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A participação da sociedade civil organizada no sistema brasileiro de proteção a pessoas ameaçadas: análise comparativa da experiência de um estado da federação

A participação da sociedade civil organizada no sistema brasileiro de proteção a pessoas ameaçadas: análise comparativa da experiência de um estado da federação

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A sociedade exige a ampliação de programas para pessoas ameaçadas de morte, mas o papel do Estado no estímulo, informação e interação precisa ser referenciado e ressignificado, em especial ao se considerar que a participação é, por si só, um direito humano.

Resumo: O Sistema de Proteção a Pessoas Ameaçadas em implantação no Brasil abrange três programas, vinculados ao governo federal: Programa de Proteção a Vítimas e Testemunhas Ameaçadas de Morte (PROVITA), Programa de Proteção a Crianças e Adolescentes Ameaçados de Morte (PPCAAM) e Programa de Proteção a Defensores de Direitos Humanos Ameaçados de Morte (PPDDHAM). Nesse cenário, o presente artigo visa problematizar como conciliar o ideal de participação da sociedade civil com a necessidade de sigilo inerente à política de proteção à vida e prevenção da letalidade. A partir da análise dos programas de proteção implantados em um estado federado, de forma a manter invariável o contexto de violência e criminalidade, este trabalho buscou estudar – a partir de uma pesquisa legislativa e de entrevistas junto a gestores governamentais e coordenadores dos programas de proteção – como a sociedade civil tem participado das políticas públicas de proteção a direitos humanos desenvolvidas no Brasil.

Palavras-chave: Sociedade civil. Proteção. Ameaça de Morte. Violência letal. Direitos Humanos.


1.Introdução

Logo após a Conferência Mundial de Direitos Humanos de Viena de 1993, o Brasil buscou criar e sistematizar uma política de direitos humanos, contemplando a realização de Conferências Nacionais e a criação da primeira versão do Programa Nacional de Direitos Humanos, em 1996. Tais fatos evidenciam que os fundamentos consensuados em Viena passaram a ser o norte dos militantes de direitos humanos em direção ao qual foram construídos os projetos, os programas e as políticas de efetivação de direitos no país.

Chama-se a atenção para a íntima relação entre democracia, direitos humanos e desenvolvimento, promulgada com a Declaração e o Plano de Ação de Viena. Se a democracia é o regime mais adequado para o respeito aos direitos humanos, as políticas de direitos humanos deveriam ser tão democráticas e participativas quanto possível. Contudo, quando se fala do Sistema de Proteção a Pessoas Ameaçadas, que tem especial foco na prevenção à letalidade, a participação da sociedade civil deve, inevitavelmente, ser repensada, de forma a garantir a eficácia da política e, sobretudo, a segurança e a vida das pessoas protegidas. Porém, um dilema que precisa ser problematizado é como equacionar a delicada relação entre, de um lado, a necessária proteção e sigilo das informações e, de outro, as inovações e renovações típicas da participação da sociedade civil.

Embora a sociedade civil organizada em sentido amplo não participe, cabe destacar que a execução dos programas do Sistema de Proteção a Pessoas Ameaçadas tem sido efetivada por meio de organizações da sociedade civil, o que se deve a duas razões principais. Em primeiro lugar, tem-se a insegurança a que a gestão de informações sobre pessoas ameaçadas está sujeita dentro da estrutura governamental, devido à necessidade de publicidade de todos os atos e decisões administrativas; e, em segundo lugar, encontra-se, subsidiariamente, a questão referente aos trâmites burocráticos a que a gestão estatal está submetida. Não obstante, compete apontar que essa participação, embora de suma relevância, deve ser problematizada no que toca à sua eficácia, representatividade e legitimidade, haja vista que, por si só, não representa uma democratização ou uma legitimidade da representação social.[1]

Tendo em vista tanto o sigilo inerente aos programas de proteção quanto a inexistência de pesquisas anteriores sobre a participação da sociedade civil organizada na política pública de proteção de direitos humanos, a pesquisa foi focada em um estado federado que mantenha, sob gestão direta de um mesmo órgão estatal, os programas componentes do embrionário Sistema Nacional de Proteção a Pessoas Ameaçadas, vinculado à Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, de maneira que fosse possível a realização de análise comparativa considerando um mesmo contexto de violência e criminalidade. Além disso, o recorte deu-se considerando programas em execução há um período superior a três anos, os quais já estão efetivamente implantados, o que exclui o recém-instalado Programa de Proteção a Defensores de Direitos Humanos Ameaçados de Morte (PPDDHAM)[2].

Assim, verificou-se que somente a Região Sudeste atendia aos critérios iniciais em razão de a instalação inicial do Programa de Proteção a Crianças e Adolescentes Ameaçados de Morte (PPCAAM) restringir-se a essa região – somente em 2008 o programa foi implantado no Distrito Federal e nos estados do Pará e Pernambuco. No estado de São Paulo, o PPCAAM ainda é executado somente na Capital, por meio de convênio com a Prefeitura de São Paulo; e no estado do Rio de Janeiro, o PPCAAM era executado diretamente por uma organização não governamental conveniada diretamente ao governo federal até 2010. Restaram, nesta avaliação preliminar, os estados de Minas Gerais e Espírito Santo, nos quais estão implantados o Programa de Proteção a Vítimas e Testemunhas Ameaçadas de Morte (PROVITA) e o PPCAAM, sendo todos geridos pelo governo estadual.

Em Minas Gerais, todos os programas estão vinculados à Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social, especificamente junto à Subsecretaria de Estado de Direitos Humanos, e todos já passaram por alteração de entidade executora desde sua criação. No Espírito Santo, todos os programas são executados pela mesma organização da sociedade civil, embora a gestão governamental seja atrelada a órgãos diferentes (i.e., Secretaria de Estado da Justiça e Secretaria de Estado do Trabalho, Assistência e Desenvolvimento Social). Comparando os contextos, optou-se por não analisar a participação da sociedade civil organizada nos programas do estado do Espírito Santo, considerando especialmente que todos são executados pela mesma entidade, a qual, possivelmente, tem maior influência na forma de gestão do que o próprio governo estadual.

Nesse contexto, para os objetivos do presente trabalho, foram delimitadas duas fontes de dados complementares, a saber: (i) legislação específica aplicável; e (ii) entrevistas semiestruturadas com atores envolvidos na execução e gestão dos programas de proteção de direitos humanos junto ao governo estadual. Como a institucionalização da participação da sociedade civil organizada está relacionada à sua regulamentação legislativa, o estudo da legislação específica aplicável a cada um dos programas e respectivo órgão executor buscou constatar a previsão legal de tal participação e analisar como ela é descrita. Além disso, dada a dinâmica e a forma de funcionamento dos programas, sabe-se que as orientações políticas e formas de trabalho são discutidas entre os gestores e os coordenadores. Por conseguinte, foram entrevistados coordenadores e gestores no intervalo dos últimos quatro anos, buscando verificar qual papel a sociedade civil organizada tem exercido junto à política pública de proteção de direitos humanos.

Mais especificamente, o presente trabalho buscou estudar – a partir de uma pesquisa legislativa e de entrevistas semiestruturadas junto a dois gestores e quatro coordenadores – como a sociedade civil, excluindo as entidades conveniadas, tem participado das políticas públicas de proteção a direitos humanos desenvolvidas pelo governo de Minas Gerais em parceria com o governo federal. Tais políticas, consubstanciadas nas formas de programas de proteção de direitos humanos, visam, de maneira geral, combater as violações a esses direitos e defender o exercício pleno da cidadania de todas as pessoas ameaçadas de morte.


2.A política pública de proteção de direitos humanos em Minas Gerais

As políticas de proteção a pessoas ameaçadas em Minas Gerais fazem parte das competências da Subsecretaria de Direitos Humanos, que, por sua vez, está contida na pasta de desenvolvimento social. O Sistema de Proteção de Direitos Humanos ou o Sistema de Proteção a Pessoas Ameaçadas foi formalmente constituído em Minas Gerais no final de 2010, existindo, até este ano, somente a articulação pontual realizada de forma direta entre os coordenadores e/ou intermediada pelos gestores responsáveis.[3]

2.1 Programa de Proteção e Assistência a Vítimas e Testemunhas Ameaçadas (PROVITA)

O Programa de Proteção e Assistência a Vítimas e Testemunhas Ameaçadas é uma das estratégias desenvolvidas pelo governo federal em parceria com os estados federados para a proteção a testemunhas que colaboram com a apuração de crimes, conforme meta estabelecida já no primeiro Programa Nacional de Direitos Humanos (1996):

Apoiar a criação nos Estados de programas de proteção de vítimas e testemunhas de crimes, expostas a grave e atual perigo em virtude de colaboração ou declarações prestadas em investigação ou processo penal.

Dentro dessa proposta, a criação do PROVITA no Brasil se dá a partir do modelo desenvolvido em Pernambuco pelo Gabinete de Assessoria Jurídica a Organizações Populares (GAJOP), uma organização da sociedade civil. Em Minas Gerais, o programa foi instalado em 2000, com fundamento na Lei Estadual nº 13.495. Atualmente, o PROVITA é desenvolvido em 17 estados, existindo também um programa federal que atende àqueles entes federados que ainda não possuem PROVITA instalado.

Em Minas Gerais, assim como os demais programas de proteção, o PROVITA está vinculado à Subsecretaria de Direitos Humanos, junto à Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social de Minas Gerais (SEDESE). A execução ocorre de forma indireta, ou seja, por meio de convênio com uma organização da sociedade civil, responsável pela gestão da equipe técnica e pelas ações de proteção às pessoas inseridas no programa.

Tal qual os demais Programas de Proteção e Assistência a Vítimas e Testemunhas Ameaçadas, o PROVITA em Minas Gerais possui um conselho deliberativo como instância decisória superior, responsável pelo ingresso e pela exclusão de pessoas ameaçadas. O conselho é composto atualmente por nove membros – o Secretário de Estado de Desenvolvimento Social (como presidente) e um representante de cada uma das seguintes instituições: Ministério Público, Poder Judiciário, Secretaria de Estado de Defesa Social, Polícia Militar de Minas Gerais, Conselho Estadual de Defesa dos Direitos Humanos, Advocacia Geral do Estado, Defensoria Pública e órgão executor.[4]

2.2 Programa de Proteção a Crianças e Adolescentes Ameaçados de Morte (PPCAAM)

Desenvolvido conjuntamente entre o governo federal e os governos estaduais, o Programa de Proteção a Crianças e Adolescentes Ameaçados de Morte é uma das estratégias de enfrentamento à violência letal de crianças e adolescentes. Atualmente, encontra-se implantado em onze unidades da federação, correspondentes às regiões do PRONASCI (Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania).

O primeiro programa brasileiro foi instalado em Minas Gerais, tendo sido desenvolvido diretamente por uma organização da sociedade civil em parceria com o governo federal. A implementação em Minas Gerais justifica-se por um contexto político favorável: à época, atores da sociedade civil organizada que atuavam na área de proteção e defesa dos direitos da infância e juventude se organizaram e cobraram do Estado uma política que resguardasse o direito à vida de adolescentes ameaçados, os quais, em grande parte cumprindo medida socioeducativa em meio aberto, estavam vindo a óbito. Em 2005, por meio da Lei Estadual n° 15.473, o PPCAAM foi assumido pelo governo estadual e passou a ser gerido pela Secretaria de Estado de Defesa Social, pasta responsável pelas ações de segurança pública no estado. Em junho de 2008, o programa foi transferido para a Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social, ficando vinculado à Subsecretaria de Direitos Humanos.

Embora tenha sido criado para ser executado de maneira semelhante ao PROVITA, o PPCAAM atualmente diferencia-se do Programa de Proteção e Assistência a Vítimas e Testemunhas Ameaçadas, tanto por sua metodologia quanto pela inserção de seus objetivos de ação no marco da proteção integral à criança e ao adolescente. Em Minas Gerais, o programa possui um conselho gestor, responsável pela inclusão e pelo desligamento dos protegidos, assim como pelo delineamento de linhas gerais de execução da política. A atual composição do conselho prevê a participação de representante da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social, da Secretaria de Estado de Defesa Social, da Defensoria Pública, do Conselho Estadual de Direitos da Criança e do Adolescente de Minas Gerais, do Conselho Municipal de Direitos da Criança e do Adolescente de Belo Horizonte e da Frente de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente de Minas Gerais. Participam também como convidados, sem direito a voto, representantes do Ministério Público, do Poder Judiciário, da Corregedoria da Polícia Civil, da Corregedoria da Polícia Militar e da Frente Parlamentar de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente da Assembleia Legislativa. A execução do PPCAAM também se dá de forma indireta, por meio de um convênio.[5]


3.Legislação relacionada aos programas

A legislação relacionada aos programas integrantes do Sistema de Proteção de Direitos Humanos em Minas Gerais prevê a forma de organização e gestão desses programas. A previsão de participação ou cooperação da sociedade civil implica uma institucionalização da participação, garantida enquanto política de Estado e não dependente da vontade de determinado governante.

Analisaram-se a Lei Federal nº 9.807/1999, o Decreto Federal nº 3.518/2000, as Leis Estaduais nº 13.495/2000 e nº 15.692/2005 e os Decretos Estaduais nº 41.140/2000 e nº 43.273/2003, todos referentes ao PROVITA; bem como o Decreto Federal nº 6.231/2007, a Lei Estadual nº 15.473/2005 e o Decreto Estadual nº 44.838/2008, referentes ao PPCAAM.

3.1 PROVITA

Em relação ao PROVITA, a lei federal prevê a participação da sociedade civil em três fases distintas: na execução direta, por meio de convênio; no conselho deliberativo, na direção do programa; e no encaminhamento de casos, solicitando a inclusão de pessoa ameaçada:

Lei Federal nº 9.807/1999

Artigo 1º; § 1º - A União, os Estados e o Distrito Federal poderão celebrar convênios, acordos, ajustes ou termos de parceria entre si ou com entidades não governamentais objetivando a realização dos programas.

Artigo 4º - Cada programa será dirigido por um conselho deliberativo em cuja composição haverá representantes do Ministério Público, do Poder Judiciário e de órgãos públicos e privados relacionados com a segurança pública e a defesa dos direitos humanos.

[...]

Artigo 5º - A solicitação objetivando ingresso no programa poderá ser encaminhada ao órgão executor:

V - por órgãos públicos e entidades com atribuições de defesa dos direitos humanos.

O decreto federal prevê os mesmos formatos de participação, inclusive no conselho deliberativo federal, e inclui o estabelecimento da rede voluntária de proteção. A rede voluntária é o cerne da execução do PROVITA e é composta basicamente por entidades não governamentais que acolhem as pessoas ameaçadas e desenvolvem trabalhos de inserção social:

Decreto Federal nº 3.518/2000

Artigo 9º - A Rede Voluntária de Proteção é o conjunto de associações civis, entidades e demais organizações não governamentais que se dispõem a receber, sem auferir lucros ou benefícios, os admitidos no Programa, proporcionando-lhes moradia e oportunidade de inserção social em local diverso de sua residência.

Parágrafo único. Integram a Rede Voluntária de Proteção as organizações sem fins lucrativos que gozem de reconhecida atuação na área de assistência e desenvolvimento social, na defesa de direitos humanos ou na promoção da segurança pública e que tenham firmado com o Órgão Executor ou com entidade com ele conveniada termo de compromisso para o cumprimento dos procedimentos e das normas estabelecidas no Programa.

A lei estadual que estabelece o PROVITA em Minas Gerais prevê dispositivos semelhantes ao que regulamenta a legislação federal, nos seguintes termos:

Lei Estadual nº 13.495/2000

Artigo 5º - O Programa será dirigido por um Conselho Deliberativo composto:

V - por um membro da Fundação Movimento Direito e Cidadania.

Artigo 12 - As medidas de proteção definidas pelo Conselho Deliberativo serão executadas pelos órgãos e instituições públicas por ele indicados, com a colaboração das entidades privadas que se oferecerem para tal.

Artigo 14 - Fica o Poder Executivo autorizado a celebrar convênios com a União, os municípios e as entidades públicas e privadas para o cumprimento do disposto nesta lei.

O Decreto Estadual nº 41.140/2000 especifica mais as funções do conselho deliberativo do PROVITA, prevendo, no artigo 4º, a possibilidade de propor ao Poder Público a realização de convênio com entidade pública ou privada para a execução das medidas de proteção e auxílio. Além disso, são atribuições do conselho a articulação e a coordenação da rede de proteção social entre organizações da sociedade civil. Cabe, contudo, ressaltar que o decreto estadual não prevê a participação da sociedade civil no conselho deliberativo.

Quanto à legislação que rege o PROVITA, pode-se constatar a existência de certo grau de institucionalização na participação da sociedade civil. A previsão da rede voluntária de proteção, composta essencialmente por organizações da sociedade civil, e a possibilidade de encaminhamento de casos por entidades privadas demonstram a importância dessa participação, decorrente em especial da própria sociedade civil organizada ser o nascedouro do PROVITA no Brasil. Contudo, verifica-se uma falta de previsão normativa quanto à participação de organizações no conselho deliberativo, conforme dispõe o artigo 4º da lei federal mencionada. A restrição da participação social à entidade executora, a qual tem vínculo de convênio com o estado, acaba por excluir a sociedade civil organizada das funções de formulação, implementação, fiscalização e controle da política de proteção. Trata-se, destarte, de um conselho não paritário e não representativo, não exercendo as funções típicas dos conselhos gestores de políticas públicas.

3.2 PPCAAM

Em relação ao PPCAAM, o decreto federal prevê a participação da sociedade civil organizada tanto na execução direta do programa, por meio de convênio, quanto nos conselhos gestores estaduais, por meio dos CEDECA (Centro de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente) e de entidades de promoção e defesa de direitos:

Decreto Federal nº 6.231/2007

Artigo 4º - A União poderá celebrar convênios com os Estados, Distrito Federal, Municípios e entidades não governamentais para a implementação do PPCAAM, de acordo com as regras a serem estabelecidas em ato do Secretário Especial dos Direitos Humanos.

Artigo 5º - Para a implementação do PPCAAM, o Estado convenente constituirá conselho gestor integrado por representantes governamentais e da sociedade civil, composto por no máximo treze conselheiros.

§ 1º - Poderão compor o conselho gestor representantes da Defensoria Pública, dos Centros de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente, dos Conselhos Estaduais dos Direitos da Criança e do Adolescente, Conselhos Tutelares e de entidades de promoção e defesa de direitos da criança e do adolescente.

Embora sem detalhamento sobre a implementação, o inciso III do artigo 7º dessa normativa prevê ainda a cooperação no atendimento. O decreto estadual, por sua vez, estabelece a Rede de Proteção Social de forma ampla, podendo essa rede ser composta por órgãos públicos e privados, a fim de executar as ações relativas à proteção das crianças e adolescentes inseridos no programa.

Decreto Estadual nº 44.838/2008

Artigo 15 - O Órgão Executor promoverá a implantação de uma Rede de Proteção Social para colaborar com a execução do PPCAAM, seja no encaminhamento e abrigo de crianças e adolescentes ameaçados, seja no compartilhamento de conhecimentos e ações destinados à sua melhoria operacional, conforme deliberação do Conselho Gestor.

§ 1º - A Rede de Proteção Social é composta por representantes das instituições de atendimento, assistência social e proteção dos direitos da criança e do adolescente.

§ 2º - A Rede de Proteção Social poderá promover a circulação e divulgação de informações que subsidiem o PPCAAM, ressalvadas as hipóteses de sigilo previstas em lei.

Embora a Lei Estadual nº 15.473/2005 não traga informações quanto à participação da sociedade civil, o Decreto nº 44.838/2008, que a regulamentou, traz expressamente prevista a participação da Frente de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente de Minas Gerais no conselho gestor do PPCAAM, bem como a possibilidade de parcerias com a iniciativa privada, estabelecida no artigo 19 do decreto estadual.

De forma geral, a institucionalização da participação pode garantir à sociedade civil organizada um maior acesso à política de proteção a crianças e adolescentes ameaçados de morte, o que, por sua vez, pode lhe permitir interagir e exercer maior articulação com o PPCAAM. A falta de paridade no conselho é um fator que limita a participação social, mas a participação do Conselho Estadual de Direitos da Criança e do Adolescente (CEDCA), do Conselho Municipal de Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA) e da Assembleia Legislativa (por meio da Frente Parlamentar de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente) sinaliza uma tentativa de resolver o desafio da representatividade da participação. Verifica-se, ainda, a falta de previsão quanto à participação da entidade gestora no conselho do PPCAAM, o que pode causar um distanciamento entre a deliberação e a execução, assim como um esvaziamento do papel do conselho.


4.Entrevistando os gestores e coordenadores do Sistema de Proteção

De forma a delimitar a amostra de dados a serem coletados, foram selecionados, por acessibilidade, quatro coordenadores de programas de proteção e dois gestores públicos responsáveis pela implantação e direção do sistema de proteção de direitos humanos em Minas Gerais. Mais especificamente, foram escolhidos, para cada programa, dois coordenadores que ocuparam tais funções entre os anos de 2005 e 2009 – T1 e T2 (PROVITA) e C1 e C2 (PPCAAM). Ademais, compete ressalvar que se optou por entrevistar somente gestores públicos (G1 e G2) pela sua identificação como responsáveis pela política de proteção, não existindo (além dos diretores administrativos e financeiros das organizações não governamentais executoras) atores da sociedade civil a princípio identificáveis como “gestores” responsáveis pelos programas no período analisado.

4.1 Coordenadores do PROVITA

A partir das entrevistas com atores que passaram pela coordenação do PROVITA em Minas Gerais, é possível constatar uma convergência quanto à importância da participação da sociedade civil, embora haja uma distinção no que toca à atual existência da participação:

T1: A sociedade civil na história do PROVITA é fundamental, porque [foi] ela que deu origem ao embrião do programa. Antes de o Estado ter assumido o modelo que foi proposto para proteção de testemunhas e vítimas ameaçadas, já era uma entidade, uma ONG, que já fazia na época da ditadura proteção junto aos presos políticos etc.

T2: Se existe, ela [a participação da sociedade civil] é bastante reduzida na medida em que só participa no nosso conselho representante da ONG e, nesse momento, a gente não tem a participação de conselhos, de serviços, outros segmentos envolvidos na atividade, na participação efetiva, na participação no sentido de colaborar internamente, discutir questões.

Em relação à participação existente na execução, verifica-se que, sem um tipo de formalização, há uma atuação de entidades da sociedade civil no atendimento aos protegidos, seja acolhendo-os, realizando atendimento ou propiciando a proteção de fato. Tanto T1 quanto T2 afirmam que a participação se dá em todas as fases relacionadas à execução, sem distinguir parceria, proteção e atendimento da execução em si do programa. Contudo, tal participação refere-se basicamente a igrejas e irmandades, não se estendendo a ONGs ou movimentos sociais, conforme afirma T2:

T2: [participam do programa] igrejas e irmandades enquanto setores organizados, e há outras pessoas que colaboram também. Agora, movimentos, ONGs, não consigo identificar.

Além disso, a atuação da ONG executora é confirmada como a participação da sociedade civil mais visível, próxima à gestão da política pública. Essa constatação pode ser consubstanciada quando se discute a participação da sociedade civil organizada no conselho deliberativo, no qual há participação de diversos órgãos públicos e da entidade gestora:

T1: A entidade gestora sempre participou no conselho deliberativo e hoje continua como desde antes. É exatamente a entidade gestora a maior responsável pelo funcionamento deste programa, mesmo, sem interrupção, com apoio total da Igreja, com apoio financeiro em muitas situações.

T2: Eu acho que a gente precisaria de novos atores – a gente não tem, a gente só tem a parte representativa da ONG, que é gestora.

Não há ainda participação do programa em redes e fóruns temáticos, embora T2 ressalte que essa participação torna-se importante para ampliar os horizontes de atuação do programa e vislumbrar novas possibilidades de intervenção técnica.

As entrevistas, realizadas de acordo com o roteiro semiestruturado, revelam que os coordenadores constatam uma necessidade de maior abertura do programa à participação e ao diálogo com setores da sociedade civil. Dentre os fatores que dificultam a participação, foi destacado:

T2: Acho que [o que dificulta a participação é] a própria natureza do programa, a [forma de] execução dele. Ele tem uma execução meio que fechada, mas que ao mesmo tempo tem que ser aberta também, porque a gente não pega os usuários e os coloca dentro de um lugar, dentro de uma casa, dentro de uma pensão ou albergue.

T1: Esse fechamento, esse desencontro entre representação de órgãos e agentes públicos no conselho do PROVITA direciona o programa e acaba que ele bate contra si mesmo. Os problemas dele [do programa] acabam sendo ali naquela área [à qual] poderia ser dado o suporte da sociedade civil. [Esse suporte] ficou limitado a essa rede de voluntários, e não a outros órgãos representativos. Então, hoje eu acho que essa visão [de ampliação da participação] vai mudar um pouco esse formato de programa no nosso Estado.

Pontua-se claramente a compatibilidade entre o sigilo e essa maior participação e verifica-se que tais mudanças podem ocorrer desde que fomentadas e/ou autorizadas pelos gestores, uma vez que o isolamento do programa já não encontra fundamento técnico conforme planejado anteriormente.

T1: A [crítica é que existe uma] representação de todos os órgãos públicos em detrimento da participação de uma entidade gestora. Então, nesse aprimoramento, está se pensando em convite, em abrir [o conselho à participação de outros atores]; a própria lei também prevê isto: a participação da OAB, os órgãos de representação de classe, como da psicologia, como o Conselho Regional de Psicologia, o Conselho Regional de Serviço Social, e alguns outros órgãos de importância em termos de movimento social mesmo, ligado ao combate à impunidade, a denúncias de violência etc.

T2: Hoje, eu vejo assim: nós estamos saindo de um lugar meio nebuloso, onde uma névoa nos encobria e fazia com que a gente agisse dessa forma. Mas estamos querendo modernizar. Espero que continuemos com o sigilo, mas que também não fiquemos alheios ao mundo, alheios aos processos sociais – porque estamos no programa de proteção, porque não estamos desvinculados disso.

Uma importante distinção é pontuada na fala do informante T2, o qual discute a diferença entre o que é o sigilo inerente à execução do programa, e o que são os outros tipos de intervenção e gestão privada que não são compatíveis com a execução de uma política pública. Esse entrevistado nomeia esse tipo de atuação como da ordem do “oculto”, o que coloca o PROVITA em um espaço de isolamento no qual não se verifica o controle social da política pública e tampouco a articulação institucional das políticas de promoção da cidadania:

T2: Eu acho que [o que pode incentivar a participação da sociedade civil é] uma abertura, uma comunicação até para a sociedade [quanto à] existência do programa. Não que isso passe ao largo às vezes, mas um anunciar dessa possibilidade – eu acho – abre também para participação. Na medida em que ele [o programa] é oculto, quem sabe onde ele está, não é verdade? Então, a gente deveria trabalhar nesse sentido mesmo, de participar mais das comunicações, dos fóruns, das lutas e mobilizações sociais, divulgando, dizendo que existe mesmo. É claro que [devemos realizar isso] cuidando do sigilo, mas também deixando de lado um pouco essa natureza do oculto, porque no oculto quem vai participar? Só vai participar quem a gente de fato convidar, e aí a gente quer convidar? Estamos habituados? Dentro do fazer do programa, a questão do oculto e do sigilo precisa ser trabalhada até na própria cabeça da equipe técnica, porque, às vezes, o sigilo se torna oculto quando não precisava passar por aí.

Acerca da ampliação da participação, vê-se, nessas entrevistas, uma corresponsabilidade entre a sociedade civil organizada (representada pela ONG executora) e o Estado (no caso, a Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social). Uma maior aproximação entre a Secretaria e a ONG na discussão das diretrizes do programa, envolvendo também a coordenação do PROVITA, é apontada como um dos primeiros passos na construção de um programa mais participativo e aberto a discussão com as organizações da sociedade civil.

4.2 Coordenadores do PPCAAM

Nas entrevistas com os coordenadores do PPCAAM, constata-se um movimento de abertura do programa para a discussão com a sociedade civil organizada. Há, na realidade, uma articulação externa do programa mais voltada para outras organizações da sociedade civil do que para o contato direto com a ONG executora:

C1: No PPCAAM, a participação da sociedade civil pode ser analisada como muito ativa. Houve um grande interesse na participação, na ampliação e na implementação do programa, até porque era uma política esperada há muito tempo pelos atores que já vinham atuando com criança e adolescente e que viam a necessidade da implementação de um programa naqueles moldes [de proteção a crianças e adolescentes ameaçados de morte].

C2: Eu lhe falo que ela não é tão ampla – poderia ser mais ampla. Onde [em que etapas] eu avalio que ela [a participação] ocorre – [nas fases de] execução e controle, somente. Sendo que [na fase de] controle bem menos e onde que eu acho que [a participação] poderia ampliar [é] na fase de parceria, quando, por exemplo, você poderia ter essa participação da sociedade civil (até por uma legitimidade que ela tem para ampliar rede do programa, para ser um facilitador para as ações do programa).

C1: A ONG gestora com o Estado era só de gestão de pessoal. Nós insistimos um pouco para que eles atuassem mais incisivamente na formação, que é mais que necessária. Mas, naquele tempo, esse papel aí de articulação da rede, de incentivar a sociedade civil, não havia. Não sei hoje como subsiste.

C2: A ONG que sempre participou foi a ONG gestora, em diversos momentos do programa. Eu acho que essa participação poderia ter mais agilidade, tanto na gestão do recurso quanto em articulação.

Verifica-se, com isso, a restrição da atuação da ONG executora à esfera financeira, registrando-se um desafio para o PPCAAM “quando esse ente da sociedade civil não se coloca na posição de parceiro, mas de antagonista” (C2). Os coordenadores pontuam a participação da sociedade civil na discussão para criação e implementação do programa, assim como a participação de diversos atores na execução da proteção propriamente dita, seja em termos de atendimento, proteção ou parcerias. Constata-se ainda o controle pela sociedade civil organizada, por meio da articulação com a Frente Parlamentar de Direitos da Criança e do Adolescente e a Frente Estadual de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente de Minas Gerais. A Frente de Defesa também teve sua atuação ressaltada junto ao conselho gestor do PPCAAM, sendo a única organização da sociedade civil representada nesse espaço.

Quanto à articulação em rede, desde sua criação o programa sempre se articulou com os espaços e fóruns da criança e do adolescente, em especial a Rede de Medidas Socioeducativas e o Fórum de Abrigos. De forma geral, trata-se de espaços de discussão nos quais são debatidas as formas de a execução do programa e a criação de fluxos que impactam direta ou indiretamente na forma de atuação, embora nem sempre de forma tão clara para os atores envolvidos:

C1: Essas redes temáticas sempre deram também muita sustentação, e eu considerava muito como a parceria do programa. Às vezes, dava até para a gente sentir que havia uma ingerência – todo mundo queria mandar. [...] Mas não era bem isso – era a vontade de ver a execução de forma qualificada. Mas essa experiência, para mim, fica, porque aqui, em Belo Horizonte, os programas de criança e adolescente toda vida trabalharam de uma forma muito articulada. Então, as discussões que a gente traçava eram muito na linha da execução do programa.

C2: As discussões não têm relação com a execução – talvez de uma forma muito tímida na discussão de parcerias do programa, mais em relação pessoal do que institucionalmente falando. Na política pública, não têm impacto; eu acho que na execução têm impacto.

Ambos os atores entrevistados concordam quanto ao movimento de abertura do programa à participação da sociedade civil. Reconhecem que se trata de uma mudança gradual, mas que está em curso por meio da articulação do programa com organizações, fóruns e redes, sendo discutidas as formas de intervenção e criados canais de interação e diálogo:

C1: Eu penso que [a ampliação da participação] vem acontecendo. Talvez porque, quando a gente fala em impacto, parece que a gente quer ver um boom, uma coisa grande. E a coisa, na realidade, não acontece assim; ela vem acontecendo aos poucos. E aí a gente precisa, de vez em quando, trocar a lente dos óculos, para a gente ver como é que acontecia há três, quatro anos atrás, e como é que isso está acontecendo hoje. Também, com tudo que há de sigilo no programa, eu penso que ele precisa de visibilidade maior, inclusive na mídia, televisiva mesmo, naquilo que é possível divulgar, inclusive com essas ações de profissionais, parcerias do poder público com a sociedade civil.

C2: Eu acho que o programa está em um movimento de abertura, que não existia, muito porque nascemos à sombra do PROVITA (e esse foi um dos ônus). Mas quando a gente se dispõe a apresentar o programa nos espaços, a falar, abrir discussões, eu acho que já é um movimento que pode ser ampliado para que haja a participação da sociedade civil. Por conta de termos colhido muito o fato de sermos o PROVITINHA, desfazer disso não é uma coisa tão simples. E o próprio programa está se reformulando o tempo todo, e hoje acho que estamos em um momento em que [uma maior participação] é mais possível do que dois anos atrás.

A conciliação entre maior participação e sigilo da execução do programa não tem se colocado como um desafio, tendo em vista que o sigilo também garante proteção aos atores que participam. Contudo, a participação da sociedade civil é vista como possível a partir da articulação e do respaldo dado pelo Poder Público na condição de responsável pela gestão da política de proteção no estado.

4.4 Gestores públicos do Sistema de Proteção a Pessoas Ameaçadas

Os gestores entrevistados consideram bastante importante a participação da sociedade civil organizada nos programas de proteção e cogitam uma possibilidade de expansão dessa participação. Ambos apontam a timidez no atual formato de participação e atestam que uma ampliação poderá ser benéfica e producente para os programas em questão:

G1: Existe a possibilidade de participação da sociedade civil em todos esses programas. Não tenho a menor dúvida. Há espaço para participação da sociedade civil, muito embora esse espaço não seja ocupado de uma maneira muito efetiva.

G2: Os programas são executados pela sociedade civil, por entidades da sociedade civil – esse é um ponto. Necessariamente, a responsabilidade da execução, da diretriz, de tudo, é do Poder Público, mas a execução é da sociedade civil. Acho que essa participação [da sociedade civil] nesse caráter é muito tímida. Acaba sendo uma coisa da [um programa executado pela] sociedade civil, porque a gente não tem uma viabilidade administrativa para que [a execução] seja [feita] diretamente. E o ideal seria ser da sociedade civil para ter uma legitimidade dessas decisões de diretrizes.

Quanto às etapas da participação, ambos os gestores apontam a sociedade civil como ator essencial e indispensável à proteção às pessoas ameaçadas, tendo em vista que o Poder Público não tem capacidade administrativa e gerencial para atuar nessa esfera de execução direta. G2, por exemplo, analisa a transferência de responsabilidade do Estado ao colocar as pessoas sob tutela estatal junto a organizações da sociedade civil:

G2: O que eu acho complicado é nos casos específicos em que você tem entidades da sociedade civil (os quais são a maioria) nos programas de proteção, principalmente aqueles [atores da sociedade civil] que recebem as pessoas [para proteção]. E aí [a questão é] de quem é a responsabilidade do sigilo das informações. Você tem um programa, uma política, que é um programa do governo do estado, do governo federal; a pessoa entra num programa de proteção desses, fica sob a responsabilidade do Estado; e aí ela é passada para uma entidade, ou ela é passada para a sociedade civil, para um grupo da sociedade civil que seja. E [é] essa relação que eu acho que é complicada: como você exige o sigilo; a responsabilidade é do Estado, mas você repassa. Mas, de qualquer maneira, você precisa dessa parceria, porque é inviável que não seja. E então, desconstruir isso não é bom. Mas, nesse sentido, [é] essa participação que eu acho complicada em relação ao sigilo e insegurança, e como que fica.

A discussão levantada tem relação com a aproximação entre os programas de proteção e a sociedade. Em certa medida, o PPCAAM e o PROVITA são acompanhados tão somente pelas entidades gestoras e por aquelas organizações que têm afinidade com a temática ou, mesmo, que precisam resolver casos que envolvem ameaça de morte.

Analisando cada programa separadamente, os gestores apontam que, no PROVITA, no formato atual, não há abertura para participação e sequer se tem notícia de como estão as pessoas nesse programa. A única participação existente no conselho deliberativo refere-se à entidade gestora, que tem uma relação de convenente com a Secretaria, ou seja, de executora que tem por objetivo cumprir as metas de um instrumento jurídico. Não existem no conselho outras representações, pois,

G2: sendo um conselho muito voltado para órgãos do poder público, não é um conselho em que se discute. E eu acho que deveria [ter mais atores da sociedade civil] – eu acho que, se abrisse, haveria uma revolução nesse programa. Eu acho que [o programa] não muda [seu formato de execução]; mantém-se essa linha; não se pergunta se isso é adequado, se isso responde o que quer. E a gente também tem uma dificuldade enorme de preencher os espaços [do Sistema de Proteção de Direitos Humanos], os furos que existem [na rede de proteção social], porque você tem um programa específico [o PROVITA], pontual, último recurso, e você não tem o penúltimo, não tem o antepenúltimo. E essa discussão [acerca dos resultados e limites do PROVITA e da política de proteção] poderia ser feita pela sociedade civil e pelos movimentos com muito mais legitimidade.

Quanto ao PPCAAM, foi salientada a sua participação junto a redes e fóruns da sociedade civil, mesmo em se tratando de atuação frente à ameaça de morte, na qual deve ser considerada a questão do sigilo. O conselho gestor do PPCAAM tem uma formatação destacada, com participação da Frente de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente, do Conselho Estadual de Direitos da Criança e do Adolescente e do Conselho Municipal de Direitos da Criança e do Adolescente, o que possibilita um controle social sobre o programa:

G2: [Quanto ao] PPCAAM em Minas, eu avalio que o conselho gestor é mais bem formado – tem uma composição mais relevante nesse sentido, com a participação da Frente, dos conselhos. [No] PPCAAM, eu acho [que] a estrutura [é] melhor: é uma participação mais legitima, tanto que as discussões são muito mais ricas nesse sentido. Como está a política de criança e adolescente? Qual o papel do PPCAAM nesse cenário? Eles discutem orçamento. A gente vê uma cobrança, um posicionamento. Eu acho que deve ser nesse sentido. Eu acho que deve ser no [envolvimento de] outro[s atores], uma linha de diretriz que não é traçada só pelo Poder Público.

Em relação às articulações com a sociedade civil, ambos os gestores apontam que é possível uma atuação junto às redes e fóruns. O PPCAAM vem conseguindo realizar essa interlocução mesmo com o desafio do sigilo e a questão da ameaça. Já o PROVITA vem se articulando somente a partir de casos de ameaça que demandam uma intervenção direta.

Um dos pontos salientados é que o sigilo sempre justificou a não participação da sociedade civil, criando uma grande resistência em possibilitar qualquer discussão sobre os programas. Assim, a participação acaba sendo colocada em segundo plano, ainda que se tenha conhecimento da pouca participação e da importância de sua ampliação:

G1: [...] é que ela [a participação] está muito aquém das possibilidades. Então, não adianta falar de restrição de programa, se você tem a possibilidade de participar e mudar inclusive o formato do próprio programa. Ou, então, não seria um programa absolutamente aberto, mas que o conselho deliberativo, por exemplo, fosse paritário, com entidades que efetivamente estejam vocacionadas e com o mesmo compromisso daquelas que participam lá, com o sigilo, com tudo. Não vejo dificuldade nisso. O que vejo é um desinteresse, um desconhecimento, dessas entidades em participar nos rumos do programa.

G2: É importante porque eu acho que a sociedade civil tem legitimidade para dizer se aquilo atende ou se aquilo não atende, como que atende. Difícil é a questão da representação, quem vai falar pela sociedade civil, porque atende ou porque não atende. Mas melhor do que uma política pública pensada, construída, executada e determinada por órgãos do poder público e pronto. Eu acho importante por isso; porque esses caminhos têm que ser traçados conjuntamente: aqui está OK; aqui não está OK; aqui está sendo tratado dessa maneira.

A fim de fomentar uma maior participação, os gestores apontam que é essencial uma maior divulgação do programa, mas com os devidos cuidados para não aumentar a demanda a ponto de não conseguir atendê-la. Finalmente, um dos gestores salienta que a legitimidade da atuação da sociedade civil organizada vem da própria formatação dos programas enquanto políticas públicas que estão abertas ao debate da sociedade em geral.


5.Discutindo a participação da sociedade civil

Da mesma forma que inexiste na literatura um entendimento único e inequívoco acerca do conceito de sociedade civil (Arato, 1995), percebem-se, a partir das entrevistas com os coordenadores e gestores, diversas compreensões distintas do que seja a sociedade civil e de quem são seus principais atores. Os gestores entrevistados (G1 e G2) filiam-se à ideia compartilhada por Habermas (1997) e por Cohen e Arato (2000), entendendo a sociedade civil vocacionada para dar voz aos anseios da sociedade. Dentre os coordenadores, há uma forte dúvida sobre as organizações não governamentais comporem a sociedade civil organizada, bem como um entendimento de que todas as pessoas fazem parte da sociedade civil, consoante a imprecisão terminológica explorada nos trabalhos de Gohn (2005) e Dagnino (2004). Contudo, não é possível aferir se tal interpretação tem a ver com o cargo ocupado (para o qual se exige determinado conhecimento teórico e articulação intersetorial); ou se tem relação com a discussão acumulada (no caso dos gestores) ou com a falta de conhecimento acadêmico (no caso dos coordenadores).

A institucionalização da participação pode ser registrada de forma mais efetiva no PPCAAM, tendo em vista que a legislação prevê a participação, em seu conselho gestor, dos Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente (estadual e municipal) e da Frente de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente de Minas Gerais. Embora se trate de uma única organização da sociedade civil, a Frente de Defesa compõe-se por diversos fóruns temáticos de direitos da criança e do adolescente e aglutina grande parte das organizações que trabalham nessa temática em Minas Gerais. Além disso, a participação dos conselhos de direitos traz uma maior representatividade ao conselho gestor, vinculando-o a outras discussões da política da infância e adolescência em Minas Gerais, como ressalta G2 em sua entrevista. A participação da Frente Parlamentar de Defesa dos Direitos da Criança do Adolescente, assim como dos atores mencionados, garante que a política de proteção a crianças e adolescentes ameaçados de morte tenha um grau mínimo de controle social público e que esteja em constante discussão nos espaços participativos. Esse formato de participação delineado, embora de implantação recente, corresponde a uma tentativa de dar maior legitimidade à participação nas instituições híbridas, repensando a representação no interior das experiências participativas. Constata-se, ainda, que, no caso do PPCAAM, não há previsão legislativa de participação da ONG executora no conselho gestor do programa, tendo sido relatado o acompanhamento das reuniões por representantes da entidade somente a partir de setembro de 2008.

Quanto ao PROVITA, a participação garantida na legislação se dá tão somente pela entidade gestora, o que, tendo em vista a relação de convênio estabelecido entre o Estado e a organização, restringe a representatividade da sociedade civil na condução dessa política. De forma geral, a participação mencionada pelos coordenadores e gestores tem relação somente com a ONG executora, embora exista uma proposta de abertura à participação em discussão ainda embrionária, conforme apresentado nas entrevistas de T1 e T2.

Ressalte-se que, junto com a ideia de sociedade civil, há de se discutir o que se entende por participação e quais os limites do controle público (accountability) na política de direitos humanos. Grande parte dos atores entrevistados não compreende a rede de proteção utilizada para a execução direta do programa (i.e., abrigos, comunidades terapêuticas e repúblicas) como uma forma de participação da sociedade civil organizada. As parcerias para a proteção são previstas na legislação tanto do PROVITA quanto do PPCAAM e, talvez por serem custeadas pelos programas, não são compreendidas de maneira geral como parceria com a sociedade civil.

Como as entrevistas tiveram por base o mesmo roteiro e as perguntas tiveram idêntica formulação, é de se destacar que os coordenadores consideraram a rede de proteção utilizada pelos programas subsidiariamente como um dos eixos de participação, muito embora as considerações dos gestores (G1 e G2) apontem em sentido diverso e mencionem que a execução dos programas de proteção sequer seria possível sem a articulação da rede de proteção. Cabe ressaltar ainda a ressalva feita por G2 de que se trata de uma transferência de responsabilidade complicada, tendo em vista que a pessoa em proteção está sob a tutela do Estado e fica acolhida junto a uma organização da sociedade civil. A corroborar tais preocupações está o fato de que, via de regra, não existe qualquer formalização dessa parceria, o que pode colocar em xeque a eficácia dos programas de proteção.

No que se refere à relação e articulação do PPCAAM com a sociedade civil, a participação do PPCAAM na rede de medidas socioeducativas pode ser avaliada como relevante e impactante, tratando-se de uma articulação que tem impacto direto nos moldes de execução do programa, ainda que essa interação ocorra fora dos encontros da rede. O Fórum de Abrigos e o Fórum de Conselhos Tutelares também são espaços articulados com o PPCAAM (ainda que de maneira menos periódica) e estão também relacionados com a forma de intervenção do programa nos casos em proteção. Contudo, não se verifica uma discussão e articulação mais aprofundada acerca da necessidade de prestação de contas (accountability) do programa, ainda que seja por meio dos atores representados no conselho gestor.

Constata-se um padrão nas respostas dos gestores quanto à possibilidade de participação e ao espaço para a ampliação dessa participação, bem como quanto à perspectiva de mudanças na forma de gestão do PROVITA. Essa compreensão também se alinha às considerações feitas por T2: uma maior aproximação entre a ONG e a Secretaria poderá auxiliar na reformatação do conselho deliberativo e da forma fechada e isolada (nas palavras desse informante, “oculta”) pela qual o programa vem sendo executado até então.

De maneira geral, os dados analisados possibilitam apontar que o PPCAAM vem conseguindo conciliar a participação com a questão do sigilo, articulando-se em redes e utilizando-se da institucionalização da participação a partir de seu conselho gestor. No PROVITA, contudo, não se verifica participação direta e autônoma de organizações da sociedade civil, existindo somente a atuação da ONG executora no conselho deliberativo e parceria com as entidades que compõem a rede de proteção, sendo tal atuação, em ambos os casos, regida pela relação financeira estabelecida. Ademais, ressalta-se que, em se tratando do PPCAAM, a atuação da ONG executora tem se dado de forma tímida e restrita à execução administrativo-financeira dos programas, sem um envolvimento efetivo na gestão e consolidação da política de proteção. Tal fato, inclusive, impossibilitou a realização da presente pesquisa envolvendo os dirigentes das organizações, em vista do contato quase inexistente com a dinâmica e a temática de atuação dos programas de proteção.

Alarmante também é o comentário do gestor estadual acerca da falta de informações sobre como estão as pessoas sob proteção dos programas. De fato, a estratégia de proteção adotada pelo Brasil não primou pela sistematização de dados e informações sobre os protegidos e nem há registros confiáveis relativos ao índice de sucesso do programa, em especial após a exclusão do programa.

Finalmente, é importante salientar que a ampliação da participação não pode ser responsabilidade única e exclusiva da sociedade civil. Algumas respostas às entrevistas registram que as organizações da sociedade civil deveriam mostrar interesse pelos programas e auxiliar na articulação do programa em redes de proteção e defesa. A mobilização da sociedade civil organizada e sua forma de intervenção com o Estado foram responsáveis inclusive pela criação do PPCAAM e do PROVITA em nível nacional, a partir das experiências em Minas Gerais e Pernambuco, respectivamente.

A responsabilidade pela existência e ampliação da participação passa, conforme se pode extrair das entrevistas realizadas, pelo Estado, pelas ONGs gestoras, pelos programas do Sistema de Proteção a Pessoas Ameaçadas e pelas organizações da sociedade civil envolvidas com a temática. Nesse sentido, todos os entrevistados salientam a necessidade de maior divulgação dos programas, tanto para que as organizações da sociedade civil possam ter conhecimento e encaminhar casos para atendimento quanto para que se possa estabelecer articulação, participação ativa e controle da sociedade civil na política de proteção desenvolvida.


6.Considerações Finais

O presente artigo buscou analisar como se dá ou como é percebida a participação democrática nas políticas de proteção de direitos fundamentais desenvolvidas junto ao Sistema de Proteção a Pessoas Ameaçadas. Os programas integrantes do Sistema são uma iniciativa do governo federal, por meio da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, em parceria com os governos locais e/ou organizações da sociedade civil.

Assim, a fim de avaliar o grau de participação foi escolhido um estado federado que mantivesse os programas de proteção sob gestão de um órgão estadual, de forma a manter o mesmo contexto de violência e criminalidade. Nessa proposta, foi escolhido o estado de Minas Gerais, que mantém, sob gestão da Subsecretaria de Estado de Direitos Humanos, o Programa de Proteção e Assistência a Vítimas e Testemunhas Ameaçadas (PROVITA) e o Programa de Proteção a Crianças e Adolescentes Ameaçados de Morte (PPCAAM), além de manter o Núcleo de Atendimento a Vítimas de Crimes Violentos (CEAV). Mais especificamente, a partir da análise da legislação específica aplicável e de entrevistas com atores que atuam na execução e gestão dos programas, procurou-se analisar qual a percepção desses atores acerca do papel exercido (de fato ou supostamente) pela sociedade civil organizada junto às políticas públicas que integram o Sistema de Proteção a Pessoas Ameaçadas em Minas Gerais. Finalmente, propõe-se apresentar alternativas que viabilizem uma maior participação da sociedade civil organizada na consolidação da política pública estadual de proteção de direitos humanos.

Algumas considerações podem ser discutidas com base nos dados coletados. Inexiste, por exemplo, um entendimento compartilhado entre os atores entrevistados do que seja a sociedade civil organizada e como esta poderia contribuir e participar efetivamente nos programas. Percebe-se, contudo, que, quando há certo grau de institucionalização dessa participação, como no caso do PPCAAM, a discussão inevitavelmente atinge um aprofundamento e uma maturidade que transpassam a mera arguição de sua importância, possibilitando um debate mais qualificado nos espaços participativos, com impacto direto na inserção das políticas em um âmbito de transformação macrossocial. Essa maior participação verificada no PPCAAM também pode ter relação com o fato de esse programa ter sido criado como resultado de uma conquista do movimento da infância e juventude em Minas Gerais, de maneira que os atores sociais percebem-se como aliados e responsáveis pelo programa.

A mitificação referente ao sigilo precisa ser desfeita, ou ao menos ressignificada. Em outras palavras, precisa-se discutir e (re)avaliar em que medida o sigilo é fator de não participação, haja vista que os benefícios de uma mais ampla interlocução com as organizações da sociedade civil podem superar o receio preconcebido de que existiria um descuido quanto ao sigilo da execução do programa. As mesmas medidas adotadas atualmente e que resguardam informações sensíveis quanto à localização da pessoa ameaçada possivelmente seriam suficientes no sentido de resguardar a segurança do indivíduo atendido e, ao mesmo tempo, viabilizar uma ampliação da participação da sociedade civil organizada (seja nos conselhos ou em fóruns e redes).

Especificamente quanto ao PPCAAM, a expansão da participação passa pela diversificação das redes temáticas envolvidas e, certamente, por um maior envolvimento da ONG executora com as atividades da política de proteção desenvolvida – não no que se refere à execução administrativa e financeira, mas à articulação política com outros atores da sociedade civil. O PROVITA, por sua vez, deve repensar em que medida não é possível a interação efetiva e direta entre os envolvidos no programa e fóruns, redes e espaços de discussão da sociedade civil organizada – não obstante tal discussão perpasse um debate profundo sobre a estruturação do programa e sua atual forma de gestão e coordenação.

Uma maior divulgação dos programas em questão é apontada por todos os informantes como uma forma de garantir uma maior participação e também como um primeiro passo para aprofundar a interação até então existente. Embora, seguramente, tal divulgação deva ser responsável e planejada, não se pode mais restringir a divulgação aos órgãos públicos (na maior parte dos casos, representados nos conselhos gestores/deliberativos) e enxergar a sociedade civil organizada como um antagonista. A rede de proteção utilizada pelos programas de proteção é essencialmente não governamental, o que, por si só, já é uma razão suficiente para justificar um debate aprofundado e uma participação efetiva das organizações da sociedade civil na gestão da política de proteção no Estado.

Um possível efeito colateral que também precisa ser enfrentado consiste na ampliação da demanda dos programas. Em Minas Gerais, o foco do PPCAAM ainda é a Região Metropolitana de Belo Horizonte e o PROVITA atende a capital e aquelas cidades com uma criminalidade mais organizada e com atuação especializada da polícia e do Ministério Público. Porém, provavelmente muitos casos de ameaça de morte não chegam sequer a ser analisados por estes programas, pelo fato de os órgãos e organizações – que recebem a notícia do risco letal de determinada pessoa – não conhecerem o Sistema de Proteção ou não saberem como acessá-lo.

A articulação com a sociedade civil é uma forma de ampliar a capilaridade dos programas, a fim de que casos graves de ameaça de morte sejam encaminhados para avaliação pelas equipes técnicas e, caracterizado o perfil, sejam inseridos nas redes de proteção. Esse objetivo ideal, contudo, ainda está longe de ser realidade no cotidiano dos programas de proteção, em face das equipes reduzidas e dos escassos recursos financeiros. O aumento da divulgação e o crescimento da demanda de atendimento recebida pelo Sistema podem vir a mostrar que ainda se trata de uma política paliativa e que não possui estrutura para atender, de maneira efetiva, todos aqueles ameaçados de morte em determinado estado federado.

A partir deste trabalho, podem-se delimitar três recomendações que, certamente, podem fomentar a continuidade da discussão ora traçada: trata-se do estabelecimento do sistema de proteção propriamente dito; da realização de pesquisas e avaliações; e da capacitação e formação dos atores envolvidos. Em primeiro lugar, uma institucionalização do Sistema de Proteção de Direitos Humanos ou do Sistema de Proteção a Pessoas Ameaçadas possibilitará um aprofundamento das discussões entre gestores, coordenadores e parceiros já representados nos conselhos gestores/deliberativos dos programas, abrangendo-se também outros atores, como movimentos sociais e centros de pesquisa e análises. Não há, até o momento, um espaço de interação e interlocução entre os programas, e muitos desafios que se apresentam para determinado programa certamente se repete em condições muito semelhantes nos demais. Em segundo lugar, verifica-se uma necessidade de aprimorar a qualidade do registro de dados, informações, práticas e discussões em atas, a fim de potencializar o pensar acerca da política de proteção, assim como a efetividade e a forma de execução dos programas. E, para além disso, é preciso nivelar conhecimentos e informações, inclusive a partir de interação com a academia: os atores envolvidos na política pública de direitos humanos precisam ter um embasamento teórico mínimo acerca do que seja a sociedade civil organizada, qual o papel e quem são os principais atores. Somente a partir desse nivelamento de conhecimentos será possível planejar a atuação desses atores a fim de aprofundar as experiências de democracia participativa na gestão das políticas setoriais de direitos humanos.

Como dito anteriormente, se os defensores de direitos humanos são uníssonos ao afirmar que a democracia é o melhor regime para a efetivação dos direitos humanos, a gestão, execução e implementação da política de direitos humanos deveriam contar com o maior grau de participação democrática possível. De nada adianta o governante ou os gestores da Subsecretaria almejar(em) uma interlocução profunda com a sociedade civil organizada se os atores responsáveis pela execução direta não se filiam a esse entendimento ou sequer têm compreensão dos objetivos envolvidos na proposta. Se os debates da teoria democrática perpassam a radicalização da democracia, compreendendo os limites da representação e implantando espaços participativos, a sociedade civil organizada deve ser convidada a fomentar as experiências participativas junto às políticas públicas (em especial, no âmbito dos direitos humanos).

Uma maior participação da sociedade civil organizada em programas que têm foco nas pessoas ameaçadas de morte deve e precisa ser problematizada. Por um lado, essa participação pode garantir uma maior eficácia da política de proteção; por outro lado, deve-se vislumbrar sempre a segurança e a vida das pessoas protegidas e em que medida os mecanismos de controle público são compatíveis, necessários e desejáveis na implementação da política de proteção de direitos humanos.

Contudo, a participação deve ser entendida muito além da execução por meio de organizações da sociedade civil. A democratização da representação social passa pela interação com outros atores responsáveis pela gestão de políticas, como os conselhos e centros de pesquisa. A ampliação das experiências participativas tem partido sempre da sociedade civil organizada, mas o papel do Estado no estímulo, informação e interação da participação precisa ser referenciado e ressignificado, em especial ao se considerar que a participação é, por si só, um direito humano.


REFERÊNCIAS

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NOTAS

[1]  O foco do presente artigo é analisar a participação da sociedade civil organizada de maneira geral, no sentido amplo proposto por Habermas (1997) e por Cohen e Arato (2000). A participação da entidade executora aqui foi analisada de forma restrita, em face da relação convenial existente, com repasses financeiros e com a existência de cláusulas contratuais que a subordinam aos ditames da Administração Pública. Portanto, quando for utilizado o termo “participação da sociedade civil organizada” não se está referindo à participação da entidade executora.

[2]  Embora o Centro de Atendimento a Vítimas (CEAV) esteja inserido no sistema de proteção, trata-se de serviço de atendimento a vítimas de crimes violentos e a seus familiares, não realizando ações de proteção à vida stricto sensu. Com a institucionalização do Sistema Único de Assistência Social (SUAS) no Brasil em 2011, pode-se apontar uma sobreposição de atuações entre o CEAV e o Centro de Referência Especializado da Assistência Social (CREAS). Por tais motivos, não será apresentada qualquer análise acerca do CEAV em Minas Gerais, embora este programa tenha integrado a pesquisa inicial realizada.

[3] Na realidade não há uma distinção clara e segura quanto ao objeto do PPCAAM e do PROVITA. Como explicitado, o público do PROVITA são testemunhas ameaçadas, enquanto o PPCAAM atende crianças e adolescentes ameaçados, sejam ou não testemunhas. Existem, na verdade, pontos de atrito quanto ao programa responsável pelo atendimento em caso de crianças e adolescentes testemunhas, ou mesmo em caso de adultos testemunhas mas com ameaças dirigidas a crianças e adolescentes familiares. Entretanto, para fins do presente artigo, tais pontos de atrito não interessam à pesquisa realizda.

[4]  Atualmente, o órgão executor é a Divina Providência Nossa Senhora da Conceição, organização vinculada à Igreja Católica e responsável pela representação jurídico-legal da Pastoral de Direitos Humanos.

[5]  Até 2009 havia um acordo administrativo com o Instituto Elo (inicialmente um termo de parceria e depois um convênio), sendo que, a partir desse ano, a execução foi transferida para o Centro de Defesa da Cidadania, por meio de um convênio.  


Autor

  • Marcelo Dayrell Vivas

    Marcelo Dayrell Vivas

    Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (2004). Especialista em Direitos Humanos pela Universidade Católica de Brasília (2009). Especialista em Democracia Participativa, República e Movimentos Sociais pela Universidade Federal de Minas Gerais (2010). Atualmente, é assistente jurídico do Ministério Público do Estado de São Paulo, em exercício na Promotoria de Justiça de Bertioga.

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VIVAS, Marcelo Dayrell. A participação da sociedade civil organizada no sistema brasileiro de proteção a pessoas ameaçadas: análise comparativa da experiência de um estado da federação. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3389, 11 out. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22785. Acesso em: 28 mar. 2024.