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A incidência da decadência no procedimento licitatório para outorga do serviço de radiodifusão: TCU x STJ

A incidência da decadência no procedimento licitatório para outorga do serviço de radiodifusão: TCU x STJ

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A legislação atual permite que a Administração reveja atos eivados de ilegalidade no procedimento licitatório para outorga do serviço de radiodifusão, observando o prazo decadencial a que faz menção o art. 54 da Lei 9.784, salvo comprovada má-fé. O prazo inicia da prática do ato ilegal, ainda que o certame se encontre pendente de homologação.

Introdução

O presente estudo abordará as teses até então adotadas sobre a questão da decadência no que concerne ao procedimento licitatório a envolver os serviços de radiodifusão, haja vista a divergência (recentemente superada) entre o Tribunal de Contas da União - TCU e o Superior Tribunal de Justiça – STJ acerca do momento a partir do qual se iniciaria a contagem do prazo de cinco anos.

Antes, porém, elaborar-se-ão algumas considerações gerais e necessárias à melhor compreensão do tema.


 1 – Considerações gerais sobre o Serviço Público de Radiodifusão

Sabe-se que o serviço de radiodifusão constitui-se em serviço público por excelência, com previsão na Carta Magna como de competência da União executá-lo, diretamente ou mediante concessão, permissão ou autorização; a respeito, veja-se o seguinte articulado:

CRFB/88

Art. 21. Compete à União:

(...)

XII - explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão:

a) os serviços de radiodifusão sonora, e de sons e imagens;

(...)

Impende registrar, igualmente, que o Texto Constitucional traz balizas outras voltadas especificamente para esses serviços, com destaque para o princípio da complementariedade dos sistemas público, estatal e privado, além de se constituir, o ato de outorga em si, de duas vontades: do Poder Executivo e do Poder Legislativo (ou seja, trata-se de ato complexo, visto que resulta “da manifestação de dois ou mais órgãos, cuja vontade se funde para formar um ato único”, segundo doutrina de Di Pietro[1]):

Art. 223. Compete ao Poder Executivo outorgar e renovar concessão, permissão e autorização para o serviço de radiodifusão sonora e de sons e imagens, observado o princípio da complementaridade dos sistemas privado, público e estatal.

(...)

§ 3º - O ato de outorga ou renovação somente produzirá efeitos legais após deliberação do Congresso Nacional, na forma dos parágrafos anteriores.

(...)

A análise que ora se pretende desenvolver volta-se especificamente para os serviços de radiodifusão inseridos no sistema privado, isto é, aqueles que são explorados, mediante delegação do Poder Concedente (concessão, permissão ou autorização), por terceiros, notadamente por sociedades empresariais, mediante prévio procedimento licitatório.

Não se mostra despiciendo frisar que, ainda que se trate de exploração da atividade com intuito lucrativo pelas sociedades a quem são conferidas as outorgas in casu (mediante, por exemplo, a veiculação de publicidade comercial), está-se diante, antes de mais nada, de um autêntico serviço público; assim, há que se respeitar as regras de direito público afetas a essas atividades, derrogadoras parcialmente daquelas de natureza estritamente privada.

A guisa de exemplo da situação supramencionada, cite-se a previsão constitucional de princípios que devem ser observados pelas emissoras de rádio e televisão (serviços de radiodifusão sonora e de sons e imagens, respectivamente), em sua programação:

Art. 221. A produção e a programação das emissoras de rádio e televisão atenderão aos seguintes princípios:

I - preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas;

II - promoção da cultura nacional e regional e estímulo à produção independente que objetive sua divulgação;

III - regionalização da produção cultural, artística e jornalística, conforme percentuais estabelecidos em lei;

IV - respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família.

Elaboradas as considerações acima, veja-se agora tópico específico acerca do procedimento licitatório prévio à outorga do serviço em questão.


2 – Procedimento licitatório para outorga do serviço de radiodifusão

Preliminarmente, insta registrar que as concessões/permissões do serviço de radiodifusão não se encontram regulamentadas pela Lei nº 8.987, de 1995, a qual “Dispõe sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos previstos no art. 175 da Constituição Federal, e dá outras providências”.

E assim o é por disposição expressa nesse sentido, senão, veja-se o que prevê o art. 41 da referida Lei:

Art. 41. O disposto nesta Lei não se aplica à concessão, permissão e autorização para o serviço de radiodifusão sonora e de sons e imagens.

Optou o legislador por antever regras específicas para a outorga dos serviços públicos em comento – o que não dispensa, por óbvio, o prévio procedimento licitatório.

Atualmente, o procedimento licitatório para o serviço de radiodifusão encontra-se previsto, primordialmente, pelo Decreto nº 52.795, de 31 de outubro de 1963 (o qual “Aprova o Regulamento dos Serviços de Radiodifusão”) e, subsidiariamente, pelo disposto na Lei nº 8.666, de 1993, senão, veja-se o que determina o art. 1º do citado diploma normativo:

Art. 1º Os serviços de radiodifusão, compreendendo a transmissão de sons (radiodifusão sonora) e a transmissão de sons e imagens (televisão), a serem direta e livremente recebidas pelo público em geral, obedecerão aos preceitos da Lei nº 4.117, de 27 de agosto de 1962, do Decreto nº 52.026, de 20 de maio de 1963, deste Regulamento e das normas baixadas pelo Ministério das Comunicações, observando, quanto à outorga para execução desses serviços, as disposições da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993. (Redação dada pelo Decreto nº 2.108, de 24.12.1996). [grifo nosso]

Por oportuno, faz-se mister ainda transcrever o art. 13 do referido Decreto nº 52.795, de 1963:

Art. 13. O edital será elaborado pelo Ministério das Comunicações, observados, dentre outros, os seguintes elementos e requisitos necessários à formulação das propostas para a execução do serviço:

I - objeto da licitação;

II - valor mínimo da outorga de concessão ou permissão;

III - condições de pagamento pela outorga;

IV - tipo e características técnicas do serviço;

V - localidade de execução do serviço;

VI - horário de funcionamento;

VII - prazo da concessão ou permissão;

VIII - referência à regulamentação pertinente;

IX - prazos para recebimento das propostas;

X - sanções;

XI - relação de documentos exigidos para a aferição da qualificação econômico-financeira, da habilitação jurídica e da regularidade fiscal;

XII - quesitos e critérios para julgamento das propostas;

XIII - prazos e condições para interposição de recursos;

XIV - menção expressa quando o serviço vier a ser executado em localidade situada na faixa de fronteira; e   

XV - minuta do contrato, contendo suas cláusulas essenciais. 

Vê-se, a par do articulado supra, que é de competência do Ministério das Comunicações organizar a licitação para os serviços em tela.

Pela natureza e complexidade do objeto licitado, até então se vem adotando a concorrência pública como modalidade de licitação. Desse modo, ocorrem as seguintes fases, distintas e bem definidas entre si: edital, habilitação, classificação, homologação e adjudicação.

Uma vez compreendidas as normas aplicáveis ao caso, faz-se imprescindível, neste momento, contextualizar a situação de algumas licitações em curso perante aquela Pasta Ministerial a fim de que se possa introduzir o tema central deste ensaio.

Em virtude de sucessivas reformas ministeriais, com destaque para a extinção das antigas Delegacias do MC junto a alguns Estados (as quais se encontram atualmente reinstaladas, pelo menos em alguns Estados), dentre outros motivos, alguns procedimentos licitatórios ainda tramitam perante aquela Pasta por anos, alguns mesmo superando cinco, seis anos ou mais tempo. Em decorrência, muito se debateu acerca da possibilidade de anulação de alguns atos procedimentais de fases pretéritas, quando detectados vícios de ilegalidade que os fulminassem, caso já decorrido o prazo de cinco anos. Aprofunda-se o tema.

A licitação, organizada pela Comissão Especial de Licitação, segue fases determinadas e sucessivas; exaurida a fase de julgamento e dos recursos cabíveis, procede-se à remessa do processo da entidade julgada vencedora para possível homologação e adjudicação do certame pela autoridade superior – no caso, pelo Ministro de Estado, com prévia oitiva da Consultoria Jurídica, órgão integrante da Advocacia-Geral da União.

A par da análise de legalidade realizada no procedimento como um todo (dever da Administração Pública), o desfecho poderá ser (i) a homologação, caso esteja regular o procedimento, (ii) a revogação, por razões de interesse público decorrente de fato superveniente devidamente comprovado, pertinente e suficiente para justificar tal conduta, (iii) ou, detectado vício de ilegalidade (insanável), seja determinada a anulação do ato eivado pela referida pecha. Nesses termos, veja-se o antevisto no art. 49 da Lei nº 8.666, de 1993:

Art. 49.  A autoridade competente para a aprovação do procedimento somente poderá revogar a licitação por razões de interesse público decorrente de fato superveniente devidamente comprovado, pertinente e suficiente para justificar tal conduta, devendo anulá-la por ilegalidade, de ofício ou por provocação de terceiros, mediante parecer escrito e devidamente fundamentado.

Foquemos, pois, na hipótese em que seja detectado vício insanável. Nesse caso, é dever da Administração declarar sua nulidade. Sobre o tema, ensina Marçal J. Filho[2]:

Em matéria de licitação, a nulidade muitas vezes somente é revelada e pronunciada em momento muito posterior à sua ocorrência. (...) Por vezes, o vício apenas é descoberto pela autoridade superior, no instante da homologação. (...) Nos casos de nulidade absoluta, sempre se reputou que o decurso do tempo não produzia o desaparecimento do vício. Há forte tendência em alterar-se tal posição. Veja-se que, no âmbito federal, a Lei de Processo Administrativo determinou que, decorridos cinco anos, a Administração não mais poderá invalidar o ato administrativo inválido (art. 54 da Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999). De todo o modo e enquanto não ocorrida a decadência, permanece o dever de pronunciar o vício e desfazer o ato inválido e aqueles dele derivados (...).

Pois bem. Considere-se a hipótese de vício de ilegalidade que atinja a habilitação da entidade, por exemplo (ou mesmo ato de fase posterior, como a proposta de preço etc.) e que somente venha a lume por ocasião da homologação; acrescente-se, ainda, que referida verificação tenha ocorrido quando já ultrapassado o interstício temporal de cinco anos de sua prática; nessa situação, indaga-se: a contagem em questão teria início da homologação como ato final do procedimento licitatório (e se ainda não efetivada, portanto, possível seria a anulação do malsinado ato pretérito, visto que o procedimento ainda não se encerrara) ou, ao invés disso, considera-se a fase já superada (e o ato também, em consequência) e, ultrapassados cinco anos de sua prática, ausente a má-fé, estaria a Administração Pública Federal impedida de anulá-lo, frente à decadência administrativa a que se refere o art. 54 da Lei nº 9.784, de 1999?

A divergência acima se mostrou acirrada face às teses adotadas pelo Tribunal de Constas da União (TCU) e pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), conforme se explicará em tópico seguinte.


3 – As teses do TCU e do STJ para início da contagem do prazo decadencial no procedimento licitatório para outorga do serviço de radiodifusão

Até bem recentemente, o TCU havia emitido posicionamento pela possibilidade de anular ato ilegal, em fase pretérita à homologação, ainda que ultrapassados cinco anos da prática do malsinado ato ilegal, haja vista que o procedimento ainda não havia se encerrado – ou, se já houvesse, o prazo contar-se-ia da homologação do certame. A respeito, veja-se excerto do Acórdão 2264/2008:

TCU - Acórdão 2264/2008 - Plenário

Sumário:REPRESENTAÇÃO. COMUNICAÇÕES. HABILITAÇÃO CONTRÁRIA AO DISPOSTO NO EDITAL. NÃO INCIDÊNCIA DE PRESCRIÇÃO. VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA VINCULAÇÃO AO ATO CONVOCATÓRIO E DO JULGAMENTO OBJETIVO. DESCUMPRIMENTO DE MEDIDA CAUTELAR. ACOLHIMENTO DAS RAZÕES DE JUSTIFICATIVA. PROCEDÊNCIA. DETERMINAÇÃO. CIÊNCIA DA DELIBERAÇÃO. ARQUIVAMENTO

(...)

55. Dispõe a Lei nº 8.666/93, em seu art. 43, que "a licitação será processada e julgada com observância dos seguintes procedimentos: (...) VI - deliberação da autoridade competente quanto à homologação e adjudicação do objeto da licitação".

56. Observa-se que a homologação é ato que confirma a validade de todos os atos anteriormente praticados no curso do certame. É praticada pela autoridade competente para tanto, que não se confunde com a Comissão de Licitação; age, de fato, controlando os atos praticados pela Comissão, atestando sua validade ou não. Assim, todos os atos praticados pela Comissão de Licitação dependem, ao final do procedimento, da análise da autoridade competente, a autoridade a quem cabe decidir, dar a palavra final sobre a correção daqueles.

57. Pendentes se tornam, portanto, os atos da Comissão de Licitação da análise procedida pela autoridade competente na homologação, para que possam se tornar definitivos. Não pode a Comissão de Licitação praticar ato sem que passe pela homologação, vez que a Comissão de Licitação não é a autônoma para praticar atos sem a necessária supervisão da autoridade competente.

58. Desse modo, o procedimento licitatório se reveste da característica de um processo administrativo complexo pois, ainda que seus atos constituintes, praticados pela Comissão de Licitação, sejam válidos e produzam efeitos para o transcurso do certame, estes pendem do posterior reconhecimento de sua legalidade pela autoridade competente, para que possam levar ao atendimento do objetivo da Administração. Os atos da Comissão de Licitação não podem levar à contratação de forma autônoma, independente da manifestação da autoridade competente. Somente a concordância da autoridade competente confere validade ao procedimento licitatório como um todo, para que a Administração possa contratar ou, no caso, permitir a exploração do serviço público de radiodifusão.

59. Não se pode admitir, portanto, que o decurso do tempo impeça a autoridade competente de realizar a avaliação da legalidade dos atos da licitação que lhe são submetidos. Entende-se que o prazo decadencial para a anulação do ato administrativo, a ser observado pela Administração no exercício da autotutela, deva ter como termo de início, no âmbito de procedimento licitatório, a homologação pela autoridade competente, por ser este o ato administrativo que valida todos os atos anteriormente praticados, e sem o qual impossível a conclusão do certame. Não há como aceitar que um ato irregular praticado pela Comissão de Licitação produz qualquer efeito no mundo jurídico sem a verificação da autoridade competente, pois não poderia produzir efeitos de forma autônoma.

60. Conclui-se, por todo o exposto, pela impossibilidade de aplicação da "prescrição administrativa" a atos irregulares de procedimento licitatório, praticados somente pela Comissão de Licitação e pendentes de homologação pela autoridade competente, devendo iniciar o curso do prazo decadencial do ato de homologação, por ser este o ato que confere validade aos atos antecedentes e que permite a consecução do objetivo administrativo, que é a contratação ou, no caso concreto em análise, a outorga de permissão de exploração de serviço de radiodifusão. [grifos nossos]

Destaque-se que havia também julgados do próprio STJ nesse sentido, senão, veja-se:

STJ - Mandado de Segurança nº 14.899-DF

EMENTA: ADMINISTRATIVO. ANULAÇÃO DE PROCEDIMENTO LICITATÓRIO DESDE A HABILITAÇÃO. REGULAR ATUAÇÃO DO MINISTRO DAS COMUNICAÇÕES.

1. Mandado de segurança, com pedido de liminar, em razão de ato do Sr. Ministro de Estado das Comunicações, que anulou o procedimento licitatório desde a fase de habilitação e adjudicou a outorga da concessão a outra licitante, em prejuízo da impetrante que inicialmente saíra vencedora.

2. A princípio, mostra-se razoável o ato administrativo, considerando que, na fase homologatória, a autoridade impetrada detectou a nulidade na habilitação da impetrante.

3. Liminar indeferida.

(...)

O procedimento licitação só se completa com os atos finais de homologação e adjudicação, não se aplicando o prazo quinquenal previsto no artigo 54, da Lei nº 9.784/99, porquanto o controle de todo o procedimento foi realizado pela autoridade competente sem que as normas de regência prevejam qualquer restrição de caráter temporal a quem couber homologá-lo.

Não se revela possível, em caráter liminar, afastar a obrigatoriedade de apresentação de documento previsto no edital ante o princípio da vinculação ao edital e da presunção de legitimidade dos atos da administração.

(...)

Apesar do posicionamento acima, o STJ já vinha reiteradamente concedendo várias decisões em sentido contrário, isto é, admitindo a incidência do prazo decadencial a que se refere o art. 54 da Lei nº 9.784, de 1999, cujo teor ora se transcreve:

Art. 54. O direito da Administração de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé.

Assim, segundo a tese adotada pelo STJ, a Administração já não mais poderia anular ato administrativo (a exemplo da habilitação de alguma entidade concorrente), caso já houvesse decorrido prazo de cinco anos, ainda que pendente de homologação o certame, salvo comprovada má-fé. A respeito, veja-se o seguinte julgado (em cujo bojo são citados outros precedentes):

Processo MS 15160 / DF

MANDADO DE SEGURANÇA: 2010/0060661-0 

Relator(a): Ministro HUMBERTO MARTINS (1130) 

Órgão Julgador: S1 - PRIMEIRA SEÇÃO

Data do Julgamento: 26/05/2010 - Data da Publicação/Fonte: DJe 16/06/2010 

Ementa: DIREITO ADMINISTRATIVO – LICITAÇÃO – PERMISSÃO PARA EXPLORAÇÃO DO SERVIÇO DE RADIODIFUSÃO – DESCLASSIFICAÇÃO DE EMPRESA – TRANSCURSO DE PRAZO SUPERIOR A CINCO ANOS – REVISÃO ADMINISTRATIVA – IMPOSSIBILIDADE –  DECADÊNCIA – ART. 54 DA LEI N. 9.784/1999 – PRECEDENTES.

1. A Administração Pública tem prazo de cinco anos para exercer seu poder de autotutela, nos termos do art. 54 da Lei n. 9.784/1999, corolário ao princípio da segurança jurídica.

2. Inviável rever decisão administrativa que habilitou licitante em processo licitatório, após o prazo decadencial assinalado pela Lei 9.784/1999.

3. Precedentes: MS 14.722/DF, Rel. Ministra Eliana Calmon, Primeira Seção, julgado em 24.2.2010, DJe 18.3.2010; MS 10.760/DF, Rel. Min. Felix Fischer, Terceira Seção, julgado em 8.11.2006, DJ 17.9.2007, p. 204; REsp 658.130/SP, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 5.9.2006, DJ 28.9.2006, p. 195.

4. In casu, o pedido formulado na petição inicial, de homologação do resultado do certame licitatório, deve ser restringido pois incerta a lisura e o tempo em que foram realizados todos os atos do procedimento licitatório, não podendo o judiciário avalizar todos os atos efetivados, a não ser o específico ato sub judice, referente à habilitação da empresa, ilegalmente revista após sete anos da decisão administrativa originária. Mandado de Segurança parcialmente concedido, para determinar ao impetrado que considere a impetrante habilitada para a Concorrência de outorga da permissão para exploração do serviço de radiodifusão em frequência modulada para a localidade de Pocrane-MG. 

Diante de julgados reiterados no sentido acima, e a fim de harmonizar as posições então adotadas, foi formulada consulta ao TCU (TC 031.983/2010-3), cuja ementa assim predispõe:

SUMÁRIO: CONSULTA FORMULADA PELO MINISTRO DE ESTADO DAS COMUNICAÇÕES. QUESTIONAMENTO SOBRE O TERMO INICIAL DO PRAZO DECADENCIAL PARA A ADMINISTRAÇÃO ANULAR OS SEUS ATOS EIVADOS DE VÍCIOS, NO EXERCÍCIO DA AUTOTUTELA, NOS PROCEDIMENTOS LICITATÓRIOS DE RADIODIFUSÃO. ENTENDIMENTO FIXADO NO ACÓRDÃO 2264/2008-PLENÁRIO. MATÉRIA EM APRECIAÇÃO NO ÂMBITO DO PODER JUDICIÁRIO. CONHECIMENTO. ESCLARECIMENTOS À AUTORIDADE CONSULENTE. COMUNICAÇÃO. ARQUIVAMENTO.

Do teor da consulta supra faz-se mister transcrever as seguintes passagens in verbis:

TC 031.983/2010-3

ACÓRDÃO Nº 2318/2012 – TCU – Plenário

(...)

47.Perfeitamente possível, portanto, em decorrência do poder de autotutela da Administração, a anulação de ato que habilitou irregularmente empresa no certame licitatório, diante de vício insanável não detectado ao tempo da fase de habilitação. Mas isso tem que ser feito, nos termos do art. 54 da Lei nº 9.784/99, no prazo de cinco anos a contar da habilitação inquinada.

48.Significa dizer que a Administração tem prazo de cinco anos para exercer seu poder de autotutela, a teor do art. 54 da Lei nº 9.784/99, corolário do princípio da segurança jurídica. Inviável, pois, a revisão de decisão administrativa – que habilitou licitante em processo licitatório – após o prazo decadencial assinalado pela Lei nº 9.784/99.

49.Não se trata a habilitação, portanto, de ato complexo, representando a homologação, na verdade, o mero exercício da autotutela. E o art. 54 da Lei nº 9.784/99 tem justamente o objetivo de mitigar o uso indiscriminado do princípio da autotutela administrativa, fazendo-o inoperante em casos em que colaboraria para a insegurança das relações jurídicas providas pelo Estado, em prejuízo dos administrados.

(...)

VISTOS, relatados e discutidos estes autos de consulta formulada pelo então Ministro de Estado das Comunicações, acerca do dies a quo para a contagem do prazo decadencial dentro do qual a Administração poderá rever atos praticados em procedimentos licitatórios de radiodifusão.

ACORDAM os Ministros do Tribunal de Contas da União, reunidos em Sessão Plenária, ante as razões expostas pelo Relator, em:

9.1. conhecer da consulta, por atender aos requisitos de admissibilidade;

9.2. responder ao consulente que o prazo decadencial previsto no art. 54 da Lei nº 9.784/99, a ser observado pela Administração no exercício da autotutela, com vistas à anulação de ato praticado em procedimento licitatório, tem como termo inicial a data do respectivo ato, salvo no caso da interposição de recurso, hipótese em que o termo inicial da extinção é a decisão final sobre o recurso;

(...) [grifos nossos]

Em razão do exposto, pode-se concluir que o TCU revisou seu posicionamento anterior, passando a corroborar com a tese que já vinha sendo reiteradamente defendida pelo STJ, de modo a prever a possibilidade, sim, de a Administração, em sede de autotutela administrativa, rever atos eivados de ilegalidade, no procedimento licitatório para outorga do serviço de radiodifusão, mas desta feita com a observância do prazo decadencial a que faz menção o art. 54 da lei nº 9.784, de 1999, salvo comprovada má-fé. Assim, o prazo decadencial inicia-se a partir da prática do ato ilegal, ainda que o certame se encontre pendente de homologação.

Procurou-se prestigiar, assim, o princípio da segurança jurídica, passando a Administração Pública, outrossim, a conferir mais celeridade aos trâmites das antigas licitações ainda em trâmite perante aquele Ministério, haja vista a harmonização das teses então adotadas.


Notas

[1] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 16.ed. Atlas. São Paulo: 2003, p. 215.

[2] JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 14 ed. São Paulo, Dialética, 2010. p.680.



Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LEONARDO, Socorro Janaina M.. A incidência da decadência no procedimento licitatório para outorga do serviço de radiodifusão: TCU x STJ. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3396, 18 out. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22827. Acesso em: 28 mar. 2024.