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O direito fundamental à tributação não confiscatória.

O princípio do não confisco sob a perspectiva da teoria dos direitos fundamentais

O direito fundamental à tributação não confiscatória. O princípio do não confisco sob a perspectiva da teoria dos direitos fundamentais

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O direito fundamenta à tributação não confiscatória pode, integral e individualmente, servir de limite à reforma constitucional e, por corolário lógico, está imune de modificações que impliquem em retrocesso.

Resumo: A partir do momento em que o constituinte, através do artigo 150, inciso “IV”, da CRFB limita a competência tributária dos entes federativos, fica claro que tal atitude se deve à existência de um direito constitucional à tributação não confiscatória, dada a inexistência de limitações infundadas ao poder legislativo. Na medida em que este direito se revela como um consectário lógico do direito de propriedade, estabelecido através do artigo 5º, caput, da CRFB, há que reconhecer que aquela prerrogativa comunga das características essenciais presentes nesta, dentre elas o chamado traço de fundamentalidade. O reconhecimento da fundamentalidade do direito à tributação não confiscatória permite que o chamado princípio do não confisco, ordinariamente estudado no contexto das limitações tributárias, seja analisado com base nos ensinamentos da teoria dos direitos fundamentais, sendo este o objetivo geral do presente estudo. Com efeito, pretende-se descrever os aspectos estruturais da norma abstrata de direito fundamental à tributação não confiscatória bem como os efeitos do reconhecimento do traço fundamental, especialmente no que se refere à aplicabilidade e possibilidade de alteração mediante emenda.

Palavras-chave: Não confisco. Direito fundamental. Âmbito de proteção. Aplicabilidade. Vedação do retrocesso.

SUMÁRIO: 1.  INTRODUÇÃO. 2. O DIREITO FUNDAMENTAL À TRIBUTAÇÃO NÃO CONFISCATÓRIA. 2.1 Traço fundamental. 2.2 Norma do direito fundamental. 3. CONSEQUÊNCIAS DO RECONHECIMENTO. 3.1 Aplicabilidade imediata. 3.2 Vedação do retrocesso. 4. CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS.


1 .INTRODUÇÃO

O famoso princípio do não confisco é enunciado através da Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB), especificamente no seu artigo 150, inciso “IV”, nos termos do qual “é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios” “utilizar tributo com efeito de confisco” (BRASIL, 2012).

No contexto da doutrina tributária brasileira, o estudo desta vedação imposta aos entes federativos tem sido realizado a partir de sua inserção no contexto das limitações constitucionais ao poder de tributar, sendo certo que diversos autores já se ocuparam de propor conceito para o instituto.

Inobstantes os progressos realizados a partir de tal opção metodológica, não nos parece que estudar a vedação do confisco tributário se esgote na imposição que dele parte em direção ao legislador infraconstitucional.

Com efeito, descartada a possibilidade da homenagem constitucional a valores metafísicos, nos parece que, se o constituinte direcionou ao legislador de base uma limitação expressa ao seu poder de legislar, é certo que tal atitude se deve ao fato de que a inexistência de tal limite implicaria na violação do patrimônio jurídico do outorgante do poder constituinte e destinatário da CRFB, o cidadão.

Nestes termos, parece possível analisar o chamado princípio do não confisco também a partir da perspectiva do titular do direito que lhe serve de pressuposto, dado o fato de que, ao tempo em que veda a tributação confiscatória, o constituinte confere ao cidadão individualmente considerado um direito em face do Estado, que fica impedido de expropriar, através da tributação, os frutos do trabalho e do capital.

Mais do que isso, este direito, na medida em que se revela como uma prerrogativa do cidadão e um consectário lógico do direito fundamental à propriedade, quando combinado com o princípio da moralidade administrativa, encontra-se marcado pelo mesmo traço de fundamentalidade que é inerente àquela prerrogativa individual, por comungar das suas características essenciais.

Sendo assim, pretende-se, através deste estudo, propor a análise desta clássica limitação ao poder de tributar a partir dos ensinamentos da teoria dos direitos fundamentais, identificando os principais reflexos de tal opção metodológica. Para isso, será analisada a questão da fundamentalidade do direito à tributação não confiscatória, bem como serão demonstradas as consequências do reconhecimento de tal característica, especialmente no que se refere à aplicabilidade e à possibilidade de revogação mediante emenda.

Vale ressaltar, em arremate, que não se pretende romper com a doutrina clássica que analisa a vedação à tributação confiscatória a partir de sua característica de limitação ao poder tributário, e sim propor uma nova perspectiva de estudo com o objetivo de enriquecer a compreensão da matéria, razão pela qual o presente estudo é, em essência, um trabalho heurístico


2..O DIREITO FUNDAMENTAL À TRIBUTAÇÃO NÃO CONFISCATÓRIA

2.1.Traço fundamental

Conforme anunciado, parece adequado afirmar que o pressuposto lógico da existência de uma vedação à competência legislativa tributária é, por sua vez, a existência de um direito constitucional subjetivo que poderia restar ofendido caso tal vedação inexistisse[1], dado o fato de que, por corolário lógico e em respeito à soberania popular e ao princípio do legislador racional[2], inexistem vedações infundadas ao poder legislativo.

Tal prerrogativa, na medida em que impede e expropriação, através da lei tributária, do patrimônio do cidadão, se revela como um consectário lógico da combinação do direito à propriedade com o princípio da moralidade administrativa.

Celso Antônio Bandeira de Mello, ao tratar do princípio da moralidade administrativa, afirma que “De acordo com ele, a Administração e seus agentes têm de atuar na conformidade de princípios éticos”, bem como que “Compreendem-se em seu âmbito, como é evidente, os chamados princípios da lealdade e boa-fé” (MELLO, 2007, p. 115), acerca dos quais leciona:

Segundo os cânones da lealdade e da boa-fé, a Administração haverá de proceder em relação aos administrados com sinceridade e lhaneza, sendo-lhe interdito qualquer comportamento astucioso, eivado de malícia, produzido de maneira a confundir, dificultar ou minimizar o exercício de direitos por parte dos cidadãos (MELLO, 2007, p. 115)

Já no que se refere ao direito à propriedade, leciona Orlando Gomes:

Considerada na perspectiva dos poderes do titular, a propriedade é o mais amplo direito de utilização econômica das coisas, direta ou indiretamente. O proprietário tem a faculdade de servir-se da coisa, de lhe perceber os frutos e produtos, e lhe dar a destinação que lhe aprouver. Exerce poderes jurídicos tão extensos que a sua enumeração seria impossível. (GOMES, 2002. p. 98)

Com efeito, na medida em que veda o comportamento malicioso por parte do Estado e que garante ao cidadão o direito de servir-se de seus bens e de gozar de seus frutos, afigura-se razoável a afirmação segundo a qual, ao estabelecer a vedação à tributação confiscatória, está a CRFB a declarar a existência de um consectário lógico do direito de propriedade, tendo em vista o princípio da moralidade administrativa.

Mais do que isso, está a CRFB a consagrar a existência de uma prerrogativa jurídica fundada no direito à propriedade e cuja titularidade é atribuída ao cidadão individualmente considerado, sendo certo que tal prerrogativa, dada a sua natureza de consectário lógico de um direito fundamental, comunga de suas características essenciais, dentre elas o traço de fundamentalidade e a titularidade eminentemente individual[3].

Neste sentido, lecionam Sacha Calmon Navarro Coêlho e Inocêncio Mártires Coelho:

A teoria do confisco e especialmente do confisco tributário ou, noutro giro, do confisco através do tributo deve ser posta em face do direito de propriedade individual, garantido pela Constituição. Se não se admite a expropriação sem justa indenização, também se faz inadmissível a apropriação através de tributação abusiva. (COÊLHO, 2010, p.236)

Emanação do imemorial direito de propriedade, que continua garantindo na atual Constituição – CFB, art. 5º, XXII – assim como foi em todas as cartas políticas que a precederam, o princípio do não-confisco ou da proibição de tributos confiscatórios para o seu pleno entendimento, convoca desde logo a incidência de outra limitação ao poder de tributar – a da capacidade econômica do contribuinte, estabelecida no art. 145, § 1º, da Constituição -, bem como a incidência dos multidimensionais princípios do Estado Democrático de Direito e da proporcionalidade ou razoabilidade. (COELHO, 2007, p. 1346/1347)

Noutro giro, é notável que o direito fundamental à tributação não confiscatória se enquadra, com perfeição, nos conceitos oferecidos pela doutrina constitucional, conforme se vê da lição de Dimitri Dimoulis e Leonardo Martins:

Direitos fundamentais são direitos públicos-subjetivos de pessoas (físicas ou jurídicas), contidos em dispositivos constitucionais e, portanto, que encerram caráter normativo supremo dentro do Estado, tendo como finalidade limitar o exercício do poder estatal em face da liberdade individual.(DIMOULIS;MARTINS, 2011, p. 49)

Ademais, utilizando o método comparativo, é possível notar que diversos outros direitos fundamentais constitucionalmente consagrados se revelam como consectários lógicos de outros, sem que, no entanto, deixem de carregar o traço fundamental, tal como ocorre, a título de exemplo: com o direito à “livre a manifestação do pensamento”, enunciado no artigo 5º, inciso “IV”, da CRFB; em relação ao direito à “liberdade”, enunciado no artigo 5º, caput, da CRFB, com o direito à “saúde”, enunciado no artigo 196 da CRFB em relação ao direito à “vida”, enunciado no artigo 5º, caput, da CRFB (BRASIL, 2012).

Parece-nos, portanto, que o direito à tributação não confiscatória esteja dotado da nota de fundamentalidade proposta por José Joaquim Gomes Canotilho nos termos da qual esta noção “aponta para a especial dignidade e protecção num sentido formal e num sentido material” (CANOTILHO, 2003, p. 378)

Em arremate, vale mencionar que o Supremo Tribunal Federal (STF) reconhece a natureza fundamental de típicas limitações constitucionais ao poder de tributar, conforme se depreende da decisão proferida na Ação Direta de Inconstitucionalidade 939/DF (BRASIL, 2012), no qual fora decidido que a anterioridade tributária, dada a sua natureza fundamental, revestia-se da característica de cláusula pétrea.

Nesta decisão, o Ministro Celso de Mello, em seu voto, chega a afirmar que “o princípio da anterioridade da lei tributária, além de constituir limitação ao poder impositivo do Estado, representa um dos direitos fundamentais mais importantes outorgados pela Carta da República ao universo dos contribuintes” (BRASIL, 2012). 

Existe, portanto, um direito fundamental[4] à tributação não confiscatória e, mais do que isso, uma prerrogativa fundamental pertencente à classe dos direitos individuais, dado o fato de que, ainda que se reconheça que todo direito fundamental tem uma dimensão objetiva, o bem jurídico aqui tratado se revela como um direito de defesa[5] do cidadão individualmente considerado em face do estado.

2.2.  Norma de direito fundamental

Reconhecido o traço fundamental do direito à tributação não confiscatória, nos parece que a primeira medida adequada seja a análise estrutural desta prerrogativa à luz da teoria dos direitos fundamentais, sendo certo que, antes de qualquer outra medida, faz-se necessário verificar os termos da norma abstrata de direito fundamental[6].

Este cuidado pode ser justificado a partir afirmações de Norberto Bobbio (BOBBIO, 2008, p. 3/4), segundo as quais “a experiência jurídica é uma experiência normativa”, a “Nossa vida desenvolve-se em um mundo de normas” e “Acreditamos ser livres, mas na verdade estamos envoltos numa densa rede de regras de conduta, que desde o nascimento até a morte dirigem as nossas ações nesta ou naquela direção” (BOBBIO, 2008, p. 3/4); bem como a partir da lição de Geraldo Ataliba que, ao tratar da atributividade do direito, afirma que “Tudo que temos é-nos atribuído pelo direito, segundo normas jurídicas” (ATALIBA, 2006, p.68).

Com efeito, conforme leciona Robert Alexy, “normas de direitos fundamentais são normas. Por isso, o conceito de norma de direito fundamental compartilha todos os problemas que dizem respeito ao conceito de norma”, que “toda norma pode ser expressa por um enunciado normativo” e, por fim, que “normas de direitos fundamentais são aquelas normas que são expressas por disposições de direitos fundamentais”. (ALEXY, 2008, p. 51,56 e 65)

Na verdade, as efetivas normas de direitos fundamentais serão aquelas individuais e concretas que, no caso específico e conjugadas com fatores axiológicos, conferirão ou garantirão o exercício de tais direitos a determinado individuo, a determinado grupo ou à sociedade, fazendo-se necessária a existência de uma norma abstrata a enunciar os termos estruturais da prerrogativa fundamental, segundo as decisões intra-sistêmicas[7] do legislador constituinte.

Nestes termos, para a fruição do direito fundamental à tributação não confiscatória, será necessária a constatação, no caso concreto, da existência de uma norma individual e concreta fundada, por sua vez, em uma norma geral e abstrata, completa sob o ponto de vista estrutural e linguístico, dado o fato de que, no processo de produção das normas de decisão[8], não poderá o aplicador ignorar ou desnaturar as disposições mínimas contidas nos textos legais[9], sobretudo no texto constitucional.

No que diz respeito a este estudo, a norma abstrata de direito fundamental à tributação não confiscatória será formada, apenas, pelas disposições enunciadas através dos artigos, 5º, caput, e 150, inciso “IV”, da CRFB, sendo certo que justamente dessa relativa escassez de elementos linguísticos resulta uma crise de efetividade desta prerrogativa.

Ocorre que a CRFB não define, de forma específica, o que se deve entender por tributação confiscatória ou mesmo por propriedade, razão pela qual os contornos conceituais destes institutos e, consequentemente, dos respectivos núcleos essenciais, a princípio, são nebulosos[10].

Neste sentido, falando do não confisco, leciona Paulo de Barros Carvalho:

Aqui está outro princípio de difícil configuração. A ideia de confisco não tem em si mesmo essa dificuldade. O problema reside na definição do conceito, na delimitação da ideia, como limite a partir do qual incide a vedação do artigo 150, IV, da Constituição da República. Aquilo que para alguns tem efeito confiscatórios, para outros pode perfeitamente apresentar-se como forma lídima de exigência tributária. (CARVALHO, 2008, p. 300)

Não por outro motivo, os tribunais brasileiros vacilam quando objetados acerca da aplicação prática do não-confisco, conferindo-lhe, por vezes, requisitos não mencionados pela CRFB, como o da necessidade da verificação do tributo impugnado em relação aos demais tributos de competência do ente federativo a que pertence.

Neste sentido, o STF:

A identificação do efeito confiscatório deve ser feita em função da totalidade da carga tributária, mediante a verificação da capacidade de que dispõe o contribuinte – considerado o montante de sua riqueza (renda e capital) – para suportar e sofrer a incidência de todos os tributos que ele deverá pagar, dentro de um determinado período, à mesma pessoa que os houver instituído (BRASIL, 2012)

Na verdade, o direito fundamental à tributação não confiscatória e, de resto, o direito fundamental à propriedade, fazem parte dos casos em que a Constituição confere a qualidade de direito fundamental a conceitos ou institutos jurídicos cujo alcance é, a priori, indeterminado, motivo pelo qual se atribui ao legislador a relevante função de criar a hipótese de incidência da norma abstrata de direito fundamental, ou, em outras palavras, a função de definir, normativamente, o âmbito de proteção de determinado direito fundamental.

Trata-se dos chamados direitos fundamentais com âmbito de proteção estritamente normativo[11], nos quais a legislação ordinária não funcionará como veículo introdutor de restrição ou de regulamentação complementar, mas como veículo introdutor de conteúdo, uma vez que a legislação infraconstitucional introduzirá no sistema positivo os elementos componentes da hipótese de incidência da norma de direito fundamental, efetivamente “criando” a referida hipótese[12].

Nestes casos, limita-se o constituinte a conferir ou garantir institutos jurídicos cuja conceituação é, a priori, indeterminada, delegando, dessa forma, o exercício de determinação da hipótese de incidência (âmbito de proteção) da norma de direito fundamental ao legislador ordinário, que acaba por criar – no universo da legislação - o conceito e o alcance do instituto previsto no texto constitucional.

Vale mencionar que Robert Alexy apresenta interessante discussão acerca das normas de direitos fundamentais e das chamadas “normas de direitos fundamentais atribuídas”, na qual questiona se estas últimas poderiam ser classificadas como normas de direitos fundamentais ou se tal classificação estaria reservada às normas decorrentes de disposições contidas no texto da Constituição (ALEXY, 2008, p. 65/85). Não nega, no entanto, a necessidade e a possibilidade de que a determinação do conteúdo semântico de normas fundamentais seja efetuada fora dos limites do texto magno[13].

Neste ponto, é possível afirmar que, dada a possibilidade de criação extra constitucional do conceito de tributação confiscatória e, por conseguinte, do âmbito de proteção do direito fundamental, bem como a possibilidade de maior ou menor sucesso do legislador em tal mister, a norma abstrata de direito fundamental acaba por transformar-se em um mandado de otimização, podendo ser efetivada em níveis. Assume, assim, nítido caráter principiológico[14], a despeito da feição de regra que transparece do enunciado proposto pelo artigo 150, inciso “IV”, da CRFB.

Não há dúvida, contudo, que esta delegação acaba por conferir ao legislador infraconstitucional um acentuadíssimo poder e, consequentemente, uma ampla possibilidade de desnaturação do instituto que se pretende preservar, sobretudo quando se mantém inerte e deixa de oferecer os critérios necessários à composição da norma de direito fundamental e, consequentemente, à fruição do bem jurídico correlato.

Pelo exposto, propõe este estudo que o direito fundamental à tributação não confiscatória é conferido ao contribuinte através de uma norma abstrata de direito fundamental com âmbito de proteção estritamente normativo, uma vez que a definição do que se deve entender por tributação confiscatória ocorrerá num momento lógico pós-constitucional.

Poder-se-ia objetar, em desafio, que atribuir tal característica à norma abstrata de direito fundamental através da qual é dada ao cidadão o direito de não ter seu patrimônio confiscado por meio da imposição tributária, implicaria em esvaziar o seu conteúdo e transformá-la em substrato de argumentação lateral em discussões relativas à legalidade tributária.

Entretanto, nos parece que seja, justamente, o reconhecimento da natureza fundamental da prerrogativa de que se trata o argumento que militará em favor de sua efetividade prática, uma vez que, por tal razão, estará a norma que a veicula inserida na especial dinâmica de aplicabilidade e de mutabilidade relativa aos direitos fundamentais


3 . CONSEQUÊNCIAS DO RECONHECIMENTO

3.1.Aplicabilidade imediata

O primeiro efeito do reconhecimento do traço fundamental no direito à tributação não confiscatória é, segundo propomos, a inserção da respectiva norma abstrata de direito fundamental na especial dinâmica da aplicabilidade dos direitos fundamentais.

Esta especial dinâmica, que, fundada no enunciado do artigo 5º, §1º, da CRFB, atribui aos enunciados definidores de garantias de direitos fundamentais a aplicabilidade imediata é, a par da impossibilidade de abolição mediante emenda, enunciada pelo artigo 60, §4º, inciso “IV”, da CRFB, uma das características que aparta os enunciados definidores de direitos e garantias fundamentais dos demais dispositivos constitucionais.

Tal característica, porém, é assunto acerca do qual não impera a convergência de opiniões na doutrina jurídica, razão pela qual se faz necessário tecer algumas considerações sobre ela, sendo certo que não seria adequado iniciar tal discussão sem tratar das famosas lições de José Afonso da Silva (2008) acerca da aplicabilidade das normas constitucionais, o que se justifica pela larga aceitação de seus termos pela doutrina constitucional brasileira.

Propõe o mestre paulista que as normas constitucionais, no que se refere à sua aplicabilidade e à sua eficácia, se dividem em três categorias básicas e variam segundo o grau de relação que possuem com a legislação ordinária.

A primeira destas categorias é a das chamadas normas constitucionais de eficácia plena, que seriam os enunciados constitucionais de aplicabilidade direta cuja eficácia independe da existência de legislação subalterna, ou seja, cujo manejo prático é possível a partir de seus próprios termos.

Nas palavras de José Afonso da Silva, tais normas são “de aplicabilidade imediata, porque dotadas de todos os meios e elementos necessários à sua executoriedade. No dizer clássico, são auto-aplicáveis. As condições gerais para essa aplicabilidade são a existência apenas do aparato jurisdicional, o que significa: aplicam-se só pelo fato de serem normas jurídicas, que pressupõem, no caso, a existência do Estado e de seus órgãos.” (SILVA, 2008, p. 101/102).

Sob o ponto de vista hermenêutico, são proposições prescritivas formadas, integralmente, pelos termos enunciados pela Constituição e que, portanto, possuem elementos linguísticos suficientes ao seu manejo prático, ainda que inexistam disposições infraconstitucionais complementares, sendo certo que, através destas últimas, não será possível a redução do âmbito material de incidência da proposição original.

Já sob a luz das teorias argumentativas e comunicacionais, seria razoável propor que está a se tratar de decisões intra-sistêmicas fundadas em proposições argumentativas construídas, exclusivamente, pelo constituinte, estando delas excluídas as proposições argumentativas do legislador constituído.

Como exemplo desta categoria, pode-se citar o enunciado constitucional fundado no artigo 5º, inciso “III”, da CRFB, que, de um lado, confere a toda a pessoa o direito de não ser submetido a tortura nem a tratamento degradante, assim como, de outro lado, impõe regra jurídica determinando que todos os demais – grupo no qual se insere o Estado -  não se utilizem de tais expedientes.

Noutro giro, há, segundo José Afonso da Silva (2008), normas constitucionais de eficácia contida, que seriam os enunciados constitucionais de aplicabilidade direta que, ainda que independentes da existência de legislação subalterna para o seu manejo prático, permitem a redução dos seus âmbitos materiais de incidência a partir de veículo desta espécie.

Para ele, as normas constitucionais de eficácia contida “são aquelas em que o legislador constituinte regulou suficientemente os interesses relativos a determinada matéria, mas deixou margem à atuação restritiva por parte da competência discricionária do Poder Público, nos termos em que a lei estabelecer ou nos termos de conceitos gerais nelas enunciados” (SILVA, 2008, p. 116).

Seguindo os moldes da análise anterior, pode-se afirmar que, sob o ponto de vista hermenêutico, estas são proposições prescritivas que possuem elementos linguísticos suficientes ao seu manejo prático ainda que inexistam disposições infraconstitucionais complementares, sendo permitido, no entanto, que elementos linguísticos trazidos por estas últimas a componham, reduzindo o âmbito material de incidência original.

À luz das teorias argumentativas e comunicacionais, pode-se sustentar que está a se tratar de decisões intra-sistêmicas que tanto podem estar fundadas em proposições argumentativas construídas, exclusivamente, pelo constituinte, quanto, a par destas, por proposições argumentativas do legislador constituído.

A doutrina brasileira, em geral, não nega que as normas abstratas de direito fundamental possam ser classificadas como pertencentes à categoria das normas constitucionais de eficácia contida, dada a inexistência de disposição constitucional em sentido contrário.

Na verdade, os dispositivos legais que estabelecem restrições ao alcance das normas abstratas de direito fundamental, os chamados limites dos limites mostram-se bem evidentes, uma vez que, do texto constitucional, é possível sintetizar, ainda que de forma primária, a hipótese de incidência da norma de direito fundamental, sendo esta plenamente aplicável ainda que não lhe seja aposta qualquer complementação pela legislação ordinária.

Sobre os limites dos limites, leciona Gilmar Ferreira Mendes:

Da análise dos direitos individuais pode-se extrair a conclusão errônea de que direitos, liberdades, poderes e garantias são passíveis de limitação ou restrição. É preciso não perder de vista, porém, que tais restrições são limitadas. Cogita-se aqui dos chamados limites imanentes ou “limites dos limites” (Schranken-Schranken), que balizam a ação do legislador quando restringe direitos individuais. Esses limites, que decorrem da própria Constituição, referem-se tanto à necessidade de proteção de um núcleo essencial do direito fundamental quanto à clareza, determinação, generalidade e proporcionalidade das restrições impostas. (MENDES, 2007, p.41).

Dessa maneira, a norma “primária” de direito fundamental funcionará como parâmetro na análise de eventual exorbitância efetuada pelo legislador ordinário e, a partir de sua interpretação em face do sistema com todos os seus princípios e postulados (metanormas[15]), é possível dela extrair o conceito do chamado núcleo essencial do direito fundamental[16], que deverá ser respeitado.

Nesta categoria se insere, a título de exemplo, a norma de direito fundamental abstrata fundada no artigo 5º, inciso “XIII”, da CRFB, que, de um lado, confere a todas as pessoas o livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, desde que atendidos as qualificações que a lei estabelecer, bem como, de outro, impõe regra jurídica determinando que todos os demais – grupo no qual se insere o Estado - não ofereçam obstáculos a este exercício.

Por fim, há a categoria das chamadas normas constitucionais de eficácia limitada que seriam os enunciados constitucionais de aplicabilidade indireta que dependem da existência de legislação subalterna para o seu manejo prático, conceituadas por José Afonso da Silva (2008, p. 118) como “aquelas que dependem de outras providências para que possam surtir os efeitos essenciais colimados pelo legislador constituinte”.

Em termos argumentativos e comunicacionais seriam decisões intra-sistêmicas necessariamente fundadas em proposições argumentativas construídas pelos legisladores constituinte e constituído, assim como, em termos hermenêuticos, seriam proposições prescritivas cuja composição deverá ser formada por elementos linguísticos retirados tanto do texto constitucional quanto dos textos infraconstitucionais, sob pena do tornar-se impossível o seu manejo prático.

Exemplo desta categoria pode ser encontrado no enunciado constitucional fundado no artigo 37, inciso “IX”, da CRFB, que autoriza a contratação por tempo determinado, no contexto da administração pública, condicionando tal medida, todavia, à existência de lei que regulará os seus termos.

Há, inclusive, quem defenda que também a aplicabilidade de norma de direito fundamental abstrata depende da sua completude, independentemente do que dispõe o artigo 5º, §1º, da CRFB, propondo assim a existência de um limite lógico fundado na reserva do possível ou na invariabilidade da natureza das coisas.

Neste sentido, Manoel Gonçalves Ferreira Filho:

Mas o constituinte não se apercebeu que as normas têm aplicabilidade imediata quando são completas em sua hipótese e no seu dispositivo. Ou seja, quando a condição de seu mandamento não possui lacuna, e quando esse mandamento é claro e determinado. Do contrário ela é não-executável pela natureza das coisas. (FERREIRA FILHO, 2001, p.100)

O próprio José Afonso da Silva chega, ao que parece, a reconhecer certos limites práticos à aplicabilidade imediata das normas definidoras de direitos e garantias fundamentais:

Então, em face dessas normas, que valor tem o disposto no §1º do art. 5º da Constituição, que declara todas de aplicação imediata? Em primeiro lugar, significa que elas são aplicáveis até onde possam, até onde as instituições ofereçam condições para o seu atendimento. Em segundo lugar, significa que o Poder Judiciário, sendo invocado a propósito de uma situação concreta nelas garantida, não pode deixar de aplicá-las, conferindo ao interessado o direito reclamado, segundo as instituições existentes. (SILVA, 2008, p. 165)

Seria, assim, adequado classificar como relativos às normas constitucionais de eficácia limitada os casos em que, inexistindo a legislação complementar dos enunciados definidores de direitos fundamentais, inexistirá, por conseguinte e por corolário lógico, integralidade fática e linguística suficientes a compor os termos necessários à formação da norma abstrata de direito fundamental.

Tratar-se-ia, por exemplo, dos enunciados propostos através dos artigos: 7º, inciso “IV”, nos termos do qual há direito ao “salário mínimo, fixado em lei”; 7º, inciso “XIX”, nos termos do qual há direito à “licença-paternidade, nos termos fixados em lei”; 37, inciso “VIII”, nos termos do qual “a lei reservará percentual dos cargos e empregos públicos para as pessoas portadoras de deficiência e definirá os critérios de sua admissão” (BRASIL, 2012).

Sendo assim, poder-se-ia objetar que, sendo a tributação confiscatória um conceito indeterminado e, por consequência, sendo o instrumento normativo que veicula o direito à tributação não confiscatória uma norma abstrata com âmbito de proteção estritamente normativo, faltar-lhe-iam elementos linguísticos suficientes e necessários à aplicação prática, motivo pelo qual seria necessária a complementação legislativa para que fosse possível atribuir normatividade à prerrogativa, inobstante a sua natureza fundamental.

Entretanto, sem prejuízo da já mencionada larga aceitação, pela doutrina constitucional brasileira, da classificação das normas constitucionais recém-descritas, há argumentos, no contexto desta mesma doutrina, que sustentam a existência de um limite à sua utilização, especialmente no que se refere aos direitos fundamentais.

Conforme já anunciado, o artigo 05º, §1º, da CRFB, fundamenta o enunciado segundo o qual as “normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata”, residindo a questão fundamental em saber como obedecer a imposição do artigo 5º, §1º, da CRFB, aplicando diretamente as normas abstratas de direito fundamental quando estas encontram-se, a princípio, estruturalmente incompletas, sendo certo que a doutrina constitucional brasileira se divide neste particular.

Doutrinadores respeitados sustentam que as normas abstratas que conferem direitos e garantias fundamentais não poderiam ser classificadas como normas constitucionais de eficácia limitada, uma vez que, por expressa disposição constitucional, teriam eles aplicabilidade imediata, cabendo ao Poder Judiciário utilizar-se da prerrogativa conferida através dos artigos 4º e 5º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB) e decidir o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito atendendo aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum.

Neste sentido, Eros Roberto Grau:

Para fazê-lo sucintamente, relembro, ainda outra vez, que o preceito inscrito no §1º do art. 5º da Constituição de 1988 afirma a aplicação imediata das normas definidoras de direitos e garantias fundamentais, Isso significa que tais normas devem ser imediatamente cumpridas pelos particulares, independentemente da produção de qualquer ato legislativo ou administrativo. Significa, ainda, que o Estado também deve prontamente aplicá-las, decidindo pela imposição do seu cumprimento, independentemente de qualquer ato legislativo ou administrativo, e as tornando jurídica ou formalmente efetivas.

Por essa razão é que tais normas já não têm mais caráter meramente programático, assumindo a configuração de preceitos auto-executáveis, aos quais o aplicado último do direito – o Poder Judiciário – deve conferir efetividade jurídica ou formal. (GRAU, 2008, p. 321)

De forma semelhante, é a lição de Luís Roberto Barroso que propõe a aplicabilidade imediata, admitindo, no entanto, a existência de certos limites lógicos a tal característica, ainda que de forma não declarada.

Ainda quando se afigure pouco lógica a existência de uma regra afirmando que as normas constitucionais são aplicáveis, parece bem a sua inclusão no texto, diante de uma prática que reiteradamente nega tal evidência. Por certo, a competência para aplicá-las, se descumpridas por seus destinatários, há de ser do Poder Judiciário. E mais: a ausência de lei integradora, quando não inviabilize integralmente a aplicação do preceito constitucional, não é empecilho à sua concretização pelo juiz, mesmo à luz do direito positivo vigente, consoante se extrai do art. 4º da LINDB. (BARROSO, 2009, p.139-140)

Assim, seria adequado afirmar que, ao menos no que se refere às normas abstratas de direito fundamental, a aplicabilidade será sempre direta, razão pela qual sempre será possível a aplicação da correlata norma de direito fundamental individual e concreta.

Ademais, vale mencionar a intermediária posição de Ingo Wolfgang Sarlet, para quem o enunciado de que se trata é, na verdade, um mandado de otimização:

Levando-se em conta esta distinção, somos levados a crer que a melhor exegese da norma contida no art. 5º, §1º, de nossa Constituição é a que parte da premissa de que se trata de norma de cunho inequivocamente principiológico, considerando-a, portanto, uma espécie de mandado de otimização (ou maximização), isto é, estabelecendo aos órgãos estatais a tarefa de reconhecerem a maior eficácia possível aos direitos fundamentais, entendimento este sustentado, entre outros no direito comparado, por Gomes Canotilho e compartilhado, entre nós, por Flávia Piovesan. Percebe-se, desde logo, que o postulado da aplicabilidade imediata não poderá resolver-se, a exemplo do que ocorre com as regras jurídicas (e nisto reside uma de suas diferenças essenciais relativamente às normas-princípio), de acordo com a lógica do tudo ou nada, razão pela qual o seu alcance (isto é, o quantum de aplicabilidade e eficácia) dependerá do exame da hipótese em concreto, isto é, da norma de direito fundamental em pauta. (SARLET, 2009, p. 271)

Em arremate, faz-se necessário mencionar que o STF, ainda que não tenha enfrentado questão relativa à integração de lacunas estruturais normas de direito fundamental abstratas com âmbito de proteção estritamente normativo, tem, em geral, reconhecido a sua aplicabilidade imediata das normas de direitos fundamentais abstratas, admitindo, ao que parece, que o Poder Judiciário possa inserir elementos na respectiva norma de direito fundamental quando o Poder Legislativo deixe de fazê-lo.

A título de exemplo, decidiu o STF que, ainda que inexistente a legislação reguladora da garantia fundamental do mandado de injunção, enunciada a partir do artigo 5º, inciso “LXXI”, o manejo prático desta medida seria possível, dada a possibilidade de utilização da analogia como medida de integração.

Mandado de injunção. Questão de ordem sobre sua auto-aplicabilidade, ou não. Em face dos textos da Constituição Federal relativos ao mandado de injunção, é ele ação outorgada ao titular de direito, garantia ou prerrogativa a que alude o artigo 5º, LXXI, dos quais o exercício está inviabilizado pela falta de norma regulamentadora, é ação que visa a obter do Poder Judiciário a declaração de inconstitucionalidade dessa omissão se estiver caracterizada a mora em regulamentar por parte do Poder, órgão entidade ou autoridade de que ela dependa (…) Assim fixada a natureza desse mandado, é ele, no âmbito da competência desta Corte – que está devidamente definida pelo artigo 102, I, “Q” -, auto-executável, uma vez que, para ser utilizado, não depende de norma jurídica que o regulamente, inclusive quanto ao procedimento, aplicável que lhe é analogicamente o procedimento do mandado de segurança, no que couber. Questão de ordem que se resolve no sentido da auto-aplicabilidade do mandado de injunção, nos termos do voto do relator. (MI 107 QO; Rel.: Min. Moreira Alves; publicado em 21/09/1990)

Noutro feito, ao decidir acerca direito à impenhorabilidade da pequena propriedade rural, declarou que o respectivo enunciado definidor teria aplicabilidade imediata, com base no artigo 5, §1º, da CRFB, utilizando-se, com arrimo no artigo 4º da LINDB, da analogia para complementar a respectiva norma de direito fundamental abstrata.

Impenhorabilidade da pequena propriedade rural de exploração familiar (Const., art. 5º, XXVI): aplicação imediata. (…) A falta de lei anterior ou posterior necessária à aplicabilidade de regra constitucional – sobretudo quando criadora de direito ou garantia fundamental -, pode ser suprida por analogia: donde, a validade da utilização, para viabilizar a aplicação do art. 5º, XXVI, CF, do conceito de “propriedade familiar” do Estatuto da Terra. (RE 136.753-9; Rel.: Min. Sepúlveda Pertence; publicado em 25/04/1997)

Parece-nos que a resistência, absoluta ou parcial, ao reconhecimento da aplicabilidade imediata da integralidade dos direitos e garantias fundamentais, ainda que fundada em argumentos sólidos, sob o ponto de vista lógico, não é a mais adequada.

Afirma-se isto por uma razão muito simples, porém muito contundente: o posicionamento doutrinário que pugna pela existência de limites lógicos para a aplicabilidade imediata, ainda que se trate de normas dependentes de complementação legislativa ou com âmbito de proteção estritamente normativo, não encontra fundamento na CRFB.

Conforme já indicado, é comum, entre os doutrinadores que defendem este posicionamento, a menção à incompletude estrutural de determinadas normas abstratas de direito fundamental, à natureza das coisas ou mesmo à reserva do possível como limites a aplicabilidade imediata de tais espécies deônticas, sendo certo, no entanto, que não se acha, ao menos com tanta facilidade, argumentos que, fundados no próprio texto constitucional, sustentem a tese em comento.

Aceitar este argumento implica, ao menos em termos lógicos, em erigir os critérios da reserva do possível, da necessidade de observância da natureza das coisas e da necessidade de completude estrutural da norma à qualidade de diretrizes interpretativas de um enunciado constitucional e, portanto, à qualidade de postulados jurídicos enunciados pela CRFB.

Com efeito, conforme leciona Humberto Ávila (2009), os postulados são normas jurídicas, por ele classificadas como metanormas, ou seja, normas imediatamente metódicas que estruturam a interpretação e aplicação de princípios e regras mediante a exigência, mais ou menos específica de relações entre elementos com base em critérios.  

Ao que nos parece, é justamente nesta natureza normativa dos postulados que reside a fraqueza do argumento que pugna pela inexistência ou pela limitação lógica da aplicabilidade imediata, uma vez que, conforme leciona Eros Roberto Grau (2009), os enunciados informadores da interpretação/aplicação do direito, por serem normas jurídicas, devem ser sintetizados a partir do correlato sistema positivo, ainda que seus componentes se encontrem implícitos ou dispersos em seus textos.

Afirma o autor que “princípios gerais de direito – princípios implícitos, existentes no direito pressuposto – não são resgatados fora do ordenamento jurídico, porém descobertos no seu interior” (GRAU, 2009. p. 47), razão pela qual se faz necessário concluir que, para que fosse reconhecida a existência, no contexto do ordenamento jurídico brasileiro, dos postulados da reserva do possível, da necessidade de observância da natureza das coisas e da necessidade de completude estrutural, fazia-se necessário que os mesmos fossem introduzidos no sistema, ainda que de forma implícita, por algum veículo capaz de fazê-lo, o que não ocorre.

 Mais do que isso, para que servissem ao fim pretendido, qual seja, o de exercer a função de diretrizes interpretativas da lei maior, os postulados de que se trata teriam de ser sintetizados a partir de seu texto, uma vez que, no sistema positivo brasileiro, se interpreta a Constituição segundo parâmetros dela – e somente dela - extraíveis, implícita ou explicitamente, sob pena de restar violada a  regra da supremacia da Constituição.

O sistema constitucional brasileiro não só impõe a supremacia absoluta do texto magno, como garante o respeito a tal regra através da instituição da jurisdição constitucional, bem como determina que a interpretação dos textos ordinários (infraconstitucionais) seja feita através das diretrizes constitucionais (postulado da interpretação conforme a Constituição) e de forma a conferir a maior efetividade possível aos enunciados dela extraíveis. Estas conclusões restam solidificadas pelos princípios da máxima efetividade e da supremacia da Constituição.

Aceitar entendimento contrário, ademais, implica em aceitar que o enunciado constitucional definidor da aplicabilidade imediata é absolutamente inútil, sendo carente de qualquer normatividade, bem como que nada dispôs o constituinte ao inseri-lo no ordenamento, o que violaria, a mais não poder, os princípios do legislador racional e da força normativa da constituição.

Sob o ponto de vista prático, impedir o gozo de um direito ou de uma garantia fundamental em virtude de limitações práticas como a da reserva do possível, a da necessidade de observância da natureza das coisas e a da necessidade de completude estrutural da norma, resultaria, invariavelmente, em aceitar que os titulares destes direitos seriam responsáveis por suportar o ônus da inércia de seus mandatários, componentes dos poderes constituídos cuja função precípua é, justamente, garantir a fruição de tais prerrogativas.

Noutro giro, este mesmo argumento permite afirmar que, ainda que se reconheça que a tributação confiscatória é um conceito aberto e que, portanto, a definição do âmbito de proteção do direito individual que a veda ocorreria através da lei, não é possível concluir que, na eventual inexistência de enunciados que definam o instituto, tal fato impeça a fruição da prerrogativa correlata, dada a existência de meios que suprem as supostas lacunas. 

Por estas razões, nos parece adequado que a interpretação do artigo 5, §1º, da CRFB seja aquela que dá ao enunciado através dele veiculado a máxima efetividade, sendo, certo, inclusive, que o próprio sistema regulatório subalterno está plenamente adaptado a tal situação, dados os enunciados veiculados através dos artigos 4º e 5º da LINDB, nos termos dos quais, existindo lacunas, deverá o juiz decidir o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito atendendo aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum.

Propomos, portanto, que pode ocorrer provimento jurisdicional que suste imposição tributária com base, exclusivamente, no direito fundamental a tributação não confiscatória, independentemente da existência de definição legal de não confisco, sendo certo que, para tanto, bastará acolher a pretensão de determinado contribuinte, a quem caberá carga argumentativa de comprovar que, no caso concreto, a pretensão de correção (ALEXY, 2008, p. 309) de seu eventual pleito, nos termos da qual determinada exação é confiscatória, encontra-se pautada nos limites da racionalidade discursiva e em harmonia com os termos enunciados através da CRFB.

Não nos parece, sequer, que seja necessário o manejo de mandado de injunção para que seja possível fruir do direito fundamental à tributação não confiscatória, vez que o enunciado constitucional que define tal prerrogativa não condiciona o seu exercício à existência de legislação complementar regulamentadora.

3.2.  Vedação do retrocesso

O segundo reflexo da constatação da existência de um direito fundamental à tributação não confiscatória é o reconhecimento da impossibilidade da supressão do seu enunciado definidor através de emenda à CRFB.

Enuncia o artigo 60, §4º, inciso “IV”, da CRFB que não “será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir” “os direitos e garantias individuais”, razão pela qual esta espécie de direito – categoria na qual, segundo o que propomos, está inserido o direito fundamental à tributação não confiscatória – é erigida à classe das chamadas cláusulas pétreas.

Nestes termos, leciona Gilmar Ferreira Mendes:

“cláusulas de garantia traduzem, em verdade, um esforço do constituinte para assegurar a integridade da Constituição, obstando a que eventuais reformas provoquem a destruição, o enfraquecimento ou impliquem profunda mudança de identidade. É que, como ensina Hesse, a Constituição contribui para a continuidade da ordem jurídica fundamental, na medida em que impede a efetivação de um suicídio do Estado de Direito Democrático sob a forma da legalidade”. (MENDES, 2008, p. 1029)

Em igual sentido, Paulo Bonavides que não “podem, enfim, ser varridas da Constituição garantias que selam o pacto social extraído de vontade constituinte inviolável, cujo abrigo é precisamente o §4º do art. 60 da Constituição da República”. (BONAVIDES, 2008, p. 660)

No entanto, três questões problemáticas podem ser extraídas do enunciado da impossibilidade de supressão das cláusulas pétreas, também chamado de princípio do não retrocesso, sendo certo que tais questões podem ser suscitadas em desafio ao argumento da impossibilidade de supressão do direito fundamental à tributação não confiscatória, sustentado neste trabalho.

A princípio, afigura-se problemático o fato de que, no texto do inciso “IV” do artigo 60 da CRFB, a remissão literal se faz aos direitos e garantias individuais, e não à integralidade dos direitos fundamentais, razão pela qual se poderia sustentar que a característica da intangibilidade não atingiria as prerrogativas não enunciadas pelo artigo 5º da CRFB.

Não há dúvida que, ao menos sob o ponto de vista estritamente literal, a arguição de que a imutabilidade se limitaria aos direitos e garantias individuais não é descartável, uma vez que a remissão a um rol de direitos constitucionalmente classificados poderia significar uma decisão legislativa, enunciada através do chamado silêncio eloquente, sendo necessário que se reconheça que, inexistindo disposições que afastem tal raciocínio, não é possível descartá-lo, sob pena de restar transgredida a vontade constituinte, ao arrepio da segurança jurídica, da supremacia da constituição e do pressuposto da racionalidade do legislador.

Neste sentido, leciona Gilmar Ferreira Mendes:

A simples enunciação do problema e a utilização de terminologia diferenciada parecem demonstrar que o constituinte não obrou com o melhor apuro técnico quando disciplinou os direitos e garantias nas sua diversas dimensões.

É certo, por outro lado, que o constituinte pretendeu conferir disciplina destacada aos direitos individuais e aos direitos sociais, tal como se pode depreender dos dispostos nos arts. 5º, 7º e 8º do texto constitucional. A cláusula pétrea do art. 60, §4º, não parece abranger os direitos sociais, que, como visto, não se confundem com os direitos individuais. (MENDES, 2007, p. 451)

Por outro lado, a arguição de que a imutabilidade estaria restrita aos direitos e garantias elencados no artigo 5º da CRFB nos parece descartável, dado o fato de que, seguindo o mesmo ponto de vista estritamente literal, é necessário reconhecer que, ao elencar o rola das cláusulas pétreas, o constituinte não faz menção ao artigo e sim aos direitos e garantias individuais.

Parece certo, neste sentido, que o rol dos direitos e garantias individuais transcenda os limites do artigo 5º da CRFB, uma vez que as características fundamentais inerentes ao rol discriminado através do mencionado artigo encontram-se presentes em outras prerrogativas constitucionalmente estabelecidas.

Não por outro motivo, José Afonso da Silva não conceitua os direitos e garantias individuais como as prerrogativas estabelecidas através do artigo 5º da CRFB, mas como os “direitos fundamentais do homem indivíduo, que são aqueles que reconhecem autonomia aos particulares, garantindo a iniciativa e independência aos indivíduos diante dos demais membros da sociedade política e do próprio Estado”. (SILVA, 2006, p. 191)

Assim, os direitos e garantias individuais não elencados, diretamente, entre o rol do artigo 5º da CRFB, tais como o direito à tributação não confiscatória, podem funcionar como parâmetro de controle das emendas constitucionais, sendo impassíveis, portanto, de modificação através delas.

Este é o entendimento do STF, conforme se vê das seguintes decisões, que erigem à categoria de garantia de individual, de cláusula pétrea e, por conseguinte, de limite ao poder constituinte derivado, o chamado princípio da anterioridade tributária.

O poder constituinte derivado não é ilimitado, visto que se submete ao processo consignado no art. 60, § 2º e § 3º, da CF, bem assim aos limites materiais, circunstanciais e temporais dos parágrafos 1º, 4º e 5º do aludido artigo. A anterioridade da norma tributária, quando essa é gravosa, representa uma das garantias fundamentais do contribuinte, traduzindo uma limitação ao poder impositivo do Estado. (BRASIL, 2012) 

Uma emenda constitucional, emanada, portanto, de constituinte derivado, incidindo em violação à Constituição originária, pode ser declarada inconstitucional, pelo STF, cuja função precípua é de guarda da Constituição. A EC 3, de 17-3-1993, que, no art. 2º, autorizou a União a instituir o IPMF, incidiu em vício de inconstitucionalidade, ao dispor, no parágrafo 2º desse dispositivo, que, quanto a tal tributo, não se aplica o art. 150, III, b, e VI, da Constituição, porque, desse modo, violou os seguintes princípios e normas imutáveis (somente eles, não outros): o princípio da anterioridade, que é garantia individual do contribuinte (art. 5º, § 2º, art. 60, § 4º, inciso IV, e art. 150, III, b, da Constituição). (BRASIL, 2012)

Pelo exposto, sendo o direito fundamental à tributação não confiscatória, conforme já sustentado, um direito individual formado a partir da síntese dos princípios da proteção à propriedade do não confisco, nos parece que seja ele, também, uma cláusula pétrea, na forma do se propõe através do artigo 60, inciso “IV”, da CRFB.

No entanto, para que se considere que tal direito esteja, individualmente, dotado da imunidade ao retrocesso e, portanto, da qualidade de limite à reforma constitucional, é necessário enfrentar as outras duas questões problemáticas anunciadas no início deste tópico.

Seria possível, nestes termos, sustentar que artigo 60, inciso “IV”, da CRFB não impede, ao menos literalmente, a supressão parcial de direitos e garantias individuais, e sim a abolição de tais prerrogativas, assim como que estas, individualmente, não serviriam de parâmetro, vez que o texto constitucional fala que não “será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir” “os direitos e garantias individuais” (BRASIL, 2012).

Sob o ponto de vista teórico, tais questões não nos parecem dotadas de grande solidez, tampouco merecem grandes argumentos em desafio, uma vez que, deixando claro que decorrem de uma das diversas interpretações literais do dispositivo em comento, atentam contra princípios estruturais da CRFB.

Com efeito, reconhecer, ainda que eventualmente, a procedência de seus termos, implicaria em aceitar que direitos individuais possam ser total ou parcialmente suprimidos com base em um dispositivo que assim não determina de forma expressa, o que esvaziaria, a mais não poder, os já mencionados princípios da máxima efetividade e da supremacia da constituição.

Já sob o ponto de vista prático, nos parece que a discussão seja inócua, vez que, conforme se depreende das decisões já apresentadas, tais argumentos nunca foram acatados pela jurisprudência do STF.

Diante de tais argumentos, nos parece que o direito fundamenta à tributação não confiscatória possa, integral e individualmente, servir de limite à reforma constitucional e, por corolário lógico, esteja imune de modificações que impliquem em retrocesso.


4. CONCLUSÃO

Diante da argumentação tecida no contexto deste estudo, chega-se às seguintes conclusões:

O impedimento à utilização de tributo com efeito de confisco pressupõe a existência de um direito subjetivo à tributação não confiscatória.

O direito subjetivo à tributação não confiscatória é m consectário lógico do direito fundamental à propriedade, quando combinado com o princípio da capacidade contributiva.

Sendo um consectário lógico do direito à propriedade, o direito subjetivo à tributação não confiscatória é dotado do traço de fundamentalidade, razão pela qual pode ser classificado como um direito individual do cidadão estabelecido através da CRFB.

O direito fundamental à tributação não confiscatória é veiculado através de uma norma de direito fundamental abstrata com âmbito de proteção estritamente normativo, dada a inexistência de definição constitucional do que seria tributação confiscatória.

Parte da doutrina tem erigido os critérios da reserva do possível, da necessidade de observância da natureza das coisas e da necessidade de completude estrutural da norma como limites da aplicação prática da norma definidora do direito fundamental à tributação não confiscatória.

A jurisprudência tem entendido que a tributação confiscatória só se verifica quando a totalidade de tributos de um ente federativo transcender a capacidade econômica de um contribuinte individualmente determinado.

Os os critérios da reserva do possível, da necessidade de observância da natureza das coisas e da necessidade de completude estrutural da norma não tem amparo constitucional, seja ele expresso ou implícito, razão pela qual não podem servir de postulados interpretativos da CRFB, sobretudo para impor limites aos direitos nela previstos, tais como o direito fundamental à tributação não confiscatória.

A norma direito fundamental abstrata que veicula a prerrogativa da tributação não confiscatória tem aplicabilidade imediata, independentemente do seu âmbito de proteção estritamente normativo.

Inexistindo conceito legal de tributação confiscatória, poderá o Poder Judiciário verificar a constitucionalidade de determinada tributação tendo como paradigma o direito fundamental à tributação não confiscatória, caso no qual deverá decidir o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito atendendo aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum.

Não é necessário o manejo de mandado de injunção para que se dê efetividade à norma direito fundamental abstrata que veicula a prerrogativa da tributação não confiscatória.

Ainda que a impossibilidade de redução ou extinção mediante emenda esteja restrita aos direitos e garantias individuais, transcende ela os limites do artigo 5ª da CRFB.

A vedação do retrocesso em matéria de direitos e garantias individuais refere-se tanto ao conjunto destas prerrogativas quanto a cada uma delas, bem como veda tanto tanto a reduções totais como parciais.

O enunciado proposto pelo artigo 150, inciso “IV” (CRFB), através do qual é enunciada a norma direito fundamental abstrata que veicula a prerrogativa da tributação não confiscatória, reveste-se da condição de cláusula pétrea, sendo impassível de supressão total ou parcial mediante emenda à CRFB.


REFERÊNCIAS

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Notas

[1] Ainda que a CRFB consagre a regra geral de respeito aos direitos constitucionalmente consagrados por parte do Estado, a utilização de vedações expressas revela-se como uma prática comum do constituinte, conforme se vê dos seus incisos XXV, XXVI e XXVII do artigo 5º.

[2] Trata-se, como assinala Santiago Nino, de uma quase-hipótese que se aceita dogmaticamente, sem submetê-la a nenhuma contrasteação fática ou comprovação empírica; de uma pauta normativa de aparência descritiva, por força de cujos mandamentos o jurista se obriga a interpretar o direito positivo como se este e o legislador que o produziu fossem racionais, motivado pela certeza de que, pagando esse preço, pode extrair do ordenamento jurídico, otimizado por aquele postulado, todas as regras de interpretação de que necessita para justificar qualquer decisão. (COELHO, 2007, p. 98)

[3] Não se pretende, aqui, afirmar que o direito à propriedade não tenha uma perspectiva objetiva, mas, apenas, destacar a sua perspectiva eminentemente subjetiva.

[4] Neste trabalho, por razões práticas, chamaremos direitos e garantais fundamentais apenas de direitos fundamentais, apesar da diferença existente entre estes conceitos, conforme leciona Paulo Bonavides (2008, p.525-529).

[5] Os direitos de defesa caracterizam-se por impor ao Estado um dever de não-interferência, de não-intromissão no espaço de auto-determinação do indivíduo. Esses direitos objetivam a limitação da ação do Estado. Destinam-se a evitar a ingerência do Estado sobre os bens protegidos (liberdade, propriedade...) e fundamentam pretensão de reparo pelas agressões eventualmente consumadas. (BRANCO, 2008, p. 257/258)

[6] Utilizaremos, neste projeto, a expressão “normas abstratas de direitos fundamentais” para definir aquelas normas que conferem ou garantem o exercício ou a fruição dos direitos e garantias fundamentais, tendo como base os conceitos trazidos por Robert Alexy (2008), mas com eles não nos identificando por completo.

[7] Utilizamos aqui um termo alcunhado por Gregorio Robles (2005) para definir as decisões (atos de fala capazes de gerar texto novo) produtoras de novo texto jurídico, diferentes da decisão extra-sistêmica ou constituinte que cria ou constitui o ordenamento, sem a qual não há Constituição.

[8] Em suma, a norma de decisão é a norma jurídica aplicada a um caso concreto. (GRAU, 2009, p.103).

[9] Essas definições legislativas são vinculantes para o intérprete, reduzindo aquilo que Kelsen chamou de “moldura da norma”, e denominamos “moldura dos fatos”. (GRAU, 2009, p.238).

[10] O termo confisco só é utilizado duas vezes pela CRFB, sendo uma no artigo 150, inciso “IV”, no qual veda aos entes federativos, “utilizar tributo com efeito de confisco” e outra no artigo 243, parágrafo único, quando estabelece que “Todo e qualquer bem de valor econômico apreendido em decorrência do tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins será confiscado e reverterá em benefício de instituições e pessoal especializados no tratamento e recuperação de viciados e no aparelhamento e custeio de atividades de fiscalização, controle, prevenção e repressão do crime de tráfico dessas substâncias.” (BRASIL, 2012)

[11] Como essa categoria de direito fundamental confia ao legislador, primordialmente, o mister de definir,    em essência, o próprio conteúdo do  direito regulado,  fala-se, nesses casos de regulação ou de conformação (Regelung oder Ausgestaltung) em lugar de restrição (Beschänkung). (MENDES, 2007, p.17).

[12]  Não raro, o constituinte confere ao legislador ordinário um amplo poder de conformação, permitindo que a lei concretize ou densifique determinada faculdade fundamental. (MENDES, 2008, p.298).

[13] Robert Alexy (2008, p.69-70), referindo-se ao artigo 5?, §3?, 1, da Constituição Alemã (“[...] a ciência, a pesquisa e o ensino são livres...”), afirma que “Ela é semanticamente aberta em razão da indeterminação dos termos “ciência”, “pesquisa” e “ensino”. Essa indeterminação pode ser enfrentada por meio do estabelecimento de regras semânticas. O Tribunal Constitucional Federal cria regras semânticas quando diz [...]”.

[14] Acreditamos ser adequada a classificação das normas trazida por Humberto Ávila (2009), segundo o qual regras “são normas imediatamente descritivas, primariamente retrospectivas e com pretensão de decidibilidade e abrangência, para cuja aplicação se exige a avaliação da correspondência, sempre centrada na finalidade que lhes dá suporte e nos princípios que lhe são axiologicamente sobrejacentes, entre a construção conceitual da descrição normativa e a construção conceitual dos fatos”, princípios “são normas imediatamente finalísticas, primariamente prospectivas e com pretensão de complementaridade e de parcialidade, para cuja aplicação  demandam uma avaliação da correlação entre o estado de coisas a ser promovido e os efeitos decorrentes da conduta havida como necessária à sua promoção”  e postulados “são normas imediatamente metódicas que estruturam a interpretação e aplicação de princípios e regras mediante a exigência, mais ou menos específica de relações entre elementos com base em critérios”.

[15] Segundo Humberto Ávila (2009, p.122), sobre-normas são normas semântica e axiologicamente sobrejacentes, situadas no nível do objeto da aplicação e metanormas são normas metodicamente sobrejacentes, situadas no metanível aplicativo.

[16] A garantia de proteção do núcleo essencial dos direitos fundamentais aponta para a parcela do conteúdo de um direito sem a qual ele perde sua mínima eficácia, deixando, com isso de ser reconhecível como um direito fundamental. (SARLET, 2009, p.402).e proteção do núcleo essencial dos direitos fundamentais aponta para a parcela do conteúdo de um direito sem a qual ele perde sua mínima eficácia, deixando, com isso de ser reconhecível como um direito fundamental. (SARLET, 2009, p.402).


Autor

  • Marcos de Andrade Stallone

    Marcos de Andrade Stallone

    Graduação em Direito pela Universidade Católica do Salvador (2008), especialização em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (2010) e especialização em Direitos Humanos, Teoria e Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (2012). Atualmente é sócio do escritório Tawil, Ribeiro e Stallone Advocacia e Consultoria e professor da Faculdade Metropolitana de Camaçari.

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STALLONE, Marcos de Andrade. O direito fundamental à tributação não confiscatória. O princípio do não confisco sob a perspectiva da teoria dos direitos fundamentais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3324, 7 ago. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22365. Acesso em: 28 mar. 2024.