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Combate à violência doméstica no Brasil: contribuição a partir da experiência norte-americana

Combate à violência doméstica no Brasil: contribuição a partir da experiência norte-americana

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Criar uma vara integrada, seguindo o modelo da “Integrated Domestic Violence Courts”, com o fundamento “uma família – um juiz”, parece expandir a interferência do Judiciário sobre os conflitos familiares, simplificando o processo para os membros das famílias, além de criar um ambiente acolhedor e assistencial.

Resumo: O objeto deste artigo é a violência doméstica, analisado à luz da Lei Maria da Penha (Lei n° 11.340, de 7 de agosto de 2006) e sua efetivação no Brasil, sendo, em certa forma, comparado à experiência norte-americana, apreendida a partir do curso International Judicial Research & Training Program, ministrado pela Fordham Law School[1] em parceria com o Tribunal de Justiça de Pernambuco. Afastada a pretensão de examinar todos aspectos doutrinários e jurisprudenciais da matéria, far-se-á breve estudo sobre sua finalidade e concretização, juntamente à colocação dos aspectos judiciais nova-iorquinos concretos, expostos por integrantes do Bronx Domestic Violence Court, cujo aperfeiçoamento levou ao desenvolvimento de núcleos assistenciais integrados, além da ampliação da competência do magistrado. O objetivo é contribuir com novas ideias e adaptações para o judiciário local, quiçá, nacional.

Palavras-chave: Violência doméstica. Judiciário brasileiro. Bronx Domestic Violence Court. Assistência às vítimas.

Sumário: Resumo. 1. Lei Maria da Penha: previsões e inovações no sistema jurídico nacional. 1.1. Representação e reconhecimento da natureza pública incondicionada 1.2. Das medidas assecuratórias à integridade da vítima e das penas com caráter ressociabilizador. 2. Bronx Domestic Violence e Integrated Domestic Violence Courts: lições a partir da experiência norte-americana. 2.1. Corte integrada de combate à violência doméstica (Integrated Domestic Violence (IDV) Court): “one judge, one family”. 2.2. Modelo de intervenção do Bronx em benefício aos menores, participantes de violência doméstica ou familiar. Reflexões finais. Referências.


1. LEI MARIA DA PENHA: previsões e inovações no sistema jurídico nacional

A defesa contra a violência doméstica, no Brasil, teve como marco inicial a ratificação da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (Convention on the Elimination of All Forms of Discrimination against Women – CEDAW), em 1° de fevereiro de 1984. O documento declara que “a participação máxima da mulher, em igualdade de condições com o homem, em todos os campos, é indispensável para o desenvolvimento pleno e completo de um país, para o bem-estar do mundo e para a causa da paz”.[2]

Com a ratificação da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (Convenção de Belém do Pará), em 06 de junho de 1994, o Brasil complementou a CEDAW. E, em 28 de junho de 2002, com o Protocolo Facultativo, admitindo recebimento de denúncias individuais, foi dado conhecimento à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (OEA) do paradigmático caso de violência doméstica brasileiro (caso Maria da Penha nº 12.051), o que culminou, após recomendações internacionais, alterações na nossa legislação penal, na promulgação da Lei n° 11.340/06 (Lei Maria da Penha - LMP)[3].

Esta lei reconhece a situação peculiar da violência doméstica ou familiar (art. 4°), qualificando-a como “qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial, no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas; no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa; e em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação” (art. 5°)[4].

A violência decorrente de relação afetiva e íntima, portanto, independe de coabitação e pode ser presente ou passada, abrangendo a violência física – ofensa à integridade ou à saúde corporal da mulher –, a psicológica – que cause modificação no estado de ânimo –, a sexual – qualquer forma de determinação para que presencie, mantenha ou participe de relação sexual não consentida, ou impedimento de utilização de métodos contraceptivos, que force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou prostituição, mediante coação, chantagem ou manipulação, ou que anule seus direitos sexuais e reprodutivos –, a patrimonial e a moral.

É sujeito ativo tanto o homem como a mulher, pois o legislador deu prioridade à criação de mecanismos para coibir e prevenir a violência contra a mulher, sem importar o gênero do agressor.

Abrange, também, a violência contra a empregada doméstica, tendo seus patrões como agentes, e a de filhos ou netos contra mães ou avós[5]. Bem como a hipótese de ser a vítima portadora de deficiência, pois a Lei prevê uma majorante quando para seu cometimento, seja de que sexo for.

Fixa mecanismos para coibir este tipo infracional, determinando a criação de juizados especializados, os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher (JVDFM)[6], e, embora não disponha sobre seu procedimento, fez alterações no Código Penal, no Código de Processo Penal e na Lei de Execução Penal, prevendo a aplicação subsidiária tanto de suas normas processuais como do disposto no Estatuto da Criança e do Adolescente e no Estatuto do Idoso (art. 13) e seguindo os mesmos princípios dos juizados: oralidade, informalidade, economia processual e celeridade.

Enquanto não estruturados, ficam competentes as Varas Criminais, às quais deverão ser distribuídos os feitos cíveis, incumbindo-lhes conhecer e julgar as ações decorrentes da violência doméstica (art. 33), embora não o seu processo executório - ao contrário do que se deve proceder nos JVDFMs –.[7]

Havendo, porém, o envolvimento de crianças e adolescentes, seja como autores, seja como vítimas, persiste a competência dos Juizados da Infância e da Juventude (art. 98 do ECA), salvo existindo vítimas mulheres e maiores de idade envolvidas, quando compete aos JVDFMs.[8]

Já com relação aos crimes dolosos contra a vida, cuja competência é constitucionalmente definida para o Tribunal do Júri, sendo reconhecida a condição de vínculo doméstico, a instrução do processo deve ocorrer nas varas especializadas, sob pena da vítima ficar privada dos benefícios da Lei Maria da Penha. Somente no fim da primeira fase, antes de pronunciado o réu, é que o processo deve ser encaminhado à Vara do Júri.[9]

A inovação legal consiste, principalmente, nas modificações do rito de seus crimes, e no estabelecimento de uma política pública de prevenção e assistência à mulher, vítima da violência doméstica ou familiar, exercida mediante a articulação dos órgãos do Poder Judiciário, da Polícia Civil, do Ministério Público e da Defensoria Pública, dentre outras instituições, abrangendo, inclusive, a promoção de campanhas educativas, voltadas para o público, especialmente nas escolas[10], além da capacitação do pessoal envolvido[11].

O título V do instrumento normativo dispõe sobre a criação de equipe multidisciplinar[12], formada por profissionais especializados nas áreas psicossocial, jurídica e de saúde (art. 29), que integrarão a estrutura das varas especializadas, com a função de auxiliar o juízo, o Ministério Público e a Defensoria Pública, além da orientação e amparo às famílias das vítimas, com especial atenção às crianças e adolescentes (art. 30).

O papel do Ministério Público, por sua vez, não se restringe à fiscalização da lei, ao contrário, exerce atividade imprescindível à sua eficácia, na medida em que fica responsável por requisitar forca policial e serviços públicos de saúde, educação e assistência social, fiscalizar as unidades de atendimento à mulher, além de cadastrar os casos de violência[13]. Em Pernambuco, a instituição já informa os fatos mensalmente à Corregedoria Geral, através de Relatório de Atividades Funcionais[14].

1.1. Representação e reconhecimento da natureza pública incondicionada

A Constituição Federal (CF) assegurou alguns privilégios aos delitos de menor potencial ofensivo e delegou à legislação infraconstitucional definir os crimes (art. 98, I, da CF). Foi o que fez a lei dos juizados especiais (Lei n° 9.099/95), considerando como de pequeno potencial ofensivo as contravenções penais, os crimes com pena máxima não superior a dois anos[15] e os delitos de lesão corporal leve e culposa. A Lei Maria da Penha, de mesma hierarquia, por sua vez, afastou a violência doméstica da sua égide.[16]

A alteração de competência levada a efeito justifica-se: em sede de violência doméstica, afastada a lei dos juizados, não seria possível a composição de danos ou aplicação imediata de pena alternativa, de o Ministério Público sugerir transação, pena pecuniária ou sursis (arts. 72, 76 e 89 da Lei n° 9.099/95). Já a representação seria feita pela vítima perante a autoridade policial, no momento do registro da ocorrência[17].

Inovou neste aspecto, na medida em que, antes, na lei dos juizados, a representação era colhida em juízo, muito tempo após o fato, em audiência onde estaria presente o ofensor, sem que a vítima contasse com a assistência jurídica.

Passou, também, a admitir a possibilidade de a vítima retratar-se da representação até o recebimento da denúncia, devendo tal manifestação ser ratificada perante o magistrado e o parquet, em audiência especialmente designada para tal fim (art. 16), estando acompanhada de defensor (art. 27)[18], medida que serviria para garantir que a ofendida não cedesse às pressões do agressor.

No entanto, a doutrina insurgiu-se contra a natureza condicionada da ação, afirmando que ainda que tenha havido uma consciente tentativa de acabar com a impunidade, deixou o legislador de priorizar a pessoa humana, preservar sua vida e sua integridade física[19], pois condicionar a ação penal à iniciativa da vítima seria negar a existência de um desequilíbrio entre agressor e agredido, exigindo-se que o hipossuficiente, o subalterno, formalizasse queixa contra seu violentador.

Com efeito, a vítima, ao veicular a queixa, nem sempre quer separar-se ou que o companheiro seja preso, mas, tão somente, que a violência cesse. A mulher, quando procura o socorro, já está cansada de sofrer agressões e se vê impotente. A submissão que lhe é imposta, o sentimento de menos valia, a deixam cheia de medo e vergonha, motivo pelo qual não denuncia na primeira ocasião.

Com a instalação dos juizados especiais com competência para as contravenções penais e lesões corporais leves e culposas, as mulheres se viam limitadas a lavrar termos circunstanciados, nas delegacias, e, na audiência preliminar, a conciliação era mais que proposta, quase imposta, se se considerar, principalmente, a presença opressora do agressor, ou, quando não aceita, a manifestar-se diante do mesmo. Na sequência, ainda havia a possibilidade de transação com o Ministério Público ou mesmo aplicação de sursis.[20]

As absolvições, sistematicamente levadas a efeito para garantir a harmonia familiar, acabaram tendo efeito contrário: consagraram a impunidade. Não se tratava este tipo de crime, seja preventivamente, seja repressivamente. Em dez anos de atuação dos juizados especiais, a impunidade deu margem à reincidência e ao agravamento do ato violento. A violência doméstica continuou acumulando estatísticas (90% dos casos eram arquivados ou levados à transação).[21]

No entanto, com o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 4.424/DF[22], o Plenário do Supremo Tribunal Federal atribuiu interpretação conforme a Constituição aos artigos 12, I, 16 e 41, todos da Lei 11.340/2006, assentando a natureza incondicionada da ação penal, em caso de crime de lesão corporal, mesmo que de natureza leve ou culposa, praticadas contra a mulher em âmbito doméstico[23].

O Colegiado explicitou que a Constituição seria dotada de princípios implícitos e explícitos, dentre os quais o da dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, III), da igualdade (CF, art. 5º, I) e da vedação a qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais (CF, art. 5º, XLI), bem como o art. 226, § 8º, da CF, e que caberia à Suprema Corte definir se a previsão normativa a submeter crime de lesão corporal leve praticado contra a mulher, em ambiente doméstico, ensejaria tratamento igualitário, consideradas as lesões provocadas em geral, bem como a necessidade de representação.

Considerou-se que os dados estatísticos seriam alarmantes, apontando que, na maioria dos casos em que perpetrada lesão corporal de natureza leve, a mulher acabaria por não representar ou por afastar a representação anteriormente formalizada e que o agente passaria a reiterar seu comportamento ou a agir de forma mais agressiva.

O Plenário destacou o dever do Estado de assegurar a assistência à família e de criar mecanismos para coibir a violência e que a proteção à mulher esvaziar-se-ia ao se admitir que, verificada a agressão com lesão corporal, pudesse ela, depois de acionada a autoridade policial, recuar e retratar-se em audiência, pelo que concluiu não ser razoável deixar a atuação estatal a critério da vítima.

1.2. Das medidas assecuratórias à integridade da vítima e das penas com caráter ressocializador

A partir da manifestação da vítima, a autoridade policial deverá instalar o inquérito e formar expediente a ser encaminhado ao juiz (art. 12, III), independentemente de acompanhamento de advogado (art. 19), pois, mesmo garantindo a Lei à mulher acesso aos serviços de Defensoria Pública ou Assistência Judiciária Gratuita (arts. 27 e 28), não condicionou o pedido de tutela à representação ou a manifestação formal perante o juiz.

Após o registro da ocorrência, deve encaminhar a vítima, imediatamente, ao posto de saúde e ao Instituto Médico Legal, conforme o caso, com garantia da sua proteção e transporte para abrigo, comunicando-se ao Ministério Público e ao Judiciário (art. 11).

Assim, passou a Lei a admitir que medidas protetivas de urgência, do âmbito do Direito das Famílias, como separação de corpos e alimentos, sejam requeridas pela vítima já perante a autoridade policial[24], permitindo maior agilização na sua satisfação.

Ao juiz, cabe decidir, em 48 (quarenta e oito horas) do recebimento do expediente[25], fazendo cessar a violência, encaminhar a ofendida ao órgão de assistência judiciária, quando preciso, e comunicar o fato ao Ministério Público.

Dentre as medidas protetivas que obrigam o agressor, encontram-se: suspensão ou restrição do porte de arma; afastamento do domicílio ou local de convivência; proibição de condutas, como aproximação e contato com a ofendida e familiares; restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores; e prestação de alimentos (art. 22).

Já em favor da vítima, o magistrado poderá encaminhá-la e seus dependentes a abrigo ou programa oficial ou comunitário de proteção e atendimento; determinar seu afastamento ou recondução ao lar; determinar a separação de corpos; fixar alimentos; determinar a restituição de bens ou proibir a celebração de contratos que comprometam bens comuns (arts. 23 e 24).[26]

À luz do artigo 13 da LMP, firmado acordo em sede dos JVDFMs, pode ser decretada a separação do casal, definindo-se alimentos, guarda de filhos, partilha de bens etc, detendo a decisão que homologa o acordo natureza de título executivo judicial[27].

No que tange à aplicação de Pena Restritiva de Direitos (PRD), a doutrina levantou a questão de sua aplicabilidade à Lei Maria da Penha, haja vista somente ser prevista a substituição quando o crime não for cometido com violência ou grave ameaça à pessoa (art. 44, I, CP). Porém, excluir a possibilidade de sua aplicação, seria atribuir letra morta ao legislador[28].

Ao condenado podem ser aplicadas, em substituição à pena privativa de liberdade, todas aquelas que não tenham conteúdo econômico (art. 45, § 2°, CP e art. 17 da LMP). O legislador quis deixar claro que a integridade da mulher não tem valor econômico.

De grande valia também a alteração na Lei de Execução Penal, ao acrescer o parágrafo único ao artigo 152, permitindo que o juiz determine a participação obrigatória do acusado a programas de recuperação e reeducação, quando aplicada a pena de limitação de fins de semana (art. 43, VI, do Código Penal), período já se previa serem ministrados cursos e palestras com atribuição de atividades educativas, embora não de forma cogente (parágrafo único do art. 48 do CP).

É importante que as penas restritivas de direito sejam de molde a propiciar uma mudança de comportamento naquele que pratica o crime sem entender o caráter criminoso de seu agir.


2. BRONX DOMESTIC VIOLENCE E INTEGRATED DOMESTIC VIOLENCE COURTS: lições a partir da experiência norte-americana

Nos Estados Unidos, mesmo após a criminalização da violência doméstica, muitos juízes, policiais e outros profissionais integrantes do judiciário acreditavam que a intervenção neste campo seria desperdício de verba. Alguns simplesmente não levaram a sério este tipo de crime, uma vez que as vítimas desistiam da demanda e voltavam, aparentemente, voluntariamente, para o convívio com o agressor. Magistrados e advogados sentiam-se frustrados em ver os mesmos litigantes e as mesmas causas repetidamente.[29]

O que faltava era uma compreensão da complexidade das situações envolvendo violência doméstica, especialmente o poder sócio-econômico que prendia suas vítimas aos ofensores.

A juíza Judith S. Kaye[30] colocou:

“ (…) If victims remain in abusive situations due to fear for their own and their children´s well being, then why not provide links to services and safety planning that may expand the choices available to them? If cases are slipping between the cracks of a fragmented criminal justice system, them why not work together to improve coordination and consistency?”[31]

Kaye deixa claro que a violência doméstica não seria como os demais tipos penais. Ela trata de violência entre pessoas íntimas, cujas vítimas são intimidadas por seus agressores, com novas ameaças ou abusos, mesmo depois de presos, e, comumente, desistem da denúncia. Fatos que aumentam a dificuldade na prevenção e processamento criminal.

Constataram que vinte por cento (20%) de todas as ações que se iniciavam na corte criminal nova-iorquina eram procedentes de casos de violência doméstica. Isto impulsionou os líderes do judiciário a pesquisarem novas alternativas, mais eficientes. Somente a partir de estudo, com o aprofundamento da matéria, ficou evidenciado tratar-se de casos especiais, com características próprias, de onde se concluiu pela necessidade de criação de uma Corte especializada.[32]

Através de consulta às agências parceiras e experts, além de seus próprios processos, o judiciário de Nova Iorque desenvolveu técnicas que ajudaram a garantir a segurança das vítimas de violência doméstica, assim como a responsabilização dos acusados.

Foi colocado que através da educação populacional e de parcerias, o Estado estimularia uma resposta coordenada à situação. Para combater a violência doméstica, todos os segmentos da comunidade deveriam trabalhar em conjunto, de modo a criar na sociedade a consciência de que estes maus-tratos não são toleráveis. Para tanto seria preciso estabelecer um vínculo forte entre a maior quantidade possível de “parceiros”, os quais devem ter acesso a treinamento adequado[33][34].

A construção de uma rede de relações entre os diversos órgãos envolvidos no procedimento permite a maior troca de informações, de grande importância para uma correta responsabilização[35].

Assim, tendo em vista que os registros oficiais raramente anotavam quando as ofensas eram perpetradas contra uma mesma vítima, e, às vezes, sequer mencionavam se a prisão seria decorrente de violência doméstica ou outro tipo penal comum, a justiça especializada de Nova Iorque passou a registrar o número de ocorrências, de representações e de vítimas relacionadas aos serviços, de forma a poderem avaliar o progresso do sistema[36].

Mas para isto seria necessária toda uma equipe preparada para implementar este modelo judicial integrado, responsável pela troca e armazenamento de informações, notadamente diante da premissa de dirigir os envolvidos ao serviço pertinente, além de manter estas unidades assistenciais compromissadas com suas finalidades.

Nestes termos, a Corte do Brooklin criou um “encontro de parceiros da Corte”, o qual inclui juízes, funcionários do judiciário, advogados das vítimas, promotores de justiça e advogado de defesa, além de representantes dos serviços assistenciais, e ocorria a cada seis semanas, permitindo a troca de informações e ideias[37]. Seu modelo apresentou sinais positivos, como a redução pela metade dos casos de arquivamento, o que incentivou o judiciário de Nova Iorque a desenvolver o mesmo trabalho em diversas outras seccionais.

Considera que as famílias que chegam à Corte integrada estão em crise. Frequentemente, cada membro da família precisa de um cuidado especial. Assim, a IDV Court presta assistência à toda a família, vítimas adultas ou crianças, ao mesmo tempo em que o acusado responde a programas para reabilitação.

Outrossim, o acesso do juiz a representantes das entidades cooperativas, faz com que suas informações sejam facilmente transmitidas. Já a presença dos advogados e promotores no Tribunal permite a realização de audiências e adaptações imediatas aos resultados negativos.

Em contraposição ao sucesso deste modelo integrativo, porém, um dos maiores desafios encontrados foram, inicialmente, a ameaça à imparcialidade judicial, a carência de parceiros para integrar os serviços assistenciais e de fiscalização, bem como o desgaste emocional e psicológico.[38]

Embora houvesse a sensação de comprometimento da objetividade do magistrado, na medida em que inevitavelmente se tornaram muito próximos às causas familiares, na prática isto não foi constatado, uma vez que a dinâmica desta justiça especializada não demandaria impressões particulares.

Relativamente à dificuldade de financiamento e contribuição com mão-de-obra ao sistema integrado, Terri Roman[39] e Rebecca Arian[40], revelaram[41] que, em paralelo ao financiamento estatal e particular de pessoas interessadas, o próprio agressor teria que contribuir com o serviço assistencial que lhe fosse prestado. Além do que, uma vez que este tipo de situação abrangeria parte da comunidade, observou-se o interesse de entidades privadas em apoiar no combate.

Por fim, ainda que os casos de violência doméstica e familiar sejam dotados de alta carga emocional e, na maioria das vezes, ocorra a reincidência, transmitindo a impressão de fracasso, é cediço cuidar-se de momento evolutivo social, que demanda um enfrentamento incisivo sobre suas causas, sendo estes “efeitos colaterais” contornáveis mediante a instituição de assistência profissional especializada voltada para todos os colaboradores da Corte.

2.1. Corte integrada de combate à violência doméstica (Integrated Domestic Violence (IDV) Court): “one judge, one family”

Uma mesma família pode ter que comparecer perante diferentes juízes ou instâncias que tratam aspectos distintos de seus problemas domésticos e familiares. Cada membro do judiciário tomando conhecimento apenas de parte específica da matéria, com potencialidade de emissão de decisões conflitantes, ou no mínimo ineficientes.

Tendo isso em conta e com base no sucesso do trabalho interativo, desenvolveu-se, em mais de sessenta condados de Nova Iorque, uma espécie de vara integrada, as chamadas “Integrated Domestic Violence (IDV) Courts”, cujo fundamento segue a razão de “uma família – um juiz”, segundo o qual todas as matérias concernentes a uma mesma família deveriam ser dirigidas por um único juiz.

Estas “Cortes” permitem que o mesmo magistrado tenha competência geral e analise questões penais, civis e familiares, como divórcio, guarda, visita aos menores e garantias de proteção à vitima de violência doméstica e familiar[42].

Esta medida cria oportunidade para uma abordagem mais holística e compreensiva sobre a complexidade da situação, proporcionando uma integração dos serviços assistenciais e, por consequência, um aumento na eficiência da prestação dos serviços[43], seja assistenciais, com uma equipe capaz de dirigir um programa direcionado ao problema específico, seja juridicionais, através da implementação de medidas cautelares adequadas à situação.

Observou-se que, ao tratar todas as ações relacionadas a uma mesma família, o juiz adquire informações mais aprofundadas do caso, deixando-as mais compreensivas, tornando-se capaz de tomar decisões consistentes e destinadas a solucionar todos os problemas adequadamente[44].

Ressalva-se que, em respeito às regras processuais vigentes e aos princípios que asseguram o devido processo legal, apesar de um mesmo julgador cuidar tanto das matérias penais, quanto as civis ou familiares, relativas à mesma família, todos os casos são tratados individualmente, aplicando-se-lhes todas as regras processuais pertinentes[45].

Sob uma perspectiva prática, estas Cortes simplificam o processo jurídico para as famílias, criando um ambiente no qual as partes não precisam percorrer diversas unidades judiciais ou administrativas, reduzindo o risco de decisões conflitantes, inclusive.

Este projeto se baseia em princípios, quais sejam: serviço às vítimas, monitoramento judicial, responsabilização e resposta coordenada da comunidade.

O que mais se destaca, no entanto, é a prestação de serviços assistenciais, pois as partes, em casos de violência doméstica, têm necessidades únicas e peculiares. Geralmente, as vítimas são dependentes economicamente de seus agressores, têm filhos em comum ou mesmo moram na casa dos parentes deles. Sendo assim, mostra-se essencial garantir a segurança das vítimas, além de prover acesso imediato a advogados[46], que poderá buscar soluções efetivas e adequadas à situação, explicar os procedimentos legais e mantê-las seguras e informadas[47], durante todo o trâmite processual.

Outro ponto fundamental para continuação do processo, destacam, é a concessão de medidas protetivas de urgência. Quanto mais as vítimas esperarem pelas mesmas, maior será a vulnerabilidade[48].

O julgador deverá, portanto, isoladamente ou com apoio de uma equipe, supervisar as medidas cautelares, o tratamento a que o acusado se submete e o atendimento às condições estipuladas, de modo a tomar medidas cabíveis imediatamente ou mesmo explorar novos métodos mais adequados. Tal atitude contribui, também, para a conscientização do acusado de seu comprometimento de acordo com as atitudes que toma.

Observou-se, também, que o monitoramento do prosseguimento do feito pelo juiz é uma técnica eficiente para redução da reincidência. Este acompanhamento assegura que a repetição dos atos violentos não serão tolerados e que todo o poder político será direcionado ao impedimento dos mesmos. Isto requer que um mesmo juiz esteja vinculado durante todo o trâmite processual, até a reabilitação do condenado e viabiliza maior acesso a informações sobre o caso.

2.2. Modelo de intervenção do Bronx em benefício aos menores, participantes de violência doméstica ou familiar[49]

Enquanto que o sistema criminal nova-iorquino apresentou melhorias na assistência aos adultos, vítimas da violência doméstica ou familiar, o mesmo não foi constatado relativamente aos problemas de saúde mental, incluindo depressão, ansiedade, agressão e estresse pós-traumático, apresentados pelas crianças envolvidas.

Partindo do pressuposto de que a participação das mesmas no processo judicial pode ser uma experiência dolorosa e opressora, o Center Court Innovation, no Bronx, criou o Programa de Suporte às Testemunhas Crianças e Adolescentes, cujos serviços direcionam-se à redução do impacto negativo da exposição à violência e dos traumas dela decorrentes[50].

Nesta Justiça, enfrenta-se cerca de trezentos e cinquenta casos de violência doméstica ao mês, cujas famílias, na maioria, é composta por diversas crianças. Seus estudos indicaram que, a despeito dos esforços paternos para não envolverem os filhos, as crianças normalmente vêem, ouvem e até intervêm, de onde decorre o tratamento de aproximadamente mil crianças, ao ano, com suspeitas de abusos físicos ou sexuais[51].

Já é cediço que a exposição à violência pode acarretar os mais diversos impactos negativos, seja emocional, comportamental, cognitivo, social ou psicológico. As respostas dos menores podem variar dependendo da gravidade do fato e da intimidade na relação e sua personalidade, idade e desenvolvimento mental, além de outros fatores.

Em outubro 2009, um relatório do escritório de prevenção à delinquência infantil descreveu como comum resultar-se da participação de casos de violência doméstica e familiar quadros de regressão comportamental, dificuldade de concentração, ansiedade, depressão e agressividade. Assentaram que a exposição dos menores poderia criar maior tendência à futura criminalidade e envolvimento com os programas governamentais de assistência, de modo a perpetuar o ciclo de violência para a próxima geração.

A partir deste conhecimento, o Center Court Innovation começou a examinar modelos de intervenção já existentes e incorporou-lhes. Identificaram três tipos de programas, dentre os quais o mais benéfico fora a terapia prolongada para cuidar de traumas e consequências de curto e longo prazo. Os infantes também precisavam de suporte emocional durante o processamento do feito, pois, foi percebido que as crianças, sempre que precisavam dirigir-se à Corte, chegavam em crise e precisavam de cuidados psicológicos imediatos.


REFLEXÕES FINAIS

Observa-se que o enfrentamento da violência doméstica ou familiar progrediu bastante nos últimos anos, notadamente após a promulgação da Lei Maria da Penha[52].

Com ela mudou a forma de olhar esta espécie criminal e, também, o tratamento despendido aos envolvidos e o processamento de suas causas. Já não se relegam seus feitos ao âmbito penal comum, mas, ao contrário, relevam-se os cuidados, reconhecida a necessidade de pacificação e auxílio no desenvolvimento da unidade familiar.

Contudo, apesar da norma ter disponibilizado ao Estado tantos instrumentos capazes de combater desde a alta incidência do crime até as dificuldades processuais do Judiciário, sem olvidar o lado político-social, verifica-se remanescer no campo apenas normativo a implementação, faltando maiores esforços e dedicação dos Governos estaduais para efetivação dos planos de combate.

No âmbito federal, foi criada a Secretaria de Políticas para as Mulheres, vinculada à Presidência da República, a quem compete executar a Lei Maria da Penha em parceria com a Secretaria de Reforma do Judiciário, através da articulação e aporte financeiro[53] para a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, equipes de atendimento multidisciplinar, Núcleos Especializados de Defesa da Mulher na Defensoria Pública e Núcleos e Promotorias Especializadas no combate a Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher no Ministério Público.[54]

Mas tal medida ainda não apresentou resultados claros evolutivos. A incidência da violência doméstica e familiar permanece alta e faltam programas educacionais.

Ainda que, aparentemente, o problema da violência doméstica mostre-se como de somenos importância, principalmente se comparado às demandas sociais básicas, como saúde, educação e transporte, latentes num Estado carente de recursos, deve-se ressaltar que esta espécie criminal está diretamente relacionada ao bem-estar social e que diz respeito à formação dos jovens.

Neste texto foi colocada, tanto pelo judiciário brasileiro, quanto pelo americano, a necessidade de tratamento diferenciado destas infrações, conquanto cuida-se de relações complexas e difíceis, por envolver diversos interesses sobrepostos aos níveis afetivos, além da fragilidade das crianças e adolescentes envolvidas, os quais, acaso não percebam atenção devida, podem – e via de regra o fazem – retratar os mesmos problemas no futuro.

A criação de uma Vara integrada, seguindo o modelo proposto pela “Integrated Domestic Violence Courts”, cujo fundamento segue a razão de “uma família – um juiz”, parece expandir a interferência do Poder Judiciário sobre os conflitos familiares, simplificando o processo jurídico para os membros das famílias, além de criar um ambiente mais acolhedor e efetivamente mais assistencial.

Imprescindível, portanto, a ampliação do plano de combate à violência doméstica e familiar, consoante dispõe a Lei n° 11.340/06, bem como com a inclusão dessas novas ideias e experiências, trabalhando-se pela instalação de JVDFMs e de todos os programas a ele conexos.

Necessário, assim, capacitar juízes, promotores, advogados e defensores, montando-se uma estrutura interdisciplinar, para que todos os membros da família recebam atendimento psicológico e acompanhamento por assistentes sociais.


REFERÊNCIAS

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DIAS, Maria Berenice. A lei Maria da penha na justiça: a efetividade da Lei 11.340/2006 de combate à violência doméstica e familiar contra a mulher. São Paulo: ed. Revista dos Tribunais, 2007.

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MAZUR, Robyn/ ALDRICH, Liberty. What makes a domestic violence court work? Lessons from New York. AMERICAN BAR ASSOCIATION. Judges Journal. n° 2. Vol. 42. inverno 2003.

MOREIRA, Rômulo de Andrade. Jurisprudência Comentada – Superior Tribunal de Justiça – art. 16 da Lei Maria da Penha. Advocacia Dinâmica - Informativo. Recife, 39, p. 646- 644, set. 2011.

PERNAMBUCO, Ministério Público. Lei Maria da Penha: O Ministério Público e o combate à violência doméstica e familiar contra a mulher / coordenação, CAOP Cidadania ; organização, Marco Aurélio Farias da Silva ; colaboração, Yélena de Fátima Monteiro Araújo. Recife: Procuradoria Geral de Justiça, 2007.

Secretaria de Políticas para as Mulheres. Disponível em: http://www.sepm.gov.br/subsecretaria-de-enfrentamento-a-violencia-contra-as-mulheres/lei-maria-da-penha/pronasci-e-a-lei-maria-da-penha. Acesso em 21 jul. 2012.

_______. Boletim Mulheres em Pauta. edição nº 84. Disponível em: http://www.sepm.gov.br/boletim-mulheres-em-pauta-ano-viii/boletins/bmp-84. Acesso em 21 jul. 2012.

Supremo Tribunal Federal. ADC 19/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, j. 09.02.2012. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?numero=19&classe=ADC&origem=AP&recurso=0&tipoJulgamento=M. Acesso em 23 jul. 2012.)

Supremo Tribunal Federal. ADIn n° 4.424/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, j. 09.02.2012. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?numero=4424&classe=ADI&origem=AP&recurso=0&tipoJulgamento=M. Acesso em 23 jul. 2012.


Notas

[1] Curso realizado pela autora, promovido pelo Tribunal de Justiça de Pernambuco, em convênio com a Fordham University, ministrado na cidade de Nova Iorque, no período de 18/06/2012 a 25/06/2012.

[2] PERNAMBUCO, Ministério Público. Lei Maria da Penha: O Ministério Público e o combate à violência doméstica e familiar contra a mulher / coordenação, CAOP Cidadania ; organização, Marco Aurélio Farias da Silva ; colaboração, Yélena de Fátima Monteiro Araújo. Recife: Procuradoria Geral de Justiça, 2007. p 15.

[3] Importa mencionar que, antes da Lei n° 11.340, a Lei n° 10.886/04, que incluiu o parágrafo 9° no art. 129, do CP, com a seguinte redação: “Se a lesão for praticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido, ou, ainda, prevalecendo-se o agente das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade: Pena (...)”. Com o que qualificou a lesão corporal para os casos provenientes de relação doméstica.

[4] “Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual.”

[5] DIAS, Maria Berenice. A lei Maria da penha na justiça: a efetividade da Lei 11.340/2006 de combate à violência doméstica e familiar contra a mulher. São Paulo: ed. Revista dos Tribunais, 2007. p. 40.

[6] A constitucionalidade da Lei fora assentada na Ação Direta de Constitucionalidade n° 19/DF, na qual o Supremo decidiu que o seu artigo 33 não ofenderia os artigos 96, I, a, e 125, § 1º, ambos da CF, porquanto a Lei Maria da Penha não implicara obrigação, mas faculdade de criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, conforme disposto nos artigos 14, caput, e 29, do mesmo diploma. (Supremo Tribunal Federal. ADC 19/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, j. 09.02.2012. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?numero=19&classe=ADC&origem=AP&recurso=0&tipoJulgamento=M. Acesso em 23 jul 2012.)

[7] Em sede de violência doméstica, a fixação da competência do JVDFM se dá ratione personae. E com relação à matéria cível, não importa o local do fato, podendo a vítima escolher dentre as opções dispostas no art. 15 da Lei 11.340/06. Assim, pode inexistir coincidência de comarcas entre o procedimento de medida protetiva e a ação penal. Isso porque a matéria criminal segue a regra do local do fato, sem acarretar prevenção ou prorrogação de competência.

[8] DIAS, Maria Berenice. Op. Cit.. p. 73.

[9] DIAS, Maria Berenice. Op. Cit.. p. 68.

[10] É determinada “a promoção e a realização de campanhas educativas de prevenção da violência doméstica e familiar contra a mulher, voltadas ao público escolar e à sociedade em geral, e a difusão desta Lei e dos instrumentos de proteção aos direitos humanos das mulheres” (art. 8°, V). A preocupação é de tal ordem que é obrigatória a inclusão do tema nos currículos escolares de todos os níveis de ensino, à equidade de gênero e de raça ou etnia e ao problema da violência doméstica.

[11] PERNAMBUCO, Ministério Público. Op. Cit.. p 18.

[12] “Art. 32. O Poder Judiciário, na elaboração de sua proposta orçamentária, poderá prever recursos para a criação e manutenção de equipe de atendimento multidisciplinar, nos termos da Lei de Diretrizes Orçamentárias.

Art. 35. A União, o Distrito Federal, os Estados e os Municípios poderão criar e promover, no limite das respectivas competências:

I - centros de atendimento integral e multidisciplinar para mulheres e respectivos dependentes em situação de violência doméstica e familiar;

II - casas-abrigos para mulheres e respectivos dependentes menores em situação de violência doméstica e familiar;

III - delegacias, núcleos de defensoria pública, serviços de saúde e centros de perícia médico-legal especializados no atendimento à mulher em situação de violência doméstica e familiar;

IV - programas e campanhas de enfrentamento da violência doméstica e familiar;

V - centros de educação e de reabilitação para os agressores.

Art. 36. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios promoverão a adaptação de seus órgãos e de seus programas às diretrizes e aos princípios desta Lei.

Art. 37. A defesa dos interesses e direitos transindividuais previstos nesta Lei poderá ser exercida, concorrentemente, pelo Ministério Público e por associação de atuação na área, regularmente constituída há pelo menos um ano, nos termos da legislação civil.”

[13] “Art. 38. As estatísticas sobre a violência doméstica e familiar contra a mulher serão incluídas nas bases de dados dos órgãos oficiais do Sistema de Justiça e Segurança a fim de subsidiar o sistema nacional de dados e informações relativo às mulheres.

Parágrafo único. As Secretarias de Segurança Pública dos Estados e do Distrito Federal poderão remeter suas informações criminais para a base de dados do Ministério da Justiça.”

[14] PERNAMBUCO, Ministério Público. Op. Cit.. p 23.

[15] Na verdade, o texto original da Lei n° 9.099/95, previa como de menor potencial ofensivo os crimes, cujas penas máximas fossem inferior a um ano, senão, vejamos: “Art. 61. Consideram-se infrações penais de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a um ano, excetuados os casos em que a lei preveja procedimento especial”. A modificação no texto realizada pela Lei n° 11.313/06, decorreu da previsão contida na Lei n° 10.259/01, que dispõe sobre os juizados especiais federais, que dispunha o prazo de dois anos.

[16] DIAS, Maria Berenice. Op. Cit. p. 62.

[17] A representação, quanto à formalidade, é figura processual simplificada, dispensando formalidades, haja vista ser instituída no interesse da vítima e não do acusado, sendo este o entendimento firmado no STF, para o qual não se deveria exigir a observância rígida das regras procedimentais, especialmente quando se trata de crimes desta natureza (RT 731/522; JSTF 233/390). (MOREIRA, Rômulo de Andrade. Superior Tribunal de Justiça – art. 16 da Lei Maria da Penha. Advocacia Dinâmica – Informativo. Recife, 39, p. 646- 644, set. 2011. p. 644-646.)

[18] Contudo, diante do julgamento, pelo Supremo, das ações diretas, temos como esvaziada tal prerrogativa, relativamente aos crimes de lesão corporal.

[19] DIAS, Maria Berenice. Op. Cit.. p. 22.

[20] _______. Op. Cit.. p. 23.

[21] Idem. p. 24.

[22] Supremo Tribunal Federal. ADIn n° 4.424/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, j. 09.02.2012. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?numero=4424&classe=ADI&origem=AP&recurso=0&tipoJulgamento=M. Acesso em 23 jul 2012.

[23] Acentuou-se, entretanto, permanecer a necessidade de representação para crimes dispostos em leis diversas da dos juizados, como o de ameaça e os cometidos contra a dignidade sexual.

[24] DIAS, Maria Berenice. Op. Cit.. p. 80.

[25] As medidas protetivas podem ser concedidas pelo juiz, de imediato, independentemente da audiência das partes ou de manifestação do Ministério Público, a seu requerimento ou a pedido da ofendida. Serão aplicadas isolada ou cumulativamente, podendo ser substituídas a qualquer tempo por outra mais eficaz, quando entender necessário à proteção da ofendida, de seus familiares e de seu patrimônio, ouvido o MP (§ 3° do art. 19).

[26] Acaso sejam as medidas concedidas em Vara Criminal comum, somente permanecerão nela aquelas de natureza penal. Quanto às providências cíveis, após cumpridas, o expediente deve ser redistribuído à Vara de Família, que, inclusive, pode decretar a prisão preventiva para assegurar a eficácia de qualquer das medidas. (DIAS, Maria Berenice. Op. Cit.. p. 80.)

[27] DIAS, Maria Berenice._______. Op. Cit.. p. 144.

[28] _______. Op. Cit.. p. 105.

[29] MAZUR, Robyn/ ALDRICH, Liberty. What makes a domestic violence court work? Lessons from New York. AMERICAN BAR ASSOCIATION. Judges Journal. n° 2. Vol. 42. inverno 2003. p. 5.

[30] Idem.

[31] Tradução livre: “se as vítimas mantêm-se em situação de abuso e violência devido a temerem por sua integridade e de seus filhos, então por que não prover serviços e planos de segurança que possam expandir suas possibilidades? Se os casos estão passando por entre as brechas do sistema normativo penal, então por que não trabalhar em conjunto para melhorar a coordenação e consistência?”

[32] MAZUR, Robyn/ ALDRICH, Liberty. Op. Cit.. p. 6. Atualmente, existem nos Estados Unidos, mais de trezentas Cortes especializadas na matéria.

[33] Segundo os pesquisadores do Departamento de Justiça, os treinamentos devem abranger tanto os aspectos legais da lide, quanto os impactos sobre os envolvidos, especialmente nas crianças, de modo a aprofundar o conhecimento nas diversas áreas tocadas, elevando as decisões a um nível mais consistente, compreensivo, eficiente e mesmo emotivo. (Domestic Violence Staff of the Center for Court Innovation, Integrated Domestic Violence Courts: Key Principles. Disponível em: http://www.courtinnovation.org/research/integrated-domestic-violence-courts-key-principles?url=research%2F7%2Fall&mode=7&type=all. Acesso em: 18 de jul. 2012.)

[34] “The goals of these trainings are really twofold – to provide ongoing support and reinforcement on domestic violence issues to court personnel and partners as well and to highlight the court´s commitment to handling domestic violence cases in an educated and serious manner”. (MAZUR, Robyn/ ALDRICH, Liberty. Op. Cit.. p. 9.)

[35] “Information is crucial to any effort to promote accountability. Strong relationships with service providers, such as batterers intervention programs and substance abuse treatment providers, ensure that when a defendant is noncompliant, the court is notified right away and can act accordingly”. (MAZUR, Robyn/ ALDRICH, Liberty. Op. Cit.. p. 9.)

[36] MAZUR, Robyn/ ALDRICH, Liberty. Op. Cit.. p. 11.

[37] “The progressive nature of domestic violence crime underscores that courts cannot look only at individual cases. They must look for broader system outcomes, seeking to reduce recidivism, increase safety for victims, and improve inter-agency collaboration. Domestic violence courts alone cannot eliminate family violence, but they can play an important role, increasing accountability for defendants and safety for victims”. (MAZUR, Robyn/ ALDRICH, Liberty. Op. Cit.. p. 11.)

[38] MAZUR, Robyn/ ALDRICH, Liberty. Op. Cit.. p. 10.

[39] Diretora do Projeto no Bronx Domestic Violence Complex.

[40] Sócia no projeto Center for Court Innovation.

[41] Esta informações foram prestadas em palestra dada no curso International Judicial Research & Training Program, ministrado na Fordham Law School, em 25 de junho de 2012, na Bronx Supreme Criminal Court.

[42] MAZUR, Robyn/ ALDRICH, Liberty. Op. Cit.. p. 07.

[43] Domestic Violence Staff of the Center for Court Innovation, Integrated Domestic Violence Courts: Key Principles. Disponível em: http://www.courtinnovation.org/research/integrated-domestic-violence-courts-key-principles?url=research%2F7%2Fall&mode=7&type=all. Acesso em: 18 de jul. 2012.

[44] “By handling all the related cases pertaining to a single family, the judge gains comprehensive information and can impose court mandates that are consistent and designed to address all issues in the case, including orders of protection, bail conditions and sentences, support, visitation and custody orders, divorce, treatment mandates and services for children.”

[45] Para garantir que não haja unificação das causas, inclusive, alguns juízes preparam três calendários distintos para as matérias criminal, familiar e matrimonial, nos quais são ouvidos individualmente e os respectivos advogados se apresentam apenas para as causas em que funcionam. (Domestic Violence Staff of the Center for Court Innovation, Integrated Domestic Violence Courts: Key Principles. Disponível em: http://www.courtinnovation.org/research/integrated-domestic-violence-courts-key-principles?url=research%2F7%2Fall&mode=7&type=all. Acesso em: 18 de jul. 2012)

[46] No Brooklin Felony Domestic Violence Court, existem duas formas de acesso a advogados, ambas com escritório no próprio tribunal, para fins de melhorar o acesso aos clientes.

[47] Ficou constatado que manter a vítima informada impede sua constante exposição, no fórum, diminui as chances de exposição ao perigo, além de passar-lhe a impressão de cuidado por parte do Estado, gerando sensação de segurança e uma maior colaboração para o prosseguimento da ação. (MAZUR, Robyn/ ALDRICH, Liberty. Op. Cit.. p. 7.)

[48] “In Westchester County, for instance, felonies are transferred immediately to the domestic violence court after the initial of an indictment, this allows for the rapid issuance of orders of protection, and sends the message to defendants that the case is being taken seriously. Experience indicates that delays give the batterer more time to convince the victim to become uncooperative”. (MAZUR, Robyn/ ALDRICH, Liberty. Op. Cit.. p. 8.)

[49] AMY PUMO, L.C. S. W. The Bronx Child and Adolescent Witness Support Program: A model intervention for yong victims and witnesses of violence and abuse, 2010. Disponível em: http://www.courtinnovation.org/sites/default/files/Bronx_Child_and_Adolescent.pdf. Acesso em 18 jul 2012.

[50] AMY PUMO, L. C. S. W., The Bronx child and adolescent witness support program: a model intervention for young victims and witness of violence and abuse. 2010. Disponivel em: http://www.courtinnovation.org/sites/default/files/Bronx_Child_and_Adolescent.pdf. Acesso em 23 jul. 2012. p. 01.

[51] _______. Op. Cit., p. 02.

[52] Vide: Conselho Nacional de Justiça. Denúncias de violência contra a mulher aumentaram depois da Lei Maria da Penha. Disponível em: http://cnj.jusbrasil.com.br/noticias/100022835/denuncias-de-violencia-contra-a-mulher-aumentaram-depois-da-lei-maria-da-penha. Acesso em 20 ago. 2012.

[53] Mais de 60 projetos de estados, municípios e entidades não governamen­tais conveniados com a SPM receberam o aporte de R$ 16.058.953,57 nos meses de março, abril e maio deste ano. As informações são da Se­cretaria-Executiva da SPM, responsável pela gestão dos convênios, e se referem a despesas correntes e de investimento e à alocação de verba do orçamento em seis áreas: enfrentamento à violência contra as mulheres, qualificação profissional, autonomia econômica, políticas públicas, direitos da mulher e igualdade de gênero. O levantamento compreende o período de 21 de março a 31 de maio. (Boletim Mulheres em Pauta. edição nº 84. Disponível em: http://www.sepm.gov.br/boletim-mulheres-em-pauta-ano-viii/boletins/bmp-84. Acesso em 21 jul. 2012.)

[54] Informações prestadas através do site da Secretaria. Disponível em: http://www.sepm.gov.br/subsecretaria-de-enfrentamento-a-violencia-contra-as-mulheres/lei-maria-da-penha/pronasci-e-a-lei-maria-da-penha. Acesso em 21 jul. 2012.


Abstract: The object of this paper is domestic violence, analyzed through Maria da Penha´s Law (Law 11.340 of August 7, 2006) and its implementation in Brazil, and in certain way, compared to the U.S. experience, learned at International Judicial Research & Training Program´s course, taught by Fordham Law School in partnership with the Tribunal de Justiça de Pernambuco. Far from the pretense of examining the doctrinal and jurisprudential aspects of this paper, it will be a short study on its purpose and implementation, alongside the New Yorkers concrete judicial´s aspects, exposed by members of the Bronx Domestic Violence Court, which improvements led to the development of integrated assistance services, in addition to expanding the magistrate´s jurisdiction. The goal is to contribute with new ideas and adaptations to the local´s judiciary, perhaps, national´s.

Keywords: Domestic violence. Brazilian judiciary. Domestic Violence Court. Assistance to victims.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FULCO, Ana Carolina de Carvalho. Combate à violência doméstica no Brasil: contribuição a partir da experiência norte-americana. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3359, 11 set. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22593. Acesso em: 29 mar. 2024.