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A personalidade jurídica dos embriões excedentários e a dignidade da pessoa humana

A personalidade jurídica dos embriões excedentários e a dignidade da pessoa humana

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O embrião humano produzido por fertilização in vitro e não utilizado no respectivo procedimento é dotado de personalidade jurídica e, portanto, sujeito de direitos, passível de tutela pelo princípio da dignidade humana?

Sumário: INTRODUÇÃO. 1 CAPÍTULO – Bioética, Reprodução Assistida e Embriões Excedentários. 1.1 Bioética: Aspectos Conceituais Introdutórios. 1.1.1 Os Princípios da Bioética. 1.1.1.1 Princípios da Beneficência e da Não-Maleficência. 1.1.1.2 Princípio da Autonomia. 1.1.1.3 Princípio da Justiça. 1.1.1.4 Princípio da Alteridade. 1.2 O Biodireito – A 4ª Dimensão de Direitos. 1.3 Breves Noções de Embriologia Humana - o Início da Vida. 1.4 Evolução Histórica e Noções Gerais sobre as Técnicas de Reprodução Humana Assistida. 1.4.1 Evolução Histórica. 1.4.2 Espécies de Reprodução Humana Assistida – RHA. 1.4.2.1 Fertilização in vivo. 1.4.2.2 Fertilização in vitro. 1.4.2.2.1 Fertilização in vitro convencional (FIV). 1.4.2.2.2 Micromanipulação: Injeção Intracitoplasmática de Espermatozóide (ICSI) e Injeção Subzonal de Espermatozóides (SUZI). 1.5 Quem são os Embriões Excedentários?. 1.6 A Disponibilidade do Embrião Excedentário: possíveis destinações. 1.6.1 Proibição de Supranumerários. 1.6.2 Criopreservação. 1.6.3Destruição pura e simples. 1.6.4 Doação para Pesquisas: Células-Tronco e Clonagem Terapêutica. 1.6.5 Doação para outro Casal e Comercialização de Pré-Embriões. 2 CAPÍTULO – o início da personalidade jurídica do embrião. 2.1 A Retomada Antropológica. 2.2 A Aquisição da Personalidade Natural. 2.2.1 Teoria Concepcionista. 2.2.1.1 Teorias da Singamia e da Cariogamia. 2.2.2Teoria do Pré-embrião. 2.2.2.1 Nidação. 2.2.2.2 Linha Primitiva. 2.2.2.3 Indivisibilidade. 2.2.3 Teoria da Gestação ou da Viabilidade. 2.2.4 Teoria da Personalidade Condicional. 2.2.5 Teoria Natalista. 3 CAPÍTULO – A Normatização da situação dos embriões excedentários. 3.1 Os embriões excedentários nos documentos internacionais. 3.1.1O Código de Nuremberg (1947). 3.1.2A Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948). 3.1.3Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem (1948). 3.1.4 A Declaração de Helsinke (1964). 3.1.5 Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (1966). 3.1.6 Convenção Americana de Direitos Humanos (1969) - Pacto de São José da Costa Rica. 3.1.7 Convenção sobre os Direitos da Criança (1989). 3.1.8 A Declaração Universal do Genoma Humano e dos Direitos Humanos (1997). 3.1.9 Declaração Ibero-Latino-Americana sobre Ética Genética – Declaração de Manzanillo (1996 - 1998). 3.1.10Declaração Internacional sobre Dados Genéticos Humanos (2003). 3.2 Panorama Legislativo Brasileiro. 3.2.1 A Constituição da República de 1988. 3.2.2 Aspectos destacados da Legislação Civil e Processual Civil. 3.2.2.1 O art. 2º do CC/02. 3.2.2.2 A Presunção de Filiação e as Omissões do Direito Sucessório. 3.2.2.3RA Homóloga e Heteróloga. 3.2.2.4 Da Posse em Nome do Nascituro. 3.2.3O Estatuto da Criança e do Adolescente. 3.2.4 Aspectos Penais. 3.2.5A Lei de Biossegurança – Lei nº 11.105 de 2005. 3.2.5.1 Ação Direta de Inconstitucionalidade 3.510/2005. 3.2.5.1.1 A Audiência Pública no Supremo Tribunal Federal. 3.2.6 Projetos de Lei de Iniciativa do Senado Federal. 3.2.6.1O Projeto de Lei nº 90/1999. 3.2.7 Projetos de Lei de Iniciativa da Câmara dos Deputados. 3.2.7.1 O Projeto de Lei 2.855/1997. 3.2.7.2 O Projeto de Lei 1.135/2003. 3.2.7.3 O Projeto de Lei 4.555/2004. 3.2.7.4 O Projeto de Lei 4.664/2004. 3.2.7.5 O Projeto de Lei 489/2007. 3.2.8 Orientações Éticas do Conselho Federal de Medicina. 3.2.8.1 Resolução nº 1.358, de 1992, do Conselho Federal de Medicina. 4 CAPÍTULO – O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana e a Problemática dos Embriões Criopreservados. 4.1 Evolução Histórica da Noção de Dignidade da Pessoa Humana. 4.2 Conceito e abrangência do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. 4.3 A Tridimensionalidade do Direito e a Dignidade da Pessoa Humana como Valor. 4.4 Proporcionalidade e Colisão de Direitos Fundamentais. 4.4.1 Liberdade Científica versus Dignidade da Pessoa Humana. 4.4.2 Liberdade dos Beneficiários versus Indisponibilidade da Vida e da Integridade Física. 4.5 Embrião Excedentário: sujeito ou objeto de direitos?. 4.5.1 A “Reificação” do Concepto. 4.5.2 O Concepto como Pessoa Humana. CONSIDERAÇÕES FINAIS. REFERÊNCIAS. glossário. Anexos. Anexo I – Lei de Biossegurança. Anexo II – Projeto de Lei nº 489/2007. Anexo III – Teorias do Início da Vida Passível de Tutela.


INTRODUÇÃO

A produção científica da humanidade na área biotecnológica evolui em ritmo acelerado. Naturalmente, a sociedade precisa estar atenta a esta nova realidade, pois inevitáveis conflitos de interesses tendem a ganhar força. A mitigação destas lides somente dar-se-á a partir de uma reflexão ético-jurídica conjunta e consciente. Nesta esteira, o Direito, como ciência social e multidisciplinar que é, não pode permanecer inerte.

Os avanços da biotecnologia na área da reprodução humana assistida são uma realidade inexorável. A sociedade pós-industrial tem um anseio muito grande pelo “novo”, e cada vez mais capacidade técnica para interferir em aspectos que antes estavam além de sua esfera de ingerência.

Fertilização in vitro homóloga ou heteróloga e criopreservação de embriões são técnicas cada vez mais corriqueiras. Casais que outrora estavam destinados à infertilidade, hoje podem recorrer a estas técnicas para exercer seu direito constitucional ao planejamento familiar.

Contudo, a manipulação extra corporis de embriões envolve uma série de aspectos jurídicos muito delicados, e por vezes inexplorados, especialmente no que tange aos excedentários, ou seja, aqueles embriões que não são implantados de plano no útero ou trompas de falópio da mulher e são preservados através de técnicas especiais de crioconservação para eventual utilização.

Tendo isto em mente, desenvolveu-se a presente pesquisa a partir do seguinte problema: O embrião humano produzido por fertilização in vitro e não utilizado no respectivo procedimento é dotado de personalidade jurídica e, portanto, sujeito de direitos, passível de tutela pelo princípio constitucional da dignidade da pessoa humana?

Precipuamente, as hipóteses levantadas foram as seguintes: O embrião humano criogenado é um ser humano passível de proteção jurídica; a legislação infraconstitucional fornece uma tutela jurídica ao embrião/feto implantado no útero materno divergente daquela oferecida ao embrião criogenado em estado pré-implantatório; o direito civil brasileiro adota a teoria natalista, vinculando a aquisição da personalidade ao nascimento com vida; e, por fim, a teoria natalista não se coaduna com o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana que é amplo e irrestrito, atinente a todos os seres humanos pelo simples fato de serem humanos.

A partir de uma metodologia dedutiva delineia-se uma abordagem genérica sobre bioética, reprodução assistida e teorias sobre o início da vida, passando pela análise da personalidade jurídica e legislação específica para, enfim, analisar o tema delimitado, qual seja, o princípio da dignidade da pessoa humana e a problemática dos embriões criopreservados.

Tal encaminhamento almeja investigar a possibilidade do embrião humano excedentário ser dotado de personalidade jurídica e passível de proteção pelo Direito. Eis o objetivo geral da pesquisa em comento.

No que concerne aos objetivos específicos, pode-se mencionar: Conhecer aspectos gerais relativos ao biodireito e à reprodução humana assistida; delimitar conceitos a respeito da nomenclatura técnica envolvida; identificar as circunstâncias jurídicas que norteiam a tutela do embrião excedentário; enumerar as principais teorias a respeito do início da personalidade; verificar a legislação brasileira conexa ao tema, em especial a Constituição da República, o Código Civil e a Lei nº 11.105/2005 - Lei de Biossegurança - no que forem pertinentes; analisar os projetos de lei e as resoluções do Conselho Federal de Medicina atinentes aos embriões que não são imediatamente implantados no útero materno; Comparar a espécie de proteção jurídica fornecida ao nascituro (embrião implantado) e ao embrião em estado pré-implantatório; compreender o conteúdo do princípio da dignidade da pessoa humana e sua aplicação ao embrião em estado pré-implantatório;

É de boa valia mencionar que aspectos relacionados à bioética, à reprodução assistida e aos diferentes destinos dados aos embriões excedentários serão abordados no capítulo inaugural do presente trabalho.

Há, como conseqüência, certa indefinição no que tange à tutela jurídico-constitucional dos embriões que “sobram” nas clínicas de reprodução assistida. A dificuldade começa em definir a partir de que momento inicia-se a vida humana, o que pressupõe a adoção de uma das diversas correntes (critério genético, embriológico, neurológico, entre outros). Definido o marco inicial, há que se investigar se o embrião, ainda que criogenado, é sujeito de direitos e, portanto, passível de proteção constitucional tanto quanto uma criança ou um adulto. Para tanto, o 2º capítulo trata de investigar o início da personalidade jurídica do embrião humano.

Apesar da polêmica que envolve a matéria, em 24 de março de 2005 o Congresso Nacional decretou e o Presidente da República sancionou a Lei 11.105, conhecida como Nova Lei de Biossegurança. O art. 5º da referida Lei autoriza a utilização de embriões excedendários, produzidos por fertilização in vitro, inviáveis ou congelados na data da publicação, quando completarem três anos, para extração de células-tronco embrionárias com fins de pesquisa e terapêuticos, o que implica morte.

A comunidade jurídica precisa estar atenta a certos aspectos temerários do ordenamento jurídico brasileiro no que tange à reprodução assistida, pois o direito deve servir como guia em uma área na qual qualquer desvio de conduta pode por termo a uma vida humana com plenas potencialidades de desenvolvimento.

Neste sentido, o 3º capítulo procura traçar um panorama do que já se produziu em documentos internacionais, bem como no ordenamento jurídico brasileiro relacionado à tutela dos embriões. Ademais, os projetos de lei em tramitação no Congresso Nacional e as orientações éticas atinentes à matéria serão apresentados neste momento.

Por fim, o derradeiro capítulo 4º trata do princípio da dignidade da pessoa humana. Traçar-se-á a evolução histórica deste princípio de forma a elucidar seu atual significado e abrangência como embasamento para definir se o embrião excedentário é um objeto ou uma pessoa.

Em se considerando que o embrião excedentário é dotado de vida e abrangido pelo princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, é possível admitir que ele seja descartado ou utilizado para pesquisas? Ou por outra, o embrião em estado pré-implantatório é um objeto ou uma pessoa? Procurar-se-á responder a tal questão à luz do princípio da dignidade da pessoa humana.


1. Bioética, Reprodução Assistida e Embriões Excedentários

“Restabelece-se a discussão sobre os limites da técnica e a função da ética nesse contexto, o que repercute finalmente sobre o Direito, pressionando-o a consolidar as reflexões da Bioética, e a dar novos sentidos aos conceitos atingidos pelas descobertas técnico-científicas” (Maria Auxiliadora Minahim).

A análise da problemática que envolve os embriões excedentários não pode ocorrer sem que algumas considerações sejam tecidas sobre a bioética, seus princípios e sua influência informativa em um novo ramo da ciência jurídica chamado Biodireito[1].

Na seqüência, far-se-á uma breve retomada da relação histórica da humanidade com aspectos ligados à (in)fertilidade. Tal panorama é relevante para que se compreenda o contexto em que se inserem as técnicas contemporâneas de Reprodução Humana Assistida – RHA e os conflitos biotecnológicos a ela inerentes.

Por fim, falar-se-á sobre os embriões em estado pré-implantatório e suas possíveis destinações.

1.1. Bioética: Aspectos Conceituais Introdutórios

Muito se tem falado em um novo ramo do conhecimento denominado bioética.

Na verdade, como salienta Giovani Berlinguer (apud Fernandes, 2000, p. 31), apesar da palavra bioética ser relativamente recente, seus temas têm uma longa história. Tal fato é comprovado, por exemplo, pela experimentação em seres humanos, a qual já ocorre há séculos.

Mas afinal, o quem vem a ser a bioética? De acordo com Moreira Filho (2005, sp), o termo bioética surgiu na obra de 1971 do oncologista americano Potter Van Rensselaer, ‘Bioética: ponte para o futuro’, mencionando uma disciplina que seria uma ponte entre a busca de qualidade de vida e os avanços da ciência[2].

“Os conflitos existentes entre a Ética, o Direito e a Medicina são interrogações básicas da Bioética. O ser humano é, ao mesmo tempo, um ser biológico, produto da natureza, e um ser social, produto da cultura” (CATÃO, 2004, p. 28).

Para Lina Saheki e João Cremasco (2007, sp), a finalidade maior da bioética é refletir sobre a influência do avanço da ciência em aspectos morais e sociais. Tal reflexão se faz a partir da análise dos problemas éticos enfrentados pelos envolvidos com a medicina e pesquisas relacionadas com os extremos da vida humana[3].

Volnei Ivo Carlin define bioética como a “regulamentação das novas práticas biomédicas, envolvendo três categorias de normas: deontológicas, jurídicas e éticas, que exigem comportamento ético nas relações da biologia com a Medicina e o Direito” (CARLIN, 2007, sp).

Faz-se relevante mencionar que Cristian de Paul Barchifontain (apud FERNANDES, 2000, p. 35) defende que bioética é um “grito de resgate da dignidade da pessoa humana em face dos progressos técnico-científicos na área da saúde” assim como das condições de vida sócio-econômico-políticas, através de um diálogo multidisciplinar e pluralista”.

Soares e Piñero citados por Minahim (2005, p. 29) afirmam que “enquanto a ética está voltada para a investigação histórico-social do comportamento moral, a Bioética está voltada para orientar atitudes concretas em face de algumas situações humanas”.

A UNESCO, em seu Avant-Projet de déclaration relative à dês normes universelles em matière de bioéthique[4], de fevereiro de 2005, define:

A bioética se refere ao estudo sistemático, pluralista e interdisciplinar e à resolução de questões morais envolvendo a medicina, as ciências da vida e as ciências sociais aplicadas aos homens e suas relações com a biosfera e compreende, ainda, as questões ligadas à disponibilidade dos avanços das ciências e de suas aplicações tecnológicas, assim como à sua acessibilidade (SILVA, 2006, p. 237).

Através de um diálogo multidisciplinar, pluralista e democrático, Christian de Barchifontaine traduz a bioética como “uma resposta consistente na noção de dignidade da pessoa humana contra os avanços biotecnológicos [...]” (GAMA, 2003, p. 39).

O caráter eminentemente pragmático da bioética é trazido à tona por diversos autores[5].

Considerando que a bioética dedica-se a nortear situações concretas, constitui um significativo espaço de diálogo entre religião, direito e moral, permitindo o preenchimento de lacunas jurídico-normativas através de seus princípios.

Explica Ana Paula Clemente (2005, sp) que antes da descoberta do DNA, diagnósticos eram feitos a partir da análise dos cromossomos (contagem, coloração, tamanho) de forma a identificar anomalias nas mitoses e meioses que acarretassem síndromes genéticas. Com isso, dilemas bioéticos começaram a surgir: diante de um diagnóstico de anomalia genética do feto, grande parte das gestantes opta por interromper a gestação, o que juridicamente não deixa de ser aborto.

O debate ficou ainda mais acirrado quando a descoberta de Watson e Crick permitiu que cientistas utilizassem material biológico (cabelos, sangue, sêmen, saliva) para fornecer informações fidedignas sobre uma pessoa. Era a sacralização do exame de DNA que, na década de 1980, causou uma verdadeira revolução nos diagnósticos genéticos (CLEMENTE, 2005, sp).

Por certo tempo o mundo jurídico valeu-se do exame de DNA como prova única e praticamente inquestionável nas investigações de paternidade. Contudo, diante das novas técnicas de reprodução assistida há a necessidade de uma quebra de paradigmas, colocando-se em dúvida inclusive a certeza da maternidade[6].

Tais situações servem para trazer à baila um dos desafios impostos pela biotecnologia na pós-modernidade: a superação do dogma iluminista de que a ciência proporciona o conhecimento absoluto da verdade, pois hoje se sabe que todo conhecimento é transitório e superável (MINAHIM, 2005, p. 23).

Tendo isso em mente, é preciso considerar que a sociedade pós-industrial tem como combustível o anseio pela novidade e a superação do antigo.

Certas situações pontuam a rapidez das transformações e sua repercussão nas normas jurídicas, como ocorreu com a inseminação artificial heteróloga, cuja prática, no código penal de 1969, foi considerada crime punível como pena superior ao adultério. Hoje, não só se anuncia a possibilidade de escolha de caracteres do futuro bebê e o descarte dos não desejados, como se reconhecem como concebidos na constância do casamento, os filhos havidos pelo mesmo procedimento, desde que autorizada a prática pelo marido (art. 1.595 [sic][7] do Código Civil brasileiro, Lei 10.406/2002). As clínicas que geram embriões em laboratórios apresentam-se como aliadas dos casais inférteis, anunciando a qualidade e a diversidade do material germinal que dispõem (MINAHIM, 2005, p. 23, grifou-se).

Contudo, em que pese o alto grau de adaptação das pessoas para com as novidades tecnológicas, a humanidade encontra considerável insegurança e dificuldade em lidar com aspectos ligados à biotecnologia, à medicina e à genética, porquanto colocam em xeque conceitos e valores pré-estabelecidos sobre a própria espécie humana (MINAHIM, 2005, p. 23).

Dessarte, a bioética consolidou-se como uma resposta aos novos paradigmas que a pesquisa científica envolvendo os limites da vida trouxa à tona. “Desde a barbárie nazista, até os recentes experimentos no campo da manipulação genética [...], a discussão bioética foi suscitada quando percebeu-se que o rumo dos acontecimentos [...] poderia levar a conseqüências graves e indesejadas” (SAHEKI; CREMASCO, 2007, sp).

À bioética de fronteira[8] cumpre estar atenta aos avanços biotecnológicos que envolvam os momentos iniciais da vida humana. Antes mesmo de o Direito se manifestar sobre as novas problemáticas oriundas dos avanços científicos, a matéria passa por discussões no campo da bioética. Minahim (2005, p. 29) chama a atenção para o fato de que a ética “sempre foi ponto de encontro de saberes como o Direito, a moral e a religião”.

Marconi Catão (2004, p. 29) comunga do entendimento de que o progresso científico ocorre normalmente adiante do Direito. Para o autor, esta desproporção de avanços origina um vácuo legislativo que dá espaço para reflexão e propostas de filósofos, médicos e juristas.

Em última instância, o Direito não é convocado apenas para prescrever proibições ou estabelecer distinções entre o bem e o mal no uso das novas tecnologias; ele serve para acolher as mudanças e materializar os conceitos norteadores das condutas desenvolvidas no debate bioético (MINAHIM, 2005, p. 29).

As técnicas de reprodução assistida trazem consigo uma grande carga de problemas éticos para os quais o nosso ordenamento jurídico ainda não oferece soluções adequadas. Alguns chegam a afirmar que o progresso científico e técnico no campo da procriação humana pode se traduzir na revolução mais profunda que o direito já sofreu até hoje. Isso porque institutos e conceitos jurídicos como a paternidade, a maternidade e a personalidade serão relativizados, assim como a própria concepção de família (PUSSI, 2005, p. 279, grifou-se).

Tem-se, pois, a bioética como uma ciência informativa apta a auxiliar o direito na difícil função de estabelecer normas que, direta ou indiretamente, tratam de limitar ou permitir intervenções sobre vidas humanas.

1.1.1. Os Princípios da Bioética

O trato com os embriões humanos deve ser norteado pelos princípios gerais da bioética. Desta forma, será possível desenvolver um marco jurídico que atribua aos excedentários tratamento condizente com a dignidade da pessoa humana.

1.1.1.1. Princípios da Beneficência e da Não-Maleficência

Por se tratarem de princípios complementares, abordar-se-ão os princípios da beneficência e da não-maleficência em um único tópico.

O princípio da beneficência está intimamente relacionado com o objetivo maior da medicina, que é promover o bem. O que se almeja, acima de tudo, é o bem-estar do paciente (LOUREIRO, 2006, p. 17).

Porém, não basta buscar o bem, é preciso impedir que seja causado o mal.

“O princípio da não-maleficência significa que jamais se deve causar algum mal ao paciente. É a garantia de que danos previsíveis serão evitados ao embrião” (LOUREIRO, 2006, p. 18).

A bem da verdade, o princípio da beneficência, que corresponde à obrigação hipocrática de fazer o bem (do latim bonum facere), e o princípio da não maleficência, que igualmente corresponde a uma obrigação hipocrática, a de não causar o mal (do latim non nocere), nada mais são do que desdobramentos do reconhecimento da dignidade da pessoa humana no âmbito biomédico (SILVA, 2002, p.174).

Na prática, os princípios em análise ponderam as opções de modo a escolher aquela que apresenta o máximo de benefícios com o mínimo de prejuízo.

1.1.1.2. Princípio da Autonomia

Autonomia tem a ver com liberdade. Representa a possibilidade do sujeito se auto-determinar, exercendo livremente a opção pelo procedimento que julgar mais adequado, após ser informado de todas as possibilidades.

“O princípio da autonomia diz respeito à liberdade individual da pessoa poder escolher o que é melhor para si, desde que haja a troca de informações entre o médico e o paciente sobre os tratamentos disponíveis” (LOUREIRO, 2006, p, 17).

A liberdade é um dos principais valores inerentes ao ser humano. Em que pese já ter sido reconhecida através dos tempos, foi no século XX que a liberdade colocou-se em evidência. O princípio da autonomia é a manifestação desta liberdade de ação. Considerando que o indivíduo, a partir de suas próprias razões, aja sem causar danos a terceiros, estará exercendo sua autonomia. Trata-se de uma atitude auto-responsável intimamente relacionada com o sistema axiológico de referência, porquanto os homens são movidos pela visão que possuem do mundo (MOTA, 1999, sp).

Por razões óbvias, o embrião não tem discernimento para exercer as prerrogativas que o princípio da autonomia lhe confere. Entretanto, nem por isso deixa de ser abrangido por sua proteção. Compete à sociedade, ao Estado e mais diretamente aos beneficiários e profissionais envolvidos diretamente com o embrião optar pelo procedimento que melhor atenda aos interesses do ser humano em formação.

Outra possível solução para os impasses oriundos da impossibilidade do embrião comunicar sua vontade, segundo Loureiro (2006, p. 17) “seria uma ação judicial na qual o juiz decidiria o que é melhor para a pessoa incapaz de manifestar sua autonomia e autodeterminação”.

Em consonância com o que preconiza o princípio da autonomia, o princípio do respeito às pessoas mencionado no Relatório Belmont[9] abrange ao menos duas convicções éticas: “os indivíduos devem ser tratados como agentes autônomos e as pessoas com autonomia diminuída têm direito à proteção” (DIEDRICH, 2001, p. 219, sem grifos no original).

Nas palavras de Volnei Ivo Carlin (2007, sp, grifou-se):

Autonomia (ou autodeterminar-se) diz respeito à vontade racional humana de fazer leis para si mesmo. Como critério ético, significa a própria emancipação da razão humana; a faculdade de se autogovernar, de ser e agir como sujeito. Repousa sobre as estreitas relações de confiança entre um paciente e um médico (espécie de contrato que opera-se diferentemente entre capazes e incapazes – consentimento livre e consentimento substitutivo). Baseia-se na dignidade da pessoa humana. Impede que uma pessoa explore a outra, impondo a ela sua própria vontade. É o princípio da própria democracia.

De uma forma ou de outra, deve-se sempre ter em mente a observância ao fundamento da República inscrito no art. 1º, III, da CR/88: a dignidade da pessoa humana.

1.1.1.3. Princípio da Justiça

O princípio em comento traz à baila a máxima de Ulpiano: ius suum unicuique tribuens[10]. Neste sentido, a eqüidade é a ordem do dia.

De acordo com este princípio, a justiça “deve ser distributiva, ou seja, todos devem ter acesso aos procedimentos médicos necessários [...] porque todas as pessoas devem ser tratadas de forma igualitária” (LOUREIRO, 2006, p. 19).

Considerando que a justiça em sede biomédica manifesta-se na igualdade de direitos aos serviços de saúde, observa-se na prática uma contradição entre a previsão teórica de tais direitos e sua triste e evidente negação cotidiana[11] (SILVA, 2002, p. 176-177).

Ora só o homem mais forte, que abandona o alimento escasso ao homem mais fraco, pode denominar-se homo moralis, porque tem plena compreensão de que o bem próprio não se realiza divorciado do bem dos demais. Eis o sentido de justiça na perspectiva personalista (SILVA, 2002, p. 176-177, grifou-se).

Infelizmente, no Brasil o princípio da justiça ou eqüidade está longe de se verificar na prática. Inversamente proporcional ao avanço da ciência é o seu acesso igualitário.

Como se pode observar, os diversos princípios bioéticos se interpenetram. Não se pode falar em justiça sem que haja a plena disponibilização de informação para que o sujeito exerça sua autonomia de forma a ponderar entre o bem e o mal que cada procedimento pode lhe causar.

1.1.1.4.Princípio da Alteridade

Alteridade tem a ver com a relação de interdependência estabelecida entre as pessoas, pois o ser humano é um ser social por excelência.

O princípio da alteridade significa respeito pela outra pessoa, de modo que o homem deve agir em relação aos outros como quer que os outros se comportem em relação a ele mesmo. Logo, o respeito à dignidade da pessoa humana é dever de todos em relação a todos: é um princípio que tem aplicabilidade erga omnes (LOUREIRO, 2006, p. 20-21, grifou-se).

Em se considerando o embrião como pessoa, tem ele direito a ser tratado sob a égide do princípio da alteridade.

1.2 . O Biodireito – A 4ª Dimensão de Direitos

A partir da evolução constante da sociedade, as necessidades solidificam-se em direitos que, quando consolidados, deixam marcas na evolução histórico-jurídica das nações[12]. Assim o foi com os direitos individuais, civis e políticos (ou direitos de 1ª dimensão), os direitos sociais (ou de 2ª dimensão) e, finalmente, os direitos transindividuais (de 3ª dimensão) (FERNANDES, 2000, p.24).

Ressalte-se que a divisão dos direitos fundamentais em gerações - ou dimensões como prefere Paulo Bonavides[13] - leva em conta o modelo de Estado então vigente. Trata-se de uma divisão meramente didática que representa um “processo histórico em que os direitos se somam, nunca se excluem” (DINIZ, G., 2003, p. 42).

Durante o século XVIII, as “luzes” iluminaram a Europa. O modelo Liberal ascendeu no contexto da Revolução Industrial e a ordem do dia era a interferência estatal mínima nas relações sociais. Como reação da burguesia ao Estado absolutista das últimas décadas, consolidaram-se os direitos de 1ª dimensão ou direitos negativos, os quais consistiam em um dever de não-intervenção, um não-agir estatal (DINIZ, G., 2003, p. 33).

Com o “avanço lento e gradual da conquista de direitos[14]”, o liberalismo econômico passou a demonstrar-se insuficiente. O impacto causado pela Primeira Guerra Mundial e o “crash” da Bolsa de Nova Iorque, em 1929, contribuíram para alterar irremediavelmente o status quo ante. “Estavam em ebulição os direitos sociais que deram origem ao Estado social: o direito à educação, à saúde, ao trabalho [...]” (FERNANDES, 2000, p.24).

Consolidaram-se, então, os direitos fundamentais de segunda dimensão. Vigia o Estado de bem-estar social, o qual pressupunha uma ação estatal intervencionista, de índole material ou normativa, a fim de promover os benefícios e anseios sociais que o capitalismo liberal não deu conta de suprir (DINIZ, G. 2003, p. 33).

Em evolução constante, a sociedade passou a clamar por direitos em que o titular deixa de ser o indivíduo e passa a ser a coletividade: são os chamados direitos transindividuais, difusos ou coletivos. “Nesta ordem, veio a proteção ao meio ambiente, aos consumidores e [...] ‘os direitos econômicos (salário mínimo, proteção econômica dos menores, devalidos, idosos, etc)’ ” (FERNANDES, 2000, p. 25).

A respeito desta 3ª dimensão de direitos, Geilza Diniz (2003, p. 47) aponta o ideal de fraternidade como dotado de uma amplitude maior que as gerações que o antecederam. Tratam-se de “direitos transindividuais, direitos dos povos e da solidariedade: paz, autodeterminação, desenvolvimento – direitos coletivos e difusos: consumidor, meio ambiente, criança”.

Na seqüência, observa-se que situações práticas geradas pelo avanço biomédico vêm causando preocupações éticas e jurídicas no que tange à proteção dos direitos da personalidade e à própria preservação da espécie humana como tal.

É justamente neste ínterim que surge o biodireito[15], como forma de “realizar a ratio juris e dar conta das inovações que a revolução biotecnológica vem trazendo” (SAUWN; HRYNIEWICZ, 2000, p.46).

Moldaram-se, finalmente, conforme alguns doutrinadores[16], os direitos de 4ª geração[17], que aqui mais interessam, os quais “seriam aqueles ligados ao advento de altas tecnologias e ao avanço científico” (DINIZ, G., 2003, p. 34).

De maneira mais específica, os direitos de quarta dimensão são os “direitos difusos globalizados, concernentes à evolução biogenética, tecnológica e do meio ambiente[18]” (DINIZ, G., 2003, p. 54).

Conforme a doutrina de Tycho Brahe Fernandes (2000, p. 26), a 4ª dimensão de direitos abrange a evolução médico biológica, a qual está originando o biodireito. O autor defende que além de serem direitos coletivos ou difusos[19], os direitos de quarta geração são também individuais, “visto que a aplicação das ciências biomédicas pode trazer dano concreto ao indivíduo enquanto produz dano potencial a toda a Sociedade”.

É que conforme lembra Norberto Bobbio, em “A era dos Direitos” (1992, p.6), a pesquisa biológica tende a causar efeitos cada vez mais traumáticos em função da manipulação do patrimônio genético dos indivíduos e, por conseguinte, da humanidade.

Daí se dizer que os direitos de 4ª geração – ou biodireito – não protegem “o indivíduo, mas sim o membro da espécie de seres vivos” (DINIZ, G., 2003, p. 51).

É necessário mencionar, por medida de cautela, que não é pacífico na doutrina a delimitação – ou mesmo a existência – desta 4ª dimensão de direitos.

A existência da corrente ganha forças nas palavras de Ingo Wonfgang Sarlet:

Ainda no que tange à problemática das diversas dimensões dos direitos fundamentais, é de se referir a tendência de reconhecer a existência de uma quarta dimensão, que, no entanto, ainda guarda sua consagração na esfera do direito internacional e das ordens constitucionais internas. Assim, impõe-se examinar, num primeiro momento, o questionamento da efetiva possibilidade de se sustentar a existência de uma nova dimensão de direitos fundamentais, ao menos nos dias atuais, de modo especial diante das incertezas que o futuro nos reserva. Além do mais, não nos parece impertinente a idéia de que, na sua essência, todas as demandas na esfera dos direitos fundamentais, gravitam, direta ou indiretamente, em torno dos tradicionais e perenes valores da vida, liberdade, igualdade e fraternidade (solidariedade), tendo, na sua base, o princípio maior da dignidade da pessoa humana (SARLET, 2005, p. 59, grifou-se).

Sarlet (2005, p. 59-60) elogia a posição de Paulo Bonavides, segundo a qual a quarta dimensão de direitos seria resultado da globalização dos direitos fundamentais, representando a sua verdadeira universalização. Pondera que, para Bonavides, “esta quarta dimensão é composta pelos direitos à democracia [...] e à informação, assim como pelo direito ao pluralismo”. Conforme Sarlet, a proposta de Bonavides é razoável. Todavia, considera carente de fundamento a argumentação daqueles que objetivam criar uma nova geração de direitos para abordar garantias substancialmente clássicas, tais quais a vida e a liberdade.

Pode-se considerar que entre a bioética e o biodireito há uma unidade de objeto (a vida), estudado a partir de um ponto de vista diferente:

O objeto material da bioética (a vida no sentido mais lato) [...] é comum a todas as ciências que estudam a vida. A bioética estuda, epistemologicamente, o seu objeto sobre o ponto de vista ético. Se o próprio objeto material (a vida) é, por exemplo, estudado do ponto de vista jurídico, temos não a bioética, mas para usar a expressão de Luciano Violante, o ‘bio-jus’ (BELLINO apud GAMA, 2003, p. 41).

Nestes termos, poder-se-ia dizer que a demanda por regulamentações[20] no que tange à problemática do destino dos embriões excedentários, ou supranumerários, seria uma clássica discussão do direito à vida, porém com uma roupagem moderna.

1.3. Breves Noções de Embriologia Humana - o Início da Vida

Diante do panorama até o momento introduzido, questiona-se: em que momento começa a vida humana? Em que momento passa a existir um ser que merece ser tutelado por direitos ou princípios?

Uma das possíveis respostas é: “A vida embrionária se inicia com a fertilização[21]” (O’RAHILLY apud BOLZAN, 1998, p.11).

A absoluta veracidade, ou não, da afirmação supra é de vital importância, pois a partir dela tem-se a legitimidade ou ilegitimidade moral da intervenção humana em embriões, em qualquer estado de seu desenvolvimento (BOLZAN, 1998, p. 11).

A etimologia da palavra vida remonta ao latim vita. Para a biologia, vida é o “estado de atividade funcional dos seres organizados, que impõe o consumo de energia e que tem a sua origem num ato reprodutivo de outro organismo parental, concluindo-se pela morte” (PAZ, 2003, p. 29).

Desde a antiguidade as pessoas se questionam sobre o início da vida. Aristóteles chegou a elaborar uma teoria, a da ‘animação imediata’, segundo a qual algumas semanas após a concepção haveria a junção do corpo com a alma. O cristianismo chegou a adotar esta teoria por um período. Não havia consenso, também, entre os médicos da idade antiga. Hipócrates dava indícios de proteger a vida desde a concepção, pois condenava que se ministrassem remédios passíveis de interromper a gestação (ESCOSTEGUY; BRITO, 2007, p. 56).

Durante o renascimento, René Descartes faz com que a vida passasse a ser pensada como algo intrínseco ao raciocínio humano. (ESCOSTEGUY; BRITO, 2007, p. 56) Sua máxima - ‘Penso, logo existo’ – serviu para subsidiar teóricos posteriores que não intencionavam considerar o embrião em seus estágios iniciais de desenvolvimento como uma pessoa.

A fim de melhor delimitar conceitos reiteradamente utilizados no presente trabalho, é importante tecer algumas considerações sobre o desenvolvimento do ser humano nos dois primeiros meses subseqüentes à concepção.

Contudo, precipuamente é necessário esclarecer que a divisão em fases ou etapas é meramente didática, até mesmo porque não se pode especificar de modo absoluto quando termina um e começa outro estágio[22].

Após a gametogênese[23], tem-se, com a fertilização, o restabelecimento da diploidia[24] típica da espécie humana.

A concepção, tida como o impulso inicial de toda uma jornada humana, é precedida pela fertilização, a qual “ocorre quando apenas um, de aproximadamente duzentos a seiscentos milhões de espermatozóides liberados na ejaculação, consegue atravessar a zona pelúcida do óvulo” (SILVA, 2003, p. 33).

Sobre a fusão dos gametas, Liz Helena Silveira do Amaral (2006, p. 56) aduz que, independetemente de ocorrer in ou ex utero, “verifica-se, dentro da célula-ovo recém-formada, o alinhamento dos pró-núcleos dos gametas, sua condensação, fusão e organização do código genético do novo indivíduo”.

A partir do momento em que o zigoto sofre a primeira divisão mitótica, seguem-se outras sucessivas[25].

Com o início da clivagem, a célula primordial se divide em duas que passam a ser chamadas de blastômeros. “A mórula, do latim morus, amora, é um agregado formado três dias após a concepção, sendo composto por doze ou mais blastômeros envolvidos pela membrana pelúcida do óvulo” (SILVA, 2003, p. 39).

Veja-se como o biólogo argentino Alejandro D. Bolzan explica o processo que vai desde a fertilização até a formação do feto:

1º) Fertilização: Ocorre nas Trompas de Falópio[26] (mulher). Começa com o primeiro contato do espermatozóide com a superfície externa do óvulo e finaliza quando se unem os pró-núcleos – núcleos celulares – masculino e feminino (respectivamente do espermatozóide e do óvulo), mesclando os cromossomos de ambos sobre uma mesma envoltura nuclear. Segundo o visto anteriormente, aqui se inicia uma nova vida humana. A fusão dos pró-núcleos ocorre aproximadamente vinte horas após o início da fecundação.

2º) Estágio de pré-zigoto: Este é um conceito muito recente. Corresponderia a um momento em que, embora o espermatozóide tenha penetrado no óvulo, o material genético de ambos não se misturou. [...]

3º) Estágio de zigoto: corresponde ao óvulo já fertilizado. Ou seja, é o material genético (cromossomos) de ambos os gametas já mesclados, ficando, assim, constituída esta primeira célula ou zigoto de um novo ser [...].

4º) Estágio de pré-embrião[27]: denomina-se assim o indivíduo em desenvolvimento desde a primeira divisão celular (2 células) até o 14º dia após a fecundação (momento em que aparece o primeiro esboço do sistema nervoso = linha primitiva). [...]

5º) Estágio de embrião: Indivíduo em desenvolvimento desde o 14º dia de vida – momento em que, segundo muitos cientistas, se conseguiria a individualização biológica do ser humano [...] – até o 2º mês de desenvolvimento.

6º) Feto: assim se conhece o indivíduo desde o 2º mês de desenvolvimento (amadurecimento funcional dos órgãos) até o nascimento. (BOLZAN, 1998, p. 28-29, grifos do autor).

“Toda vida provém de uma vida pré-existente” (BOLZAN, 1998, p. 28). A questão aqui discutida seria: Quando começa uma nova vida, única e irrepetível?

Elisa Muto e Leandro Narloch (2005, p. 59) apontam cinco respostas da ciência para esta pergunta. Segue na íntegra cada uma delas:

1. VISÃO GENÉTICA. A vida humana começa na fertilização, quando espermatozóide e óvulo se encontram e combinam seus genes para formar um indivíduo com um conjunto genético único. Assim é criado um novo indivíduo, um ser humano com direitos iguais aos de qualquer outro. É também a opinião oficial da igreja católica.

2. VISÃO EMBRIOLÓGICA. A vida começa na terceira semana de gravidez, quando é estabelecida a individualidade humana. Isto porque até 12 dias após a fecundação o embrião ainda é capaz de se dividir e dar origem a duas ou mais pessoas. É essa a idéia que justifica o uso da pílula do dia seguinte e contraceptivos administrados nas duas primeiras semanas de gravidez.

3. VISÃO NEUROLÓGICA. O mesmo princípio da morte vale para a vida.Ou seja, se a vida termina quando cessa a atividade elétrica no cérebro, ela começa quando o feto apresenta atividade cerebral igual à de uma pessoa. O problema é que essa data não é consensual. Alguns cientistas dizem haver esses sinais cerebrais já na 8ª semana. Outros na 20ª.

4. VISÃO ECOLÓGICA. A capacidade de sobreviver fora do útero é que faz do feto um ser independente e determina o início da vida. Médicos consideram que um bebê prematuro só se mantém vivo se tiver pulmões prontos, o que acontece entre a 20ª e a 24ª semana de gravidez. Foi o critério adotada pela Suprema Corte dos EUA na decisão que autorizou o direito do aborto.

5. VISÃO METABÓLICA. Afirma que a discussão sobre o começo da vida humana é irrelevante, uma vez que não existe um momento único no qual a vida tem início. Para essa corrente, espermatozóides e óvulos são tão vivos quanto qualquer pessoa. Além disso, o desenvolvimento de uma criança é um processo contínuo e não deve ter um marco inaugural.

Os adeptos da teoria de que desde a fecundação[28] haveria uma nova vida humana fazem o seguinte raciocínio: se o zigoto resulta da união do material genético de um óvulo e de um espermatozóide, isto lhe confere uma condição genética singular.

Em outras palavras, a partir do início da fertilização começa uma nova vida humana. O zigoto já é, pois, vida humana individual, única e irrepetível. Três argumentos são delineados por Bolzan (1998, p. 14-15) para reforçar tal afirmação. Primeiramente, o zigoto é vida porque possui movimento próprio, é capaz de dividir-se, independente da mãe, dando continuidade ao seu desenvolvimento; em segundo lugar, é vida humana já que provém da união de células humanas; por fim, é vida singular porquanto dotado de genótipo só seu.

Por outro lado, há quem pretenda utilizar os embriões humanos em estado pré-implantatório para experimentação científica[29] ou simplesmente descartá-los por motivos distintos. Argumenta-se, neste sentido, que o embrião recém formado é composto por células indiferenciadas, o que afastaria sua individualidade. O embrião só seria um indivíduo humano com a formação do sistema nervoso rudimentar por volta do 14º dia, quando deixaria de ser um pré-embrião, para ser um ser individualizado. Ademais, a nidação seria determinante para caracterizá-lo como pessoa humana (BOLZAN, 1998, p. 18-23).

Para esta segunda corrente a questão gênica não é fundamental, pois o valor moral atribuído à vida embrionária seria crescente conforme o feto cresce e se desenvolve, sendo que isso só ocorre dentro do ventre materno (TESSARO, 2002, p. 37).

A importância atribuída às idéias sobre o início da vida é muito grande em função das conseqüências e influências delas advindas em uma futura legislação, ou mesmo para a reflexão bioética pura e simples. (LANG in OSELKA, 2005, sp).

Para fins de delimitação de conceitos, faz-se necessário tecer algumas considerações a respeito da nomenclatura que envolve o tema.

Conceptus é um termo generalizado que indica “uma fecundação, que se inicia no momento da concepção e que continua maturando com o mesmo caráter ontológico” (LANG in OSELKA, 2005). Ao se utilizar o termo concepto, estar-se-ia atribuindo valor de vida humana ao que se produz desde o momento da fecundação do óvulo.

Recorrente, também, é o uso do termo nasciturus, ou nascituro, significando os seres cujo nascimento é assegurado; são os destinados a nascer (LANG in OSELKA, 2005, sp).

Apesar de válida, a discussão acerca do inicio da vida humana não leva a conclusões relevantes do ponto de vista jurídico. Considerando a vida como um ciclo, é possível atribuir vida – com características genéticas humanas – a uma única célula (um gameta, por exemplo).

Na seqüência, urge tecer algumas considerações a respeito do panorama da reprodução humana assistida (RHA).

1.4. Evolução Histórica e Noções Gerais sobre as Técnicas de Reprodução Humana Assistida

1.4.1.Evolução Histórica

Desde os primórdios da humanidade, persiste uma intensa preocupação com a fertilidade, diretamente proporcional ao temor da esterilidade[30]. Manifestações artísticas rupestres representam mulheres grávidas com grande destaque para o ventre. São as chamadas Vênus[31], símbolo de fecundidade e de uma nova vida (LEITE, 1995, p.17).

Ilustração 01 – Vênus de Wildedorf (RODRÍGUEZ, 2005, sp)

As representações femininas mostravam um evidente encantamento diante da fecundidade. “Todo o realce das formas é dado ao ventre (origem de um novo ser), nádegas e seios (elemento sensual e de fertilidade) enquanto a cabeça e as pernas não passam de prolongamentos disformes do tronco” (PUSSI, 2005, p. 276).

Este evidente culto à fertilidade ocasionou a consideração da esterilidade como um fator negativo atribuído à cólera dos antepassados, bruxas, ou outras intervenções metafísicas. “A mulher estéril era encarada como ser maldito que precisava ser banida do convívio social. Para os judeus, a esterilidade era considerada como castigo de Deus” (LEITE, 1995, p. 17).

Ao longo de toda a antiguidade e parte da idade média, o desconhecimento do sistema reprodutivo humano atribuía toda e qualquer dificuldade procriativa à mulher.

A procriação medicamente assistida nasceu de uma contingência da vida. Muitos casais após anos de relações sexuais e de constantes tentativas de terem filhos não conseguiam tê-los por apresentarem problemas de infertilidade. Nos tempos remotos, quando a mulher não conseguia conceber, o marido era autorizado a tomar outra mulher e com ela gerar o filho que pertenceria ao casal. Passagem bíblica que bem remonta o mencionado é a de Abraão, que após dez anos vivendo com Sara na Terra de Canaã não conseguia ter filhos, tendo sua mulher lhe dado sua serva Agar, para que com ela tivesse um filho em nome do casal (FERREIRA, 2002, sp).

Há notícias de que Henrique IV e D. Joana de Portugal, já na Espanha do século XV, teriam tentado conceber um herdeiro através de métodos artificiais (PUSSI, 2005, p. 273).

Somente com a invenção do microscópio no final do século XVI o estudo da esterilidade ganhou moldes científicos. Contudo, a idéia de esterilidade conjugal só surgiu no século XVII quando Johamm Ham, em 1677, sugeriu que a ausência ou escassez de espermatozóides poderia determinar o insucesso gestacional (LEITE, 1995, p. 18).

No ano de 1785, Thouret, um decano da Faculdade de Medicina de Paris obteve êxito em fecundar sua esposa infértil[32] através de uma injeção intravaginal de seu próprio esperma (FERNANDES, 2000, p. 50).

Nas últimas décadas do século XIX, descobriu-se que o óvulo também exerce importante papel na fertilização. Finalmente, desconstituíra-se a idéia de que apenas o homem, através de seus espermatozóides, era o responsável pela geração da nova vida. A mulher se libertara do estigma de “mero receptáculo para o novo ser” (PUSSI, 2005, p. 273).

A tecnologia de crioconservação de gametas foi essencial para permitir que as técnicas de procriação artificial se consolidassem após décadas de obstáculos de toda ordem[33]. Até o ano de 1934, a literatura médica noticia apenas 123 casos (OLIVEIRA; BORGES, 2000, p. 11).

Desta forma, apenas no início do século XX, com o desenvolvimento de técnicas de criopreservação de sêmen[34], ampliaram-se os estudos acerca da RHA (FERNANDES, 2000, p. 51).

Passou-se, então, a ter uma certa compreensão do processo de meiose celular, através do qual os gametas haplóides se originavam. O ciclo reprodutivo estaria completo quando, a partir da união dos gametas, restabelecesse-se a diploidia na célula-ovo[35].

Os bancos de sêmen se proliferaram e durante a Segunda Guerra Mundial milhares de crianças foram concebidas e nasceram enquanto seus pais guerreavam (FERNANDES, 2000, p. 50).

O passo seguinte à inseminação artificial foi o desenvolvimento da fertilização in vitro (FIV)[36], a partir dos estudos de Schenk, em 1878[37] (OLIVEIRA; BORGES, 2000, p.11).

“A FIV humana começou em 1944, quando dois biologistas, Rock e Menkin, obtiveram quatro embriões normais a partir de uma centena de óvulos humanos colhidos nos ovários e colocados na presença dos espermatozóides” (LEITE, 1995, p. 41).

A técnica ganhou consistência, em 1947, com a descoberta da possibilidade de congelamento e posterior descongelamento de embriões em estado pré-implantatório, sem prejuízo ao desenvolvimento intra-uterino do embrião (OLIVEIRA; BORGES, 2000, p.12).

Em 1978, o delírio de Aldous Huxley se torna realidade com o nascimento da inglesa Louise Brown, o primeiro bebê de proveta[38] (PUSSI, 2005, p. 274).

A partir deste marco, a biomedicina vêm trazendo à tona questões até então impensáveis. Em que pese sempre terem existido casais estéreis, com as técnicas de reprodução assistida “a resignação deu lugar à esperança” (BOLZAN, 1998, p. 7).

Faz-se necessário admitir que a RHA conturba a concepção tradicional das relações de parentesco. “A fecundação in vitro criou uma situação especialíssima na história da maternidade: pela primeira vez na história da humanidade, o começo da vida humana se encontra dissociado do corpo da mulher geradora (LEITE, 1995, p. 132).

Durante as décadas de 1970 e 1980 a FIV gerou polêmica e discussões em todo o mundo. Apesar de historicamente o debate não se situar em um passado tão distante – até porque o tema ainda é atual –, é preciso levar em consideração que algumas décadas atrás, as pessoas se mostravam mais resistentes às ingerências biotecnológicas no curso normal da vida.

Faz-se necessário considerar que as taxas de integridade embrionárias após o processo de congelamento/descongelamento ainda são baixas (LEITE, 1995, p. 66).

Com base neste argumento, há uma corrente contrária à FIV. De acordo com estes doutrinadores, não há de se admitir que embriões sejam produzidos com finalidade diversa da reprodutiva, pois sabe-se que são dotados de um potencial de vida humana que jamais realizar-se-á. “Se o número de embriões criados é superior ao número que será transplantado, tem-se por moralmente inaceitável deixar morrer os embriões não utilizados” (LEITE, 1995, p. 162-163).

Willmut e Campbel alertam que, ainda atualmente, algumas objeções à fertilização in vitro se mantém. Não será de se estranhar se daqui a 100 ou 500 anos algumas pessoas persistirem contrárias à prática (citados por DINIZ, G., 2003. p. 80).

Através do uso das técnicas de reprodução assistida, o homem passa a ter ingerência em uma esfera de extrema seriedade: o destino de vidas humanas.

O embrião, que por centenas de anos foi um ser desconhecido, envolto em mistério e mitologia, teve seus segredos desvendados e passou a ser conhecido pela comunidade científica. Pior, “passou a ser exposto e mesmo mutilado em experimentos e estudos” (PUSSI, 2005, p. 277).

O manejo de tais técnicas deve-se dar de maneira responsável e consciente. Infelizmente,

cientistas, médicos, biólogos, não querendo reconhecer que o homem é um ser limitado, parecem brincar de aprendizes de feiticeiro, porém não utilizando substâncias materiais, mas vidas humanas, e isso não deve ser negligenciado sob circunstância alguma. [...] Triste exemplo de tudo o que dissemos é a declaração de R.G. Edwards, um dos ‘pais cientistas’ do primeiro ‘bebê de proveta’ em 1982: ‘Acho que a necessidade de saber é superior ao respeito devido ao embrião em seu estado precoce’ (BOLZAN, 1998, p. 8, grifou-se).

Neste contexto, “pode-se afirmar que nefasta não é a ciência, mas o que os homens podem fazer com o que quer que lhes seja posto nas mãos” (MINAHIM, 2005, p. 28, sem grifos no original).

O primeiro bebê oriundo de técnicas de reprodução assistida brasileiro, Ana Paula, nasceu em 1984. (CLEMENTE, 2005, sp).

Desde 1993, funciona no Hospital Albert Einstein, em São Paulo, o primeiro banco de sêmen brasileiro (PUSSI, 2005, p. 285).

De lá pra cá, milhares de famílias tiveram a oportunidade de realizar seu projeto parental. Contudo, nem tudo é tão simples quanto parece.

Não há no Brasil um controle jurídico efetivo da RHA. “O marketing em revistas tem deixado claro que as clínicas de RHA fazem o que querem, só esquecem de informar que é de 85% a 90% a taxa de fracasso da biotecnologia no bebê de proveta” (PAZ, 2003, p. 77).

Hodiernamente, o quadro é o seguinte:

A incidência de problemas de saúde que comprometem a fertilidade de um casal varia de acordo com a idade. Dados da OMS (Organização Mundial da Saúde) mostram que 1 em cada 15 mulheres com idade entre 20 e 30 anos tem dificuldade de engravidar. Nos casais em que a mulher tem entre 30 e 40 anos, sobe para 1 em cada 8 mulheres. Depois dos 40, 1 entre 4 casais não consegue ter filhos sem a ajuda de tratamentos ou métodos de fertilização (QUANDO..., 2003, sp).

O fato é que o conjunto de procedimentos destinados a contribuir na resolução dos problemas oriundos da infertilidade humana, os quais são chamados de reprodução assistida (RA)[39] (FRANÇA, 2004, p. 244), passou a fazer parte do mundo contemporâneo.

As pesquisas na área da RHA convivem com um contínuo avanço. Atualmente se pode falar em três técnicas principais, as quais serão individualizadas a seguir.

1.4.2. Espécies de Reprodução Humana Assistida – RHA

Em que pese não se tratar do objeto de estudo específico deste trabalho (o foco está voltado para a fertilização in vitro e os embriões excedentes dela originados), é importante tecer algumas considerações, ainda que breves, sobre as principais técnicas de RHA.

1.4.2.1.Fertilização in vivo

De maneira geral, a fertilização in vivo é conhecida como inseminação artificial.

Consiste na “introdução dos gametas masculinos ‘dentro da vagina, em volta do colo, dentro do colo, ou dentro do abdômen’, onde a fecundação ocorrerá” (FERNANDES, 2000, p. 54).

No que tange à inseminação clássica, ou inseminação intra-uterina (IUU), pode-se dizer que é uma técnica de baixa complexidade em que há o acompanhamento do ciclo menstrual da paciente enquanto é preparado o material do doador masculino. No dia da suposta ovulação, transfere-se o material genético do homem através de um cateter até o útero da mulher onde, espera-se, a fecundação ocorra naturalmente in vivo (CLEMENTE, 2005).

Um dos métodos de fertilização intra corporis menos complexos e mais baratos é a IUU. Basta assegurar-se de que a mulher aumente a produção de óvulos sadios (através de medicação) e introduzir o sêmen no útero com o auxílio de um cateter (QUANDO..., 2003, sp).

“Em 1790, o médico inglês John Hunter realizou, com pleno êxito, numa mulher, esta operação pela primeira vez” (FRANÇA, 2004, p. 244).

A IUU é indicada quando o homem sofra de problemas penianos, ejaculação deficiente ou pseudo-hermafrodismo, e quando a mulher tenha más formações congênitas ou adquiridas. O método consiste em colher o esperma e introduzi-lo no útero, observados os cuidados de assepsia e o período fértil da mulher (FRANÇA, 2004, 244).

“Sempre que possível, os médicos recorrem aos métodos de fertilização ‘in vivo’, que têm custo mais baixo e são menos agressivos para a mulher” (QUANDO..., 2003, sp).

No campo das técnicas de reprodução in vivo, destaca-se a transferência de gametas, a qual existe em três modalidades: transferência intra-tubária, intrabdominal e intra-uterina, conforme o local onde os gametas são depositados[40].

Também conhecido como método GIFT[41], a transferência intratubária de gametas “consistente na introdução de gameta, por meio artificial, no corpo da mulher, esperando-se que a própria natureza faça a fecundação” (SILVA in FIÚZA, 2002, p. 1.408).

Trata-se, portanto, de espécie de fertilização in vivo em que, após a coleta, óvulo e espermatozóide são introduzidos laparoscopicamente em uma das tubas uterinas, local onde se espera que a fecundação ocorra de forma natural (QUANDO..., 2003, sp).

Pode-se dizer que a GIFT “oferece ao embrião condições de desenvolvimento, de migração, de nidação mais fisiológicas” (LEITE, 1995, p. 48).

Mandelbaum e Plachot explicam o método de transferência intratubária de gametas da seguinte forma:

Assim que os óvulos estiverem recolhidos, eles são introduzidos em um fino cateter com o esperma do cônjuge que imediatamente é transferido em uma ou nas duas trompas (geralmente um ou dois óvulos, com aproximadamente, cem mil espermatozóides por trompa). A técnica dura apenas meia hora. Os eventuais óvulos excedentes serão fecundados ‘in vitro’ e os embriões obtidos poderão ser congelados e conservados a fim de serem recolocados posteriormente em caso de fracasso da tentativa, ou para uma segunda ou até terceira criança (MENDELBAUM; PLACHOT apud LEITE, 1995, p. 48-49).

Como se pode observar, a partir do método de transferência, os gametas não introduzidos de plano podem vir a ser fecundados in vitro dando origem a embriões excedentários.

1.4.2.2 . Fertilização in vitro

Em se tratando de fertilização extracorpórea, pode-se falar em duas espécies: a fertilização in vitro passiva, e a micromanipulação, ou fertilização não passiva. Esta última subdivide-se em inseminação subzonal (SUZI) e injeção intracitoplasmática (ICSI).

1.4.2.2.1.Fertilização in vitro convencional (FIV)

Trata-se de fertilização extracorpórea passiva.

“Quando a mulher tem as trompas inutilizadas ou quando o sêmen do marido é de baixa qualidade (número de espermatozóides muito baixo), entra em cena a fertilização ‘in vitro’ ” (QUANDO..., 2003, sp).

Pode-se dizer que a FIV é composta por várias etapas: “indução da ovulação, punção folicular e cultura de óvulos, coleta e preparação do esperma e, finalmente, inseminação e cultura de embriões” (LEITE, 1995, p. 44).

Durante o processo, doses hormonais estimulam uma superovulação da mulher. No período fértil, oócitos[42] são coletados através de punção folicular e os mais aptos são colocados em uma placa de Petri juntamente com os espermatozóides. Ocorrida a fecundação, acompanha-se o desenvolvimento do embrião em uma estufa (CLEMENTE, 2005).

Trata-se de técnica complexa em que os gametas masculinos e femininos são retirados dos organismos dos doadores. Em laboratório, de maneira extra-uterina, a fertilização ocorre e a clivagem prossegue até o estágio em que o embrião é transferido para o útero (FERNANDES, 2000, p. 55).

Ilustração 02 – Transferência de Embriões para o Útero (RAMOS, 2007, sp)

Este método de reprodução artificial é conhecido como método ZIFT, “consistente na realização da fecundação fora do corpo da mulher” (SILVA in FIÚZA, 2002, p. 1.408).

Além da discussão a respeito de quantos embriões devam ser transferidos para o útero, a técnica “gera o grave problema dos embriões excedentes ou ‘supranumerários’, igualmente não resolvido, nem pela ética, nem por razoáveis propostas jurídicas” (LEITE, 1995, p. 161).

São embriões excedentários ou supranumerários aqueles não implantados de plano no corpo da mulher quando da utilização da técnica da fertilização in vitro.

1.4.2.2.2. Micromanipulação: Injeção Intracitoplasmática de Espermatozóide (ICSI) e Injeção Subzonal de Espermatozóides (SUZI)

Tratam-se de procedimentos desenvolvidos na década de 1990 a partir da FIV. Tanto a ICSI quanto a SUZI visam permitir a fecundação a partir de um gameta masculino com baixa mobilidade. Não se espera que a fecundação ocorra naturalmente, de forma passiva. O processo consiste em, ativamente, introduzir o “espermatozóide diretamente no interior da zona pelúcida ou do ovócito com o auxílio de uma microagulha e um microscópio” (AMARAL, L., 2006, p. 23).

Enquanto na ICSI o espermatozóide é introduzido dentro da membrana citoplasmática do óvulo, na SUZI tal introdução se faz na zona pelúcida do gameta feminino.

Apenas um único espermatozóide é colocado dentro do óvulo com a ajuda de uma micropipeta. A partir de então, segue-se os passos de uma FIVETE tradicional. “O embrião fecundado é transferido para o útero três a seis dias depois. Esse método é muito usado quando a qualidade do espermatozóide do parceiro é baixa” (QUANDO..., 2003, sp).

Tem-se aqui uma variação da fertilização in vitro convencional em que há a escolha de um espermatozóide que é transferido diretamente para o oócito. Esta técnica permite que homens supostamente inférteis reproduzam-se com seu próprio material genético (CLEMENTE, 2005, sp).

Nessa técnica, espermatozóides imaturos ou até mesmo suas células precursoras são retiradas dos testículos. Uma micropipeta é usada para ultrapassar a membrana plasmática do óvulo e injetar um único espermatozóide diretamente dentro do citoplasma do óvulo. Na maioria dos casos a fertilização é conseguida com sucesso (UZUNIAN; BIRNER, 2001, p. 256).

Trata-se de procedimento em que a fertilização ocorre no exterior do corpo feminino, sendo que ambos os genitores recebem tratamento: “ela, para aumentar a produção de óvulos; ele, para escolha dos espermatozóides mais capacitados” (QUANDO..., 2003, sp).

A abordagem, ainda que sucinta, das técnicas de FIV é útil ao objetivo deste trabalho, pois é a partir delas que “sobram” os embriões chamados de excedentários.

1.5.Quem são os Embriões Excedentários?

A partir da utilização de técnicas de reprodução assistida in vitro, há um alto grau de incerteza a respeito da viabilidade de cada embrião concebido. Por esta razão, vários óvulos costumam ser fecundados, pois apenas os mais aptos são implantados no útero.

Para Tania Salem (2007, sp), “o que está em pauta é o embrião fertilizado e ‘criado’ em laboratório, capaz de sobreviver em estado suspenso de animação (isto é congelado) por tempo indefinido fora do corpo da mulher”.

Neste contexto, “sobram” vários embriões já fecundados que não são implantados de plano no corpo da mulher. Tratam-se dos embriões excedentários – objetos ou sujeitos? – do presente estudo, os quais podem ser criopreservados em nitrogênio líquido conforme ilustração abaixo:

Ilustração 3 – Criopreservação de embriões (RAMOS, 2007, sp)

Existem diversas razões práticas para que todos os óvulos coletados sejam fertilizados simultaneamente, dando origem aos excedentários[43]. Em suma, o armazenamento dos supranumerários representa a economia de “um bom tempo e milhares de dólares” (CARLSON, apud SILVA, 2002, p. 66).

Em que pese argumentar-se cientificamente de que quanto maior o número de embriões transferidos, maior será a possibilidade de sucesso na gestação, a produção excessiva dos supranumerários é preocupante.

“Não se pode olvidar que os bancos de embrião, verdadeiros orfanatos de nascituros, surgem em decorrência da fertilização in vitro, sendo em verdade um problema, não uma solução” (PUSSI, 2005, p. 287).

Situações supervenientes tais quais a morte, separação ou o divórcio do casal, ou mesmo a desistência em função do sucesso na obtenção da gravidez geram um desinteresse do casal que procurou a técnica para com os embriões supranumerários.

São essas hipóteses que geram a expressão ‘pré-embriões excedentes ou supranumerários’, pois eles foram inicialmente planejados, criados com a finalidade única de procriação mas, por algum motivo relevante, não serão transferidos ao casal que os solicitou em tratamento. O que fazer com eles? (OLIVEIRA; BORGES, 2000, p. 69).

Sonia Paz (2003, p. 38) considera a hipótese de um casal que procura uma clínica de RHA com a intenção de armazenar o fruto da fusão de seus gametas para ser implantado futuramente. Porém, considerando a incerteza do futuro, este casal pode se separar e abandonar o embrião, ou então a mulher pode decidir, após separada, implantá-lo. Caso tal gestação se dê sem o consentimento do genitor, será ele considerado o pai biológico da criança? (PAZ, 2003, p. 38).

Como se pode observar, “há uma série de questões entre a medicina e o Direito. A resposta a elas não está ‘pronta’ em lugar nenhum” (PAZ, 2003, p. 39).

Cabe a cada intérprete do direito estar atento ao mundo que o cerca para inferir conclusões sobre o tema.

1.6. A Disponibilidade do Embrião Excedentário: possíveis destinações

A utilização da fertilização in vitro implica muitas vezes no congelamento dos embriões supranumerários.

Todavia, “assustam [...] a frieza e o descompromisso de certas intervenções médicas, as fazendas de embriões, as “adoções” de embriões excedentários e o destino dos que não conseguiram um útero disponível e são descartados” (MINAHIM, 2005, p. 28).

O cerne da questão está em definir o que se fazer com estes embriões quando não interessam mais ao casal.

Seria lícita a utilização de embriões em pesquisas? Que limites deveriam ser impostos à manipulação, à destruição ou à modificação dos embriões in vitro? Como encarar a proposta de descarte dos mesmos? E quanto às proposições de doação de embriões excedentes para pesquisas científicas, e do seu emprego na fabricação de medicamentos, a serem aplicados em técnicas de terapia embrionária? Seria eticamente aceitável seu armazenamento, no aguardo de oportunidades para doação a terceiros? Quem teria sua custódia e a quem caberia a decisão sobre seu destino? (SÁ; TEIXEIRA, 2005, p. 82).

De uma análise do direito comparado observa-se que na Espanha o congelamento é permitido por 5 anos, sendo obrigatória a destruição após este período[44]. Buscando evitar o problema, os dinamarqueses destroem os excedentes logo após a fertilização. Há países, como os Estados Unidos e a Bélgica, que incentivam a doação para pesquisas. A Alemanha, por sua vez, não permite que sejam gerados mais embriões do que os imediatamente implantados (FRANÇA, 2004, p. 247).

Sem a intenção de tecer críticas inconseqüentes ao avanço biotecnológico, há de se considerar que a manipulação extra corporis de embriões humanos traz a tona os seguintes inquietantes conflitos:

Será que poderemos comparar um embrião a um órgão do corpo humano e equipara-lo a um coração ou um rim, o qual se pode transplantar, ceder, conservar ou experimentar? Poder-se-á qualificar o embrião como um órgão, logo, como objeto de propriedade da mulher que o transporta ou, pelo contrário, uma substância de origem humana sujeito de direitos ou de proteção legal? Ou, corroborando a posição legal, ou, corroborando a posiiade da mulher que o transporta ou, pelo contrder-se-o do Comitê Nacional de Ética Francês, como uma potencial pessoa humana? (SILVA apud SÁ; TEIXEIRA, 2005, p. 81).

Passa-se a uma breve análise de cada uma das principais hipóteses levantadas[45].

1.6.1. Proibição de Supranumerários

À primeira vista, a maneira mais simples de tratar o problema é evitar que ele exista. Considerando que é muito complicado e desgastante decidir o que fazer com os embriões excedentes, bastaria não permitir que eles existissem e não haveria o que se discutir.

Para Ferreira (2002, sp) esta é indiscutivelmente a opção mais coerente. Afinal, “a produção excessiva de possíveis vidas humanas, como se fossem objetos de consumo ou meros instrumentos a justificar o desejo dos casais de terem filhos, dá-nos a sensação de que a espécie humana não é nada mais do que um meio e não um fim em si mesmo”.

Como visto, é esta a opção da nação alemã. Os germânicos só fertilizam o número exato de embriões que serão transferidos a fresco. Evita-se, portanto, que surjam os excedentários.

Genival de França (2004, p. 247) lembra que está pode ser a solução mais fácil, porém, se houver fracasso na implantação “não se teria outra coisa a fazer senão começar todo o processo desde o início, com todos os custos, inconvenientes e frustrações”.

Já se mencionou a suposta imprescindibilidade da FIV produzir um número superior de embriões daqueles que serão transplantados de plano. “A superovulação é entendida, pela classe médica, como fundamental para garantir um mínimo de gravidezes, sem o qual, o sacrifício da paciente e o investimento técnico-financeiro seriam inaceitáveis” (LEITE, 1995, p. 162).

Ademais, “todos sabem – por necessidade de ordem técnica, financeira e emocional – o que representa a necessidade de se ter mais embriões fecundados do que os que vão ser implantados” (FRANÇA, 2004, p. 247).

Deste modo, inviabilizar o armazenamento de embriões representaria uma sentença de morte para as técnicas de FIV, prejudicando milhares de famílias que têm nelas suas últimas esperanças de projetos parentais.

1.6.2. Criopreservação

A Criobiologia é o ramo da ciência que estuda a criopreservação de sêmen, oócitos e pré-embriões, em um meio de nitrogênio à temperatura muito baixa, sem prejuízo da potencialidade de desenvolvimento embrionário regular após descongelamento.

A técnica, relativamente nova, anunciada a primeira utilização em 1983 na Austrália, consiste em revestir o pré-embrião de 1 a 3 dias por uma substância crioprotetora (glicerol), que o protegerá dos efeitos do congelamento. Não existe consenso sobre o tempo-limite para a conservação de um pré-embrião criopreservado. (OLIVEIRA; BORGES, 2000, p. 59).

O método de criopreservação é aplicado a partir da exposição do material a crioprotetores, seguido de desidratação e armazenamento em temperaturas abaixo de 100ºC negativos. Assim, interrompe-se a atividade metabólica na tentativa de minimizar os danos causados pelos cristais de gelo. (SILVA, 2002, p. 65).

Muito embora a criopreservação de blastocistos gere uma melhor expectativa de descongelamento eficaz, são os embriões em fase inicial de clivagem que obtém mais sucesso na transferência[46] (SILVA, 2002, p. 65).

Os óvulos fecundados não implantados ficam congelados na expectativa de verificar se a primeira tentativa de implantação foi – ou não – bem sucedida. “Para se ter uma idéia, apenas na França, no ano de 1997 existiam mais de 10.000 embriões congelados sem destino definido” (FERREIRA, 2006, p. 6).

Conforme se verificará no Capítulo 3, quando da análise da legislação e projetos de lei pertinentes, a criopreservação de pré-embriões é lícita quando com fins reprodutivos.

Contudo, não há consenso a respeito do tempo limite para crioconservação[47].

Conforme noticiado pelo Dr. Rodolfo Nunes na Audiência Pública referente à ADI sobre a Lei de Biossegurança, relatos recentes apontam implantações uterinas bem sucedidas após doze anos de congelamento (MESTRE..., 2007, sp).

Fábio Ferreira (2002, sp) afirma que a crioconservação é uma técnica paliativa, pois não resolve, apenas adia, o problema. Além disso, aduz que a criopreservação acarreta outras situações jurídicas conflituosas: supondo o posterior descongelamento e implantação, “qual o momento da aquisição de direitos: o da concepção ou o do nascimento?”.

Destarte, não importa o tempo que o embrião fique criogenado já que no momento em que se optar pelo descongelamento, ter-se-á que decidir sua destinação.

1.6.3.Destruição pura e simples

Para quem não considera o embrião fertilizado in vitro como um ser digno de proteção, não há problemas em simplesmente destruí-lo.

Em função do princípio da legalidade, tem-se que tudo aquilo que não for proibido por lei, é permitido aos particulares em geral. Assim, inexistindo proibição legal expressa ao descarte dos embriões excedentes, os médicos responsáveis não incorrem em crime algum ao destruírem embriões em estado pré-implantatório.

A corrente que “propõe de forma ‘simplista’ a destruição de embriões, filia-se à corrente genético-desenvolvimentista, que parte da idéia de que a gravidez somente se processa no interior do organismo humano” (PUSSI, 2005, p. 317).

Os adeptos da prática do descarte embrionário não consideram o concebido in vitro como um ser humano (PUSSI, 2005, p. 317).

Tanto o é que dados apresentados pela Federação Francesa dos CECOS[48], de 1986 a 1990, 4.498 casais confiaram ao CECOS a conservação de 17.337 embriões. Destes, 15% seguiram o destino escolhido por seus pais: a destruição simples (LEITE, 1995, p. 63-64).

Na Inglaterra, até o ano de 1996, foram destruídos mais de 5.000 embriões pelas clínicas de RHA (PUSSI, 2005, p. 315).

Dois grandes episódios de descartes são conhecidos, um na França, outro na Inglaterra. No primeiro caso a clínica não conseguira renovar sua autorização de funcionamento, razão por que dirigiu uma carta aos casais dando-lhes um mês de prazo para transferir os embriões para outra clínica, após o que tomariam o silêncio como desinteresse pela conservação, o que autorizaria seu extermínio. Na Inglaterra, buscou-se, em situação semelhante, promover a adoção e, como muitos pais não se manifestaram, optou-se por destruir os embriões (MINAHIM, 2005, p. 82).

É bem verdade que a Resolução 1.358/92 veda a destruição ou o descarte dos excedentes[49], mas trata-se apenas de orientação de cunho deontológico, sem vinculatividade jurídica alguma.

Ademais, apesar do texto da resolução, em decorrência da consulta nº 6.065/99, o Conselho Federal de Medicina respondeu: “O descarte de embriões com manifestação expressa dos cônjuges ou companheiros não pode ser considerado contrário à ética e deveria ser autorizado” (apud OLIVEIRA; BORGES, 2000, p. 73).

A resposta do CFM adota claramente o princípio bioético da autonomia como razão de decidir, pois o Conselho considerou indispensável o consentimento anterior dos beneficiários seja para o descarte, adoção ou utilização em pesquisas.

“Enquanto for permitido o descarte de pré-embriões, deverá prevalecer a vontade do casal manifestada de forma expressa em documento de consentimento informado [...], tendo em vista os princípios da bioética, especialmente o da autonomia” (OLIVEIRA; BORGES, 2000, p. 84).

Tem-se, portanto, a aceitação do descarte dos embriões excedentes como uma conduta aceita pelo órgão máximo da medicina brasileira[50].

Apesar disso, os projetos de lei brasileiros em tramitação adotam posições divergentes, não havendo consenso. É o que se verá em detalhes nos itens 3.2.6 e 3.2.7.

1.6.4. Doação para Pesquisas: Células-Tronco e Clonagem Terapêutica

As células-tronco, ou células estaminais, são células indiferenciadas dotadas da capacidade de se diferenciarem em diferentes tipos de tecidos.

A terapia com células-tronco aproveita-se desta capacidade de diferenciação na tentativa de “substituir tecidos lesionados ou doentes, ou células que o organismo deixa de produzir por deficiência” (ESPANHA..., 2004, sp).

O esquema abaixo demonstra bem esta capacidade de multi-diferenciação.

Ilustração 4 – Células pluripotentes (CÉLULA..., 2007, sp)

Há células-tronco adultas[51] e embrionárias.

Como somente as células-tronco embrionárias são totipotentes[52], são elas as mais cobiçadas para experimentos terapêuticos. Em especial aquelas retiradas de embriões humanos em estágio inicial de clivagem, “são consideradas a maior promessa para reconstituir tecidos humanos deficientes ou degenerados, o que pode ajudar na cura de doenças como Alzheimer, diabete e Parkinson” (ESPANHA, 2004, sp).

A discussão em torno da utilização dos pré-embriões envolve a polêmica sobre o momento do início da proteção jurídica à vida humana[53]. Veja-se:

A possibilidade da utilização dos pré-embriões para pesquisa científica traz novamente à tona as discussões em torno do início da vida e dos direitos assegurados aos pré-embriões, mas a tendência atual é considerar o pré-embrião como uma pessoa em potencial, sem contudo conferir a ele status legal, posição que permite a defesa da realização dos estudos. Entretanto, não há consenso, que só se verifica no sentido de que pré-embrião não é coisa e não pode ser objeto de comércio, com divergência ao tipo de proteção que ele deve receber, adotada pela maioria a posição de que não deve ser a mesma destinada àqueles implantados no útero materno (OLIVEIRA; BORGES, 2000, p. 75, grifou-se).

No que tange à pesquisa com embriões humanos para fins de extração de células-tronco, o cirurgião geral Rodolfo Nunes destaca que a tendência é o respeito absoluto ao ser humano. A partir de uma premissa ética, não se compreende como admissível, mesmo em nome do progresso científico, dispor de um ser humano para uma pesquisa que inviabilizará a sua vida (MESTRE..., 2007, sp).

Por ora, vale lembrar que a Nova Lei de Biossegurança – Lei 11.105/2005 – regulamentou a matéria em seu art. 5º, permitindo que células-tronco embrionárias obtidas de embriões excedentes inviáveis ou congelados há mais de 3 (três) anos na data da publicação desta lei, ou que, já congelados quando da publicação, assim que completarem 3 (três) anos de criopreservação, sejam utilizadas para pesquisa e terapia.

Não há consenso a respeito da pesquisa com embriões excedentes no direito comparado. Contudo, nos países onde ela é admitida, o 14º dia[54] após a fecundação é tido como limite.

O Conselho da Europa, por sua vez (1986), permite somente a investigação nos pré-embriões in vitro, quando em benefício do próprio embrião. Outras hipóteses de investigação só serão autorizadas, segundo o Conselho, com o consentimento informado dos produtores dos gametas, com autorização de um comitê de ética, ou ainda para se aperfeiçoar as técnicas de procriação artificial. O limite do décimo quarto dia também é imposto (OLIVEIRA; BORGES, 2000, p. 76).

Em se considerando que uma vida humana única e irrepetível se origina na fecundação, “poderíamos [...] nos questionarmos se é lícito fazer pesquisa com embriões com menos de 14 dias, bem como usar para pesquisa os embriões excedentes das clínicas de RHA que tenham, por exemplo, de 14 a 18 dias de fecundação” (PAZ, 2003, p. 67).

Posicionam-se contra as pesquisas deste tipo aqueles[55] que acreditam que o bem da sociedade não pode se dar a partir da morte de alguns indivíduos, ainda que em fase embrionária. Para esta corrente, a proteção do indivíduo sobrepõe-se ao interesse coletivo de possivelmente se encontrar a cura para determinadas doenças. Pode-se dizer que este tipo de raciocínio remonta ao pensamento de Claude Bernard, que em 1852 afirmou: “O princípio da moralidade médica e cirúrgica é nunca realizar um experimento no ser humano que possa causar-lhe dano, de qualquer magnitude, ainda que o resultado seja altamente vantajoso para a sociedade” (BERNARD apud GOLDIM, 2006, sp).

A dúvida que permeia o presente trabalho é o que fazer com os embriões excedentários. Há quem defenda que, se o descarte já vem sendo sistematicamente utilizado, não faz o menor sentido impedir que, para o bem da coletividade, sejam utilizados para pesquisas médicas.

Nesse conflito entre dignidade da pessoa humana e asseguramento da dignidade da vida, como decidir, quando se sabe que células-tronco retiradas de jovens embriões (período inicial de formação embrionária, durante a qual apresenta blastômeros dispostos em uma única camada, que termina com a fixação no útero, por volta do décimo quarto dia de existência) podem transformar-se em qualquer tecido, surgindo como recurso capaz de curar muitas doenças? (MINAHIM, 2005, p. 81).

Na prática, podem-se obter células-tronco embrionárias a partir da utilização de embriões excedentes oriundos de tentativas de FIV, quando presentes os requisitos legais para tanto[56], ou ainda pela técnica de clonagem terapêutica.

A clonagem terapêutica consiste na “transferência de núcleos de uma célula para um óvulo sem núcleo. O novo óvulo, ao dividir-se, gera, em laboratório, células-tronco” (ESPANHA..., 2004, sp). As células oriundas destas sucessivas divisões conterão o mesmo material genético daquela célula que doou o núcleo. Por esta razão, “o melhor e mais forte argumento a favor da técnica é que será eliminada toda a ameaça de rejeição ou incompatibilidade de órgão, problema muito comum nos transplantes tradicionais” (DINIZ, G., 2003, p. 80).

Ilustração 5 – Clonagem Terapêutica (CÉLULA, 2007, sp)

De acordo com o pensamento de Kant, o preceito máximo da dignidade da pessoa humana fica bem representado pela expressão: o homem é um fim em si mesmo. Assim, não haveria que se admitir a utilização de um indivíduo (pré-embrião) como um meio para qualquer outra finalidade[57], tais quais experimentação com células-tronco ou clonagem terapêutica.

A grande crítica dos oposicionistas à pesquisa baseava-se na morte do embrião fornecedor das células tronco.

Contudo, em agosto de 2006 uma empresa de biotecnologia norte-americana[58] anunciou ter desenvolvido uma técnica que possibilita a extração de células-tronco embrionárias, sem inviabilizar o desenvolvimento do embrião.

Retira-se uma única célula de um embrião de dois dias, que contém cerca de oito blastômeros. Os sete restantes podem se desenvolver normalmente, não implicando morte do embrião. “Pelo método antigo, o material que dá origem à linhagem de células-tronco é retirado do interior de embriões mais desenvolvidos, com cinco dias. Nessa fase, o embrião não resiste à retirada de células de seu centro” (COSTAS, 2006, p. 86).

O novo método foi esquematizado pela revista Nature e disponibilizado no website do jornal The Washington Post:

Ilustração 6 – Célula-tronco sem destruição embrionária[59] (HAMBLING; CLARCK, 2006, sp)

Com a comprovação da possibilidade de se extrair células-tronco sem destruir o embrião, é possível desconstituir o “principal argumento do lobby conservador que tenta atravancar o progresso científico nos Estados Unidos, na Europa e até no Brasil” (COSTAS, 2006, p. 86).

Todavia, os conservadores trouxeram à tona um novo argumento, afirmando que qualquer tipo de manipulação com embriões humanos desrespeita a vida e deve ser proibida. Como diz Ruth Costas (2006, p. 86), “de nada adianta uma lanterna para quem não quer abrir os olhos”.

De qualquer maneira, o que determinará a possibilidade ou não de utilização dos embriões excedentários para extração de células-tronco é o status jurídico a ele atribuído.

1.6.5 .Doação para outro Casal e Comercialização de Pré-Embriões

Pode-se dizer que, ao cogitar a hipótese de adoção, admite-se a incapacidade da ciência em dominar completamente as técnicas de RA.

É que, conforme assevera Eduardo de Oliveira Leite (1995, p. 63),

hipoteticamente, para cada óvulo recolhido e implantado deveria corresponder um novo ser. A prática demonstrou o oposto, obrigando as equipes médicas a coletarem diversos óvulos (o que provoca, normalmente, a obtenção de vários embriões) [...]. Por isso, atualmente as equipes de FIVETE [...] limitaram o número de embriões transferidos a 3 ou 4, de forma que sempre restam embriões excedentes que são congelados, ou são utilizados em pesquisas laboratoriais ou são simplesmente destruídos.

A adoção sem fins lucrativos é uma alternativa interessante para os embriões excedentes criogenados. A exemplo do que acontece com a adoção tradicional, a adoção de embriões deve ser pautada por princípios que visem o melhor interesse da criança ou do embrião.

Pode-se dizer que a adoção de embriões é vantajosa para os embriões criopreservados, posto que podem contar com outras tentativas de implantação (FRANÇA, 2004, p. 247).

É bem verdade que a adoção também apresenta empecilhos de ordem emocional, técnica e econômico-financeira, porquanto os embriões precisam ser mantidos congelados até a implantação e isto gera custo. “Entretanto, esta forma de escolha juntamente com a produção de embriões para uma única implantação seriam as modalidades que não encontrariam os óbices já apontados” (FRANÇA, 2004, p. 247).

A Resolução nº 1.358/92, do Conselho Federal de Medicina, sintetiza a posição majoritária ao determinar que “a doação[60] nunca terá caráter lucrativo ou comercial” (LEITE, 1995, p. 431).

Tycho Brahe Fernandes opina pela proibição de qualquer forma de comercialização de embriões. Contudo, não impõe óbice à adoção gratuita (2000, p. 122).

Embora a questão enseje fervoroso debate, a opção deve se dar em observância à dignidade humana. A este respeito, maiores considerações serão tecidas no Capítulo 4.


2. O início da personalidade jurídica do embrião

“Age de tal maneira que uses a humanidade, tanto na tua pessoa como na pessoa de qualquer outro, sempre e simultaneamente como um fim e nunca simplesmente como um meio” (Immanuel Kant).

No capítulo inicial procurou-se introduzir o leitor no universo da RA e dos embriões excedentários a fim de permitir uma análise das questões jurídicas que envolvem o tema.

Surge então a pergunta: atualmente o homem está sendo tratado como sujeito (pessoa) ou como objeto (coisa)? As demais considerações casuísticas serão sempre detalhes menores, porque a reificação é o maior perigo que corre o homem. É preciso estar atento para o fato de que muitas das tecnologias desenvolvidas[61] se constituem em claras ameaças à sua individualidade. Não tratar o homem como coisa é um desafio para filósofos, médicos, religiosos, juristas e para todos aqueles que tenham desenvolvido um mínimo de consciência ética (SAUWN; HRYNIEWICZ, 2000, p. 51).

Qual tratamento jurídico, afinal, deve ser atribuído a este embrião humano, este conceptus, congelado em um tubo de ensaio? Quando começa a sua vida? A partir de que momento deve ter sua dignidade protegida? O direito deve tratá-lo como objeto passível de tutela pelo direito das coisas? Ou sua natureza humana faz com que seja considerado sujeito de direitos dotado de personalidade jurídica?

2.1.A Retomada Antropológica

Ao longo da história do pensamento da humanidade verificou-se que “os momentos de crise geram amplos debates antropológicos” (SAUWN; HRYNIEWICZ, 2000, p. 50). Sem destoar desta tendência, a revolução biotecnológica do fim do século XX e início do século XXI reforçou a presença da filosofia no debate jurídico ao trazer à tona discussões sobre a natureza humana.

O homem questionado na Antígona, o homem da Declaração dos Direitos Humanos e o homem de nossos dias é o mesmo? Teriam acontecido transformações tão radicais que já não se poderia mais falar de uma natureza humana igual em Antígona, no homem setecentista e no atual? [...] Desde o início dos debates sobre o jusnaturalismo na era moderna, com Francesco della Vittoria e a Escola de Direito Natural de Grotius (De iure beli ac pacis, 1625), passando pelos contratualistas e por Immanuel Kant (1729 -1804), talvez nunca mais se tenha discutido tanto sobre o homem quanto hoje no âmbito do direito (SAUWN; HRYNIEWICZ, 2000, p. 50-51).

Emerge, a partir do debate biotecnológico, a relação entre o direito positivo e o direito natural e, nesta esteira, a possibilidade ou não de uma bioética universalista.

Quando Antígona, a personagem de Sófocles, descumpriu o édito real sob a justificativa de que os homens não poderiam legislar sobre matéria relativa aos deuses estaria acobertada por uma norma de direito natural suprapositiva?

Para o médico hematologista Herbert Praxedes, extrai-se da peça de Sófocles uma premissa moral aplicável a todos os seres humanos: “nem tudo o que se pode fazer, deve ser feito. Assim, a moral é o denominador comum de todos os atos humanos” (HERBERT..., 2007, sp).

Poder-se ia pensar em uma moralidade bioética válida para todos os povos em todas as épocas? Ou, a contrário senso, “é dentro das comunidades morais particulares, e não na humanidade, que os homens vivem e encontram o significado da vida e a orientação moral concreta?” (ENGELHARDT citado por SILVA, 2006, p. 234).

Escrevendo sobre a aspiração de universalidade dos direitos humanos[62], Reinaldo Pereira e Silva, conclui que “o jusnaturalismo, como teoria da moral é um conjunto sistemático de argumentos que tenciona justificar racionalmente a aspiração de universalidade de certos conteúdos morais” (SILVA, 2006, p. 230).

É preciso alertar para os perigos decorrentes da hipótese contrária. Recusar sem mais nem menos a aspiração de universalidade dos preceitos bioéticos, sob a justificativa de respeitar as diferenças culturais[63], “não tem tido outro efeito prático senão o de legitimar os padrões e ações contrários aos direitos humanos” (SILVA, 2006, p. 234).

De fato, com as evidentes diversidades sócio-culturais existentes ente os povos da humanidade, pode parecer complicado pensar em direitos fundamentais e valores estanques e universais a serem preservados como meio para uma vida digna[64]. “Como estabelecer regras internacionais, como formalizar o direito internacional consuetudinário (a partir de costumes), se são tão distintas as culturas?” (ZISMAN, 2005, p. 19).

Em resposta ao questionamento formulado, Célia Rosenthal Zisman (2005, p. 19) propõe uma limitação à liberdade de manifestação cultural[65]:

Não é da natureza, da essência do homem, da violação da vida, da liberdade física ou psíquica, da honra, da privacidade e da igualdade. Não é da natureza do homem, que é ser racional, cultuar a dor e a tortura. Assim, é possível alcançar um rol de regras comuns a todas as sociedades. [...] O que se defende é que há direitos fundamentais incontestáveis a serem protegidos por um direito internacional, muito embora o subdesenvolvimento e as questões de ordem social, econômica e cultural não permitam que certas comunidades constatem a violação.

Sobre o tema, Sonia Paz (2003, p. 43-44) filia-se à corrente segundo a qual “há diversas bioéticas, porque a ética pressupõe uma moral e cada grupo social está apoiado em uma ideologia e em uma religião [...], expressa nos Códigos Deontológicos, nos costumes e nos procedimentos”.

O Estado Liberal instaurado com a Revolução Francesa consolidou o juspositivismo tal qual é conhecido. Justo seria aquilo previsto na lei, e todo o foco do jurista deveria estar voltado para a lei, e não para o homem.

Atualmente, entretanto, busca-se trazer novamente o homem para o centro do ordenamento jurídico, através de uma releitura não só dos métodos interpretativos da lei, como também do próprio papel do aplicador da legislação. Vivemos em uma época em que se busca, através do Estado Democrático de Direito, consagrar o justo em vez do bom. Entretanto, nossa sociedade está impregnada de valores liberais, reverenciando o formalismo em detrimento da própria busca da justiça (LORENTZ, 2002, p. 342).

Nos dizeres de Maria A. Minahim (2005, p. 45), “é bem verdade que as novas ameaças ao indivíduo, à sua liberdade e diversidade impuseram uma revisão profunda no mundo jurídico, que passou a centralizar suas atenções na dignidade da pessoa humana”.

Impossível não trazer à tona o raciocínio Kantiano. O imperativo categórico pode ser resumido em uma fórmula geral: “Age apenas segundo uma máxima tal que possas ao mesmo tempo querer que ela se torne uma lei universal” (KANT, 2000, p 59).

A partir do imperativo categórico, Kant deduz outra conclusão, que muito interessa ao objetivo deste trabalho: “Age de tal maneira que uses a humanidade, tanto na tua pessoa como na pessoa de qualquer outro, sempre e simultaneamente como um fim e nunca simplesmente como um meio” (KANT, 2000, p. 69, grifou-se).

O homem é um fim em si mesmo, não podendo jamais ser tratado como coisa ou meio para outro fim. “O princípio kantiano entende que a vida humana individual se constitui com a primeira célula que dá origem ao organismo” (PAZ, 2003, p. 63).

Considerando que o homem é um fim em si mesmo e que o termo ‘homem’ refere-se a todos os indivíduos da espécie humana, tem-se que neste grupo incluem-se os embriões excedentários, porquanto portadores de material genético estritamente humano. A partir deste raciocínio tem-se que, pelo princípio da igualdade, o mesmo tratamento deve ser dispensado para qualquer indivíduo da espécie humana, esteja ele em fase embrionária ou adulta. Poder-se-ia concluir, então, que a sua reificação[66] é contrária ao pensamento de Kant.

Por este raciocínio, inadmissíveis seriam as clonagens terapêuticas ou extrações de células-tronco que inviabilizassem o desenvolvimento embrionário[67].

Conforme a metafísica dos costumes, “a dignidade é o princípio moral que enuncia que a pessoa humana não deve nunca ser tratada apenas como um meio, mas como um fim em si mesma” (HERBERT..., 2007, sp).

Observe-se que o criticismo kantiano não se coaduna com a desconsideração do embrião excedendário como uma pessoa, pois isto seria autorizar o seu uso como meio para objetivos outros que não a realização de sua própria existência. Kant afirma, ainda, que todo ser racional “existe como um fim em si mesmo, não só como meio para o uso arbitrário desta ou daquela vontade” (KANT, 2000, p. 68).

Este raciocínio coincide com aquele tratamento atribuído ao embrião a partir de um ponto de vista antropológico. O principialismo personalista não se coaduna com a instrumentalização do embrião humano. “Trata-se de uma visão antropológica considerar o homem um fim absoluto. Logo, o embrião, sob a visão antropológica, é um fim absoluto e não deve ser coisificado, não deve ser tratado como meio” (LOUREIRO, 2006, p. 16-17).

Diante da dificuldade de valoração ontológica para determinar quando se passa a ter um ser humano, tornou-se diuturna a utilização do termo pré-embrião. Tratar-se-iam dos potenciais embriões, que por acordo tácito correspondem ao interregno dos primeiros 14 dias imediatamente posteriores à concepção.

José Roberto Goldim aduz que manter embriões em laboratório é algo tão recente e inédito que a humanidade ainda não absorveu esta idéia. Apesar de ser inegável que, biologicamente, um novo ser se forma quando se individualiza seu material genético, existem “pelo menos 19 formas médicas para decidir quando reconhecer esse embrião como uma pessoa” (in MUTO; NARLOCH, 2005, p. 57).

Na opinião de Anelise Tessaro (2002, p. 37), o centro do problema seria o seguinte: “Definir se o embrião é sujeito dos mesmos direitos de uma pessoa”[68].

Conforme assevera Paula de Souza Ferreira (2006, p.6) “não existe norma jurídica que estabeleça o início da vida humana, de modo que a grande questão para a ciência do direito resume-se em saber se, exatamente após a concepção, o ser gerado tem ou não o ‘status’ de ‘pessoa humana’ ”.

Lapidares as palavras de Ingo Wolfgan Sarlet, transcritas a seguir:

Da concepção jusnaturalista remanesce, sem dúvida, a constatação de que uma Constituição que – de forma direta ou indireta – consagra a idéia de dignidade da pessoa humana, justamente parte do pressuposto de que o homem, em virtude tão somente de sua condição biológica humana e independente de qualquer outra circunstância, é titular de direitos que devem ser reconhecidos e respeitados pelos seus semelhantes e pelo Estado (SARLET, 2005, p. 115).

Por hora, vale mencionar que, ao elencar o princípio da dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos da República, o legislador constituinte determinou que o centro e a razão de existir do ordenamento jurídico é o ser humano, pela simples razão de sua qualidade de pessoa humana.

2.2.A Aquisição da Personalidade Natural

Uma abordagem jurídica do tema dos embriões excedentários perpassa pela análise da personalidade natural, matéria das mais relevantes, pois toda a ordem jurídica visa regular os direitos e obrigações do homem enquanto ser social, ou seja, enquanto pessoa (SEMIÃO, 2000, p. 26).

Não haveria razão em existirem direitos subjetivos e deveres jurídicos se não houvesse pessoas para serem titulares de tais obrigações. Destarte, não há que se discutir que os titulares das relações jurídicas, ou seja, os sujeitos de direito são as pessoas e, portanto, não há direito sem sujeito (SEMIÃO, 2000, p. 23-24).

Há no direito brasileiro duas espécies de pessoas: a natural e a jurídica. Interessa ao presente trabalho a primeira delas, ou seja, a pessoa natural ou pessoa física que é aquela de existência visível. Todo ser humano com vida e suscetível a direitos e obrigações na ordem civil é pessoa natural (SEMIÃO, 2000, p. 25).

A expressão pessoa remonta ao grego prósopon. Teorias cristãs já definiram o termo como a “singularização da criação de Deus” (MINAHIM, 2005, p. 70).

A palavra pessoa tem relação com o vocábulo personalidade. Etimologicamente, as palavras pessoa e personalidade remontam ao vocábulo latino persona. Pesquisadores afirmam que seu significado original seria a máscara utilizada pelos atores do teatro romano. (SEMIÃO, 2000, p. 23).

Na Roma antiga, o nascimento com vida e a forma humana não eram suficientes para a aquisição da personalidade. Aos requisitos físicos somavam-se três outros: “de liberdade (status libertatis), cidadania (status civitatis) e de família (status familiae)” (AMARAL, F., 2002, p. 213).

Em que pese alguns juristas defenderem uma origem etrusca mais antiga, o fato é que hoje a palavra pessoa é dotada de outro significado.

Contemporaneamente, para a acepção filosófica, “pessoa é o ser humano no seu aspecto racional, dotado de ação através da vontade. É o indivíduo racional capaz de querer” (SEMIÃO, 2000, p. 24). Contudo, na concepção jurídica, “pessoa designa todo o ser capaz de ter direitos e obrigações. É o sujeito de direitos, no que difere da coisa, tida sempre como objeto de uma relação jurídica” (SEMIÃO, 2000, p. 24).

Reinaldo Pereira e Silva (2002, p. 143) acredita que a semântica atual da palavra pessoa tenha se originado da noção trinária cristã[69].

“A pessoa se caracteriza como um ser que existe por si mesmo (per se existere), e, assim, excede em dignidade todos os seres não pessoais” (SILVA, 2002, p. 143).

É imprescindível ter em mente que apenas a pessoa é dotada de personalidade – capacidade de ser sujeito de direitos e obrigações - enquanto que a coisa nunca será sujeito de uma relação jurídica, mas tão somente seu objeto.

Considerando a vida humana como o bem jurídico primordial, em função do qual existem todos os demais, há “uma série de questões não respondidas e que são essenciais para fixar sua definição. O direito tutela a vida humana, mas o que é vida, quando começa, quando acaba? Seu significado equivale ao de pessoa?” (MINAHIM, 2005, p. 62).

Neste sentido, questiona-se: o embrião excedentário criogenado, embora não implantado no corpo da mulher, é pessoa? É sujeito de direitos ou deve receber o tratamento jurídico de coisa?

De acordo com Tania Salem (2007, sp), a multiplicidade de opiniões e respostas “quanto ao momento a partir do qual o embrião passa a importar em termos morais nada mais é do que uma decorrência da falta de consenso com respeito aos critérios que instauram a condição de Pessoa”.

Observe-se que, a partir da nomenclatura utilizada por cada um dos autores, é possível identificar que status jurídico cada um atribui ao embrião humano criogenado[70]. “[...] O uso da expressão ‘período pré-embrionário’, em vez da expressão ‘período do embrião pré-implantatório’[71] revela uma demanda utilitarista, servindo de argumento para a desconsideração ética e jurídica da vida humana desde a concepção” (SILVA, 2002, p. 40-41).

O jogo de palavras e a construção de argumentos lógicos e articulados permitem a manipulação de idéias com o fim de conduzi-las à conclusão desejada. Se o produto da concepção pode ser identificado como embrião e também como pré-embrião, e este tem características distintas da espécie humana, o que o submete a uma categoria diferenciada, ele passa ‘do mundo dos humanos para os das coisas que os homens exploram’. Essa manipulação permite que não lhe sejam estendidos os princípios éticos e jurídicos que se aplicam à experimentação em humanos, resumindo-se a disciplina jurídica dessas práticas, basicamente, ao âmbito do direito patrimonial. Se, de outro lado, se aceita que o pré-embrião é um indivíduo desde a fecundação, por dispor de meios para ir-se desenvolvendo na realização de sua própria existência, ele merece tutela jurídica desde a fecundação (MINAHIM, 2005, p. 88-89).

Voltar-se-á a estas indagações mais adiante. Por ora, vale distinguir a personalidade intrinsecamente considerada dos direitos da personalidade. Enquanto a personalidade é “definida como sendo uma susceptibilidade de ser titular de direitos e obrigações jurídicas”, os direitos da personalidade constituem condição prévia para que a personalidade se manifeste. Em outras palavras, os direitos da personalidade são o fundamento e pressuposto da prerrogativa de ser dotado de direitos e obrigações jurídicas. (DE CUPIS apud CATÃO, 2004, p. 104).

Nas palavras de Rita Leite (2001, p. 156), os direitos da personalidade são os “comuns da existência, porque simples permissões dadas pela norma jurídica a cada pessoa de defender seus bens[72] [...]. São, assim, inerentes ao homem, são-lhe fundamentais eis que recaem sobre uma parte da própria esfera da personalidade”[73].

“O ser humano, detendo a qualidade de pessoa, é portador de dignidade ética e titular de direitos inatos, inalienáveis e imprescritíveis a que o Estado deve respeito, por serem os meios naturais para o reto cumprimento do próprio fim estatal” (SILVA, 2002, p. 191).

No mesmo sentido, manifestou-se o Papa João XXIII: “É fundamental o princípio de que cada ser humano é pessoa; por essa razão, possui em si mesmo direitos e deveres que emanam direta e simultaneamente de sua própria natureza” (JOÃO XXIII apud SILVA, 2002, p. 192).

Observe-se que Alejandro Bolzan (1998, p. 28) atribui o início de uma nova vida humana ao momento em que ocorre a fusão do material genético. Porém, nomeia de embrião somente aquele indivíduo que ultrapassou o 14º dia de vida. A adoção desta nomenclatura (pré-embrião) indica a tentativa de justificar o tratamento do embrião excedentário como coisa.

A aparente contradição do autor argentino deve-se ao fato de ele atribuir momentos distintos ao início da vida humana e à aquisição da personalidade.

Há quem, neste sentido, diferencie ser humano de pessoa. A pessoa “é essencialmente filosófica e está vinculada a idéia de ser humano capaz de consciência de si mesmo e conseqüentemente, do mundo em que se insere” (MINAHIM, 2005. p. 89).

Para Ballone (2001, sp), ser humano e pessoa são termos diferentes. “Ser Humano é um termo mais genérico ou indeterminado, que diz respeito à espécie, à classificação, ao mundo zoológico. É por isso que nos sentimos mais à vontade em dizer Homem (ser humano) das Cavernas e não pessoa das cavernas” (BALLONE, 2001, sp).

Ao se falar em pessoa, pressupõe-se uma conjugação de valores axiológicos que são fatores externos ao ser humano consciente.

O termo pessoa relaciona-se com o mundo civilizado, “com a constelação dos valores morais, éticos e jurídicos próprios da civilização”. A partir da etimologia da palavra pessoa, verifica-se que se trata de um conceito que engloba o de ser humano. “Um refrão de origem jurídica, também nos lembra do homo plures, pessoa polimorfa, o ser humano capaz de desempenhar muitos papéis; um mesmo ser humano é empresário e delinqüente, é pai e metalúrgico” (BALLONE, 2001, sp).

Cabe, portanto, entender o conceito de Ser Humano ao lado do conceito de Pessoa. No direito romano antigo os escravos eram seres humanos (homens) mas não eram consideradas pessoas (patrícios). Os juristas romanos que usavam o conceito de Ser Humano o dissociavam do conceito de pessoas. O conceito de Pessoa aparecia como resultado de um processo vinculado à liberação, ao menos teórica, dos escravos (ou dos bárbaros) e não como um conceito zoológico, biológico classificatório e mental. Portanto, ao nos referirmos ao indivíduo da espécie humana merecedor da consideração ontológica e ética devemos dizer Pessoa, não apenas, Ser Humano, Homem, menos ainda Indivíduo e muito menos ainda Elemento, como no jargão policial (BALLONE, 2001, sp).

Cada embrião, ainda que fertilizado ex utero e armazenado em um tubo de ensaio “é portador de uma dimensão ontológica, biológica, psicológica e antropológica. É um ser individual em processo, o que o faz uma pessoa desde a sua concepção e que o possibilita ser um sujeito moral” (SOARES, 2007, sp).

Há diversas teorias, cada qual com argumentos de fontes diversas, que buscam explicar a partir de que instante há uma nova pessoa humana passível de tutela jurídica e, portanto, sujeito de direitos.

A pluralidade de teorias é criticada por parte da comunidade científica. Rodolfo Nunes afirmou em palestra proferida aos Ministros do STF:

‘não seria respeitoso com a dignidade humana utilizar classificações didáticas para remanejar o marco inicial da vida de um ser humano e, a partir daí, passar a executar lesões físicas à sua estrutura, com a justificativa de que abaixo do período arbitrado já não haveria vida quando todas as evidências mostram o contrário’. De acordo com ele, esta postura prejudica a formação do futuro médico ou de outros profissionais de saúde. ‘Essa aparente confusão atrapalha na transmissão do zelo pela vida humana’, disse (MESTRE..., 2007, sp).

O particionamento do desenvolvimento embrionário, independentemente do critério adotado, parte do princípio de que algo (para alguns a presença de rudimentos do sistema nervoso central, para outros a implantação na parede uterina, entre outros) é essencial para atribuir ao embrião o status de pessoa. Antes de se verificar tal condição, ter-se-ia uma coisa despersonificada, um objeto passível de direitos de propriedade. Apenas a partir da superveniência do termo adotado, o embrião passaria a ser uma pessoa.

Não se pode olvidar que a vida é um processo contínuo. Neste sentido, para que se obtenha uma compreensão desta continuidade pessoal é necessário ter em mente o seguinte: “não se pode confundir uma série sucessiva de maneiras de ser de um ser único com uma sucessão de seres diferentes” (UNAMUNO citado por SILVA, 2002, p. 148).

Uma abordagem exacerbadamente mecanicista deixa de demonstrar que, apesar de haver um reordenamento, uma mudança de espaço, os elementos ficam sempre os mesmos. Exemplificativamente, é “como quando alguém troca de lugar os móveis que estão em seu quarto, com a convicção de ter obtido, assim, um outro quarto”. Analogicamente, um argumento utilitarista aplicado à problemática dos excedentários significa que enquanto o embrião estiver in vitro, será uma ‘coisa’; a partir do momento em que for transportado para o interior do útero, mutar-se-á em pessoa.

Analisar-se-ão, a seguir, as principais teorias a respeito da aquisição da personalidade jurídica.

2.2.1. Teoria Concepcionista

Consagrada no direito francês e defendida no Brasil por Clóvis Bevilaqua e Teixeira de Freitas, a teoria concepcionista é ousada, pois atribui ao nascituro e ao embrião excedente personalidade jurídica desde a concepção (informação verbal[74]).

Aproveitando o ensejo, vale trazer à baila o texto do art. 2º do Código Civil de 2002, com atenção especial à sua parte final: “A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro” (FIÚZA, 2002, p. 4, grifou-se).

Autores como Anacleto de Oliveira Faria, André Franco Montoro, Limongi França, Francisco dos Santos Amaral, Bogotte Chorão e Silmara Chinelato são adeptos desta corrente. Para eles, “não é justo ou correto que os direitos do nascituro fiquem sempre condicionados ao nascimento com vida”. Tal restrição seria compreensível no que tange aos direitos patrimoniais, mas jamais em relação aos direitos fundamentais da personalidade (PUSSI, 2005, p. 97).

Como bem assevera Maria Helena Diniz (in FIÚZA, 2002, p.4-5), “ressalvar os direitos do nascituro ‘desde a concepção’, como hoje assegurado, é fórmula ampla que deve ser preservada acima de divergências doutrinárias”.

Sonia Paz (2003, p. 29) acompanha Diniz aduzindo que a partir da penetração do espermatozóide no óvulo, independente da fecundação ser ou não in vitro, há nova vida, pois surge um novo ser humano dotado de direitos e por eles protegido.

Paulo Bonavides, em prefácio ao livro Introdução ao Biodireito de Reinando Pereira e Silva (2002, p. 11), afirma que o concepto é “valor, é vida, é pessoa, e, como toda pessoa, titular de direitos, sujeito de dignidade, insuscetível de ser quebrantada, violentada ou aniquilada”.

Corroborando o entendimento supra, Marconi do Ó Catão (2004, p. 111, sem grifos no original) aduz que desde a concepção, o ser humano passa por diversos processos (gestação, nascimento, crescimento, maturidade, envelhecimento e morte). “Assim, para que a personalidade humana seja tutelada, o homem deverá ser considerado em todas as suas fases evolutivas”.

Apesar do art. 2º do código civil prever que a personalidade civil do homem inicia apenas a partir do nascimento com vida[75], desde a fecundação o concepto tem direito à vida, à integridade física, a alimentos, a acompanhamento médico, a um curador que zele pelos seus interesses se houver incapacidade dos genitores, a ser reconhecido como filho, de receber herança, de receber doação, entre outros (DINIZ, M., 2004, p. 7-8).

Poder-se-ia até mesmo afirmar que, na vida intra-uterina, tem o nascituro, e, na vida extra-uterina, tem o embrião personalidade jurídica formal, no que atina aos direitos personalíssimos, ou melhor, aos da personalidade, visto ter a pessoa carga genética diferenciada desde a concepção, seja ela in vivo ou in vitro (Recomendação n. 1.046/89, n.7, do Conselho da Europa; Pacto de São José da Costa Rica, art. 4º, I) (DINIZ, M., 2004, p.8).

Ainda que a lei não confira ao nascituro o status de pessoa, trata de resguardar seus direitos futuros. Não é apenas o recém-nascido que é sujeito de proteção legal. Ao não nascido deve-se estender determinada tutela jurídica, pois “aquele que é apenas uma esperança de nascimento tem a proteção de seus eventuais direitos civis” (FRANÇA, 2004, p. 250).

Não é outra coisa o que o Código Civil faz ao presumir concebido na constância do casamento os embriões que se enquadrem nas hipóteses dos incisos III, IV e V do art. 1.597. A lei civil brasileira estendeu seus braços sobre o não nascido, ainda que não implantado no útero materno, mas apenas no que tange ao aspecto da presunção de filiação. “Ideal seria que também tivesse constado na Parte Geral da legislação civil, ao menos, uma presunção de início da vida humana ou, até mesmo, uma expressa proteção à vida presente nos embriões in vitro” (FERREIRA, 2006, p. 6).

Neste norte, “já se preconiza em algumas legislações civis do mundo, uma personalidade antecipada do nascituro; seu nascimento apenas aperfeiçoaria o instituto da personalidade civil” (FRANÇA, 2004, p. 248).

Sonia Paz (2003, p. 64) acredita ser necessária a criação de uma lei específica que defina, reconheça e proteja “o embrião pré-implantatório existente nas clínicas de RHA, bem como preveja o destino dos embriões excedentes de uma fecundação in vitro – inclusive com garantias em normas penais”.

A Pontifícia Academia para a Vida promoveu um congresso internacional sobre o tema: "O embrião humano na fase do pré-implante. Aspectos científicos e considerações bioéticas". As conclusões finais do encontro foram divulgadas à sociedade civil através da internet[76].

A teoria concepcionista pode ser encarada sob duas vertentes, as quais serão abordadas no tópico a seguir.

2.2.1.1. Teorias da Singamia e da Cariogamia

Pode-se dizer que as duas teorias tratadas neste item são espécies da teoria concepcionista.

“A singamia, também denominada anfimixia, é o evento que corresponde à união dos gametas masculino e feminino. A cariogamia, evento sucessivo, corresponde à fusão dos cariogametas, isto é, os pró-núcleos masculino e feminino” (SILVA, 2002, p. 84).

Conforme verificado no Capítulo 1, há quem diga que fertilização e concepção são institutos distintos. Aquela precede esta. Entre uma e outra pode haver um lapso temporal de 12 (doze)[77] a 20 (vinte) horas[78].

“Para a teoria da singamia, antes mesmo da cariogamia, uma séria de reações em cadeia garante o que se pode denominar de processo de individualização/personalização do homem” (SILVA, 2002, p. 85).

Sobre a fecundação, interessante transcrever trecho da doutrina de Regina Beatriz Tavares da Silva (in FIÚZA, 2002, p. 1.597): “[...] A palavra ‘fecundação’ vem do latim – fecundatio, proveniente do verbo fecundare, que significa ‘fertilizar’ ”. Logo, a fecundação representa a fertilização do óvulo pelo esperma. Por sua vez, a palavra inseminação “tem origem no verbo inseminare, composto por in – dentro e sêmen – semente, de modo que significa a colocação do sêmen ou do óvulo fecundado na mulher”.

Contrapondo a teoria da singamia tem-se a teoria cariogâmica. O momento da fusão dos pró-núcleos dos gametas masculino e feminino evidencia a cariogamia. Assim, os adeptos da teoria cariogâmica atribuem um aspecto mais restrito ao termo concepção.

Para os cariogâmicos há, portanto, um lapso temporal de algumas horas (após o encontro dos gametas e antes da fusão de seu material genético) em que não se atribui personalidade ao embrião.

A teoria da singamia distingue-se da teoria da cariogamia na medida em que admite o primórdio da individualidade humana antes da concepção, isto é, no exato momento da fertilização, que ocorre quando apenas um, de aproximadamente duzentos a seiscentos milhões de espermatozóides liberados na ejaculação, consegue atravessar a zona pelúcida do óvulo, após passar através da corona radiata, constituída por camadas de células foliculares que igualmente circundam o óvulo (SILVA, 2002, p. 85).

Assim, desde o primeiro impulso vital que dá início a uma série de sucessivas reações que resultarão em uma criança pode-se falar em sujeito de direitos pela teoria singâmica.

2.2.2. Teoria do Pré-embrião

Quando se fala em RHA, trata-se de utilizar certas técnicas sobre um ser vivo que, segundo alguns, merece respeito à sua dignidade desde o princípio e segundo outros, é apenas um objeto passível de tutela pelo direito das coisas.

A comissão Warnock, formada por especialistas britânicos, reuniu-se entre 1982 e 1984 e deu publicidade ao termo pré-embrião.

No relatório Warnock, publicado em 1984 no Reino Unido para esclarecer as questões sobre reprodução e embriologia, existe a proposição de que podem ser feitas pesquisas sem restrição até o 14º dia, desde que os pré-embriões utilizados sejam destruídos ao final do experimento. Esta proposta contraria todas as normas e diretrizes de pesquisa em seres humanos, desde o Código de Nuremberg[79], que propõem o impedimento de experimentos cujo desfecho possível seja a morte. Vale lembrar que foi o Relatório Warnock que criou o termo pré-embrião para designar este primeiro período de desenvolvimento embrionário. Foi uma alternativa para a discussão sobre a possibilidade de utilizar ou não embriões em pesquisas. Como não houve consenso, criaram um novo termo que não gerava as mesmas resistências (GOLDIM, 2001, sp).

É preciso considerar que a adoção do termo ‘pré-embrião’ indica uma desconsideração do embrião extra-uterino como pessoa. O fracionamento do desenvolvimento do embrião em etapas estanques é deveras temerário, porquanto se trata de um processo que se desenvolve continuamente.

Minahim (2005, p. 85) relata que a ideologia do extermínio adota um mecanismo de desumanização como forma de afastar eventuais resistências. A partir do pensamento de Bobbio, a autora menciona uma tendência de animalização do ser humano, através de maus-tratos e degradação física, de forma a reduzir o homem a algo sub-humano capaz de causar repulsa. “Assim ocorreu com os judeus que estavam doentes, fracos, com parasitas, sem acesso às mínimas condições de higiene e cuja desumanização facilitava o propósito nazista”. Fenômeno equivalente se deu com a população nativa das Américas quando da conquista pelos ibéricos. Os “índios não eram considerados homens, em um processo que Domenico Losurdo chama de desespecificação”.

Processo semelhante ocorre quando se procura elencar justificativas para que o embrião fecundado ex utero, em seus primeiros estágios de desenvolvimento, não seja considerado membro da espécie humana.

Dom Elio Sgreccia[80] (2007, sp), narra a seguinte situação:

Lembro-me de que há alguns anos, numa discussão no comitê nacional de bioética italiano, alguém quis fazer distinção entre embrião e pré-embrião. O pré-embrião seria o embrião antes de se instalar no corpo da mulher, antes de 14 dias, segundo o que foi sugerido pela comissão inglesa. E me lembro de que alguns membros do comitê disseram: ‘Tragam-nos os manuais de medicina usados nas faculdades do mundo inteiro e encontrem um em que se fale de pré-embrião, no qual se diga que, desde a concepção até o nascimento, não é o mesmo sujeito que se desenvolve’. No entanto, neste momento, há quem queira impor essa opção feita pela Comissão Warnock, da Inglaterra, uma escola utilitarista, como se costuma dizer. Essa Comissão diz claramente que não é possível fazer uma distinção entre o momento da fecundação e o resto da vida procriada, mas, mesmo assim, propõe que até o 14º dia o embrião seja considerado de valor inferior ao embrião com mais de 14 dias, e se chame pré-embrião. Quais são as razões dessa discriminação dos primeiros 14 dias? (SGRECCIA, 2007, sp).

O questionamento levantado pelo bispo pode ser respondido de três maneiras. As três respostas representam os três principais argumentos utilitaristas de quem quer justificar a utilização dos embriões em estado pré implantatório para pesquisas ou descarte. Nenhuma das hipóteses, contudo, justifica-se do ponto de vista racional. “Essas três razões são razões instrumentais. O próprio relatório da Comissão Warnock diz isso, ao explicitar que quer favorecer a pesquisa com embriões, dando ao cientista a liberdade de manipulá-los” (SGRECCIA, 2007, sp).

Cada uma das justificativas merece ser tratada em tópico específico, o que se fará a seguir.

2.2.2.1. Nidação

Atribuir ao embrião extra-uterino o título de pré-embrião equivale a desclassificá-lo de sua qualidade humana. Estabelece-se um marco divisório entre a condição de animalidade e humanidade, qual seja, a nidação. Antes dela, não há que se falar em proteção jurídica. Materializa-se, pois, a ‘coisificação’ do embrião em estado pré-implantatório.

Alguns dizem que quando o embrião ainda não foi implantado no útero da mulher, e portanto não está sendo alimentado pela mãe, não há certeza de que possa prosseguir em seu desenvolvimento. É claro que uma criança recém-nascida que não é alimentada pela mãe morre. Mas não é a alimentação que produz a criança, portanto não é a implantação que faz do embrião um ser humano. A implantação faz com que o embrião cresça e se desenvolva. Nos primeiros dias, o embrião se alimenta daquilo que encontra no óvulo fecundado, e depois de implantado é alimentado pelo corpo da mulher. Mas já está ativo, já existe (SGRECCIA, 2007, sp).

Joaquim Lorentz (2002, p. 337-338) chama atenção para o fato de que a medicina brasileira adota a nidação como marco inicial da vida humana, pois “o embrião fecundado em laboratório morre se não for implantado no útero da mulher”.

Em que pese o art. 2º do Código Civil de 2002 por a salvo os direitos “desde a concepção”, em sua parte final menciona o termo “nascituro”. Há quem defenda que o embrião em estado pré-implantatório – antes de ocorrida a nidação – não é nascituro e, portanto, não estaria protegido pelo mencionado dispositivo.

2.2.2.2. Linha Primitiva

Por volta de quatorze dias após a fecundação inicia-se a instalação do sulco primitivo, ou seja, rudimentos do sistema nervoso central.

Alguns sistemas jurídicos, como o inglês, negam a existência de vida até este momento e, por conseqüência, tratam o produto da concepção, nas primeiras duas semanas, como coisa suscetível da disciplina jurídica típica das relações de propriedade, posse e descarte (MINAHIM, 2005, p.15).

Em outro norte, há quem diga que antes dos 14 dias ainda não existem sinais do que virá a ser o cérebro. Em não havendo fios neurológicos, não há que se falar em cérebro[81] (SGRECCIA, 2007, sp).

A idéia de que é preciso haver atividade neural para se caracterizar a vida humana parte do princípio de que é necessário adotar o mesmo critério para aferição do início e fim da vida. “Trata-se, em última análise, da aplicação do critério científico de morte, em sentido inverso” (LORENTZ, 2002, p. 339).

No mesmo sentido, tem-se:

A definição sobre a vida também pode ser buscada pelo seu reverso – a morte. Até meados do século passado, a medicina informava que a morte acontecia quando uma pessoa parava de respirar ou quando seu coração parava de bater. Hoje, com os avanços científicos a medicina criou o conceito de ‘morte encefálica’, assim definido o momento em que o cérebro deixa de funcionar. Sob o novo conceito, a morte pode ser decretada quando o coração ainda bate – e assim, pragmaticamente, é possível retirar os órgãos para fins de transplante. Diante disso, se a vida acaba quando o cérebro pára, é lícito supor que ela só começa quando o cérebro se forma. É o pensamento de uma corrente expressiva de cientistas, principalmente os especialistas em neurociência, para os quais a vida começa junto com a formação das primeiras terminações nervosas, coisa que só ocorre por volta da segunda semana de gestação (ESCOSTEGUY; BRITO, 2007, p. 57).

As maiores críticas à teoria do tubo neural dizem respeito à sua indefinição temporal.

Eleger a formação do tubo neural como o instante inicial de humanidade é algo passível de diversos questionamentos. Inicialmente, porque não se sabe exatamente qual a razão do décimo quarto[82] dia ter sido eleito como marco divisório – e não outro como o décimo oitavo, quando começa a movimentação celular para formar a placa neural, por exemplo – (MINAHIM, 2005, p. 84).

A partir da formação da linha primitiva, então, o embrião iniciaria sua “trajetória para se tornar feto, assemelhando-se a um bebê. Assim, o embrião humano só faria parte da espécie humana a partir do momento em que seu aspecto estrutural apresentasse caracteres morfológicos e anatômicos de seu fenótipo” (MINAHIM, 2005, p. 84).

Novamente, a continuidade do processo de desenvolvimento do embrião impede que se determine com exatidão o instante (ou dia aproximado) em que há, de fato, atividade neurológica no embrião[83].

Aspecto tão importante para a vida de um indivíduo, quanto a definição do momento a partir do qual ele passa a ser sujeito de direitos, não pode ser alvo de indefinições conceituais generalizadas.

2.2.2.3. Indivisibilidade

Até o final da segunda semana de gestação, o embrião ainda é dotado da capacidade de se dividir em dois ou mais, dando origem a gêmeos idênticos. Até este ponto, não estaria definida a individualidade do embrião, porquanto passível de originar dois bebês distintos.

“É essa a idéia que justifica o uso da pílula do dia seguinte e contraceptivos administrados nas duas primeiras semanas de gravidez” (MUTO; NARLOCH, 2005, p. 59).

Se o embrião, ainda depois de implantado, pode vir a dividir-se em dois, não há, ainda, absoluta certeza sobre sua identidade[84] (SGRECCIA, 2007, sp).

Contudo, a individualidade do ser humano é associada ao conceito de potencialidade. Já o zigoto é dotado de potencialidade de tornar-se um feto, uma criança, um adulto. “Por isso, nega-se sua distinção do embrião, reclamando-se que a elaboração de um estatuto alcance o produto da concepção humana em qualquer fase a partir da fecundação” (MINAHIM, 2005, p. 86).

Nesta linha de raciocínio, não seriam a forma humana, a presença de um ou outro órgão, ou o local onde se encontra, fundamentais para determinar a natureza do embrião. O que importa é não apenas a potencialidade dele dar origem a um ser, posto que ele em si próprio já o é.

2.2.3. Teoria da Gestação ou da Viabilidade

A gestação é um processo complexo, composto por diversas etapas nem sempre bem definidas. Na medida em que o embrião se torna um feto e vai desenvolvendo características humanas, mais próximo ele estará de ser considerado um indivíduo, um sujeito de direitos dotado de personalidade.

A teoria da gestação consagrou-se historicamente a partir do caso Roe versus Wade, decidido em 22 de janeiro de 1973 pela Suprema Corte dos Estados Unidos da América. Na oportunidade, declarou-se inconstitucional uma lei do Estado do Texas que permitia, de maneira ampla, o abortamento (SILVA, 2002, p. 83).

Fundada na tutela da intimidade (privacy), a decisão suprema reconheceu à mãe o direito incondicional de optar entre o abortamento e a gestação nos primeiros três meses de gestação, posto que resguardado o critério da saúde materna, também para efeito de abortamento, até o sexto mês. Nesse contexto, a preocupação com a individualidade do concepto, autorizando a intervenção estatal para a sua tutela, somente se admitiu após os seis meses de gestação, com a justificativa do conceito de ‘viabilidade’, pois, desde então, ‘supõe-se que o feto tenha a capacidade de levar um vida significativa fora do útero materno’ (SILVA, 2002, p. 83, grifou-se).

Os adeptos da teoria gestacional defendem que “a individualidade humana se firma gradualmente, relacionando a sua completude ao tempo gestacional”. O sistema nervoso central unificante, a forma humana e capacidade de sentir dor dão as atividades e características que, somadas, atribuem ao feto o status de pessoa (SILVA, 2002, 82-84).

O critério fundamental, portanto, seria a possibilidade do feto em formação sobreviver extra-uterninamente. “A natureza humana do concebido e não-nascido é outorgada somente àqueles que alcancem maturidade suficiente para viver fora do útero” (LORENTZ, 2002, p. 339).

A capacidade de ter uma sobrevida independente do útero materno, o que se dá em torno da 24ª semana, serve de critério para algumas legislações – como a norte americana[85] – no que tange ao aborto (SALEM, 2007, sp).

A viabilidade extra uterina é adotada pelo Comitê de Ética Francês como “marco distintivo entre a ‘pessoa humana potencial’ e a ‘pessoa humana tout court’ ” (SALEM, 2007, sp).

Trata-se de uma visão ecológica em que o fator determinante para o início da vida é a capacidade de sobreviver fora do útero. “Médicos consideram que um bebê prematuro só se mantém vivo se tiver pulmões prontos, o que acontece entre a 20ª e a 24ª semana de gravidez” (MUTO; NARLOCH, 2005, p. 59).

Por óbvio, o grande problema desta teoria reside na indeterminação dos momentos aquisitivos de cada característica, da potencialidade de sobrevida extra-uterina e, sobretudo, na recusa em atribuir ao ser humano uma individualidade baseada em sua própria essência humana.

2.2.4. Teoria da Personalidade Condicional

Para esta teoria, o nascituro teria uma personalidade jurídica condicionada ao nascimento com vida. É uma teoria intermediária que não é tão ousada quanto a concepcionista (informação verbal[86]).

Tereza Rodrigues e Renato Oliveira (2007, p. 13) citam Rizzardo, de acordo com o qual: “reconhece-se a existência do ser humano a partir da concepção. A personalidade é condicional, dependente do nascimento com vida”.

Esta corrente aponta o concepto e o nascituro como titulares de um direito sob condição suspensiva, sendo que o evento futuro e incerto a que se subordina a aquisição da personalidade é o nascimento com vida (SARAIVA apud PUSSI, 2005, p. 94-95).

Assim como na teoria concepcionista, com a qual muitas vezes é confundida, a teoria da personalidade condicional “também sustenta o que o início da personalidade se verifica a partir da concepção, embora sob condição do nascimento com vida” (SÁ; TEIXEIRA, 2005, p. 83).

Em linha gerais, a corrente da personalidade condicional defende que, uma vez verificada a condição do nascimento com vida, reconhece-se a personalidade do concepto desde o momento da união dos pró-núcleos.

2.2.5. Teoria Natalista

Conforme esta teoria, nem o nascituro nem o embrião em estado pré-implantatório são pessoas, pois a personalidade só é adquirida com o nascimento com vida (informação verbal[87]).

Reinaldo Pereira e Silva, em sua Introdução ao Biodireito (2002, p. 82), aduz que “a teoria da natalidade é expressão de certa doutrina romana, segundo a qual o concepto, nas entranhas maternas, não possui individualidade alguma, sendo apenas uma parte da mulher (partus enim antequam edatur, mullieris portio est vel viscerum)”.

A adoção da teoria natalista pressupõe a equiparação dos zigotos, embriões[88] e fetos a coisas ou bens, sobre os quais seus “donos” podem exercer os direitos inerentes à posse e à propriedade.

São adeptos desta teoria: Silvio Rodrigues, Silvio Venosa e E. Espínola (informação verbal[89]), entre outros.

H. T. Engelhardt Jr., por exemplo, superdimensiona os direitos dos pais, em detrimento dos do concepto. Segundo o autor, “aqueles que produziram um zigoto, um embrião ou um feto têm o direito primordial de determinar efetivamente o seu uso. Em geral, isto compete ao pai e a mãe que o conceberam [...]. Eles o produziram, eles o fizeram, é deles” (citado por SILVA, 2002, p. 83).

De acordo com o direito civil, o estado de pessoa natural e, portanto, a personalidade, vigem no interregno entre o nascimento e a morte. Dispõe o art. 2º do Código Civil de 2002: “A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; [...]” (FIÚZA, 2002, p. 4).

É preciso considerar que o ato do nascimento é “somente mais um ‘passo na continuidade vital que começa com a concepção e se conclui com a morte’. [...] Neste sentido, a vida humana é uma busca permanente pelo perfazimento” (SILVA, 2002, p. 8-49).

Aparentemente, a teoria natalista foi a adotada pelo Código Civil de 2002. Contudo, em vários pontos há concessões à teoria concepcionista conforme ver-se-á adiante.


3. A Normatização da situação dos embriões excedentários

“Toda pessoa tem o direito de que se respeite sua vida. Esse direito deve ser protegido pela lei, em geral, desde o momento da concepção. Ninguém pode ser privado da vida arbitrariamente” (Art. 4º do Pacto de São José da Costa Rica).

3.1. Os embriões excedentários nos documentos internacionais

Em que pese a maioria dos instrumentos arrolados neste tópico não serem vinculativos, servem como orientação ao traçarem orientações deontológicas a respeito dos direitos humanos de forma geral.

No Brasil, as declarações internacionais não têm força vinculativa, mas de recomendação. No Direito Internacional essa é a prática para a maioria dos documentos que envolvem direitos humanos, conhecidos como soft law, ou seja, são normas indicativas e não obrigatórias.

Não se pode olvidar, contudo, que a CR/88 expressamente determinou que os direitos e garantias por ela arrolados não prejudicam outros decorrentes de tratados internacionais em que o Brasil seja signatário[90].

Ademais, a Emenda Constitucional nº 45/04 acrescentou o §3º ao art. 5º, equiparando “os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros” (BRASIL, 1988, p. 39) às emendas constitucionais.

A preocupação e discussão a respeito dos direitos humanos tomou um grande impulso com o final da Segunda Guerra Mundial.

No âmbito internacional, Declarações e Pactos sobre estes direitos foram firmados, bem como Organizações e Cortes criadas para protegê-los. O reconhecimento do dever de respeitar e promover a dignidade da pessoa humana – embora o conteúdo dessa afirmação ainda hoje seja objeto de acirradas disputas – parecia ser o único ponto de acordo teórico entre os países divididos pela Guerra Fria (BARCELLOS, 2002, p. 111).

Destacar-se-ão a seguir, de forma sucinta e pontual, apenas os aspectos mais relevantes dos principais tratados internacionais sobre direitos humanos para o presente trabalho.

3.1.1. O Código de Nuremberg (1947)

O Código de Nuremberg é um documento que veio ao mundo em resposta à barbárie dos experimentos nazistas com seres humanos. Datando de 1947, foi concebido no Tribunal Internacional de Nuremberg[91].

De acordo com José Goldim (2004, sp), o Código de Nuremberg é um verdadeiro “marco na história da humanidade, pois pela primeira vez foi estabelecida uma recomendação de repercussão internacional sobre os aspectos éticos envolvidos na pesquisa em seres humanos. A sua repercussão prática, contudo, foi muito restrita”.

Vale destacar, que o consentimento voluntário passa a ser essencial para qualquer tipo de pesquisa.

De acordo com o art. 2º, o experimento só será válido se produzir resultados vantajosos para a sociedade “que não possam ser buscados por outros métodos de estudo [...]” (CÓDIGO, 1947, sp).

Para Diedrich (2001, p. 218), “nota-se uma maior preocupação com o ser humano em seu aspecto individual, embora também tenha sido enfatizado que os resultados da pesquisa devem ser ‘vantajosos para a sociedade’ ”.

Este aspecto é ponto controverso na pesquisa com células-tronco embrionárias. Conforme observar-se-á no item que trata da ADI que discute a constitucionalidade da lei de biossegurança, há quem afirme que a utilização de embriões é desnecessária, pois os resultados obtidos com células-tronco adultas são promissores.

Nada menos do que quatro, dos dez artigos do Código de Nuremberg, mencionam a inadmissibilidade de qualquer tipo de dano, invalidez ou morte. Fica evidente, portanto, a intenção de se coibir abusos à pessoa humana.

3.1.2. A Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948)

A Declaração Universal dos Direito Humanos consolidou uma preocupação constante do mundo que assistiu aos horrores da Segunda Guerra Mundial.

O nazismo e o fascismo ocasionaram uma reação à barbárie que culminou com a “consagração da dignidade da pessoa humana no plano internacional e interno como valor máximo dos ordenamentos jurídicos e princípio orientador da atuação estatal e dos organismos internacionais” (BARCELLOS, 2002, p. 108).

O preâmbulo da Declaração Universal dos Direitos Humanos é um texto belíssimo que dispensa comentários. Segue na íntegra:

Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e dos seus direitos iguais e inalienáveis constitui o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo;

Considerando que o desconhecimento e o desprezo dos direitos do Homen conduziram a actos de barbárie que revoltam a consciência da Humanidade e que o advento de um mundo em que os seres humanos sejam livres de falar e de crer, libertos do terror e da miséria, foi proclamado como a mais alta inspiração do Homem;

Considerando que é essencial a proteção dos direitos do Homem através de um regime de direito, para que o Homem não seja compelido, em supremo recurso, à revolta contra a tirania e a opressão;

Considerando que é essencial encorajar o desenvolvimento de relações amistosas entre as nações;

Considerando que, na Carta, os povos das Nações Unidas proclamam, de novo, a sua fé nos direitos fundamentais do Homem, na dignidade e no valor da pessoa humana, na igualdade de direitos dos homens e das mulheres e se declaram resolvidos a favorecer o progresso social e a instaurar melhores condições de vida dentro de uma liberdade mais ampla;

Considerando que os Estados membros se comprometeram a promover, em cooperação com a Organização das Nações Unidas, o respeito universal e efectivo dos direitos do Homem e das liberdades fundamentais;

Considerando que uma concepção comum destes direitos e liberdades é da mais alta importância para dar plena satisfação a tal compromisso:

A Assembléia Geral proclama a presente Declaração Universal dos Direitos Humanos como ideal comum a atingir por todos os povos e todas as nações, a fim de que todos os indivíduos e todos os orgãos da sociedade, tendo-a constantemente no espírito, se esforcem, pelo ensino e pela educação, por desenvolver o respeito desses direitos e liberdades e por promover, por medidas progressivas de ordem nacional e internacional, o seu reconhecimento e a sua aplicação universais e efectivos tanto entre as populações dos próprios Estados membros como entre as dos territórios colocados sob a sua jurisdição (DECLARAÇÃO U., 1948, sp, sem grifos no original).

A igualdade entre todos os seres humanos é o valor elencado no art. 1º da Declaração de 1948. Na seqüência, o art. 2º reforça a igualdade ao determinar que nenhuma distinção de “raça, de cor, de sexo, de língua, de religião, de opinião política ou outra, de origem nacional ou social, de fortuna, de nascimento ou de qualquer outra situação” é passível de impedir que se invoquem os direitos assegurados pelo instrumento (DECLARAÇÃO U., 1948, sp, grifou-se).

Interpretando o teor do art. 2º, especialmente quando veda discriminação em função do nascimento, pode-se, sem maiores problemas, inferir que o fato de um embrião humano ainda não ter nascido não é pretexto para negar-lhe o reconhecimento de seus direitos fundamentais. Ademais, trata-se de dispositivo que contém uma cláusula aberta (‘qualquer outra situação’) e que, portanto, amolda-se à fatos novos, tal qual a situação dos excedentários.

Neste passo, se o art. 3º considera que “todo indivíduo tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal” (DECLARAÇÃO U., 1948, sp), é de se concluir que também o embrião em estado pré-implantatório seria abrangido pela Declaração.

Em vários de seus dispositivos, a Declaração menciona os direitos do indivíduo. No art. 6º, “todos os indivíduos têm direito ao reconhecimento, em todos os lugares, da sua personalidade jurídica” (DECLARAÇÃO U., 1948, sp, sem grifos no original). Em que pese existirem discussões doutrinárias a respeito da atribuição do status de pessoa ao embrião, não há divergência quanto ao fato de ser ele um indivíduo da espécie humana, porquanto oriundo de gametas humanos e portador de individualidade genética típica de nossa espécie.

Considerado que, para a teoria da nidação, o que diferencia o embrião tutelado do não tutelado pelo direito é a implantação, ou não, deste no endométrio, pode-se dizer que trata-se de uma discriminação em função da localizacão, sim. Ora, se o embrião extra-uterino não é protegido, se o embrião ainda que concebido intra-uterinamente pode ser eliminado evitando-se a implantação através do uso da pílula do dia seguinte, e se, em contrapartida, o embrião afixado à parede do útero é intocável, só se pode concluir que o local onde ele se encontra é determinante para sua proteção – ou não proteção – jurídica.

3.1.3. Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem (1948)

Fruto da IX Conferência Internacional Americana, em Bogotá, 1948, a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem busca orientar a evolução do direito americano de forma a proteger os direitos do homem.

É interessante observar que em seu preâmbulo, a Declaração vincula a existência de deveres de ordem jurídica à preexistência de outros, de ordem moral. Os deveres morais pré-consolidados prestam-se a apoiar conceitualmente e fundamentar as normas jurídicas.

No que tange aos direitos pertinentes aos objetivos desta monografia, destacam-se o direito à vida de todos os seres humanos, e a igualdade de todas as pessoas perante a lei.

Em contrapartida, a Declaração também elenca deveres, entre eles o do art. XXIX: “O indivíduo tem o dever de conviver com os demais, de maneira que todos e cada um possam formar e desenvolver integralmente a sua personalidade” (DECLARAÇÃO A., 1948, sp).

Não se pode impedir, portanto, o desenvolvimento da personalidade de um indivíduo através da terminação de sua vida.

3.1.4. A Declaração de Helsinke (1964)

A declaração em comento traz à tona a idéia de ponderação entre os possíveis benefícios oriundos da pesquisa e os riscos que ela pode vir a causar.

Conforme o art. 3º da Declaração, “a pesquisa não pode ser legitimamente desenvolvida, a menos que a importância do objetivo seja proporcional ao risco inerente à pessoa exposta” (DECLARAÇÃO, 1964, sp).

“O aspecto individual também se sobrepôs ao coletivo, pois expressamente foi declarado como princípio básico que ‘os interesses do indivíduo devem prevalecer sobre os interesses da ciência e da sociedade’ ” (DIEDRICH, 2001, p. 218).

Na verdade, esta é a discussão principal no que tange a destinação dos embriões excedentários para pesquisas. Os possíveis benefícios que a experimentação com células-tronco embrionárias pode vir a trazer para os pacientes é mais importante do que a preservação da vida do embrião? Ou teria o embrião direito a ser respeitado enquanto pessoa humana dotada de dignidade e, portanto, não ser submetido a um experimento que lhe seja prejudicial?

A Declaração de Helsinke retira a legitimidade de qualquer pesquisa que não observe a proporcionalidade entre o possível benefício e o risco atribuído ao sujeito.

3.1.5. Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (1966)

O presente instrumento internacional foi adotado pela Assembléia Geral da ONU em 1966. Contudo, só passou a vigorar em 1976 quando atingiu-se o número mínimo de 35 adesões.

O Brasil é responsável por proteger os direitos fundamentais previstos no pacto. É que o Congresso aprovou o pacto, através do Decreto-Legislativo n. 226, de 12 de dezembro de 1991, depositando a Carta de Adesão na Secretaria Geral da Organização das Nações Unidas em 24 de janeiro de 1992. Desta forma, em 24 de abril de 1992, os dispositivos do pacto passaram a vigorar no Brasil (LEITE; MAXIMIANO, 2007, sp).

O pacto reconhece uma série de direitos e atribui sua necessidade à proteção da dignidade inerente à pessoa humana.

O direito à vida é previsto da seguinte forma: “1. O direito à vida é inerente à pessoa humana. Este direito deverá ser protegido pela lei. Ninguém poderá ser arbitrariamente privado de sua vida” (PACTO, 1966, sp).

De acordo com o art. 7º da parte III do documento, tratamentos cruéis desumanos e degradantes estão proscritos. “Será proibido, sobretudo, submeter uma pessoa, sem seu livre consentimento, a experiências médicas ou científicas” (PACTO, 1966, sp).

Em que pese não conceituar pessoa, o Pacto reconhece a todas estas o direito, onde quer que estejam, ao reconhecimento de sua personalidade jurídica.

3.1.6. Convenção Americana de Direitos Humanos (1969) - Pacto de São José da Costa Rica

A Convenção Americana de Direitos Humanos data de 1969. Contudo, a ratificação do documento pelo Governo brasileiro só se deu no ano de 1992, através do Decreto 678.

Não só a Constituição Federal do Brasil declara a inviolabilidade do direito à vida, como também acordos internacionais sobre Direitos Humanos que o Brasil assinou afirmam ser a vida inviolável. O principal desses acordos é o Pacto de São José da Costa Rica, que em seu artigo 4º prevê: ‘Toda pessoa tem o direito de que se respeite sua vida. Esse direito deve ser protegido pela lei, em geral, desde o momento da concepção. Ninguém pode ser privado da vida arbitrariamente’ (grifei). O Pacto de São José da Costa Rica entrou para o Ordenamento Jurídico Brasileiro através do Decreto 678/1992 e tem status de norma constitucional, vale dizer, deve ser observado pela legislação infraconstitucional (CLEMENTE, 2007, sp, grifos no original).

Considerando que o Pacto de São José da Costa Rica[92] equipara-se às normas constitucionais[93], é importantíssimo conhecer seu conteúdo.

Precipuamente, é interessante observar que o Pacto considera todo ser humano como um pessoa[94]. Esta reflexão é interessante, para elucidar a aparentemente interminável discussão em torno da natureza jurídica do embrião humano. Reluta-se em atribuir ao excedentário o status de pessoa. Por outro lado, esquece-se que há no Brasil um norma com força constitucional que considera como pessoa qualquer membro da espécie humana, sem qualquer distinção de fase de desenvolvimento, por exemplo.

A partir da conclusão de que todo ser humano – inclusive o embrião em estado pré-implantatório – é uma pessoa, pode-se inferir o direito comum de reconhecimento da personalidade Jurídica. Enuncia o art. 3º da Convenção: “Toda pessoa tem direito ao reconhecimento de sua personalidade jurídica” (CONVENÇÃO, 1969, sp).

No que tange ao direito à vida, a proteção conferida pela Convenção de 1969 é integral: “Artigo 4º - Direito à vida 1. Toda pessoa tem o direito de que se respeite sua vida. Esse direito deve ser protegido pela lei e, em geral, desde o momento da concepção. Ninguém pode ser privado da vida arbitrariamente” (CONVENÇÃO, 1969, sp, sem grifos no original).

Em última instância, volta-se a bater na tecla da igualdade, tal qual estampada no art. 24 do Pacto: “Todas as pessoas são iguais perante a lei. Por conseguinte, têm direito, sem discriminação alguma, à igual proteção da lei” (CONVENÇÃO, 1969, sp).

Não é preciso grande esforço interpretativo para compreender que Pacto de São José da Costa Rica, ao qual se subordina todo o ordenamento jurídico infraconstitucional brasileiro, determina a proteção à vida do embrião. Trata-se da manifestação constitucional expressa da teoria concepcionista.

3.1.7. Convenção sobre os Direitos da Criança (1989)

Adotada pela Assembléia Geral da ONU em 20.11.1989, a Convenção sobre os Direitos da Criança tem força de lei no Brasil em função do Decreto Legislativo nº 28, de 24.09.1990 e do Decreto Executivo nº 99.710, de 21.11.1990.

O mérito da Convenção consiste em materializar a “aplicação do princípio do melhor interesse do filho, que significou verdadeiro giro de Copérnico, na medida em que a primazia do interesse dos pais foi transferida para os filhos” (LOBO, 2007, p. 196).

Para o instrumento, considera-se criança todo ser humano menor de 18 anos. À semelhança do que se argumenta no item que trata do Estatuto da Criança e do Adolescente (Capítulo 2), não se estipula o nascimento como marco inicial para o ser humano ser considerado criança. Neste ínterim, é de se considerar que, como o que se fixou foi o termo final, o início da infância deve se dar desde o momento inicial de existência do ser humano, qual seja, a concepção.

O art. 2º da Convenção sobre os Direitos da Criança expressamente proíbe qualquer discriminação, independente de nascimento, ou seja, antes mesmo de nascer, o ser humano já estaria acobertado pela proteção do documento em análise.

Ao tratar do direito à vida, a convenção não se limita a determinar a proteção integral. Vai além e, no art. 6º, determina que “os Estados-partes assegurarão ao máximo a sobrevivência e o desenvolvimento da criança” (CONVENÇÃO, 1989, sp). Não basta assegurar a vida; é preciso fornecer condições de sobrevivência e desenvolvimento.

Qualquer tratamento discriminatório ao embrião é, portanto, incompatível com a Convenção sobre os Direitos da Criança, da qual o Brasil é signatário.

3.1.8. A Declaração Universal do Genoma Humano e dos Direitos Humanos (1997)

Considerando que o genoma humano representa patrimônio de cada ser humano e, por conseguinte, de toda a humanidade, em 11 de novembro de 1997, a Organização das Nações Unidas adotou a Declaração Universal do Genoma Humano e dos Direitos Humanos. A declaração recomenda que os Estados-Membros ajam no sentido de promover os direitos ali estabelecidos através de legislação própria no âmbito interno.

Na declaração, “foi reconhecido que o genoma humano está relacionado com a dignidade humana[95]” (DIEDRICH, 2001, p. 222).

Dispõe o art. 2º da declaração:

Todos têm direito ao respeito por sua dignidade e seus direitos humanos, independentemente de suas características genéticas.

Essa dignidade faz com que seja imperativo não reduzir os indivíduos a suas características genéticas e respeitar sua singularidade e diversidade (DECLARAÇÃO, 1997, p. 119).

Em seu art. 10, a Declaração materializa a prevalência da dignidade humana sobre a investigação científica e suas aplicações tecnológicas[96].

Considerando que o genoma é a base dessa dignidade, não se pode permitir que a dignidade seja desrespeitada em função de distinção ligada a características genéticas[97].

Na medida em que estabelece o respeito ao caráter único de cada indivíduo (arts. 2º e 11), a declaração determina que a liberdade de investigação prevista no art. 12 tenha como limite a observância da singularidade de cada ser humano.

3.1.9. Declaração Ibero-Latino-Americana sobre Ética Genética – Declaração de Manzanillo (1996 - 1998)

Também conhecida como Declaração de Manzanillo, a Declaração Ibero-Latino-Americana sobre Ética Genética foi elaborada na cidade que lhe atribui o nome em 1996 e revista em Buenos Aires, no ano de 1998.

Os países signatários, entre eles o Brasil, demonstram sua adesão aos valores e princípios de outros documentos jurídicos internacionais como a Declaração Universal sobre o Genoma Humano e os Direitos Humanos da UNESCO e o Convênio sobre Direitos Humanos e Biomedicina do Conselho da Europa.

Fica evidenciado o ponto de vista de países que não tem um grau de desenvolvimento científico e tecnológico de países de primeiro mundo, porquanto é enfatizada a necessidade de “solidariedade entre os povos” (DIEDRICH, 2001, p. 224).

A finalidade da Declaração é reforçar a “proteção do ser humano em relação aos efeitos não-desejáveis dos desenvolvimentos científicos e tecnológicos no âmbito da genética” (DECLARAÇÃO, 1996, sp).

Não se pode deixar de mencionar, ainda, que a Declaração Ibero-Latino-Americana determina que as pesquisas devem levar em consideração o respeito à dignidade humana.

3.1.10. Declaração Internacional sobre Dados Genéticos Humanos (2003)

A partir do preâmbulo da declaração[98] extrai-se que o seu objetivo é assegurar que a dignidade da pessoa humana, os direitos humanos e as liberdades fundamentais sejam respeitados no que tange aos dados genéticos, tudo em conformidade com os ideais de igualdade, justiça e solidariedade.

No art. 3º reconhece-se que a constituição genética de cada indivíduo é característica singular. Contudo, a identidade de uma pessoa não pode se resumir às características genéticas, pois há diversos fatores envolvidos (educativos, ambientais, pessoais, sociais, espirituais e culturais) (DECLARAÇÃO, 2003, sp).

Ademais, estabelece-se que nenhum dispositivo da declaração pode ser interpretada de forma contrária aos direitos humanos, às liberdades fundamentais e à dignidade da pessoa humana.

Em se considerando que a declaração serve de orientação para que os países signatários elaborem suas legislações internas, é interessante que existam tais limitações para impedir abusos.

3.2. Panorama Legislativo Brasileiro

O ritmo acelerado com que as descobertas são anunciados no campo da biomedicina faz com que o estado de inércia inerente ao sistema legislativo seja impulsionado.

Em que pese a necessidade de regulamentação já ter sido constatada por diversos setores da sociedade, a mobilização do Direito ainda está aquém do necessário[99].

Há três causas para a defasagem entre o fato e a norma nos aspectos da reprodução assistida em voga: “as incertezas e a provisoriedade dos achados científicos, assim como a fluidez ética contemporânea e a pluralidade de expectativas dos diversos segmentos sociais” (MINAHIM, 2005, p. 48).

Quando a cultura dos direitos humanos não está disseminada em todos os setores da sociedade, a tarefa de legislar a respeito de novos direitos é árdua e problemática.

O Brasil é um país em que os direitos fundamentais do homem foram sistematicamente desrespeitados. A necessidade de normas protetivas salta aos olhos, pois “a discutível ‘cordialidade’ do homem brasileiro, da qual fala Sérgio Buarque de Hollanda, e a longa tradição de autoritarismo de Estado não parecem indicar que se deva deixar totalmente em aberto este novo campo” (SAUWN; HRYNIEWICZ, 2000, p. 43).

Em momento oportuno, após a necessária reflexão da sociedade organizada, “poder-se-á pensar em novos direitos subjetivos [...]” (SAUWN; HRYNIEWICZ, 2000, p. 43) e, quiçá, movimentar a máquina legislativa.

Desde que o biodireito entrou na pauta de discussão do universo jurídico, passou-se a discutir como normatizar aquilo que é novidade. Que parâmetros usar para legislar a respeito de um tema sobre o qual não há consenso e nem tampouco uma reflexão consciente e representativa da sociedade posteriormente sujeita aos efeitos da norma? Ou ainda, como deve o juiz, diante desta lacuna do ordenamento, decidir um caso que envolva questionamento sobre o início da vida em tempos que a reprodução prescinde de relacionamento sexual e concepção intra corporis?[100] (SAUWN; HRYNIEWICZ, 2000, p. 46).

O que se deve regulamentar no desenvolvimento da Ciência em relação à RHA são os abusos que ela venha a cometer. A busca da fecundação in vitro colabora para o bem-estar do ser humano (no âmbito psicológico); quando se trata de inseminação artificial homóloga – respeitando-se o Código de Ética Médica e a Resolução 1358/92 do CFM, em que só devem ser fecundados os embriões que serão utilizados e tratados não como “coisa”, mas como um ser em potencial, que terá o desenvolvimento adequado após o 14º dia e será então regido pelas leis naturais, biológicas – a Ciência estará colocando a sua inteligência a serviço da lei da conservação e nada há de condenável nesta prática. O que deve ser vigorosamente condenado é tido o que atente contra o embrião: o seu uso em pesquisas e em cosméticos (PAZ, 2003, p. 30).

A limitação dos abusos em matéria de biomedicina tem como instrumento de controle a aplicação dos princípios bioéticos enumerados no capítulo 1.

Conforme se extrai da interpretação do art. 4º da Lei de Introdução ao Código Civil[101], apesar da omissão da lei, o juiz não pode se escusar de decidir, devendo fazer uso da analogia, dos costumes e dos princípios gerais do direito para, com bom senso, fornecer a prestação jurisdicional. Fortalece-se, neste sentido, a importância das discussões doutrinárias acerca do tema, afinal, “as lacunas da legislação em relação aos fatos novos decorrentes da revolução biomédica tornaram o biodireito um dos campos mais polêmicos e férteis do direito atual” (SAUWN; HRYNIEWICZ, 2000, p.46).

Em que pese a urgência de se alcançar um consenso no que tange à tratativa dos embriões excedentários, o biodireito ainda orbita na periferia dos grandes pilares do direito[102].

Diante do exposto, urge tecer rápidas considerações a respeito do panorama legislativo brasileiro no que tange aos embriões excedentários.

3.2.1 . A Constituição da República de 1988

Em um campo de vanguarda, não se pode falar em regulamentação jurídica infraconstitucional sem trazer à baila alguns princípios constitucionais que norteiam a situação jurídica dos embriões excedentários.

Com a gradativa constitucionalização do direito civil, as matérias biojurídicas “passaram a ser embasadas nos princípios estabelecidos pela Constituição Federal, como a dignidade da pessoa humana, respeito aos direitos fundamentais, direito à vida, [...] e preservação da integridade e diversidade do patrimônio genético” (LOUREIRO, 2006, p.10).

Conforme verificar-se-á oportunamente, há quem afaste o embrião ex ou in utero de tutela jurídica a partir de uma interpretação do texto constitucional um tanto quanto duvidosa. Afirma-se, a partir do conceito de aquisição da nacionalidade insculpido no art. 12 da CR[103], que os não nascidos ainda não são brasileiros. Assim, o nascituro não seria dotado de nacionalidade, nem de personalidade, pois não faria sentido atribuir tais prerrogativas a quem é apenas uma expectativa de pessoa (SEMIÃO, 2000, p. 105).

Em outro norte, o processo de união dos gametas humanos através das técnicas de RHA impulsiona um processo vital que começa com a formação do zigoto, o qual, após sucessivas divisões celulares deverá ser transferido, até o 14º dia, para o útero materno.

Cabe questionar: O embrião excedentários está protegido pela CR/88? (PAZ, 2003, p. 64).

Consoante Paz, o direito à vida é o primeiro que deve ser preservado, tanto é que existem normas constitucionais de aplicabilidade imediata neste sentido. Na preservação da vida, a igualdade deve prevalecer: “todos tem o direito de nascer, independentemente de sua posição social e, agora poderíamos acrescentar, biológica” (2003, p. 31, grifou-se).

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 assegura a inviolabilidade do direito à vida no caput do art. 5º. O primeiro aspecto a ser destacado em relação a esta inviolabilidade é o direito de permanecer vivo (TAVARES, 2003, p. 400).

Assim, o direito de nascer seria inerente a todos os seres humanos, independentemente da sua condição de in utero ou ex utero.

O legislador constituinte originário optou, em 1988, por atribuir lugar de destaque à dignidade da pessoa humana. Dispõe o art. 1º, inciso III, da Constituição de 1988: “A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado democrático de direito e tem como fundamentos: [...] III – a dignidade da pessoa humana” (BRASIL, 1988, p. 35).

O que se quer é deixar claro que o embrião não tem direito apenas à vida, mas também tem o direito ao reconhecimento de sua dignidade enquanto pessoa humana.

Não há direito que se sobreponha a esses dois direitos, que são a vida e a dignidade humana (quanto mais o direito à descendência e à concepção). A concepção in vitro, como uma cortina de fumaça, tem escondido a gritante relativização de direitos que são essenciais. A magna Carta, no entanto, em seu art. 5º, parágrafo 2°, deixa claro que os direitos e garantias ali elencados não excluem nenhum outro que deles decorra, mesmo que não estejam expressos (LIMA, 2005, sp, sem grifos no original).

Neste contexto, “A personalização do embrião aparece como requisito para que ele seja considerado apto, no mundo ético e também no jurídico, como ser capaz de usufruir o mesmo respeito devido ao ser humano nascido” (MINAHIM, 2005, p. 90).

Não se pode olvidar que o direito constitucional de livre planejamento familiar vem acompanhado do dever de proteger o produto da concepção desde os seus primórdios. “A indústria do aborto e da ‘criação’ de embriões para investigação deve ser estudada a fundo, sem perder a noção básica que deve reger todo ser humano: o princípio da dignidade humana” (PAZ, 2003, p. 13-14).

Não basta o legislador constituinte prever normas protetivas (igualdade na lei) se, na prática, critérios discriminatórios são aplicados no sentido de excluir algumas pessoas de sua tutela (igualdade perante a lei). Esta idéia fica bem delineada no trecho do Mandado de Injunção nº 58 que ora se colaciona:

O princípio da isonomia, que se reveste de auto-aplicabilidade, não é - enquanto postulado fundamental de nossa ordem político-jurídica — suscetível de regulamentação ou de complementação normativa. Esse princípio — cuja observância vincula, incondicionalmente, todas as manifestações do Poder Público — deve ser considerado, em sua precípua função de obstar discriminações e de extinguir privilégios (RDA 55/114), sob duplo aspecto: (a) o da igualdade na lei e (b) o da igualdade perante a lei. A igualdade na lei — que opera numa fase de generalidade puramente abstrata — constitui exigência destinada ao legislador que, no processo de sua formação, nela não poderá incluir fatores de discriminação, responsáveis pela ruptura da ordem isonômica. A igualdade perante a lei, contudo, pressupondo lei já elaborada, traduz imposição destinada aos demais poderes estatais, que, na aplicação da norma legal, não poderão subordiná-la a critérios que ensejem tratamento seletivo ou discriminatório. A eventual inobservância desse postulado pelo legislador imporá ao ato estatal por ele elaborado e produzido a eiva de inconstitucionalidade. (BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. Mandado de Injunção n. 58, grifou-se).

O concepto, enquanto membro da espécie humana, tem, portanto, sua vida e dignidade resguardadas pela Constituição da República. Se a lei é isonômica, todos são iguais na – e perante a – lei. Logo, não há razão para afastar o embrião ex utero da tutela constitucional.

3.2.2. Aspectos destacados da Legislação Civil e Processual Civil

Em que pese o Código Civil brasileiro datar de 10 de janeiro de 2002, o fato é que ele resulta de um projeto que tramitou por cerca de três décadas no Congresso Nacional. Neste sentido, pode-se entender a razão do “novo” Código já ter nascido “velho”.

No que tange aos aspectos ligados à reprodução assistida, o CC/02 manifestou-se em alguns pontos[104], silenciando em outros[105], o que fornece uma tutela civil esparsa e confusa.

3.2.2.1. O art. 2º do CC/02

O Código Civil de 2002 parece, precipuamente, adotar a teoria natalista segundo a qual o fator determinante para a aquisição da personalidade é o nascimento com vida. Contudo, em aparente contradição, assegura os direitos do nascituro desde a concepção.

Veja-se o texto do art. 2º do Código Substantivo Civil: “Art. 2º A personalidade civil da pessoa começa com o nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro” (BRASIL, 2002, p. 219).

A respeito da redação do art. 2º, Lima ressalta “um sentido contraposto ao que as palavras empregadas podem traduzir na realidade”. Tal figura de construção da linguagem ocorreria porque “se ‘a personalidade civil da pessoa começa com o nascimento com vida’, antes de tal ocorrência (o nascimento), tinha-se pessoa com personalidade não-civil?” (2005, sp).

Essa falta de clareza, então, só vem a confirmar o que os fatos (genético e biológico) anunciam: já há pessoa na concepção, ela precede o Direito em qualquer época que venha a nascer. O Direito Civil vem apenas regulamentar esse fato preexistente de tamanha importância jurídica: a personalidade. Ressalte-se que ele não vem criá-la, mas regulamentá-la, para a obtenção da pacificação social almejada (LIMA, 2005, sp, sem grifos no original).

Tais incongruências da literalidade do texto do art. 2º do Código Civil já foram apontadas por Jussara Meirelles. Na tentativa de demonstrar o problema interpretativo oriundo da redação do art. em voga, Meirelles traça um paralelo entre a situação do embrião excedentário e a do já implantado:

Ao nascituro, ainda que se entenda que a atribuição de personalidade coincide com a nidação[106] e os seus direitos patrimoniais são subordinados à condição resolutiva verificada pelo nascimento com vida, a titularidade está sujeita à acontecimentos incertos, cuja efetivação não está na dependência da vontade alheia. Já ao se aplicar as mesmas referências ao embrião in vitro a situação tornar-se-ia completamente diferente. Sua transferência ao útero estaria sujeita, dentre outros fatores, à vontade dos interessados no desenvolvimento do novo ser, que poderiam ser os titulares dos gametas fecundantes ou não. Saliente-se, portanto, que o embrião em estado pré-implantatório teria a possibilidade de vir ou não a se tornar sujeito de direitos, [...] dependendo do interesse direto que apresentassem as pessoas que juridicamente viriam com ele a se relacionar (apud SÁ; TEIXEIRA, 2005, p. 84, grifou-se).

Vale ressaltar que reduzir a personalidade de uma pessoa à vontade de outras significa a instrumentalização do concepto, relativizando-se os princípios constitucionais de respeito à vida e à dignidade da pessoa humana.

É preciso considerar que em outro dispositivo, o Código Civil fala em pessoas nascidas ou concebidas da mesma forma. Trata-se do art. 1.798, o qual menciona: “Legitimam-se a suceder as pessoas nascidas ou já concebidas no momento da abertura da sucessão” (BRASIL, 2002, p. 259). O tratamento dispensado faz crer que tanto os nascidos quanto os já concebidos são considerados pessoas.

Observe-se que a concepção significa a união dos gametas masculino e feminino, o que, como já visto, pode se dar intra ou extra corporis. O nascituro, por sua vez, é aquele que se encontra no interior do ventre da mãe. Desta forma, não é difícil concluir que um embrião extra uterino não é nascituro, muito embora já tenha sido concebido, porquanto dotado de um patrimônio genético único.

Em linhas gerais, extrai-se do art. 2º do CC/02 que o concepto é sim merecedor de tutela jurídica desde o momento da fusão do material genético de seus progenitores.

3.2.2.2. A Presunção de Filiação e as Omissões do Direito Sucessório

Com o advento do Novo Código Civil, introduziu-se no artigo que trata da presunção de filiação três novos incisos relacionados diretamente à reprodução assistida.

Dispõe o art. 1.597 do CC/02:

Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos: [...] III – havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido; IV – havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários, decorrentes de concepção artificial homóloga; V – havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido. (BRASIL, 2002, p. 348)[107].

São três, portanto, as situações novas elencadas: os embriões fruto de reprodução assistida homóloga post mortem, os oriundos de FIV homóloga, e, por fim, aqueles embriões decorrentes de RHA heteróloga com prévia autorização[108].

Sobre os embriões excedentários fruto de concepção artificial homóloga, dizem Sá e Teixeira (2005, p. 86, grifou-se): “No inciso IV, temos em aberto a problemática dos embriões excedentários, cujo destino ainda não foi tratado em regra específica, embora saibamos, por ser uma pessoa em potencial, tem sua dignidade garantida”.

Canziani (2004, p. 157) ressalta que tal dispositivo resolve eventuais dúvidas no que tange especificamente à filiação, mas deixa outras questões relevantes sem solução.

Em que pese o Novo Código Civil fazer menção expressa aos embriões excedentários nos três últimos incisos do art. 1.597, referente à presunção de filiação, trata-se da situação isolada. Há uma completa lacuna no que tange aos direitos sucessórios deste conceptus.

Qual a principal conseqüência de se presumir os filhos como concebidos na constância do casamento? Naturalmente os efeitos sucessórios. Neste ponto, há algumas considerações sobre a situação dos excedentários que merecem atenção.

A nova ordem de vocação hereditária incluída pelo CC/02 permite que se estipule disposição testamentária em favor da prole eventual[109], ou seja, pessoas que ainda nem foram concebidas ao tempo da abertura da sucessão.

A prole eventual também pode ser beneficiada por doação, nos termos do art. 546 do CC/02[110].

No Brasil, se estabelecido o vínculo da filiação, não se pode vedar o direito à herança. Os direitos do nascituro (indivíduo já concebido no momento da morte) e da prole eventual (aqueles que virão a nascer) estão legalmente assegurados. A lei civil protege os direitos desse nascituro em seu art. 4º do Código Civil[1]. A prole eventual encontra-se referida no capítulo das sucessões com indicação da vontade do testador e, analogicamente, poderá adequar-se ao caso em debate, pois não deixa de ser eventual a prole oriunda do método de fertilização após a morte do material genético. Mas, em se tratando de prole eventual, na lei civil atual a criança só teria direitos por meio de testamento (OLIVEIRA; BORGES, 2000, p. 67).

Observe-se que ambos os dispositivos mencionam a prole eventual de terceiros, na hipótese de, por exemplo, alguém dispor de seus bens em favor de seus futuros netos. É no mínimo estranha a omissão legislativa no que tange aos embriões oriundos de FIVETE post mortem, porquanto tratam-se de filhos do próprio testador ou doador. Ademais, esta técnica foi mencionada pelo próprio código civil em dispositivo que trata da presunção de filiação: “Art. 1597. Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos: [...] III – havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido” (BRASIL, 2002, p. 348).

A impropriedade verificada consiste na permissão do legislador de que se destinem bens aos filhos de outras pessoas que ainda nem foram concebidos. Por outro lado, não menciona tal possibilidade em relação aos filhos não nascidos do próprio doador/testador – concebidos ou não –, embora presuma a filiação.

O Código Civil de 2002 tratou do tema de forma tópica e assistemática, instituindo a presunção de filiação dos embriões, frutos de inseminação artificial homóloga e heteróloga, embora haja a mais completa lacuna de tratamento da matéria no direito sucessório. [...] Constata-se, portanto, que o Código Civil, na parte de Direito de Família, tratou do assunto de forma bastante superficial. Contudo, criou-se uma enorme incongruência, considerando que um dos efeitos do estado de filiação é a sucessão – seja dos descendentes pelos ascendentes, seja dos ascendentes pelos descendentes – o Direito Sucessório se calou frente às inovações do Direito Familiarista (SÁ; MEIRELES, 2005, p. 85-56, grifou-se).

Em resumo, poder-se-ia falar em pessoa natural já nascida, no nascituro (já implantado no útero materno) e na prole eventual como categorias abrangidas de alguma forma pelo direito sucessório. O que dizer dos embriões excedentários?

A este respeito, Maria Sá e Ana Teixeira (2005, p. 83-84) asseveram: “Impossível caracterizá-lo como pessoa natural porque inexiste o nascimento com vida; não é nascituro porque não se encontra no ventre materno; não pode ser caracterizado como prole eventual, porquanto já houve concepção”.

É necessário mencionar que o art. 1.798 do CC/02[111] poderia representar uma solução para os problemas no campo dos direitos sucessórios do embrião supranumerário. Entretanto, o código é omisso no que tange á forma de implementação de tal prerrogativa, o que representa demasiada insegurança jurídica.

“Mas como seria isso? A herança ficaria reservada, o inventário seria sobrestado até o momento em que a mãe, ou uma mulher, através do útero de substituição, resolvesse gerar aquele embrião?” (SÁ; TEIXEIRA, 2005, p. 87).

Poder-se ia pensar em, por analogia, aplicar a disciplina relativa à prole eventual, segundo a qual a herança fica sob os cuidados de um curador especial durante até dois anos[112]. Contudo, tal prática implicaria tratamento diferenciado aos “filhos excedentários”. Inclusive, não se pode olvidar que a concepção é preexistente no caso dos embriões em estado pré-implantatório.

Ademais, o art. 1.798 menciona entre os legitimados a suceder as pessoas já nascidas ou já concebidas no instante em que se verificar a morte. Lembrando que o art. 1.597 trata da reprodução post mortem, há que se considerar como possível a hipótese de haver gametas criogenados que darão origem à uma pessoa que ainda não havia sido concebida quando da abertura da sucessão.

3.2.2.3 .RA Homóloga e Heteróloga

Superada esta exposição, é importante diferenciar a fecundação artificial homóloga da heteróloga, até porque o Novo Código Civil faz menção expressa a estes termos.

Genival Veloso de França (2004, p. 244) aduz que a RA pode adotar duas modalidades completamente divergentes em seus aspectos morais, filosóficos, sociológicos, jurídicos e religiosos, a saber: “1. a reprodução assistida intra conjugal, homóloga ou auto-reprodução; 2. a reprodução assistida extraconjugal, heteróloga ou heteroreprodução”.

Inicialmente, vale diferenciar bem as duas hipóteses de RA: “A fecundação ou inseminação homologa é realizada com sêmen originário do marido, e a fecundação ou inseminação heteróloga é feita com o sêmen de terceira pessoa” (SILVA in FIÚZA, 2002, p. 1.408).

Há que se considerar que atualmente a RA homóloga é plenamente admitida. Como o material genético pertence ao próprio casal, não são atingidos os princípios da Moral e do Direito (FRANÇA, 2004, p. 244).

A RA heteróloga, por sua vez, consiste no

[...] processo pelo qual a criança que vier a ser gerada por qualquer das técnicas de reprodução assistida for fecundada com a utilização de gametas de doadores, dividindo-se a fecundação heteróloga em a matre, quando o gameta doado for feminino, a patre, quando se tratar de doação de gameta masculino, ou total, quando os gametas utilizados na fecundação, tanto os masculinos quanto os femininos, são de doadores. Em qualquer caso, o doador ou a doadora não terá qualquer relação de maternidade ou paternidade com a criança, que será exercida pelos receptores (FERNANDES, 2000, p. 58).

A modalidade heteróloga de Reprodução Assistida pode ser vista como uma combinação da “terapia de infertilidade com o moderno método de eugenia positiva (criação de seres humanos de pretensa qualidade superior através do recurso a material genético masculino selecionado)” (PUSSI, 2005, p. 284).

Contudo, há quem veja a RA heteróloga com ressalvas, pois pode “criar conflitos inevitáveis entre a realidade biológica e a definição legal” (FRANÇA, 2004, p. 244).

Foi justamente para regulamentar esta situação que incluiu-se o inciso V no art. 1.597 já mencionado.

3.2.2.4. Da Posse em Nome do Nascituro

Os arts. 877[113] e 878[114] do CPC dispõem a respeito de um instituto denominado Posse em Nome do Nacituro.

Trata-se de um procedimento cautelar específico que visa proteger o patrimônio do nascituro sucessor quando verificado o óbito de seu progenitor durante a constância da gravidez.

Na verdade, a genitora não terá a posse representando o nascituro. Não se trata de representação, pois se assim o fosse a posse seria transmitida ao nascituro, representado por sua mãe. Na posse em nome do nascituro, apesar do trocadilho semântico, a posse é transferida à mãe, e não ao nascituro (SEMIÃO, 2000, p. 107).

A crítica direcionada à posse em nome do nascituro recai sobre a exigência de comprovação do estado de gravidez. Novamente a Lei brasileira efetua discriminação negativa entre o embrião in utero e o in vitro. Enquanto o primeiro tem a prerrogativa de – para alguns por si, para muitos por sua mãe[115] – buscar a prestação jurisdicional de urgência para assegurar seus direitos sucessórios, ao segundo não se atribui tal possibilidade (ao menos expressamente).

Em que pese o silêncio da norma, novamente devem-se trazer à tona os princípios constitucionais que proscrevem tal tipo de discriminação e se sobrepõe à qualquer dispositivo infraconstitucional que com eles não se coadune.

3.2.3 .O Estatuto da Criança e do Adolescente

A Lei 8.069/1990 – Estatuto da Criança e do Adolescente –, em seu art. 2º, considera criança a pessoa até 12 (doze) anos de idade incompletos.

O que se questiona é se, neste conceito de criança, estaria abrangido o concepto. Se assim o for, a ele se estenderiam a doutrina da proteção integral instituída pelo Estatuto, bem como os direitos fundamentais da pessoa humana, tal qual previsto no art. 3º:

[...] A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade (BRASIL, 1990, sp).

O Código Civil revogado mencionava que a adoção depende do consentimento do representante legal do adotado, se incapaz ou nascituro. Todavia, o Novo Código não mencionou o nascituro no art. 1.621[116] que trata da adoção. Estaria o não-nascido implicitamente incluído no dispositivo do CC/02? É o embrião humano, desde a concepção, uma criança para todos os efeitos?

A polêmica gira em torno exatamente do fato de se o nascituro[117] está enquadrado no conceito de "criança" do ECA e do porquê de o Código Civil de 2002 não ter feito menção a ele. Prioritariamente, não há que se discutir a diferenciação entre as nomenclaturas criança e nascituro, no que diz respeito à proteção jurídica deste último, por serem apenas vocábulos que buscam definir – através de um corte etário – a etapa da vida do ser humano a que se refere (LIMA, 2005, sp, grifou-se)

Em busca da intenção do legislador, insta salientar que o art. 7º do ECA prevê que "a criança e o adolescente têm o direito a proteção à vida e à saúde, mediante a efetivação de políticas públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência" (BRASIL, 1990, sp, sem grifos no original).

“Assim, todo nascituro é uma criança para o Estatuto da Criança e do Adolescente (e para a corrente concepcionista)” (LIMA, 2005, sp).

Destarte, se a proteção visa permitir o nascimento, a lei só pode estar se referindo aos seres ainda não nascidos. Pode-se inferir, então, que o ECA abrange, no conceito de criança, o nascituro e o concepto, assegurando-lhes o direito de nascer.

3.2.4. Aspectos Penais

O direito penal como se conhece remonta ao nascimento do Estado Liberal no século XVIII. Em função do contexto histórico de seu nascedouro[118], este ramo da ciência jurídica preocupava-se em tutelar direitos eminentemente individuais[119].

Contudo, atualmente a ciência penal enfrenta um momento delicado de quebra de paradigmas[120].

Definir o campo de atuação do direito penal na revolução biotecnológica sem precedentes que se desenrola diante da geração atual é tarefa de extrema complexidade e importância. Ao mesmo tempo em que não se pode impor cabrestos ao desenvolvimento científico, é preciso tutelar o futuro da humanidade.

O impacto produzido pela biotecnologia no direito Criminal impõe, como se vê, reflexões criteriosas para que, nem se deixe de atender à demanda social de tutela, identificando-se então os bens jurídicos que se deseja proteger, nem se exacerbe esta proteção de forma a tentar obstar o desenvolvimento da ciência ou impedir o curso da trajetória da humanidade. A intervenção do direito no campo da biotecnologia deve se fazer de forma a preservar a liberdade científica e, ao mesmo tempo, proteger o ser humano dos excessos possíveis nesta área. Trata-se de uma convocação importante para disciplinar situações que são, nesse instante, consideradas essenciais para a própria existência da espécie humana (MINAHIM, 2005, p. 57, grifou-se).

As técnicas de RHA têm seu mérito por possibilitar que casais concretizem o sonho de terem um filho. Todavia, é preciso ter em mente que na medida em que cresce a margem de intervenção humana, aumenta a exposição da vida a um risco até então inexistente.

O art. 1º do Código Penal materializa o princípio da legalidade e o da anterioridade da lei penal[121]. Desta forma, não há que se falar em aborto[122] ou aplicação analógica de qualquer outro tipo penal à conduta de descarte embrionário.

Para se extrair a licitude da destruição ou descarte do pré-embrião, considera-se o já exaustivamente abordado princípio da legalidade. Não havendo proibição expressa, o expediente é lícito. De outra parte, deve-se considerar o princípio da anterioridade, não havendo como se falar em crime, pois não há crime sem lei anterior que o defina, o que determina a impossibilidade de punição, pois também não há pena sem prévia cominação legal (OLIVEIRA; BORGES, 2000, p. 71).

É neste sentido a ressalva de Deborah Oliveira e Edson Borges (2000, p. 72): “Pode-se considerar que o pré-embrião in vitro é vida e necessita de proteção penal, já que para ele há proteção civil, mas, enquanto não houver lei que defina a destruição ou descarte de pré-embriões como crime, como aborto tal fato não poderá ser considerado”.

Incabível se falar em crime de aborto para a destruição dos embriões excedentários, porquanto o delito em voga presume a existência de gravidez.

Embrionicídio é o termo que vem sendo utilizado para designar a eliminação de embriões. “A diferença do aborto para o embrionicídio [...] está no fato do aborto ser a interrupção da gravidez, com a morte do feto que se encontra no interior da mulher, enquanto no embrionicídio o mesmo é destruído extra-corpore” (FERREIRA, 2002, sp).

Causa estranheza a grave antinomia legislativa oriunda da permissão para dar termo à vida dos embriões excedentários de um lado, e a proibição expressa do aborto, de outro.

Deve-se observar, porém, que ao proibir o aborto, protege-se a vida, e não o local onde ela se realiza. Assim, não é o fato de o ser humano estar no ventre ou em um tubo de ensaio que devem ser determinante para determinar se deve viver ou morrer.

A vida é um bem jurídico de primeira magnitude que constitui o típico objeto de tutela do direito penal. Contudo, até mesmo a vida é relativizada pela ciência criminal. “[...] a própria legislação penal distingue espécies de vida, quando dispensa à vida independente, uma tutela mais severa (homicídio) do que aquela dispensada à dependente (aborto)” (MINAHIM, 2005, p. 71).

Haveria de se pensar na possibilidade de se criminalizar o embrionicídio, pois assim superar-se-iam os impedimentos semânticos de caracterizar o descarte embrionário como fato típico.

Contudo, deve-se ter cautela para que o direito penal, objetivando proteger a sociedade de lesões a bens jurídicos tutelados, não acabe por agir de maneira inversa, em desobservância ao princípio da dignidade da pessoa humana.

Dentro de um juízo de razoabilidade, a solução para as incontáveis controvérsias trazidas à baila pela biotecnologia deve “primar pela concretização do Princípio da Dignidade Humana naquela situação concreta apresentada” (SÁ; TEIXEIRA, 2005, p. 11).

A Nova Lei de Biossegurança contém um capítulo referente aos crimes e às penas[123]. Neste ínterim, o que vale ressaltar é que o art. 24[124] criminaliza a conduta de fazer uso de embrião humano desobservando-se as hipóteses do art. 5º da mesma Lei[125], cominando uma sanção de 1 (um) a 3 (três) anos de detenção, e multa.

Feitas estas considerações, a figura do art. 24 – utilizar embrião em desacordo com o que dispõe o art. 5º da lei 11.105/05, fica explicitada; trata-se de crime cujo elemento normativo tem um papel preponderante na configuração da ilicitude. A Lei, no art. 5º, permite, com base nos valores já referidos[126], a utilização de células-tronco embrionárias obtidas de embriões humanos, produzidos por fertilização in vitro e não utilizados no respectivo procedimento, para fins de pesquisa e terapia. Algumas condições são impostas tais como, que sejam embriões inviáveis (inc. I); ou seja, congelados há 3 (três) anos ou mais, na data da publicação da Lei, ou que, já congelados na data da publicação desta Lei, depois de completarem 3 (três) anos, contados a partir da data de congelamento (inc. II) (MINAHIM, 2005, p. 162).

Verifica-se que a redação do art. 5º, em especial no inciso II, é confusa. É possível identificar dois tipos de embriões:

Há os que já completaram três anos de congelamento quando da publicação desta lei. Considerando que a publicação no Diário Oficial da União se deu em 28 de março de 2005, tratar-se-iam, neste primeiro grupo, dos embriões excedentários criogenados até 27 de março de 2002. Assim, os embriões congelados até esta data, desde a publicação da Nova Lei de Biossegurança, passaram a poder ser utilizados para pesquisa e terapia[127] sem que esta conduta constitua crime.

Em um segundo grupo, mencionado na parte final do inciso II do art. 5º, estão os embriões criogenados entre 28 de março de 2002 e 27 de março de 2005, ou seja, já congelados na data da publicação da Lei, mas que neste dia ainda não haviam completado três anos de congelamento. O termo final de criopreservação deve ser analisado caso a caso, sendo que aqueles congelados na véspera da publicação só poderão ser utilizados a partir de 26 de março de 2008, quando completarão três anos de congelamento.

O que acontecerá a partir de então?

O que dizer a respeito dos embriões não utilizados nas reproduções ocorridas após 28 de março de 2005?

Apesar de não proibir, a lei também não autoriza expressamente que os “novos embriões” sejam criogenados.

Seria a conduta de congelar os “novos embriões” e/ou utilizá-los para retirar células-tronco com o fim de pesquisa ou terapia contrária ao art. 5º?

Seria, então, possível deduzir que a crioconservação é permitida, porém a utilização para fins de pesquisa e terapia não, já que não está prevista tal hipóteses no art. 5º?

Se não há previsão da utilização dos embriões congelados após 28 de março de 2005 para extração de células-tronco embrionária, quer-se crer que agir de tal forma seria contrário aos preceitos do art. 5º da Lei de Biossegurança, configurando, portanto, o crime do art. 24 da mesma lei.

De uma forma ou de outra, há de se considerar que a conduta de descarte embrionário é, pelo que procurou se expor, inconstitucional.

É preciso ressaltar que ao legislador não é dado estabelecer distinções entre o embrião que está em um tubo de ensaio e o que está no útero materno. “[...] Ambos são idênticos, tanto sob o ponto de vista biológico como ético” (SÁ; TEIXEIRA, 2005, p. 91).

À lei não é dado garantir a um embrião plenitude do direito à vida, cominando sanção na esfera penal para quem interromper seu desenvolvimento enquanto que, por outro lado, estipula uma previsão legal autorizando a terminação da vida de outro embrião.

“Ambos os embriões possuem o mesmo grau de personalidade, são sujeitos de direito e possuem idêntico direito à vida e de nascer” (SZANIAWSKY apud SÁ: TEIXEIRA, 2005, p. 89-90).

Voltar-se-á ao tema quando da análise da Lei 11.105/05 no próximo item.

Por ora, vale dizer que a única certeza que se tem é que a liberação das pesquisas com células-tronco embrionárias pela Lei 11.105 supervalorizou o potencial redentor de pesquisas com resultados incertos e pouco conhecidos em detrimento dos interesses do embrião humano envolvido.

3.2.5. A Lei de Biossegurança – Lei nº 11.105 de 2005

Há que se fazer menção, ainda que sucintamente, à Nova Lei de Biossegurança – Lei 11.105/2005[128].

A respeito da origem da Lei, manifesta-se Maria Auxiliadora Minahim (2005, p. 159-160):

A aprovação da Lei 11.105/2005 foi festejada, entre os cientistas no Brasil, como se representasse o passaporte para o ingresso do país na comunidade internacional vanguardista no uso de tecnologia de ponta. A liberação para pesquisas em células-tronco embrionárias, cujas implicações científicas, são pouco conhecidas da população comum, foi posta como uma questão inadiável para o salvamento de vidas que, de outra forma, morreriam. Todo o problema foi reduzido a um binômio: devem ser jogados fora os embriões congelados ou devem ser utilizados para pesquisas redentoras? No bojo das pressões pela liberação legal do uso de sementes geneticamente modificadas, a resposta positiva à segunda pergunta resultou no art. 5º da Lei que permite o uso de jovens embriões para fins terapêuticos. Restringiu-se a utilização aos embriões inviáveis e congelados há 3 (três) anos ou mais, na data da publicação desta Lei, depois de completarem 3 (três) anos, contados a partir da data do congelamento.

A Lei é alvo de diversas críticas em função da diversidade dos assuntos abordados e da diversidade de penas cominadas: estabelece desde toda uma estrutura de órgãos na área de biossegurança, até dispositivos sobre OGMs e uso de células-tronco embrionárias[129].

É curioso observar que a lei dedica muito mais espaço para as questões ligadas a OGMs do que àqueles referentes ao trato dos embriões humanos, prevendo, inclusive, penas similares nos dois casos em que estão em voga interesses tão diversos. (MINAHIM, 2005, p. 120).

Na verdade, a partir da ementa da lei[130] não se pode inferir que ela se destina a regulamentar o uso de células-tronco embrionárias, por exemplo. Melhor seria que, a exemplo de outros países, a matéria fosse objeto de uma lei específica sobre RHA ou um Estatuto do Embrião Humano.

Assim como já ocorre em diversos países europeus (França, Alemanha e Espanha[131]), a regulamentação jurídica sobre os embriões humanos ficaria muito melhor alocada em uma lei que trate especificamente desta matéria (MINAHIM, 200, p. 120).

O fato é que, na forma como entrou em vigor, a Lei 11.105 veio a permitir a realização de pesquisas com embriões em estágio inicial de desenvolvimento[132].

Para Maria de Fátima Sá e Ana Carolina Teixeira (2005, p. 97), “o art. 5º não deixa dúvidas sobre a possibilidade de pesquisas em células-tronco embrionárias”.

Segue na íntegra o art. 5º da Nova Lei de Biossegurança:

Art. 5º É permitida, para fins de pesquisa e terapia, a utilização de células-tronco embrionárias, obtidas de embriões humanos produzidos por fertilização in vitro, não utilizados no respectivo procedimento, atendidas as seguintes condições:

I – Sejam embriões inviáveis; ou

II – sejam embriões congelados há 3 (três) anos ou mais, na data da publicação desta Lei, ou que, já congelados na data da publicação desta Lei, depois de completarem 3 (três) anos, contados a partir da data do congelamento.

§ 1º. Em qualquer caso, é necessário o consentimento dos genitores [...] (VIEIRA, 2005, p. 13).

Como se pode observar, o art. em voga é de redação confusa, em especial no inciso II, exigindo mais do que uma leitura atenta para sua compreensão.

O caput menciona embriões humanos produzidos em FIV e não utilizados no respectivo procedimento. Tratam-se dos embriões excedentários ou supranumerários. A norma permite que estes embriões em estado pré-implantatório, quando inviáveis ou congelados além de determinado período (inciso II), sejam utilizados para extração de células-tronco com finalidade de pesquisa e terapia.

No que concerne à inviabilidade mencionada no inciso I, vale mencionar: “Deve tratar-se de embrião que não tem condições estruturais – físicas – de desenvolver-se em processo gestacional para alcançar outros estádios de desenvolvimento” (MINAHIM, 2005, p. 162).

Ainda em relação ao inciso I,

[...] sempre nos perguntamos quais são os critérios para definir um embrião como inviável. Embora pensemos na infelicidade do termo, acreditamos que só poderemos entender como inviáveis aqueles incapazes de desenvolvimento, por apresentarem anomalias incompatíveis com a vida, e não comprometimentos que evidenciem deficiências psicofísicas, sob pena de sua utilização configurar-se em eugenia negativa (SÁ; TEIXEIRA, 2005, p. 98).

Bipartindo o inciso II tem-se, na parte inicial, permissão para utilização dos embriões que, na data da publicação da lei, já haviam completado 3 (três) anos de crioconservação. Na parte final, o inciso II menciona um grupo de embriões que foi congelado em um lapso temporal que abrange desde menos de 3 (três) anos antes até a data de publicação da lei. Este grupo poderá ser utilizado quando completar 3 (três) anos da data do congelamento. Assim, um embrião criogenado na véspera da publicação da lei poderá ser utilizado quando faltar um dia para a publicação contar com 3 (três) anos[133].

O bem jurídico protegido pela norma parece ficar esquecido quando se estipula – ao alvedrio do legislador – um prazo para a sua violação. “Se o que se tutela é a vida, ou a dignidade da vida humana, por que o prazo de congelamento é determinante para a configuração do crime?” (MINAHIM, 2005, p. 163).

Trata-se de critério baseado na incerteza[134], que visa permitir o desrespeito ao principal bem jurídico merecedor de tutela: a vida humana.

Sá e Teixeira (2003, p. 99) também criticam a falta de critério aparente para a fixação do limite temporal:

O inciso II causa estranheza porque o legislador não explica a razão de sua escolha para que os embriões congelados há três anos ou mais sejam os ‘premiados’ a cobaias de pesquisas genéticas. Se estivéssemos diante do inciso I, poderíamos até questionar, em razão do termo ‘inviável’, se ‘seria compatível com a dignidade humana ser gerado mediante ressalva e, somente após um exame genético, ser considerado digno de uma existência e de um desenvolvimento’. Contudo, a determinação da quantificação de anos de congelamento é mais estreita ainda, levando à conclusão de que estamos diante de política legislativa, sem qualquer explicação plausível para tal (SÁ; TEIXEIRA, 2005, p. 99).

Entretanto, o dispositivo não menciona os embriões criogenados após a publicação da lei. Poder-se-ia presumir, então, que após a data da publicação não é mais possível congelar embriões? Não, pois conforme o princípio da legalidade tudo o que não for expressamente proibido pela lei é permitido aos particulares em geral.

Aline Oliveira (2005, p. 27) defende que é inútil discutir se o embrião excedente é vida humana, porquanto o inciso III do art. 1º da CR/88 faz referência à pessoa humana. Muito embora seja indubitável que o embrião é vida, já que dotado de células metabolicamente ativas, e de vida de natureza humana, pois oriundo de material genético estritamente humano, não se pode atribuir a este ser o status de pessoa. Não se aplicaria, segundo esta autora, portanto, o princípio da dignidade da pessoa humana aos embriões excedentes.

Segundo o mesmo raciocínio, a advogada especialista em bioética defende a não aplicabilidade do caput do art. 5º da Constituição da República aos embriões em estado pré-implantatório. Explica:

O caput do art. 5º dispõe que ‘todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida [...]’. Conforme o inciso I do art. 12 da Constituição Federal, são brasileiros os nascidos nas circunstâncias elencadas no dispositivo, denominados natos, bem como os naturalizados [...]. Seja nato ou naturalizado, o brasileiro, de acordo com o poder constituinte originário, é o nascido, portanto, o embrião não é considerado brasileiro (OLIVEIRA, 2002, p. 27).

As sociedades organizadas como Estados Democráticos de Direito que dispõe da tecnologia necessária para aplicar intervenções genéticas e pesquisas com a manipulação de embriões vivem um verdadeiro dilema: “[...] junto à necessidade de estabelecer limites, impõe-se outra obrigação importante: a de garantir que os benefícios para a saúde, que estes conhecimentos representam, estejam ao alcance de todos os sujeitos que deles precisam[135]” (CAMBRÓN in PAZ, 2003, p. 9).

Sabe-se que as células-tronco são células indiferenciadas que podem ser retiradas da medula óssea, do sangue do cordão umbilical ou de embriões criopreservados. Entretanto, nenhuma possibilidade gera tanta polêmica quanto a manipulação dos embriões.

O debate mais polêmico e desafiador é o uso de células-tronco de embriões criopreservados nessas clínicas. Usar os que estão congelados a [sic] pelo menos 3 anos como diz a Lei de Biossegurança? Pode-se criar embriões com essa finalidade? A discussão que é feita hoje é: embriões criopreservados é vida? É vida humana? É potencial de pessoa? É pessoa? Na verdade a reflexão deve ser outra, pois afinal é claro que é vida, vida humana, pois de um oócito humano fertilizado por um espermatozóide humano só pode gerar um ser humano, é pessoa pelo direito brasileiro se nascer com vida então nesse sentido é pessoa em potencial. Mas, na verdade, a reflexão deve ser: utilizar embriões esquecidos nessas clínicas por casais que já obtiveram sucesso e não querem mais filhos para auxiliar na pesquisa para salvar outras vidas ou deixá-los por tempo indeterminado criopreservados até que não tenha nenhuma finalidade e seja descartado? (CLEMENTE, 2005, sp).

A previsão do § 1º do art. 5º da lei 11.105/2005 reforça a tese do legislador de tratar os embriões supranumerários como objetos, pois atribui aos genitores ampla liberdade para autorizar ou não sua destinação para pesquisa.

Na prática, é como se os embriões pertencessem aos seus progenitores. Os beneficiários têm sobre os supranumerários “total poder de disposição, de vida e de morte”[136] (SÁ; TEIXEIRA, 2005, p. 99).

Os dilemas éticos, morais e jurídicos oriundos das técnicas de reprodução in vitro, tais quais os questionamentos supra, estão longe de ter uma solução que agrade a todos os envolvidos. Tanto o é que já se argüiu a inconstitucionalidade do dispositivo da Nova Lei de Biossegurança que aborda a questão dos excedentários, conforme se verá no item subseqüente.

3.2.5.1. Ação Direta de Inconstitucionalidade 3.510/2005

A pesquisa com células-tronco embrionárias humanas tornou-se lícita no Brasil com a entrada em vigor da Lei 11.105/2005, desde que respeitadas as condições do art. 5º da mesma norma.

Todavia, não se pode olvidar que, pela hierarquia do ordenamento jurídico, “leis internas dos Estados que neguem vigência ao princípio da dignidade da pessoa não têm nenhuma validade, em função da universalidade do preceito e devem ensejar a responsabilização dos Estados e indivíduos que a promovem” (GARCIA in ZISMAN, 2005, p. 4).

De fato, é intrínseca a cada norma jurídica sua finalidade precípua de promover a justiça e respeitar a dignidade da pessoa humana (SILVA, 2002, p. 194).

Neste ínterim, apontou-se a inconstitucionalidade material do art. 5º da Lei de Biossegurança, porquanto o legislador não teria observado o aspecto constitucional de igualdade, inserindo no ordenamento jurídico texto manifestamente discriminatório e atentatório à dignidade da pessoa humana[137].

Os direitos que decorrem da personalidade humana e de sua intrínseca dignidade, são direitos naturais que não podem ser negados ou restringidos por ninguém (FARIA apud SILVA, 2002, p. 194) – tampouco pelo legislador ordinário ao arrepio da Constituição.

Em função deste raciocínio, o Procurador-Geral da Republica, na época Claudio Fontelles, propôs a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.510/05, em face do art. 5º da Lei 11.105/05.

Na peça inicial, o Procurador-Geral da República alega que os citados dispositivos não se coadunam com a ‘inviolabilidade do direito à vida’ assegurada a todos os brasileiros e estrangeiros residentes no País, nos termos do art. 5º da Carta Política, e com o preceituado inciso III do art. 1º da Constituição da República, que assenta a ‘dignidade da pessoa humana’ como fundamento do Estado democrático de Direito (OLIVEIRA, 2005, p. 26).

Caso se conclua que a vida inicia com o surgimento do embrião, então a lei de biossegurança é substancialmente inconstitucional.

Em contrapartida, um grupo de pessoas acredita que a utilização dos embriões excedentes inviáveis ou congelados há mais de três anos é necessária na medida em que pode originar estudos capazes de salvar vidas humanas.

Houve ainda, quem criticasse a propositura da ADI, dizendo tratar-se de fundamentação de cunho religioso, o que seria inadmissível em um Estado laico como o brasileiro[138].

A partir de uma leitura atenta e avalorativa da exordial da ADI, fica claro que sua fundamentação é, sobretudo, jurídica, pois parte do pressuposto que todos são iguais perante a lei e é inviolável o direito à vida.

Ora, se esse texto normativo constitucional prescreve o princípio da inviolabilidade do direito à vida, se impõe, para que tenha efetividade – pois já longe está o tempo em que se consideravam os dispositivos constitucionais como meramente programáticos ou de pura abstração – que se defina o momento inicial da vida humana (FONTELLES, 2007, sp).

Não se pode olvidar que os avanços da ciência, paradoxalmente, tornaram ainda mais complexa a celeuma. Calos Ayres Brito, o Ministro relator da ADI chegou a afirmar: “Pode suceder que esse debate deságüe numa perplexidade: é impossível dizer quando a vida começa” (ESCOSTEGUY; BRITO, 2007, p. 57).

Indiscutivelmente, contudo, é preciso que o debate seja instaurado. Não foi outro, felizmente, o efeito da ADI proposta.

3.2.5.1.1 . A Audiência Pública no Supremo Tribunal Federal

Nunca antes, na historia do Supremo Tribunal Federal, houve a realização de uma audiência pública.

Contudo, em 20 de abril de 2007, uma sexta-feira, o STF abriu suas portas para que cientistas e os Ministros debatessem, por cerca de oito horas, sobre o início da vida humana e a obtenção de células-tronco embrionárias para pesquisas.

Ilustração 7 - Ellen Gracie abre Audiência Pública no STF (PRESIDENTE..., 2007, sp)

Laura Capriglione (2007, sp) assevera que a inédita audiência pública no Supremo contou com trinta e quatro cientistas em um verdadeiro “desfile de currículos e aula intensiva de biologia”, tudo para atingir o objetivo do encontro, que era ajudar os Ministros a responder à pergunta “quando começa a vida?”[139].

Começa no momento em que o espermatozóide fecunda o óvulo, como defende a professora Cláudia Batista, doutora em neurociência da Universidade Federal do Rio de Janeiro? Ou quando o óvulo fecundado adere à parede no útero, como quer o neurofisiologista Luis Eugênio Mello, da Universidade Federal de São Paulo? Ou será que a vida começa quando aparecem as primeiras terminações nervosas que resultarão no cérebro, como advoga a geneticista Mayana Zatz, da Universidade de São Paulo? (ESCOSTEGUY; BRITO, 2007, p. 55).

Com certeza cada uma destas perguntas admite várias respostas, dependendo do ponto de vista que são analisadas.

O relator da ADI, Carlos Ayres Brito, ao decidir pela instalação da audiência pública, permitiu que à argumentação jurídica somasse-se outra: a científica.

Na medida em que o Supremo Tribunal Federal quebra seu isolamento e dialoga com a sociedade científica, cumpre de melhor forma a sua função e quem sai ganhando é a democracia (FONTELES, 2007, sp).

Os temas biojurídicos têm na diversidade e pluralidade de pensamentos uma característica marcante. Maria de Fátima Sá e Ana Carolina Teixeira chamam a atenção para mutabilidade das concepções humanas. Se o homem é essencialmente um ser histórico e cultural, seu conhecimento é indissociável de seus valores construídos por esta vivência histórico-cultural. “Não podemos mais, em pleno terceiro milênio, incorrer no erro de acharmos que algo é definitivo. Nada é” (2005, p. 82).

O editorial da Folha de São Paulo, de 21 de abril de 2007, elogiou a decisão do Ministro em realizar a audiência pública, dizendo ser “auspicioso que o Supremo busque o máximo de informação científica para embasar seu pronunciamento” (FOLHA..., 2007, sp).

Rafael Garcia teme que a discussão torne-se uma batalha envolvendo religiosos e laicos. “Defendendo as pesquisas com embriões estão centistas convidados pelo STF (muitos deles estudiosos de células-tronco). Defendendo a proibição estão outros escolhidos pelo MPF e pela Confederação Nacional de Bispos do Brasil” (2007, sp).

Os cientistas convidados foram divididos em dois blocos: o chamado Bloco 2, a favor dos dispositivos da Lei de Biossegurança, e outro, o Bloco 1, reforçando a tese da inconstitucionalidade do art. 5º da Lei de Biossegurança.

O Bloco 1, apoiando os argumentos do proponente da ADI Claudio Fontelles, foi composto por Stevens Rehen[140], Lenise Aparecida Martins[141], Cláudia Maria de Castro Batista[142], Lílian Piñero Eça[143], Alice Teixeira Ferreira[144], Marcelo Paulo Vaccari Mazzetti[145], Antônio José Eça[146], Elizabeth Kipman Cerqueira[147], Rodolfo Acatauassú Nunes[148], Dalton Luiz de Paula Ramos[149], Herbert Praxedes[150], e Rogério Pazetti[151].

Ilustração 8 – Claudio Fonteles – subprocurador geral da República, autor da ADI (AUTOR..., 2007, sp)

A posição em que os Ministros do STF se encontram é delicada. O filósofo Roberto Romano avalia que o Supremo “terá de adentrar um árido debate filosófico e moral que nem mesmo os grandes pensadores da humanidade conseguiram chegar perto de resolver” (ESCOSTEGUY; BRITO, 2007, p. 55).

Representando o Bloco 2, em defesa da Lei de Biossegurança, manifestaram-se Mayana Zatz[152], Patrícia Helena Lucas Pranke[153], Lúcia Willadino Braga[154]. “As três estudiosas frisaram a importância de que a legislação permita as pesquisas com células-tronco embrionárias, que hoje são as únicas com potencial para recuperar doenças neurológicas incuráveis” (ESPECIALISTAS..., 2007, sp). Fazem parte desde grupo, ainda, Júlio César Voltarelli[155], Ricardo Ribeiro dos Santos[156], Rosalia Mendes Otero[157], e Steven Rehen[158].

Ilustração 9 – Geneticista Mayana Zatz, em defesa das pesquisas com células-tronco

(ESPECIALISTAS, 2007, sp)

O Ministro relator da ADI, Ayres Brito, vai apresentar aos seus pares um relatório sobre a audiência no mês de junho. O julgamento, contudo, ainda não tem data marcada (CAPRIGLIONE, 2007, sp).

Caso o tribunal decida que os embriões excedentários são seres vivos com o status de pessoa, o art. 5º da Lei de Biossegurança será alterado, desagradando cientistas que há muito, por questões metodológicas, abdicaram do problema sobre o início da vida (GARCIA, 2007, sp).

“O debate no STF durou o dia inteiro e, naturalmente, não chegou a um consenso, mas ajudou a jogar um pouco de luz sobre uma das questões mais profundas da filosofia: a gênese da vida” (ESCOSTEGUY; BRITO, 2007, p. 55).

A questão é polêmica e está longe de encontrar um consenso nos diversos setores da sociedade. A multiplicidade de caminhos apontados pelos diversos projetos de lei que tramitam no Congresso, os quais serão abordados a seguir, indicam o alto grau de incerteza sobre a futura tutela jurídica do embrião.

3.2.6. Projetos de Lei de Iniciativa do Senado Federal

Tramitam no Brasil uma série de Projetos de Lei sobre a matéria de reprodução assistida.

Contudo, os projetos “refletem pensamentos e orientações os mais diversos” (MINAHIM, 2005, p. 106).

Seguem os principais[159].

3.2.6.1.O Projeto de Lei nº 90/1999

O Projeto de Lei n. 90, de 1999, de autoria do Senador Lúcio Alcântara relatado pelo Senador Roberto Requião, foi apresentado em sua versão original com as diretrizes no que tange aos embriões excedentários estampadas no art. 9º e seus parágrafos.

Logo no caput[160], estabelece-se que os embriões excedentários poderão ser crioconservados.

No §1º aborda-se questão delicada ao excluir o embrião antes da implantação da proteção jurídica concedida ao in utero: “§1º Não se aplicam aos embriões originados in vitro, antes de sua introdução no aparelho reprodutor da mulher receptora, os direitos assegurados ao nascituro na forma da lei” (BRASIL, 1999, sp).

Conforme é possível observar, o projeto em seus moldes originais trata-se de manifestação explicita da intenção do legislador de tratar o embrião excedentário como “coisa”, fornecendo aos beneficiários amplos poderes de determinar o destino dos conceptos[161].

“O legislador atribui status de coisa, de simples res aos embriões excedentes. Assim, no seu entendimento, haveria um direito de propriedade do beneficiário, intitulado por ele de ‘usuário’ ” (SÁ; TEIXEIRA, 2005, p. 90).

São os usuários quem decidem quantos embriões serão implantados a fresco, bem como o que deve ser feito com os restantes, facultando-lhes optar pela preservação, descarte ou doação para pesquisa[162].

Além de permitir a opção dos usuários a respeito do descarte, o projeto prevê situações em que o descarte seria obrigatório:

Art. 9º [...] §6º É obrigatório o descarte de gametas e embriões: I – doados há mais de dois anos; II – sempre que for solicitado pelos doadores; sempre que estiver determinado no documento de consentimento informado; IV – nos casos conhecidos de falecimento de doadores ou depositantes; V – no caso de falecimento de pelo menos uma das pessoas que originaram embriões preservados [...]” (BRASIL, 1999, sp).

Logo se observa que o inciso V do § 6º é incompatível com a presunção de filiação introduzida pelo art. 1.579 do CC/02. Ora, não faz o menor sentido reconhecer como presumido na constância do casamento os filhos havidos por reprodução assistida homóloga post mortem enquanto se obriga a destruição do embrião caso faleça um dos doadores do material genético.

Em suma, a versão original do Projeto 90/99, a partir da desconsideração da equiparação do excedentário com o feto implantado, admite tanto a preservação quanto a destruição de embriões excedentes. Opta-se, pois, pela “reificação” do concepto.

Todavia, as diretrizes apontadas pelo projeto são polêmicas e estão longe de obter consenso. Tanto o é que, quanto da análise pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, apresentou-se projeto substitutivo, com alterações significativas da tutela atribuída aos embriões excedentários.

De plano, o projeto substitutivo veda a criação de novos embriões supranumerários, porquanto determina a transferência a fresco de todos os embriões produzidos.

O projeto substitutivo inviabiliza a doação de embriões. É que estes terão que ser produzidos em número igual ou inferior a três, em cada ciclo reprodutivo da mulher. Não mais poderão ser congelados para ulterior utilização, devendo ser introduzidos a fresco na beneficiaria, evitando, assim, procedimentos como a redução embrionária (SÁ; TEIXEIRA, 2005, p. 93).

Mantendo a orientação do projeto original, também o substitutivo oferece tratamento diferenciado ao embrião originado ex utero e ao nascituro[163].

Por justiça, é de se reconhecer que as alterações do projeto substitutivo exortam o valor da vida humana embrionária. Porém, a solução apresentada de evitar a criação de supranumerários é simplista e não resolve o problema dos milhares que já se encontram criogenados.

Por fim, insta informar que o projeto foi arquivado em 28 de fevereiro de 2007. Persistiu-se na intenção inicial de mencioná-lo já que por cerca de 8 anos de tramitação o projeto gerou discussões sobre o tema da reprodução assistida no Congresso Nacional.

3.2.7.Projetos de Lei de Iniciativa da Câmara dos Deputados

3.2.7.1.O Projeto de Lei 2.855/1997

De autoria do Deputado Confúcio Moura, o projeto dispõe sobre a utilização de técnicas de reprodução humana assistida, em especial a fecundação in vitro, transferência de pré-embriões, transferência intratubária de gametas, a crioconservação de embriões e a gestação de substituição.

Atualmente tramita em conjunto com os projetos de lei 4.665/2001, 1.184/2003 e 1.135/2003.

O projeto veda a fecundação de oócitos com finalidade diversa da reprodutiva[164], proibindo também a redução embrionária, ainda que a gravidez seja múltipla, exceto quando houver risco para a gestante (art. 8º).

Desta forma, fica proibida a industrialização de embriões humanos para funcionarem como matéria-prima de células-tronco embrionárias para pesquisas.

É permitida a crioconservação dos pré-embriões não utilizados por até 5 (cinco) anos (arts. 23 e 24). Após este período, os bancos que o armazenam poderão descartá-los ou utilizá-los para experimentação[165].

Inicialmente, não se podem produzir embriões para pesquisas. Porém, após alguns anos de crioconservação seu destino será a destruição ou experimentação. A respeito da aparente contradição, aduz o proponente em sua justificação:

Estamos convencidos de que não podemos engessar a ciência e a tecnologia, e de que a lei tem de ter uma visão de equilíbrio, para que não seja consumida rapidamente, como algo descartável ou sazonal.

Não podemos cair, jamais, na extremada posição de tudo permitir em nome da liberdade de iniciativa no campo científico. Esse direito deve ser sempre balizado pelo princípio fundamental da dignidade da pessoa humana (BRASIL, P., 1997, sp).

A investigação experimental com pré-embriões dar-se-á exclusivamente com o consentimento dos doadores e autorização do Conselho Nacional de RHA, com finalidade diagnóstica, terapêutica ou preventiva (art. 32). Fica vedada a alteração do patrimônio genético saudável (art. 32, parágrafo único).

O art. 34 prevê que os embriões ou pré-embriões abortados serão considerados mortos ou não viáveis, podendo ser utilizados para experimentação. Todavia, a investigação deve ser pautada pelos objetivos elencados no art. 33, quais sejam: I – aperfeiçoar as técnicas de RHA; II – estudar a origem da vida humana e seu desenvolvimento; III – estudar fertilidade e infertilidade; IV – conhecer a estrutura dos genes; V – conhecer a origem do câncer e das enfermidades genéticas hereditárias.

A proposição criminaliza a conduta de manter pré-embriões criogenados além do prazo de 5 (cinco) anos, a clonagem por qualquer método, a criação de zigotos com finalidade não reprodutiva, entre outros.

Em suma, trata-se de projeto moderado que não se posiciona nem em um extremo, nem em outro. Se, por um lado, veda a produção de embriões com finalidade diversa da reprodutiva, por outro exige que após cinco anos de crioconservação eles sejam destruídos ou destinados para pesquisas.

3.2.7.2. O Projeto de Lei 1.135/2003

De autoria do Deputado Federal e médico José Aristodemo Pinotti, o PLC 1.135 de 2003 tramita em conjunto com o PL 2.855 de 1997.

Quando o art. 3º, II define o que se entende por pré-embrião[166] já está dando uma dica de que o projeto segue uma orientação no sentido de desconsiderar a personalidade do concepto em suas fases iniciais de desenvolvimento.

Tal suspeita é confirmada quando, em seu art. 12, a proposição exclui expressamente a personalidade civil dos pré-embriões[167] (BRASIL, 2003, sp).

No que tange ao diagnóstico e tratamento de pré-embriões, o projeto permite que a manipulação seja feita em benefício do próprio embrião, sendo obrigatório o consentimento informado do casal (art. 15) (BRASIL, 2003, sp).

O tempo máximo de desenvolvimento in vitro será de 14 dias (art. 15, §3º) (BRASIL, 2003, sp).

Na esfera criminal, o projeto tipifica: a) a fecundação de oócito humano com finalidade distinta da reprodução; b) a comercialização ou industrialização de pré-embriões ou gametas; c) prática de RHA sem o consentimento informado dos beneficiários; d) revelar a identidade civil dos doadores ou beneficiários, uns aos outros (BRASIL, 2003, sp).

O projeto permite a criopreservação de gametas e pré-embriões, vedando a destruição sumária (art. 14 caput e §1º). Contudo, após três anos de armazenamento os beneficiários poderão decidir sobre o descarte ou doação (§3º) (BRASIL, 2003, sp).

Potencializa-se o caráter de objeto dos embriões excedentários quando se atribui aos doadores ou depositantes beneficiários total liberdade para decidirem o destino dos supranumerários.

O projeto assume a posição de desconsiderar a personalidade jurídica do embrião em estado pré-implantatório, equiparando-o a um objeto passível de tutela pelo direito de propriedade.

3.2.7.3. O Projeto de Lei 4.555/2004

Trata-se de projeto de lei sobre a obrigatoriedade dos bancos de cordão umbilical, placentário e de armazenamento de embriões resultantes de fertilização assistida terem natureza pública.

Tramita apensado ao projeto de lei nº 3.055/04, o qual cria o Programa Nacional de Coleta, Armazenamento, Exame e Transplante de células originárias de sangue de cordão umbilical e dá outras providências.

No art. 4º, a proposição menciona que os embriões armazenados para fins de obtenção de células-tronco embrionárias não poderão ser comercializados (BRASIL, Projeto de Lei nº 4.555, 2004, sp).

A conduta de comercializar os embriões supranumerários foi criminalizada, cominando-se a pena de reclusão de dois a seis anos.

Em sua justificação, o Deputado Federal Henrique Fontana aduz que a polêmica sobre o uso de células-tronco provenientes de embriões está na determinação do início da vida.

No caso de uso de embriões, produzidos para fertilização in vitro, aqueles não utilizados ou que sejam inviáveis, poderão até ser descartados, sem que ofereçam esperança de cura para muitos seres humanos. A regulamentação pretendida com esta proposição, sobre as células embrionárias, diz respeito tão somente à natureza pública de seu armazenamento, a proibição se sua comercialização, a tipificação de crimes e a definição de penas, posto que a pesquisa para a sua utilização para fins terapêuticos é objeto do projeto de biossegurança, em fase final de tramitação no Congresso (in BRASIL, Projeto de Lei nº 4.555, 2004, sp).

O projeto de biossegurança referido acabou por converter-se na Lei 11.105/2005, sobre a qual já se comentou. Conforme foi possível verificar, a Nova Lei de Biossegurança não prevê o descarte puro e simples, mas tão somente alguns casos específicos em que os embriões poderão ser utilizados para pesquisas científicas.

A Lei não deixa clara a questão sobre a possibilidade de produção dos excedentários após sua entrada em vigor, o que sugere que a não proibição significa uma permissão tácita.

Da mesma forma, presume-se que o projeto em voga admite a produção de embriões excedentários e não veda a sua utilização para pesquisas.

3.2.7.4. O Projeto de Lei 4.664/2004

Apensado ao PL 1.184/2003, o PL 4.664/2004 foi proposto por Lamartine Posella. Composto por apenas quatro artigos, dispõe sobre a proibição ao descarte de embriões humanos fertilizados "in vitro", determina a responsabilidade sobre os mesmos e dá outras providências.

Conciso, o projeto contém apenas 4 artigos, razão pela qual será transcrito na íntegra:

Art. 1º – É vedado, em todo o território nacional, o descarte de embriões humanos fertilizados “in vitro”. Art. 2º – A responsabilidade sobre o destino dos embriões não implantados é dos doadores das células germinativas por 5 anos. Após este período, a responsabilidade passará para a clínica de reprodução assistida que, acrescida à responsabilidade de manutenção, só poderá destiná-los se for para adoção; nunca para experiências. Art. 3º – Revogam-se as disposições em contrário. Art. 4º – Esta lei entra em vigor na data de sua publicação (BRASIL, Projeto de Lei nº 4.664, 2004, sp, sem grifos no original).

O art. 1o veda, como visto, o descarte dos conceptos excedentes de procedimentos de reprodução humana assistida.

Solução inédita é a adotada no que tange à responsabilidade pela manutenção dos supranumerários. Nos primeiros 5 (cinco) anos, a responsabilidade é dos doadores dos gametas. Após, competirá à clínica sua manutenção. Esta manutenção é necessária, porquanto restou vedada a destruição sumária e a destinação para experiências. O único encaminhamento possível é a adoção.

Verifica-se, pois, que o projeto do deputado Posella prima pela proteção à vida do embrião excedentário. A proibição do descarte e a atribuição de responsáveis pela sua mantença, bem como a destinação específica para adoção excluindo a possibilidade de utilização para pesquisas são práticas que se coadunam com a proteção integral do concepto em função de sua característica de pessoa humana.

3.2.7.5. O Projeto de Lei 489/2007

De autoria do deputado Odair Cunha, dispõe sobre o Estatuto do Nascituro e sua proteção integral. O projeto elenca os direitos inerentes ao nascituro, na qualidade de criança por nascer, desde a sua concepção.

Vários desses direitos, já previsto em leis esparsas, foram compilados no presente Estatuto. Por exemplo, o direito de o nascituro receber doações (art. 542, Código Civil), de receber um curador especial quando seus interesses colidirem com os de seus pais (art. 1.692, Código Civil), de ser adotado (art. 1.621, Código Civil), de se adquirir herança (arts. 1.798 e 1799, Código Civil), de nascer (art. 7º, Estatuto da Criança e do Adolescente), de receber do juiz uma sentença declaratória de seus direitos após comprovada a gravidez de sua mãe (arts. 877 e 878, Código de Processo Civil) (BRASIL, 2007, sp).

Em consonância com a intenção de integralizar a proteção ao nascituro, especialmente no que tange aos direitos da personalidade, dá-se especial atenção à alguns direitos essenciais[168] enquanto, em outro norte, proscreve-se qualquer tipo de conduta discriminatória[169] (BRASIL, 2007, sp).

Define nascituro como o ser humano concebido e ainda não nascido (art. 2º). Neste sentido, o concepto, ou embrião, in vitro estaria abrangido pelo Estatuto[170].

Em relação aos direitos da personalidade, o projeto do Estatuto reconhece que o não nascido os possui desde a concepção, ficando a aquisição da personalidade jurídica condicionada ao nascimento com vida[171].

Conforme é possível verificar, o Estatuto objetiva fornecer proteção integral desde o momento da união dos gametas, inclusive do que tange aos direitos da personalidade.

Na justificação do projeto o deputado refere-se à problemática do não nascido nos seguintes termos:

Por se tratar de tema de extrema importância e sendo o Brasil, signatário do Pacto de São José da Costa Rica, que determina a existência de leis que disponham, exclusivamente, sobre a proteção integral ao nascituro, trago novamente à discussão o referido tema [...].

A proliferação de abusos com seres humanos não nascidos, incluindo a manipulação, o congelamento, o descarte e o comércio de embriões humanos, a condenação de bebês à morte por causa de deficiências físicas ou por causa de crime cometido por seus pais, os planos de que os bebês sejam clonados e mortos com o único fim de serem suas células transplantadas para adultos doentes, tudo isso requer que, a exemplo de outros países como a Itália, seja promulgada uma lei que interrompa tamanhas atrocidades (BRASIL, 2007, sp, grifou-se).

O proponente menciona uma lei norte-americana de 2004, intitulada “Unborn Victims of Violence Act”[172], segundo a qual a pessoa que causar morte ou lesão à pessoa não nascida, responderá criminalmente por tal ato, sem prejuízo da punição pela morte ou lesão à gestante. Para o deputado, trata-se de exemplo pontual do esforço de se reconhecer o nascituro como uma pessoa tal qual qualquer outra já nascida.

Noticia-se, ainda, que no mesmo ano – 1994 – passou a vigorar na Itália “uma lei que dá ao embrião humano os mesmos direitos de um cidadão” (BRASIL, 2007, sp).

Em função da relevância deste projeto para o presente trabalho, recomenda-se sua leitura integral. Para tanto, disponibiliza-se sua redação, na íntegra, no anexo II.

3.2.8. Orientações Éticas do Conselho Federal de Medicina
3.2.8.1. Resolução nº 1.358, de 1992, do Conselho Federal de Medicina

Muito embora não tenha conteúdo vinculativo juridicamente, a Resolução nº 1.358 do Conselho Federal de Medicina traça normas éticas a serem observadas no manejo das técnicas de reprodução humana assistida. São dispositivos deontológicos a serem seguidos pelos médicos.

A resolução estabelece que a finalidade precípua das técnicas de reprodução assistida é possibilitar que casais com problemas de infertilidade realizem seu projeto parental.

Neste sentido, o art. 5º veda a fecundação com finalidade diversa da reprodutiva[173].

Para evitar o aumento do número de gestações múltiplas, limita-se a quatro o número de embriões a serem implantados[174].

Demonstrando certa proteção ao concepto, a orientação é que a redução embrionária deve ser proscrita[175].

Contudo, a resolução adota posição discriminatória ao falar em pré-embrião. Há um capítulo, o IV, que trata da doação de gametas ou pré-embriões. Conforme já se teve a oportunidade de mencionar ao longo deste trabalho, a opção por esta nomenclatura revela que o tratamento atribuído ao concepto nos 14 dias[176] que seguem à fecundação é compatível com fornecido aos objetos, passível de tutela pelo direito das coisas.

No capítulo V, o texto fala sobre a crioconservação:

V - CRIOPRESERVAÇÃO DE GAMETAS OU PRÉ-EMBRIÕES 1 - As clínicas, centros ou serviços podem criopreservar espermatozóides, óvulos e pré-embriões. 2 - O número total de pré-embriões produzidos em laboratório será comunicado aos pacientes, para que se decida quantos pré-embriões serão transferidos a fresco, devendo o excedente ser criopreservado, não podendo ser descartado ou destruído. 3 - No momento da criopreservação, os cônjuges ou companheiros devem expressar sua vontade, por escrito, quanto ao destino que será dado aos pré-embriões criopreservados, em caso de divórcio, doenças graves ou de falecimento de um deles ou de ambos, e quando desejam doá-los (RESOLUÇÃO, 1992, p. 108, grifou-se).

Apesar de proibir o descarte sumário, a resolução atribui aos beneficiários a opção sobre o destino dos conceptos, tal qual alguém dispõe sobre os bens que estão sobre seu domínio.

Na opinião de Sá e Teixeira, “algumas recomendações da Resolução ora comentada ferem o princípio constitucional da dignidade humana e da inviolabilidade do direito à vida” (SÁ; TEIXEIRA, 2005, p. 101).

Essa violação ocorre porque os casais detêm a faculdade de optar pelo destino dos embriões ex utero. Ademais, a resolução faz diferença entre o pré-embrião (até o décimo quarto dia de desenvolvimento) e o embrião (após este período).


4. O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana e a Problemática dos Embriões Criopreservados

“No reino dos fins tudo tem um preço ou uma dignidade. Quando uma coisa tem um preço, pode pôr-se em vez dela qualquer outra como equivalente; mas quando uma coisa está acima de todo o preço e, portanto, não permite equivalente, então tem ela dignidade” (Immanuel Kant).

De uma maneira ou de outra, não se pode fazer uma análise jurídica da problemática dos embriões excedentes sem que perpasse pelo princípio da dignidade da pessoa humana, tantas vezes já mencionado ao longo deste texto. Trata-se de princípio erigido à condição de fundamento da República Federativa do Brasil pela Constituição de 1988.

No primeiro capítulo deste trabalho, considerações foram tecidas a respeito da bioética. Faz-se necessário mencionar que a definição desta ciência é complexa e controvertida, devido ao seu caráter interdisciplinar. Indispensável, porém, interligar a vida humana, a ética e o direito. “Há que se estudar o homem como ser biológico: desde o patrimônio genético, passando pelo embrião, até o cadáver, valorando tudo à luz da ética e do Direito” (CARLIN, 2007, sp).

Os “novos direitos” oriundos da revolução biotecnológica colocam na mesa de discussões temas clássicos, como os direitos de primeira dimensão[177].

Além disso, cumpre reconhecer que alguns dos clássicos direitos fundamentais da primeira dimensão (assim como alguns da segunda) estão, na verdade, sendo revitalizados e até mesmo ganhando em importância na atualidade, de modo especial em face das novas formas de agressão aos valores tradicionais e consensualmente incorporados ao patrimônio jurídico da humanidade, nomeadamente da liberdade, da igualdade, da vida e da dignidade da pessoa humana (SARLET, 2005, p. 61).

Dessarte, a valoração dos axiomas biojurídicos se dá a partir dos princípios que norteiam o ordenamento jurídico pátrio, mormente o da dignidade da pessoa humana, ao qual se dedica o presente capítulo.

4.1. Evolução Histórica da Noção de Dignidade da Pessoa Humana

Antes de se analisar a aplicação da dignidade da pessoa humana ao biodireito de fronteira[178], faz-se necessário desenvolver algumas notas sobre o desenvolvimento histórico deste conceito que se incorporou ao sistema jurídico-constitucional brasileiro – e a muitos outros mundo afora.

Considerando a forte conotação valorativa da dignidade da pessoa humana, sua exata conceituação “apresenta-se eivada de dificuldades, o que muitas vezes dá margem a conceituações desviadas de seu real significado histórico-cultural” (MARTINS, 2003, p. 17). Daí a necessidade de, ainda que brevemente, acompanhar o desenvolvimento do pensamento ocidental no que tange à construção do atual significado de dignidade da pessoa humana.

A garantia dos direitos fundamentais relacionados à dignidade encontra fundamento na própria natureza humana. A concepção errônea da natureza humana é que mostra, através da história da própria humanidade, os equívocos que levam ao desrespeito da dignidade. É também o não-entendimento acerca da natureza humana que até o momento faz com que a sociedade veja como fato distante da sua realidade as violações que se passam em ambientes diversos do seu. Porque se a proteção efetiva ainda não foi alcançada, isto se deve ao fato de que o abuso do direito, por parte de governantes e governados com poderes irrestritos, também decorra da própria natureza humana, embora seja claramente um ponto negativo, que o progresso e o desenvolvimento do direito tentem a controlar (ZISMAN, 2005, p. 54-55).

As primeiras codificações de que se têm notícia, tais quais os Códigos de Hamurabi (Assíria e Babilônia) e o de Manu (Índia), apesar de não delinearem um conceito do que hoje se entende por DPH, apresentavam certas normas tendentes a proteger o indivíduo pela sua própria condição de ser humano. Também na China antiga, com toda sua tradição de conteúdo filosófico, havia preocupações deste gênero (MARTINS, 2003, p. 19-20).

Da antiguidade clássica, extrai-se a noção grega de pensamento racional e filosófico, em detrimento do pensamento mítico, que contribuiu para o desenvolvimento de todo o pensamento ocidental nos séculos seguintes (MARTINS, 2003, p. 21).

A doutrina estóica, por sua vez, pregava a unidade universal dos homens, “despertando no mundo antigo a consciência da dignidade humana e abrindo caminhos para o pensamento jusnaturalista medieval” (ZISMAN, 2005, p. 56).

A partir da ascensão do cristianismo, tem-se um momento de evolução do conceito de DPH. A idéia central da doutrina cristã é que todos os homens foram concebidos à imagem e semelhança de Deus. Neste sentido, surge a idéia de uma igualdade universalista, dando a crer que todos, indistintamente, são dignos de respeito e consideração[179].

Tomás de Aquino foi o primeiro a mencionar o termo ‘dignidade humana’ como algo relacionado à concepção da pessoa, e que “nada mais é do que uma qualidade inerente a todo ser humano e que o distingue das demais criaturas: a racionalidade”. Desta forma, para o mais importante representante da escolástica conclui que através da racionalidade, o ser humano exerce sua potencialidade de ser livre e autor de seu próprio destino, “constituindo um valor absoluto, um fim em si” (MARTINS, 2003, p. 22-24).

Giovanni Pico della Mirandola, no século XV, menciona uma visão antropocentrista segundo a qual o raciocínio permite que o homem tome consciência de sua liberdade. “Ó suma e admirável felicidade do homem! Ao qual é concedido obter aquilo que deseja, ser aquilo que quer.” (MIRANDOLA, 1998, p. 53)

A livre expressão da vontade do homem representa a opção pelo seu destino, a escolha de seu caminho. “O único a determinar o caminho do homem, de acordo com o pensamento de Pico, é ele próprio” (ZISMAN, 2005, p. 54).

No século XVI, Francisco de Vitória criticou os moldes em que se deu a expansão colonial espanhola. Referindo-se ao processo de “aniquilação, exploração e escravização dos índios”, e tendo por base os pensamentos estóico[180] e cristão, traz à tona o direito natural para afirmar que todos eram “em princípio livre e iguais, devendo ser respeitados como sujeitos de direitos” (SARLET, 2005, p. 114).

Kant, cujo pensamento já foi abordado no item “A Retomada Antropológica”, no Capítulo 2, retoma os trabalhos de Tomás de Aquino para inferir conclusões sobre a dignidade humana:

Os seres cuja existência depende não em verdade da nossa vontade, mas da natureza, têm, contudo, se são seres irracionais, apenas um valor relativo como meios e por isso se chamam coisas, ao passo que os seres racionais se chamam pessoas, porque a sua natureza os distingue já como fins em si mesmos, quer dizer, como algo que não pode ser empregado como simples meio e que, por conseguinte, limita nessa medida todo o arbítrio (e é um objeto de respeito) (KANT, 2000, p. 68).

Diferentemente de Aquino e Kant, Sartre não crê numa dignidade inata aos seres humanos. De acordo com este pensador, o homem primeiramente existe, para depois ter sua essência. Seria por esta razão que o homem não está sujeito a um determinismo. Sua dignidade, neste sentido, consiste no fato de poder construir sua existência. “Para o filósofo, o existencialismo é a única teoria capaz de conferir uma dignidade ao homem, pois não o reduz a um determinismo que faria dele um objeto, tal qual as coisas” (MARTINS, 2003, p. 31-32).

A questão da racionalidade como elemento diferenciador daquilo que é coisa de quem é pessoa merece destaque. Seria o embrião em estado pré-implantatório um ser racional? O fato de ser membro da espécie humana, por si só, o distingue dos seres irracionais?

Para Célia Zisman, à idéia de racionalidade liga-se a de dignidade. A pessoa seria dotada de dignidade em função da sua racionalidade. “O homem é sujeito de direitos, possui personalidade[181], esta definida como a capacidade de ser titular de direitos (e obrigações em relação aos demais indivíduos)” (2005, p. 52).

No período pós segunda guerra mundial, o pensamento de Hannah Arendt auxiliou no processo de constitucionalização do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. Seu trabalho consistiu na análise dos Estados totalitários (nazi-facistas especialmente), e a forma pela qual se institucionalizou o desrespeito à DPH neste período[182].

A análise do fenômeno totalitário permite então, visualizar que neste tipo de estado criam-se as condições para se considerar os seres humanos supérfluos, em franco desrespeito ao valor da pessoa humana. Na verdade, o totalitarismo retira do homem a sua condição humana, tratando-o como um ser descartável que pode ser trocado, substituído ou igualado a uma coisa. A rigor, o totalitarismo, enquanto proposta de organização da sociedade, significa uma ruptura na evolução histórica da tradição ocidental, que escapa ao bom senso e foge de qualquer critério razoável de Justiça (MARTINS, 2003, p. 32-33, grifou-se).

A história da humanidade não permite negar que “o homem vive em risco permanente de se desumanizar” (GASET apud SILVA, 2002, p. 191).

Na tentativa de impedir que isto aconteça, a dignidade da pessoa humana assinala que “todo ser humano é um microcosmo, um universo em miniatura, com destino individualizado e distinto do destino da sociedade [...]” (PAUPÉRIO citado por SILVA, 2002, p. 191).

Em que pese a Constituição Mexicana de 1917 já mencionar a dignidade humana como valor orientador do sistema educacional, foi na segunda metade do século XX que se observou a ascensão da DPH como princípio fundamental em ordenamentos jurídicos de todo o mundo[183].

Da mesma forma que na Europa, também no Brasil o processo de constitucionalização da DPH ocorreu após um período de regime totalitário. Com a queda do regime militar, o legislador constituinte originário, de 1988, erigiu a Dignidade da pessoa Humana a fundamento da República Federativa do Brasil.

4.2. Conceito e abrangência do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana

Precipuamente, faz-se necessário investigar a conceituação de dignidade da pessoa humana sob diversos pontos de vista.

“Qualquer definição é questionável e já implica uma atitude filosófica. O único modo de se descobrir o que é filosofia é fazer filosofia” (RUSSEL, 2003, p. 18).

Para Aurélio Buarque de Holanda Ferreira (1988, p. 222), dignidade é sinônimo de respeitabilidade, honra, decência, amor-próprio, brio.

Em um mundo contemporâneo de poucos consensos teóricos, a dignidade da pessoa humana sobrepõe-se como “o valor do homem como um fim em si mesmo”, de forma a constituir um verdadeiro “axioma da civilização ocidental” (BARCELLOS, 2002, p. 103-104).

Ao relacionar dignidade com respeitabilidade, Célia Zisman chega a uma interessante conclusão sobre “respeitabilidade mínima”:

A dignidade é qualidade moral que, possuída por alguém, serve de base ao próprio respeito em que é tida. Dicionários jurídicos trazem também o verbete respeitabilidade, originário do latim respectus, que significa consideração, merecimento. A respeitabilidade relaciona-se com o conjunto de qualidade atribuídas à pessoa e que a fazem merecedora de consideração, de atenção por seus semelhantes. Se é certo que a atenção diferenciada, especial, decorre de qualidades também especiais, como o procedimento correto, um posto respeitável, feitos profissionais ou altruísticos, entre outras missões que envolvem cumprimento de deveres sociais e morais, a respeitabilidade mínima, que não depende nem mesmo do caráter da pessoa, consiste na própria consideração de sua existência, pelos seus semelhantes, coincidindo então com o conceito de dignidade, visto que se efetiva com a preservação dos direitos fundamentais (ZISMAN, 2005, p. 22-23, grifos em itálico presentes no original, grifou-se em negrito).

Esta respeitabilidade mínima, caracterizada pelo reconhecimento da existência e sujeição aos direitos e garantias fundamentais, é que se quer atribuir ao embrião em estado pré-implantatório.

Não se pode deixar de mencionar que a Nova Lei de Biossegurança permite a utilização de embriões criogenados, satisfeitas algumas condições, para extração de células-tronco embrionárias. Inobstante a autorização legal, é preciso considerar que a dignidade da pessoa humana é um direito fundamental de todos.

Ainda que a lacuna no ordenamento jurídico não seja completa, posto que há alguma regulamentação sobre o tema, “o princípio da dignidade há que ser observado a cada aplicação da lei, a cada julgamento, bem como a cada medida a ser tomada pelo Executivo ou pelo Legislativo, e em toda ação de qualquer indivíduo da sociedade”. É a aplicação do princípio da DPH que permite ao homem reconhecido como ser merecedor de tutela (ZISMAN, 2005, p. 33).

Deborah de Oliveira[184] e Edson Borges Jr.[185], em interessante trabalho intitulado “Reprodução Assistida: até onde podemos chegar?” chamam a atenção para o fato de que, de uma interpretação sistemática da Constituição de 1988, “é possível extrair que o ponto de equilíbrio na utilização das técnicas de reprodução assistida é a dignidade da pessoa humana”. Em que pese o mencionado trabalho ser anterior à Nova Lei de Biossegurança[186], os autores, cientes da impossibilidade da legislação específica vir a prever todos os aspectos que envolvem a matéria, afirmam que os princípios fundamentais do direito, bem como os recursos da analogia, costumes e direito comparado continuarão a ser utilizados. Neste ínterim, a dignidade da pessoa humana continua a balizar o tema, porquanto é “o princípio básico de um estado democrático” (2000, p. 18).

Não diverge o posicionamento de Geilza Diniz (2003, p. 135): “A principal preocupação relativa à pesquisa envolvendo seres humanos tange à preservação da dignidade da pessoa humana que, como visto, é fundamento do nosso Estado de Direito”.

A idéia de DPH está entrelaçada à de direitos humanos, podendo-se afirmar que aquela se encontra em patamar superior a estes. Tanto o é que o optou-se por erigi-la a fundamento da República Federativa do Brasil.

Ao incluí-la no rol do art. 1º, o legislador constituinte originário tomou uma decisão essencial: “reconheceu expressamente que é o Estado que existe em função da pessoa humana, e não o contrário, já que o homem constitui a finalidade precípua, e não meio da atividade estatal” (SARLET, 2005, p. 112).

José Afonso da Silva (2000, p. 109) aponta que a “dignidade da pessoa humana é um valor supremo que atrai o conteúdo de todos os direitos fundamentais do homem, desde o direito à vida”.

Corroborando esta tese, Zisman (2005, p. 17) afirma que não há dignidade sem vida ou sem igualdade.

Neste sentido, dignidade da pessoa humana e direito à igualdade e à vida fundem-se como princípios indissociáveis. Pode-se compreender, assim, que a argüição de inconstitucionalidade que paira sobre o art. 5º da Lei de Biossegurança[187] não versa unicamente sobre as garantia do art. 5º, caput da CR, mas sim, em última instância, também ao princípio da dignidade da pessoa humana.

A dignidade é, portanto, o resultado da aplicação de diversos outros direitos fundamentais[188].

Ocorre que nem todos os ordenamentos jurídicos internos dos Estados (ordenamento jurídico estatal singular, na expressão de Kelsen), prevêem a tutela e a garantia dos direitos fundamentais que ensejam a dignidade. Não bastasse, há ainda a questão dos Estados que trazem o rol de direitos fundamentais em suas Constituições, mas não prática não atuam no sentido de garantir a dignidade ou ainda agem com o objetivo de vilipendiá-la (ZISMAN, 2005, p. 17).

No mesmo sentido, Flademir Martins traz à tona a idéia de uma tábua valorativa ou pauta axiológica, na qual a DPH consta como parâmetro objetivo de interpretação de todo o ordenamento constitucional. Não apenas a positivação do princípio como fundamento da República leva a esta conclusão, mas principalmente “pelo reconhecimento de um amplo catálogo de direitos fundamentais, os quais constituem sua concreção histórica” (2003, p. 64).

Apesar do princípio da dignidade da pessoa humana encontrar alguns obstáculos conceituais inerentes à sua condição de princípio abstrato, é relevante destacar que “é bem possível visualizar inúmeras situações nas quais a dignidade da pessoa humana restou absolutamente violada” (TAVARES, 2003, p. 405).

Pode não ser uma tarefa simples fixar um conceito de dignidade da pessoa humana. Porém, fica evidente quando, na prática, este princípio é desobservado.

Em se considerando que a vida humana digna de tutela inicia com a fertilização, passa a ser inconstitucional qualquer ato, ou norma, que atente contra os direitos fundamentais do embrião, ainda que em estado pré-implantatório, por absoluta inconsonância com o princípio da dignidade da pessoa humana.

Esta interpretação é possível em função do princípio da dignidade da pessoa humana constituir uma cláusula aberta, permitindo a sua adaptação aos novos direitos. Segundo Martins (2003, p. 67), “a idéia, além de extremamente relevante, se apresenta compatível com a teoria das gerações de direitos desenvolvida por Norberto Bobbio”.

“O pecado contra a dignidade humana consiste, justamente, em considerar e tratar o outro – um indivíduo, uma classe social, um povo[189] – como um ser inferior, sob pretexto da diferença de etnia, gênero, costumes ou fortuna patrimonial[190]” (COMPARATO apud ZISMAN, 2005, p. 26).

Não se pode afastar o princípio da dignidade da pessoa humana quando ele se faz mais necessário, ou seja, para atingir aqueles que são preteridos da tutela jurídico-constitucional[191] (SILVA, 2000, p. 109).

Com base no princípio da dignidade da pessoa humana, “juristas reunidos no CJF[192] entendem que embriões congelados devem se protegidos pelo Direito”. (BOLETIM, 2005, p. 11, grifou-se).

A despeito da teoria a respeito do início da vida humana adotada[193], não há qualquer espécie de impecílio para que o Direito atribua aos embriões em estado pré-implantatório o mesmo tratamento jurídico concedido aos seres humanos em estágios mais avançados de desenvolvimento[194].

4.3. A Tridimensionalidade do Direito e a Dignidade da Pessoa Humana como Valor

O investimento em biotecnologia faz com que a ciência ligada à vida evolua vertiginosamente, enquanto que a moral da sociedade (e, por conseguinte, o Direito enquanto manifestação social) demora a absorver conceitos novos.

Norberto Bobbio (2002) trata de diferenciar o progresso científico do avanço moral, chamando a atenção para o fato de que nem sempre o último acompanha o ritmo do primeiro, o que é uma lástima. Veja-se:

Limito-me a dizer que, enquanto parece indubitável que o progresso técnico e científico é efetivo, tendo mostrado até agora as duas características da continuidade e da irreversibilidade, bem mais difícil – se não mesmo arriscado – é enfrentar o problema da efetividade do progresso moral [...] (BOBBIO, 2002, p. 53).

O jurista italiano aponta pelo menos duas razões segundos as quais o progresso moral das sociedades não acompanha o ritmo frenético em que a revolução científica avança. Primeiramente, o conceito de moral é, em si, problemático. Em segundo lugar, ainda que houvesse acordo sobre o que se entende por moral, não se encontrou, ainda, “indicadores para medir o progresso moral de uma nação, ou mesmo de toda a humanidade, tão claros quanto os indicadores que servem para medir o progresso científico e técnico” (BOBBIO, 2002, p. 53).

O que não se pode negar é que a biotecnologia trouxe à tona novos fatos até então inexistentes. Sobre eles, a sociedade emite um juízo de valor que, conforme o caso, implica a elaboração de uma norma para regular a matéria.

Miguel Reale, na década de 1930, ousou discordar da Teoria Pura do Direito, de Hans Kelsen, segundo a qual o direito seria pura norma, para propor uma idéia diferente:

Direito não é norma, como quer Kelsen, Direito não é só fato, como rezam os Marxistas e economistas do Direito, porque o Direito não é economia. Direito não é a produção econômica, mas envolve a produção econômica e nela interfere; o Direito não é principalmente valor, como pensam os adeptos do Direito Natural tomista, por exemplo, porque o Direito ao mesmo tempo é norma, é fato, é valor (REALE, 1994, p. 117-118, grifou-se).

Pensando que o direito, na proposta de Miguel Reale, é uma tridimensionalidade onde há uma “integração normativa de fatos segundo valores” (REALE, 1994, p. 119), pode-se aplicar tal idéia à problemática dos excedentários para visualizar, na prática, cada uma dessas dimensões.

O fato que aqui interessa é a situação dos embriões excedentários. Desde a década de 1980, centenas de milhares de embriões supranumerários têm sido criogenados nas clínicas de reprodução assistida. Este é uma realidade sobre a qual não se pode fechar os olhos. Os excedentários existem, e isto é fato.

Para que se saiba o que fazer com os embriões supranumerários, de forma que a sociedade saiba o que é proscrito e o que é permitido, o direito deve se manifestar, de forma a regulamentar a matéria. Este é o aspecto normativo da teoria tridimensional.

Contudo, tal normatização deve ser influenciada por um aspecto valorativo, qual seja, aquilo que se quer proteger com a norma na situação concreta que está posta.

Na ciência do direito, segundo Cella (2006, p. 54), “tem-se uma compreensão normativa de fatos em função de valores”. É justamente neste ponto, quando o valor influencia a norma que surge o problema de disparidade temporal entre a evolução moral e a evolução tecnológica da sociedade apontada por Bobbio (2002, p. 53).

Ao biodireito cabe a tarefa de normatizar os valores bioéticos de forma a regulamentar os fatos, “pois o direito é fato, valor e norma, e essa tridimensionalidade precisa ser aplicada de forma eficaz, de acordo com o momento social vivido, tendo sempre como base o princípio da dignidade da pessoa humana” (LOUREIRO, 2006, p. 12).

Conforme o grau de desenvolvimento moral de cada sociedade, diferente será o valor preponderante a influenciar a normatização. O que se propõe, é que a dignidade da pessoa humana seja o valor a orientar a interpretação da matéria que trata da disponibilidade dos embriões excedentários.

4.4. Proporcionalidade e Colisão de Direitos Fundamentais

4.4.1.Liberdade Científica versus Dignidade da Pessoa Humana

A Constituição da República prevê uma série de direitos fundamentais que, vez por outra, entram em conflito quando inseridos em uma situação concreta.

Ao se analisar a questão dos embriões excedentários, verifica-se uma evidente colisão de direitos fundamentais: “por um lado, ter-se-ia o direito à liberdade científica, a qual entraria em tensão com o direito à dignidade da pessoa humana, que serviria, por sua vez, como um parâmetro limitador àquele” (DINIZ, G., 2003, p. 153).

Neste contexto, surgem argumentos tendentes a permitir a utilização dos embriões supranumerários para pesquisas “em prol da sociedade, buscando a cura de doenças ou a clonagem de órgãos para salvar vidas humanas” (FERREIRA, 2002, sp).

No extremo oposto, há quem afirme ser absurdo querer sobrepor a possibilidade de salvar vidas à preservação de vidas já existentes[195].

A colisão entre a liberdade científica e a dignidade da pessoa humana é, nas palavras de Luiz Fernando Coelho, uma questão jurídica de base. O doutrinador traz à tona o seguinte questionamento: De que forma é possível conciliar o respeito à dignidade da pessoa humana com a pesquisa científica que envolve embriões humanos? “Este é problema basilar da bioética e também do biodireito. [...] Assim, a grande pergunta que se coloca é se o embrião humano, criado em laboratório ou não, é pessoa humana” (apud DINIZ, G., 2003, p. 152).

De uma forma ou de outra, a discussão perpassa pelo reconhecimento do status de pessoa do embrião, esteja ele implantado ou não.

Há quem pugne por uma ciência pura, livre de qualquer limitação moral. Contudo, isto “é algo deveras ilusório, gerado na retórica de um capitalismo de mercado que faz da tecnologia instrumento de poder e dominação” (BONAVIDES in SILVA, 2002, p. 11).

De uma observação perfunctória do art. 5º da Constituição de 1988, nota-se a inclusão, no rol dos direitos fundamentais, da livre expressão da atividade intelectual e científica[196].

“Entretanto, o limite à liberdade de pesquisa pelos operadores da Engenharia Genética deve ser buscado nos outros valores prestigiados pela nossa Carta Magna”, como a vida, a integridade física e a dignidade da pessoa humana (OLIVEIRA; BORGES, 2000, p. 92).

Para solucionar problema de tal magnitude, o qual envolve dois princípios jurídicos conflitantes, deve-se fazer uso “do juízo de ponderação ou da técnica de ponderação de bens ou valores” (DINIZ, G., 2003, p. 157).

Não se pode olvidar que é nobre o argumento de possivelmente encontrar a cura para os males que afligem a humanidade. Contudo, Szaniawsky (apud SÁ; TEIXEIRA, 2005, p. 91), afirma que embora a embrioterapia demonstre-se promissora no sentido de fornecer a cura de diversas doenças graves, não se trata da única solução viável para procurar-se restaurar a saúde plena do ser humano[197].

A pesquisa voltada para cura é sempre bem-vinda. Porém, só será eticamente recomendada se o sujeito desta pesquisa não for “um ser vivo, humano, para determinadas correntes, a quem se deve, desde sua geração, a extensão dos princípios de respeito à dignidade humana com todas as suas implicações” (MINAHIM, 2005, p. 80-81).

Partindo da premissa de que a manipulação genética de embriões leva à sua destruição, Fábio Alves Ferreira[198] (2002, sp), critica a destruição em detrimento do direito à vida e compara tal atividade ao holocausto:

Entre a destruição e a proteção aos embriões deve esta última prevalecer, visto que a dignidade da pessoa humana e o direito à vida são direitos unificadores de todos os direitos fundamentais e razão de ser da tutela jurídica do Estado. Permitir, assim, o extermínio generalizado de esperanças de vida é ato criminoso praticado contra toda humanidade, o que não o diferencia muito do aborto, a não ser pela quantidade e modo cruel que é praticado. Considerando, no entanto, todas as sugestões oferecidas, salvo a de implantações desses embriões a posteriori, todas as demais direcionam à destruição de milhares de vidas, antes mesmo de nascerem. E eliminar vários entes da espécie humana, em prol do desejo do casal em conceber um filho, como se essa justificativa fosse suficiente para matar seres vivos, que não terão a chance de viver, guardadas as devidas proporções, pouco se diferencia do holocausto realizado durante a Segunda Guerra Mundial (FERREIRA, 2002, sp).

O direito não deve almejar ao fim do desenvolvimento da ciência. Todavia, tal desenvolvimento deve caminhar em paralelo ao respeito à dignidade da pessoa humana (LOUREIRO, 2006, p. 15).

A DPH deve ser entendida não só como um ideal programático. Ela precisa balizar o agir e o não-agir do Estado e da sociedade. Se a sua garantia pressupõe um não-fazer, tal qual os direitos fundamentais de primeira dimensão, o Estado deve se abster de agir[199].

O que se quer dizer é que a partir do momento em que a liberdade científica passar a implicar óbice à dignidade da pessoa humana, deve-se limitar a atuação da ciência de forma a permitir que a DPH prevaleça.

4.4.2. Liberdade dos Beneficiários versus Indisponibilidade da Vida e da Integridade Física

Precipuamente insta salientar que o termo “beneficiários” refere-se a quem procura a RHA como forma de efetivar seu direito ao planejamento familiar.

A respeito do significado do termo ‘vida’ no texto constitucional, aduz José Afonso da Silva (2000, p. 200):

[...] Sua riqueza significativa é de difícil apreensão porque é algo dinâmico, que se transforma incessantemente sem perder sua própria identidade. É mais um processo (processo vital), que se instaura com a concepção[200] [...], transforma-se, progride, mantendo sua identidade, até que mude de qualidade, deixando, então, de ser vida para ser morte. Tudo o que interfere em prejuízo deste fluir incessante contraria a vida.

Haveria, desta forma, um direito à existência, direito de permanecer vivo consubstanciado pelo princípio da dignidade da pessoa humana, desde o momento da concepção.

Trata-se do direito de não ter o processo vital interrompido de maneira desnecessária. “Existir é o movimento espontâneo contrário ao estado de morte. Porque se assegura o direito à vida é que a legislação penal pune todas as formas de interrupção violenta do processo vital” (SILVA, 2000, p. 201).

A este respeito, Alexandre de Moraes (2002, p.64) defende que a vida começa com a fertilização e surgimento do zigoto, sendo que a ‘vida viável’ inicia-se com a nidação. De qualquer forma, o embrião ou feto representa um ser individualizado, dotado de “uma carga genética própria, [...] sendo inexato afirmar que a vida do embrião ou do feto está englobada pela vida da mãe. A constituição [...] protege a vida de forma geral, inclusive a uterina”[201].

Assim, o corpo de toda pessoa, inclusive o dos embriões, é inviolável. A dignidade da pessoa humana se manifesta na intangibilidade do corpo. Não é permitido, sob pena de sucumbência perante as sanções penais, agredir o corpo de qualquer membro da espécie humana (LEITE, 1995, p. 133).

Cada pessoa é titular do direito à própria vida (e não sobre a própria vida). A este direito corresponde o dever erga omnes – do Estado e de todos os outros seres humanos – de abstenção de atos que sejam lesivos à vida (MINAHIM, 2005, p. 70).

"Sem vida não há Homem. Sem Homem não há Humanidade. Desrespeitar a vida é desrespeitar o Homem, é desrespeitar toda a humanidade". (FERREIRA, Fábio A., 2002, sp).

O presente subtítulo inspira-se no binômio liberdade versus igualdade. De um lado, tem-se a liberdade das pessoas que procuraram as técnicas de RHA de fazerem o que bem entenderem com o “produto” do seu investimento. De outro, o direito dos embriões de serem tratados com igualdade em relação a qualquer outro ser humano.

“Enquanto pelo princípio da liberdade se poderia concluir por ampla e restrita disponibilidade, a segunda imposição aparece como direito irrenunciável, ou seja, o dever de conservar a vida e a integridade física” (SÁ apud DINIZ, G., 2003, p. 153).

O direito ao tratamento igualitário, no caso em comento, parece ser o preponderante. É sabido que o direito à vida é pressuposto para todos os demais. Em outras palavras, sem certos direitos, a personalidade não poderia realizar-se por absoluto comprometimento dos valores que a sustentam. “Pode-se até dizer que, sem esse direito, seria difícil a aquisição de outros direitos chamados subjetivos e, assim, a pessoa simplesmente não existiria” (FRANÇA, 2004, p. 244).

Negar o direito à existência corresponde a privar o embrião de sua vida. A partir de um ponto de vista igualitário, segundo o qual todos são iguais perante a lei, este ato seria tão grave quanto retirar a vida de uma criança ou de um adulto, porquanto todos são membros da espécie humana.

“O que se percebe, em última análise, é que onde não houver respeito pela vida e pela integridade física do ser humano, [...] não haverá espaço para a dignidade da pessoa humana, e esta não passará de mero objeto de arbítrio e injustiças” (SARLET, 2005, p. 120).

Desta forma, não se pode negar que, no caso em comento, o direito dos beneficiários das técnicas de reprodução assistida decidirem o futuro do embrião a que deram origem é suplantado pelo direito deste mesmo embrião de ter reconhecida sua dignidade, e, por extensão seu direito à vida.

4.5. Embrião Excedentário: sujeito ou objeto de direitos?

Em “O Mundo de Sofia: romance da história da filosofia”, Jostein Gaarder (1995, p. 16-18) introduz sua protagonista no mundo da filosofia endereçando-lhe uma carta misteriosa com a seguinte pergunta: ‘quem é você?’. Sofia nunca havia pensado sobre isso, e, ao refletir sobre sua própria existência, concluiu que um dia também desapareceria. “Não se pode experimentar a sensação de existir sem se experimentar a certeza que se tem de morrer, pesou. E é igualmente impossível pensar que se tem de morrer sem pensar ao mesmo tempo em como a vida é fantástica”.

Ao transferir-se o raciocínio de Sofia para a situação dos embriões excedentários, observa-se que são os seres humanos pensantes quem devem refletir sobre a existência ou desaparecimento dos conceptos. Que direito temos, enquanto humanidade civilizada, de negar aos supranumerários seu direito de “ser personagem de uma aventura tão maravilhosa como a vida?” (GAARDER, 1995, p. 16).

Fato instigante é saber se o embrião congelado goza dos mesmos benefícios e da mesma proteção assegurados pelo Código Civil brasileiro ao nascituro. Ou seja, tem o embrião fecundado in vitro a mesma tutela legal do embrião fecundo in vivo? A verdade é que o nascituro, mesmo sem ser pessoa, é detentor de direitos, resguardando-lhe a lei faculdades que salvaguardam seus interesses mais inalienáveis. Espera-se que o embrião congelado tenha as mesmas expectativas. (FRANÇA, 2004, p. 247).

De acordo com Paula Ferreira, o questionamento primordial é se há natureza humana no zigoto assim que formado. A resposta a esta pergunta é de fundamental importância, “haja vista que a presença de caráter humano desde a fecundação leva a aplicação dos direitos fundamentais de proteção da pessoa humana aos embriões excedentes” (2006, p.6).

Peter Singer[202] chama a atenção para o fato de que toda a discussão sobre os embriões excedentários perpassa pela seguinte constatação: o que interessa não é quando começa a vida propriamente dita, mas sim o momento em que o embrião “alcança o mesmo status moral de uma pessoa”[203] (ESCOSTEGUY; BRITO, 2007, p. 57).

Para Willian Artur Pussi (2005, p. 314), a questão jurídica essencial é saber se “o concebido in vitro e o concebido no útero são considerados pessoa para efeito de reconhecimento dos direitos da personalidade e se podemos dispensar o mesmo tratamento jurídico para ambos ou devemos tratá-los de forma diferente”.

Na seqüência, colacionar-se-ão argumentos atinentes aos posicionamentos dicotômicos que permeiam o presente trabalho. Inicialmente, discorrer-se-á sobre o ponto de vista daqueles que são a favor da utilização de embriões excedentários como matéria-prima de células-tronco. A seguir, ver-se-á o que tem a dizer quem considera o concepto como uma pessoa humana.

4.5.1. A “Reificação” do Concepto

Existem inúmeras subdivisões doutrinárias do processo de desenvolvimento do ser embrionário. Ao optar por atribuir personalidade jurídica a partir do nascimento, por exemplo, estar-se-á afirmando que durante todas as etapas anteriores o que existia não era uma pessoa, mas sim um objeto.

Em artigo veiculado na Revista Jurídica Consulex por Vieira e Oliveira (2007, p. 12), apresentou-se um quadro com diversos momentos em que se poderia atribuir o início da vida humana passível de tutela, em função de diferentes critérios. Esta tabela encontra-se transcrita no Anexo III.

A adoção de um ou outro dos critérios apresentados na tabela reflete na tutela jurídica a ser atribuída ao embrião.

Dizer que a vida digna de proteção leva em conta o critério do suporte materno – ou qualquer outro – significa atribuir o status de pessoa de um certo momento em diante. Do momento escolhido para trás, o que se teria seria um objeto passível de tratamento pelo direito das coisas, não um ser dotado de personalidade.

Alejandro Bolzan (1998, p. 28), exemplificativamente, chama de embrião apenas o ser em desenvolvimento a partir do 14º dia de vida. Antes disso, ter-se-á o pré-embrião, ente despersonalizado, ou seja, um objeto.

Já na década de 1980, a comissão Warnock, procurando justificar a utilização de embriões em pesquisas, introduziu no vocabulário bioético o termo pré-embrião. “Assim, como não é integrante da espécie humana porque não é ser humano atual, tudo o que se deve normatizar a seu respeito restringe-se a uma limitação do direito de propriedade sobre ele” (MINAHIM, 2005, p. 82).

Neste sentido, Paula Ferreira (2006, p. 6), afirma que “embora se tenha sinal de vida humana com a simples fecundação, o embrião decorrente da fertilização in vitro não pode ser considerado nascituro”.

Enquanto coisa, o pré-embrião poderia ser descartado, comercializado, entre outras incontáveis destinações. Contudo, nenhuma destas possibilidades é tão discutida quanto a utilização de embriões excedentários como fornecedores de células-tronco embrionárias para pesquisas científicas.

Em 24 de março de 2005 o Congresso Nacional decretou e o Presidente da República sancionou a Lei nº 11.105, conhecida como Nova Lei de Biossegurança. O art. 5º da referida lei autoriza a utilização de embriões excedentários, produzidos por fertilização in vitro, inviáveis ou congelados – a partir do momento em que completarem três anos de criopreservação – para extração de células-tronco embrionárias com fins de pesquisa e terapêuticos[204].

Precipuamente, faz-se preciso salientar que a Lei de Biossegurança em vigor permite a experimentação com embriões humanos, para extração de células-tronco[205], quando preenchidos os requisitos do art. 5º já abordados. Isto representa a presunção de que aquele concepto é algo a menos do que um feto implantado no útero materno, porquanto este último é protegido pelo direito penal através da criminalização do aborto.

Em 1982, R. G. Edwards, um dos médicos responsáveis pelo nascimento de Louise Brown (1º bebê oriundo de técnicas de reprodução in vitro), afirmou que a necessidade de saber vale mais do que o respeito que se deve dar ao embrião em seus primeiros estágios de desenvolvimento[206] (BOLZAN, 1998, p. 8).

O tempo passa, a tecnologia vai sendo assimilada pela sociedade, mas as discussões filosóficas continuam as mesmas apesar de, vez por outra, apresentarem uma roupagem diferente.

O mesmo argumento que justifica a utilização do produto da RHA com finalidades diversas da reprodutiva permite a indicação, distribuição e utilização da chamada pílula do dia seguinte.

Tereza Vieira afirma que durante o período em que a pílula do dia seguinte produz efeito (antes da nidação) a vida humana não é merecedora de tutela jurídica. “Logo, a ingestão do medicamento não se configura aborto Ademais, trata-se de um método contraceptivo dependente de prescrição médica” (2007, p. 13).

Atualmente, este contraceptivo de emergência é distribuído pela rede de saúde pública de vários países[207], inclusive do Brasil. A Advocacia-Geral da União e o Ministério Público Federal manifestaram-se pela legalidade do medicamento, considerando que o direito reprodutivo tem fundamento constitucional, sento apto à mulher escolher se quer ou não engravidar (VIEIRA; OLIVEIRA, 2007, p. 12).

Adotando-se a nidação como critério indicativo do início da vida, não haveria razão para proteger aquilo que a precede como se pessoa humana fosse. A função da pílula do dia seguinte é evitar que o embrião recém fecundando consiga se fixar na parede uterina. Ou seja, o concepto fecundado intra corporis tem seu desenvolvimento interrompido pela expulsão do corpo da mulher em função da impossibilidade de fixação no endométrio.

4.5.2. O Concepto como Pessoa Humana

Reconhecer a natureza de pessoa humana do embrião em seus estágios iniciais de desenvolvimento equivale a atribuir-lhe dignidade e todos os demais direitos que lhe são inerentes desde a concepção.

De acordo com a doutrina jurídica, tudo que faz parte do “mundo do ser” ou é uma pessoa – sujeito de direitos – ou é um objeto – bem capaz de satisfazer uma necessidade –. Em se considerando a primeira hipótese, o que fazer com estes embriões excedentes considerados pessoas? (PUSSI, 2005, p. 313-314).

Sendo difícil definir que destino dar aos embriões supranumerários, pode-se iniciar pensando em o que não fazer com eles. Considerar o concepto como membro da espécie humana significa protegê-lo desde o momento da fecundação, não admitindo práticas tendentes a acabar com sua existência.

A pílula do dia seguinte, por impedir a nidação e expelir o embrião do corpo da genitora seria, portanto, uma técnica incompatível com a proteção do concepto enquanto pessoa humana.

Observe-se a impropriedade do CFM[208] ao autorizar “anticoncepção” de emergência como método alternativo para controle de natalidade. É que a pílula em questão não poderia sequer ser chamada de contraceptivo, pois sua função precípua não é evitar a concepção (que já ocorreu), mas sim retirar o concepto do ventre materno.

Renato Antônio Vieira (2007, p. 13) afirma que “a vida tem início com a fecundação, uma fez que o embrião traz em si a informação genética necessária a formação do indivíduo adulto [...]”. Conclui seu raciocínio reconhecendo o caráter abortivo da pílula do dia seguinte, recomendando controle por parte das autoridades da saúde.

Maria Celeste dos Santos defende que o embrião criopreservado “corporiza vida humana e que, portanto, merece proteção ilimitada” (apud FERNANDES, 2000, p. 93).

Se distoar, Loureiro (2006, p. 12) ressalta que “o embrião não pode e não deve ser considerado como coisa passível de ser comercializada e usada como meio para atingir determinados fins”. Isso significa que o direito não tolera a coisificação do embrião. Dessarte, faz-se necessária a ação do legislador no sentido de criar normas que exijam, coercitivamente a observância do princípio da dignidade da pessoa humana.

A “reificação” do embrião humano é, portanto, prática condenável, porquanto incompatível com sua essência ontológica e a ordem jurídico-consticional brasileira.

O próprio fato de pertencer ao gênero humano, por sua própria natureza, mesmo antes da consagração dos direitos inerentes à dignidade em qualquer postulado jurídico-positivo, confere ao indivíduo o direito ao reconhecimento e preservação da vida digna. A pessoa tem dignidade por ser pessoa, de modo que o princípio da dignidade é o primeiro de todos na escala axiológica – vale mais que qualquer outro direito. O homem possui em si mesmo um valor moral, intransferível e inalienável, que lhe foi atribuído pelo puro fato de ser homem, independentemente de suas qualidades individuais (pode se tratar até de um réu, de um fugitivo[209]) (ZISMAN, 2005, p. 34).

Transformar o embrião humano em um objeto representa retirar do homem aquilo que lhe é mais essencial – sua natureza humana. Caso se permita tal desconsideração nas etapas iniciais de desenvolvimento do ser humano, abrir-se-á o precedente para que a desumanização, sorrateiramente, generalize-se (AMARAL, 2006, p. 145).

Não se pode negar que o embrião, ainda que em estado pré-implantatório, pertence ao gênero humano. Tem, assim, garantida a sua dignidade pelo simples fato de ser humano.

A teoria dos direitos humanos considera que o homem, diferentemente dos animais e das coisas, não se sujeita ao domínio de outrem, nem tolera “que sua dignidade dependa de reconhecimento por uma ordem jurídica positiva” (SILVA, 2002, p. 194).

Por óbvio este reconhecimento de dignidade implica equiparar o embrião a um ser humano em qualquer outro estágio de desenvolvimento (um recém-nascido, uma criança, ou um adulto), atribuindo-lhe o status de sujeito de direitos[210].

É neste sentido que as discriminações são proscritas. Não se pode criar “categorias de pessoas em desenvolvimento, dividindo-as em um embrião inserido no útero da mulher e em um embrião que está se desenvolvendo in vitro, considerando o primeiro embrião uma pessoa e o segundo, não!” (SZANIAWSKY apud SÁ: TEIXEIRA, 2005, p. 89-90).

De acordo com o Dr. Jérôme Lejeune[211] (citado por KRAUSE, 2007, sp), não se pode atribuir outro momento para o início da vida senão a fecundação do óvulo pelo espermatozóide. O ser oriundo deste processo, independente de qualquer fator (anencefalia, indiferenciação celular, crioconservação), é merecedor de toda a proteção legal. “O que define um ser humano é o fato de ser membro da nossa espécie. Assim, quer seja extremamente jovem (um embrião), quer seja mais idoso, ele não muda de uma espécie para outra. Ele é da nossa estirpe. Isto é uma definição” (LEJEUNE apud KRAUSE, 2007, sp).

Ao equiparar o embrião excedente ao nascituro, Genival de França fundamenta seu posicionamento afirmando que todos os já concebidos têm uma certa titularidade de direitos, a que ele chama personalidade especial ou provisória. “Se lhe é reconhecido algum direito, razoável falar-se em sujeito de direito dispensando-lhe tutela jurídica” (FRANÇA, 2004, p. 247-248)[212].

Shirley Lima parte da premissa de que se o embrião in vivo é pessoa, e se o embrião in vitro é o “mesmo embrião” em uma situação diferente, então, “por uma adequação lógica, o embrião in vitro seria pessoa”. A autora reconhece que a particularidade da criopreservação e da ausência de gestação tornam incerto o nascimento. Ainda assim, entende que o embrião extra corporis deve ter assegurados os direitos à vida digna e de ser adotado (ao invés de condenado à destruição) (2005, sp).

Não há que se falar, por exemplo, em direito a alimentos, pois o seu desenvolvimento foi suspenso e sua conservação se dá pelo congelamento, mas, naquilo que for pertinente a sua comparação à condição em que se encontra o embrião in vivo, ele deve ter igual tratamento. Não há fundamento em equipará-lo à prole eventual, pois já houve concepção; e, nem muito menos, às coisas, porquanto é detentor de vida humana como qualquer outro embrião in vivo (LIMA, 2005, sp)

De certa maneira, o princípio da dignidade da pessoa humana representa um verdadeiro escudo à busca incessante de lucro relacionado à “cada vez mais ameaçadora – e cada vez mais efetiva – tentativa de instrumentalização” do concepto (AMARAL, 2006, p. 144).

Reinaldo Pereira e Silva (2002, p. 192) leciona que o respeito devido à dignidade da pessoa humana ampara-se em dois pressupostos, a saber: “1) todas as pessoas humanas devem ser igualmente respeitadas (respeito destinado a toda a espécie humana)” e, finalmente, “2) o respeito deve ser assegurado independente do grau de desenvolvimento individual das potencialidades humanas”.

Importa, sob a égide do princípio da dignidade da pessoa humana, e em conformidade com os progressos da medicina fetal e pré-natal (progressi della medicina fetale e prenatale), ‘poder dizer’, claramente, que o concepto é protagonista da vida jurídica (protagonista della vita giuridica) e titular dos direitos de nascer, de nascer são e de ser curado, quando for o caso (diritti di nascere, di nascere sano e di essere curato) (MANTOVANI apud SILVA, 2002, p. 192, sem grifos no original).

É evidente que, se o grau de desenvolvimento das potencialidades é indiferente, não se pode negar ao embrião extra corporis o reconhecimento de sua dignidade, porquanto sua natureza de membro da espécie homo sapiens sapiens preenche os requisitos necessários a tal tutela.

Afinal, é o embrião humano pessoa humana dotada de dignidade?

Na tentativa de se resolver a questão aventada, pode-se fazer uso de um raciocínio desenvolvido por Kant no que tange ao fato de preço e dignidade não se coadunarem.

Para o pensador, tudo tem ou um preço ou uma dignidade no reino dos fins. “Quando uma coisa tem um preço, pode pôr-se em vez dela qualquer outra como equivalente; mas quando uma coisa está acima de todo o preço e, portanto, não permite equivalente, então tem ela dignidade” (KANT, 2000, p. 77).

A legislação e a doutrina brasileira, bem como a totalidade dos projetos de lei em tramitação no Congresso[213], são unânimes em condenar a comercialização de embriões humanos. Trata-se de bens que estão fora do comércio aos quais não se pode atribuir um preço. Neste sentido, em não tendo um preço, têm eles dignidade.

Ora, conforme se verificou no Capítulo 3, todas as normas pertinentes, desde as jurídicas até as éticas, repudiam a comercialização de embriões humanos, permitindo, quando muito, a doação sem caráter lucrativo. Poder-se-ia afirmar, por este raciocínio, que os embriões excedentários são, sim, sujeitos de direito. Desde a concepção, os embriões humanos são pessoas dotadas de dignidade.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Desenvolveu-se a presente monografia jurídica com a intenção de investigar se o embrião humano oriundo de técnicas de reprodução in vitro e criopreservado é uma pessoa passível de tutela pelo princípio constitucional da dignidade da pessoa humana.

Insta salientar que o presente trabalho não se encontra concluído. Trata-se de projeto dotado de uma aspiração inerente de continuidade, porquanto envolve tema em constante mutação.

Em que pese a reprodução assistida ser uma especialidade médica de rápida e constante evolução, o sistema axiológico de referência de uma sociedade leva anos, quiçá décadas, para se alterar. Neste passo, o Direito, como fonte das normas a serem interpretadas a partir de valores postos como preponderantes, anda em certo descompasso temporal com a ciência. A dicotomia é evidente: o Direito tem certa dificuldade em acompanhar os constantes avanços da biotecnologia.

Como se pôde observar, inúmeras são as questões que emergem de uma situação fática que já existe há anos. Milhares de embriões humanos oriundos de técnicas de reprodução assistida repousam a temperaturas baixíssimas em cilindros de nitrogênio líquido. Não se trata de meros devaneios teóricos, mas de refletir sobre o destino de embriões humanos que aguardam criogenados uma definição sobre a sua natureza jurídica.

Após quase um ano e meio de pesquisa, pode-se afirmar que as hipóteses levantadas na fase do projeto foram confirmadas.

A partir da identificação das circunstâncias jurídicas que norteiam a tutela do embrião excedentário, verificou-se que a legislação infraconstitucional brasileira de fato fornece uma tutela jurídica ao embrião implantado no útero materno diferente daquela oferecida ao que está em estado pré-implantatório.

Enquanto o embrião in utero é protegido pela proscrição do aborto e por determinados institutos processuais civis, como a posse em nome do nascituro, tais prerrogativas não são estendidas ao embrião ex utero.

Partindo de uma investigação sobre as principais teorias a respeito do início da personalidade, observou-se que o direito civil brasileiro adota a teoria natalista, vinculando a aquisição da personalidade ao nascimento com vida. Contudo, esta teoria não se coaduna com o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana que é amplo e irrestrito, atinente a todos os seres humanos pelo simples fato de serem humanos.

A redação do art. 2º do Código Civil é contraditória, pois enquanto coloca a aquisição de personalidade civil pelo nascituro sob a condição suspensiva do nascimento com vida, protege os seus direitos desde a concepção. Ora, sabe-se que é possível – e bem comum – haver seres humanos já concebidos, mas ainda não implantados no útero. São os embriões oriundos das técnicas de reprodução humana assistida in vitro que não foram imediatamente transferidos para o ventre materno. Trata-se de conceptos que não são nascituros, porquanto não houve a nidação.

Em que pese a Nova Lei de Biossegurança estar em vigor permitindo a utilização de células-tronco embrionárias para fins de pesquisas e terapêuticos, quer-se crer que tal conduta é incompatível com a ordem constitucional, em especial o princípio da dignidade da pessoa humana.

Analisaram-se, ainda, os principais projetos de lei em tramitação no Congresso Nacional, e a resolução do Conselho Federal de Medicina atinente aos embriões que não são imediatamente implantados no útero materno. A diversidade de formas como a matéria é tratada demonstra a falta de consenso dos diversos setores da sociedade sobre o assunto.

Tratou-se de estabelecer uma delineação histórica da construção do conceito contemporâneo de dignidade da pessoa humana a fim de compreender o conteúdo deste princípio aplicado ao embrião em estado pré-implantatório.

Parece leviano demais afirmar com veemência que um embrião excedentário – que em sua essência é absolutamente igual a um embrião intra corporis – pelo simples fato de estar criogenado em um tubo de ensaio não seria passível de proteção jurídica. Tratam-se, na verdade, de seres humanos como outros quaisquer, que passam por uma fase peculiar do desenvolvimento de seu projeto pessoal.

À lei não é dado fazer distinções com base em critérios utilitaristas que buscam tão somente justificar a reificação do concepto, afastando-o de sua natureza humana.

Independente da teoria adotada a respeito do início da vida (genética, embriológica ou neurológica), é mister salientar que o embrião criogenado deve ser protegido pelo Direito.

Conforme foi possível verificar, a vida é um processo dotado de continuidade. O esforço intelectual em subdividir este processo em diversas etapas (pré-zigoto, zigoto, pré-embrião, embrião), conforme diferentes critérios, sugere a tentativa de justificar a utilização deste ser para diversos fins (pesquisa, eliminação sumária) sob o pretexto de que apenas a partir de determinado momento ter-se-ia uma pessoa.

Apesar de parecer óbvio que o embrião recém concebido não tem viabilidade de sobreviver por conta própria extra-uterinamente, o passo inicial para a formação de uma nova vida humana foi dado por ato volitivo de terceiros. Os médicos e beneficiários que procuram as técnicas de RHA devem agir de forma responsável e compatível com a proteção e desenvolvimento digno da vida humana à que deram o start inicial.

Neste sentido, a única destinação viável para os embriões excedentários é a que seja compatível com a ordem constitucional vigente, o que se determina por exclusão: nenhuma conduta que impeça a continuação do desenvolvimento do ser humano embrionário pode ser tolerada.

Qual é afinal – se é que existe – a diferença entre os embriões ex utero e os in utero? A resposta e simples e concisa: Nenhuma!

Ora, sabe-se que cada embrião, cada ser humano, independente do lugar e situação em que se encontre é um ser singular em função de sua unicidade genética. O fato de um embrião ainda não ter se implantado no endométrio não autoriza a sua eliminação sumária.

O embrião excedentário é um homo sapiens sapiens como qualquer outro; difere dos implantados só pelo fato de ter seu desenvolvimento suspenso por estar criogenado. Contudo, é um ser singular em sua carga genética, dotado de individualidade, potencialidade de desenvolvimento e dignidade inerentes à sua condição humana.

No mundo jurídico, existem duas categorias essenciais dignas de menção: as coisas e as pessoas. As coisas são objetos passíveis de tutela pelo direito de propriedade; são bens de comércio sobre os quais se pode atribuir um preço. Por outro lado, as pessoas são incompatíveis com a estipulação de preço; são insubstituíveis por sua essência e sua principal característica é o fato de serem dotadas de dignidade.

Afinal, o embrião excedentário é uma coisa ou é uma pessoa?

Considerando que todo o ser humano é dotado de dignidade, é preciso repelir práticas que atentem contra a continuidade da vida, independente do estágio de desenvolvimento em que se encontra esta vida.

O objetivo geral deste trabalho, qual seja, investigar a possibilidade do embrião humano excedentário ser dotado de personalidade jurídica e passível de proteção pelo Direito, foi alcançado.

Condena-se, neste ínterim, toda conduta tendente a desconsiderar a natureza de pessoa humana do concepto.

Pairando dúvida, é necessário adotar a posição que melhor se coadune com a dignidade da pessoa humana e o direito à vida.

In dubio pro embrião.


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Glossário

  • Ácido Desoxirribonucléico = “ADN, ácido ribonucléico - ARN: material genético que contém informações determinantes dos caracteres hereditários transmissíveis à descendência” (BRASIL, Lei 11.105, sp).

  • Blastômeros = “Células não diferenciadas formadas pela clivagem inicial do óvulo fertilizado [...]” (BIBLIOTECA [...]: Blastômeros, 2007, sp).

  • Bioética = “[...] É o conjunto dos problemas colocados pela responsabilidade moral dos médicos e biólogos em suas pesquisas teóricas ou nas aplicações práticas dessas pesquisas” (DEFINIÇÃO, 2007, sp).

  • Biodireito = Área do direito que formaliza juridicamente as relações estabelecidas entre os valores morais e as pesquisas e tecnologias biológicas (BIOÉTICA, 2007, sp).

  • Célula Germinal Humana = “célula-mãe responsável pela formação de gametas presentes nas glândulas sexuais femininas e masculinas e suas descendentes diretas em qualquer grau de ploidia” (BRASIL, Lei 11.105, sp).

  • Células-Tronco Embrionárias = “células de embrião que apresentam a capacidade de se transformar em células de qualquer tecido de um organismo” (BRASIL, Lei 11.105, sp).

  • Clivagem = “A clivagem consiste em repetidas divisões mitóticas do zigoto, que resultam no rápido aumento do número de células [...] – os blastômeros.” (MORE, 2000, p. 38).

  • Clonagem = “processo de reprodução assexuada, produzida artificialmente, baseada em um único patrimônio genético, com ou sem utilização de técnicas de engenharia genética” (BRASIL, Lei 11.105, sp).

  • Clonagem para fins reprodutivos = “clonagem com a finalidade de obtenção de um indivíduo” (BRASIL, Lei 11.105, sp).

  • Clonagem Terapêutica = “clonagem com a finalidade de produção de células-tronco embrionárias para utilização terapêutica” (BRASIL, Lei 11.105, sp).

  • Concepção =Produção de um novo ser humano [...] Fisiologicamente, a concepção não designa um único fenômeno, mas, simultaneamente, o coito, a fecundação e a formação do embrião” (MÉDICOS, 2007, sp).

  • Concepto = É o novo ser oriundo da concepção.

  • Concepto ex utero = situação do ser humano recém formado quando localizado fora do corpo feminino.

  • Concepto in utero = posição do embrião que se encontra implantado no útero materno.

  • Crioconservação = Trata-se de técnica onde o material vital é exposto à crioprotetores, desidratado e sujeito “a temperaturas muito baixas (geralmente -100º C), para que toda sua atividade metabólica seja interrompida. Dessa forma, tenta-se reduzir ao máximo o dano criado pelos cristais de gelo, que são capazes de romper membranas e organelas intracelulares” (SILVA, 2002, p. 65).

  • Criopreservação = idem crioconservação.

  • Cromossomos = “Estrutura encontrada [...] no núcleo de uma célula eucariótica que consiste de ou contém DNA que carrega a informação genética essencial para a célula.” (BIBLIOTECA [...]: Cromossomos, 2007, sp).

  • Diploidia “Estado de uma célula cujo núcleo contém duas séries de cromossomos homólogos (dois pares de cromossomos de estrutura semelhante). A fórmula cromossômica diplóide exprime-se por 2n” (MÉDICOS, 2007, sp).

  • Embrião = “Óvulo fertilizado (ovo) nas fases mais iniciais de desenvolvimento pré-natal, normalmente anteriores ao desenvolvimento das partes do corpo.” (GLOSSÁRIO, 2007, sp).

  • Embrião Excedentário = Quando da utilização de técnicas de reprodução humana assistida in vitro, diversos óvulos são fertilizados dando origem a diversos embriões. Como apenas alguns são introduzidos no útero, os que “sobram” são chamados embriões excedentes, ou excedentários.

  • Embrião ex utero: idem concepto ex utero.

  • Embrião in utero: idem concepto in utero.

  • Embrião Pré-Implantatório = São os embriões fertilizados in vitro antes de sua transferência para o corpo da mulher.

  • Embrião Supranumerário = idem embrião excedentário;

  • Engenharia Genética = “Atividade de produção e manipulação de moléculas de ADN/ARN recombinante” (BRASIL, Lei 11.105, sp).

  • Espermatozóide = “Célula germinativa masculina madura que se originam das espermátides” (BIBLIOTECA [...]: Espermatozóide, 2007, sp).

  • Fecundação = “Fusão de um espermatozóide com um óvulo, resultando na formação de um zigoto” (BIBLIOTECA [...]: Fecundação, 2007, sp).

  • Fertilização = “A fertilização é uma complexa seqüência de eventos moleculares coordenados que começa com o contato de um espermatozóide com um ovócito e termina com a mistura dos cromossomos maternos e paternos [...]” (MORE, 2000, p. 32).

  • Gametas = “Os gametas ou células germinativas masculina e feminina são células sexuais altamente especializadas, que possuem metade do número normal de cromossomos (número haplóide) presente nas células somáticas do corpo” (GAMETOGÊNESE, 2007, sp).

  • Gametogênese = “É o processo de formação e desenvolvimento de células especializadas para a reprodução denominadas gametas” (MORE, 2000, p. 16).

  • Genética = “A genética é o ramo da biologia que estuda a transferência das características físicas e biológicas de geração para geração” (GENÉTICA, 2007, sp).

  • Haploidia = “Quantidade de cromossomos existentes nos gametas, que é a metade do número normalmente encontrado nas células somáticas” (BIBLIOTECA [...]: Haploidia, 2007, sp).

  • Mórula = “Embrião (no estágio inicial do desenvolvimento) cujos blastômeros formam uma massa celular compacta” (BIBLIOTECA [...]: Mórula, 2007, sp).

  • Nascituro = "[Do lat. nascituru.] Adj. 1. Que há de nascer. 2. Aquele que há de nascer. 3. Jur. O ser humano já concebido, cujo nascimento se espera como fato futuro certo". (INSEMINAÇÃO, 2007, sp).

  • Oócito = São ovócitos durante o processo de meiose.

  • Ovócito = “Células germinativas femininas (denominadas oócitos quando entram em meiose) provenientes de ovogônias” (BIBLIOTECA [...]: ovócito, 2007, sp).

  • Ovulação = “Liberação de um ovócito secundário a partir de um folículo de Graaf (no ovário) [...]” (BIBLIOTECA [...]: ovulação, 2007, sp).

  • Óvulo = Célula germinativa feminina (haplóide e madura) expelida pelo ovário durante a ovulação” (BIBLIOTECA [...]: Óvulo, 2007, sp).

  • Pré-Embrião = “É a denominação utilizada por alguns autores, em especial norte-americanos, para o concepto humano nos primeiros seis a sete dias de desenvolvimento [...]” (PRÉ-EMBRIÃO, 2007, sp).

  • Pré-Zigoto = “[...] momento em que, embora o espermatozóide tenha penetrado no óvulo, o material genético de ambos não se misturou [...]” (BOLZAN, 1998, p. 28).

  • Pró-núcleos = “Material genético materno e paterno, presente nos núcleos dos óvulos e espermatozóides” (CONCEPTUS, 2007, sp).

  • Punção Folicular = “Técnica orientada por ultra-som que retira os gametas (ovócitos) diretamente do ovário, independente da época do ciclo reprodutivo” (NASCIMENTO, 2007, sp).

  • Reprodução Assistida Homóloga = intra conjugal, auto-reprodução; realizada com o material genético de ambos os beneficiários.

  • Reprodução Assistida Heteróloga = extraconjugal, heteroreprodução; utiliza-se o material genético (sêmen e/ou óvulo) de doadores.

  • Totipotentes = “Células individuais com potencial para formar um organismo inteiro. São capazes de se especializar em embrião, membranas e tecidos extraembrionários e qualquer tecido e órgão pós-embrionário” (BIBLIOTECA [...]: Células, 2007, sp).

  • Trompas de Falópio = “Par de canais musculares altamente especializados, que se estendem do útero ao ovário correspondente” (BIBLIOTECA [...]: Trompas de Falópio, 2007, sp).

  • Mitose = “É o processo de divisão celular em que ocorre apenas uma duplicação de cromossomos [...]. Uma célula-mãe transfere às duas células-filhas todo o seu patrimônio genético, representado pelos cromossomos.” (MITOSE, 2007, sp).

  • Meiose = “Meiose é um tipo de especial de divisão celular envolvendo duas divisões celulares meióticas; ela somente ocorre nas células germinativas levando a formação dos gametas” (MORE, 2000, p.16).

  • Nidação = fixação do embrião na parede do útero.

  • Zigoto = “[...] corresponde ao óvulo já fertilizado. Ou seja, é o material genético (cromossomos) de ambos os gametas já mesclados, ficando, assim, constituída esta primeira célula ou zigoto de um novo ser [...]” (BOLZAN, 1998, p. 28, grifos no original).

  • Zona Pelúcida = “Membrana espessa (glicoproteica) que envolve o óvulo dos mamíferos” (MÉDICOS, 2007, sp).


Anexos

Anexo I – Lei de Biossegurança

LEI Nº 11.105, DE 24 DE MARÇO DE 2005.

Regulamenta os incisos II, IV e V do § 1o do art. 225 da Constituição Federal, estabelece normas de segurança e mecanismos de fiscalização de atividades que envolvam organismos geneticamente modificados – OGM e seus derivados, cria o Conselho Nacional de Biossegurança – CNBS, reestrutura a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança – CTNBio, dispõe sobre a Política Nacional de Biossegurança – PNB, revoga a Lei no 8.974, de 5 de janeiro de 1995, e a Medida Provisória no 2.191-9, de 23 de agosto de 2001, e os arts. 5o, 6o, 7o, 8o, 9o, 10 e 16 da Lei no 10.814, de 15 de dezembro de 2003, e dá outras providências.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA

Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

CAPÍTULO I

DISPOSIÇÕES PRELIMINARES E GERAIS

Art. 1o Esta Lei estabelece normas de segurança e mecanismos de fiscalização sobre a construção, o cultivo, a produção, a manipulação, o transporte, a transferência, a importação, a exportação, o armazenamento, a pesquisa, a comercialização, o consumo, a liberação no meio ambiente e o descarte de organismos geneticamente modificados – OGM e seus derivados, tendo como diretrizes o estímulo ao avanço científico na área de biossegurança e biotecnologia, a proteção à vida e à saúde humana, animal e vegetal, e a observância do princípio da precaução para a proteção do meio ambiente.

[...][214]

Art. 3o Para os efeitos desta Lei, considera-se:

I – organismo: toda entidade biológica capaz de reproduzir ou transferir material genético, inclusive vírus e outras classes que venham a ser conhecidas;

II – ácido desoxirribonucléico - ADN, ácido ribonucléico - ARN: material genético que contém informações determinantes dos caracteres hereditários transmissíveis à descendência;

III – moléculas de ADN/ARN recombinante: as moléculas manipuladas fora das células vivas mediante a modificação de segmentos de ADN/ARN natural ou sintético e que possam multiplicar-se em uma célula viva, ou ainda as moléculas de ADN/ARN resultantes dessa multiplicação; consideram-se também os segmentos de ADN/ARN sintéticos equivalentes aos de ADN/ARN natural;

IV – engenharia genética: atividade de produção e manipulação de moléculas de ADN/ARN recombinante;

V – organismo geneticamente modificado - OGM: organismo cujo material genético – ADN/ARN tenha sido modificado por qualquer técnica de engenharia genética;

VI – derivado de OGM: produto obtido de OGM e que não possua capacidade autônoma de replicação ou que não contenha forma viável de OGM;

VII – célula germinal humana: célula-mãe responsável pela formação de gametas presentes nas glândulas sexuais femininas e masculinas e suas descendentes diretas em qualquer grau de ploidia;

VIII – clonagem: processo de reprodução assexuada, produzida artificialmente, baseada em um único patrimônio genético, com ou sem utilização de técnicas de engenharia genética;

IX – clonagem para fins reprodutivos: clonagem com a finalidade de obtenção de um indivíduo;

X – clonagem terapêutica: clonagem com a finalidade de produção de células-tronco embrionárias para utilização terapêutica;

XI – células-tronco embrionárias: células de embrião que apresentam a capacidade de se transformar em células de qualquer tecido de um organismo.

[...]

Art. 5o É permitida, para fins de pesquisa e terapia, a utilização de células-tronco embrionárias obtidas de embriões humanos produzidos por fertilização in vitro e não utilizados no respectivo procedimento, atendidas as seguintes condições:

I – sejam embriões inviáveis; ou

II – sejam embriões congelados há 3 (três) anos ou mais, na data da publicação desta Lei, ou que, já congelados na data da publicação desta Lei, depois de completarem 3 (três) anos, contados a partir da data de congelamento.

§ 1o Em qualquer caso, é necessário o consentimento dos genitores.

§ 2o Instituições de pesquisa e serviços de saúde que realizem pesquisa ou terapia com células-tronco embrionárias humanas deverão submeter seus projetos à apreciação e aprovação dos respectivos comitês de ética em pesquisa.

§ 3o É vedada a comercialização do material biológico a que se refere este artigo e sua prática implica o crime tipificado no art. 15 da Lei no 9.434, de 4 de fevereiro de 1997.

Art. 6o Fica proibido:

I – implementação de projeto relativo a OGM sem a manutenção de registro de seu acompanhamento individual;

II – engenharia genética em organismo vivo ou o manejo in vitro de ADN/ARN natural ou recombinante, realizado em desacordo com as normas previstas nesta Lei;

III – engenharia genética em célula germinal humana, zigoto humano e embrião humano;

IV – clonagem humana;

[...]

CAPÍTULO VIII

Dos Crimes e das Penas

Art. 24. Utilizar embrião humano em desacordo com o que dispõe o art. 5o desta Lei:

Pena – detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa.

Art. 25. Praticar engenharia genética em célula germinal humana, zigoto humano ou embrião humano:

Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

Art. 26. Realizar clonagem humana:

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.

[...]

CAPÍTULO IX

Disposições Finais e Transitórias

[...]

Art. 42. Revogam-se a Lei no 8.974, de 5 de janeiro de 1995, a Medida Provisória no 2.191-9, de 23 de agosto de 2001, e os arts. 5o, 6o, 7o, 8o, 9o, 10 e 16 da Lei no 10.814, de 15 de dezembro de 2003.

Brasília, 24 de março de 2005; 184o da Independência e 117o da República.

LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA

Márcio Thomaz Bastos

Celso Luiz Nunes Amorim

Roberto Rodrigues

Humberto Sérgio Costa Lima

Luiz Fernando Furlan

Patrus Ananias

Eduardo Campos

Marina Silva

Miguel Soldatelli Rossetto

José Dirceu de Oliveira e Silva

Anexo II – Projeto de Lei nº 489/2007

PROJETO DE LEI Nº 489, DE 2007

(do Sr. Odair Cunha)

Dispõe sobre o Estatuto do Nascituro e dá outras providências.

O Congresso Nacional decreta:

Das disposições preliminares

Art. 1º Esta lei dispõe sobre a proteção integral ao nascituro.

Art. 2º Nascituro é o ser humano concebido, mas ainda não nascido.

Parágrafo único - O conceito de nascituro inclui os seres humanos concebidos “in vitro”, os produzidos através de clonagem ou por outro meio científico e eticamente aceito.

Art. 3º O Nascituro adquire personalidade jurídica ao nascer com vida, mas sua natureza humana é reconhecida desde a concepção, conferindo-lhe proteção jurídica através deste estatuto e da lei civil e penal.

Parágrafo único - O nascituro goza do direito à vida, à integridade física, à honra, à imagem e de todos os demais direitos de personalidade.

Art. 4º É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar ao nascituro, com absoluta prioridade, a expectativa do direito à vida, à saúde, à alimentação, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar, além de colocá-lo a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

Art. 5º Nenhum nascituro será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, sendo punido, na forma da lei, qualquer atentado, por ação ou omissão, à expectativa dos seus direitos.

Art. 6º Na interpretação desta lei, levar-se-ão em conta os fins sociais a que ela se dirige, as exigências do bem comum, os direitos e deveres individuais e coletivos, e a condição peculiar do nascituro como futura pessoa em desenvolvimento.

Dos direitos fundamentais

Art. 7º O nascituro deve ser objeto de políticas sociais públicas que permitam seu desenvolvimento sadio e harmonioso e o seu nascimento, em condições dignas de existência.

Art. 8º Ao nascituro é assegurado, através do Sistema Único de Saúde - SUS, o atendimento em igualdade de condições com a criança.

Art. 9º É vedado ao Estado e aos particulares discriminar o nascituro, privando-o da expectativa de algum direito, em razão do sexo, idade, etnia, da origem, da deficiência física ou mental ou da probalidade da sobrevida.

Art. 10 O nascituro deficiente terá à sua disposição todos os meios terapêuticos e profiláticos existentes para prevenir, reparar ou minimizar sua deficiência, haja ou não expectativa de sobrevida extra-uterina.

Art. 11 O diagnóstico pré-natal respeitará o desenvolvimento e a integridade do nascituro e estará orientando para sua salvaguarda ou sua cura individual.

§ 1º O diagnóstico pré-natal deve ser precedido do consentimento dos pais, e os mesmo deverão ser satisfatoriamente informados.

§ 2º É vedado o emprego de métodos de diagnóstico pré-natal que façam a mãe ou o nascituro correrem riscos desproporcionais ou desnecessários.

Art. 12 É vedado ao Estado e aos particulares causar qualquer dano ao nascituro em razão de ato delituoso cometido por algum de seus genitores.

Art. 13 O nascituro concebido em ato de violência sexual não sofrerá qualquer discriminação ou restrição de direitos, assegurando-lhe, ainda, os seguintes:

I - direito prioritário à assistência pré-natal, com acompanhamento psicológico da gestante;

II - direito a pensão alimentícia equivalente a 1 (um) salário mínimo, até que complete dezoito anos, não sendo identificado o genitor, ou se for insolvente, a obrigação recairá sobre o Estado;

III – no caso de genitor identificado, será ele responsável pela pensão alimentícia, cabendo ao Poder Judiciário fixar seu valor, não podendo ser inferior a 1 (um) salário mínimo;

IV - direito prioritário à adoção, caso a mãe não queira assumir a criança após o nascimento;

Art. 14 A doação feita ao nascituro, somente será possível com a concordância de seu representante legal.

Art. 15 Sempre que, no exercício do poder familiar, colidir o interesse dos pais com o do nascituro, o Ministério Público requererá ao juiz que nomeie curador especial.

Art. 16 Dar-se-á curador ao nascituro, se o pai falecer estando grávida a mulher, e não tendo o poder familiar.

Parágrafo único - Se a mulher estiver interdita, seu curador será o do nascituro.

Art. 17 O nascituro tem legitimidade para suceder.

Art. 18 A mulher que, para a garantia dos direitos do filho nascituro, quiser provar seu estado de gravidez, requererá ao juiz que, ouvido o órgão do Ministério Público, mande examiná-la por médico de sua nomeação.

§ 1º O requerimento será instruído com a certidão de óbito da pessoa de quem o nascituro é sucessor;

§ 2º Será dispensado o competente exame, se os herdeiros do falecido aceitarem a declaração da requerente;

§ 3º Em hipótese alguma, a falta do exame prejudicará os direitos do nascituro.

Art. 19 Apresentado o laudo que reconheça a gravidez, o juiz, por sentença, declarará a requerente investida na posse dos direitos que assistam ao nascituro.

Parágrafo único - Se à requerente não couber o exercício do poder familiar, o juiz nomeará curador ao nascituro.

Art. 20 O nascituro será representado em juízo, ativa e passivamente, por quem exerça o poder familiar, ou por curador especial.

Art. 21 Os danos materiais ou morais sofridos pelo nascituro ensejam reparação civil.

Dos crimes em espécie

Art. 22 Os crimes previstos nesta lei são de ação pública incondicionada.

Art. 23 Causar culposamente a morte do nascituro:

Pena: detenção de 1 (um) a 3 (três) anos.

§ 1º a pena é aumentada de um terço e o crime resulta de inobservância de regra técnica de profissão, arte ou ofício, ou se o agente deixa de prestar imediato socorro à vítima, não procura diminuir as conseqüências do seu ato ou foge para evitar prisão em flagrante.

§ 2º o Juiz poderá deixar de aplicar a pena, se as conseqüências da infração atingirem o próprio agente de forma tão grave que a sanção penal se torne desnecessária.

Art. 24 Anunciar processo, substância ou objeto destinado a provocar aborto:

Pena: detenção de 1 (um) a 2 (dois) anos e multa.

Parágrafo único - A pena é aumentada em um terço se o processo, substância ou objeto são apresentado como se fossem exclusivamente anticoncepcionais.

Art. 25 Congelar, manipular ou utilizar nascituro como material de experimentação:

Pena: Detenção de 1 (um) a 3 (três) anos e multa.

Art. 26 Referir-se ao nascituro com palavras ou expressões manifestamente depreciativas:

Pena: Detenção de 1 (um) a 6 (seis) meses e multa.

Art. 27 Exibir ou veicular, por qualquer meio de comunicação, informações ou imagens depreciativas ou injuriosas à pessoa do nascituro:

Pena: Detenção de 6 (seis) meses a 1 (um) ano e multa.

Art. 28 Fazer publicamente apologia do aborto ou de quem o praticou, ou incitar publicamente a sua prática:

Pena: Detenção de 6 (seis) meses a 1 (um) ano e multa.

Art. 29 Induzir mulher grávida a praticar aborto ou oferecer-lhe ocasião para que o pratique:

Pena: Detenção de 1 (um) a 2 (dois) anos e multa.

Disposições finais

Art. 30 Os arts. 124, 125 e 126 do Código Penal (Decreto-lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940) passam a vigorar com a seguinte redação:

"Art. 124 ..................................................

Pena: reclusão de 1 (um) a 3 (três) anos (NR).

Art. 125 ......................................................................

Pena: reclusão de 6 (seis) a 15 (quinze) anos (NR).

Art. 126 ................................................................

Pena: reclusão de 4 (quatro) a 10 (dez) anos (NR)".

Art. 31 O art 1º da Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990 (Lei dos Crimes Hediondos), passa a vigorar com o acréscimo do seguinte incisoVIII:

Art. 1º ....................................................................

VIII - aborto (arts. 124 a 127 (NR)".

Art. 32 Esta lei entrará em vigor após cento e vinte dias de sua publicação oficial.

Sala das Sessões, de de 2007

Deputado ODAIR CUNHA

Anexo III – Teorias do Início da Vida Passível de Tutela[215]

TEMPO DECORRIDO

CARACTERÍSTICA

CRITÉRIO

0 min

Fecundação fusão de gametas

Celular

12 a 24 horas

Fecundação fusão dos pró-núcleos

Genotípico Estrutural

2 dias

Primeira divisão celular

Divisional

3 a 6 dias

Expressão do novo genótipo

Genotípico funcional

6 a 7 dias

Implantação Uterina

Suporte Materno

14 dias

Células do indivíduo diferenciadas das células do anexo

Individualização

20 dias

Notocorda maciça

Neural

3 a 4 semanas

Início dos Batimentos Cardíacos

Cardíaco

6 semanas

Aparência humana e rudimentos de todos os órgãos

Fenotipico

7 semanas

Respostas reflexas à dor e a pressão

Senciência

8 semanas

Registro de ondas eletroencéfalográficas

Encefálico

10 semanas

Movimentos espontâneos

Atividade

12 semanas

Estrutura cerebral completa

Neocortical

12 a 16 semanas

Movimentos do feto percebidos pela mãe

Animação

20 semanas

Probabilidade de 10% de para sobrevida fora do útero

Viabilida extra-uterina

24 a 28 semanas

Viabilidade pulmonar

Respiratório

28 semanas

Padrão sono-vigília

Autoconsciência

28 a 30 semanas

Reabertura dos olhos

Perceptivo visual

40 semanas

Gestação a termo ou parto em outro período

Nascimento

2 anos após o nascimento

“Ser moral”

Linguagem para comunicar vontades


Notas

[1] Mais adiante, no tópico 1.2, abordar-se-á em detalhes o modo pelo qual alguns doutrinadores qualificam o biodireito como a quarta dimensão de direitos.

[2] Originalmente o termo bioética tinha significação diversa da atual. Foi André Hellegers, da Universidade de Georgetown, quem introduziu o conceito de uma ética da medicina e da biologia (GAMA, 2003, p. 47).

[3] “A bioética analisa os problemas éticos dos pacientes, de médicos e de todos os envolvidos na assistência médica e pesquisas científicas relacionadas com o início, a continuação e o fim da vida, como a engenharia genética, os transplantes de órgãos, a reprodução assistida (embriões congelados, fertilização in vitro, por exemplo), prolongamento artificial da vida, os direitos dos pacientes terminais, a morte encefálica, a eutanásia, dentre outros fenômenos” (SAHEKI; CREMASCO, 2007, sp, sem grifos no original).

[4] Em tradução livre: Pré-projeto de declaração relativa a normas universais em matéria de bioética.

[5] Vicente Barreto, Jean Bernard, Francesco Bellino, Tereza Rodrigues Vieira, todos citados por GAMA, 2003, p. 39-40.

[6] “Com o uso de bancos de sêmen e óvulos para doação a terceiros e possibilidade de gestação de substituição em caso de problemas fisiológicos é preciso muita cautela em tais investigações. Deve-se também investigar a maternidade, já que a mãe que deu a luz pode não ser a mãe que cedeu o óvulo. Tais situações que não poderiam ter sido previstas pelo ordenamento jurídico trouxeram vários complicadores nos pilares da filiação. Nesses casos o exame de DNA deve ser mais uma prova a constar dos autos do processo” (CLEMENTE, 2005, sp).

[7] Trata-se, na verdade, do art. 1.597 do Código Civil, in verbis: “Art. 1.597. Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos: I - nascidos cento e oitenta dias, pelo menos, depois de estabelecida a convivência conjugal; II - nascidos nos trezentos dias subseqüentes à dissolução da sociedade conjugal, por morte, separação judicial, nulidade e anulação do casamento; III - havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido; IV - havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários, decorrentes de concepção artificial homóloga; V - havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido.” (BRASIL, Lei 10.406/2002, Código Civil, in Vade Mecum acadêmico-forense, 2006, p. 348).

[8] Bioética de fronteira “é a que cuida das novas técnicas e práticas biomédicas ligadas à criação e à extinção da vida” (GAMA, 2003, p. 40).

[9] O Relatório Belmont, elaborado por uma comissão norte-americana em 1978, expressamente adotou três princípio básicos para a ética na pesquisa que envolve seres humanos (research involving human subjects): respeito às pessoas (ou autonomia), beneficência e justiça (DIEDRICH, 2001, p. 219).

[10] Ou seja, dar a cada um o que é seu.

[11] De alguma forma está o princípio de justiça insinuado no Juramento de Hipócrates ao rechaçar a sedução de livres e escravos e se encontra claramente presente na Declaração de Genebra, que afirma: ‘Não permitirei considerações de religião, nacionalidade, raça, partido político ou categoria social para mediar entre meu dever e meu paciente’. O Relatório Belmont, em 1978, diz ser o princípio de justiça uma questão de imparcialidade na distribuição dos riscos e dos benefícios (MOTA, 1999, sp).

[12] A este respeito é válido consultar seguinte obra: BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992.

[13] Vale a pena mencionar a ressalva feita por Paulo Bonavides (1997, p.523) no sentido de que o termo “geração” de direito poderia induzir a uma falsa idéia de mera sucessão cronológica, com a supressão das etapas anteriores. Desta forma, a autora se filia à corrente de Bonavides segundo a qual melhor seria utilizar o substantivo “dimensão” de direito.

[14] Expressão cunhada pelo professor Antônio Carlos Wolkmer, citado por Fernandes (2000, p. 24).

[15] “Embora os temas que aborda remontem há mais tempo, o termo só apareceu no início da década de 90 e alguns autores ainda se recusam a reconhecê-lo” (SAUWN; HRYNIEWICZ, 2000, p.46).

[16] Zisman (2005), Fernandes (2000) e Diniz, G. (2003), para citar alguns.

[17] “Os direitos de terceira e quarta geração, reconhecidos pela Organização das Nações Unidas, tem como sujeitos ativos os grupos, a coletividade, e em muitos casos a própria humanidade, a pleitear o resguardo de sua dignidade. Se a história determinará a evolução destes direitos, fazendo com que o homem encontre direitos humanos de quinta e sexta geração, então a ordem internacional acompanhará a evolução e providenciará a proteção cabível” (ZISMAN, 2005, p. 101).

[18] “Direitos à vida das gerações futuras, direitos a uma vida saudável e em harmonia com a natureza, desenvolvimento sustentável, bioética, manipulação, genética, biotecnologia e bioengenharia, direitos advindos da realidade virtual” (DINIZ, G, 2003, p. 54).

[19] Afinal, a proteção do patrimônio genético diz respeito a toda a humanidade.

[20] Sobre a demanda por regulamentação, consultar o Capítulo III deste trabalho.

[21] Livre tradução do original: “Embryonic life commences with fertilization”.

[22] Nem mesmo as ciências biomédicas chegam a um consenso neste ponto.

[23] “[...] é necessário ressaltar, ainda que brevemente, a importância da gametogênese como suporte imediato para a embriogênese, isto é, o processo de geração e amadurecimento das células germinativas [...]. A gametogênese possui duas modalidades: a espermatogênese e a ovogênese. O termo ‘espermatogênese’ diz respeito a toda uma seqüência de ocorrências bioquímicas e morfológicas mediante a qual as espermatogônias, conhecidas como células germinativas primitivas, porque ainda não possuem complemento cromossômico diplóide (diploos, duplo), transformam-se em espermatozóides. [...] O termo ‘ovogênese’, como o termo antecedente, também se refere a toda a seqüência mediante a qual as células germinativas primitivas, chamadas ovogônias, se transformam em óvulos” (SILVA, 2003, p. 27).

[24] “[...] Os gametas masculino e feminino, porque são células da linhagem germinativa, possuem o complemento haplóide ou n (23 cromossomos). Quando os prónucleos materno e paterno se aproximam, perdem as suas membranas e se fundem, compondo o complemento diplóide ou 2n (46 cromossomos) do zigoto, é que se deve falar da concepção de um novo ser humano” (SILVA, 2003, p. 33).

[25] Cada gameta trazia consigo 23 cromossomos e, após a fusão, restabelece-se o número de gametas normal à espécie, e organiza-se o DNA. Cerca de 30 horas depois da fertilização começa o processo de clivagem, no qual a célula originária passa a se dividir, formando outras células menores (blastômeros). Observa-se que, se separadas, cada uma destas células pode, sozinha, dar origem a um embrião completo, um indivíduo perfeito. Esta propriedade, conhecida como totipotência, desaparece ao longo do desenvolvimento embrionário (AMARAL, 2006, p. 56).

[26] Ou ainda, como veremos, a fecundação pode ocorrer em laboratório.

[27] Vale chamar a atenção para o fato de que a nomenclatura utilizada pelo autor (pré-embrião), representa a “reificação” do embrião até o 14º dia de desenvolvimento.

[28] “União de um gameta masculino (espermatozóide) e de um gameta feminino (óvulo) com formação de um zigoto (ovo)” (GARNIER, 2002, p. 500).

[29] Com a retirada de células-tronco embrionárias, por exemplo.

[30] “A esterilidade fere como a morte, esta atinge a vida do corpo, aquela, a vida, através da descendência. Ela rompe a cadeia do tempo que nos vincula àqueles que nos precederam e àqueles que nos suscederão; é a ruptura da cadeia que nos transcende e nos liga à imortalidade. O homem estéril é um excluído, o tempo lhe está contado, a morte que o espera está sempre presente, a vida se abre sobre o nada” (DAVID apud PUSSI, 2005, p. 275).

[31] “As primeiras manifestações artísticas do homem se expressaram na escultura e na pintura de mulheres grávidas (Vênus de Lespurgne, Vênus de Brassempouy, Vênus de Savinhano, Vênus de Laussel)” (PUSSI, 2005, p. 275-276).

[32] Vale diferenciar esterilidade de infertilidade. Segundo Thomas Stedman, a primeira é a “incapacidade de fertilização ou reprodução”, enquanto que a última é uma “esterilidade relativa” (apud FERNANDES, 2000, p. 52).

[33] Morais, religiosos, científicos, entre outros.

[34] Atribui-se a descoberta ao russo Elie Ivanov, em 1910 (FERNANDES, 2000, p. 51).

[35] Em meados do séc. XX, foi descoberto o processo de meiose celular, que originava as células reprodutoras, e, através da união do espermatozóide com o óvulo, fazia surgir um pequeno ser, possuidor de metade do material genético da mãe e metade do pai (PUSSI, 2005, p. 273).

[36] Em se tratando de métodos artificiais, fecundação e inseminação são utilizadas como expressões sinônimas.

[37] Buscando fertilizar óvulos de cobaias, Schenk não obteve êxito na incubação de oócitos foliculares com espermatozóides.

[38] Por “bebê de proveta” entenda-se aquele cuja concepção ocorreu in vitro, ou extra corporis.

[39] Em detrimento de outras denominações insatisfatórias, tais quais fertilização artificial, fecundação artificial, concepção artificial, inseminação artificial, dentre outras, o Conselho Federal de Medicina consolidou o uso do termo RA por meio de sua Resolução CFM nº 1.358/92 (FRANÇA, 2004, p. 224).

[40] Em outras palavras: “No gênero inseminação artificial destacam-se três espécies, a saber: inseminação clássica, a intraperitonial direta e a intra-folicular direta” (SILVA, 2002, p. 53).

[41] “Abreviatura de gamete intrafallopian transfer (transferência de gametas nas tubas uterinas)” (AZEVEDO, 2003, p.658).

[42] O termo oócito é sinônimo de ovócito. Trata-se de “células germinativas femininas” (BIBLIOTECA, 2006, sp).

[43] “Uma delas é que devido à baixa taxa de sucesso na transferência, é aconselhável a implantação, no útero, de mais de um zigoto. Outra razão é de natureza financeira, e também se relaciona com a baixa taxa de sucesso na transferência. Os conceptos não utilizados no procedimento inicial são armazenados para uso futuro, quando a primeira transferência for mal sucedida” (CARLSON apud SILVA, 2002, p. 65).

[44] A partir de 01 nov 04, o governo espanhol liberou as pesquisas científicas com células-tronco de embriões humanos. A vice-primeira-ministra anunciou as novas regras: “poderão ser usados apenas os embriões já congelados, há pelo menos cinco anos, nas clínicas de reprodução assistida, com autorização expressa dos genitores” (ESPANHA, 2004, sp).

[45] Trata-se de elenco de possibilidades não exaustivo.

[46] “Considera-se que os conceptos que sobrevivem ao processo de congelamento/descongelamento têm uma perda de 50% em sua constituição biológica. Na transferência para o útero de conceptos criopreservados verifica-se uma taxa de perda de 93 a 96% após o descongelamento” (SILVA, 2002, 65-66).

[47] “No Reino Unido, a Comissão de Warnock estabeleceu um período máximo de 10 anos. Na Noruega, 12 meses. Na Espanha, 5 anos” (FERREIRA, 2002, sp).

[48] Fédération Nationale des Centres d'Etude et de Conservation des Oeufs et du Sperme humains.

[49] “V – Criopreservação de Gametas ou Pré-Embriões [...] 2 – O número total de pré-embriões produzidos em laboratório será comunicado aos pacientes, para que se decida quantos pré-embriões serão transferidos a fresco, devendo o excedente ser criopreservado, não podendo ser descartado ou destruído” (RESOLUÇÃO CFM Nº 1.358/92, p. 108, grifou-se).

[50] “Aliás, a aceitação do descarte não destoa da postura mundial, permitida na maioria dos países, e em alguns até obrigatória em situações específicas (Dinamarca e Israel para impedir a transferência post mortem)” (OLIVEIRA; BORGES, 2000, p. 73).

[51] “Encontradas em vários tecidos de crianças e adultos, no cordão umbilical e na placenta. Ainda não se sabe em que tecidos são capazes de se diferenciar. Não serviria para portadores de doenças genéticas, pois o defeito está presente em todas as células da pessoa” (ESPANHA, 2004, sp).

[52] Podem se diferenciar em todo e qualquer tipo de tecido do corpo humano, enquanto que as células-tronco adultas são apenas pluripotentes, diferenciando-se em somente alguns tecidos.

[53] Os aspectos atinentes à personalidade jurídica do pré-embrião, ou seja, a atribuição – ou não – do status jurídico de pessoa humana, serão desenvolvidos nos próximos capítulos do presente trabalho.

[54] Desde 1984, com o Relatório de Warnock, o 14º dia, data da formação da notocorda – sistema nervoso central rudimentar – é considerado o limite para as pesquisas (OLIVEIRA; BORGES, 2000, p. 76).

[55] Vieira (2007), Loureiro (2006), Zisman (2005), entre outros.

[56] As hipóteses legais serão analisadas no Capítulo 2 do presente trabalho.

[57] “A Declaração de Bruxelas, promulgada pela Assembléia Geral da Associação Médica Mundial, em 1985, que trata da fertilização in vitro, recomenda aos médicos todo respeito aos postulados éticos e não utilizem este recurso para fins especulativos ou experimentais, mas tão-só no sentido de alcançar a gravidez impossibilitada por outro meio” (FRANÇA, 2004, p. 248).

[58] Advanced Cell Technology.

[59] Em livre tradução para a língua portuguesa tem-se [da esquerda para a direita]: Esperma. Ovo. Pacientes produzem embrião utilizando-se da fertilização in vitro. O embrião cresce e torna-se uma estrutura de oito células, ou blastômeros. [Parte superior do gráfico] Uma célula (blastômero) é removida [...] A célula divide-se formando uma cultura de células, que não é um embrião. A maioria das células são conduzidas a se tornarem células estaminais – as quais têm a potencialidade de se desenvolver em uma variedade de tecidos úteis para o tratamento de doenças [...] enquanto uma ou duas são usadas para testes genéticos pré-implantatórios. [Parte inferior do gráfico] [...] enquanto as outras sete continuam a se desenvolver como um embrião. Se testes genéticos mostrarem que não há complicações, o embrião é implantado no interior do útero. Gravidez.

[60] De gametas ou de pré-embriões.

[61] Entre elas a reprodução assistida in vitro com produção de embriões supranumerários.

[62] De acordo com o entendimento extraído de “Il Giusnaturalismo come Teoria della Morale” (Bobbio), Reinaldo Pereira e Silva (2006, p. 230, grifou-se) conclui: “o que conta no jusnaturalismo é sua função histórica de defender a liberdade contra a opressão, a igualdade contra a desigualdade e a paz contra a guerra, homenageando, permanentemente, tudo o que torna a vida humana digna de ser vivida (la vita umana degna di essere vissuta)”.

[63] Fenômeno denominado relativismo cultural.

[64] “Enquanto no Ocidente preza-se a igualdade entre gêneros, por exemplo, em muitos países tolera-se a inferiorização da mulher, admitindo-se sessões de apedrejamento e cárcere privado por desrespeito à regra interna da não-liberdade” (ZISMAN, 2005, p. 19).

[65] “E se um grupo de países com convicções culturais semelhantes no sentido de não-liberdade e de não-igualdade resolvesse formular o rol de direitos universais, impondo regras temíveis a partir da reformulação da soberania que se propõe? (ZISMAN, 2005, p. 19).

[66] Res, rei = coisa. ‘Reificação’ = ‘coisificação’.

[67] “[...] devemos ter o cuidado de não fazer do intelecto o nosso Deus, ele sem dúvida, tem músculos fortes, mas nenhuma personalidade. Não é capaz de conduzir. Pode apenas servir. O intelecto tem um olho aguçado quanto aos métodos e ferramentas, mas é cego quanto aos fins e valores” (Einstein apud LOUREIRO, 2005, p.14).

[68] Para aqueles que defendem o caráter absoluto e inviolável da vida, ele é sujeito dos mesmos direitos e proteções de uma pessoa, porque, após a fecundação já possui todo o seu patrimônio genético (TESSARO, 2002, p. 37).

[69] “[...] devido à necessidade de distinguir entre a concepção global do ser divino (ousía) e os três sujeitos individuais (hipostasis) existentes, que, no ser de Deus são denominados pessoas e diferenciados entre si pela singularidade de suas relações mútuas” (SILVA, 2002, p. 143).

[70] “Jaques Maritain já denunciara que ‘a função da linguagem tem sido de tal forma pervertida, tem-se feito mentir de tal forma às palavras mais verdadeiras, que, para dar aos homens fé nos seus direitos não bastam as solenes declarações, é necessário que se encontre a maneira de fazê-los respeitar efetivamente’ ” (SILVA, 2002, p, 193).

[71] “O período do embrião pré-implantatório, que indica uma das muitas fases do processo contínuo de desenvolvimento humano, e que também poder-se-ia, com rigor, denominar-se fase embrionária, revela apenas que o blastocisto ainda não se implantou na mucosa uterina” (SILVA, 2002, p. 41).

[72] “[...] os bens jurídicos sobre os quais incidem os direitos da personalidade não são suscetíveis de avaliação econômica ou pecuniária. [...] São bens que estão fora do comércio” (LEITE, 2001, p. 158).

[73] “A opção por este conceito dos direitos da personalidade torna-nos adeptos da Escola do Direito Natural, mais precisamente do Jusnaturalismo clássico ou Jusnaturalismo dos escolásticos, que concebe o direito natural como um conjunto de normas ou de primeiros princípios morais, que são imutáveis, consagrados ou não na legislação da sociedade, visto que resultam da natureza das coisas e do homem, sendo por isso apreendidos imediatamente pela inteligência humana como verdadeiros” (LEITE, 2001, p. 157).

[74] Informação oral fornecida pelo professor Pablo Stolze no VI Curso de Atualização Jurídica, ministrado entre jan e fev de 2006.

[75] O critério atualmente aceito para constatar o nascimento com vida é a existência de troca respiratória: “Para que se possa constatar o nascimento com vida utiliza-se a docimasia respiratória, colocando-se os pulmões do recém-nascido em água à temperatura de quinze a vinte graus centígrados para averiguar se eles flutuam, comprovando-se a respiração, ou da docimasia gastrointestinal, verificando-se se o estômago e o intestino sobrenadam na água, indicando que houve respiração” (DINIZ, M., 2004, p. 7).

[76] Em suma: “[...] podemos afirmar que o embrião humano na fase do pré-implante é: a) um ser da espécie humana; b) um ser individual; c) um ser que possui em si mesmo a finalidade de se desenvolver como pessoa humana e, ao mesmo tempo, a capacidade intrínseca de realizar tal desenvolvimento. De tudo isto, podemos concluir que o embrião humano, na sua fase de pré-implante, já é verdadeiramente uma "pessoa" [...]” (DECLARAÇÃO, 2007, sp).

[77] “[...] entre a fertilização do óvulo e a concepção costuma decorrer um período de aproximadamente 12 horas [...]” (SILVA, 2002, p. 84).

[78] A fusão dos pró-núcleos ocorre aproximadamente vinte horas após o início da fecundação (BOLZAN, 1998, p. 28).

[79] A este respeito, ver tópico próprio no Capítulo 3.

[80] Bispo, vice-presidente da Pontifícia Academia para a Vida e diretor do Centro de Bioética da Universidade Católica Sacro Cuore, de Roma.

[81] “Mas vocês sabem que o cérebro se desenvolve porque o embrião o faz desenvolver-se. O cérebro do feto não se desenvolve graças ao cérebro da mãe, mas a partir dos genes que estão dentro do embrião, desde o primeiro momento da fecundação” (SGRECCIA, 2007, sp).

[82] “Acredita-se que a definição do décimo quinto dia deu-se porque Warnock privilegiou um critério morfológico: a partir do décimo quinto dia, associa-se, àquele fenômeno do canal primitivo, um primeiro esboçamento dos principais órgãos” (MINAHIM, 2005, p. 84). |

[83] “O problema é que essa data não é consensual. Alguns cientistas dizem haver esses sinais cerebrais já na 8ª semana. Outros na 20ª”. (MUTO; NARLOCH, 2005, p. 59).

[84] “Mas, na ocorrência de gêmeos, a divisão do embrião não destrói o primeiro embrião; separando-se, algumas células se tornam um outro embrião. O primeiro embrião continua o mesmo e o segundo embrião segue em seu desenvolvimento. Temos, então, o dobro de motivos para defendê-los, pois são dois embriões” (SGRECCIA, 2007, sp).

[85] “[...] a viabilidade estipula o limite a partir do qual os ‘direitos’ da mulher sobre o seu corpo são restringidos na mesma medida que os direitos do ‘seu’ feto são afirmados” (SALEM, 2007, sp).

[86] Informação oral fornecida pelo professor Pablo Stolze no VI Curso de Atualização Jurídica, ministrado entre jan e fev de 2006.

[87] Informação oral fornecida pelo professor Pablo Stolze no VI Curso de Atualização Jurídica, ministrado entre jan e fev de 2006.

[88] Extra ou intra-uterinos.

[89] Informação oral fornecida pelo professor Pablo Stolze no VI Curso de Atualização Jurídica, ministrado entre jan e fev de 2006.

[90] “Art. 5º, [...] § 2º Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte” (BRASIL, 1988, p. 39).

[91] “O Tribunal de Nuremberg, em 9 de dezembro de 1946, julgou vinte e três pessoas, vinte das quais médicos, que foram consideradas como criminosos de guerra, devido aos brutais experimentos realizados em seres humanos. O Tribunal demorou oito meses para julgá-los. Em 19 de agosto de 1947 o próprio Tribunal divulgou as sentenças, sendo que sete de morte, e um outro documento, que ficou conhecido como Código de Nuremberg” (GOLDIM, 2004, sp).

[92] A Convenção Americana de Direitos Humanos é também conhecida como Pacto de São José da Costa Rica, em alusão à cidade em que foi assinada.

[93] Isto não é pacífico.

[94] “Art. 1º [...] 2. Para efeitos desta Convenção, pessoa é todo ser humano” (CONVENÇÃO, 1969, sp).

[95] “Artigo 1 O genoma humano subjaz à unidade fundamental de todos os membros da família humana e também ao reconhecimento de sua dignidade e diversidade inerentes. Num sentido simbólico, é a herança da humanidade” (DECLARAÇÃO, 1997, p. 119, grifou-se).

[96] “Art. 10 Nenhuma pesquisa ou aplicação de pesquisa relativa ao genoma humano, em especial nos campos da biologia, genética e medicina, deve prevalecer sobre o respeito aos direitos humanos, às liberdades fundamentais, e à dignidade da pessoa humana” (DECLARAÇÃO, 1997, p. 121-122).

[97] “No mesmo sentido, essa dignidade não pode ser desrespeitada pela pesquisa e aplicação genéticas (arts. 10, 11, 15 e 21)” (DIEDRICH, 2001, p. 222).

[98] “No dia 16 de Outubro de 2004, no decurso da sua 32ª sessão, a Conferência Geral da UNESCO aprovou por unanimidade e aclamação a Declaração Internacional sobre os Dados Genéticos Humanos, assim prolongando de forma muito apropriada a Declaração Universal sobre o Genoma Humano e os Direitos Humanos de 1997” (DECLARAÇÃO, 2003, sp).

[99] “O Direito tem por dever postular as bases de atuação das clínicas de reprodução humana, porque elas envolvem a vida humana na forma mais incipente (o óvulo e/ou sêmen) até a formação do estágio pré-implantatório do embrião” (PAZ, 2003, p.17).

[100] “Eis um primeiro dilema: se a sociedade não tem referenciais para determinar quando começa ou termina a personalidade, já que nem para isso existem parâmetros confiáveis, o que dizer de outros impasses trazidos pelas inovações científicas?” (SAUWN, 2000, p. 46).

[101] “Art. 4o Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito” (BRASIL, 1952, sp).

[102] “O direito civil não tem como empregar suas normas no âmbito da investigação genética a não ser valendo-se do ilícito previsto no direito penal. O direito penal [...] não está aparelhado para chegar a um consenso sobre a vida embrionária” (PAZ, 2003, p. 34).

[103] “Art. 12. São brasileiros: I – Natos: a) os nascidos na Republica Federativa do Brasil [...]” (BRASIL, 1988, p. 41).

[104] Pode-se mencionar o art. 2º, que trata da aquisição da personalidade civil e o art. 1.597, em seus últimos três incisos, versando sobre a presunção de filiação na constância do casamento.

[105] Direito sucessório, por exemplo.

[106] Momento da fixação do embrião na parede do útero.

[107] A respeito de RA homóloga e RA heteróloga, vide tópico seguinte.

[108] Apesar de, neste ponto, a Lei mencionar “prévia autorização do marido”, há de se considerar que não necessariamente o gameta masculino será proveniente de terceiro. É possível que um casal busque a RHA porque a mulher que não produz óvulos sadios. Neste caso, o esperma será do marido, porém o material genético será de uma mãe doadora. Quem deverá ceder autorização neste caso? Certamente não o marido.

[109] “Art. 1799. Na sucessão testamentária podem ainda ser chamados a suceder: I - os filhos, ainda não concebidos, de pessoas indicadas pelo testador, desde que vivas estas ao abrir-se a sucessão” (BRASIL, 2002, p. 356).

[110] “Art. 546. A doação feita em contemplação de casamento futuro com certa e determinada pessoa, quer pelos nubentes entre si, quer por terceiro a um deles, a ambos, ou aos filhos que, de futuro, houverem um do outro, não pode ser impugnado por falta de aceitação e só ficará sem efeito se o casamento não se realizar” (BRASIL, 2002, p. 259).

[111] “Art. 1798. Legitimam-se a suceder as pessoas nascidas ou já concebidas no momento da abertura da sucessão” (BRASIL, 2002, p. 259).

[112] “Art. 1800. No caso do inciso I do artigo antecedente, os bens da herança serão confiados, após a liquidação ou partilha, a curador nomeado pelo juiz. [...] §4º Se, decorridos 2 (dois) anos após a abertura da sucessão, não for concebido o herdeiro esperado, os bens reservados, salvo disposição em contrário do testador, caberão aos herdeiros legítimos” (BRASIL, 2002, p. 365).

[113] “Art. 877. A mulher que, para garantia dos direitos do filho nascituro, quiser provar seu estado de gravidez, requererá ao juiz que, ouvido o órgão do Ministério Público, mande examiná-la por um médico de sua nomeação. § 1º O requerimento será instruído com a certidão de óbito da pessoa, de quem o nascituro é sucessor. § 2º Será dispensado o exame se os herdeiros do falecido aceitarem a declaração da requerente. § 3º Em caso algum a falta do exame prejudicará os direitos do nascituro” (BRASIL, 1973, p. 563).

[114] “Art. 878. Apresentado o laudo que reconheça a gravidez, o juiz, por sentença, declarará a requerente investida na posse dos direitos que assistam ao nascituro. Parágrafo único. Se à requerente não couber o exercício do pátrio poder, o juiz nomeará curador ao nascituro” (BRASIL, 1973, p. 563).

[115] “Não obstante o entendimento de alguma doutrina minoritária, não se deve inferir que o nascituro tenha capacidade processual, diante dos artigos 877 e 878 do Código de Processo Civil” (SEMIÃO, 2000, p. 107).

[116] “Art. 1621. A adoção depende de consentimento dos pais ou dos representantes legais, de quem se deseja adotar, e da concordância deste, se contar com mais de 12 (doze) anos" (BRASIL, 2002, p. 349).

[117] E, por conseguinte, também o concepto.

[118] Sobre o Estado Liberal e os direitos de 1ª dimensão: item “O Biodireito – a 4ª dimensão de direitos”, no capítulo I do presente trabalho.

[119] “Hoje, os bens jurídicos, para os quais se reclama a proteção do direito penal, têm natureza diferenciada daqueles que, desde o iluminismo, integravam o núcleo de suas preocupações. Pode-se mesmo afirmar que a própria natureza do bem (difuso, supra-individual) e a forma de proporcionar-lhe proteção eficaz que constituem o cerne de toda a polêmica em torno do papel da intervenção do direito penal na chamada sociedade de risco” (MINAHIM, 2005, p. 49).

[120] “Pode-se dizer que, hoje, esse ramo do direito encontra-se em face de um dilema: manter-se fiel ao paradigma do Iluminismo ou expandir-se e reformular-se para face às ameaças da sociedade pós-industrial, ainda que sob o perigo de perder a própria forma ou, ao menos, a forma segundo a qual vem procurando legitimar-se” (MINAHIM, 2006, p. 49).

[121] “Art. 1º - Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal” (BRASIL. 1940, p. 771).

[122] “[...] aborto é a interrupção da gravidez, com a destruição do produto da concepção. O Direito Penal protege com a tipificação do aborto a vida intra-uterina, havendo, para configuração do crime, necessidade do estado de gravidez” (OLIVEIRA; BORGES, 2000, p. 71).

[123] Assim, o art. 24 prescreve que a utilização do embrião humano em desacordo com o disposto na lei – mormente com as prescrições do art. 5º já mencionado –, sujeita o infrator à pena de detenção de um a três anos e multa. O art. 25 preconiza que a prática de engenharia genética em célula germinal humana, zigoto humano ou embrião humano tem como penalidade a reclusão de um a quatro anos e multa. O art. 26 adverte que a punição para aquele que realizar clonagem humana é a reclusão de dois a cinco anos e multa (SÁ; TEIXEIRA, 2005, p. 100).

[124] “CAPÍTULO VIII Dos Crimes e das Penas. Art. 24. Utilizar embrião humano em desacordo com o que dispõe o art. 5o desta Lei: Pena – detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa” (BRASIL, 2005, sp).

[125] “Art. 5o É permitida, para fins de pesquisa e terapia, a utilização de células-tronco embrionárias obtidas de embriões humanos produzidos por fertilização in vitro e não utilizados no respectivo procedimento, atendidas as seguintes condições: I – sejam embriões inviáveis; ou II – sejam embriões congelados há 3 (três) anos ou mais, na data da publicação desta Lei, ou que, já congelados na data da publicação desta Lei, depois de completarem 3 (três) anos, contados a partir da data de congelamento. § 1o Em qualquer caso, é necessário o consentimento dos genitores. § 2o Instituições de pesquisa e serviços de saúde que realizem pesquisa ou terapia com células-tronco embrionárias humanas deverão submeter seus projetos à apreciação e aprovação dos respectivos comitês de ética em pesquisa. § 3o É vedada a comercialização do material biológico a que se refere este artigo e sua prática implica o crime tipificado no art. 15 da Lei no 9.434, de 4 de fevereiro de 1997” (BRASIL, 2005, sp).

[126] “O fato é que, no Brasil, entre a eliminação dos embriões e a possibilidade de cura, preponderou-se este último valor, autorizando-se a destruição dos embriões” (MINAHIM, 2005, p. 162).

[127] Desde que autorizado pelos genitores e com projeto apreciado e aprovado pelo comitê de ética em pesquisa da instituição.

[128] “Em 31.10.2003 foi apresentado à Câmara Projeto de Lei de autoria do Executivo, encaminhado em regime de urgência, reestruturando a CTNBio e estabelecendo novas regras sobre segurança e fiscalização de atividades que envolvem organismos geneticamente modificados. O projeto recebeu 304 emendas e foi aprovado nos termos do substitutivo do relator, consubstanciando-se no Projeto PLC 09, de 2004. Já no Senado Federal, foram apensados os projetos de lei dessa Casa e, após inúmeras modificações, o substitutivo foi aprovado em 06.10.2004 e encaminhado à Câmara. Sancionada em 24.03.2005 a Lei 11.105 contém as normas que disciplinam hoje a matéria no Brasil” (MINAHIM, 2005, p. 112).

[129] “Que devemos fazer quando somos obrigados a obedecer uma lei que consideramos injusta? A questão está agora mais viva do que nunca, quando a obediência cega aos nossos senhores políticos ameaça afundar o mundo numa destruição total e irreparável” (RUSSEL, 2003, p. 107).

[130] “Regulamenta os incisos II, IV e V do § 1o do art. 225 da Constituição da República, estabelece normas de segurança e mecanismos de fiscalização de atividades que envolvam organismos geneticamente modificados – OGM e seus derivados, cria o Conselho Nacional de Biossegurança – CNBS, reestrutura a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança – CTNBio, dispõe sobre a Política Nacional de Biossegurança – PNB, revoga a Lei no 8.974, de 5 de janeiro de 1995, e a Medida Provisória n. 2.191-9, de 23 de agosto de 2001, e os arts. 5o, 6o, 7o, 8o, 9o, 10 e 16 da Lei n. 10.814, de 15 de dezembro de 2003, e dá outras providências” (BRASIL, 2005, sp).

[131] São estas leis que, usualmente, já restringem o número de óvulos que podem ser fecundados e implantados com vistas a evitar ‘sobras’ (os chamados embriões excedentários) e as ‘reduções embrionárias’ (abortos para reduzir o número de mórulas implantadas em um mesmo útero) (MINAHIM, 2005, p. 120).

[132] “Vemos com cautela a ingerência do legislador, porque o que se faz nada mais é do que uma arrogante monopolização do fenômeno jurídico. Não pregamos aqui a falta de legislação, até porque o Estado precisa fixar normas. Mas essa tarefa não é só dele. Para que haja pluralismo jurídico, nós, membros da sociedade, precisamos ser considerados protagonistas ativos da organização jurídica, o que não foi respeitado quando da elaboração da nova Lei de Biossegurança” (SÁ; TEIXEIRA, 2003, p. 100).

[133] Ou seja, no dia 27 de maio de 2008, conforme discussão introduzida no item anterior.

[134] “A questão está, como parece, ligada não só à possibilidade de êxito do implante e gestação, mas também ao fato que, após três anos sem manifestação do desejo de implantar o jovem embrião, estes são ‘normativamente’ inviáveis” (MINAHIM, 2005, p. 163).

[135] Livre tradução para o Português do original: “[...] junto a la necesidad de estabelecer limites, se impone outra obligación importante: la de garantizar que los beneficios para la salud, que representan esos conocimientos, estén al alcance de todos los sujetos que precisen de ellos”.

[136] “Contudo, instigamos o leitor a responder as seguintes indagações: não seriam os embriões seres em desenvolvimento, pessoas por nascer? As pesquisas excedentes, realizadas em nome do avanço cientifico, não poderiam caminhar para a prática de eugenia liberal, já que os ‘novos princípes’ são aqueles que detêm o grande capital e aqueles que manipulam os meios de comunicação, na crença de que somos um auditório desqualificado e, portanto, suscetíveis à sedução do discurso fácil e unilateral?” (SÁ; TEIXEIRA, 2005, p. 99).

[137] “O direito natural é comum a todos e se liga à origem da humanidade, devendo consequentemente ter a função de padrão de avaliação de qualquer ordem jurídico positiva – trata-se de um sistema universal e imutável de valores. Se o Direito não se forma apenas destes valores, necessitando da segurança do direito positivo, que leva em conta fatores como os sociais, políticos e econômicos, não pode ser ignorado o direito natural na medida em que exerce uma função de controle em relação ao direito positivo de cada Estado soberano” (ZISMAN, 2005, p. 101).

[138] Em resposta a estas críticas, justificou-se Claudio Fontelles: “Ajuizei, como procurador-geral da República, essa ação judicial porque o Ministério Público ‘como voz da sociedade brasileira diante do Poder Judiciário’, tem a magna atribuição de trazer à claridade temas que resgatem valores essenciais da convivência humana” (2007, sp).

[139] “O propósito do questionamento espinhoso (que já foi feito por Santo Agostinho, no século 5º), é ajudar os ministros do STF a decidir sobre a constitucionalidade da Lei de Biossegurança, aprovada em 2005, que autoriza a pesquisa com células-tronco extraídas de embriões produzidos in vitro para fins de reprodução assistida” (CAPRIGLIONE, 2007, sp).

[140] PhD, professor da UFRJ, pesquisador do Scripps Research Institute (Califórnia - EUA).

[141] Professora-adjunta do Departamento de Biologia Celular da Universidade de Brasília (UnB), que defende o início da vida humana desde a fecundação.

[142] Professora da Universidade Federal do Rio de janeiro (UFRJ), para quem a vida humana é um processo contínuo e progressivo que inicia a partir da fecundação.

[143] Pesquisadora em biologia molecular e presidente do Instituto de Pesquisa com células-tronco (IPCTRON).

[144] Professora da Universidade de São Paulo (USP), coordenadora de estudos pré-clinicos com células-tronco adultas. Alice afirma que o Bloco 1 é a favor da pessoa humana e questiona se o uso de células-tronco embrionárias é absolutamente indispensável.

[145] Vice-presidente do Instituto de Pesquisa de Células-Tronco e médico cirurgião.

[146] Médico Legista e diretor de recursos humanos do CAS (Células Tronco Centro de Atualização). “ ‘A simples existência do tubo neural não é sinal do início da vida. Esse é também um estágio do processo que dá inicio à vida’. Para o palestrante, desde o momento da fecundação começa o processo da vida.” (MÉDICO..., 2007, sp).

[147] Médica especialista em ginecologia e obstretrícia.

[148] Mestre e doutor em cirurgia geral pela Universidade Federal do Rio de Janeiro.

[149] Professor de bioética da Universidade de São Paulo.

[150] Médico hematologista, professor emérito e coordenador do Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina da Universidade Federal Fluminense (UFF).

[151] Graduado em Biologia pela Universidade Mackenzie e doutorado em Ciências pela Faculdade de Medicina da USP.

[152] Geneticista, professora-titular da Universidade de São Paulo e presidente da Associação Brasileira de Distrofia Muscular.

[153] Farmacêutica, professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e da PUC-RS, além de presidente do Instituto de Pesquisa com Célula-Tronco.

[154] PhD, neurocientista e pesquisadora chefe da Rede Sarah de Hospitais de Reabilitação.

[155] Coordenador da Divisão de Medicina Óssea da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP).

[156] Médico pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz e coordenador científico do Hospital São Rafael, na Bahia. “O pesquisador reafirma a necessidade de uso das células embrionárias pela capacidade dessas células se transformarem em centenas de tipos de células diferentes do corpo humano” (CIENTISTA,... 2007, sp).

[157] PhD, professora titular de Biofísica e Fisiologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

[158] Presidente da Sociedade Brasileira de Neurociências e chefe do laboratório de células-tronco embrionárias do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

[159] Considerando a volatilidade das proposições que tramitam no Congresso, considera-se válido ressaltar que o dia 28 de maio de 2007 foi o último em que se consultou a situação dos projetos de lei mencionados neste trabalho. Ressalte-se que apenas os mais relevantes para a problemática dos supranumerários foram mencionados. A pesquisa teve por base os web sites da Câmara dos Deputados e o do Senado Federal.

[160] “Art. 9º Os estabelecimentos que praticam Reprodução Assistida ficam autorizados a preservar gametas e embriões humanos doados ou depositados apenas para armazenamento, pelos métodos permitidos em regulamento [...]” (BRASIL, 1999, sp).

[161] “Será que existe, sob o ponto de vista biológico, alguma diferença entre um embrião implantado e aquele que se desenvolve in vitro?” (SÁ; TEIXEIRA, 2005, p. 89).

[162] Art. 9º [...] §4º O número total de embriões produzidos em laboratório durante a fecundação in vitro será comunicado aos usuários para que se decida quantos embriões serão transferidos a fresco, devendo o restante ser preservado, salvo disposição em contrário dos próprios usuários, que poderão optar pelo descarte, a doação para terceiros ou a doação para pesquisa” (BRASIL, 1999, sp).

[163] “Art. 14 [...] §2º Não se aplicam aos embriões originados in vitro, antes de sua introdução no aparelho reprodutor da mulher receptora, os direitos assegurados ao nascituro na forma da lei” (BRASIL, 1999, sp).

[164] “Art. 6º É proibida a fecundação de oócitos com qualquer outra finalidade que não seja a reprodução humana (BRASIL, P., 1997, sp).

[165] “Art. 25. Após 5 anos, os gametas ou pré-embriões ficarão à disposição dos bancos correspondentes, que deverão descarta-los salvo para ser utilizado em experimentação, observado o disposto no Título VII desta Lei” (BRASIL, P., 1997, sp).

[166] “O resultado da união in vitro de gametas, previamente à sua implantação no organismo receptor, qualquer que seja seu estágio de desenvolvimento” (BRASIL, 2003, sp).

[167] Em seu art. 3º, II, o PL define pré-embriões humanos como sendo “o resultado da união in vitro de gametas, previamente a sua implantação no organismo receptor, qualquer que seja o estágio de seu desenvolvimento” (BRASIL, 2003, sp).

[168] Direito à vida, à saúde, à honra, à integridade física, à alimentação, à convivência familiar.

[169] Em razão do sexo, idade, etnia, da aparência, da origem, da deficiência física ou mental, da expectativa de sobrevida ou de delitos cometidos por seus genitores.

[170] “Art. 1º [...] Parágrafo único - O conceito de nascituro inclui os seres humanos concebidos “in vitro”, os produzidos através de clonagem ou por outro meio científico e eticamente aceito” (BRASIL, Projeto de Lei 489, sp).

[171] Art. 3º O Nascituro adquire personalidade jurídica ao nascer com vida, mas sua natureza humana é reconhecida desde a concepção, conferindo-lhe proteção jurídica através deste estatuto e da lei civil e penal. Parágrafo único - O nascituro goza do direito à vida, à integridade física, à honra, à imagem e de todos os demais direitos de personalidade (BRASIL, 2007, sp, grifou-se).

[172] Livre tradução para o português: Lei dos Nascituros Vítimas de Violência.

[173] “I [...] 5 - É proibido a fecundação de oócitos humanos, com qualquer outra finalidade que não seja a procriação humana” (RESOLUÇÃO, 1992, p. 106).

[174] “I [...] 6 - O número ideal de oócitos e pré-embriões a serem transferidos para a receptora não deve ser superior a quatro, com o intuito de não aumentar os riscos já existentes de multiparidade” (RESOLUÇÃO, 1992, p. 106).

[175] “I [...] 7 - Em caso de gravidez múltipla, decorrente do uso de técnicas de RA, é proibida a utilização de procedimentos que visem a redução embrionária” (RESOLUÇÃO, 1992, p. 106).

[176] “VI [...] 3 - O tempo máximo de desenvolvimento de pré-embriões "in vitro" será de 14 dias” (RESOLUÇÃO, 1992, p. 109).

[177] “A conceituação ética do Direito se inspira na obra aristotélica-tomista e nas grandes lições dos jurisconsultos romanos: deve-se conhecer perfeitamente o homem, a natureza humana, para depois conhecer o Direito. O segredo do Direito deve ser procurado na própria natureza do homem, pois o Direito é uma dimensão da vida humana. Conclui-se, do exposto, que as idéias que soam modernas, como a humanização e socialização do Direito, encontram antecedentes – o direito inova, mas apesar de sua renovação permanente, não deixa de conservar aspecto tradicional” (ZISMAN, 2005, p. 103).

[178] “Quando se chega às regiões limítrofes e se vai além, passa-se da ciência para o campo da especulação. Essa atividade especulativa é uma espécie de exploração e nisso, entre outras coisas consiste a filosofia” (RUSSEL, 2003, p. 17).

[179] “Além disso, inspirada, em menor ou maior grau, na filosofia cristã, a humanidade ocidental passou a buscar, como expressão de respeito à sua dignidade, a igualdade entre os seres humanos. O ser humano passa a ser considerado, não obstante as múltiplas diferenças em sua dignidade essencial. O fato de esta igualdade universal, durante muitos séculos, ter valido mais no plano sobrenatural do que na realidade do cristianismo, que continuou admitindo a escravidão e a inferioridade da mulher, não retira a extrema importância desta mensagem evangélica para a proteção da humanidade” (MARTINS, 2004, p. 22).

[180] Especialmente de Cícero e Ovídeo.

[181] A personalidade “é resultado de longa e demorada evolução a consideração de qualquer ser humano como sujeito de direitos, já que no passado escravos ainda eram vistos como objetos e a mesma situação se passava em relação a pessoas de determinadas raças, ou ainda em relação às mulheres” (ZISMAN, 2005, p. 52).

[182] “Segundo seu relato, durante a Segunda Guerra Mundial, até mesmo as próprias vítimas acabavam por perder a noção do valor inerente à pessoa humana, como demonstrava a prática até certo ponto comum dos próprios líderes das comunidades judaicas negociarem a libertação dos judeus ‘mais cultos’ ou ‘importantes’, em troca de ‘judeus comuns’ ” (MARTINS, 2003, p. 32).

[183] “O surgimento, no século XX, de organizações internacionais com fins políticos e abrangência mundial significou avanço, no sentido de consciência universal acerca de direitos fundamentais e, conseqüentemente, de valores que devem ser preservados por toda a humanidade para propiciar dignidade humana” (ZISMAN, 2005, p. 47-48).

[184] Juíza de Direito.

[185] Médico especialista em RHA.

[186] Lei 11.105 de 2005.

[187] ADI 3.510/2005, a respeito da qual há um subtítulo específico no capítulo 2.

[188] “São essenciais à dignidade: o direito à vida, à igualdade, à liberdade psíquica [...], à liberdade física, à integridade física e à psíquica, à propriedade, a penas não-degradantes, à qualidade de vida” (ZISMAN, 2005, 27).

[189] Poder-ia acrescentar: um embrião excedentário?

[190] Ou ainda, estágio de desenvolvimento?

[191] “Concebido como referência constitucional unificadora de todos os direitos fundamentais [observam Gomes Canotilho e Vital Moreira], o conceito de dignidade da pessoa humana obriga a uma densificação valorativa que tenha em conta seu amplo sentido normativo-constitucional e não uma qualquer idéia apriorística do homem, não podendo reduzir-se o sentido da dignidade humana à defesa dos direitos pessoais tradicionais, esquecendo-a nos casos de direitos sociais, ou invocá-la para construir ‘teoria do núcleo da personalidade’ individual, ignorando-a quando se trate de garantir as bases da existência humana” (SILVA, 2000, p. 109).

[192] Conselho da Justiça Federal.

[193] Vide anexo III.

[194] “Trata-se muito mais de uma opção política, mas opção esta que não pode ser puramente arbitrária, devendo encontrar justificativa que legitime a norma a ser editada, segundo os interesses da sociedade” (TAVARES, 2003, p. 401).

[195] “[...] a tese negativa à manipulação genética de embriões argumenta que essa solução, se aceita, tornar-se-ia por demais melindrosa, eis que para salvar vidas teríamos necessariamente que matar outros entes da espécie humana, o que seria condenável sobre todos os aspectos” (FERREIRA, 2002, sp).

[196] “Art. 5º [...] IX – é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença” (BRASIL, 1988, sp).

[197] “Outras técnicas terapêuticas já desenvolvidas, que estão se desenvolvendo, ou que estão por surgir, possibilitarão a cura de muitas doenças graves a exemplo do que a história da medicina relata, como a descoberta da penicilina, dos antibióticos, que não sacrificaram a vida de outros seres humanos, mesmo em estado embrionário” (SZANIAWSKY apud SÁ; TEIXEIRA, 2005, p. 91-92).

[198] Mestre em Ciências Jurídico-Civilísticas pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.

[199] “Até o ponto em que o exercício dos direitos fundamentais não influencie negativamente ou embargue direitos fundamentais alheios, a sociedade, e o Estado têm, perante as pessoas, uma relação jurídica que envolve uma prestação negativa, qual seja, a de ‘não fazer’, posto que deve não interferir, não prejudicar o referido uso dos direitos, para ensejar dignidade” (ZISMAN, 2005, p. 30).

[200] “Conjunto de fatores que terminam com a formação do ovo” (GARNIER, 2002, p. 290).

[201] Em função da linha de raciocínio apresentada pelo autor, há que se estender esta proteção para a vida humana embrionária extra-uterina.

[202] Filósofo da Universidade de Princeton.

[203] Para Singer, o embrião, apesar de vivo, “não tem consciência nem noção de futuro, e é isso que define uma pessoa” (ESCOSTEGUY; BRITO, 2007, p. 55).

[204] Vide Anexo I – Lei de Biossegurança.

[205] “O uso das células-tronco embrionárias para fins terapêuticos e de clonagem terapêutica é, no entanto, repudiado pela maioria dos países, de forma que o Brasil, país onde ainda se morre de tuberculose e diarréia, passou a fazer parte de um reduzidíssimo time, integrado pela Inglaterra, Japão, Finlândia, Espanha, Dinamarca e Austrália (tão somente quanto ao uso de células-tronco e a Inglaterra apenas, admitindo a clonagem). Na verdade, mais de 50 países deseja um acordo internacional que proíba o uso de células embrionárias para clonagem sob a consideração de que este é um ser humano” (MINAHIM, 2005, p. 150).

[206] Na época em que esta declaração foi feita, ainda não se discutia a aplicação dos supranumerários em pesquisas com células-tronco embrionárias. Provavelmente, Dr. Edwards estivesse argumentando em resposta a tantos críticos então contrários à utilização de RHA.

[207] “Nos Estados Unidos, a agência responsável pelo controle de alimentos e remédios (Food and Drug Administration - FDA) aprovou, em 24 de agosto de 2006, sem qualquer restrição a venda da pílula do dia seguinte para mulheres acima de dezoito anos” (VIEIRA; OLIVEIRA, 2007, p. 12).

[208] Através da Resolução nº 1.811, de 1.12.06, DOU de 17.01.07, o Conselho Federal de Medicina autorizou a utilização da pílula do dia seguinte por entender não haver interrupção do processo gestacional (VIEIRA; OLIVEIRA, 2007, p. 12).

[209] E, por que não mencionar, um embrião humano em um tubo de ensaio.

[210] “Diria, muito precisamente, que tenho o mesmo respeito à pessoa humana, qualquer que seja o número de quilos que pese, ou o grau de diferenciação das células” (LEJEUNE apud KRAUSE, 2007, sp).

[211] Professor da Universidade René Descartes, em Paris. Pai da genética moderna e descobridor da Síndrome de Down.

[212] Acreditamos que todos admitem ser a utilização das técnicas de reprodução assistida subordinada aos princípios jurídicos e morais que protegem a família, a maternidade, a filiação e o próprio nascituro, dentro do que se pode rotular de ‘direitos invioláveis do homem’, pois só assim ele estará protegido em sua dignidade e em suas prerrogativas constitucionais (FRANÇA, 2004, p. 245).

[213] Os quais, como já visto, divergem entre si em vários aspectos.

[214] Considerando a amplitude de conteúdos tratados pela Lei de Biossegurança – desde OGM até embriões humanos -, selecionaram-se apenas os trechos que mais interessam ao presente trabalho, suprimindo-se outros no momento irrelevantes.

[215] Em artigo veiculado na Revista Jurídica Consulex por Vieira e Oliveira (2007, p. 12), apresentou-se a tabela que ora se transcreve.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ANDREAZZA, Gabriela Lucena. A personalidade jurídica dos embriões excedentários e a dignidade da pessoa humana . Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3391, 13 out. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22778. Acesso em: 28 mar. 2024.