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Considerações sobre a zona de amortecimento em unidades de conservação federais: da problemática acerca de sua fixação.

Considerações sobre a zona de amortecimento em unidades de conservação federais: da problemática acerca de sua fixação.

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A zona de amortecimento pode ser definida por qualquer ato normativo de seu órgão gestor, ou é necessária a mesma espécie normativa utilizada para a criação da unidade de conservação?

Resumo: A presente pesquisa promove um estudo relacionando às zonas de amortecimento estabelecidas pela Lei nº 9.985/2000, analisando sua importância e suas peculiaridades, evidenciando ainda um panorama geral da gestão das unidades de conservação no Brasil para, ao final, trazer à tona um debate intenso sobre a forma como ela deverá ser criada. O cerne da questão envolve basicamente duas teses opostas: a primeira entende que a zona de amortecimento pode ser definida por qualquer ato normativo de seu órgão gestor (na maioria dos casos, por portaria); paralelamente, há aqueles que destacam a necessidade de edição da mesma espécie normativa utilizada para a criação da unidade de conservação (aqui, tem-se que a zona de amortecimento deveria ser definida por meio de decreto presidencial ou lei). Sem pretensões de esgotamento da matéria, o artigo em tela almeja pôr em foco discussão relevante observada no seio dos órgãos ambientais federais, com repercussão nas demais esferas estaduais e municipais.

Palavras-chave: Lei do SNUC; zona de amortecimento; fixação.


1. INTRODUÇÃO

A edição do Sistema Nacional de Unidades de Conservação – SNUC, através da Lei nº 9.985, de 18 de julho de 2000, veio a consolidar a legislação brasileira como uma das mais avançadas do mundo no que tange à proteção ambiental. O artigo 2º, XVIII da mencionada lei estabeleceu a figura da zona de amortecimento (ZA), a qual, em apertada síntese, significa um cinturão a proteger a unidade de conservação do efeito de borda.

Com o SNUC, o ordenamento do uso e condicionamento do direito de propriedade no entorno de uma unidade de conservação (UC), em prol dos ativos ambientais existente em seu interior e a própria gestão socioambiental, passa a ter amparo legal. A edição do SNUC solidificou a gestão das áreas protegidas no Brasil, elevando, em pouco tempo, a quantidade de unidades de conservação em todo o país.

Ocorre que, excepcionando-se a área de proteção ambiental (APA) e a reserva particular do patrimônio natural (RPPN)[1], todas as demais categorias de unidades de conservação devem possuir uma zona de amortecimento estabelecida. E é exatamente aqui que surge o problema central do estudo em tela: qual a espécie normativa utilizar-se-á para a definição das zonas de amortecimento?

A dúvida passa intrinsecamente pela análise acurada e respectiva interpretação a ser conferida ao §2º do artigo 25 da Lei nº 9.985/2000, o qual afirma que os limites da zona de amortecimento e dos corredores ecológicos e suas normas de regulamentação poderão ser definidas no ato de criação da unidade ou posteriormente. Teses se aventam para que a ZA somente possa ser definida pela mesma espécie normativa criadora da correspondente UC, ou seja, usualmente o decreto presidencial, ao passo que existem os defensores da idéia de que simples portaria do Presidente do órgão gestor das unidades já seria suficiente para atingir tal desiderato.

A definição dessa interpretação é fundamental para o deslinde do trabalho de todos aqueles que militam na defesa do meio ambiente, em especial para o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade – ICMBio, autarquia federal responsável por executar ações da política nacional de unidades de conservação da natureza referentes às atribuições federais relativas à proposição, implantação, gestão, proteção, fiscalização e monitoramento das UC´s instituídas pela União (art. 1º, inciso I da Lei nº 11.516/2007).

Salienta-se, por fim, que o foco do presente trabalho será dirigido ao plano federal, procurando-se emitir uma intelecção desprovida de qualquer influência política ou ideológica, buscando a solução do problema tão-somente à luz da legislação positivada. De todo modo, a solução aqui encontrada pode ser aplicada para os Estados e Municípios.


2. GESTÃO DA BIODIVERSIDADE E AS ÁREAS PROTEGIDAS

A preocupação mundial com a biodiversidade exsurge notadamente ao longo dos anos 80 do Século XX com a emergência de duas situações peculiares: se por um lado a comunidade científica passa a identificar um processo acelerado de extinção de espécies, por outro a ciência vai descobrindo novos usos e aplicações no seio de nossa imensa diversidade biológica, utilizando-se dessa matéria-prima para inovações nas atividades econômicas da área da biotecnologia[2].

A pesquisa histórico-científica mostra que tivemos cinco episódios de extinção em massa de uma espécime nos últimos 600 milhões de anos. Nos dias atuais, fala-se em novo episódio de extinção em massa, dessa vez, fruto da atividade humana. Todavia, diferentemente do passado, a taxa de extinção natural está cem vezes maior[3].

Por sua vez, com o avanço da agricultura, estudos mostram que as florestais mundiais declinaram de cinco bilhões para quatro bilhões de hectares[4]. Em que pese as florestas temperadas terem o maior índice de desmatamento, legado inegável da idéia desenvolvimentista dos países de primeiro mundo, a maior preocupação volta-se para as florestas tropicais: a uma, porque ainda existem em maior quantidade (as florestas temperadas foram intensamente destruídas); a duas, porque elas possuem mais da metade das espécies da biota mundial.

Nesse contexto, a chamada conservação in situ é o grande desafio científico, por meio da qual há a conservação das espécies em seus próprios ambientes, garantindo uma complexidade tal que garanta a continuidade dos processos evolutivos. Isso permitirá a promoção da diversidade biológica, aumentando a resistência dos ecossistemas às perturbações externas. Quanto maior o grau de inter-relações das diferentes formas de vida, que está atrelado a diversos tipos de habitats, maior será a possibilidade de sucesso na garantia de um meio ambiente ecologicamente equilibrado.

É com fundamento nessa preocupação que se infere o papel cada vez mais fundamental do estabelecimento das áreas protegidas e de sua eficaz implantação. Não basta vontade política do Administrador para sua efetivação, devendo existir um arcabouço normativo que dê condições a ele para exercer esse munus.

2.1 CONTEXTO MUNDIAL

Sem pretensões de tentar igualar a preocupação atual com o meio ambiente, sempre crescente, diga-se de passagem, desde os primórdios a história do homem mostra que, frente ao desafio da sobrevivência, a tentativa de confluência entre os interesses práticos na utilização dos recursos naturais e sua proteção sempre esteve presente, ainda que, por muitas vezes, incipiente.

O século XX foi marcante a configurar que a criação de áreas protegidas tem sido um modo como a sociedade reage frente a problemas ambientais. Diversas vezes a busca desenfreada por recursos faz surgir à tona uma preocupação ambiental que deságua numa sucessão de unidades de conservação criadas como se isso fosse o bastante a salvaguardar o planeta de sua extinção. Não é por aí.

A delimitação de territórios com ações concretas de gestão não é recente, conforme já asseverado em linhas precedentes. A depender da situação cultural de cada sociedade, no que se destaca o tempo de sua existência, temos variadas diretrizes sobre conservação da vida silvestre. Segundo Davenport e Rao[5], as primeiras culturas pré-agrárias na Ásia e na África já possuíam essa preocupação:

Na Índia, 400 anos antes de Cristo, todas as formas de uso e atividade extrativista foram proibidas nas florestas sagradas; 700 anos antes de Cristo, nobres assírios estabeleceram reservas de caça, similares às reservas de caça do Império Persa na Ásia Menor, estabelecidas entre 550 e 350 anos antes de Cristo; na China, foram estabelecidas leis de proteção para planícies úmidas durante o sexto século depois de Cristo; Veneza criou reservas de veados javalis no início do século VIII; na Bretanha, foram promulgadas leis florestais no século XI.

Utilizando-se do conceito de território e apropriação e o controle pelas classes dominantes desses espaços, até porque uma das primeiras manifestações de poder é a propriedade de terras, a boa doutrina propõe uma periodização para a criação das áreas protegidas no mundo. Assim, a noção de proteção passaria por três fases: a) até o século XIX a idéia de controle de espaço passava por um aspecto gerencial; b) do final do século XIX até a segunda metade do século XX, a preservação da paisagem tinha como foco um patrimônio coletivo e; c) a partir da segunda metade do século XX, a ideologia é de proteção para o resguardo das gerações futuras, pois é cediço que não há vida sem meio ambiente hígido.

Em nível mundial, destacam-se o trabalho do Banco Mundial e do Banco Interamericano de Desenvolvimento, além de outras agências internacionais. A ótica atual pede o reforço das condicionantes ambientais como requisito para projetos de financiamento. Por outro lado, o esforço da conservação ainda sofre decisivas influências de interesse econômicos, muitas vezes sendo aprovados projetos com grande impacto ecológico, tornando a atuação dos supracitados entes dúbia e incoerente. 

2.2 CONTEXTO BRASILEIRO

A primeira unidade de conservação que se tem notícia no Brasil data de 1937, com a criação do Parque Nacional de Itatiaia[6]. Em que pese sua existência, a legislação sobre áreas protegidas só veio a tomar algum impulso com a instituição da Política Nacional do Meio Ambiente através da Lei nº 6.938/81. Mencionada lei, sem definição precisa e rumo certo, erigiu um agrupamento de unidades possíveis de criar sem, no entanto, conferir meios para administrá-las, dificultando demasiadamente o cumprimento de suas finalidades.

A partir da Constituição Federal de 1988, é estabelecido um divisor de águas com a criação de um capítulo específico para o meio ambiente, colocando o Brasil na linha de frente junto aos países mais avançados do mundo no que toca à legislação de proteção ambiental. Seu artigo 225 veio a garantir o direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado como um direito de todos, cabendo ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

Dentre os deveres específicos constitucionalmente atribuídos ao Poder Público para a tutela do meio ambiente, encontra-se o de “definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção” (art. 225, § 1º, inciso III, da CF/88). Lançou-se o desafio para a regulamentação do que se chamou de espaços especialmente protegidos, dando ensejo, mais futuramente, ao Sistema Nacional de Unidades de Conservação – SNUC, criado através da Lei nº 9.985, de 18 de julho de 2000.

Importante salientar que a expressão espaços territoriais especialmente protegidos, segundo Edis Milaré[7], deve ser compreendida como gênero, do qual são espécies os espaços territoriais especialmente protegidos em sentido estrito – as unidades de conservação da natureza, disciplinadas pela Lei nº 9.985/2000 – e os espaços territoriais especialmente protegidos em sentido lato – áreas de preservação permanente, reserva florestal legal e servidão florestal, todas disciplinadas pelo Código Florestal (Lei nº. 4.771/65). É da primeira acepção do termo que trataremos neste estudo.

A Lei nº 9.985/2000 é conseqüência de um trabalho de mais de duas décadas, pois data de 1979 sua primeira proposta, com envio da versão final ao Congresso Nacional apenas em 1992. Após oito anos de intensas discussões, somente foi publicada no ano de 2000. Portanto, sua edição tem fundamental importância na medida em que veio a uniformizar a nomenclatura das chamadas unidades de conservação em todo o país.

Além disso, o SNUC conceitua inúmeros institutos de Direito Ambiental, tais como: conservação da natureza, diversidade biológica, proteção integral, manejo, uso direto e indireto, uso sustentável, extrativismo, zona de amortecimento, corredores ecológicos, entre outros. Acerca do avanço da legislação ambiental, aduz Juraci Perez Magalhães[8]:

Outro importante ponto dessa lei é o que trata da criação, implantação e gestão das Unidades de Conservação. Antes dela, o assunto era tratado de forma diversa pelo Poder Público, criando muitas vezes problemas de ordem jurídica que dificultavam a consolidação das Unidades de Conservação. Agora, com a nova lei, há critérios previamente estabelecidos e que não podem ser desrespeitados. O assunto deve ser tratado de forma uniforme por todas as autoridades ambientais. É, sem dúvida, um grande avanço da legislação ambiental.

Por conseguinte, a criação do SNUC possibilita a integração do modo de conduzir a gestão das unidades de conservação brasileiras, dentro das diferentes esferas de governo, dando um aparato técnico, jurídico e conceitual a permitir a criação de um sistema que pode ser coletivamente planejado. De mais a mais, as inúmeras hipóteses de participação da sociedade no processo legal de criação das unidades fortalece a atuação do próprio Poder Público pelo fato de ter sua decisão respaldada pelos administrados, conferindo maior legitimidade ao ato.


3. DA ZONA DE AMORTECIMENTO

A zona de amortecimento foi definida pelo artigo 2º, inciso XVIII da Lei nº 9.985/2000[9] como o “entorno de uma unidade de conservação, onde as atividades humanas estão sujeitas a normas e restrições específicas, com o propósito de minimizar os impactos negativos sobre a unidade”. Elas têm a função de proteger a periferia (entorno) das unidades de conservação, criando uma área protetiva que permite, sob condicionantes, atividades antrópicas. Essa porção adjacente visa a proteger o espaço das atividades humanas, prevenindo-se, dessa maneira, o efeito de borda, doravante comentado. Sobre tal efeito, Joel Leandro de Queiroga e Efraim Rodrigues dissertaram, citando alguns outros autores, nos seguintes termos:

Forman & Godron (1986) definiram o efeito de borda como uma modificação na abundância relativa e na composição de espécies na parte marginal de um fragmento. Segundo Rodrigues (1993) os efeitos de borda são divididos em dois tipos: abióticos ou físicos e os biológicos diretos e indiretos. Os efeitos abióticos envolvem mudanças nos fatores climáticos ambientais, como a umidade, a radiação solar e o vento. Os efeitos biológicos diretos envolvem mudanças na abundância e na distribuição de espécies provocados pelos fatores abióticos nas proximidades das bordas, como por exemplo, o aumento da densidade de plantas devido ao aumento da radiação solar. Os indiretos envolvem mudanças na interação entre as espécies, como predação, parasitismo, herbivoria, competição, dispersão de sementes e polinização.[10]

Em suma, entende-se por efeito de borda as modificações físicas, químicas e biológicas observadas no espaço de contato do fragmento de vegetação da unidade com sua área adjacente. Assim é que a simples criação de uma UC onde as restrições das atividades humanas fossem fixadas apenas dentro dos seus limites legais não seria suficiente para alcançar os objetivos da preservação[11].

Nessa linha, importa salientar que a ZA não integra a área da unidade de amortecimento respectiva. Malgrado o fato de não ser parte da UC, a zona tampão fica sujeita a uma espécie de zoneamento obrigatório por força da Lei do SNUC, pela qual certas atividades econômicas são permitidas e regradas[12].

Regra geral, por se tratar de atividade privada, não está sujeita à indenização, uma vez que o imóvel afetado não vê sua dominialidade afetada, pois há a continuidade dos usos econômicos, sofrendo ele apenas uma regulamentação. Obviamente, as restrições não podem ser exacerbadas, sob pena de se transformar a limitação administrativa em um verdadeiro apossamento pelo Poder Público.

Também importantes são as discussões a respeito da validade da área circundante quando da edição da zona de amortecimento pela Lei do SNUC. A existência dessas duas áreas é fundamental para a proteção das unidades de conservação do acima comentado efeito de borda, problema identificado pela ecologia e que precisa ser afastado a fim de se atingir uma conservação efetiva dos espaços especialmente protegidos.

O debate em comento passa, muitas vezes, pela falta de conhecimento acerca da diferenciação entre zona de amortecimento e área circundante. Aclarando essa dificuldade, traz-se ao lume jurisprudência que estabelece uma errônea correlação entre a ZA e a Resolução CONAMA nº 13/1990:

PENAL E PROCESSUAL PENAL. CRIME CONTRA O MEIO AMBIENTE. CONSTRUÇÃO EM ÁREA DA FLORESTA NACIONAL DE BRASÍLIA INSERIDA EM ZONA DE AMORTECIMENTO (RESOLUÇÃO CONAMA Nº13/90). REJEIÇÃO DE DENÚNCIA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO PROVIDO. 1. Não deve ser acolhido o princípio da insignificância na hipótese de auto de infração lavrado por órgão ambiental por haver a acusada realizado construção em área da Floresta Nacional de Brasília, inserida na zona de amortecimento a que se refere a Resolução CONAMA nº 13/90, ou seja, no interior de um raio de dez quilômetros em torno do Parque Nacional de Brasília, sem autorização do órgão ambiental competente. 2. As condutas devem ser consideradas na sua totalidade para que seja possível vislumbrar-se a extensão do dano, com o que se torna inaplicável, in casu, o princípio da insignificância. 3. Recurso do Ministério Público Federal provido. (TRF1, ACR 200334000196408, Rel. JUIZ FEDERAL SAULO JOSÉ CASALI BAHIA (CONV.), Terceira Turma, DJ 18/08/2006)

A expressão “área circundante” é atribuída à Resolução CONAMA nº 13, de 06 de dezembro de 1990. Por ela, qualquer atividade que possa afetar a biota num raio de dez quilômetros das áreas circundantes da UC deverá ser obrigatoriamente licenciada pelo órgão ambiental competente[13]. Há também a previsão de que esse licenciamento só será concedido mediante autorização do responsável pela administração da unidade.

A exegese correta para referida norma é aquela que entende ser um dispositivo afeto tão-somente ao procedimento de licenciamento ambiental, não possuindo o órgão gestor qualquer outro tipo de ingerência sobre a administração do espaço de 10 km. Sua atuação limita-se a autorizar ou não o licenciamento de empreendimentos que afetem a biota da UC. Atente-se que não se delimita área circundante, sendo ela fixada, peremptoriamente, em 10 km, aplicável a todas as categorias de unidades de conservação.

Em resumo, a área circundante diz respeito apenas ao licenciamento de atividades potencialmente poluidoras; a zona de amortecimento, mais do que isso, constitui um verdadeiro zoneamento ecológico, através do qual podem ser restringidas diversas atividades humanas em prol da proteção da respectiva UC sem, necessariamente, serem concernentes a licenciamento. Por conseguinte, assevera-se que eles são institutos jurídicos distintos e válidos.

Entretanto, a diferenciação aqui estabelecida foi espancada com a edição da Resolução CONAMA nº 428, de 17 de dezembro de 2010. Por ela, a Resolução CONAMA nº 13/1990 restou revogada, estabelecendo ainda que:

Art. 1º O licenciamento de empreendimentos de significativo impacto ambiental que possam afetar Unidade de Conservação (UC) específica ou sua zona de amortecimento (ZA), assim considerado pelo órgão ambiental licenciador, com fundamento em Estudo de Impacto Ambiental e respectivo Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA), só poderá ser concedido após autorização do órgão responsável pela administração da UC ou, no caso das Reservas Particulares de Patrimônio Natural (RPPN), pelo órgão responsável pela sua criação.

§ 1º Para efeitos desta Resolução, entende-se por órgão responsável pela administração da UC, os órgãos executores do Sistema Nacional de Unidade de Conservação - SNUC, conforme definido no inciso III, art. 6o da Lei nº 9.985, de 18 de julho de 2000.

§ 2º Durante o prazo de 5 anos, contados a partir da publicação desta Resolução, o licenciamento de empreendimentos de significativo impacto ambiental, localizados numa faixa de 3 mil metros a partir do limite da UC, cuja ZA não esteja estabelecida, sujeitar-se-á ao procedimento previsto no caput, com exceção de RPPNs, Áreas de Proteção Ambiental (APAs) e Áreas Urbanas Consolidadas.

Atente-se, assim, que deixa de existir uma obrigatoriedade de licenciamento e predecessora autorização para empreendimentos que afetem a biota de uma unidade num raio de 10 km. Pelo novo ato normativo do CONAMA, quem definirá essa necessidade será o EIA/RIMA. Somente haverá faixa estabelecida (de 3 km) e obrigatoriedade de licenciamento para os empreendimentos de significativo impacto ambiental apenas para unidades em que a zona de amortecimento não esteja estabelecida. Mesmo assim, esse dispositivo tem prazo de vigência definido: 5 (cinco) anos contados da publicação da Resolução CONAMA nº 428/2010.

De todo modo, o conhecimento dos institutos ainda é imprescindível para variadas discussões no seio do direito ambiental, ainda mais quando se têm muitos processos antigos em andamento.


4. DA CONTROVÉRSIA NA FIXAÇÃO DA ZONA DE AMORTECIMENTO

O presente estudo tem como foco principal a discussão sobre a legalidade da instituição de zona de amortecimento por meio de portaria. A controvérsia teve início com a edição da Portaria IBAMA nº 039/2006, que definiu os limites da zona de amortecimento do Parque Nacional Marinho dos Abrolhos e estabeleceu normas de uso para a área. Provocada pelo Ilmo. Governador do Estado do Espírito Santo e pelo Ministério de Minas e Energia, a Casa Civil da Presidência da República solicitou ao Ministério do Meio Ambiente e à Advocacia-Geral da União um parecer acerca da legalidade, à luz da Constituição Federal e da Lei nº 9.985/2000, da instituição de zonas de amortecimento de unidades de conservação por meio de portaria.

Embora tenha o Ministério do Meio Ambiente concluído pela legalidade da Portaria[14] em razão de a Lei nº 9.985/2000 não ter exigido a instituição de zonas de amortecimento por meio de lei ou decreto, a Consultoria-Geral da União adotou posicionamento diverso[15], tendo entendido que a referida instituição só poderia dar-se por meio de ato do Poder Público (lei ou decreto), a exemplo das próprias unidades de conservação. Este último posicionamento veio, por fim, a ser adotado pela Secretaria de Assuntos Jurídicos da Casa Civil[16], tendo prevalecido o entendimento de que apenas mediante delegação expressa do Presidente da República seria possível a instituição de zonas de amortecimento de unidades de conservação por meio de ato infralegal.

O embate gira em torno, notadamente, do §2º do artigo 25 da Lei do SNUC[17], sendo importante colacioná-lo por inteiro, nos seguintes termos:

Art. 25. As unidades de conservação, exceto Área de Proteção Ambiental e Reserva Particular do Patrimônio Natural, devem possuir uma zona de amortecimento e, quando conveniente, corredores ecológicos.

§ 1º O órgão responsável pela administração da unidade estabelecerá normas específicas regulamentando a ocupação e o uso dos recursos da zona de amortecimento e dos corredores ecológicos de uma unidade de conservação.

§ 2º Os limites da zona de amortecimento e dos corredores ecológicos e as respectivas normas de que trata o § 1º poderão ser definidas no ato de criação da unidade ou posteriormente.

Para a Consultoria-Geral da União, advogando a intelecção manifestada pela Subchefia para Assuntos Jurídicos da Casa Civil (SAJ), as zonas de amortecimento somente podem ser criadas por portaria se houver expressa delegação ao órgão gestor por ato normativo anterior (leia-se, lei ou decreto).

Isto porque, por esta tese, a Constituição Federal definiu caber ao Poder Público a instituição de espaço territoriais especialmente protegidos, motivo pelo qual a criação de UC´s deve se dar apenas por ato do Poder Legislativo (lei) ou do Poder Executivo (decreto). Sustentar que uma portaria pode significar “ato do Poder Público” seria o mesmo que alijar o Presidente da República do comando do Poder Executivo.

Ademais, interpreta o supracitado §2º no sentido de que ou o Presidente fixa a zona de amortecimento no mesmo ato de sua criação ou delega a alguém tal atribuição. Se o decreto de criação da UC se omite no estabelecimento da ZA ou na sua delegação, outro decreto deverá ser editado para se atingir referido escopo.

Por último, permitir que a zona tampão seja constituída por ato do Presidente do Instituto Chico Mendes – ICMBio[18] seria perder o controle da situação, como teria ocorrido no caso da zona de amortecimento do Parque Nacional Marinho dos Abrolhos, a qual agradou ao Ministério do Meio Ambiente e, ao mesmo tempo, desagradou o Ministério das Minas e Energia (diante da impossibilidade de exploração de petróleo em grande parte de sua área).

Permissa venia, penso não merecer razão os percucientes argumentos desta tese, uma vez que o caminho hermenêutico adotado não foi o mais adequado. De toda sorte, é preciso consignar que a matéria em tela é lacunosa, exigindo do intérprete um esforço em busca na melhor exegese aplicável ao caso.


5. DA POSSIBILIDADE DE ESTABELECIMENTO DE ZONA DE AMORTECIMENTO POR PORTARIA

Preliminarmente, insta deixar clarividente a distinção entre a instituição da zona de amortecimento e a sua regulamentação. Aqui, não se está discutindo esta última (regulamentação), pois é cediço, sem controvérsias, que compete aprioristicamente ao órgão responsável pela administração da unidade o estabelecimento de normas específicas regulamentando a ocupação e o uso dos recursos da zona de amortecimento e dos corredores ecológicos.

O debate jurídico em comento passa pela forma como os limites da ZA serão fixados; uma vez constituída, sua regulamentação será de competência, no plano federal, do ICMBio, o qual, mediante os estudos técnicos realizados pelo plano de manejo, definirá normas e restrições específicas às atividades humanas com o propósito de minimizar os impactos negativos sobre a unidade.

O ponto de partida para a defesa da tese aventada na pesquisa em tela é a forma como são criadas as unidades de conservação no Brasil, as quais têm supedâneo na Carta Magna de 1988, in verbis:

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

§ 1º - Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:

(...)

III - definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção.[19]

Ao regulamentar o retromencionado artigo, a Lei nº 9.985/2000 evidenciou que as unidades de conservação serão criadas por ato do poder público, normatizando, por meio de seu artigo 22, diretrizes gerais para a forma de criação dos espaços especialmente protegidos. Minudenciando essa norma, o Decreto nº 4.340/2002 separa todo o seu capítulo primeiro para o processo de criação de unidades de conservação.

Consoante afirmado acima, o principal argumento da tese contrária ao estabelecimento de ZA por portaria se fundamenta na obrigatoriedade de criação de UC´s por lei ou por decreto, motivo pelo qual somente com espécie normativa de igual hierarquia seria possível a fixação da zona tampão.

Entretanto, entendo que a expressão “ato de Poder Público” não está intrinsecamente ligada aos instrumentos normativos lei e decreto. Ao contrário do que se afirma, diversas interpretações poderão ser dadas a fim de que seja delimitada a abrangência do que seria “ato de Poder Público”. Discorrendo sobre a arguição de descumprimento de preceito fundamental – ADPF, Felipe de Paula[20] cita alguns renomados autores, os quais entendem pela amplitude da exegese do que seria o multicitado ato:

As dúvidas são maiores no que concerne a previsão do caput do artigo 1º da Lei 9.882/99. A expressão “ato do Poder Público”, dada sua amplitude, permite incluir no âmbito de incidência da ADPF diferentes espécies de atos. Dimitri Dimoulis menciona, por exemplo, a possibilidade de exame de emendas constitucionais (op. cit., p. 27). André Ramos Tavares, por sua vez, aponta o cabimento em tese da ADPF frente a “atos não-normativos, como os atos administrativos e os atos concretos”, bem como a “atos normativos ‘secundários’” (op. cit., p. 397).

Malgrado o fato de a citação em comento fazer referência ao estudo da ADPF e do significado da fórmula “ato de Poder Público” prevista no artigo 1º da Lei nº 9.882/99, inegável é o seu valor para tornar clarividente inexistir unanimidade no trato da questão.

Assim é que não se encontra positivado, no ordenamento jurídico brasileiro, que a criação de unidades de conservação tenha que se dar por lei ou por decreto. Talvez o costume reiterado na concepção de UC´s por lei ou decreto tenha imbuído, na mente dos intérpretes, a idéia de sua obrigatoriedade. Poder-se-ia até afirmar que o estabelecimento das UC´s por decreto é fundamentada na necessidade de declaração de utilidade pública da área. Mas e as categorias de unidades de domínio privado? Elas não necessitam de declaração de utilidade, sendo um ponto a considerar pela desnecessidade de decreto.

De todo modo, não se objetiva discutir aqui se seria possível ou não criação de unidades por portaria. Além da discussão jurídica, questionamentos políticos também deveriam ser analisados, o que fugiria um pouco da linha de estudo adotada.

Ainda que, por esforço de argumentação, entenda-se que somente devam ser criadas unidades de conservação por lei ou por decreto, a fixação da zona de amortecimento é questão diversa do espaço especialmente protegido. Conforme salientado no item 3 supra, a zona tampão não faz parte da área da unidade de amortecimento respectiva. Dessa forma, qual seria o fundamento para obrigar sua constituição por meio de lei ou decreto?

A Lei nº 9.985/2000, assim como seu decreto regulamentador, unifica e sistematiza o modo de criação, a competência para instituição e o conteúdo das unidades de conservação brasileiras. Nele, a única passagem sobre a forma de fixação da ZA consta no artigo 25, §2º, onde se lê que os limites da zona de amortecimento e dos corredores ecológicos poderão ser definidos no ato de criação da unidade ou posteriormente. Inexiste, pois, qualquer exigência legal para que a zona de amortecimento seja estabelecida por ato de igual hierarquia daquele que criou a unidade de conservação.

De mais a mais, a Lei do SNUC dispõe que as unidades de conservação devem dispor de um plano de manejo, definindo-o em seu artigo 2º, XVII[21]:

XVII - plano de manejo: documento técnico mediante o qual, com fundamento nos objetivos gerais de uma unidade de conservação, se estabelece o seu zoneamento e as normas que devem presidir o uso da área e o manejo dos recursos naturais, inclusive a implantação das estruturas físicas necessárias à gestão da unidade;

Mais a frente, a supracitada Lei aduz que o plano de manejo deve abranger a área da unidade de conservação, sua zona de amortecimento e os corredores ecológicos, incluindo medidas com o fim de promover sua integração à vida econômica e social das comunidades vizinhas (artigo 27, §1º).

Somado a isso, o Decreto nº 4.340/2002[22] enuncia as regras para a aprovação do plano de manejo, in litteris:

Art. 12.  O Plano de Manejo da unidade de conservação, elaborado pelo órgão gestor ou pelo proprietário quando for o caso, será aprovado:

I - em portaria do órgão executor, no caso de Estação Ecológica, Reserva Biológica, Parque Nacional, Monumento Natural, Refúgio de Vida Silvestre, Área de Proteção Ambiental, Área de Relevante Interesse Ecológico, Floresta Nacional, Reserva de Fauna e Reserva Particular do Patrimônio Natural;

II - em resolução do conselho deliberativo, no caso de Reserva Extrativista e Reserva de Desenvolvimento Sustentável, após prévia aprovação do órgão executor.

Por conseguinte, a norma transcrita alhures seria suficiente a espancar dúvidas sobre a legalidade da definição da ZA por portaria do órgão executor. Isso porque o plano de manejo é aprovado por portaria e nele deve estar contida a zona de amortecimento.

Entretanto, há ainda uma linha de raciocínio que diferencia os estudos acerca das normas que devem presidir o uso do espaço e a delimitação da ZA. O plano de manejo seria responsável apenas por providenciar o zoneamento da área, sem, no entanto, estabelecer seus limites.

Não vejo por esse lado. É muito mais importante, do ponto de vista da segurança jurídica, resguardar o administrado de eventuais autoritarismos quando da definição das normas que devem presidir o uso da área. O limite até onde vai a zona de amortecimento é apenas um passo inicial; decisivo sim é o modo como se permitirão as atividades econômicas dentro da zona tampão.

Dessa forma, se é clarividente que a Lei do SNUC permite que o zoneamento seja estabelecido por meio de portaria, por que haveria o legislador querer que os limites da zona de amortecimento sejam fixados por lei ou decreto? A interpretação teleológica da norma deve pender para a que a resposta seja pela desnecessidade de mesma espécie normativa. O fim almejado deve sempre ser a proteção ambiental. Dificultar a criação de zonas de amortecimento essenciais para a proteção das unidades de conservação com uma linha de interpretação restritiva é deixar de lado o escopo maior da Lei do SNUC diante de formalismo exacerbado.

Pensamento contrário leva ao entendimento incoerente de que o plano de manejo deveria também ser aprovado por decreto, mesmo para as hipóteses de unidades de conservação que têm propriedade privada e seu uso mitigado, como sói acontecer com o Monumento Natural, Refúgio de Vida Silvestre ou Área de Relevante Interesse Ecológico, entre outras.

Especificamente no que tange ao artigo 25 da Lei nº 9.985/2000, impende anotar que seu §2º prescreve que os limites da ZA poderão ser definidos no ato de criação da unidade ou posteriormente. A própria utilização do verbo “poder” (ao invés de “dever”) traduz uma idéia de que permissão para que a zona tampão seja fixada quando de sua criação ou em momento posterior pelo seu órgão gestor.

Diante da dúvida, a melhor interpretação das normas do Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza é aquela que favoreça a proteção ao meio ambiente. Portanto, os limites da ZA poderão ser estabelecidos quando da criação da unidade ou posteriormente pelo ICMBio (no plano federal) quando for fazer o zoneamento (sendo inquestionável a competência do órgão gestor para instituir as normas específicas de regulamentação do zoneamento, segundo dispõe o §1º do artigo 25). É até mais prudente, porque os limites da zona de entorno serão condizentes com o zoneamento.

Ultrapassados os argumentos jurídicos, também devem ser levadas em consideração algumas situações fáticas, as quais não podem ser esquecidas pelo intérprete do direito. Não se esqueça que as normas são feitas para se atingir um fim, sendo certo que:

"A norma jurídica sempre necessita de interpretação. A clareza de um texto legal é coisa relativa. Uma mesma disposição pode ser clara em sua aplicação aos casos mais imediatos e pode ser duvidosa quando se aplica a outras relações que nela possam enquadrar e às quais não se refere diretamente, e a outras questões que, na prática, em sua atuação, podem sempre surgir. Uma disposição poderá parecer clara a quem a examinar superficialmente, ao passo que se revelará tal a quem a considerar nos seus fins, nos seus precedentes históricos, nas suas conexões com todos os elementos sociais que agem sobre a vida do direito na sua aplicação a relações que, como produto de novas exigências e condições, não poderiam ser consideradas, ao tempo da formação da lei, na sua conexão com o sistema geral do direito positivo vigente."[23]

Ora, num sistema que visa à proteção ao meio ambiente, por meio da qual a zona de amortecimento possui grande importância, entender que sua fixação somente possa se dar através de lei ou decreto é ir de encontro ao próprio sistema. Ademais, a situação fática doravante exposta exige uma linha de argumentação maleável, buscando os fins sociais e os bens comuns a que a norma se destina.

Em primeiro lugar, é certo que a zona de amortecimento é uma ferramenta ecológica, corroborada pelo direito, que somente atinge sua finalidade se estiver em consonância com a realidade local e com a dinâmica de uso e ocupação da terra. Destaque-se que essa dinâmica não é uniforme ao longo de todos os limites da UC, observando-se, em cada trecho, situações peculiares. Assim é que a zona de amortecimento deve ser flexível o suficiente a responder todas as intensas mudanças verificadas ao longo do tempo, sob pena de seu completo desvirtuamento. Sobre o tema, Lourdes Ferreira[24] assevera:

Assim, o estabelecimento da ZA por decreto engessa o caráter flexível que deve ter o instrumento de seu estabelecimento. Pode-se deduzir como ficariam defasados os limites da ZA se estabelecidos por decreto. Juntos – ZA e sua decretação - são incompatíveis. Também se tornariam irreais as ações indicadas para o manejo das situações levantadas nos estudos. A demora em se alterar um decreto é o oposto da rapidez com que variam as condições de uso e ocupação da terra no entorno de uma UC.

Demais disso, a decretação da ZA traria intensos desgastes sociais e políticos ao Presidente da República frente à população, que repetidamente tem demonstrado entender que a zona tampão é uma extensão da UC, não raramente acusando os executores do SNUC de utilizá-la para aumentar, escusamente, os limites da unidade.

Não bastasse isso, a definição de ZA por decreto ou lei fragilizaria ainda mais o processo, deixando de circular apenas no meio técnico-ambiental para ficar a mercê de lobistas em busca de interesses político-econômicos em detrimento da proteção ambiental, o que geralmente ocorre perante autoridades maiores.

O entendimento de que a zona de amortecimento deve ser fixada pelos órgãos executores do SNUC não deságua na concepção de perda de controle pelo Chefe do Poder Executivo. Ou esse argumento deixaria de existir se houvesse expressa delegação presidencial? É preciso ter em mente que a fixação da ZA terá como escopo primordial a proteção ambiental, quer isso afete ou não outras esferas e desagrade demais autoridades.

Retomando a questão dos planos de manejo, essencial que a instituição das zonas tampão seja feita quando de sua elaboração. Feita no ato de criação da unidade de conservação, a definição da ZA teria como supedâneo um procedimento técnico mais curto, com menos escalas e sem aprofundamento, o que é inerente aos estudos de criação de unidades. Haveria grande risco de estabelecimento de ZA cujos limites deixassem de levar em conta aspectos importantes para sua caracterização, incluindo áreas não importantes e excluindo espaços necessários.

Por outro lado, os estudos para a concepção dos planos de manejo são bem mais intensos e aprofundados. Concernente a estes documentos técnicos, faço uso mais uma vez do excelente trabalho intitulado “Uma interpretação jurídica sobre as zonas de amortecimento das Ucs no Brasil”[25], nos seguintes termos:

Os estudos para a elaboração de um plano de manejo, pela natureza dos seus trabalhos, têm escala mais detalhada do que no momento da criação de da UC, ou seja, focam especificamente as características da UC e do seu entorno com o qual vai interagir inevitavelmente. Os estudos, no caso, têm que detalhar as condições ambientais reinantes neste entorno, bem como a dinâmica de uso e ocupação da terra, condições essenciais para a definição de uma ZA. Observe que este nível de detalhe nunca é alcançado no momento da criação da UC, é impossível e, até mesmo, desnecessário. Se tal nível de detalhe fosse demandado no momento da criação de UC, o processo levaria muitíssimo mais tempo, pondo em risco até mesmo a proteção da futura UC, a qual demoraria alcançar o status de área protegida, e a sua degradação seria inevitável, pois que é muito mais rápida que o processo de criação de uma UC no Brasil.

Assim, mais apropriado, tanto do ponto de vista ecológico quanto institucional, que a fixação da zona de amortecimento seja feita quando da elaboração dos estudos do plano de manejo da unidade. Referida visão é mais consentânea com a realidade presente em nosso ordenamento, devendo restar sacramentada se for realmente o desejo de proteção ambiental de nossas unidades de conservação.


6. CONCLUSÃO

A pesquisa em tela procurou abordar, antes de adentrar no cerne da problemática envolvendo a fixação das zonas de amortecimento em unidades de conservação federais, linhas gerais a respeito dos espaços especialmente protegidos brasileiros, a idéia de sua concepção e a forma como a gestão é feita. Ressaltou-se a extrema importância das UC´s no Brasil, procurando sempre enfatizar o quão imprescindíveis são as zonas tampão para proteção das unidades do chamado efeito de borda. Nessa mesma linha, argumentos contrários a tese ora exposta foram levantados a fim de fomentar o debate.

Seria querer muito que, para cada novo avanço da ciência, um correspondente dispositivo legal fosse criado a permitir sua adoção e prática. O conhecimento científico avança muito rapidamente, não cabendo aos setores jurídicos da Nação definir um diploma legal para cada caso, impedindo sua imediata aplicação na realidade. Dentre as diversas interpretações possíveis, razoáveis e legais, devemos extrair aquela que atinja seu fim primordial.

É fato que a discussão está longe de terminar, sendo fonte de intensos debates, ainda mais quando estamos diante de uma lacunosa legislação ambiental. Talvez a edição de um decreto regulamentador da questão ou que expressamente venha a delegar a competência para fixação das zonas de amortecimentos pelos órgãos executores do SNUC acalme os ânimos dos que pensam pela necessidade de decretação ou legalização da ZA.

Enquanto isso não ocorre, devemos olhar a ZA como ferramenta ecológica e pô-la em prática à luz da ecologia e não do chamado legalismo ambiental, o que somente ocorrerá com aplicação hermenêutica exposta ao longo de todo este trabalho.


7. REFERÊNCIAS

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Notas

[1] Artigo 25 da Lei do SNUC.

[2] TEIXEIRA GUERRA, Antônio José, NUNES COELHO, Maria Célia (coords.). Unidades de Conservação: abordagens e características geográficas. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2009, p. 25.

[3] LUGO, A. E. Estimativas de reduções na diversidade de espécies da floresta tropical: biodiversidade. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1997, p. 657.

[4] World Resoucers Institute apud TEIXEIRA GUERRA, Antônio José, NUNES COELHO, Maria Célia (coords.). Unidades de Conservação: abordagens e características geográficas. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2009, p. 26.

[5] DAVENPORT, L. e RAO, M. A história da proteção: paradoxos do passado e desafios do futuro. In SPERGEL, B. e TERBORGH, j. (orgs.) Tornando os parques eficientes: estratégias para conservação da natureza nos trópicos. Curitiba: Ed. Da UFPR/Fundação O Boticário, 2002, p. 518

[6] MILARÉ, Edis. Direito do Ambiente: A gestão ambiental em foco: doutrina, jurisprudência e glossário. 6ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, p. 696.

[7] MILARÉ, Edis. Direito do Ambiente: A gestão ambiental em foco: doutrina, jurisprudência e glossário. 6ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, p. 164-166.

[8] MAGALHÃES, Juraci Perez. A evolução do direito ambiental no Brasil, 2ª ed. aum. – São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2002, p. 72-73.

[9] BRASIL. Lei nº 9.985, de 18 de julho de 2000. Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil/leis/L9985.htm>. Acesso em 30/09/2010.

[10] QUEIROGA, Joel Leandro de, RODRIGUES, Efraim. Efeitos de borda em fragmentos de cerrado em áreas de agricultura do maranhão, Brasil – Disponível em <http://www2.uel.br/cca/agro/ecologia_da_paisagem/tese/joel_borda.pdf>. Acesso em 21/09/2010.

[11] MAIA NETO, Geraldo de Azevedo. Área circundante e zona de amortecimento das unidades de conservação da natureza. Institutos jurídicos distintos?, Jus Navigandi, Teresina, ano 14, n. 2518, 24 maio 2010. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/14899>. Acesso em: 01/10/2010.

[12] MILARÉ, Edis. Direito do Ambiente: A gestão ambiental em foco: doutrina, jurisprudência e glossário. 6ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, p. 722.

[13] Artigo 2º, caput da Resolução CONAMA nº 13/1990.

[14] Parecer nº 123/2006/CONJUR/MMA, de lavra do Exmo. Sr. Consultor Jurídico do MMA à época, Dr. Gustavo de Moraes Trindade, datado de 28 de julho de 2006.

[15] NOTA Nº AGU/MC – 07/2006, de lavra do Exmo. Sr. Consultor-Geral da União à época, Dr. Manoel Lauro Volkmer de Castilho, datado de 16 de agosto de 2006. Referida nota foi aprovada, para os fins do disposto no artigo 4º, XI da Lei Complementar nº 73/93, pelo Exmo. Sr. Ministro Advogado-Geral da União à época, Dr. Álvaro Augusto Ribeiro Costa.

[16] NOTA SAJ Nº 2591/2006 – URJ, de lavra do Advogado da União Dr. Ubergue Ribeiro Júnior, datado de 1º de agosto de 2006.

[17] BRASIL. Lei nº 9.985, de 18 de julho de 2000. Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil/leis/L9985.htm>. Acesso em 04/10/2010.

[18] Pela Lei nº 11.516/2007, o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade – ICMBio é a atual autarquia federal responsável pela gestão das unidades de conservação federais.

[19] BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>. Acesso em: 07/10/2010.

[20] VENTURA DE PAULA, Felipe Duarte Gonçalves. O sentido de “ato do Poder Público” e de “preceito fundamental” na ADPF: uma análise da jurisprudência do STF. São Paulo: 2008, p. 08. Disponível em: < http://www.sbdp.org.br/arquivos/monografia/115_felipe.pdf>.

[21] BRASIL. Lei nº 9.985, de 18 de julho de 2000. Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil/leis/L9985.htm>. Acesso em 11/10/2010.

[22] BRASIL. Decreto nº 4.340, de 22 de agosto de 2002. Decreto regulamentar do Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil/decreto/2002/D4340.htm>. Acesso em 11/10/2010

[23] DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à ciência do direito. São Paulo: Saraiva, 1991, p. 381.

[24] FERREIRA, Lourdes M. Uma interpretação jurídica sobre as zonas de amortecimento das Ucs no Brasil. Disponível em: <http://www.redeprouc.org.br/site2009/artigos-gr.asp?codigo=266>. Acesso em 12/10/2010.

[25] FERREIRA, Lourdes M. Uma interpretação jurídica sobre as zonas de amortecimento das Ucs no Brasil. Disponível em: <http://www.redeprouc.org.br/site2009/artigos-gr.asp?codigo=266>. Acesso em 12/10/2010.


CONSIDERATIONS FOR BUFFER ZONE IN CONSERVATION AREAS FEDERAL.THE PROBLEM AROUND YOUR ESTABLISHMENT.

ABSTRACT: This research promotes a study related to buffer zones established by law 9.985/2000, examining its importance and its peculiarities, even showing an overview of the management of conservation units in Brazil for at the end, bring up aintense debate over how it should be created. The point basically involves two conflicting theories: the first believes that the buffer zone can be defined by any legislative act of the managing agency (in most cases, by ordinance); parallel, there are those who emphasize the need for editing same species rules used to create the protected area (here, is that the buffer zone should be established through a presidential decree or law). Without pretending to exhaust the subject, the article aims to bring into focus screen relevant discussion observed within federal environmental agencies, with repercussions in the other state and municipal spheres.Keywords: SNUC Law; buffer zone; fixation.


Autor

  • René da Fonseca e Silva Neto

    René da Fonseca e Silva Neto

    Procurador Federal. Coordenador Nacional de Matéria Administrativa da Procuradoria Federal Especializada junto ao Instituto Chico Mendes - ICMBio. Ex-Coordenador Nacional do Consultivo da PFE/ICMBio. Bacharel em Direito pela UFPE. Especialista em Direito Ambiental. Coautor do livro Manual do Parecer Jurídico, teoria e prática, da Editora JusPodivm.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA NETO, René da Fonseca e. Considerações sobre a zona de amortecimento em unidades de conservação federais: da problemática acerca de sua fixação.. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3386, 8 out. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22725. Acesso em: 3 maio 2024.