inteiro teor reflete no sentido que “nas infrações penais em que haja vítima determinada em caso de desinteresse desta ou de composição civil, deixa de existir justa causa para ação penal”.

4.1.2        O termo circunstanciado como representação do ofendido

O artigo 75, caput, da Lei nº. 9.099/1995 dispõe que, não obtida a conciliação entre as partes, a representação se dará em juízo; por conseguinte, a representação, para os delitos de pequeno potencial ofensivo, não pode ser feita na Delegacia de Polícia. Muito embora o parágrafo 4º do artigo 5º do Código de Processo Penal aduz que “o inquérito, nos crimes em que a ação pública depender de representação, não poderá sem ela ser iniciado”, a Lei dos Juizados, face ao princípio da especialidade[22], dispôs de modo diferente.

Não se pode olvidar que o Termo Circunstanciado de Ocorrência, nos crimes de competência dos Juizados Criminais, substitui o Inquérito Policial. Ademais, se a representação fosse realizada na Polícia, o representante do Ministério Público já se acharia legitimado para oferecer a eventual denúncia, o que impediria a composição dos danos. Noutra situação, se o ofendido for levado à Delegacia de Polícia e não quiser que sejam tomadas providências, caberá à autoridade policial tomar por escrito essa manifestação. (TOURINHO NETO, 2010)

Há que se ponderar que o legislador secundário foi extremamente inteligente ao direcionar o momento da representação para a audiência preliminar, quando não for obtida a conciliação. Isso é de extrema significação, tendo em vista que, se fosse feita na delegacia, o Ministério Publico já estaria autorizado a propor a transação penal ou, não sendo possível, oferecer denúncia contra o suposto autor do fato.  Tal circunstância inviabiliza não só a composição dos danos ou o acordo civil, mas também a pacificação social do conflito. 

Assim considerando, o Ministério Público estaria obrigado, se preenchidos os requisitos legais, a fazer proposta de transação penal, mesmo sem a presença da vítima, e a oferecer denúncia, se ausente o autor do fato. Ocorre que a prática demonstra, na quase totalidade dos casos, que a vítima deixa de comparecer à audiência preliminar quando não tem interesse em representar, por já ter transigido com o autor do fato, perdoado-o, etc. Da mesma forma, o autor do fato deixa de comparecer à audiência preliminar em razão de acordo eventualmente entabulado com o ofendido. Por isto, a se considerar com representação a simples lavratura do TCO, estar-se-ia impingindo ao autor do fato a transação penal ou dando início à ação penal pública condicionada, sem que a vítima, titular da condição de procedibilidade, pretendesse tal consequência. Esse entendimento tem, ainda, o inconveniente de estimular a ausência do ofendido na audiência preliminar, tornando esse ato judicial inócuo, descaracterizando a finalidade da lei que é a composição entre os sujeitos do ato infracional. (LIMA JÚNIOR; NOGUEIRA, 2002, online, grifo no original)

Todavia, o entendimento que prevalece na jurisprudência e doutrina é de que a representação pode ser feita na Delegacia de Polícia. Desta feita, colhida a representação na Pólicia, caberá à ofendida, caso não queira entrar na fase judicial, retratar-se ao seu direito de representação. Fazendo parte dessa corrente majoritária, a Desembargadora Genecéia da Silva Alberton, do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, verbera que a representação feita em juízo não significa, necessariamente, que ela seja desnecessária na fase policial, isso por que, uma vez demonstrada pela suposta vítima o seu desinteresse em dar prosseguimento à instauração da demanda penal, ela poderá se retratar nos moldes do artigo 25 do Código de Processo Penal, ou seja, sua retratação poderá ocorrer a qualquer momento antes do oferecimento a denúncia. (ALBETON apud TOURINHO NETO, 2010)

4.2         Das audiências preliminares

O legislador, ao editar a Lei nº. 9.099/1995, textualizou que na audiência preliminar deverá estar presente o representante do Ministério Público, o suposto infrator, seu defensor, a suposta vítima e, se for o caso, o representante legal dessa. Ademais, para Tourinho Neto (2010), é na audiência preliminar que o juiz, ou o conciliador, colocará ao entendimento das partes a possibilidade da composição dos danos civis que a infração causou, ou de um acordo civil – pacificação social pela reconciliação – em face das circunstâncias sociais ensejaram as supostos delitos.

Art. 72. Na audiência preliminar, presente o representante do Ministério Público, o autor do fato e a vítima e, se possível, o responsável civil, acompanhados por seus advogados, o juiz esclarecerá sobre a possibilidade da composição dos danos e da aceitação da proposta de aplicação imediata de pena não privativa de liberdade.

Em que pese a Lei nº. 9.099/1995 ter determinado, em face do princípio da economia e celeridade processual, a realização de uma única audiência preliminar, que compreende tanto a transação civil (composição dos danos e acordo civil) quanto a transação penal, na prática isso se torna quase impossível, porquanto a demanda é muito grande e há um número significativo de audiências preliminares a se realizarem em um único dia. Em virtude desses desdobramentos, fica inviável proceder à realização de todos os atos (transação civil e penal) em uma só audiência preliminar.

Nesse contexto, muitos Juizados Criminais vêm promovendo o fracionamento da referida audiência preliminar para conseguir suprir a demanda. Com isso, nos crimes de ação pública condicionada à representação, haverá uma audiência preliminar de conciliação e, restando essa infrutífera, será designada nova data para a realização da audiência preliminar de transação penal, com a participação do representante do Ministério Público para proposta de transação penal. Posteriormente, não havendo proposta de transação penal, ou o suposto infrator não aceitá-la, bem como se não houver a necessidade de diligências imprescindíveis, o promotor de justiça imediatamente oferecerá denúncia oral, que será reduzida a termo e uma cópia será entregue ao acusado – agora sim estará, efetivamente, na qualidade de acusado –, o qual ficará cientificado e citado para a designada audiência de instrução e julgamento.

Já nos crime de ação penal privada, haverá uma audiência preliminar de conciliação e, restando-se essa infrutífera, os autos aguardaram em cartório para posterior interposição de queixa-crime no prazo decadencial de 06 (seis) meses. Havendo a interposição da queixa-crime tempestivamente, será designada audiência de conciliação, instrução e julgamento, onde o juiz, antes de receber a queixa, irá tentar novamente uma conciliação entre as partes. Não havendo novamente a possibilidade de conciliação, o juiz dará início ao procedimento sumaríssimo.

4.2.1        Da audiência preliminar de conciliação

O conciliador judicial poderá presidir, sob orientação do juiz togado, a audiência preliminar de conciliação. Tourinho Neto (2010, p. 556), no mesmo sentido, discorre que “a audiência de conciliação pode ser exercida sem a presença do juiz. Talvez melhor que seja assim, pois evita a possibilidade de um prejulgamento ou mesmo de uma má vontade do julgador ante a resistência do autor do fato a acordar”.

Art. 73. A conciliação será conduzida pelo juiz ou por conciliador sob sua orientação.

Ademais, é extremamente importante e imprescindível, nessa audiência, a presença de todos os envolvidos, para que possa ser tentada a composição dos danos civis ou o acordo civil (reconciliação). Instalada a audiência, o conciliador judicial, demonstrando paciência, serenidade e respeito, tentará, através do diálogo, encurtar a distância existente entre as partes, com fito de solucionar o conflito social que ensejou na lavratura do Termo Circunstanciado de Ocorrência. Nesse liame, Tourinho Neto (2010, p. 556) é mais incisivo ao dizer que “deverá o juiz, ou o conciliador, permitir que as partes conversem entre si, debatam e façam contrapropostas, para chegarem a um denominador comum”.

É aí que se dá o relevante papel dos conciliadores, que irão auxiliar o Juiz de Direito, togado, a obter a conciliação entre as partes, fazendo a aproximação preliminar e instruindo as partes, e mesmo o responsável civil, sobre as vantagens da conciliação, para após, uma vez obtida, se dar a homologação e a extinção da punibilidade pela renúncia, podendo o conciliador, para maior celeridade, na impossibilidade da presença do Juiz togado, dar andamento à conciliação, mas nunca será possível que se manifeste sobre a homologação, que é ato privativo [por ser um ato indelegável, a terminologia correta é exclusivo] do Juiz togado. (LIMA, 2005, p. 77, grifo no original)

Frisa-se que a audiência preliminar de conciliação é uma audiência em que não se estará adentrando no mérito do fato delituoso. O conciliador judicial, sempre estimulando o diálogo, ouvirá atentamente o que as partes têm a dizer e, com muita calma, ajudá-las-á a resolver o conflito, tanto na via judicial quanto, e principalmente, na esteira extrajudicial.

Obtendo o Juiz ou conciliador o devido êxito quanto à satisfação dos danos, urge reduzir o acordo a escrito, cabendo ao juiz homologá-lo. Nesse caso, lavra-se um termo de audiência preliminar, consignando-se dia, local e hora e a presença dos envolvidos, do Juiz e, se for o caso, do Promotor de Justiça e responsável civil. Em seguida, após registrada [...], segue a homologação pelo Juiz. (TOURINHO FILHO, 2007, p. 96)

Uma vez obtida a composição civil dos danos ou o acordo civil, o conciliador judicial redigirá, no termo de audiência preliminar de conciliação, os atos havidos por necessários e, posteriormente, encaminhará os autos para o juiz proceder com a homologação, pois é ato exclusivo do magistrado.

4.2.2        Renúncia ao direito de representação ou queixa

Segundo Nucci (2012, p. 590), “renúncia é a desistência de propor a ação penal privada”. Doutro lado, Tourinho Neto (2010, p. 565) aduz que “somente haverá desistência quando já estiver intentada a ação penal privada”. Nesse esteio, vislumbra-se que a renúncia sempre ocorrerá antes do ajuizamento da ação. Em se tratando do microssistema dos Juizados Especiais Criminais, havendo um acordo entre as partes, a suposta vítima estará renunciando ao seu direito de queixa, nos crimes de ação penal privada, como também ao seu direito de representação, quando se tratar de ação penal pública condicionada.

É notório que o parágrafo único do artigo 74, da Lei dos Juizados Especiais, trouxe duas exceções à regra ao aduzir que: “tratando de ação penal de iniciativa privada ou de ação pública condicionada à representação, o acordo homologado acarreta a renúncia ao direito de queixa ou representação”. Assim, no âmbito dos Juizados Criminais, diferentemente do disposto no art. 104[23], parágrafo único, do Código Penal, a composição civil dos danos implicará não só à renúncia tácita ao direito de queixa, como também, tratando-se de uma inovação, a renúncia tácita ao direito de representação.

Insta acentuar que o parágrafo único do artigo sob comentário trouxe duas novidades, em se tratando de infrações penais de menor potencial ofensivo: 1ª) Se se cuidar de ação penal privada, a conciliação quanto à satisfação dos danos, devidamente homologado, implica renúncia ao direito de queixa, contrariando a regra do art. 104 do Código Penal, no sentido de a composição dos danos não implica renúncia tácita ao direito de queixa. E, assim, na hipótese de conciliação, restará ao Juiz julgar extinta a punibilidade pela renúncia tácita, com fulcro no parágrafo em exame c/c o art. 107, V, do CP; 2ª) Cuidando-se de ação pública condicionada à representação, aplica-se a mesma regra: o acordo celebrado entre as partes e devidamente homologado pelo Juiz implica “renúncia” tácita ao direito de representação, devendo o Juiz, também nesse caso, julgar extinta a punibilidade. A renúncia ao direito de queixa em virtude da satisfação dos danos. [...] No processo penal comum, o recebimento pelo ofendido da importância alusiva à satisfação dos danos não implica renúncia ao direito de queixa, conforme dispõe a última parte do art. 104 do Código Penal. Já no Juizado Especial Criminal a regra é diferente. Para facilitar ao máximo o acordo quanto à satisfação do dano e estimular o autor do fato a fazê-lo, dispôs-se de modo diverso. E essa circunstância deve ser bem lembrada. A homologação do acordo atinente à satisfação do dano implica renúncia ao direito de queixa, devendo o Juiz, por óbvio, julgar extinta a punibilidade com fulcro no parágrafo único do art. 74 da Lei n. 9.099/95 c/c o art. 107, V, do Código Penal. A renúncia ao direito de representação em razão da composição civil. [...] No Juizado Especial Criminal, o instituto da representação foi mitigado. No obstante a regra do art. 39 do CPP, a “representação” somente poderá ser feita no Juizado, ou, onde não houve, perante o Juiz Criminal. Há um momento próprio para o seu exercício: após o insucesso nas tentativas de um acordo quanto à satisfação dos danos. Uma vez obtido o acordo e após a sua homologação, seu titular não mais poderá fazê-la, visto que o legislador no parágrafo único do art. 74 da lei sob comento estabeleceu, como forma de estimular a transação, que o acordo quanto à satisfação dos danos implica renúncia ao direito de representação. (TOURINHO FILHO, 2007, p. 97-99, grifo do autor)

Nessa mesma contextualização, Lima (2005, p. 79) assevera que havendo composição dos danos civis, homologado pelo juiz, “haverá renúncia ao direito de queixa ou representação, porquanto a lei criou nova hipótese de extinção de punibilidade não elencada no rol do art. 107 do Código Penal, criando, por outro lado, a figura da renúncia ao direito de representação”. Assinala-se, ainda, que o artigo 25[24], do Código de Processo Penal, expõe rigidamente que, havendo representação, não poderá a suposta vítima retratar-se.

No entanto, face à regra de que o Código Penal e de Processo Penal terão aplicação subsidiária, assim como ao fato de a determinação contida no mencionado artigo não se coadunar com os princípios orientadores dos Juizados Especiais, o princípio da irretratabilidade não se aplica no rito especial dos Juizados Criminais. O ilustre jurista Luiz Gustavo Grandinetti Castanho de Carvalho detém o seguinte entendimento:

“Não parece deva-se adotar essa regra em uma legislação que se funda em outros princípios, não conhecidos pelo Código de Processo. Diferentemente deste, a Lei 9.099/1995 elegeu a reparação do dano com um dos princípios fundamentais da nova legislação. E, como dissemos antes, a pacificação social ou familiar é o bem maior que deve ser buscado pelo direito, insculpindo-se como uma forma de reparação do dano. Assim, havendo retratação da representação, deve-se considerá-lo como causa para a extinção da punibilidade, por analogia ao artigo 107, V, do Código Penal, que autoriza a extinção de punibilidade pela renúncia do direito de representação”. (CARVALHO apud TOURINHO NETO, 2010, p. 565)

Marcellus Polastri Lima ressalta que:

Com efeito, se antes já era prevista a possibilidade de renúncia ao direito de queixa (arts. 104 e 107, V, do CP), não era possível haver, em se tratando de ação penal condicionada, renúncia da representação, já que, neste caso, ou se representava ou não se representava. O que era possível e previsto era a retratação da representação antes da denúncia. Frisa-se que, no caso de ação penal privada, existe verdadeira “renúncia tácita legal”, ocorrendo, nos crimes em tela, derrogação ou exceção ao disposto do parágrafo único do art. 104 do Código Penal, que não permitia a consideração da reparação do dano. Note-se que tal composição terá efeito de extinguir a punibilidade não só quando realizada anteriormente à denúncia, como também no decorrer do processo, provendo o art. 79 nova tentativa no curso do processo. No trâmite do processo, no caso de ação penal pública condicionada, se dá verdadeira exceção à regra da irretratabilidade da ação da representação após o oferecimento da denúncia e da indisponibilidade ou irretratabilidade da ação penal pública (art. 42 do CPP), com derrogação do princípio geral, antes também aplicável às leis especiais, do art. 102 do Código Penal, no que tange aos delitos de menor potencial ofensivo. (LIMA, 2005, p. 79)

Dessa forma, pode-se dizer que a Lei nº. 9.099/1995, por ser uma lei de cunho especial, fez exsurgir, no Processo Penal brasileiro, inúmeras inovações processuais. Notadamente, ao mesmo tempo em que criou a figura da renúncia ao direito de representação, também possibilitou a retratação após o oferecimento da denúncia. Essas exceções foram criadas em função de um bem maior que o microssistema processual dos Juizados Especiais tanto enaltece: a conciliação entre partes com vistas à pacificação social.

4.2.3        O oferecimento da representação verbal nos crimes de ação privada e pública condicionada

A expressão “representação” deve ser entendida no sentido de procedibilidade, ou seja, compreende a manifestação da suposta vítima em querer prosseguir com o feito em desfavor do suposto autor do fato. Cinge-se aduzir que, frustrada a conciliação, será, imediatamente, dada oportunidade à suposta vítima de exercer seu direito de representação ou queixa, o qual se dará verbalmente e redigido inequivocamente no termo de audiência preliminar de conciliação. Nota-se que o legislador foi extremamente claro e incisivo ao disciplinar que a representação, no âmbito do Juizado Especial Criminal, dar-se-á na audiência preliminar, quando não for obtida a conciliação entre as partes. Veja-se a letra da lei, in verbis:

Art. 75. Não obtida a composição dos danos civis, será dada imediatamente ao ofendido a oportunidade de exercer o direito de representação verbal, que será reduzida a termo.

Linard (2007, online) externa que, apesar de a cabeça do artigo 75, da lei em comento, reportar-se expressamente somente ao direito de representação, pode-se, perfeitamente, estendê-lo ao exercício do direito de queixa, ainda mais por que o parágrafo único do artigo 74 abrange igualmente à representação e à queixa. Compartilhando do mesmo entendimento, Ada Pellegrini Grinover, Antônio Magalhães Gomes Filho, Antônio Scarance e Luiz Flávio Gomes assinalam que:

Frustrada, por qualquer razão, a tentativa de composição dos danos civis, o ofendido [...] terá a imediata oportunidade de oferecer representação oral, que será reduzida a termo. Embora o dispositivo se refira exclusivamente ao exercício imediato do direito de representação, a mesma faculdade deve ser estendida ao ofendido, em caso de queixa. Trata-se de aplicação analógica do dispositivo, em benefício não só da vítima, mas também da rapidez e eficiência da prestação jurisdicional [...].  (FERNANDES; GOMES; GOMES FILHO; GRINOVER, 1997, p. 125-126)

Portanto, não havendo acordo entre as partes, o juiz togado ou o conciliador judicial dará a oportunidade de a suposta vítima exercer seu direito de representação, seja nos crimes de ação pública condicionada, seja nos crimes de ação privada.  O direito de representação consiste na oportunidade em que a suposta vítima manifestará seu desejo em prosseguir com o feito em desfavor do suposto autor do fato. Todavia, conforme preconizado no parágrafo único do artigo em comento, o não oferecimento da representação na audiência preliminar não implica decadência do direito, que poderá ser exercido no prazo previsto em lei.

Mas qual o momento que começará a contar o prazo decadencial? Ante a tal indagação, vislumbra-se que o marco inicial do prazo decadencial é o ponto central do presente trabalho, conforme será demonstrado a seguir.


5.O início da contagem do prazo decadencial no ÂMBITO DOS Juizados ESPECIAIS Criminais

Com o advento da Lei nº. 9.099/1995, e a instalação dos Juizados Especiais Criminais, implantou-se um novo modelo de Justiça Criminal no Brasil, orientado, segundo o artigo 2º da lei em comento, pelos princípios da oralidade, informalidade, simplicidade, economia processual e celeridade; buscando, sempre que possível, a prestação jurisdicional com possibilidade da conciliação. Inegáveis são os avanços e os conceitos ideológicos que a Lei 9.099/1995 proporcionou ao sistema penal brasileiro, todavia a viabilização desse novo modelo de Justiça Criminal vem sofrendo alguns percalços, tanto do ponto de vista teórico quanto pragmático.

A grande quantidade de Termo Circunstanciado de Ocorrência que são encaminhados ao Juizado Criminal resulta, na maioria das vezes, em audiências preliminares fora dos prazos, ou seja, superiores a 06 (seis) meses da data do fato. Isso dificulta sobremaneira a aplicação do artigo 70 da Lei 9.099/1995, o qual determina a realização imediata da audiência preliminar ou em data próxima. Esses e outros contratempos sem sobra de dúvidas contribuíram para a enorme celeuma quanto ao início da contagem do prazo decadencial para o oferecimento da representação nos crimes de ação penal privada e pública condicionada. (LIMA JÚNIOR; NOGUEIRA, 2002, online)

Assenta-se que existem duas correntes que se divergem quanto ao marco inicial da contagem do prazo decadencial no âmbito dos Juizados Especiais Criminais. Para a primeira corrente, majoritária, o prazo decadencial para o oferecimento da representação está inserto no artigo 38 do Código de Processo Penal, haja vista que a Lei nº. 9.099/1995 não trouxe qualquer alteração a respeito. Em sentido oposto, a segunda corrente, que é minoritária, aduz que a lei em comento excepcionou a regra contida no referido artigo 38 Código de Processo Penal, assim o momento inicial do prazo decadencial só começará a fluir a partir da audiência preliminar, especificamente, quando essa for fracionada, da audiência preliminar conciliação.

A corrente majoritária ainda se divide em dois subgrupos quanto ao momento da representação, momento esse que influi diretamente na contagem do prazo decadencial. Alguns consideram como representação a simples lavratura do Termo Circunstanciado de Ocorrência; para outros o Termo Circunstanciado é a própria representação, somente precisando ser ratificada na audiência preliminar. Por sua vez, ressalta-se que, com a representação realizada na Delegacia de Polícia, não mais se operará a extinção de punibilidade pela decadência, consoante disposto no art. 38 do Código de Processo Penal. Com a representação, a suposta vítima já teoricamente manifestou sua intenção em processar o autor do fato, independentemente da realização de audiência preliminar.

Sendo o Termo Circunstanciado considerado uma representação, o representante do Ministério Público, nos crimes de ação penal condicionada, já estaria obrigado, caso o suposto autor do fato não comparece na audiência preliminar, e os requisitos legais encontrem-se preenchidos, a fazer, mesmo sem a presença da vítima, a proposta de transação penal; e, se ausente o suposto infrator, oferecer a denúncia.

Ademais, tal entendimento levanta uma enorme e injusta discrepância em relação aos crimes de ação penal privada, pois a representação feita na delegacia só diz respeito aos crimes de natureza condicionada à representação. Necessário propiciar a seguinte pergunta: como ficam os crimes de menor potencial ofensivo de natureza penal privada, já que não haverá interposição de queixa-crime na polícia? Certamente, se o termo Circunstanciado for enviado para o Juizado Criminal após o lapso temporal de 06 (seis) meses, sem que a suposta vítima tenha, nesse interstício, interposto a queixa-crime, a decadência encontrar-se-á operada, devendo, inclusive, ser declarado de ofício pelo magistrado, por ser norma de ordem pública.

No mais, caso a suposta vítima, durante a audiência preliminar de conciliação, não tenha mais a intenção em prosseguir com o feito, renunciará, nos crimes de ação privada, ao seu direito de queixa, e, refutando sua intenção em querer processar o suposto infrator, retratar-se-á da representação realizada na Delegacia de Polícia, consoante se depreende, respectivamente, dos incisos V e VI do artigo 107  do Código Penal.

[...] a prática demonstra, na quase totalidade dos casos, que a vítima deixa de comparecer à audiência preliminar quando não tem interesse em representar, por já ter transigido com o autor do fato, perdoado-o, etc. Da mesma forma, o autor do fato deixa de comparecer à audiência preliminar em razão de acordo eventualmente entabulado com o ofendido. Por isto, a se considerar com representação a simples lavratura do TCO, estar-se-ia impingindo ao autor do fato a transação penal ou dando início à ação penal pública condicionada, sem que a vítima, titular da condição de procedibilidade, pretendesse tal consequência. Esse entendimento tem, ainda, o inconveniente de estimular a ausência do ofendido na audiência preliminar, tornando esse ato judicial inócuo, descaracterizando a finalidade da lei que é a composição entre os sujeitos do ato infracional. Há ainda quem entenda que a elaboração do TCO já é a representação, só que necessita ser ratificada por ocasião da audiência preliminar. Argumento que visa tão-somente “achar” uma maneira de evitar que se opere a decadência, sem nenhum compromisso. (LIMA JÚNIOR; NOGUEIRA, 2002, online)

Para Tourinho Filho (2007), defensor entusiasmado da primeira corrente, o prazo para exercício do direito de representação é de seis meses e começa a fluir a partir da data em que a pessoa, que está investida do direito de fazê-la, vem a saber quem é o autor do crime, tal como dispõe o artigo 38 do Código de Processo Penal. No mesmo esteio, Lima (2007) acrescenta que alguns intérpretes foram apressados ao afirmar que o prazo decadencial passaria a ser contado, em se tratando de crimes pertencentes à sistemática dos Juizados Criminais, a partir da audiência preliminar, inclusive com alguns parcos julgados neste sentido. Lima (2007) ainda ressalta que essa não é a melhor interpretação, pois o lapso temporal decadencial e a forma de sua contagem se regem pelo artigo 38 do Código de Processo Penal.

Obviamente que esta não é a melhor interpretação, já que o lapso decadencial e a forma de sua contagem se regem pelo Código de Processo Penal, dispondo o art. 38 de que será de seis meses a contar do conhecimento do autor do fato, e, aliás, é o que dispõe a parte final do art. 75 da Lei nº 9.099/95, dizendo que o direito deverá ser exercido o prazo previsto em Lei, obviamente na forma do Código de Processo Penal. (LIMA, 2007, p. 57)

Por outro lado, os defensores da segunda corrente expõem que o prazo decadencial iniciar-se-á, diferentemente do disposto no artigo 38 do Código de Processo Penal, a partir da audiência preliminar de conciliação, porquanto a Lei dos Juizados Criminais instituiu, pelo princípio da especialidade, um novo critério: após a não obtenção da composição dos danos ou acordo civil, o exercício da representação dar-se-á no prazo decadencial de 06 (meses), contados a partir da audiência preliminar.

O prazo decadencial, ao nosso sentir, tem início a partir da audiência preliminar, e não, como determinado no art. 103 do Código Penal e no art. 38 do Código de Processo Penal, do dia em que o ofendido veio a saber quem é o autor do crime. A Lei dos Juizados, como lei especial, instituiu um novo critério. Este art. 75, caput, da Lei 9.099/1995 diz que “será dada imediatamente ao ofendido a oportunidade de exercer o direito de representação verbal”. A partir dessa data é que começa o prazo a fluir. (TOURINHO NETO, 2010, p. 568, aspas do autor)

Mário José Gomes Pereira, Desembargador do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, argumenta da seguinte forma:

“Segundo a regra de seu art. 75 (Lei 9.099/1995), ‘não obtida a composição dos danos civis, será dada imediatamente ao ofendido a oportunidade de exercer o direito de representação verbal (...).’ Ora, se esta a dicção legal, fica evidente que este direito não poderá ser exercido pelo ofendido antes de tal ocasião. Mais. Se o parágrafo único do referido artigo reza que ‘não oferecimento da representação na audiência preliminar implica decadência do direito, que poderá ser exercido no prazo previsto em lei’, há que se entender que o prazo para representar é de seis meses a contar da data da audiência preliminar. (PEREIRA, apud, TOURINHO NETO, 2010, p. 569, aspas do autor)

Embora a primeira corrente prevaleça na doutrina e jurisprudência, a segunda corrente, partindo-se da premissa gramatical e da interpretação teleológica, é a mais lógica e coerente. Assim, se for considerada a posição da primeira corrente, a finalidade conciliatória dos Juizados Especiais seria sensivelmente enfraquecida. Nota-se, do texto de lei, que o legislador secundário consignou o exercício da representação – nos Juizados Criminais – durante a audiência preliminar, após a inexitosa conciliação. Da mesma forma fez para o início da contagem do prazo decadencial.

Nota-se que não se trata de derrogação ao art. 38 do CPP, e sim de exceção à regra, como já dito, porque o próprio artigo prevê a possibilidade de disciplinamento diferente ao nele consagrado, ao estipular: “Salvo disposição em contrário, o ofendido, ou seu representante lega, decairá do direito de queixa, se não exercer dentro do prazo de seis meses, contados do dia em que vier a saber quem é o autor do crime, ...” [...] Vele ressaltar que tal regra também foi excepcionada no art. 91 da Lei 9.099/95 ao estabelecer prazo decadencial de 30 (trinta) dias para os processos em andamento. De igual forma é exceção o prazo para as vítimas de crimes contra os costumes, menores de 18 (dezoito) anos, oferecerem representação após completarem a idade exigida por lei, bem como no art. 529 do estatuto processual, que disciplina o prazo decadencial para o oferecimento da queixa nos crimes contra a propriedade imaterial. A interpretação teleológica também é a que mais se amolda a este raciocínio porque o espírito da Lei 9.099/95, ao estabelecer a realização da audiência preliminar, foi de propiciar a oportunidade para o autor do fato e vítima transacionarem e esta ver-se ressarcida. [...] Portanto[,] a audiência preliminar é o marco inicial prazo para o oferecimento da representação. (LIMA JÚNIOR; NOGUEIRA, 2002, online) 

Ademais, os que defendem o posicionamento da corrente minoritária salientam que o princípio da especialidade contido nos Juizados Especiais não está a derrogar o artigo 38 do Código de Processo Penal, apenas – e tão somente – passou a excepcionalizar o momento da contagem do prazo decadencial que se dará a partir da audiência preliminar, quando a conciliação resta-se infrutífera. Frisa-se, no mais, que o lapso temporal continuará ser o de 06 (seis) meses, conforme estipulado no mencionado artigo do Código de Processo. 


6.Considerações Finais

Extrai-se do enredo desenhado pelo presente trabalho, que as Cortes dos homens pobres foram criadas exatamente com vistas a propiciar uma jurisdição especial e que servissem às pequenas causas. Posteriormente, no Brasil, as Cortes dos homens pobres receberam a nomenclatura de Juizados das Pequenas Causa e, com a promulgação da Constituição Federativa do Brasil de 1988, passou-se à denominação de Juizados Especiais. Vale ressaltar que, anteriormente à Carta Política de 1988, não havia a figura de um Juizado que abrangesse a seara criminal.

Conforme já transcrito no decorrer da presente obra, o Juizado Especial Criminal foi criado por normativa mandamental do artigo 98, inciso I, da Constituição Cidadã de 1988; sendo, efetivamente, com a vigência da Lei nº. 9.099/1995, implementado para que cuidasse dos crimes de menor potencial ofensivo. Nasceu um novo modelo de Justiça Criminal no Brasil, porquanto a Lei nº. 9.099/1995 está agarrada, através da composição amigável entre as partes – que é sua viga mestre –, na pacificação social do conflito. A lei em comento baseia-se em verdadeiras inovações no que diz respeito ao ordenamento jurídico penal e processual penal brasileiro.

É notório e inegável que o Juizado Especial Criminal – por possuir princípios próprios e um microssistema para conhecer, processar e julgar crimes de menor potencial ofensivo – segue um rito peculiar e especial. Consoante previsão legal contida no artigo 92 da lei que rege os Juizados Criminais, os institutos contidos no Código de Processo Penal terão aplicação subsidiária, devendo haver, entretanto, compatibilidade com o sistema o sistema instituído pela lei em comento. Dessa forma, quando a Lei dos Juizados Criminais for omissa em algum ponto, aplicar-se-ão as regras do Código Penal e de Processo Penal, desde que não haja incompatibilidade principiológica ou normativa com a Lei nº. 9.099/1995.

A função teleológica da Lei nº. 9.099/1995, que se solidifica na pacificação social através dos institutos conciliatórios, somada com a literalidade gramatical do artigo 75, remete-se para a excepcionalidade do marco inicial da contagem do prazo decadencial, em oposição ao disposto no artigo 38 do Código de Processo Penal. Embora termo inicial do lapso decadencial não se encontre pacificado, evidencia-se que a Lei nº. 9.099/1995 engrandece de forma esplendorosa a audiência preliminar, principalmente o instituto da conciliação, que busca, por meio do diálogo entre as partes, a pacificação extrajudicial do conflito.

Cumpre assinalar, ainda, que os novos institutos impuseram ao operador do direito, no que tange ao microssistema dos Juizados Especiais Criminais, uma interpretação diferenciada frente ao arcaico sistema penal brasileiro, regido pelos Códigos Penal e de Processo Penal. Mencionam-se, como duas das inovações trazidas pela Lei nº. 9.099/1995, as figuras da renúncia ao direito de representação e do exercício do direito de representação verbal na audiência preliminar. Nesse mesmo contexto, a análise que se faz é no sentido de que, não obtida a conciliação, a suposta vítima terá 06 (seis) meses, a partir da audiência preliminar, para exercer seu direito de representação, seja nos crime de ação penal privada, seja nos crimes de ação penal pública condicionada.


REFERÊNCIAS

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Notas

[1]  Corte dos homens pobres.

[2] O Ministério da Desburocratização foi uma secretaria do poder executivo federal do Brasil que existiu no período de 1979 a 1986, com o objetivo de diminuir o impacto da estrutura burocrática na economia e vida social brasileira. Os ministros foram Hélio Beltrão, João Geraldo Piquet Carneiro e Paulo Lustosa. Durante a existência do ministério foram criados os Juizados de Pequenas Causas e o estatuto da microempresa. Ao ser extinta, a pasta foi absorvida pelo Ministério da Administração.

[3] Helio Beltrão foi o primeiro administrador público brasileiro a formular e a colocar em prática uma política de desburocratização. Falecido em 1997, deixou como maior legado a conscientização da sociedade brasileira a respeito dos malefícios da burocratização e da centralização administrativa.

[4]  H.C nº. 71.173-6, de relatoria do Ministro Sepúlveda Pertence, publicado no Diário de Justiça da União em  4 de novembro de 1994, p. 29.827.

[5]  DOU 27.09.1995, p. 15.034-15.037

[6] Constituição Federal de 1988, art. 61 da: “A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional, ao Presidente da República, ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores, ao Procurador-Geral da República e aos Cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição”.

[7] Constituição Federal de 1988, art. 96: “Compete privativamente: (...) II – ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores e aos Tribunais de Justiça, propor ao Poder Legislativo respectivo, observado o disposto no art. 169. (...) d) a alteração da organização e da divisão judiciárias”.

[8] Lei 9.099/1995, art. 92: “Aplicam-se subsidiariamente as disposições dos Códigos Penal e de Processo Penal, no que não forem incompatíveis com esta Lei”.

[9] Uma antinomia, podendo ser chamada também de paradoxo, é a afirmação simultânea de duas proposições (teses, leis etc) contraditórias. A antinomia no campo do direito recebe o nome de antinomia jurídica.

[10] LXXVIII – a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação. 

[11] Havendo acordo entre as partes, o Juiz prolatara uma sentença homologatória, que extinguirá o feito.

[12] Lei 9.099/1995, art. 62: O processo perante o Juizado Especial orientar-se-á pelos critérios da oralidade, informalidade, economia processual celeridade, objetivando, sempre que possível, a reparação dos danos sofridos pela vítima e a aplicação da pena não privativa de liberdade.

[13] Lei 9.099/1995, art. 73: “A conciliação será conduzida pelo juiz ou por conciliador sob sua orientação”.

[14] Lei 9.099/1995, art. 61: ”Consideram-se infrações penais de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a 02 (dois) anos, cumulada ou não com multa”.

[15] Cf. CC 38.513/MG, rel. Min. Laurita Vaz, v.u., j. 13.08.2003, DJ 15.09.2003.

[16] Redação contida antes da vigência da Lei 11.313, de 28.06.2006.

[17] Lei 10.259/2001, art. 20. Onde não houver Vara Federal, a causa poderá causa poderá ser proposta no Juizado Especial Federal mais próximo do foro definido no art. 4º da Lei 9.099, de 26 de setembro de 1995, vedada a aplicação desta Lei no Juízo Estadual. (Destaquei)

[18] Código de Processo Penal, Art. 70. A competência será, de regra, determinada pelo lugar em que se consumar a infração, ou, no caso de tentativa, pelo lugar em que for praticado o último ato de execução.

[19] Opinião, ponto de vista sobre o delito.

[20] Processo judicial eletrônico – e-Proc/TJTO.

[21] Referência à Lei 9.099, de 26 de setembro de 1995.

[22] Lei especial derroga a lei geral.

[23] Art. 104. O direito de queixa não pode ser exercido quando renunciado expressa ou tacitamente. Parágrafo único. Importa renúncia tácita ao direito de queixa a prática de ato incompatível com a vontade de exercê-lo; não implica, todavia, o fato de receber o ofendido a indenização do dano causado pelo crime.

[24] Art. 25. A representação será irretratável, depois de oferecida a denúncia.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MODESTO, Julvan Andrade. O marco inicial da contagem do prazo decadencial sob a sistemática da Lei 9.099/1995. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3316, 30 jul. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22288. Acesso em: 26 abr. 2024.