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Acordo de acionistas: aspectos práticos e teóricos

Acordo de acionistas: aspectos práticos e teóricos

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O acordo de acionistas regula os procedimentos de voto, venda de ações, administração e alienação da sociedade, dentre outros aspectos que são de vital importância para o relacionamento estatutário.

I – INTRODUÇÃO

O presente estudo tem por escopo analisar as principais peculiaridades do Acordo de Acionistas, instituto extremamente relevante no Direito Societário.

O Acordo de Acionistas (“Acordo”) é um instrumento jurídico que possibilita a convergência dos interesses dos acionistas de uma Sociedade Anônima Aberta ou Fechada (“Companhia ou Sociedade”), no sentido de possibilitar o exercício dos direitos provenientes da condição de acionista, especialmente aqueles relacionados aos seus direitos políticos perante a Companhia e patrimoniais sobre suas ações.

Com efeito, o Acordo é um contrato disciplinado pelas normas comuns de validade e eficácia dos negócios jurídicos privados.

Sublinha-se que o Acordo também pode ser utilizado nas Sociedades Limitadas cujo Contrato Social preveja a regência supletiva da Lei n. 6.404/76 (“LSA”), tal como dispõe o parágrafo único, do artigo 1.053, do Código Civil atual.

As principais características do Acordo, incluindo objeto e os seus efeitos perante as partes contratantes, terceiros e a Companhia, estão disciplinadas no artigo 118, da LSA.

Atualmente, além dos acionistas de uma Companhia, também podem figurar como partes signatárias de um Acordo grandes grupos econômicos, que, muitas vezes, são concorrentes, cuja principal meta é atingir objetivos empresariais comuns.

Destaca-se a figura do private equity, que é predominantemente formado por grupos econômicos que investem capital em empresas com grande potencial de crescimento. O objetivo central destes grupos é a obtenção de ganhos financeiros a médio e longo prazo, por meio da implementação de estratégias e modelos de gestão que se alinhem aos interesses e perspectivas do investidor.

Em que pese a posição de acionista minoritário do investidor na empresa, o que ocorre na maioria dos casos de private equity, como uma das condições para a realização do aporte do investimento é a celebração de um Acordo entre todos os acionistas da Companhia, incluindo o Controlador.


II – VALIDADE E EFICÁCIA

O Acordo deverá observar todos os requisitos de validade previstos no artigo 104 do Código Civil, como qualquer negócio jurídico, sendo eles: agente capaz, objeto lícito e forma prescrita ou não defesa em lei.

Pode-se concluir que o Acordo é um contrato nominado, haja vista sua previsão expressa no artigo 118 da LSA, devendo, além de preencher os requisitos mencionados acima, observar seus requisitos próprios quanto às partes, objeto e forma.

Sublinha-se que a eficácia do Acordo perante a Companhia e terceiros somente ocorrerá após o arquivamento deste na sede social da sociedade, não podendo, portanto, alegar-se ignorância a respeito do teor do Acordo.

A eficácia do Acordo ocorre em momentos distintos para as partes signatárias e a Companhia, uma vez que este entrará em vigor entre as partes contratantes no momento de sua celebração, enquanto que perante a Companhia, dependerá tão somente do seu arquivamento na sede social.

Ressalta-se que os administradores da Companhia deverão observar as disposições do Acordo, sob pena de responder pelos danos causados às partes, aos demais acionistas, à Sociedade e a terceiros.

Conforme já mencionado acima, a Companhia será obrigada a respeitar os termos do Acordo que disciplinar as matérias previstas no artigo 118, da LSA, desde que regularmente arquivado na sede social, porém, se houver disposição expressa no Estatuto Social da Sociedade a respeito de outras matérias possíveis em Acordos de Acionistas, a Companhia também deverá observá-lo.

Por fim, ressalta-se a eficácia do Acordo perante terceiros, cuja regra encontra-se disposta no parágrafo primeiro, do artigo 118, da LSA, a seguir: “as obrigações ou ônus decorrentes desses acordos somente serão oponíveis a terceiros, depois de averbados nos livros de registro e nos certificados das ações, se emitidos”.


III – PARTES

Inicialmente, cumpre citar o entendimento de Modesto Carvalhosa [1] a respeito do sentido do termo parte em um Acordo de Acionistas, que pode ser formal e substancial.

Com relação ao sentido formal, pode-se afirmar que somente os acionistas da Companhia poderão figurar como partes signatárias do Acordo. Já no sentido substancial, a Companhia figura como parte nos acordos de controle e de bloqueio.

Inobstante a diferenciação mencionada acima, importante frisar que as partes do Acordo de Acionistas devem ser titulares de ações e de direitos referentes às ações, como por exemplo, os usufrutuários e fideicomissários.

Destaca-se, ainda, a nulidade dos acordos celebrados entre acionistas e administradores da Companhia, vez que não observam os preceitos legais e podem acarretar na aprovação de contas irregulares da administração.


IV – FORMA

A LSA não determina a obrigatoriedade do Acordo ser firmado de maneira escrita, afastando, portanto, a natureza de contrato formal. A legislação vigente dispõe apenas que, para o Acordo ter efeito erga omnes, se faz necessário o seu arquivamento e publicidade na sede social da Companhia.

Cumpre ressaltar que o Acordo não escrito não é considerado nulo, porém, não será eficaz perante a Companhia e perante terceiros.


V – PRAZO

No tocante ao prazo do Acordo de Acionistas, a legislação societária pertinente não define um termo para a vigência deste, podendo, portanto, ser celebrado por prazo indeterminado.

Os Acordos que tem por objeto o controle ou o voto dos minoritários poderá ter prazo indeterminado, diferentemente dos Acordos que visam a preferencia na aquisição de ações, os quais deverão ter prazo determinado. Nestes, a indeterminação do prazo é incompatível com a natureza do objeto do Acordo.

Por fim, os Acordos de controle e de voto minoritário podem ser dissolvidos por meio da resilição unilateral motivada, devidamente declarada em juízo estatal ou arbitral.


VI – NATUREZA JURÍDICA DO ACORDO DE ACIONISTAS

A natureza jurídica do Acordo não é pacífica entre os doutrinadores societários, o que acarreta inúmeras classificações e divergência, adotaremos, contudo, a classificação lecionada pelo professor José Marcelo Martins Proença, na obra Sociedades Anônimas[2] , a seguir.

O Acordo trata-se de um contrato atípico, de organização, consensual, plurilateral, acessório, intuitu personae, que pode ser celebrado por prazo determinado ou indeterminado.

Importante destacar que a natureza jurídica do Acordo serve para identificar o instituto dentro do sistema jurídico brasileiro, incluindo suas características e seus efeitos.


VII – DESTITUIÇÃO DE ADMINISTRADORES ELEITOS POR ACORDO DE ACIONISTAS

Os administradores eleitos no bojo do Acordo de Acionistas, cujo objeto seja a formação de bloco de controle ou a proteção aos minoritários, poderão ser destituídos em sede de Assembleia Geral ou pelo Conselho de Administração.

Importante ressalvar que as causas ensejadoras da destituição em referência estão previstas no artigo 153 da LSA, não sendo necessária, portanto, a configuração de dolo ou culpa durante o exercício do mandato dos administradores.

A substituição do administrador destituído será realizada nos termos do Acordo de Acionistas em vigor, cabendo ao grupo que o havia eleito indicar o substituto para o cargo vago.


VIII – OBJETO DO ACORDO DE ACIONISTAS

O Acordo destina-se, primordialmente, a disciplinar os interesses individuais dos acionistas de uma Companhia, desde que não exista conflito de interesses entre os signatários do Acordo e a Sociedade.

De acordo com o artigo 118 da LSA, o Acordo pode regulamentar questões relacionadas ao poder de controle da Companhia, direito de voto dos acionistas minoritários, alienação de ações e direito de preferência para sua aquisição (acordos de bloqueio).

Importante destacar que o Acordo também pode versar a respeito de outras matérias, além daquelas supracitadas, cuja observação não será obrigatória pela Companhia, vez que esta deve observar estritamente o Acordo que discipline as matérias elencadas no artigo 118, da LSA, desde que arquivado na sede social da Companhia.

Observa-se que o descumprimento do Acordo pela Companhia poderá ser objeto de execução específica, ajuizada judicialmente pelo contratante prejudicado.

Ressalta-se, contudo, que a observância do Acordo será obrigatória perante a Companhia e terceiros quando este estiver devidamente registrado nos livros da Sociedade.


IX– CLASSIFICAÇÃO DO ACORDO DE ACIONISTAS

A classificação do Acordo de Acionistas pode ser dividida de acordo com alguns critérios[3], os quais passaremos a analisar a seguir.

Quanto às finalidades:

a) Acordo de Comando, cujo objetivo é a formação de um bloco de controle; contém cláusulas a respeito de alterações estatutárias, aumento de capital social, etc.;

b) Acordo de Defesa, em que há proteção aos sócios minoritários, no sentido de protegê-los contra os abusos que o bloco de controle possa cometer, como por exemplo, abuso do direito de voto, além de fiscalizar os atos e negócios jurídicos praticados pelos administradores da Companhia;

c) Acordo de Entendimento Mútuo, o qual une as forças dos controladores e minoritários em prol de interesses comuns e tem por objeto uniformizar os votos em reuniões e assembleias, evitando assim eventuais discordâncias entre os acionistas.

Quanto ao conteúdo:

a) Acordo de Voto, em que os signatários devem exercer o direito de voto de acordo com o estabelecido no Acordo;

b) Acordo de Bloqueio, cujo objetivo central é evitar mudanças na composição societária da Companhia, utilizando, para tanto, cláusulas sobre a cessão de ações e direito de preferencia na subscrição de ações de acionista retirante, dentre outras;

c) Acordo Múltiplo, o qual aborda matérias de interesse pessoal e societário, dentre os quais se destacam a participação societária que cada acionista subscreverá na constituição da Companhia, os direitos dos minoritários e a forma de eleição dos administradores.

Quanto aos efeitos:

a) Unilateral, em que há assunção de obrigações para apenas uma das partes;

b) Bilateral, o qual gera obrigações para ambas as partes;

c) Plurilateral, cujo principal escopo é proteger um grupo de acionistas, que pode ser composto por minoritários ou controladores.

Com o intuito de aprofundarmos mais o estudo sobre a classificação dos Acordos de Acionistas quanto à sua finalidade, passemos a explorar minuciosamente as características e peculiaridades das três espécies de Acordo constantes nesta classificação.

A primeira espécie de Acordo está relacionada à formação do bloco de controle, também denominado acordo de controle. De acordo com o doutrinador Modesto Carvalhosa, este Acordo institui o regime de pooling agreement no Direito Brasileiro, o qual é consagrado há mais de um século pela doutrina e jurisprudência norte-americanas.

Adicionalmente, essa modalidade de Acordo objetiva o exercício do controle societário por meio da realização de uma reunião prévia a cada deliberação atribuída aos órgãos da Companhia, tais como, Conselho de Administração, Diretoria e Assembleia Geral.

Ressalta-se que a reunião prévia terá por escopo o direcionamento dos votos da maioria absoluta dos acionistas, os quais serão proferidos em sede de Assembleia Geral. No tocante às outras matérias, este direcionamento será dirigido aos votos dos conselheiros e diretores representantes dos acionistas signatários nas reuniões do Conselho de Administração e da Diretoria.

Importante destacar que os administradores eleitos pelos controladores estão vinculados às deliberações sobre matérias relevantes ou extraordinárias por eles decididas na reunião prévia, consoante parágrafos oitavo e nono do artigo 118 da LSA.

Passemos a analisar as peculiaridades da segunda espécie, o Acordo de voto minoritário, em que podem figurar como partes tanto os acionistas minoritários, como os preferencialistas.

Este acordo não pode ter por objeto matérias que transcendam a competência dos órgãos de gestão, o que afasta a possibilidade deste acordo atribuir diretrizes aos administradores da Companhia, até mesmo à minoria eleita no bojo deste acordo.

Podem, portanto, ser objeto do Acordo de voto minoritário incluindo, mas não se limitando, as matérias relacionadas ao exercício ou renúncia de direitos individuais disponíveis e à suspensão do exercício de preferência na subscrição de ações em aumento de capital social.

Por fim, os acordos de bloqueios objetivam disciplinar a compra e venda, bem como a preferência na aquisição de ações e de títulos ou direitos conversíveis em ações.

Entenda-se por compra e venda de ações qualquer ato que implicar na transferência de propriedade das ações, tal como troca, doação e a subscrição com a conferência de bens ao capital social.

Ainda, sublinha-se a figura do tag along, também conhecida como pacto de venda conjunta, cuja previsão está expressa no artigo 118 da LSA. O tag along prevê o direito de, no caso de venda das ações detidas por um ou mais signatários do Acordo, os demais contratantes vender suas ações em conjunto com aqueles.

Em contrapartida ao instituto mencionado acima, existe o drag along, também definido como pacto de compra conjunta, em que no caso do controlador receber uma proposta de aquisição do controle, este poderá exigir que os minoritários signatários do acordo também vendam as suas ações, pelo preço da oferta aceita pelo controlador.


X – EXECUÇÃO ESPECÍFICA

Os acionistas signatários do Acordo poderão promover a execução específica das obrigações assumidas, desde que expressamente prevista no corpo do Acordo, consoante parágrafo terceiro, do artigo 118 da LSA.

A execução específica visa assegurar à parte prejudicada tudo aquilo que ela teria direito de obter. Esta execução deverá ser promovida pelo signatário prejudicado face a parte inadimplente e a Companhia.


XI – EXTENSÃO DOS EFEITOS DO ACORDO DE ACIONISTAS ÀS SOCIEDADES CONTROLADAS

Sublinha-se, ainda, a possibilidade de os efeitos dos Acordos de Acionistas abrangerem, além da Companhia, mas também as sociedades por ela controladas.

Esta espécie de Acordo denomina-se Acordo em cascata, o qual é celebrado em holdings, com o intuito de produzir efeitos nas subsidiárias, direta ou indiretamente controladas.


XII – CONCLUSÃO

Diante de todas as considerações abordadas no presente estudo, conclui-se que o Acordo de Acionistas é um instrumento jurídico de suma importância para a Companhia e seus acionistas, vez que este documento regula os procedimentos de voto, venda de ações, administração da sociedade, alienação da Sociedade, dentre outros aspectos que são de vital importância para o relacionamento estatutário entre os acionistas da Sociedade.

O Acordo pode abordar diversas matérias, as quais devem ser diretamente relacionadas ao dia-a-dia da Companhia, além de observar a predominância dos interesses da Companhia sobre os interesses individuais de cada um dos acionistas signatários.

Ressalta-se que este instrumento, além de ser fruto de manifestação de vontade individual, ao vincular-se às manifestações de controle, é também uma forma de implementação de práticas administrativas e de condução da Companhia, permitindo, portanto, assegurar uma harmonia interna da empresa entre os acionistas.

Em se tratando de Acordo de proteção aos minoritários, conclui-se que este proporcionará ao grupo de minoritários a possibilidade de integrar os seus interesses e proteger-se das deliberações e decisões provenientes do grupo controlador.

Por fim, com relação ao Acordo de bloqueio, pode-se afirmar que este instrumento está apto a garantir a estabilidade no quadro acionário, de maneira a tornar eficazes as decisões tomadas pelos signatários por períodos mais significativos.


XIII – BIBLIOGRAFIA

Revista de Direito Mercantil, industrial, econômico e financeiro, Nova Série, Ano XLII, n. 129, Janeiro/Março de 2003, Malheiros Editores Ltda.;

Castro, Rodrigo R. Monteiro de & Aragão, Leandro Santos de (coord.), Sociedades Anônimas, São Paulo, Quartier Latin, 2007;

Muniz, Ian; Branco, Adriano Castello. Fusões e Aquisições, Aspectos Fiscais e Societários, São Paulo, Quartier Latin, 2007;

Carvalhosa, Modesto, Acordo de Acionistas, São Paulo, Saraiva, 2011;

Direito Societário, Sociedades Anônimas, Maria Eugênia Reis Finkelstein, José Marcelo Martins Proença, coordenadores, 2.ed., São Paulo, Saraiva, 2011.


Notas

[1] Acordo de Acionistas, Modesto Carvalhosa, São Paulo,Editora Saraiva, 2011, página 30.

[2] Direito Societário, Série GV Law, Editora Saraiva, Segunda Edição, 2011.

[3] Direito Societário, Sociedades Anônimas, Maria Eugênia Reis Finkelstein, José Marcelo Martins Proença, coordenadores, 2.ed., São Paulo, Saraiva, 2011, página 82.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

HADDAD, Carolina Pestana. Acordo de acionistas: aspectos práticos e teóricos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3373, 25 set. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22682. Acesso em: 29 mar. 2024.