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O ordenamento jurídico: unidade e coerência como exigências para a caracterização do sistema

O ordenamento jurídico: unidade e coerência como exigências para a caracterização do sistema

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Embora a utilização da palavra “sistema” seja disseminada no universo jurídico, e diversas sejam as abordagens adotadas, há necessidade de delimitação do termo e de uma padronização de seu uso.

1-Introdução.

Embora a utilização do termo “sistema” seja adotada por diversos cientistas do direito, raros foram aqueles que se dedicaram a traduzir seu significado, e desenvolver pensamento que delimitasse sua utilização. O jurista entende a matéria com que trata como uma totalidade sistemática, porém, nem sempre exterioriza essa sua interpretação uma terminologia padronizada, constante e rígida, limitando-se, na grande maioria das vezes, a evocar, de modo apenas aproximado, uma ideia que faça referência à ordem, à harmonia, que demanda muito mais o entendimento do leitor do que propriamente à sua produção.

O desenvolvimento do tema proposto se dispõe a analisar o instituto, valendo-se, num momento inicial, da análise de sua origem, sua utilização e, finalmente, da abordagem de Norberto Bobbio, que construindo estudo acerca do ordenamento jurídico, identificou as características da unidade e da coerência como bases fundamentais de identificação do sistema jurídico.


2. Considerações iniciais: origens e utilização diversificada da terminologia.

Diversos cientistas do direito utilizam a terminologia “sistema jurídico”, mas poucos realmente definem o significado de “sistema”.

O sistema foi, para várias gerações de estudiosos, um inalcançável objetivo que almejavam motivados pela necessidade de ordem que não conseguiam satisfazer. De fato, como na afirmação de Mário Losano, o objeto do saber (e, portanto, também do direito), é ilimitado, mas a existência não: torna-se assim necessário escolher um fio condutor que possibilite uma primeira orientação na grande massa de conhecimento e, particularmente, das normas jurídicas. Muitos elegeram como referencial o “sistema”, coluna do pensamento ocidental, com a finalidade de ordenar toda a matéria jurídica (LOSANO, 2008, p. XXVII).

A palavra “sistema” deriva do grego, e, segundo Mário Losano, pode-se identificar para o mencionado termo quatro significados, dois técnicos, relacionados à métrica e à música, e dois atécnicos, um mais e o outro menos rigoroso. Para a noção moderna de sistema, interessam apenas os dois significados atécnicos do termo grego, em suas colocações mais ou menos rígidas, que foram usadas para indicar os artigos de fé, e, em seu desenvolvimento, a filosofia. A acepção atécnica de menor rigor serve para designar qualquer forma de organização de qualquer elemento. Na acepção atécnica mais rigorosa, o termo possui o significado de organização do mundo, seja natural, seja social (LOSANO, 2008, p. 10/11).

A concepção sistemática grega foi aplicada em ramos diversos ao direito, como astronomia, arquitetura e principalmente matemática e geometria. O renascimento de uma visão sistemática de mundo, em épocas mais recentes, acompanha a descoberta de novos setores na matemática e sua aplicação a vários setores da física e da geometria.  (LOSANO, 2008, p. 12).

O jurista concebe a própria matéria como uma totalidade sistemática, quase como um cosmos de preceitos contraposto ao caos de eventos. Entretanto, nem sempre expressa essa sua concepção com uma terminologia constante e rigorosa: frequentemente limita-se a evocar, de modo aproximado, uma ideia de ordem ou de composição harmônica, confiada mais à intuição de quem lê do que à demonstração do autor. Essa ideia da ordem que reina no cosmos social exprime-se em uma vasta coletânea de sinônimos, que tem seu uso entrelaçado e muitas vezes confundido no decorrer dos séculos de utilização (LOSANO, 2008, p. 4).

Há uma carência de uma exposição ordenada das informações que deveriam formar o embasamento de fundo de um estudo estrutural do direito. Uma história de todo pensamento sistemático poderia demonstrar que a volumosa quantidade de termos relacionados à sistema demonstraria que estes não foram utilizados simultaneamente em todas as línguas, mas funcionam como facetas historicamente condicionadas de um componente constante do pensamento humano e, em particular, do pensamento jurídico.

Desde os tempos das sociedades pré-letradas até as pós-industriais, os homens são movidos no interior de sistemas de regras, que têm sua complexidade diretamente vinculada e proporcional à intensidade das transações e ao nível cultural de seus membros. Todo sistema de normas jurídicas regula, direta ou indiretamente, modos não-violentos de transferência da propriedade, mediante a organização de um poder supra-individual capaz de impedir ou corrigir as transferências violentas da propriedade. Desse modo, os conflitos sociais não são eliminados, mas apenas mantidos sob controle, impedindo que coloquem em risco as transações, e com isso, a própria sociedade (LOSANO, 2007, p. 3/4).

No direito, o termo “sistema” foi primeiramente utilizado por influência bizantina, mas a exigência de ordenar o material jurídico esteve presente já a partir da época clássica, aproximadamente desde o século II a. C. A compilação ordenada por Justiniano em 528 d.C foi uma ciclópica empresa sistemática, ainda que seu produto tenha se chamado Digestum ou Corpus iuris. Atualmente, fala-se em sistemática do Direito Romano, entendendo a ordem com que os juristas latinos expunham a matéria jurídica. A organização do material jurídico respondia, principalmente, às exigências práticas ou didáticas. Somente em épocas muito recentes tentou-se identificar uma técnica sistemática romana à luz posterior da noção de sistema e recorrendo também às teorias mais modernas. (LOSANO, 2008, p. 4).

Mário G. Losano, em sua obra “Sistema e Estrutura do Direito” afirma existirem duas acepções gerais do termo (LOSANO, 2008, p. XIX). Para o autor, a primeira acepção de “sistema” pode ser compreendida em sentido técnico, e aplicada em todas as ciências. Nesse aspecto a palavra indica tanto a estrutura do objeto estudado (sistema interno) quanto um conjunto ordenado e coeso de conhecimentos científicos, filosóficos, jurídicos e assim por diante. Losano continua sua explanação, afirmando que na segunda acepção, “sistema jurídico” figura como sinônimo para “ordenamento jurídico”. Assim, a expressão indica um conjunto de normas reunidas por um elemento unificador, e esse elemento é o fator responsável pelo fato de as mesmas se organizarem num ordenamento jurídico, e não tão somente quedarem uma ao lado das outras, aleatoriamente. Seria igualmente apropriado, segundo o autor, ao se fazer referência ao sistema jurídico brasileiro, utilizar-se da expressão “ordenamento jurídico brasileiro, ou mesmo, direito brasileiro.

 


3. A visão de Norberto Bobbio: unidade e coerência como requisitos essenciais na identificação de um sistema jurídico.

A concepção ordenamento jurídico como um sistema também se depreende da leitura da obra de Norberto Bobbio, em especial da “Teoria do Ordenamento Jurídico”, que, inspirado pelas concepções de Hans Kelsen apresenta as características essenciais deste ordenamento – unidade e coerência.  (BOBBIO, 2011, p. 79/82). Para Bobbio, o ordenamento jurídico é composto de um complexo de normas, o que justifica seu argumento de que as normas não existem isoladamente, mas são ligadas umas às outras formando um sistema normativo (BOBBIO, 2008, p. 37).

Assim, as características de unidade e coerência que devem funcionar como pilares do ordenamento jurídico. Segundo Bobbio, a unidade do ordenamento pode ser algo de fácil compreensão ao se imaginar um ordenamento simples, do qual todas as normas decorressem de uma fonte somente. Entretanto, para que se possa entender a unidade de um ordenamento complexo, como em regra são os ordenamentos, em que as normas são emanadas de fontes diversas, o autor se valeu da teoria da construção escalonada do ordenamento jurídico desenvolvida por Hans Kelsen. O cerne dessa teoria é a afirmação de que “as normas de um ordenamento não estão todas num mesmo plano”. Há normas superiores e inferiores. As inferiores são dependentes das superiores. Galgando essa escala de normas, chega-se a uma norma suprema, independente de qualquer outra norma superior, e sobre a qual repousa a unidade do ordenamento. Essa norma suprema é a NORMA FUNDAMENTAL, que dá a unidade a todas as demais normas, tornando-se um todo unitário, ou seja, um ORDENAMENTO. A norma fundamental funciona como o ponto unificador de todas as outras normas componentes do ordenamento jurídico. Sem uma norma fundamental, afirma Bobbio ainda sob inspiração kelseniana, todas as normas “constituiriam um acumulado de normas, não um ordenamento” (BOBBIO, 2011, p. 61). A afirmação de Bobbio leva à conclusão de que todas as fontes do direito podem ser deduzidas de uma única norma, ainda que sejam numerosas as fontes em um ordenamento do tipo complexo.

Bobbio continua o desenvolvimento do tema argumentando que do fato de haver normas inferiores e superiores nesse ordenamento decorre uma ESTRUTURA HIERÁRQUICA. “Geralmente se representa a estrutura hierárquica de um ordenamento por meio de uma pirâmide”. Em seu vértice figura a norma fundamental, e de alto a baixo percebe-se uma série de processos de produção jurídica (BOBBIO, 2011, p. 63). Todas as fases de um ordenamento são ao mesmo tempo produtivas e executivas, exceto a que está no grau mais alto e aquela que figura no patamar mais baixo. Os termos “execução” e “produção” são assim relativos, visto que a mesma norma pode ser considerada produtiva e executiva: executiva em relação à norma superior, e produtiva em relação à norma inferior. Exemplo disso são as leis ordinárias, que executam a Constituição e produzem os regulamentos. Esse processo dúplice pode ser aclarado com duas outras noções vinculadas à linguagem jurídica: PODER E DEVER, que são dois conceitos correlativos. Poder é a capacidade que o ordenamento atribui a uma pessoa de positivar obrigações em relação a outras pessoas. Por sua vez, obrigação é o comportamento que se espera daquele que é sujeito ao poder (BOBBIO, 2011, p. 65).

Entretanto, a unidade do ordenamento jurídico sozinha não permite que se tenha um sistema jurídico, visto que, para Norberto Bobbio, SISTEMA É UMA TOTALIDADE ORDENADA, UM CONJUNTO DE ENTES ENTRE OS QUAIS EXISTE UMA CERTA ORDEM. Diante dessa assertiva, conclui-se que para que o ordenamento jurídico seja uma unidade sistemática deve haver, além de unidade, coerência entre seus componentes (BOBBIO, 2011, p. 79/81). Para o autor, um ordenamento jurídico somente constituirá um sistema quando suas normas componentes possuem relação de coerência entre si.

Bastante esclarecedor é o desenvolvimento do conceito de sistema feito por Kelsen, e que inspirou a análise do assunto produzida por Norberto Bobbio em sua obra “Teoria do Ordenamento Jurídico”. Hans Kelsen distingue nos ordenamentos normativos duas espécies de sistemas, as quais denomina ESTÁTICA e DINÂMICA. Sistema estático é aquele “em que as normas estão ligadas umas às outras, como proposições de um sistema dedutivo”, ou seja, em razão de se deduzirem umas das outras, “partindo de uma ou mais normas originárias de caráter geral, que têm a mesma função de postulados ou axiomas num sistema científico” (BOBBIO, 2011, p.80). Assim, o modelo de sistema em que as normas se ligam no que se relaciona a seu conteúdo, sendo todas elas deduzidas de uma primeira é nomeado por Kelsen de “estático”.

O sistema denominado “dinâmico”, de outro norte, é aquele “no qual as normas que o compõem derivam uma das outras por meio de sucessivas delegações de poder” (BOBBIO, 2011, p. 80). Nesta modalidade não se toma em consideração a análise de conteúdo das normas, mas a AUTORIDADE QUE AS POSITIVA. Uma autoridade inferior deriva de uma autoridade que lhe seja superior, e assim sucessivamente até que se alcance a autoridade suprema, aquela que não vislumbra nenhuma outra acima de si. Dessa análise depreende-se que a ligação entre as normas do sistema considerado estático é de ordem material, enquanto que a relação existente entre as componentes do ordenamento normativo dinâmico é de ordem formal.

Segundo o conceito kelseniano analisado por Bobbio, a distinção entre as duas espécies de vinculação entre as normas, material e formal, pode ser verificada na experiência cotidiana quando, em uma situação em que se deva justificar um comando existam dois caminhos abertos: ou justifica-se realizando uma dedução do comando mais geral, ou, de outra sorte, justifica-se atribuindo o comando a uma autoridade indiscutível. Um exemplo bastante esclarecedor dessa argumentação é o caso concreto em que o pai ordena ao filho que faça sua lição, e o filho, questionando o porquê de atender à ordem, poderá receber do pai as seguintes respostas: “porque você deve aprender”, que remontaria ao sistema estático, relacionado à ordem material; ou “porque você deve obedecer a seu pai”, resposta que se relacionaria ao sistema dinâmico, vez que faz referência à autoridade imposta (BOBBIO), 2011, p. 81).

Para Kelsen, os ordenamentos jurídicos são sistemas dinâmicos, enquanto que os ordenamentos morais teriam as características que se relacionam ao sistema estático. O autor preleciona que “o ordenamento jurídico é um ordenamento no qual a pertinência das normas é julgada com base em um critério meramente formal, isto é, independentemente do conteúdo; o ordenamento moral é aquele no qual o critério da pertinência das normas ao sistema é fundando sobre o que prescrevem as normas, não sobre a autoridade da qual derivam” (BOBBIO, 2011, p. 81).

Diante da dificuldade em se definir e esclarecer o significado e aplicação da terminologia “sistema” quando se refere ao ordenamento jurídico, Bobbio salienta que o termo pertence ao grupo daqueles que possuem muitos significados, utilizados por cada um segundo a sua conveniência. Três dentre essas aplicações foram por ele identificadas no uso histórico da filosofia do direito e da jurisprudência.

A primeira acepção de sistema identificada por Bobbio é baseada na concepção do sistema dedutivo. Por ela, afirma-se que um determinado ordenamento é um sistema desde que suas normas jurídicas sejam oriundas de alguns princípios gerais. Essa acepção refere-se historicamente tão somente ao ordenamento do direito natural, que tem sido construído pelos jusnaturalistas modernos pertencentes à escola racionalista como um sistema dedutivo. Os defensores dessa escola, dentre eles Leibniz, afirmam que “a teoria do Direito pertence ao número daquelas que não dependem de experimentos, mas de definições; não disso que mostram os sentidos, mas daquilo que demonstra a razão” (BOBBIO, 2011, p. 85).

Um segundo significado de sistema, absolutamente diverso do primeiro citado, é encontrado na ciência do direito moderno, que remonta à Savigny, autor do célebre Sistema do direito romano atual. Segundo Bobbio, é bastante comum que entre os cientistas do direito exista a opinião de que a ciência jurídica moderna tenha nascido na passagem da jurisprudência exegética para a jurisprudência sistemática. Os juristas não pretendem afirmar que a jurisprudência sistemática consista na dedução de todo o direito a partir de alguns princípios gerais, como desejou Leibniz. O termo “sistema”, segundo essa acepção, é usado para demonstrar um ordenamento da matéria, realizado via de procedimento indutivo, ou seja, partindo-se do conteúdo das normas singulares com o intuito de produzir conceitos mais amplos e gerais. Tal desenvolvimento terá como consequência o ordenamento do material jurídico, classificando e dividindo a inteira matéria (BOBBIO, 2011, p. 85). Assim, na expressão “jurisprudência sistemática utiliza-se o termo “sistema” não para se referir ao significado relacionado às ciências dedutivas, mas naquele relacionado às ciências empíricas e naturais, adotando para tanto o procedimento de classificação, e não de dedução. Seu objetivo primordial é reunir as informações fornecidas pela experiência, tomando por base a semelhança entre elas a fim de construir conceitos amplamente gerais que possibilitem unificar todos os dados.

O maior exemplo de conquista dessa jurisprudência é a teoria do negócio jurídico, que resultou de um esforço construtivo e sistemático que se utilizou do sistema empírico que generaliza e classifica. A partir da reunião de fenômenos diversos que tinham em comum a característica de serem manifestações de vontade com consequências jurídicas chegou-se ao conceito de relação jurídica, que é o conceito sistemático por excelência da ciência jurídica moderna.

O terceiro significado de sistema jurídico é, para Bobbio, o mais interessante, e sobre o qual se deteve por mais tempo. Nele, diz-se que “um ordenamento jurídico constitui um sistema porque nele não podem existir normas incompatíveis. Nessa acepção, “sistema” equivale à validade do princípio que exclui a incompatibilidade das normas” (BOBBIO, 2011, p. 86). A análise desse significado de sistema leva à compreensão de que, no caso de haver normas incompatíveis dentro de um mesmo ordenamento, uma delas ou ambas deverão ser eliminadas. Não é um sistema dedutivo como aquele anteriormente estudado; é dedutivo em um sentido menos denso, de uma ordem que exclui a incompatibilidade das suas partes singulares. Daí se conclui que a coerência que se espera de um sistema jurídico não alcança a todo seu complexo, podendo-se falar de exigência de coerência entre as partes singulares. No sistema dedutivo inicialmente estudado, qualquer contradição ou incoerência que se constate derrubaria todo o sistema. No sistema jurídico, “a admissão do princípio que exclui a incompatibilidade tem por consequência, no caso de incompatibilidade de duas normas, a queda não de todo o sistema, mas somente de uma das duas normas ou, no máximo, de ambas” (BOBBIO, 2011, p. 87). Essa proposta torna possível a manutenção do sistema, visto que, ainda que haja a necessidade de exclusão das duas normas analisadas, tal decisão não ocasionará sua queda. O princípio da incompatibilidade de normas não pressupõe que estas devam se encaixar de forma perfeito, mas exige que, para que garantam sua permanência no ordenamento sistemático, sejam compatíveis.

No sistema jurídico compreendido desse modo nem todas as normas produzidas por fontes autorizadas seriam válidas, mas somente aquelas que fossem compatíveis com as outras.  Analisando essa assertiva pode-se perceber que não se pode alcançar a noção de um sistema se as normas jurídicas guardassem entre si somente relação de forma, isenta de qualquer conteúdo. Segundo Eder Dion de Paula Costa, “um sistema jurídico que seja apenas normativo e isento de valores não mais se coaduna com a realidade em que vivemos” (COSTA, 2002, p. 84). Continua o autor, afirmando que “numa sociedade em que se pretenda um Estado Democrático de Direito só é possível pensar em sistema jurídico enquanto um sistema aberto e fragmentário, que vai superando uma estrutura estática, dando dinamicidade a um sistema que se propõe a regular a ordem social”. Ainda nesse sentido, Karl Larentz, citando Canaris, expõe que “o sistema, como unidade de sentido de uma ordem jurídica concreta, comunga do modo de ser desta, quer dizer, assim como não é estático, mas dinâmico, apresenta, portanto a estrutura da historicidade” (LARENTZ, 1989, p. 592).

O novo modelo de sistema jurídico, como assevera Eder Dion, “é aquele que está permeado de valores e que tem por base fundamental a Constituição (COSTA, 2002, p. 85). Juarez de Freitas define este novo modelo como “uma rede axiológica e hierarquizada de princípios gerais e tópicos, de normas e de valores jurídicos cuja função é a de, evitando ou superando antinomias, dar cumprimento aos princípios e objetivos fundamentais do Estado Democrático de Direito, assim como se encontram consubstanciados, expressa ou implicitamente, na Lei Maior” (FREITAS, 1995, p. 44).


4. Conclusão.

Embora a utilização do termo “sistema” se encontre disseminada no universo jurídico, e diversas sejam as abordagens adotadas, do estudo proposto conclui-se a necessidade de delimitação do termo e de uma padronização de seu uso.

Assim é que, sob inspiração kelseniana, Norberto Bobbio propõe a verificação das características de unidade e coerência para que se identifique, no ordenamento jurídico, o sistema. A defesa do argumento sob o qual não há como se conceber um sistema em que haja incongruência entre suas normas leva ao entendimento de que, para que o ordenamento seja em essência uma unidade sistemática deve o mesmo apresentar harmonia, coerência e unidade. A unidade queda relacionada ao fato de que o sistema deverá se remeter sempre à uma norma, que Kelsen denominou “norma fundamental”, e que deve ser o referencial de todas as outras, não sendo admitida a norma que com ela se incompatibilize. A coerência faz referência ao fato de que as normas devem manter entre si, além da relação de forma, a relação de conteúdo. Assim, ainda que a norma seja emanada de autoridade legítima, deve também coadunar-se com aquelas outras a que se relaciona no sistema.

O novo modelo de sistema jurídico deve estar vinculado aos valores e ter por fundamento a Constituição, funcionando como uma rede harmônica de cumprimento aos princípios e objetivos do Estado Democrático de Direito, resolvendo as eventuais antinomias através de sua estrutura de organização hierarquizada.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.

AGUIAR, Ana Lúcia de. História dos Sistemas Jurídicos Contemporâneos. São Paulo: Pillares, 2010.

BOBBIO, Norberto. Teoria da Norma Jurídica. São Paulo: Edipro, 2008.

_________________Teoria do Ordenamento Jurídico. São Paulo: Edipro, 2011.

COSTA, Eder Dion de Paula. Considerações sobre o sistema jurídico. Volume 37. Revista da Faculdade de Direito da UFPR, 2002.

FREITAS, Juarez. A interpretação sistemática do direito. São Paulo: Saraiva, 1995.

LARENTZ, Karl. Metodologia da ciência do direito. Trad. José Lamego. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1989

LOSANO, Mario G. Os Grandes sistemas jurídicos. São Paulo: Martins Fontes, 2007.

_________________ Sistema e estrutura no direito – das origens à escola histórica. Volume 1. São Paulo: Martins Fontes, 2008.


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Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA JÚNIOR, Mário Ângelo de; GADIA, Giovanna Cunha Mello Lazarini. O ordenamento jurídico: unidade e coerência como exigências para a caracterização do sistema. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3378, 30 set. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22680. Acesso em: 28 mar. 2024.