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O princípio da imparcialidade do juiz penal como decorrência da adoção do sistema acusatório pela constituição federal

O princípio da imparcialidade do juiz penal como decorrência da adoção do sistema acusatório pela constituição federal

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Ao se possibilitar ao juiz atuar de ofício, corre-se o risco de desequilibrar o pleito em favor da pretensão acusatória perseguida pelo órgão acusador e de malferir a imparcialidade do magistrado.

Sumário: INTRODUÇÃO. CAPÍTULO I. DOS SISTEMAS PROCESSUAIS PENAIS. 1.1 Do Sistema Acusatório. 1.2 Do Sistema Inquisitório. 1.3 Do Sistema Misto. 1.4 O Sistema Processual Penal Adotado pelo Direito Brasileiro. CAPÍTULO II. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DO PROCESSO PENAL E A GARANTIA DA IMPARCIALIDADE DO JUIZ. 2.1 Conceito e Noções Gerais. 2.2 Princípio do Devido Processo Legal. 2.3 Princípios do Contraditório e da Paridade de Armas. 2.4 Princípio da Imparcialidade do Juiz e sua Relação com o Sistema Acusatório. CONSIDERAÇÕES FINAIS. REFERÊNCIAS.


INTRODUÇÃO

A imparcialidade do juiz é uma das maiores garantias de realização de justiça, bem como característica essencialmente legitimadora da função estatal jurisdicional. Sem um Poder Judiciário imparcial, a sociedade irrefutavelmente opor-se-ia à resolução pacífica dos conflitos por intermédio de um poder supostamente autônomo e independente, fazendo reinar o caos.

Igualmente, a proteção dos direitos fundamentais, sobretudo os voltados à defesa dos indivíduos perante o aparato estatal, restaria sobremodo fragilizada caso não houvesse juízes imparciais prontos para, quando necessário, obstaculizar o exercício do arbítrio pelo Poder Público. Contudo, a imparcialidade do juiz também deve se fazer presente na resolução de querelas entre particulares, pois de outro modo dificilmente os jurisdicionados conformar-se-iam com eventual resultado desfavorável de um processo em que figurassem como parte.

No processo penal, a discussão a respeito da imparcialidade do juiz ganha maior relevo. Isso porque, ao longo da evolução histórica do processo criminal, surgiu um órgão estatal cuja finalidade consiste precipuamente em ser parte autora: o Ministério Público. Com efeito, é ao Ministério Público que compete, entre outras funções, dar o impulso necessário ao início do processo penal, em se tratando de crime de ação penal pública. Através da denúncia, o juiz, que até então estava inerte, toma conhecimento de uma demanda e examina-a, decidindo se irá ou não processá-la.

Entretanto, a existência de uma parte autora oficial não é suficiente para se tirar qualquer conclusão acerca da imparcialidade do magistrado, já que é com base nos sistemas processuais penais que se deve analisar a atuação judicial no decorrer da relação jurídica processual, quais sejam, o sistema inquisitório, o sistema acusatório e o sistema misto.

O sistema inquisitório caracteriza-se, hodiernamente, por uma participação ativa do magistrado na condução do processo, tendo ele ampla liberdade para atuar de ofício, sem que tenha havido qualquer provocação das partes, seja na produção de provas, seja decretando outras medidas que entender necessárias (como a prisão preventiva, o arresto de bens do acusado etc.).

O sistema acusatório, de outra banda, caracteriza-se pela atividade passiva do magistrado, por sua posição inerte em face das partes. Nele, o juiz se põe equidistante tanto do acusador como do acusado. Descabe, aqui, a atuação de ofício do julgador, devendo, desse modo, haver requerimento por parte dos interessados para a produção de provas e o deferimento de medidas acautelatórias. Nesse prisma, exsurge a importância da atuação do órgão acusador, encorpado, em regra, pelo Ministério Público.

Há, ainda, o sistema misto, que seria um meio termo entre os sistemas inquisitório e acusatório, possuindo características de ambos. Alguns autores classificam o sistema processual penal brasileiro dessa maneira, afirmando que na fase persecutória ele seria inquisitório e, na processual, acusatório.

Toda essa discussão acerca da atuação de ofício do juiz no processo penal liga-se ao sistema processual adotado pela Constituição Federal de 1988. De acordo com a escolha feita pela Constituição é que deve ser visualizado o princípio da imparcialidade, com vistas a se harmonizar o disposto na legislação infraconstitucional com o que reza o texto constitucional.

Ao se possibilitar ao juiz atuar de ofício, corre-se o risco de desequilibrar o pleito em favor da pretensão acusatória perseguida pelo órgão acusador e de malferir a imparcialidade do magistrado.

O estudo aqui desenvolvido busca promover uma análise do sistema processual penal constitucional acolhido pela Constituição Federal e sua correlação com o princípio da imparcialidade do juiz.


CAPÍTULO I

DOS SISTEMAS PROCESSUAIS PENAIS

Os sistemas processuais penais são categorias nas quais se costuma classificar o processo penal, consoante a maneira como este se mostrou ao longo da evolução histórica do direito processual penal. Esses sistemas são dotados de características e peculiaridades que os singularizam e variam de acordo com a abertura política, o respeito aos direitos humanos e demais fatores inerentes a uma dada sociedade. Assim, ao se dizer que, num dado período, o direito processual penal de um determinado lugar podia ser classificado numa certa categoria, dava-se uma noção ampla acerca do funcionamento da persecução criminal então vigente.

Segundo a definição de Paulo Rangel, sistema processual penal “é o conjunto de princípios e regras constitucionais, de acordo com o momento político de cada Estado, que estabelece as diretrizes a serem seguidas para a aplicação do direito penal a cada caso concreto” [1]. Vê-se, assim, que, mais que o próprio direito penal, o sistema processual penal em vigor numa dada sociedade reflete os valores e os princípios regentes de seu direito.

Na lição de Júlio Fabbrini Mirabete[2], consoante as formas com que se apresentam e os princípios que os informam, três são os sistemas processuais penais presentes na evolução do direito: o inquisitório, o acusatório e o misto, os quais surgiram e se moldaram ao longo do tempo, o que torna um tanto dificultoso estremá-los.

Essa classificação, aplicando-se-lhe na atualidade, considera a quantidade de características predominantes num dado sistema processual penal. Não há mais falar em processo inquisitório ou acusatório puro, que são dados históricos. Porém o processo penal misto subsiste, com a configuração que lhe será dada abaixo.

Hodiernamente, as diversas legislações se esforçam por buscar um sistema de processo penal que seja capaz de conciliar as necessidades dos tempos modernos no combate à criminalidade e o respeito ao extenso rol de direitos fundamentais catalogados na grande maioria das constituições. Essa ânsia por conciliar garantias individuais dos acusados e os processos de investigação e de descoberta da verdade afigura-se bastante complexa. Em regra, predominam interesses que orbitam em torno do combate à criminalidade, sem a devida preocupação com o respeito ao sistema processual adotado pela Constituição Federal e, consequentemente, à força normativa dessa última. Isso porque, a partir do momento em que se entende que a Constituição Federal incorporou esse ou aquele modelo de processo penal, pode-se afirmar que o desrespeito ao mencionado sistema processual implica o ferimento da própria Constituição.

Os interesses que se põem em conflito na escolha teórica entre um e outro modelo de processo penal dificultam sobremaneira o consenso a respeito do sistema processual penal acolhido pela Constituição, como bem ressalta Frederico Marques[3]:

Um procedimento ideal, suficientemente enérgico para evitar a impunidade dos criminosos, e bastante dúctil para impedir a perseguição e condenação de inocentes, dificilmente se poderá encontrar ou construir. O intento de descobrir a verdade, além de sujeito à precariedade das contingências humanas, mais árduo e complexo se torna quando os métodos e formas que devam ser empregados esbarram com as limitações derivadas das garantias que cercam o acusado.

Em verdade, pode-se asserir, juntamente com Aury Lopes Jr.[4], que os sistemas processuais inquisitório e acusatório são o reflexo da resposta do processo penal frente às exigências do direito penal e do Estado da época. Ultimamente, em que cada vez mais floresce a ideia de um processo penal constitucional influenciado pelo Neoconstitucionalismo, tornou-se imprescindível identificar qual modelo de processo penal é compatível com o texto constitucional, sem o que se negará a força normativa da Constituição.

1.1   Do Sistema Acusatório

O sistema acusatório surgiu tão logo a reação contra ofensas mais graves ao ordenamento jurídico passou das mãos dos particulares (de grupos tribais ou das próprias vítimas) para as do Estado. Sua origem está enraizada nos direitos grego e romano (mormente na fase republicana), tendo prevalecido da antiguidade até a Idade Média, por volta do século XIII. Segundo Denise Neves Abade[5],

[...] com delineamentos na antiguidade grega, fortalecendo-se no direito romano e passando pelo direito germânico, o sistema acusatório, concebido contemporaneamente como um dos corolários do devido processo legal em matéria penal, foi seguindo na Europa continental uma trajetória ascendente até o século XIII, quando quase desapareceu, graças ao incremento de outro sistema de administração da justiça penal: o sistema inquisitivo. (Grifo do autor)

Inicialmente, a jurisdição penal no sistema acusatório era exercida por tribunais do povo, tais como assembleias populares e colegiados constituídos por cidadãos ou tribunais de jurados, os quais se posicionavam como árbitros imparciais entre acusador e acusado.

Na Grécia antiga, onde efetivamente nasceu o sistema acusatório, a provocação do órgão jurisdicional dava-se por ação popular, para os delitos mais graves, e por acusação privada, para os delitos menos graves, segundo os preceitos do Direito Civil [6].

Em Roma, na Alta República, surgem duas formas de se encetar o processo penal: a acusatio, que cabia ao próprio ofendido ou aos seus parentes, tratando-se de uma ação privada; e a cognitio, de titularidade dos órgãos estatais.

Desde então, aponta-se que a principal característica do sistema acusatório consiste na existência de três personagens em sua formação: o juiz, o autor e o réu, formando um actum trium personarum. Os atos de acusar e julgar são atribuídos a personagens diferentes e independentes entre si.

Nesse diapasão, o juiz aparece como órgão imparcial, manifestando-se, no curso do processo, tão somente quando provocado, sem ingerência na gestão da prova, a qual fica a cargo das partes. O autor assume todo o ônus probatório da acusação, cabendo-lhe, com exclusividade, a comprovação dos fatos que imputa ao réu, não havendo falar numa participação supletiva do magistrado em tal mister. O réu, por sua vez, se vale de todos os meios possíveis para sua defesa, haja vista a adoção, por esse sistema, do contraditório e do direito de defesa.

Essa divisão de tarefas na relação processual penal tem por escopo garantir a imparcialidade do juiz, decorrência do princípio constitucional do juiz natural. Para o sistema acusatório, a ausência de atuação de ofício do magistrado é inerente à noção de juiz imparcial, por isso carece o juiz de iniciativa probatória, devendo julgar com base nas provas apresentadas pelas partes. Nessa esteira, aduz Daniel Westphal Taylor[7] que, embora o sistema acusatório seja dotado de outras características, tais quais a oralidade, a publicidade e a igualdade de partes, a peculiaridade que o distingue do sistema inquisitório é a estrita divisão de funções entre cada ator processual.

 No dizer de Luigi Ferrajoli[8],

[...] a rígida separação dos papéis entre os atores do processo, que [...] forma a primeira característica do sistema acusatório, impede que tal ônus possa ser assumido por sujeitos que não da acusação; não pelo imputado, a quem compete o contraposto direito de contestação, e de modo algum pelo juiz, que tem ao invés a função de julgar livremente a credibilidade das verificações e das falsificações exibidas.

No mesmo sentido, Jacinto Nelson de Miranda Coutinho[9] assinala que a característica mais importante do sistema acusatório é justamente o fato de a gestão da prova não estar nas mãos dos juízes, mas ser confiada às partes. A propósito, ressalve-se o entendimento diverso de Marcos Alexandre Coelho Zilli[10], para quem o ponto crucial a estremar os sistemas acusatório e inquisitório é a concentração dos poderes de acusar e julgar em um único órgão, não maculando a imparcialidade do julgador, segundo afirma,  reconhecer-lhe a concessão de poderes instrutórios .

Em considerando que ao juiz não é permitido participar ativamente nem de ofício – ne procedat iudex ex officio – no modelo acusatório, tem-se que tampouco lhe é dado iniciar o processo. Tal tarefa cabe, nessa ótica, apenas ao acusador, que, num primeiro momento, não era, como visto, órgão estatal.

Anota Denilson Feitoza Pacheco[11] que, na perspectiva do sistema acusatório, a acusação pode ser privada (o próprio ofendido como acusador) ou, em certas hipóteses, popular (qualquer cidadão ou pessoa do povo como acusador, o que ainda ocorre, na atualidade, no direito inglês e no direito espanhol). Uma vez provocada a jurisdição estatal e nascida a relação processual, fica o juiz limitado, na sentença, ao que fora requerido pelo autor em sua peça acusatória, o que se dá justamente em decorrência da impossibilidade de ele, juiz, se autoprovocar e julgar fato não aventado pela acusação.

Destarte, a existência de uma relação jurídica processual no sistema acusatório com três personagens – caracterizando, assim, um processo penal de partes – tem como consequência direta a igualdade jurídica, perante um juiz imparcial, entre acusador e acusado. Ambos, dentro de tal perspectiva, são sujeitos de direitos dotados de ônus e faculdades, em decorrência do contraditório[12]. Desse modo, o réu tem, à sua disposição, instrumentos de defesa que lhe permitem contrapor-se aos fatos implicados à sua pessoa pela acusação, surgindo daí o embate que dimana da relação processual.

Secundariamente, o sistema acusatório também se caracteriza pela publicidade dos atos processuais e pelo livre convencimento do juiz, livre de quaisquer tarifações legais na valoração das provas, tendendo o procedimento à oralidade, bem como pelo direito de o acusado permanecer em liberdade durante a instrução.

De outra banda, parte da doutrina elenca alguns supostos inconvenientes do sistema acusatório, como a impunidade que ele possivelmente estimulou no período em que a instauração do processo penal dependia precipuamente da provocação de particulares, nem sempre dispostos a mover a competente ação penal. Também a acusação falsa durante o período referido, fruto da vingança e do ódio, é apontada como uma consequência negativa do sistema acusatório puro.

Contudo a crítica mais feroz a esse modelo de processo penal repousa na alegada deturpação da verdade que ele ocasionaria, à vista da posição de inércia a que nele é relegado o juiz. Vai-se ao ponto de afirmar que ele impossibilitaria o conhecimento da “verdade”, como se houvesse outra, decorrente da atividade jurisdicional, que não uma construída através de uma relação processual travada com o crivo do contraditório.

Com efeito, sustenta Hélio Tornaghi[13] que, “ao deferir exclusivamente às partes a tarefa de trazer para os autos a prova dos fatos e negar ao juiz todo poder inquisitivo, o sistema acusatório não possibilitava o conhecimento da verdade”. Observe-se que, na crítica feita por Tornaghi, dá-se relevo à noção de verdade, opondo-se-lhe a passividade instrutória do juiz na condução do processo penal. Assim, sistema acusatório e verdade seriam conceitos excludentes. Evidentemente, isso não implica o reconhecimento, pelos críticos do sistema acusatório, de que a iniciativa probatória e acautelatória do juiz penal poderia macular sua imparcialidade, eis que mesmo os defensores ferrenhos da atuação de ofício do magistrado penal entendem que tais prerrogativas não maculam a idoneidade do juiz.

Hodiernamente, o processo penal acusatório apresenta as seguintes características[14]:

a) clara distinção entre as atividades de acusar e julgar;

b) a iniciativa probatória fica exclusivamente a cargo das partes;

c) o juiz mantém-se como um terceiro imparcial alheio à investigação e sem tomar iniciativa na colheita de provas;

d) as partes são dotadas de um tratamento processual igualitário;

e) há contraditório e possibilidade de resistência (defesa);

f) o procedimento é predominantemente oral e dotado da mais ampla publicidade.

Dessa maneira, para que o sistema acusatório seja respeitado atualmente, urge que o juiz criminal evite atuar de ofício – mormente em questões a cargo da acusação –, com vistas a preservar sua imparcialidade.

1.2   Do Sistema Inquisitório

O sistema inquisitório surgiu com o intuito de corrigir as supostas imperfeições do sistema acusatório. Resultou, basicamente, da inação dos supostos interessados em mover as respectivas ações penais, o que levou à conclusão de que a persecução criminal não poderia ser deixada ao humor dos particulares, pois isso comprometeria o combate à delinquência. A atividade persecutória, devido à sua importância, deveria ser assumida pelo Estado, visto que a criminalidade colocava em xeque a própria existência e soberania estatais.

As raízes do sistema inquisitório encontram-se na Roma Imperial, quando o Senado romano decidiu encarregar os quaesitores – que eram funcionários incumbidos de fazer os trabalhos de investigação e denúncia[15] – de averiguar as infrações de que tivessem notícia, evitando que eventuais criminosos ficassem impunes. Teve início, assim, a substituição paulatina da provocação do juiz por particulares para aquela realizada por órgãos oficiais, o que, mais tarde, iria desaguar no acúmulo, pelo magistrado, das funções de investigar, acusar e julgar.

Porém o sistema acusatório ainda predominou durante vários séculos, tendo o sistema inquisitório coexistido com aquele por longo período[16]. É somente no século XIII que o modelo de processo do tipo inquisitório ganha força, quando de sua adoção pela Igreja Católica, no IV Concílio de Latrão, realizado sob o papado de Inocêncio III, em 1215. Rapidamente, ele se espalha por, praticamente, toda a Europa continental, substituindo o modelo de processo acusatório até o século XIV, momento em que, definitivamente, passa a triunfar.

Quando de sua generalização pela Europa, o processo inquisitório dividia-se em duas fases: a de inquisição geral e a de inquisição especial. Na primeira, buscava-se o fato em sua materialidade, a ela procedendo o juiz antes mesmo de investigar o autor da infração. Apurada a existência do fato, passava-se a investigar a culpabilidade daqueles contra os quais houvesse suspeita de autoria, perquirindo-se especificamente a respeito do possível autor do delito.

O sistema inquisitório pôde se difundir da forma como se deu porque ele representou a convergência entre os interesses da Igreja – que buscava firmar sua universalidade enquanto instituição religiosa e lutar, para preservar seu poderio, contra aqueles que ela considerava infiéis – e os dos Estados nacionais governados por monarcas, que procuravam se autoafirmar contra o regime feudal. 

Na prática judiciária, o sistema inquisitório surgiu quando se passou a aceitar a possibilidade de haver, junto ao acusatório, um processo judicial iniciado de ofício para os casos de flagrante delito[17]. Aliás, o Código de Processo Penal brasileiro vigente dispõe, em seu art. 26, que “A ação penal, nas contravenções, será iniciada com o auto de prisão em flagrante ou por meio de portaria expedida pela autoridade judiciária ou policial”. Todavia tal dispositivo foi revogado (não recepcionado) pela Constituição Federal de 1988.

Pouco a pouco, a atuação judicial de ofício, prevista inicialmente apenas para os casos de flagrante delito, foi se alastrando, e os juízes passaram a invadir cada vez mais a esfera de atribuições cometidas aos órgãos de acusação, até o ponto em que se reuniram numa única figura – a do juiz – as funções de investigar, acusar, e julgar.

Assim, operou-se uma completa inversão da estrutura organizacional do processo. O que era um embate entre duas partes – o acusador e o acusado – torna-se uma disputa desigual entre o réu e o juiz-inquisidor. Este, que até então era um árbitro imparcial, limitando-se a organizar os trabalhos e a prolatar sentença, sem se imiscuir na acusação nem na gestão da prova, passa a encarnar não só a atividade de juiz, mas também as de investigador e acusador, deixando de lado uma participação imparcial no processo criminal.

Por sua vez, o acusado, que no sistema acusatório era visto como sujeito de direitos, estando em pé de igualdade com seu acusador no que tange às faculdades processuais, no modelo inquisitório torna-se mero objeto de investigação, despojado de quaisquer direitos. Dessa maneira, não lhe era permitido exercer resistência à acusação que lhe fora imputada. A defesa do réu estava confiada, da mesma forma que a acusação e o julgamento, ao juiz-inquisidor.

No mesmo passo, tampouco há compatibilidade entre o sistema inquisitório e a presença do contraditório. Isso porque o processo inquisitório é secreto por excelência. Admitia-se a denúncia anônima, tendo surgido, especialmente em igrejas, espécies de gavetas ou caixas destinadas a receber denúncias de heresias, as chamadas bocas de leão ou da verdade[18]. Também o nome do acusador permanecia secreto, bem como o das testemunhas, que tinham suas declarações assentadas por escrito pelo juiz-inquisidor. Comentando o estado de segredo que dominou o processo inquisitório na Europa continental, afirma Foucault[19] que

Na França, como na maior parte dos países europeus – com a notável exceção da Inglaterra – todo o processo criminal, até a sentença, permanecia secreto: ou seja opaco não só para o público mas para o próprio acusado. O processo se desenrolava sem ele, ou pelo menos sem que ele pudesse conhecer a acusação, as imputações, os depoimentos, as provas. Na ordem da justiça criminal, o saber era privilégio absoluto da acusação.

Nessa esteira, Tourinho Filho[20] assevera que, por vezes, o processo inquisitório era levado a extremos tais que o segredo alcançava o lugar e a forma do procedimento, a pessoa do julgador, o pronunciamento da sentença e, também, às vezes, era secreto o próprio momento da execução da condenação.

No campo probatório, o modelo inquisitório de processo penal adotava o sistema de tarifação legal das provas, isto é, as provas tinham valor previamente estabelecido, como se dava em relação à prova de um fato qualquer, que requeria o testemunho de pelo menos duas pessoas – testis unus, testis nullus. Aliás, bastavam os mesmos dois testemunhos para sustentar a condenação do réu.

A prisão do acusado era regra, já que se permitia ao juiz-inquisidor ficar próximo daquele e, assim, agredi-lo. A tortura, que por longo tempo foi estranha ao processo penal romano, enquanto era utilizada em vários lugares, inclusive na Grécia[21], passou a ser permitida, já que o acusado era tão somente objeto de investigação, que tinha por objetivo extrair a então rainha das provas: a confissão do réu.

Uma vez confessada a prática delituosa pelo acusado, não mais se perquiria acerca de sua inocência: a autoria do crime já estava provada, bastando que se acrescentassem alguns elementos secundários de prova no mesmo sentido, eis que, no sistema de tarifação legal, predominante enquanto prevaleceu o sistema inquisitório com toda sua força, nenhuma prova valia mais que a confissão. Por tal motivo, dava-se uma atenção especial ao interrogatório, que dispunha de técnicas próprias, consoante a lição de Foucault[22]:

[…] o interrogatório […] Trata-se de uma prática regulamentada, que obedece a um procedimento bem definido, com momentos, duração, instrumentos utilizados, comprimentos das cordas, peso dos chumbos, número de cunhas, intervenções do magistrado que interroga, tudo segundo os diferentes hábitos, cuidadosamente codificado.

Nesse diapasão, relata Aury Lopes Jr.[23] a maneira como a tortura era costumeiramente empregada pelo juiz-inquisidor:

Existiam cinco tipos progressivos de tortura e o suspeito tinha o “direito” a que somente se praticasse um tipo de tortura por dia. Se em 15 dias o acusado não confessasse, era considerado como “suficientemente” torturado e era liberado. Sem embargo, os métodos utilizados eram eficazes e quiçá alguns poucos tenham conseguido resistir aos 15 dias. O pior é que em alguns casos a pena era de menor gravidade que as torturas sofridas.

A tortura foi tão propagada e largamente utilizada como meio de fazer o réu confessar, mormente pelo Tribunal do Santo Ofício, da Igreja Católica, que a palavra inquisição passou a ser utilizada como sinônimo de tortura[24]. À Igreja interessava a confissão por servir não só como meio de expiação do pecado, mas, sobretudo, por implicar o reconhecimento e a afirmação de seu poder e autoridade.

Ressaltando a importância atribuída à confissão no sistema inquisitório e, mais especificamente, no seio do Direito Canônico da Igreja Católica medieval, Coelho Zilli[25] assevera que:

Se o acusado, entretanto, negasse os fatos, estavam os inquisidores autorizados a escolher dentre quatro possíveis meios de tormento – flagelação, cavalete, estrapada e as brasas. Como em todo o procedimento, estes atos também eram solenes e o juiz-inquisidor, antes de empregá-los, exortava o acusado a confessar, enquanto auxiliares o despiam na presença dos instrumentos que lhes eram apresentados. À negação, sucedia-se o emprego dos meios menos dolorosos intermediados por pausas e novos interrogatórios novamente pelo juiz-inquisidor.

A doutrina majoritária entende que a principal característica do sistema inquisitório consiste na já comentada reunião das atividades de acusar e julgar na figura do juiz. Nesse sentido, asseveram Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco[26]:

No processo inquisitivo, onde as funções de acusar, defender e julgar encontram-se enfeixadas em um único órgão, é o juiz que inicia de ofício o processo, que recolhe as provas e que, a final, profere a decisão. (Grifo do autor)

Igualmente, aduz Coelho Zilli[27], corroborando o posicionamento da maioria dos escritores, que o sistema inquisitório caracteriza-se pela concentração de poderes processuais penais nas mãos de um único órgão, de modo que as funções de perseguir, acusar e decidir são atividades exercidas por uma única pessoa, normalmente referida por inquisidor, não havendo cogitar de imparcialidade do órgão julgador.

Contudo urge ir mais além na caracterização do sistema inquisitório. O só fato de a acusação, a defesa e o julgamento serem realizados por pessoas distintas não é suficiente para afastar e existência do processo inquisitório. Com efeito, Jacinto Nelson de Miranda Coutinho[28] leciona que

A característica fundamental do sistema inquisitório, em verdade, está na gestão da prova, confiada essencialmente ao magistrado que, em geral, no modelo em análise, recolhe-a secretamente, sendo que a vantagem (aparente) de uma tal estrutura residiria em que o juiz poderia mais fácil e amplamente informar-se sobre a verdade dos fatos [...]

Destarte, depreende-se da lição de Miranda Coutinho que a atribuição aos juízes do poder de produzir prova de ofício está intrinsecamente ligada ao sistema inquisitório, visto que, exercendo tal prerrogativa, o juiz abandona sua posição de imparcialidade e inércia, contraposta à atividade das partes – acusador e acusado –, para assumir uma função ativa, que, provavelmente, servirá de apoio à acusação.

Ademais, é possível ter-se um processo inquisitório em que existam partes, como se deu no Antigo Regime com a Ordonnance Criminelle datada de1670, de Luís XIV, segundo ensinamento de Franco Cordero[29]:

[…] é falso que método inquisitório equivalha a processo sem ator: na Ordenação Criminal de 1670, monumento do engenho inquisitorial, o monopólio da ação compete aos homens do rei (“os processos serão acionados à diligência e sob o nome de nossos procuradores”: Tit. III, art. 8). (Tradução nossa)

O réu fica, assim, em posição de desvantagem, pois, ainda que haja uma divisão das funções de acusar e julgar, acaba o magistrado por atuar de modo a complementar a atividade que cabe ao órgão acusador.

Nesses casos, embora o juiz não seja aquele inquisidor medieval, que investiga o fato e sua autoria por conta própria, sem provocação das partes, há o inconveniente de vê-lo tornar-se um acusador em paralelo, pela possibilidade de as provas que vier a produzir de ofício prejudicarem o acusado, ficando violada sua imparcialidade.

A vantagem da atuação de ofício do juiz penal, segundo aqueles que entendem que essa não é uma característica inerente ao sistema inquisitório – e, desse modo, pode ocorrer também em ordenamentos processuais penais de modelo acusatório, em que há partes definidas –, consiste na possibilidade de o órgão julgador poder mais fácil e amplamente informar-se sobre a verdade dos fatos, ainda que não contidos na acusação, dado o seu domínio único e onipotente do processo em qualquer das suas fases[30].

Expondo a primazia que se dá à busca da verdade real no sistema inquisitório, diferentemente do que ocorre no modelo acusatório, em que incumbe às partes a iniciativa probatória, Ferrajoli[31] assinala:

Enquanto o método inquisitório exprime uma confiança tendencialmente ilimitada na bondade do poder e na sua capacidade de alcançar o verdadeiro, o método acusatório se caracteriza por uma confiança do mesmo modo ilimitada no poder como autônoma fonte de verdade. Disso deriva que o primeiro confia não só a verdade, mas, também a tutela do inocente às presumidas virtudes do poder julgador; enquanto o segundo concebe a verdade como o resultado de uma controvérsia entre partes contrapostas por serem portadores respectivamente do interesse na punição dos culpados e do interesse na tutela do acusado presumido inocente até prova em contrário.

Ressalte-se que parcela considerável da doutrina entende que o sistema inquisitório não é exatamente um modelo de processo, devido ao fato de as tarefas de acusar e julgar estarem reunidas na figura do juiz. Deveras, assevera Juan Montero Aroca[32] que

O denominado processo inquisitivo não foi e, obviamente, não pode ser, um verdadeiro processo. Se este se identifica como actum trium personarum, em que ante um terceiro imparcial comparecem duas partes parciais, situadas em pé de igualdade e com plena contradição, e apresentam um conflito para que aquele o solucione atuando o direito objetivo, algumas das características que temos indicado próprias do sistema inquisitivo levam inevitavelmente à conclusão de que esse sistema não pode permitir a existência de um verdadeiro processo. Processo inquisitivo se resolve assim em uma contradição em termos.

Há mesmo quem chegue a afirmar, juntamente com Tornaghi[33], que o sistema inquisitório é um procedimento administrativo em que o Estado se autodefende, não se tratando de atividade jurisdicional, a não ser formalmente. Nada obstante, prevalece a tese de que o sistema inquisitório, efetivamente, trata-se de um sistema processual penal contraposto ao sistema acusatório.

1.3   Do Sistema Misto

O sistema processual penal misto deita raízes na Ordonnance Criminelle de 1670[34], editada por Luís XIV, rei da França. Porém, foi com o Code d'Instrucion Crimenelle de 1808, no período napoleônico, que o sistema misto se consolidou. O ordenamento jurídico francês foi, na modernidade, pioneiro na cisão das atividades de investigar e julgar.

A principal característica do modelo processual penal misto é a divisão de tarefas operada no processo criminal consistente em uma fase de investigação preliminar, uma de instrução e outra de julgamento. A investigação é feita por um juiz, mas especializado para tanto: o juiz de instrução. A acusação, igualmente, permanece nas mãos do Estado, sendo exercida pelo Estado-Administração: o Ministério Público[35].

O Code d'Instruction Criminelle de 1808, fruto da luta dos enciclopedistas e da própria Revolução de 1789 contra o sistema inquisitório, foi uma obra de transição, ou, para alguns, a exemplo de René Garraud[36], uma obra de superposição da Ordonnance Criminelle de 1670 e das leis francesas de 1791 que ficaram conhecidas como o Código de Processo Penal da Revolução. A propósito, aduz Zacharie Clémence[37] sobre o Code de 1808:

Fruto de uma maturidade que permitiu a fusão dos princípios revolucionários com os costumes do Antigo Regime, codificados pela Ordenação de São Germano (1670), o Código de Instrução Criminal fez a síntese entre princípios e práticas e foi notável por sua estabilidade, pois durou até 1958. (Tradução nossa)

Realmente, o sistema misto perdura até hoje na França, tendo se espalhado por diversos Estados da Europa continental[38] devido à importância da Revolução de 1789 e à expansão do Império napoleônico no início do século XIX. Tornaghi[39], posicionando-se favoravelmente ao sistema misto, aduz que:

[...] o sistema que deveria prevalecer seria o misto, que reúne as vantagens e elimina os inconvenientes dos outros dois. Misto, porque nele o processo se desdobra em duas fases; a primeira é tipicamente inquisitória, a outra é acusatória. Naquela faz-se a instrução escrita e secreta, sem acusação, e, por isso mesmo, sem contraditório. Apura-se o fato em sua materialidade e a autoria, ou seja, a imputação física do fato ao agente. Nesta, o acusador apresenta a acusação, o réu se defende e o juiz julga. É pública e oral. (Grifo do autor)

Ferrajoli[40], por outro lado, tece severas críticas ao sistema misto, afirmando que:

[...] “processo misto”, que será copiado por numerosas codificações posteriores, incluída a italiana: predominantemente inquisitivo na fase de instrução, predominantemente acusatório na fase de debate e dominado em ambas as fases pelo princípio da livre convicção do juiz-inquisidor. Compreende-se que tal “monstro, nascido do acoplamento do processo inquisitivo e do acusatório”, tenha somado os defeitos de um e de outro [...]

O processo de caráter misto previsto no Code d'Instruction Criminelle de 1808 desenvolvia-se em três etapas: a primeira, consistente numa investigação preliminar; a segunda, numa instrução preparatória; e a terceira, numa fase de julgamento.

A primeira etapa, a investigação preliminar, realizada pela polícia judiciária, não está prevista expressamente no Code de 1808[41]. O Code indica somente os encarregados de tal tarefa, deixando seu regramento procedimental a outros textos normativos.

A segunda etapa consiste na instrução preparatória, que é, necessariamente, conduzida por um juiz (juizado de instrução). Trata-se de uma fase secreta, iniciada pela oitiva das testemunhas – se houver –, não intervindo, nesse depoimento, o acusado. Todavia, ao reconhecimento, por exemplo, do local do crime, pode o réu, caso esteja preso, acompanhar o juiz de instrução, bem como reconhecer objetos e fornecer explicações[42].

No que concerne às provas periciais, não são elas regulamentadas pelo Code. A única garantia de que o réu dispõe é o sermão prestado pelos peritos, não lhe sendo permitido indicar assistentes técnicos. Como visto, não há a presença de um efetivo contraditório, sendo o acusado tratado, tal como no sistema inquisitório, como objeto de investigação. O juiz não informava o réu nem do teor da acusação que lhe era feita, nem das informações até então reunidas.[43]

Por fim, após essas duas etapas iniciais, extremamente influenciadas pela Ordonnance Criminelle de 1670, vem a fase de julgamento, iniciada, em regra, pelo Ministério Público. Aqui, é notável a influência do modelo acusatório no sistema misto.

O acusado passa a ser encarado como sujeito de direitos, exercitando-os na defesa contra o fato que lhe é imputado. Goza, ainda, da presunção de inocência, cabendo à acusação, e não mais a um juiz-inquisidor, o ônus de provar os fatos que lhe são imputados. Os debates se desenrolam publicamente em audiência oral. Aliás, qualquer que seja o tribunal, a fase de julgamento é sempre contraditória, oral e pública. Esse procedimento foi praticamente copiado das leis da Revolução sobre matéria processual penal, informadas pelo sistema acusatório inglês.

Julio Maier[44], referindo-se à fase de julgamento do processo misto, ensina que

Seu eixo central é o debate: ali sobrevivem todas as formas acusatórias, a oralidade e a publicidade dos atos que o integram, sua concentração em uma única audiência e sua continuidade, a presença ininterrupta de todos os sujeitos processuais no procedimento (imediação), a ampla defesa do acusado, equiparado em todas as faculdades ao acusador. Desse debate, com formas predominantes acusatórias, emergem os únicos elementos capazes de fundar a sentença, decisão que, ademais, deve guardar íntima correlação com a acusação, no sentido de que não pode ir além, em prejuízo do acusado, dos fatos e circunstâncias contidos nela e que são objeto da defesa.

Assim, verifica-se que o sistema misto, como esclarece o próprio nome, é o resultado de uma combinação entre elementos dos sistemas acusatório e inquisitório. Por esse motivo, ele é chamado, por alguns, de acusatório formal.

Entretanto, afigura-se o sistema misto, como entende acertadamente Denilson Pacheco, acolhendo lição de Julio Maier, como uma reforma do sistema inquisitório. Nesse ponto, deve-se partir do pressuposto de que a caracterização dos sistemas processuais penais deve ter por base o que Miranda Coutinho denomina – ao pôr em relevo a atuação de ofício e a gestão da prova como elemento diferenciador dos sistemas processuais penais[45] – “princípio unificador”, ou seja, algo que se sobressai frente a caracteres secundários.

Parcela considerável da doutrina entende que tal princípio unificador é o fato de, no sistema inquisitório, ser uma só pessoa – o juiz – quem investiga, acusa e julga, enquanto que no sistema acusatório há uma relação jurídica processual em que aparecem as figuras do acusador, do acusado e do juiz, árbitro imparcial do conflito trazido ao seu conhecimento.

Porém mostra-se mais acertada a corrente doutrinária que repousa na atuação de ofício e na violação da imparcialidade do juiz o núcleo divisor dos sistemas inquisitório e acusatório[46]. Logo, ao passo que neste último o juiz carece de iniciativa processual, não podendo produzir provas nem deferir providências cautelares para suprir possíveis deficiências da acusação, sob pena de malferir sua imparcialidade, no sistema inquisitório a atividade do magistrado se confunde com a do órgão acusador, o que não lhe impede de, ao final, proferir decisão com base nas provas colhidas por si mesmo.

Isso posto, observa-se que o sistema misto, ao pôr nas mãos dos juízes a investigação criminal, ainda que numa fase preliminar (secreta e sem contraditório), mais se aproxima do sistema inquisitório que do sistema acusatório, sendo, por isso, alvo de severas críticas por grande parte da doutrina, a exemplo, como reparado, de Ferrajoli. A existência de uma etapa secreta, sem contraditório e na qual a colheita de provas permanece com os juízes é incompatível com o sistema acusatório, em que os elementos probatórios são trazidos ao processo pelas partes e o magistrado tem resguardada sua imparcialidade.

1.4   O Sistema Processual Penal Adotado pelo Direito Brasileiro

O modelo de sistema processual penal empregado pelo ordenamento jurídico nacional é tema controverso na literatura jurídica. Muitos autores defendem que o sistema em voga no direito brasileiro é o inquisitório; outros dizem que é o acusatório; há, ainda, aqueles que entendem que é o misto.

Aqueles que encampam a tese de que vigora no direito processual penal o sistema inquisitório o fazem, sobretudo, à vista da prática judiciária e da recalcitrância dos juízes do direito em aplicar certos dispositivos legais que, segundo alegam, são intrínsecos ao modelo inquisitório de processo.

Alinha-se nesse entendimento Miranda Coutinho[47], para quem o sistema processual penal brasileiro é, na sua essência, inquisitório pelo fato de a gestão da prova estar, primordialmente, nas mãos de um juiz atuante e despido de imparcialidade, a quem o Código de Processo Penal, no art. 156, confere a possibilidade de produzir provas sem provocação das partes.

Aury Lopes Jr. também se manifesta no sentido de que textos legais como o citado art. 156 do CPP – cuja redação foi recentemente alterada pela Lei nº 11.690/2008 – denotam a opção feita pelo legislador nacional de preservar a estrutura inquisitória do processo penal[48].

De outra banda, parcela expressiva da doutrina afirma, com espeque na Constituição Federal de 1988, que, no Brasil, vigora o sistema acusatório.

Tal assertiva encontra respaldo principalmente na titularidade da ação penal pública, cometida ao Ministério Público (CF, art. 129, I); no devido processo legal (CF, art. 5º, LIV), que pressupõe um juiz imparcial e, portanto, uma estrita separação das atividades de acusar e julgar, inclusive no que diz respeito à produção da prova; na garantia do contraditório e da ampla defesa (CF, art. 5º, LV); na publicidade dos atos processuais (CF, art. 5º, LX), entre outros dispositivos constitucionais, que revelam uma opção pelo modelo acusatório, ainda que não em sua forma pura.

Partilhando desse ponto de vista, Denise Neves Abade[49] esclarece que:

[...] não resta dúvida que a Constituição da República adotou todas as elementares do princípio acusatório, na medida em que conferiu ao Ministério Público a privatividade do exercício da ação penal pública, consagrando o devido processo legal e assegurando, no mesmo passo, o julgamento dos feitos por um juiz competente e, obviamente, imparcial. (Grifo nosso)

Nessa mesma esteira, Tourinho Filho[50] assevera que o direito pátrio adota o sistema acusatório, visto que a acusação está, em regra, a cargo do Ministério Público; a função de julgar incumbe a juízes permanentes, salvo no caso de impeachment, bem como no do tribunal do júri, que conta com juízes populares; o processo é eminentemente contraditório etc.

Todavia, prossegue o mesmo autor, não se trata de um processo penal acusatório puro, já que haveria uma gama de prerrogativas conferidas ao juiz que, em rigor, deveriam competir às partes[51], tais como requisitar a instauração de inquérito policial, ser destinatário da representação, autoprovocar a decretação de prisão preventiva, determinar a produção da prova de ofício, ouvir testemunhas além daquelas indicadas pelas partes etc.

Numa terceira via, também são numerosos aqueles que pregam que o sistema processual penal adotado no direito brasileiro é o misto, caracterizado por uma fase inicial essencialmente inquisitória, sem contraditório, e uma posterior fase acusatória, com ampla possibilidade de defesa ao réu.

De um lado, há os que entendem que se pode qualificar o processo penal brasileiro de misto pelo fato de ser ele geralmente precedido do inquérito policial[52], que se caracteriza pela ausência de contraditório, embora possa o indiciado requerer a realização de diligências (CPP, art. 14). Desse modo, ter-se-ia, de uma banda, uma investigação revestida de inquisitoriedade e, de outra feita, um processo acusatório (mas em sua forma impura, devido, entre outros, ao citado art. 156 do CPP).

Sem embargo, não merece prevalecer tal posicionamento, pelo simples fato de que o inquérito policial é tão somente um procedimento, e não um processo (atividade da jurisdição). Acaba-se por introduzir na idéia de sistema processual algo que foge à noção de processo.

Sob ótica mais refinada, há autores que entendem que a adoção do sistema misto pelo direito brasileiro dá-se a partir da consagração, pela legislação codificada, de institutos ligados ao sistema inquisitório, o que se revela, por exemplo, na atuação de ofício do juiz em diversos momentos (decretação de prisão preventiva, produção de provas etc.).

Entrementes, mesmo entre tais autores, resta uma dificuldade em conciliar institutos derivados do sistema inquisitório e o modelo acusatório, que melhor se afina com a Constituição em vigor. Observe-se, a propósito, a privatividade do Ministério Público no oferecimento da ação penal pública (a ação penal privada subsidiária da pública, prevista no art. 5º, LIX, CF, e no art. 29, CPP, como o próprio nome sugere, tem caráter subsidiário, aplicando-se aos casos de inércia do promotor de Justiça ou procurador da República).

Discorrendo acerca do posicionamento derradeiramente exposto, Guilherme de Souza Nucci[53] leciona que:

[...] não há como negar que o encontro dos dois lados da moeda (Constituição e CPP) resultou no hibridismo que temos hoje. [...] seria fugir à realidade pretender aplicar somente a Constituição à prática forense. Juízes, promotores, delegados e advogados militam contando com um Código de Processo Penal, que estabelece as regras de funcionamento do sistema e não pode ser ignorado como se inexistisse. Essa junção do ideal (CF) com o real (CPP) evidencia o sistema misto.

Extrai-se, da transcrição acima, que Nucci, posto entenda que o sistema processual penal vigente no ordenamento pátrio seja o misto, contrapõe o ideal, representado pela Constituição Federal – que, segundo afirma, tem perfil acusatório –, ao real, qual seja, ao Código de Processo Penal, de forte teor inquisitório. Esse seria o hibridismo ao qual o autor se refere: Constituição Federal acusatória, de um lado; Código de Processo Penal precipuamente inquisitório, de outro.

Decerto, é impensável que os operadores do direito se valham exclusivamente da Constituição na prática forense, até mesmo porque esta não tem (nem deveria ter) por objeto o regramento dos diferentes procedimentos penais, mas sim estabelecer princípios fundamentais cujo conteúdo específico mostre-se em condições de ser desenvolvido[54]. É, incontestavelmente, o Código de Processo Penal o instrumento que regula o processo penal em suas minúcias.

Entretanto, é imprescindível que as normas infraconstitucionais, entre as quais se inclui o Código de Processo Penal, sejam formal e materialmente conforme aos ditames da Constituição. Leis anteriores à Constituição Federal de 1988, que estavam em vigor quando da promulgação desta última, devem ser tidas por não recepcionadas (revogadas do mundo jurídico), uma vez constatada a incompatibilidade com o texto constitucional superveniente. Essa é a lição de Luís Roberto Barroso, que assevera:

Toda interpretação constitucional se assenta no pressuposto da superioridade jurídica da Constituição sobre os demais atos normativos no âmbito do Estado. Por força da supremacia constitucional, nenhum ato jurídico, nenhuma manifestação de vontade pode subsistir validamente se for incompatível com a Lei Fundamental. Na prática brasileira [...] no momento da entrada em vigor de uma nova Carta, todas as normas anteriores com ela contrastantes ficam revogadas. E as normas editadas posteriormente à sua vigência, se contravierem os seus termos, devem ser declaradas nulas[55].

Desse modo, razão não assiste a Nucci quando afirma haver um hibridismo, que desemboca no sistema misto, entre o texto do Código de Processo Penal e o da Constituição. Isso porque, ou o dispositivo do CPP é conforme a Constituição, e, neste caso, permanece em vigor com toda sua força, ou vai ele de encontro à Lex Maior, e, sendo assim, não deve haver uma mistura entre o que dispõe o CPP, dissonante da Constituição, e esta última: o que não estiver em consonância com o texto constitucional deve ser tido, sem hesitação, por inconstitucional e, por se tratar de texto legal anterior à Constituição atual (muito embora o CPP seja, em rigor, um Decreto-lei, foi recepcionado pela ordem constitucional de 1988 com status legal), revogado. Com efeito, aduz Luiz Flávio Gomes que:

O juiz não está desvinculado da lei. Seu ponto de partida (e muitas vezes também o de chegada) é a lei. Mas quando não existe compatibilidade vertical entre ela e a Constituição, é evidente que a prioridade é desta última, que ocupa posição de destaque na pirâmide jurídica[56].

Dentre as três teses acima esplanadas quanto ao sistema processual penal adotado pelo direito brasileiro hodierno, sobressai-se aquela que preconiza que o processo penal brasileiro adota o sistema acusatório.

Só o sistema acusatório é capaz de garantir o máximo respeito aos princípios constitucionais insculpidos na Constituição Federal de 1988, como o devido processo legal, a garantia de um juiz imparcial, a presunção de inocência etc.

Não se deve admitir que a partir de uma norma legal – no caso, do CPP – se interprete a Constituição. Essa cultura nitidamente inquisitória existente na prática forense, e por vezes defendida por doutrinadores de escol, a exemplo de Guilherme Nucci, deve ser repelida, a fim de que prevaleça a vontade de concretizar a Constituição em detrimento das demais normas jurídicas, chamada por Hesse de vontade de Constituição[57].

Na lição de Denilson Pacheco Feitoza[58], o dilema atual dá-se entre o princípio acusatório – de natureza constitucional – e o princípio inquisitivo – de natureza cultural –, devendo buscar-se a solução desse impasse na tomada de consciência da realidade forense e na decisão fundamental de se realizarem as normas constitucionais. E arremata o autor:

O juiz brasileiro deve ter a coragem, a força moral e o senso crítico necessário para assumir sua “missão”, implementando a Constituição com observância do princípio da supremacia constitucional, que lhe impõe e possibilita o reconhecimento da inconstitucionalidade das normas infraconstitucionais que sejam incompatíveis com o princípio acusatório constitucional[59].

Dessarte, verifica-se que o processo penal brasileiro é do tipo acusatório, embora, como acima explicado, esse não mais exista em sua forma pura.

Conclui-se, ainda com Denilson Pacheco, que o juiz deve recusar-se a requisitar inquérito policial, a imiscuir-se persecutoriamente na investigação criminal, a requisitar diligências investigatórias, preservando-se como verdadeiro órgão jurisdicional imparcial, garantidor das regras, princípios e direitos fundamentais[60]. Somente assim o sistema acusatório e a imparcialidade do juiz estarão sendo preservados.


CAPÍTULO II

PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DO PROCESSO PENAL E A GARANTIA DA IMPARCIALIDADE DO JUIZ

2.1   Conceito e Noções Gerais

A palavra “princípio” tem significado amplo, carecendo de definição unívoca no seio do direito. Oriunda do latim – principiu –, é definida por Aurélio Buarque de Holanda Ferreira como o momento, local ou trecho em que algo tem origem, sua causa primária[61].

No direito, pode-se definir princípio como o mandamento nuclear de um sistema, a disposição fundamental que irradia sobre diferentes normas, compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência[62].

Para o presente trabalho, o que realmente importa é reconhecer o caráter normativo, e não meramente programático, dos princípios. Conforme destaca Paulo Bonavides, somente com o advento do pós-positivismo – responsável pelo que o aludido autor chama de grandes momentos constituintes nas últimas décadas do século XX – os princípios foram tratados como direito, visto que as constituições promulgadas a partir de então passaram a acentuar a hegemonia axiológica dos princípios, convertidos em alicerces sobre os quais se sustentam os novos sistemas constitucionais[63].

Ressalta Marcos Bernardes de Mello que o próprio Supremo Tribunal Federal não admitiu a normatividade dos princípios durante longo período, o que se refletia na ausência de decretação de inconstitucionalidade de norma infraconstitucional por ofensa a princípio, entendimento hoje superado pela jurisprudência do referido tribunal[64].

Foi o jurista inglês Ronald Dworkin o primeiro a admitir com consistência e solidez conceitual a normatividade dos princípios[65]. Para ele, deve-se distinguir regra de princípio, ambos espécies do gênero norma jurídica.

Segundo Dworkin, as regras são aplicadas à maneira do tudo ou nada, de modo que, se a hipótese de incidência de uma regra é preenchida, ou a regra é válida e sua consequência normativa, aplicada, ou ela não é válida. No conflito entre regras, só uma delas pode sobressair.

Os princípios, ao contrário, somente contêm fundamentos, que devem ser conjugados com outros provenientes de princípios diversos. Daí afirmar-se que os princípios, diferentemente das regras, possuem uma dimensão de peso, demonstrável na hipótese de colisão entre eles, em que aquele com maior peso relativo se sobrepõe ao outro, sem que este perca sua validade[66]. É com base em tal raciocínio que alguns autores aceitam, por exemplo, que provas ilícitas, cuja produção a Constituição Federal veda, sejam admitidas, caso tenham em vista beneficiar o réu e, consequentemente, fazer prevalecer o princípio constitucional da presunção de inocência frente ao princípio da vedação das provas ilícitas.

Fazendo um apanhado dos critérios elencados pela doutrina para diferenciar regra de princípio, José Joaquim Gomes Canotilho[67] aponta os seguintes:

a)   Grau de abstração: os princípios são normas dotadas de alto grau de abstração, enquanto as regras possuem abstração diminuta;

b) Grau de determinabilidade na aplicação ao caso concreto: os princípios necessitam de mediações concretizadoras, por serem vagos e indeterminados, ao passo que as regras são suscetíveis de aplicação direta;

c)  Caráter de fundamentalidade no sistema de fontes de direito: os princípios são normas que exercem um papel determinante no ordenamento jurídico tanto pela sua posição hierárquica (princípios constitucionais), como pela importância estruturante no sistema jurídico (princípio do Estado de Direito);

d)  Proximidade da ideia de direito: os princípios são standards normativos com base nas exigências da justiça, enquanto as regras podem ter conteúdo meramente funcional.

Porém, mais importante que estremar princípios e regras, é conferir-lhes força normativa, de modo que ambos, quando possuírem status constitucional, condicionem a validade do ordenamento jurídico.

2.2 Princípio do Devido Processo Legal

O princípio do devido processo legal tem sede constitucional, estando previsto no art. 5º, LIV, da Constituição Federal. Sua origem remonta à Magna Carta, declaração solene que o rei inglês João Sem Terra assinou, em 15 de junho de 1215, perante o alto clero e os barões de seu reino[68]. Conforme a cláusula 39 do referido documento – que, a rigor, foi redigido sem divisões nem parágrafos[69] – “os homens livres devem ser julgados pelos seus pares e de acordo com a lei da terra”.

Foi nos Estados Unidos da América que o devido processo legal se aperfeiçoou, com as Emendas V e XIV à Constituição estadunidense[70], contribuindo para a prevalência dos direitos fundamentais a partir da segunda metade do século XIX, através do papel desempenhado pela jurisprudência norte-americana após o término da guerra civil[71].

O devido processo legal costuma ser abordado sob duas concepções: a processual e a material ou substantiva.

Dentro da concepção processual, chamada por Canotilho de teoria do processo devido por qualificação legal, tem-se que, para que uma pessoa seja privada de seus direitos de liberdade e propriedade, urge que seja respeitado o processo especificado na lei, em cuja observância repousa o significado da concepção processual do devido processo legal[72].

Por seu turno, a teoria substantiva justifica a ideia material de um processo justo, eis que as pessoas têm direito não apenas a um processo legal, mas, sobretudo, a um processo legal, justo e adequado, quando se trate de legitimar o sacrifício da liberdade e da propriedade. O devido processo legal passa a ser considerado como uma proteção alargada de direitos fundamentais[73].

No processo penal, o princípio em comento geralmente é visto sob o aspecto processual. Assim, Paulo Rangel aduz que com espeque no devido processo legal se devem respeitar todas as formalidades previstas em lei para que haja o cerceamento da liberdade de um condenado[74].

Entrementes, apesar de o aspecto processual do devido processo legal – que diz respeito ao procedimento previsto em lei – merecer acolhida nos processos criminais em uma democracia, essa garantia formal não é suficiente para preservar o devido processo na atualidade. Deveras, o devido processo legal deve ser compreendido, no direito pátrio, por um prisma que pressuponha a adoção do sistema acusatório de processo penal, que foi acolhido pela Constituição Federal de 1988. Atento a tais pormenores, assere Elmir Duclerc[75]:

Devido processo legal, portanto, será, sem dúvida, um processo típico, ou seja, cujos trâmites estejam previstos com anterioridade na lei. Mas, muito além, deve ser também um processo orientado conforme os cânones do chamado sistema acusatório de processo penal, ou seja, um processo composto por um juiz efetivamente imparcial e partes parciais em igualdade de condições. (Grifo do autor)

Também é essa a opinião de Afrânio Silva Jardim, para quem o devido processo legal está vinculado à depuração do sistema acusatório de processo penal[76].

Portanto, o direito processual penal contemporâneo não se satisfaz com um processo que siga regras pré-estabelecidas, sendo imprescindível pautar o procedimento penal pelo modelo acusatório de processo criminal para que o devido processo legal se veja respeitado.

Ressalte-se que a noção de ampla defesa, consistente na garantia de autodefesa (por exemplo, no ato do interrogatório do réu em juízo) e na defesa técnica (prestada por advogado regularmente inscrito nos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil), está inserida no devido processo legal, pois não pode haver um processo penal acusatório devido sem que seja assegurada ao réu a adequada defesa realizada por um advogado.

2.3   Princípios do Contraditório e da Paridade de Armas

Na clássica lição de Joaquim Canuto Mendes de Almeida, contraditório é a ciência bilateral dos atos e termos processuais e a possibilidade de contrariá-los[77]. Trata-se de garantia constitucional – prevista no inc. LV do art. 5º da Constituição Federal – inerente à atual noção de processo[78].

O contraditório, para ser efetivo, deve ser observado durante todo o desenrolar da relação jurídica processual. Mas não basta dar à parte a possibilidade formal de se pronunciar sobre os atos da parte contrária, sendo imprescindível proporcionar-lhe os meios para que tenha condições reais de contrariá-los[79].

Nesse sentido é que se pode falar de uma nova formulação do contraditório, conforme pondera Eugênio Pacelli de Oliveira[80]:

Da elaboração tradicional que colocava o princípio do contraditório como a garantia de participação no processo como meio de permitir a contribuição das partes para a formação do convencimento do juiz e, assim, para o provimento final almejado, a doutrina moderna caminha a passos largos no sentido de uma nova formulação do instituto, para nele incluir, também, o princípio da par conditio ou da paridade de armas, na busca de uma efetiva igualdade processual. (Grifo do autor)

Aroldo Plínio Gonçalves, citado por Pacelli, leciona que o contraditório exige a garantia da participação em simétrica paridade[81]. Na mesma linha, Elmir Duclerc explica que o contraditório implica a paridade de armas entre os litigantes e impõe a existência de mecanismos recíprocos de fiscalização e controle da atuação processual da parte contrária[82].

Desse modo, verifica-se que a atribuição de poderes ao juiz para atuar de ofício, mormente no campo probatório, fere o princípio da paridade de armas, indo, ademais, quase sempre em desfavor do acusado. Ao deixar sua posição de inércia para buscar elementos de prova, pondo-se no lugar que deveria ser da acusação, o juiz perde a pretendida imparcialidade, maculando o sistema acusatório.

Por isso, o juiz criminal deve estar equidistante das partes, não lhe sendo lícito imiscuir-se nas atividades que foram conferidas ao órgão parcial.

2.4   Princípio da Imparcialidade do Juiz e sua Relação com o Sistema Acusatório

Como exposto anteriormente, a adoção do sistema acusatório implica a existência de três personagens no processo penal: o réu, o acusador e o juiz. A figura do acusador – em grande parte dos ordenamentos jurídicos, materializado no Ministério Público – tem como finalidade precípua a preservação da imparcialidade do juiz, a quem cabe processar e, ao final, proferir julgamento, sem intrometer-se na acusação. No modelo inquisitório, tal diferenciação não ocorria.

A imparcialidade do órgão jurisdicional configura um “princípio supremo do processo[83]”, constituindo verdadeiro alicerce sobre o qual assenta a legitimidade da função jurisdicional. Aduz Jacinto Nelson de Miranda Coutinho[84] que “o princípio da imparcialidade funciona como uma meta a ser atingida pelo juiz no exercício da jurisdição, razão por que se busca criar mecanismos capazes de garanti-la”.

A doutrina mais tradicional usualmente relaciona a imparcialidade do juiz às disposições legais referentes à suspeição, às incompatibilidades e aos impedimentos[85], bem como às garantias que lhe são conferidas, com vistas a assegurar-lhes independência no exercício de suas atividades.

Assim, Mirabete[86] assevera que, para que o juiz seja competente e possa julgar com imparcialidade, é necessário que estejam excluídas relações com as partes, com outros juízes ou que ele não tenha julgado anteriormente o caso (em primeira instância).

Tourinho Filho[87], por sua vez, reza que a imparcialidade exige, antes de mais nada, independência, pois nenhum juiz poderá ser efetivamente imparcial se não estiver livre de coações que turbem seu trabalho. É por isso que a Constituição Federal, no art. 95, prevê as garantias da vitaliciedade, da inamovibilidade e da irredutibilidade de subsídios aos magistrados, as quais conferem ao juiz a certeza de que, decida como decidir, contrariando os interesses dos poderosos, continuará ele no cargo, sem poder ser removido arbitrariamente, e seu subsídio não será reduzido.

Contudo, superando-se essa visão de garantia da independência e da ausência de vínculos com as partes, é necessário dar outro enfoque ao princípio em tela. A imparcialidade do juiz no processo penal tem nítida ligação com o sistema acusatório, que retirou daquele as atividades de acusar, conferindo-lhes a um terceiro, que, atualmente, é representado, nas ações penais públicas, pelo Ministério Público. Pode-se, então, afirmar, juntamente com Paulo Rangel, que

A imparcialidade do juiz tem perfeita e íntima correlação com o sistema acusatório adotado pela ordem constitucional vigente, pois exatamente visando retirar o juiz da persecução penal, mantendo-o imparcial, é que a Constituição Federal deu exclusividade da ação penal ao Ministério Público, separando, nitidamente, as funções dos sujeitos processuais[88].

Enfrentando a matéria no mesmo sentido, embora sem aludir expressamente ao sistema acusatório, disserta Ferrajoli[89]:

O juiz não deve ter qualquer interesse, nem geral nem particular, em uma ou outra solução da controvérsia que é chamado a resolver, sendo sua função decidir qual delas é verdadeira e qual é falsa. [...]

Chamarei eqüidistância ao afastamento do juiz dos interesses das partes em causa; independência à sua executoriedade ao sistema político e em geral a todo sistema de poderes; naturalidade à determinação de sua designação e à determinação das suas competências para escolhas sucessivas à comissão do fato submetido ao seu juízo. Esses três perfis da imparcialidade do juiz requerem garantias orgânicas que consistem do mesmo modo em separações: a imparcialidade requer a separação institucional do juiz da acusação pública [...]. É supérfluo acrescentar, por fim, que a imparcialidade, além das garantias institucionais que a suportam, forma um hábito intelectual e moral, não diverso do que deve presidir qualquer forma de pesquisa e conhecimento.

Nesse diapasão, a atribuição ao magistrado de prerrogativas que melhor se afinam com a atividade acusadora viola a imparcialidade do órgão julgador. Aury Lopes Jr. sustenta que a imparcialidade cai por terra quando se conferem poderes instrutórios ao juiz, pois a atuação de ofício do magistrado é característica essencial do princípio inquisitivo, que leva, por consequência, a fundar um sistema inquisitório[90].

Cumpre observar, assim, o princípio da imparcialidade do juiz no processo criminal não apenas sob a luz da ausência de perturbação no ânimo do julgador devido a uma relação próxima com uma parte ou da independência no exercício da jurisdição, mas, sobretudo, no seu posicionamento equidistante das partes, para que ele não venha a se apoderar das funções que cabem ao órgão acusador.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os três sistemas processuais penais catalogados pela doutrina – inquisitório, acusatório e misto – não mais subsistem em suas formas puras. A rigor, é necessário encontrar um princípio unificador que possa respaldar essa classificação, pois há características que se fazem presentes em mais de um desses sistemas.

A Constituição Federal de 1988, ao dar guarida a princípios como o da imparcialidade do juiz e o do contraditório, adotou o modelo acusatório de processo penal. Dessarte, é a partir do texto constitucional e do sistema processual por ele encampado que se deve analisar o Código de Processo Penal e a legislação correlata, e não ao contrário, como insiste em fazer grande parte da doutrina e da jurisprudência, amparada em dispositivos legais cuja interpretação usual vai de encontro à Constituição.

À vista do sistema acusatório acolhido pelo texto constitucional, o juiz deve se manter numa posição de equidistância das partes, deixando a cargo dessas últimas requerer a produção de provas e demais diligências. A atuação de ofício do juiz criminal desequilibra a balança em favor da acusação, que, em regra, é realizada também por um órgão estatal, o Ministério Público.

Somente um juiz imparcial e despido de atuação de ofício é capaz de contribuir efetivamente para a legitimação do processo penal, dando primazia à vontade de constituição em detrimento de uma legislação de quase sessenta anos. O sistema acusatório e a ausência de atuação de ofício do juiz criminal, por encontrarem fundamento na Constituição Federal, devem prevalecer.


REFERÊNCIAS

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Notas

[1] RANGEL, Paulo. Direito processual penal. 12 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007. p. 45.

[2] MIRABETE, Júlio Fabbrini. Processo penal. 2 ed. São Paulo: Atlas, 1993. p. 41.

[3] MARQUES, José Frederico. Estudos de direito processual penal. 2 ed. Campinas: Millennium, 2001. p. 17.

[4] LOPES JR., Aury. Introdução crítica ao processo penal (Fundamentos da instrumentalidade          constitucional). 4 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 160.

[5] ABADE, Denise Neves. Garantias do processo penal acusatório: o novo papel do ministério público no processo penal de partes. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. p. 117.

[6] Idem. p. 162.

[7] TAYLOR, Daniel Westphal. A gestão da prova nas demandas penais. Disponível em: http://jus.com.br/revista/texto/11955. Acesso em: 17 mar. de 2010.

[8] FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. 2 ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 562.

[9] COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. O papel do novo juiz no processo penal. In: COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda (org). Crítica à teoria geral do direito processual penal. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 37.

[10] ZILLI, Marcos Alexandre Coelho. A iniciativa instrutória do juiz no processo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 71.

[11] PACHECO, Denilson Feitoza. Direito processual penal: teoria, crítica e práxis. 4 ed. rev., ampl. e atual. Niterói: Impetus, 2006. p. 43.

[12] TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. Volume 1. 29 ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 90.

[13] TORNAGHI, Hélio. Curso de processo penal. 10 ed. atual. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 13.

[14] LOPES JR., Aury. op. cit. p. 164. Nota 4.

[15] PEREIRA, Antônio José. Inquérito policial. Disponível em: http://www.fig.br/artigos/dir/n4/8-antonio.doc. Acesso em: 21 mar. 2010.

[16] TORNAGHI, Hélio. op. cit. p. 14. Nota 13.

[17] LOPES JR., Aury. op. cit. p. 167. Nota 4.

[18] Idem. p. 170.

[19] FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. 25 ed. Petrópolis: Vozes, 2002. p.32.

[20] TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. op. cit. p. 93. Nota 12.

[21] MANZINI, Vicenzo apud LOPES JR., Aury. op. cit., p.171. Nota 4.

[22] FOUCAULT, Michel. op. cit. p. 36. Nota 19.

[23] LOPES JR., Aury. op. cit., p. 172. Nota 4.

[24] PACHECO, Denilson Feitoza. op. cit. p. 45. Nota 11.

[25] ZILLI, Marcos Alexandre Coelho. op. cit. p. 87. Nota 10.

[26] CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; DINAMARCO, Cândido Rangel; GRINOVER, Ada Pellegrini. Teoria geral do processo. 21 ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 60.

[27] ZILLI, Marcos Alexandre Coelho. op. cit. p. 39. Nota 10.

[28] COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. op. cit.  p. 24. Nota 9.

[29] CORDERO, Franco apud COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. op. cit. p. 24. Nota 9. “è falso che metodo inquisitorio equivalga a processo senza attore: nell'ordonnance criminelle 1670, monumento dell'ingegno inquisitoriale, il monopolio dell'azione spetta agli hommes du roi (‘les procès seront poursuivis à la diligence et sous le nom de nos procureurs’: Tit. III, art. 8) ”

[30] DIAS, Jorge de Figueiredo apud COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. op. cit. p. 24. Nota 9.

[31] FERRAJOLI, Luigi. op. cit. p. 556-557. Nota 8.

[32] AROCA, Juan Montero apud RANGEL, Paulo, op. cit. p. 47. Nota 1.

[33] TORNAGHI, Hélio. op. cit. p. 17. Nota 13.

[34] MIRABETE, Júlio Fabbrini. op. cit. p. 41. Nota 2.

[35] RANGEL, Paulo. op. cit. p. 50. Nota 1.

[36]GARRAUD, René. Présentation du code d'instruction criminelle. Disponível em:  http://ledroitcriminel.free.fr/la_legislation_criminelle/anciens_textes/code_instruction_criminelle_1808.htm. Acesso em: 24 mar. 2010.

[37] CLÉMENCE, Zacharie. Le code d'instruction criminelle de 1808, naissance de la procédure pénale moderne.  Disponível em: http://www.napoleon.org/fr/salle_lecture/articles/files/472099.asp. Acesso em: 24 mar. 2010. “Fruit d'une maturation permettant la fusion des principes révolutionnaires avec les usages de l'Ancien Régime, codifiés avec l'Ordonnance de Saint Germain (1670), le Code d'instruction criminelle fait la synthèse entre principes et pratiques, remarquable par sa stabilité, car destiné à durer jusqu'en 1958. ”

[38] TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. op. cit. p. 94. Nota 12.

[39] TORNAGHI, Hélio. op. cit. p. 17-18. Nota 13.

[40] FERRAJOLI, Luigi. op. cit. p. 134. Nota 8.

[41] GARRAUD, René. op. cit. Nota 36.

[42] Idem.

[43] Idem.

[44] MAIER, Julio Bernardo. J. apud PACHECO, Denilson Feitoza. op. cit. p. 46. Nota 11.

[45] COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. Introdução aos princípios do Direito Processual Penal brasileiro. In: Separata ITEC, ano 1, nº 4 – jan/fev/mar 2000. Disponível em: http://www.direitofranca.br/download/IntroducaoaosPrincipiosGeraisdoDireitoProcessualPenalBrasileiro2005.doc. Acesso em: 7 fev. 2010.

[46] Idem.

[47] Idem.

[48] LOPES JR., Aury. op. cit. p. 180. Nota 4.

[49] ABADE, Denise Neves. op. cit. p. 139. Nota 5.

[50] TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. op. cit. p. 94. Nota 12.

[51] Idem. p. 95.

[52] TORNAGHI, Hélio. op. cit. p. 18. Nota 13.

[53] NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal. 5 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 117.

[54] HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1991. p. 21.

[55] BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição. 6 ed. rev., atual. e ampl. São Paulo, Saraiva, 2004. p. 161.

[56] CERVINI, Raul; GOMES, Luiz Flávio. Crime organizado: enfoques criminológico, jurídico (Lei nº 9.034/95) e político-criminal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995. p. 111.

[57] HESSE,Konrad. op. cit.  p. 19. Nota. 54.

[58] PACHECO, Denilson Feitoza. op. cit. p. 49. Nota 11.

[59] Idem.

[60] Idem. p. 50.

[61] FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo dicionário da língua portuguesa. 2 ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986. p. 1393.

[62] MELLO, Celso Antônio Bandeira de.  Curso de direito administrativo.  19 ed. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 888-889.

[63] BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 6 ed. São Paulo: Malheiros, 1996. p. 237.

[64] MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do fato jurídico: plano de existência. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 21.

[65] BONAVIDES, Paulo. op. cit. p. 253. Nota 63.

[66] ÁVILA, Humberto Bergmann. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 6 ed. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 36-37.

[67] CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 2 ed. Coimbra: Almedina, 1998. p. 1034.

[68] COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 4 ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 69.

[69] Idem.

[70] FERNANDES, Antonio Scarance. Processo penal constitucional. 5 ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 47.

[71] COMPARATO, Fábio Konder, p. 121. Nota 68.

[72] CANOTILHO, José Joaquim Gomes. op. cit. p. 450. Nota 67.

[73] Idem. p. 450-451.

[74] RANGEL, Paulo. op. cit. p. 3. Nota 1.

[75] DUCLERC, Elmir. Curso básico de direito processual penal. Volume I. 2 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 50.

[76] JARDIM, Afrânio Silva apud DUCLERC, Elmir. op. cit.. p. 48. Nota 75.

[77] ALMEIDA, Joaquim Canuto Mendes de apud MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal. Volume I. Campinas: Bookseller, 1998. p. 87.

[78] CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; DINAMARCO, Cândido Rangel; GRINOVER, Ada Pellegrini. op. cit. p. 57. Nota 26.

[79] FERNANDES, Antonio Scarance. op. cit. p. 64. Nota 70.

[80] OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal. 8 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007. p. 28.

[81] GONÇALVES, Aroldo Plínio apud OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. op. cit. p. 28. Nota 80.

[82] DUCLERC, Elmir. op. cit. p. 52. Nota 75.

[83] ALONSO, Pedro Aragoneses apud LOPES JR., Aury. op. cit. p. 88. Nota 4.

[84] COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. op.cit. Nota 45.

[85] MIRABETE, Julio Fabbrini. op. cit. p. 51. Nota 2.

[86] Idem. p. 215.

[87] TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. op. cit. p. 40. Nota 12.

[88] RANGEL, Paulo. op. cit. p. 20. Nota 1.

[89] FERRAJOLI, Luigi. op. cit. p. 534. Nota 8.

[90] LOPES JR., Aury. op. cit. p. 89. Nota 4.


Autor

  • Flávio Pereira da Costa Matias

    Flávio Pereira da Costa Matias

    Procurador da República desde 2013. Foi procurador federal de 2011 a 2013 e analista judiciário do TRT da 5ª Região de 2009 a 2011. Pós-graduado em Direito do Estado pela Fundação Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia (2011) e bacharel em Direito pela Universidade Federal da Paraíba (2009). Estudou durante um ano letivo (2006/2007) na Université Jean Moulin - Lyon 3, onde obteve o Diplôme d'Etudes Universitaires Françaises.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MATIAS, Flávio Pereira da Costa. O princípio da imparcialidade do juiz penal como decorrência da adoção do sistema acusatório pela constituição federal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3370, 22 set. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22659. Acesso em: 29 mar. 2024.