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O regime jurídico das sociedades estatais no Brasil.

Análise legal e doutrinária

O regime jurídico das sociedades estatais no Brasil. Análise legal e doutrinária

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As normas aplicáveis às estatais devem se aproximar ao máximo das que se aplicam às empresas privadas, retirando-lhes completamente as prerrogativas da fazenda pública, porém mantendo as sujeições típicas do regime jurídico de direito público, a fim de protegê-las da má gestão de seus administradores, uma vez que elas próprias integram a esfera do patrimônio público.

Resumo: O presente trabalho se propõe a analisar o regime jurídico aplicável às empresas estatais no Brasil. Para tanto, ainda em nível de introdução, buscar-se-á demonstrar que, com a moderna configuração do Estado, ou seja, com a organização estatal pós-Revolução Francesa, a intervenção desse ente no âmbito econômico variou de acordo com a ideologia vigente. Nesta linha, enquanto vigia a doutrina do Liberalismo Econômico, a intervenção Estatal na economia era mínima, ficando aoseu cargo funções bem específicas relativas à defesa nacional, segurança pública e administração da justiça. Por outro lado, durante a vigência do Estado Social, a intervenção estatal passou a ser marcante, pois, como prevalecia a intervenção direta por meio de estatais, o Estado era visto atuando como agente econômico e participando do mercado em regime de monopólio ou concorrencial. Por fim, com a doutrina Neoliberal, defensora de uma redução na intervenção direta, passa-se a destacar a função de agente normativo e regulamentador do Estado, entretanto permitido a atuação como agente econômico quando presentes os fundamentos constitucionalmente exigidos. Deste modo, num segundo momento, passa-se a demonstrar os fundamentos da atuação do Estado na economia, os quais consistem em imperativos da segurança nacional e relevante interesse coletivo, e as formas utilizadas para a referida intervenção, quais sejam a exploração de atividade econômica de produção ou comercialização de bens e a prestação serviços aos seus administrados. A partir daí, passa-se a analisar os instrumentos disponibilizados pela Constituição Federal para a referida atuação, a Empresa Pública e a Sociedade de Economia Mista, verificando suas semelhanças e diferenças, materiais, formais e teleológicas. Por fim, estabelecidos os alicerces da discussão sobre o tema, passa-se a discutir o regime jurídico aplicável instrumentos de atuação direta do Estado no domínio econômico, demonstrando a necessidade de se estabelecer um regime próprio para esses entes, mesclando normas de direito privado e de direito público, e levando em consideração a atividade que será desenvolvida por eles.

Palavras-Chave: Intervenção Estatal; Empresa Pública; Sociedade de Economia Mista; Regime Jurídico das Empresas Estatais; 

Sumário: 1. INTRODUÇÃO. 2. FUNDAMENTOS E FORMAS DE ATUAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO NA ECONOMIA. 3. INSTRUMENTOS DE ATUAÇÃO DIRETA DO ESTADO BRASILEIRO NA ECONOMIA. 4. DO REGIME JURÍDICO DAS ESTATAIS NO BRASIL. 5. CONCLUSÃO. 6. BIBLIOGRAFIA 


1. INTRODUÇÃO

Analisando o desenvolvimento do Estado Moderno, verifica-se que a intervenção estatal na economia varia de acordo com os sistemas econômico, político e filosófico vigentes em cada época.

Em assim sendo, durante o período no qual predominou o pensamento liberal puro, destacou-se a concepção do Estado Mínimo, prevalecendo a doutrina defensora do Direito de Propriedade e da Livre Iniciativa sobre a intervenção do Estado na economia.

Essa doutrina baseava-se fundamentalmente no entendimento de Adam Smith, defensor incontestável do Liberalismo Econômico, conforme se verifica por intermédio da análise de Felipe Canto Zago (Zago, 2011), nos termos a seguir:

“... de acordo com sistema de liberdade natural, o soberano (Estado) tem somente três deveres a cumprir: três deveres de grande importância, na verdade, mas claros e inteligíveis ao senso comum: primeiro, o dever de proteger a sociedade da violência e invasão por outras sociedades independentes; segundo, o dever de proteger, na medida do possível, cada membro da sociedade da injustiça e da opressão de qualquer outro membro, ou o dever de estabelecer uma adequada administração da justiça; em terceiro lugar, o dever de erigir e manter certas obras públicase certas instituições públicas que nunca será do interesse de qualquer indivíduo ou de um pequeno número de indivíduos erigir a manter; porque o lucro jamais reembolsaria as despesas para qualquer indivíduo ou número de indivíduos, embora possa freqüentemente proporcionar mais do que o reembolso a uma sociedade maior...”

Deste modo, conclui-se que, durante o período em que predominou a doutrina do Liberalismo Econômico, enquanto a iniciativa privada exercia o seu poder econômico dentro de um espaço de competição particular, denominado mercado, o Estado abstinha-se do exercício de qualquer atividade econômica, deixando aqueles se auto-regularem, e apenas intervinha quando solicitado para garantir a observância das regras naturais do mercado, a defesa nacional, a segurança pública e a administração da justiça. Enfim, o Estado apenas exerciaas atividades econômicas que não eram atrativas aos particulares.

Entretanto, o crescimento das economias nacionais industrializadas, uma das razões de existir do Estado Liberal, sem a intervenção do Estado para corrigir eventuais desvios, ocasionou distorções sociais, tal qual a exploração dos trabalhadores, as quais não foram bem recebidas socialmente, levando a uma contestação do modelo de Estado até então adotado.

Desta forma, principalmente após a Primeira Guerra Mundial, ganharam importância as teorias que pregavam o intervencionismo estatal na economia, na medida em que foram sendo afastados os ideais do Liberalismo puro, fazendo com que o elenco de atividades desempenhadas pelo Estado passasse a abranger, além de prestação de serviços públicos, atividades comercias e industriais, que antes eram reservadas, única e exclusivamente, à iniciativa privada.

Assim, diferentemente do que ocorria sob a doutrina liberal, o Estado Social passou a adotar uma postura, além de fiscalizadora, extremamente atuante, prestando os serviços necessários ao atendimento das necessidades dos seus administrados (prestação de serviçospúblicos), reservando para si o exercício de atividades econômicas ligadas à soberania nacional (adoção da política de monopólios) e, até mesmo, exercendo atividades econômicas concorrentemente com os particulares (exercício de atividades empresariais), visando à regulação do mercado para atingir a tão esperada justiça social.

Nesse sentido, leciona José dos Santos Carvalho Filho (Carvalho Filho, 2005):

“A intervenção do Estado o capacitou a regular a economia, permitindo a inauguração da fase do dirigismo econômico, em que o Poder Público produz uma estratégica sistemática de forma a participar ativamente dos fatos econômicos. Na verdade, o intervencionismo compreende um sistema em que o interesse público sobreleva em relação ao regime econômico capitalista. O governo recebe certas funções distributivas e alocativas, isto é, busca proporcionar uma equânime distribuição de riqueza e fornecer a certas categorias sociais alguns elementos de proteção contra as regras exclusivamente capitalistas.

(...)

Com esse tipo de atuação, o Estado procura garantir melhores condições de vida aos mais fracos, sem considerar seu status no mercado de trabalho, e ainda corrige o funcionamento cego das forças de mercado, estabelecendo parâmetros a serem observados na ordem econômica. De todos esses fatores, importa que, intervindo na economia, o Estado, por via de conseqüência, atende aos reclamos da ordem social com vistas a reduzir as desigualdades entre os indivíduos.

Essa mesma linha intelectiva é defendida por Alberto Dala Via(Via, 2009), em seu textoEl Rol Del Estado em Economía y La Libertad de Empresa em La Constituición Nacional, em Tratado de La Empresa, nos seguintes termos:

“El paso del Estado gendar me al Estado Benefactor significo una verdadera ampliación en la dimensión del Estado por la nueva stareas asumidas. La mera obligación de abstención o vigilância, própria del Estado liberal clássico, se convitió em uma oblicación activa de tipo “progressivo”, donde el deber estatal pasó a ser el de remover los obstáculos que impidan la realización de la igualdad y de la justicia social. Así como el Estado Liberal puso el acento em la libertad, el Estado social puso el acento em la igualdad.”

Assim, em razão da doutrina social, o Estado, além de intervir sobre o domínio econômico de forma indireta, ou seja, atuando no mercado como agente normativo, exercendo funções de fiscalização, incentivo e planejamento, passou também a atuar de forma direta, criando entes estatais para exercer, sob sua direção e controle, atividades econômicas, monopolisticamente ou em regime de concorrência com os particulares.

Entretanto, é importante destacar que, mesmo considerando as doutrinas intervencionistas, num sistema capitalista de produção, as atividades econômicas devem ser reservadas à iniciativa privada, revelando-se a intervenção estatal nesta seara medida excepcional, cabível apenas para satisfação dos interesses coletivos e garantias individuais, no âmbito interno, ou para proteger a soberania nacional no âmbito externo.

Nesse sentido, mais uma vez, José dos Santos Carvalho Filho (Carvalho Filho, 2005), expõe com clareza:

“O Estado atua de duas formas na ordem econômica. Numa primeira, é ele o agente regulador do sistema econômico. Nessa posição, cria normas, estabelece restrições e faz um diagnóstico social das condições econômicas. É um fiscal da ordem econômica organizada pelos particulares, pode-se dizer que, sob esse ângulo, temos o Estado Regulador. Noutra forma de atuar, que tem caráter especial, o Estado executa atividades econômicas que, em princípio, estão destinadas à iniciativa privada. Aqui a atividade estatal pode estar mais ou menos aproximada à atuação das empresas privadas. O certo, porém, é que não se limita a fiscalizar as atividades econômicas, mas ingressa efetivamente no plano da sua execução. Seja qual for a posição que assuma, o Estado, mesmo quando explora atividades econômicas, há de ter sempre em mira o interesse, direto ou indireto, da coletividade. Podemos considerá-lo nesse ângulo como Estado executor.”

Entretanto, com o Consenso de Washington, surge a doutrina Neoliberal, pregando a redução da atuação direta do Estado na economia ao mínimo necessário ao atendimento das necessidades dos administrados, e, conseqüentemente, “devolvendo” essa função à iniciativa privada.

Porém, deve-se destacar que a referida doutrina não determinou a abstenção total do exercício de atividades econômicas pelo Estado. Na verdade, ela prega a necessidade de redução da atuação do Estado como agente econômico, combinada com o aumento dos poderes regulatórios desse ente, para que, de todo modo, a regulação das atividades econômicas não fique a cargo do mercado, prática essa que já se mostrou inadequada quando da vigência da doutrina Liberal Pura.

Nesse sentido, expõe Samuel Santos de Nascimento (Nascimento, 2008):

“...É neoliberal, não porque se trata de uma tendência de retorno ao liberalismo econômico clássico, mas porque preserva princípios originários deste e os faz conviver com técnicas diferentes de ação econômica do Estado. As reformas do New Deal, portanto, instituíram as técnicas do neoliberalismo de regulamentação[1], e as reformas constitucionais e políticas do pós-Consenso de Washington, as do neoliberalismo de regulação. O primeiro neoliberalismo exigiu um Estado Social, cuja atuação no econômico se dava diretamente (via empresa pública, sociedade de economia mista e fundações) e indiretamente (mediante rígidas normatizações), tudo em nome do desenvolvimento ou do crescimento (Clark, 2008, 69). O segundo se realiza no Estado Democrático de Direito, e as intervenções passam a ser minimizadas e prioriza-se a intervenção indireta (eis que aparecem no cenário jurídico as Agências Reguladoras)”. Grifo nosso.

Conclui-se, então, que, mesmo diante da atual doutrina neoliberal, apesar de dispor de outros meios de intervir na economia, Estado pode e continua, mesmo que de forma ainda mais excepcional, intervindo diretamente na economia por meio de execução de atividades empresariais e prestando diversos serviços públicos aos seus administrados.

Portanto, é justamente sobre essas situações excepcionais – prestação de serviços públicos, execução de atividades visando regular o mercado e exercício de atividades essenciais à soberania nacional, nas quais o Estado atua diretamente no âmbito da economia, e sobre os entes estatais dos quais ele se utiliza, denominados genericamente de Empresas Estatais, que o presente trabalho pretende se debruçar, analisando a legislação e doutrina brasileiras, para, enfim, concluir estabelecendo a qual regime jurídico essas empresas estão submetidas.


2. FUNDAMENTOS E FORMAS DE ATUAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO NA ECONOMIA

A Constituição brasileira, já no seu art. 1º, inciso IV, ao estabelecer como fundamento do Estado Democrático de Direito os valores social do trabalho humano associado à livre iniciativa, demonstra claramente que, acompanhando o atual estágio social dos países que adotam a economia de mercado, o Estado deverá garantir o desenvolvimento nacional, organizando as relações sociais e a utilização de força de trabalho de forma a se respeitar a dignidade da pessoa humana e a formação de uma sociedade livre, justa e solidária (CF,arts. 1º e 3º).

Para tanto, a Carta Magna, em seu Título VII, cuida especificamente da Ordem Econômica e Financeira, estabelecendo, mais uma vez, como seus fundamentos a valorização do trabalho humano e a livre iniciativa, visando assegurar a todos uma existência digna, conforme os ditames da justiça social, observando, dentre outros, os princípios da soberania nacional, propriedade privada, função social da propriedade e livre concorrência (CF, art. 170).

Em assim sendo, diante dos fundamentos adotados, bem como das garantias ofertadas aos seus administrados, o Estado brasileiro, apesar de reservar o exercício da atividade econômica preferencialmente à iniciativa privada, não deixou, nem poderia deixar, a regulação dessas relações a cargo do livre mercado, pois, em experiências pretéritas, já havia se verificado o insucesso dessa tentativa.

Deste modo, a Constituição, visando permitir que o Estado efetivamente pudesse atuar da forma estabelecida, ou seja, na busca de uma sociedade livre, justa e solidária, porém sem aceitar que ele ultrapasse os limites garantidos aos administrados por intermédio do princípio da livre iniciativa, ainda sob o título da Ordem Econômica e Financeira, criou asbalizas de atuação direta do Estado na economia, regulando as hipóteses nas quais os Estado deve atuar no âmbito econômico e as conseqüentes formas de atuação.

Assim, o Título VII da Carta Magna Federal, art. 173, estabelece, de forma geral, quais os fundamentos da atuação do Estado na economia – imperativos da segurança nacionalerelevante interesse coletivo – e, por intermédio do seu parágrafo primeiro, determina por meio de quais formas ele pode atuar no âmbito econômico, exploração de atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou prestando serviços aos seus administrados.

Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei.

§ 1º A lei estabelecerá o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços, dispondo sobre:

I - sua função social e formas de fiscalização pelo Estado e pela sociedade;

II - a sujeição ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários;

III - licitação e contratação de obras, serviços, compras e alienações, observados os princípios da administração pública;

IV - a constituição e o funcionamento dos conselhos de administração e fiscal, com a participação de acionistas minoritários;

V - os mandatos, a avaliação de desempenho e a responsabilidade dos administradores.

§ 2º - As empresas públicas e as sociedades de economia mista não poderão gozar de privilégios fiscais não extensivos às do setor privado.

§ 3º - A lei regulamentará as relações da empresa pública com o Estado e a sociedade.

§ 4º - A lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros.

§ 5º - A lei, sem prejuízo da responsabilidade individual dos dirigentes da pessoa jurídica, estabelecerá a responsabilidade desta, sujeitando-a às punições compatíveis com sua natureza, nos atos praticados contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular.

Mais adiante, regulando o fundamento do relevante interesse coletivo, entendido como o dever estatal de garantir a satisfação das necessidades individuais e transindividuais de cunho essencial dos administrados, previstas no art. 5º, por intermédio do art. 175, a Constituição Federal incumbiu ao Estado, direta ou indiretamente, a prestação de serviços público, estabelecendo, ainda, que lei própria deverá disciplinar, além dos direitos dos usuários e a obrigação de manter serviço adequado, a política tarifária.

Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos.

Parágrafo único. A lei disporá sobre:

I – o regime das empresas concessionárias e permissionárias de serviços públicos, o caráter especial de seu contrato e sua prorrogação, bem como as condições de caducidade, fiscalização e rescisão da concessão ou permissão;

II – os direitos dos usuários;

III – política tarifária,

IV – a obrigação de manter serviço adequado.

Ressalte-se que, os serviços públicos de natureza essenciais, tais como educação, saúde, ainda que não exclusivamente, deverão ser prestados diretamente pelo Estado.

Por fim, regulando o outro fundamento estabelecido no art. 173, qual seja, o imperativo da segurança nacional, por intermédio do art. 177, a Constituição Federal regulou o regime de monopólios da União, reservando para esse ente estatal o exercício de atividades econômicas essenciais à soberania nacional, permitindo, entretanto, a contratação de empresas estatais e privadas para a realização direta de algumas das atividades.

Art. 177. Constituem monopólio da União:

I - a pesquisa e a lavra das jazidas de petróleo e gás natural e outros hidrocarbonetos fluidos;

II - a refinação do petróleo nacional ou estrangeiro;

III - a importação e exportação dos produtos e derivados básicos resultantes das atividades previstas nos incisos anteriores;

IV - o transporte marítimo do petróleo bruto de origem nacional ou de derivados básicos de petróleo produzidos no País, bem assim o transporte, por meio de conduto, de petróleo bruto, seus derivados e gás natural de qualquer origem;

V - a pesquisa, a lavra, o enriquecimento, o reprocessamento, a industrialização e o comércio de minérios e minerais nucleares e seus derivados, com exceção dos radioisótopos cuja produção, comercialização e utilização poderão ser autorizadas sob regime de permissão, conforme as alíneas b e c do inciso XXIII do caput do art. 21 desta Constituição Federal.

§ 1º A União poderá contratar com empresas estatais ou privadas a realização das atividades previstas nos incisos I a IV deste artigo observadas as condições estabelecidas em lei.

§ 2º A lei a que se refere o § 1º disporá sobre:

I - a garantia do fornecimento dos derivados de petróleo em todo o território nacional;

II - as condições de contratação;

III - a estrutura e atribuições do órgão regulador do monopólio da União;

§ 3º A lei disporá sobre o transporte e a utilização de materiais radioativos no território nacional.

§ 4º A lei que instituir contribuição de intervenção no domínio econômico relativa às atividades de importação ou comercialização de petróleo e seus derivados, gás natural e seus derivados e álcool combustível deverá atender aos seguintes requisitos:

I - a alíquota da contribuição poderá ser:

a) diferenciada por produto ou uso;

b)reduzida e restabelecida por ato do Poder Executivo, não se lhe aplicando o disposto no art. 150,III, b;

II - os recursos arrecadados serão destinados:

a) ao pagamento de subsídios a preços ou transporte de álcool combustível, gás natural e seus derivados e derivados de petróleo;

b) ao financiamento de projetos ambientais relacionados com a indústria do petróleo e do gás;

c) ao financiamento de programas de infra-estrutura de transportes.

Deste modo, conclui-se que a Constituição Federal, apenas em situações excepcionais, amparadas por fundamentos devidamente previstos, imperativos da segurança nacional e relevante interesse coletivo, e por meios pré-estabelecidos, exercício de atividade econômica (monopolisticamente ou em regime de concorrência) ou prestando serviços públicos de natureza econômica, autoriza a atuação direta do Estado na economia.

Portanto, caso o Estado ultrapasse essas balizas, seus atos estarão eivados de inconstitucionalidade, conforme afirma Marçal Justen Filho (Justen Filho, 2005):A solução constitucional brasileira não deixa margem de dúvida. Somente em situações excepcionais o Estado desempenhará atividade econômica propriamente dita.


3. INSTRUMENTOS DE ATUAÇÃO DIRETA DO ESTADO BRASILEIRO NA ECONOMIA

Como se verifica por intermédio da análise dos dispositivos legais reguladores da matéria, a Constituição disponibilizaa Empresa Pública e a Sociedade de Economia Mista, como instrumentos de atuação na esfera econômica para todas as finalidades, remetendo ao legislador infraconstitucional o encargo de criar uma legislação específica para, além de estabelecer um regime jurídico específico, definir essas empresas estatais.

Entretanto, o legislador ordinário, até a presente data, não editou as leis previstasnos artigos acima colacionados, permanecendo, portanto, em vigor uma definição anacrônica de empresas estatais, pois elaborada ainda sob o regime militar, refletindo o autoritarismo vigente à época.

Assim, o Decreto Lei 200/67, define as Empresas Públicas e Sociedades de Economia Mista da seguinte forma:

Art. 5º Para fins desta lei, considera-se:

I – (omissis)

II – Empresa Pública – a entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado, com patrimônio próprio e capital exclusivo da União, criado por lei e para a exploração de atividade econômica que o Governo seja levado a exercer por força de contingência ou de conveniência administrativa podendo revestir-se de qualquer faz forma admitidas em direito.

III – Sociedade de Economia Mista – a entidade de personalidade jurídica de direito privado, criada por lei para exploração de atividade econômica, sob forma de sociedade anônima, cujas ações com direito a voto pertençam em sua maioria à União ou a entidade da Administração Indireta.

Ora, como se sabe, após os anos de autoritarismo decorrentes dos Governos Militares, durante os quais foi editado o decreto lei supra-transcrito, a Constituição Federal de 1988, conhecida como Constituição Cidadã, modificou sobremaneira a organização administrativa do Estado, visando justamente modernizá-la e adaptá-la ao novo momento do Estado Brasileiro, qual seja um Estado Democrático de Direito,

Assim, dessa distinção ideológica entre a Carta Magna e a legislação anterior,surgem inúmeras divergências entre a definição prevista no decreto-lei 200/67 e os artigos constitucionais, a exemplo do art. 173, que estabelece o imperativo da segurança nacional ou o relevante interesse coletivo como requisitos para o exercício de atividade econômica pelo Estado, enquanto o referido decretoexige apenas meras contingências e conveniência da administração pública para a criação de empresas estatais.

Por outro lado, além dos previstos no Título VII, outros dispositivos constitucionais demonstram a inadequação da definição do decreto, dentre os quais o art. 37, que estabelece a necessidade de mera autorização legal para a criação de empresas estatais, enquanto o decreto estabelece a necessidade de lei específica para a criação das mesmas.

Deste modo, diante dessas flagrantes divergências entre o atual modelo de intervenção estatal na economia e as definições de empresas estatais encontradas em nossa legislação, os doutrinadoresmais abalizados passaram a praticamente desprezara definição estabelecida pelo Decreto-Lei 200/67 e a criarconceitos próprios para a empresa pública e sociedade de economia mista.

Nesse sentido, Fernanda Marinela (Marinela, 2006), analisando o instituto das empresas estatais, aponta os seguintes conceitos:

“A empresa pública é a pessoa jurídica criada por força de autorização legal, como instrumento de ação do Estado, dotada de personalidade de direito privado, mas submetida a certas regras especiais decorrentes da finalidade pública que persegue, constituída sob quaisquer das formas admitidas em direito e cujo capital seja formado unicamente por recursos públicos, de pessoas da Administração Direta ou Indireta. Pode prestar serviços públicos ou explorar atividade econômica.”

“A sociedade de economia mista, por sua vez, é pessoa jurídica cuja criação é autorizada por lei. É um instrumento de ação do Estado, dotada de personalidade de direito privado, mas submetida a certas regras especiais decorrentes de sua finalidade pública, constituída sob a forma de sociedade anônima, cujas ações, com direito a voto, pertençem (sic), em sua maioria, ao ente político ou à entidade de sua Administração Indireta, admitindo-se que seu remanescente acionário seja de propriedade particular. As suas finalidades também são prestar serviços públicos ou explorar atividade econômica.

Deste modo, analisando o conceito adotado para empresas estatais no Brasil, deve-se destacar que não existem grandes distinções materiais e teleológicas entre as empresas públicas e as sociedades de economia mista, uma vez que ambas as modalidades constituem pessoas jurídicas de direito privado, dependem de autorização para serem constituídas e podem exercer atividades econômicas ou prestarem serviços públicos. Enfim, o Estado poderá utilizar indistintamente qualquer delas para exercer a atividade ou prestar serviço desejado.

Entretanto, é no aspecto formal que os modelos de estatais brasileiros se diferenciam. Assim, as principais diferenças existentes entre as empresas públicas e as sociedades de economia mista estãona composição do capital, nas possíveis formas jurídicas adotadas e no foro competente para apreciação e julgamento dos feitos de seus interesses, neste último caso, apenas quando elas pertencerem à União.

Neste sentido, enquanto a empresa pública sempre terá o capital 100% público, independente de ser da União, de um dos Estados ou do Distrito Federal ou de um Município, ou até mesmo de entes da Administração Indireta, admitindo-se, inclusive, que seja de uma sociedade de economia mista, a sociedade de economia mista, necessariamente terá a participação de capital não estatal, ou seja, privado, porém o controle acionário deve sempre estar em mãos de um ente da administração pública, direta ou indireta.

Por outro lado, enquanto a empresa pública pode adotar qualquer forma jurídica prevista pelo Direito Empresarial, ou seja, sociedade anônima, sociedade limitada, sociedade em nome coletivo, sociedade em comandita simples ou sociedade por ações, a sociedade de economia mista adotará sempre a forma de sociedade anônima, conforme disposto no art. 235 da Lei 6404/76, que regulamenta a sociedade por ações.

Por fim, única e exclusivamente, quando a empresa pública compuser a Administração Pública Federal, nos termos do inciso I do art. 109 da Constituição Federal, a Justiça Federal será competente para processar e julgar os feitos de seu interesse, prerrogativa essa que não é concedida para as sociedades de economia mista, mesmo quando a pertencente ao mesmo âmbito de administração.

Deste modo, conforme já mencionado, não existem diferenças materiais e teleológicas entre as empresas públicas e as sociedades de economia mista, podendo, portanto, o Estado, discricionariamente, adotar a modalidade de estatal que ele entender mais adequada para a atividade que será exercida. E, exatamente por inexistirem diferenças de fundo, que ambas as estatais estão sujeitas ao mesmo regime jurídico.


4. REGIME JURÍDICO DAS ESTATAIS NO BRASIL

Em que pese a legislação vigente estabelecer que as empresas estatais são dotadas de personalidade jurídica de direito privado, é pacífico dentre os doutrinadores mais conceituados que, em razão da finalidade das estatais, o regime jurídico a ser aplicado irá se aproximar mais do Direito Privado ou do Direito Público a depender da forma de atuação do Estado no âmbito econômico, ou seja, se ele executará uma atividade econômica ou prestará um serviço público.

Esse entendimento, inclusive, leva a esses doutrinadores defenderem que, em verdade, o regime jurídico nas estatais seria hibrido e não de direito privado como estabelece a legislação em vigor.

Nesse sentido, a lição de Bruno Mattos e Silva (Silva, 2007):

“É Pacífico que a empresa pública e a sociedade de economia mista, embora criadas por iniciativa do Poder Público, quer exerçam atividade econômica em sentido estrito, quer prestem serviço público, são pessoas jurídicas de direito privado. O regime jurídico das empresas estatais é de direito privado, parcialmente derrogado pelo direito público, como inclusive se pode notar pela leitura do dispositivo constitucional supratranscrito. Na verdade, exatamente em razão dessa parcial derrogação, acho que seria mais adequado dizer que elas têm natureza híbrida, como afirmam certos autores.”

Ainda corroborando com o entendimento, José dos Santos Carvalho Filho (Carvalho Filho, 2005), assim explicita:

“... as sociedades de economia mista e as empresa públicas exibem dois aspectos inerentes à sua condição jurídica: de um lado, são pessoas jurídicas de direito privado e, de outro, são pessoas sob o controle do Estado. Esses dois aspectos demonstram, nitidamente, que nem estão sujeitas inteiramente ao regime de direito privado, nem inteiramente ao de direito público. Na verdade, pode dizer-se, como fazem alguns estudiosos, que seu regime tem certa natureza híbrida.

Assim, acompreensão da necessidade de se conceber um regime jurídico próprio para as empresas estatais, mesclando normas de direito privado com normas de direito público na regulação da atuação desses entes, é diretamente proporcional ao entendimento das funções que elas exercerão no seio da administração pública, analisadas sob o prisma dos interesses que possam ser prejudicados pelos membros da administração pública. Explico-me:

A Constituição Federal estabelece que o Estado pode se utilizar das empresas estatais para duas finalidades distintas: a primeira, para exercer diretamente atividades econômicas visando regular o mercado (art. 173) ou para preservar a soberania nacional (art. 177); a segunda, para prestar serviços públicos de natureza econômica (art. 175), garantindo o atendimento às necessidades da individuais ou transindividuais dos administrados.

Ora, quando se fala em exercício de atividade econômica de produção ou circulação de bens ou prestação de serviços não essenciais pelo Estado, mesmo que restringindo àquelas necessárias à regulação do mercado ou em garantia da soberania nacional, está se discutindo a “invasão” pelo Estado de uma esfera reservada pela própria Constituição à iniciativa privada, por isso que ela trata especifica e cuidadosamente nos artigos 173 e 177.

Por outro lado, quando se fala em prestação de serviços públicos de natureza econômica, está se discutindo o exercício de uma atividade própria do Estado, tratada separadamente justamente em razão de sua natureza econômica, mas necessária ao atendimento das necessidades dos administrados, conforme se depreende do art. 175 da Constituição Federal.

Deste modo, tratando-se da primeira situação, ou seja, do exercício de atividades econômicas, apesar dos fundamentos previstos no art. 173, deve-se garantir que se o Estado o faça apenas quando efetivamente necessário, e gerando o mínimo de desequilíbrio no mercado, evitando, assim, prejuízos à iniciativa privada. Por esse motivo, o regime jurídico adotado deve ser o mais próximo possível do regime jurídico de direito privado, afastando-se, portanto, na medida do possível,das prerrogativase sujeições previstas no regime de direito público.

Por outro lado, quando se trata de prestação de serviços públicos de natureza econômica, o regime jurídico a ser adotado deve se aproximar, ao máximo, do regime jurídico de direito público, adotando-se um maior feixe de prerrogativas e sujeições, para que se garanta, mais uma vez, o desejo do Constituinte,que, desta feita, éno sentido de se prestar um serviço públicoadequado, garantindo-se aos usuários todos os seus direitos, mediante o pagamento de uma justificável, nos termos do artigo 175 da Constituição Federal.

Nesse sentido, mais uma vez, Fernanda Marinella (Marinella, 2006), esclarece com maestria:

“Nessas empresas estatais, apesar de terem personalidade jurídica de direito privado, o seu regime não é verdadeiramente privado. A doutrina prefere denominá-lo como regime hibrido ou misto, isso porque ele mistura regras de direito público com as de direito privado, ora se aproximando mais de um, ora de outro.

Para as exploradoras de serviços públicos, em que pese a personalidade jurídica de direito privado, o seu regime em muito se aproxima de direito público, até porque são inafastáveis do conceito de serviços público. No silêncio da lei, aplicam-se as regras do regime jurídico- administrativo.

De outro lado, encontram-se as exploradoras da atividade econômica cujo regime, em razão dessa finalidade, é o que mais se aproxima do direito privado. Para essas pessoas jurídicas, a regra é a aplicação do direito privado; o direito público é a exceção e deve ser aplicado restritivamente, quando tiver previsão expressa.

Nesse mesmo sentido, expõe Celso Antônio Bandeira de Mello (Mello, 2005):

“Há, portanto, dois tipos fundamentais de empresas públicas e sociedades de economia mista: exploradoras de atividade econômica e prestadores de serviços públicos ou coordenadoras de obras públicas e demais atividades públicas. Seus regimes jurídicos não são, nem poderiam ser, idênticos, como procuramos demonstrar em outra oportunidade.

No primeiro caso, é compreensível que o regime jurídico de tais pessoas seja o mais próximo possível daquele aplicável à generalidade das pessoas de Direito Privado. Seja pela natureza do objeto de sua ação, seja para prevenir que desfrutem de situação vantajosa em relação às empresas privadas – às quais cabe a senhoria no campo econômico - , compreende-se que estejam, em suas atuações, submetidas a uma disciplina bastante avizinhada da que regula as entidades particulares de fins empresariais. Daí haver o Texto Constitucional estabelecido que tais hipóteses regular-se-ão pelo regime próprio das empresas privadas (art. 173,§1º, II). Advirta-se, apenas, que há um grande exagero nesta dicção da Lei Magna, pois ela mesma se encarrega de desmentir-se em inúmeros outros artigos, como além será demonstrado.

No segundo caso, quando concebidas para prestar serviços públicos ou desenvolver quaisquer atividades de índole pública propriamente (como promover a realização de obras públicas), é natural que sofram o influxo mais acentuado de princípios e regras de Direito Público, ajustados, portanto, ao resguardo de interesses desta índole.

Nesse diapasão, verifica-se que a intenção da Constituição Federal, ao aplicaràs empresas estatais o regime jurídico de direito privado, é proteger a iniciativa privada da concorrência desleal do Poder Público no exercício de atividades econômicas em concorrência com a iniciativa privada, o que, efetivamente, é perfeitamente justificável.

Portanto, as normas aplicáveis a essas estatais devem se aproximar ao máximo das normas que se aplicam às empresas privadas, retirando-lhes completamente as prerrogativas típicas das pessoas jurídicas de direito público, porém mantendo as sujeições típicas do regime jurídico de direito público, a fim de protegê-las da má-administração exercida de seus administradores, uma vez que elas próprias integram a esfera do patrimônio público.    

Assim, mesmo sob o regime jurídico de direito privado, a Constituição Federal submeteu as empresas públicas exercentes de atividades econômicas de produção e circulação de bens aos princípios da legalidade, moralidade, impessoalidade, publicidade e eficiência (art. 37) e ao controle do Poder Legislativo e Tribunal de Contas (art. 49, X, e art. 71, II); exigiu concurso público para admissão de pessoal (art. 37, II), proibiu que seus empregados cumulassem cargos, empregos e funções públicas, com exceção das permitidas em lei (art. 37, XVII) e submeteu a remuneração desse pessoal ao teto constitucional, quando elas receberem recursos públicos (art. 37, XI e §9º); submeteu suas operações de crédito a limites fixados pelo Senado (art. 52, VII); além disso olegislador ordinário submeteuo exercício de atividades-meio ao regime licitatório (Lei 8666/93). Todas essas sujeições típicas do regime de direito público.

Por outro lado, quando se trata de prestação de serviços públicos, ainda que econômicos, ou seja, mediante contraprestação, o bem maior a ser protegido é o atendimento às necessidades essenciais dos administrados, por intermédio de um serviço de qualidade, que respeite os direitos dos usuários e que pratiquem uma política tarifária aceitável.

Portanto, além de protegê-las dos seus próprios administradores, as normas aplicáveis às estatais que se dedicam a essa atividade devem garantir-lhes as prerrogativas típicas das pessoas jurídicas de direito público, derrogando, somente, algumas normas que dificultem a prestação do serviço de natureza econômica, natureza essa diferente dos serviços tipicamente estatais.

Deste modo, se por um lado se aplicam todas as sujeições mencionadas para as estataisexercentes de atividade econômica, acrescidas da obrigação de responderem objetivamente pelos danos que seus agentes causarem a terceiros, mesmo que assegurado o seu direito de regresso contra o responsável nos casos de culpa ou dolo (art. 37§6º), as estatais que prestam serviços públicos terão os bens utilizados diretamente nessa prestação considerados como bens públicos, portanto, inalienáveis, impenhoráveis, imprescritíveis e não oneráveis; terão os atos, que diretamente se liguem ao próprio desempenho do serviço, considerados como atos administrativos e seus contratos firmados para atendimentos das finalidades considerados contratos administrativos, todas essas prerrogativas típicas do regime de direito público.

Entretanto, como mencionado, o regime de direito público aplicado às prestadoras de serviços públicos econômicos deve ser parcialmente derrogado por normas de direito privados, a fim de que se possibilidade uma atuação mais condizente com a necessidade do efetivo exercício da atividade. Deste modo, sua criação apenas se afetiva com registro no órgão competente (Junta Comercial), seus empregados estarão sujeitos ao regime previsto na Consolidação das Leis do Trabalho,além de poderem exercer a sua atividade-fim sem necessidade de se submeter ao regime de licitação previsto na lei 8666/93.


5. CONCLUSÃO

Mesmo diante da atual doutrina neoliberal, apesar de dispor de outros meios de regulação da atividade econômica, a exemplo das agências reguladoras, o Estado, nos casos imperativos da segurança nacional e relevante interesse coletivo, continua intervindo diretamente na economia.

Deste modo, quando entende presente os fundamentos acima mencionados, ele pode agir por meio de execução de atividades empresariais, prestadas monopolisticamente ou em regime de concorrência com a iniciativa privada ou prestando diversos serviços públicos aos seus administrados.

Na condição de entes integrantes da administração pública indireta, portanto, instrumentos de ação do Estado, as empresas estatais, apesar de repetidas vezes submetidas pela Constituição Federal ao regime aplicável às empresas privadas, na verdade, estão sujeitas a um regime jurídico híbrido, que varia entre os regimes de direito privado e público, de acordo com a atividade que cada uma delas exerça.

Assim, as normas aplicáveis às estatais que exerçam atividade econômica de produção e circulação de bens ou prestação de serviços em regime de concorrência com a iniciativa particular devem se aproximar ao máximo das normas que se aplicam às empresas privadas, retirando-lhes as prerrogativas inerentes às pessoas jurídicas de direito público, para que não desregule o mercado concorrencial, mantendo, entretanto, as sujeições encontradas pelos demais entes públicos, protegendo-as, assim, da má-administração exercida de seus administradores.

Por outro lado, quando a estatal tiver por finalidade a prestação de serviços públicos econômicos,além de protegê-las dos seus próprios administradores, as normas aplicáveis devem garantir-lhes as prerrogativas inerentes às pessoas jurídicas de direito público, derrogando, somente, algumas normas que dificultem a prestação do serviço de natureza econômica, natureza essa diferente dos serviços tipicamente estatais.


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Nota

[1] Chamamos a atenção para o fato de Samuel Santos do Nascimento denominar a Doutrina Social de Neoliberalismo de Regulamentação e a doutrina que conhecemos de Neoliberal de Neoliberalismo de Regulação, em razão dessa atuar mais indiretamente do que diretamente na economia.


Autor

  • Vitor Lins

    Vitor Lins

    Advogado, Doutorando em Ciencias Jurídicas e Socias, Prof. de Direito Empresarial da Universade Estadual de Feira de Santana, Membro da Comissão de Ensino Jurídico da Ordem dos Advogados do Brasil - Seção do Estado da Bahia.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LINS, Vitor. O regime jurídico das sociedades estatais no Brasil. Análise legal e doutrinária. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3423, 14 nov. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23012. Acesso em: 29 mar. 2024.