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Limites constitucionais ao exercício da liberdade de imprensa

Limites constitucionais ao exercício da liberdade de imprensa

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É possível a restrição prévia, por meio de decisão judicial, ao exercício da liberdade de imprensa em casos concretos em que há iminência de extrapolação dos limites impostos pela ordem jurídica?

Sumário: 1. Introdução. 2. Dever de verdade. 3. Vedação do anonimato. 4. Princípios constitucionais limitadores do exercício da liberdade de imprensa. 5. Cláusulas expressas de permissão de tratamento legal. 6. Regulamentação constitucional da propriedade dos meios de comunicação social: a proibição de oligopolização ou de monopolização (garantia do pluralismo) e as restrições da participação do capital estrangeiro nas empresas de comunicação social. 7. Intimidade, vida privada, honra, imagem e outros direitos fundamentais tutelados. 8. Limites legais expressos e limites legais reflexos à liberdade de imprensa. 9. Limites em casos concretos. 10. Estado de sítio. 11. Princípio democrático e dever estatal de publicidade. 12. Referências bibliográficas.


1. Introdução.

Não há dúvidas sobre a relevância da liberdade de imprensa no direito constitucional brasileiro; essa relevância decorre principalmente da sua relação com o exercício do poder político e com o exercício do poder econômico.

Em tese, a previsão de garantias ao exercício da liberdade de imprensa, como a proibição de censura ou a proteção do sigilo da fonte, entre outras, asseguraria o bom exercício dessa liberdade. Todavia, a prática evidenciou que, apesar dessas garantias, muitos abusos continuavam sendo praticados, sob a rubrica de pleno exercício da liberdade de imprensa[1].

Percebeu-se, dessa forma, que era necessário o estabelecimento de uma série de limites ao exercício da liberdade de imprensa. A previsão dessas limitações não deve ser causa de repulsas, como propagam alguns “defensores da plena liberdade de imprensa”, ao menos, por duas razões: (1) não existe direito absoluto; (2) as referidas limitações dirigem-se ao abuso, e não ao exercício regular dessa liberdade.

Nesse sentido, a lição de Fernanda Dias Menezes de Almeida e Anna Candida da Cunha Ferraz:

Não se preocupou o constituinte em definir o que entende por comunicação social, podendo-se inferir que a vê, principalmente, como um meio de veiculação da informação junto ao grande público, preocupando-se em garanti-la, sem descurar-se, no entanto, da proteção da sociedade, contra o mau uso do direito de informar, que possa decorrer da atividade exercida pelos canais de comunicação[2].

Em trecho integralmente aplicável à liberdade de imprensa, George Marmelstein discorre sobre as limitações ao exercício da liberdade de expressão:

Apesar de a liberdade de expressão, em suas diversas modalidades, ser um valor indispensável em um ambiente democrático, infelizmente, o que se tem observado com muita frequência é que a mídia nem sempre age com o nobre propósito de bem informar o público. Muitas vezes, os meios de comunicação estão interessados em apenas vender mais exemplares ou obter índices de audiência mais elevados. Por isso, é inegável que a liberdade de expressão deve sofrer algumas limitações no intuito de impedir ou diminuir a violação de outros valores importantes para a dignidade humana, como a honra, a imagem e a intimidade das pessoas, ou seja, os chamados direitos de personalidade[3].

Em suma, toda e qualquer informação pode ser, em princípio, divulgada pelos meios de comunicação social, vez que, dada a inegável relevância da liberdade de imprensa em um Estado democrático, as notícias por eles anunciadas gozam de presunção relativa de interesse público[4]. A limitação ao exercício da liberdade de imprensa é, dessa forma, excepcional e deve ter sempre fundamento constitucional[5].


2. Dever de verdade.

A transmissão de inverdades pelos meios de comunicação social não é tutelada pela ordem constitucional nacional. O direito de ser informado, que tem fundamento constitucional (artigo 5º, XIV), obviamente, deve ser entendido como um direito de ser devidamente ou corretamente informado, vez que a pessoa depende dessas informações para bem exercer a liberdade de pensamento e todos os direitos fundamentais dela decorrentes. Luís Roberto Barroso afirma, inclusive, que a exigência da verdade, mais do que um limite, é um requisito interno da liberdade de informação, o que se aplica à liberdade de imprensa[6].

Dispõe o artigo 5º, XIV, da Constituição da República:

Artigo 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

XIV – é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao sigilo profissional.

O acesso à informação verdadeira, fundamental para a formação da opinião individual e, por consequência, da opinião pública, é direito fundamental em um Estado Democrático de Direito e a esse direito corresponde o dever de verdade de todos os que exercem a liberdade de imprensa.

Devem ser analisadas, por outro lado, com cuidado, situações em que aquele que exerce a liberdade de imprensa tem a informação desmentida, apesar de tê-la construído de maneira cautelosa. Nesse sentido, as palavras de Gilmar Mendes, Inocêncio Coelho e Paulo Branco:

Cabe recordar que o direito a ser informado – e não o é quem recebe notícias irreais – tem também raiz constitucional, como se vê do art. 5º, XIV, da CF.

A publicação, pelos meios de comunicação, de fato prejudicial a outrem gera direito de indenização pelos danos sofridos, admitindo-se, entretanto, a prova da verdade, como fator excludente de responsabilidade. A publicação da verdade, portanto, é a conduta que a liberdade proclamada constitucionalmente protege.

Isso não impede que a liberdade seja reconhecida quando a informação é desmentida, mas houve objetivo propósito de narrar a verdade – o que se dá quando o órgão informativo comete erro não intencional. O requisito da verdade deve ser compreendido como exigência de que a narrativa do que se apresenta como verdade fatual seja a conclusão de um atento processo de busca de reconstrução da realidade. Traduz-se, pois, num dever de cautela imposto ao comunicador. O jornalista não merecerá censura se buscou noticiar, diligentemente, os fatos por ele diretamente percebidos ou a ele narrados, com a aparência de verdadeiro, dadas as circunstâncias. É claro que não se admite a ingenuidade do jornalista, em face da grave tarefa que lhe incumbe desempenhar.

O próprio tom com que a notícia é veiculada ajuda, por outro lado, a estremar o propósito narrativo da mera ofensa moral.

Se se cobra responsabilidade do jornalista, traduzida em diligência na apuração da verdade, tal requerimento não pode, decerto, ser levado a extremos, sob pena de se inviabilizar o trabalho noticioso. De toda sorte, a atitude de tolerância para com o erro factual varia conforme a cultura e a história de cada país[7].

De fato, não se pode exigir que apenas verdades incontestáveis sejam divulgadas pela imprensa, pelo simples fato de que está inserido na liberdade de imprensa o exercício da liberdade de expressão, o que implica em divulgação de versões plenamente justificáveis dos fatos, decorrentes de sua interpretação pelo sujeito que a exerce[8]. Isso ocorre simplesmente porque não é possível a comunicação dos fatos em si, já que estes pertencem ao mundo do ser e ocorrem apenas uma vez, em determinado local, pois se submetem a limites de espaço e tempo; somente é possível a narrativa ou a reprodução de imagens ou sons sobre os fatos, em relação às quais, em regra, incidem elementos subjetivos ou parciais[9].

Assim, em suma, a ordem constitucional protege apenas a informação verdadeira, entendida esta como a não deliberadamente falsa, vez que os meios de comunicação social “têm o dever de apurar, com boa fé e dentro de critérios de razoabilidade, a correção do fato ao qual darão publicidade”; trata-se, assim, de verdade “subjetiva”, “subordinada a um juízo de plausibilidade e ao ponto de observação de quem a divulga”[10].

Por fim, deve-se observar que, em determinadas situações, ainda que a informação transmitida seja verdadeira, existindo violação ao critério de continência da narração, deixará o exercício da liberdade de imprensa de ser regular, passando à esfera de abuso de direito, com as consequências que serão analisadas no item relativo ao direito de resposta e à indenização.

A continência da narrativa relaciona-se com a maneira pela qual o fato é exposto e valorado. A narrativa não pode apresentar “extremos de uma agressão moral”; pelo contrário, deve ter linguagem adequada à finalidade do exercício da liberdade de imprensa, que é a transmissão da informação[11]. Ainda que o fato narrado seja verdadeiro, haverá abuso no exercício da liberdade de imprensa se, por exemplo, a pessoa nele envolvida for exposta a situação vexatória ou escandalosa[12].


3. Vedação do anonimato.

Prescreve a Constituição de 1988, em seu artigo 5º, IV[13], como limite ao exercício da liberdade de imprensa, a vedação do anonimato. Essa restrição é necessária para fins de viabilizar a responsabilização daquele que, eventualmente, cause dano por meio do exercício da liberdade de imprensa.

Sobre a vedação do anonimato, manifesta-se João Barbalho, literalmente:

O argumento de ser a proibição do anonimato uma restrição à liberdade não é por si de grande valor. Restrições sofrem e é preciso que sofram todas as liberdades; do contrário, desapareceriam o respeito ao direito e às suas garantias. A questão é se a restrição é fundada e justa. E isto é inegável, desde que se observe que ela, no caso, é estatuída para assegurar a responsabilidade do escritor e que oferece aos ofendidos segurança e facilidade de fazê-la efetiva, nada embaraçando à assinatura que o autor diga o que quiser (e deve cada um mostrar essa coragem, se está convencido de que tem razão no que diz). Sobretudo nas publicações que contêm ataque e alusões ao caráter, à probidade pessoal ou funcional, a assinatura se impõe como indeclinável, para que a honra ofendida não tenha dificuldade de se desagravar pelos meios legais. E esta exigência é de si moralizadora; ela dá comedimento, evita a intemperança, as demasias da imprensa; ao passo que o anonimato favorece os abusos e encoraja no mal caminho a covardia que se encobre ou disfarça[14].

A vedação do anonimato, com vistas a viabilizar a responsabilização pelo abuso no exercício da liberdade de imprensa, enquadra-se na sistemática adotada pela ordem constitucional brasileira de controle repressivo do exercício dos direitos de liberdade. Dessa forma, como regra geral, pode-se exercer amplamente a liberdade de imprensa, sujeitando-se, posteriormente, no caso de abuso, às sanções previstas na ordem jurídica.

Por essa razão, é fundamental a identificação de quem exerce essa liberdade. Mesmo com a utilização da internet para o exercício da liberdade de imprensa, apesar da maior dificuldade na identificação das pessoas que a utilizam, a vedação do anonimato pode ser garantida, vez que a tecnologia existente permite rastrear o usuário da rede[15].


4. Princípios constitucionais limitadores do exercício da liberdade de imprensa.

A Constituição, após anunciar a plenitude do exercício da liberdade de imprensa, afirmando, inclusive, a proibição de toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística, considerando a alta relevância dos meios de comunicação social na formação da pessoa, determina, nos termos de seu artigo 221, o respeito a certos princípios:

Artigo 221. A produção e a programação das emissoras de rádio e televisão atenderão aos seguintes princípios:

I – preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas;

II – promoção da cultura nacional e regional e estímulo à produção independente que objetive sua divulgação;

III – regionalização da produção cultural, artística e jornalística, conforme percentuais estabelecidos em lei;

IV – respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família.

O disposto no artigo 221 da Constituição reafirma, assim, a ideia de que o exercício da liberdade de imprensa não é absoluto. Trazem os seus incisos quatro princípios norteadores para a produção do conteúdo e para a programação dos meios de comunicação social. Antes de comentá-los, são necessárias algumas palavras sobre a abrangência desses dispositivos.

Não há dúvidas de que a televisão merece destaque entre os diversos meios de comunicação social existentes, principalmente em razão de seus altos índices de audiência[16]; talvez por esse motivo o texto constitucional de 1988, ao tratar dos princípios da comunicação social no referido artigo 221, mencionou apenas o rádio e a televisão.

A norma constitucional mencionada impõe limites expressos às programações de rádio e televisão, mas outros meios de comunicação social, como jornais e revistas, devem obediência aos mesmos dispositivos. Nesse sentido, sustentam Gilmar Mendes, Inocêncio Coelho e Paulo Branco:

O respeito à dignidade pessoal e também o respeito aos valores da família são erigidos à condição de limite da liberdade de programação de rádios e da televisão, como se vê no art. 221 da Constituição. Não significa, certamente, que apenas as emissoras de rádio e televisão estejam obrigadas a respeitar a dignidade da pessoa humana. A relevância para com este valor é a base do Estado democrático (art. 1º, III, da CF) e vetor hermenêutico indispensável para a apreensão adequada de qualquer direito.

Respeita-se a dignidade da pessoa quando o indivíduo é tratado como sujeito com valor intrínseco, posto acima de todas as coisas criadas e em patamar de igualdade de direitos com os seus semelhantes. Há o desrespeito ao princípio, quando a pessoa é tratada como objeto, como meio para a satisfação de algum interesse imediato.

O ser humano não pode ser exposto – máxime contra a sua vontade – à mera curiosidade de terceiros, para satisfazer instintos primários, nem pode ser apresentado como instrumento de divertimento alheio, com vistas a preencher o tempo de ócio de certo público. Em casos assim, não haverá exercício legítimo da liberdade de expressão[17].

Nesse mesmo sentido, além da inclusão de jornais e revistas no âmbito de aplicação das referidas normas constitucionais, deve-se estender esse âmbito de aplicação à rede mundial de computadores. Nesse sentido, pode ser mencionado o disposto no artigo 222, § 3º, da Constituição:

Artigo 222. A propriedade de empresa jornalística e de radiodifusão sonora e de sons e imagens é privativa de brasileiros natos ou naturalizados há mais de 10 (dez) anos, ou de pessoas jurídicas constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sede no País.

§ 3º Os meios de comunicação social eletrônica, independentemente da tecnologia utilizada para a prestação do serviço, deverão observar os princípios enunciados no artigo 221, na forma de lei específica, que também garantirá a prioridade de profissionais brasileiros na execução de produções nacionais.

Deve-se reconhecer que a imposição dessas normas constitucionais à rede mundial não é simples, vez que a sua aplicação direta restringe-se, em um primeiro momento, aos sítios hospedados no Brasil; com relação ao controle sobre o conteúdo de sítios hospedados no estrangeiro, o máximo que se pode exigir é a disponibilização, por parte dos provedores, de instrumentos de controle de acesso.

Para solucionar definitivamente o referido problema relacionado à abrangência do disposto no artigo 221 da Constituição, seria conveniente a modificação de seu caput, para que passe a ter a seguinte redação: “a produção e a programação dos meios de comunicação social atenderão aos seguintes princípios”.

Analisada a abrangência dos dispositivos constitucionais, deve-se passar aos comentários, ainda que sucintos, a seus conteúdos.

O primeiro deles determina que a produção e a programação dos meios de comunicação social devem ter, preferencialmente, finalidades educativas, artísticas culturais e informativas.

Chama a atenção, no dispositivo, o advérbio “preferencialmente”, vez que este retira do referido princípio constitucional grande parte de sua força normativa, porque esse termo permite a produção de conteúdo e a programação que não possua essa finalidade. Assim, para a efetiva aplicação desse dispositivo constitucional, necessária a modificação de seu texto, a fim de que seja retirado o referido advérbio.

O segundo dispositivo determina a “promoção da cultura nacional e regional”, bem como o “estímulo à produção independente que objetive sua divulgação”; o terceiro dispositivo, por sua vez, prevê “a regionalização da produção cultural, artística e jornalística”. Ambos são dispositivos importantíssimos em um Estado de forma federativa, como é o brasileiro, porque determinam o desenvolvimento, a um só tempo, da cultura nacional, necessária para o fortalecimento do Estado, e das especificidades das culturas regionais, cuja necessidade de proteção está na própria origem da ideia federalista; nas palavras de Fernanda Dias Menezes de Almeida, representam os aspectos unitário e societário, ambos essenciais ao Estado federal[18].

Percebe-se, contudo, com relação a esses dispositivos, a sua maior obediência pela imprensa escrita, pelo rádio e, agora, pela rede mundial de computadores, vez que é muito comum a existência de jornais, de emissoras de rádio (esta, em razão da curta abrangência das ondas carreadoras da informação) e de sítios na internet com abrangência regional e até mesmo municipal, ainda que grande parte das notícias por esses meios de comunicação veiculadas diga respeito a assuntos de interesse nacional, normalmente fornecidas pelas mesmas agências de notícia. Esse fenômeno é ainda mais intenso na televisão, que, provavelmente, em razão dos custos da produção de seu conteúdo, transmite, majoritariamente, programas de abrangência nacional, existindo poucos exemplos de programas de abrangência regional ou municipal, compostos estes, em grande parte, por programas de notícias.

Por fim, o quarto dispositivo determina o “respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família”. A aplicação desse dispositivo é bastante complexa, principalmente porque o alto grau de indeterminação dos conceitos nele empregados permite a existência de conteúdos com relação aos quais há grande dificuldade de enquadramento. Há inúmeros exemplos dessa dificuldade, como filmes violentos, com “palavrões” ou, ainda, com cenas de sexo (ou mesmo pornográficos[19]).

Na ordem jurídica brasileira, os conteúdos acima expostos, em princípio, não são estritamente proibidos ou, ainda, criminalizados; eles devem ser, contudo, veiculados com uma série de limitações, por exemplo, de horário, para os programas de rádio ou de televisão, ou de acessibilidade, para revistas, livros ou internet.

Os diversos limites apresentados pelos dispositivos constitucionais acima comentados são plenamente justificáveis, dada a influência que os meios de comunicação social exercem sobre a coletividade, em especial sobre crianças e adolescentes[20]. O respeito a esses princípios constitucionais independe da edição de outros atos normativos, devendo a sua efetividade ser assegurada, principalmente[21], por meio de decisão judicial[22].

Sobre o assunto, importante registrar que, no direito francês, tamanha a importância do tema, existe um regime particular de controle sobre o conteúdo da imprensa, para proteção da infância e da adolescência. Sobre o assunto, disserta Tanísia Martini Vilariño:

Esse regime foi instituído pela Lei 49-956, de 16.07.1949, que regulamentou não somente a publicação e a distribuição das obras destinadas aos menores, mas também as publicações de natureza geral que possam apresentar um caráter perigoso para eles.

O art. 2º dessa lei proíbe a publicação de ilustrações, narrações, crônicas, títulos ou outra inserção que apresente, sob uma óptica positiva, o banditismo, a mentira, o roubo, a preguiça, a covardia, o ódio ou todos os atos qualificados como crimes ou delitos ou de natureza a desmoralizar a infância ou a juventude, ou a inspirar ou manter preconceitos étnicos. Além disso, as publicações não devem conter nenhuma publicidade, nem anúncios de publicações capazes de desmoralizar, corromper ou perverter a infância e a juventude.

A infração desse artigo constitui um delito penal – o delito de “desmoralização da juventude”, cuja sanção engloba as seguintes penas: pena restritiva de liberdade por um ano, pena de multa de 3.700 euros e penas complementares, como a apreensão e a destruição das publicações. A responsabilidade em cascata do art. 42 da lei de 29.07.1881 aplica-se, sendo responsáveis penalmente o diretor, o editor, o autor e o tipógrafo. Na realidade, a aplicação dessas penas é muito reduzida em razão da intervenção preventiva da Comissão de Imprensa-Juventude (Commission de presse-jeunesse).

O art. 2º da lei de 16.07.1949 aplica-se às publicações destinadas à infância e à adolescência, porém o art. 14 dessa mesma lei aplica-se às publicações em geral, que, embora não sejam destinadas aos jovens, “apresentem um perigo para a juventude em razão de seu caráter indecente ou pornográfico, ou da importância dada ao crime ou à violência, à discriminação ou ao ódio racial, à incitação ao uso, ao porte ou ao tráfico de entorpecentes”.

A infração do art. 14 é sancionada por medidas de interdição administrativa, como proibição de propor, de dar ou de vender a publicação aos menores de 18 anos e interdição de exposição ao público. A violação dessa medidas de interdição acarreta sanções penais – um ano de prisão – e uma multa de 3.750 euros. Essa pena pode ser acompanhada de penas complementares, como interdição temporária ou definitiva da publicação, fechamento temporário ou definitivo da empresa de edição etc.

Esse regime especial é regido por um controle prévio da publicação exercido pela Comissão Imprensa-Juventude, encarregada da supervisão e do controle das publicações destinadas à infância e à adolescência. Essa comissão emite pareceres sobre o conteúdo das publicações e sugere a aplicação de medidas de interdição. Compete ao ministro do Interior pronunciar as medias de interdição, não sendo obrigado a seguir o parecer da Comissão. No tocante às infrações do art. 2º da lei, a Comissão informa o Ministério Público e solicita denúncia.

Na prática, a adoção de medidas de interdição pelo ministro do Interior é moderada, aproximadamente 10 medidas são tomadas por ano, e concernem principalmente às revistas pornográficas de baixo calão. Em que pese sua aplicação moderada, essa lei é objeto de críticas no que diz respeito aos riscos de abusos e de censuras morais disfarçadas[23].

Ainda no direito francês, com relação aos meios de comunicação audiovisuais, há regulamentação importante sobre a proteção da infância e da adolescência. Assim, aduz Tanísia Martini Vilariño:

No que diz respeito à proteção da infância e da adolescência, os programas capazes de perturbar o desenvolvimento físico, mental ou moral de menores somente podem ser colocados à disposição do público se, pela escolha do horário ou pela existência de um procedimento técnico de controle de acesso, os menores não forem suscetíveis de vê-los ou de escutá-los. Esses programas dever ser precedidos de uma advertência de seu caráter prejudicial e dever ser acompanhados de um símbolo visual durante toda a emissão. Esse controle aplica-se também à televisão móvel pessoal[24].

Evidente a importância da vigência desses princípios constitucionais. Giovanni Sartori, após mencionar que a televisão acostuma a criança à violência, afirma que o problema da influência dos meios de comunicação, em especial da televisão, na formação da pessoa é muito mais abrangente:

A verdade maior e mais abrangente é que a primeira escola da criança (a escola divertida que precede a escola enfadonha) é a televisão, é um animal simbólico que recebe o seu imprint, o seu molde formativo, de um mundo feito de imagens, totalmente centralizado no ver. Nesta paidèia a predisposição à violência – como dizia – é apenas um gomo do problema. Na verdade, o problema de fundo é que a televisão criou e está criando um homem que não lê, que revela um alarmante entorpecimento mental, um “moloide criado pelo vídeo”, um viciado na vida dos videogames[25].

Sabe-se, contudo, que esses limites impostos pelo texto constitucional têm sido constantemente ultrapassados por diversos meios de comunicação social[26], principalmente em razão de suas disputas pela audiência. Para a efetividade desses dispositivos constitucionais, exercem relevante função o Ministério Público, a Defensoria Pública e outros legitimados para a tutela de interesses difusos, que devem buscar do Poder Judiciário decisões que assegurem a sua efetividade.


5. Cláusulas expressas de permissão de tratamento legal.

Tendo em vista, mais uma vez, a influência dos meios de comunicação social na formação das pessoas, a Constituição de 1988, em seu artigo 220, §§ 3º e 4º, apresenta normas específicas sobre a regulamentação legal de diversões e de espetáculos públicos e sobre a propaganda comercial de tabaco, bebidas alcoólicas, agrotóxicos, medicamentos e terapias. A Constituição elegeu, assim, valores com os quais deve a liberdade de imprensa compatibilizar-se, atribuindo ao legislador ordinário a incumbência de regulamentação mais detalhada sobre o seu exercício nesses assuntos[27].

Dispõe o texto constitucional, literalmente:

Artigo 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.

§ 3º Compete à lei federal:

I - regular as diversões e espetáculos públicos, cabendo ao Poder Público informar sobre a natureza deles, as faixas etárias a que não se recomendem, locais e horários em que sua apresentação se mostre adequada.

II - estabelecer os meios legais que garantam à pessoa e à família a possibilidade de se defenderem de programas ou programações de rádio e televisão que contrariem o disposto no art. 221, bem como da propaganda de produtos, práticas e serviços que possam ser nocivos à saúde e ao meio ambiente.

§ 4º A propaganda comercial de tabaco, bebidas alcoolicas, agrotóxicos, medicamentos e terapias estará sujeita a restrições legais, nos termos do inciso II do parágrafo anterior, e conterá, sempre que necessário, advertência sobre os malefícios decorrentes de seu uso.

Fica evidente, mais uma vez, que, por determinação do texto constitucional, o exercício da liberdade de imprensa não pode ser ilimitado. A participação desses meios de comunicação na formação da criança e a sua influência sobre os adultos[28] justificam, dessa forma, uma série de limitações ao seu exercício, desde que determinados por meio de lei e nos termos estritos do disposto na Constituição de 1988.

Os referidos dispositivos constitucionais não autorizam a censura, por meio de lei, de diversões e de espetáculos públicos ou de programas ou programações de rádio e de televisão. Nesse sentido, sobre a amplitude dos referidos dispositivos constitucionais, aduzem Gilmar Mendes, Inocêncio Coelho e Paulo Branco:

A Constituição admitiu que o Poder Público informe a natureza das diversões e dos espetáculos públicos, indicando as faixas horárias em que não se recomendem, além dos locais e horários em que a sua apresentação se mostre inadequada (art. 220, § 3º, I). É interessante observar que não abre margem para que a Administração possa proibir um espetáculo, nem muito menos lhe permite cobrar cortes na programação. Apenas confere às autoridades administrativas competência para indicar a faixa etária adequada e sugerir horários e locais para a sua apresentação[29].

A Constituição autoriza, portanto, à lei apenas o estabelecimento de medidas que permitam aos espectadores defenderem-se de conteúdos inapropriados, principalmente pela divulgação prévia de informações (inclusive quanto aos malefícios desses produtos) e pela apresentação em locais e em horários adequados, sem prejuízo de controle preventivo ou repressivo pelo Judiciário, em casos concretos, como se verá adiante.

Apesar da importância dos temas tratados nos dispositivos previstos no artigo 220, §§ 3º e 4º, é evidente a desnecessidade de cláusulas de permissão de tratamento legal, vez que a edição de lei infraconstitucional para a harmonização da liberdade de imprensa com outros direitos fundamentais igualmente tutelados pela ordem constitucional brasileira vigente independe dessa autorização.

Assim, os dispositivos em comento encontram-se, claramente, entre aqueles que podem ser revogados sem que exista qualquer violação à garantia prevista no artigo 60, § 4º, IV, da Constituição.


6. Regulamentação constitucional da propriedade dos meios de comunicação social: a proibição de oligopolização ou de monopolização (garantia do pluralismo) e as restrições da participação do capital estrangeiro nas empresas de comunicação social.

Em decorrência da imensa relevância do exercício da liberdade de imprensa, principalmente em razão da sua influência no processo democrático e de suas relações com o poder econômico, no próprio texto constitucional encontram-se normas que dispõem sobre a titularidade de empresas jornalísticas, inclusive das empresas de radiodifusão sonora e de sons e imagens.

Os meios de comunicação social impressos, nos termos do artigo 220, § 6º, da Constituição, estão abertos à exploração pelos particulares, pois independem de qualquer tipo de licença da autoridade[30].

A exploração dos serviços de radiodifusão sonora e de sons e imagens, por outro lado, nos termos do artigo 223 e parágrafos do texto constitucional, depende de outorga e de renovação de permissão, de concessão ou de autorização pelo Poder Executivo, com participação do Congresso Nacional, por prazos determinados; somente é possível o cancelamento de concessão ou de permissão, antes de vencido o prazo, por meio de decisão judicial[31].

Com relação à propriedade dos veículos de comunicação da rede mundial de computadores, não há dispositivos constitucionais[32].

Sobre o assunto, prescreve o texto constitucional de 1988, literalmente:

Artigo 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.

§ 6º A publicação de veículo impresso de comunicação independe de licença de autoridade.

Artigo 223. Compete ao Poder Executivo outorgar e renovar concessão, permissão e autorização para o serviço de radiodifusão sonora e de sons e imagens, observado o princípio da complementariedade dos sistemas privado, público e estatal.

§ 1º O Congresso Nacional apreciará o ato no prazo do artigo 64, §§ 2º e 4º, a contar do recebimento da mensagem.

§ 2º A não renovação da concessão ou permissão dependerá de aprovação de, no mínimo, dois quintos do Congresso Nacional, em votação nominal.

§ 3º O ato de outorga ou renovação somente produzirá efeitos legais após deliberação do Congresso Nacional, na forma dos parágrafos anteriores.

§ 4º O cancelamento da concessão ou permissão, antes de vencido o prazo, depende de decisão judicial.

§ 5º O prazo da concessão ou permissão será de dez anos para as emissoras de rádio e de quinze para as de televisão.

Essa diferença de tratamento ocorre principalmente por força do maior impacto social alcançado pelos meios de comunicação não escritos e também em razão da limitação técnica desses meios, vez que o espectro por meio do qual são transmitidas as ondas eletrônicas é limitado, sendo necessária a ordenação dessas transmissões, a fim de que não haja interferências umas nas outras[33].

Há, ainda, outras limitações à propriedade dos meios de comunicação social nos dispositivos constitucionais acima transcritos.

Inicialmente, vale transcrever o disposto no artigo 220, § 5º, da Constituição de 1988:

Artigo 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.

§ 5º Os meios de comunicação social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio.

Trata-se, sem dúvidas, de dispositivo salutar ao regime democrático, pois tem como clara finalidade a garantia do pluralismo[34].

Sobre o pluralismo, afirmam Jean Rivero e Hugues Moutouh que, alçado pelo Conselho Constitucional francês “à categoria de objetivo de valor constitucional e de ‘condição de democracia’”, traduz-se concretamente de duas maneiras: “de um lado, pela proibição das concentrações excessivas de empresas, do outro, pela segurança da preservação da diversidade dos pontos de vista expressos”[35].

As observações feitas pelos autores ao direito francês são plenamente aplicáveis ao direito brasileiro, vez que a proibição da concentração da propriedade das empresas de comunicação social, sem dúvidas, é essencial para a preservação do regime democrático.

Outro aspecto relevante para a efetivação do pluralismo dos meios de comunicação é a transparência (ou a existência de informações) sobre aqueles que exercem influência em relação a determinado meio de comunicação social (e, por isso, tem o poder de determinar seu conteúdo) e sobre o próprio conteúdo da programação. No direito brasileiro, ao contrário do que ocorre no direito francês[36], não há dispositivos específicos sobre o assunto[37].

Preocupa-se, igualmente, a Constituição com a abertura do exercício da liberdade de imprensa a estrangeiros, principalmente em razão do estreito relacionamento entre essa liberdade e o regime democrático. Nesse sentido, prescreve o artigo 222 da Constituição:

Artigo 222. A propriedade de empresa jornalística e de radiodifusão sonora e de sons e imagens é privativa de brasileiros natos ou naturalizados há mais de 10 (dez) anos, ou de pessoas jurídicas constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sede no País.

§ 1º Em qualquer caso, pelo menos 70% (setenta por cento) do capital total e do capital votante das empresas jornalísticas e de radiodifusão sonora e de sons e imagens deverá permanecer, direta ou indiretamente, a brasileiros natos ou naturalizados há mais de 10 (dez) anos, que exercerão obrigatoriamente a gestão das atividades e estabelecerão o conteúdo da programação.

§ 2º A responsabilidade editorial e as atividades de seleção e direção da programação veiculada são privativas de brasileiros natos ou naturalizados há mais de 10 (dez) anos, em qualquer meio de comunicação social.

§ 3º Os meios de comunicação social eletrônica, independentemente da tecnologia utilizada para a prestação do serviço, deverão observar os princípios enunciados no artigo 221, na forma de lei específica, que também garantirá a prioridade de profissionais brasileiros na execução de produções nacionais.

§ 4º Lei disciplinará a participação de capital estrangeiro nas empresas de que trata o § 1º.

§ 5º As alterações de controle societário das empresas de que trata o § 1º serão comunicadas ao Congresso Nacional.

Por força do texto constitucional acima transcrito, que teve sua redação determinada pela Emenda Constitucional nº 36/2002, a participação de capital estrangeiro em empresas de comunicação social é possível, mas submetida a uma série de limitações impostas pelo referido texto constitucional e, também, pela legislação[38].

Apesar do conteúdo das referidas normas constitucionais, na prática, grande parte das concessões, das permissões e das autorizações dos meios de comunicação social é ainda outorgada a poucos e a determinados grupos, os quais exploram, concomitantemente, os serviços de jornal, de rádio e de televisão, ocasionando um fenômeno de concentração denominado “propriedade cruzada”, amplamente combatido em países como Estados Unidos e França, mas que, no Brasil, propicia uma espécie de “coronelismo eletrônico”[39].

Uma atuação mais efetiva do Poder Judiciário, provocado pelo Ministério Público, pela Defensoria Pública ou por outros legitimados para a tutela dos denominados interesses difusos, seria determinante para o respeito a esses limites impostos ao exercício da liberdade de imprensa.


7. Intimidade, vida privada, honra, imagem e outros direitos fundamentais tutelados.

A Constituição de 1988, inovando na história constitucional brasileira, consagra, genericamente, a proteção à intimidade, à vida privada, è honra e à imagem.

Os textos constitucionais anteriores limitavam-se a proteger “aspectos da esfera reservada dos indivíduos”, como a inviolabilidade de domicílio e de correspondência, e o direito genérico à intimidade ou à vida privada era extraído “dos princípios informativos do sistema constitucional, já que o nosso Direito Constitucional positivo republicano sempre admitiu a possibilidade de haver direitos implícitos, não fazendo dos direitos explícitos um rol taxativo”[40].

A inexistência de previsão expressa não se deu em razão de se entender inexpressivos os referidos direitos. Segundo Fernanda Dias Menezes de Almeida e Anna Candida da Cunha Ferraz, “o que talvez não sugerisse a necessidade de destaque especial para tais direitos terá sido o fato de que ainda não se vivia, com a intensidade atual, o constante e quase irreprimível risco de invasão de privacidade trazido pelo vertiginoso pregresso da moderna tecnologia”[41].

Dessa forma, prescreve o artigo 5º, X, da Constituição de 1988:

Artigo 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.

Nos termos do texto constitucional de 1988, intimidade, vida privada, honra e imagem, ao lado da liberdade de imprensa, são direitos fundamentais constitucionalmente protegidos. Ocorre que, no plano das relações sociais, o exercício da liberdade de imprensa, aparentemente, “suscita colidência” ou, em outras palavras, possui “intrínseca vocação conflitual” em relação aos direitos à intimidade, à vida privada, à honra ou à imagem[42].

A fim de que se possa analisar de que forma todos esses direitos são, a um só tempo, de maneira conciliatória, tutelados pela ordem constitucional brasileira, inicialmente, faz-se necessário apresentar, ainda que sucintamente, os direitos à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem.

Intimidade e vida privada possuem conteúdos muito próximos, pois ambas contrapõem-se à esfera pública da vida de uma pessoa, a qual se desenvolve “diante dos olhos de todos”, “sempre em face de um público indeterminado, do qual não se conhece, na maioria dos casos, nem mesmo o nome”; a distinção entre ambas, contudo, não é fácil de se identificar[43].

Costuma-se afirmar que a intimidade inclui-se na vida privada, sem, contudo, confundirem-se. Nessa linha, a vida privada representa o âmbito que alguém reserva para si e para aqueles mais próximos, integrantes de grupos determinados e escolhidos (familiares, amigos, colegas de trabalho, entre outros); a intimidade, por sua vez, é o âmbito exclusivo que alguém reserva para si, e para mais ninguém, nem mesmo para aqueles mais próximos[44].

Assim, são descabidas quaisquer intromissões nas esferas íntimas e privadas da pessoa, tanto por parte de outros indivíduos alheios aos grupos determinados e escolhidos pelo titular do direito, quanto por parte do próprio poder público[45].

É verdade que, apesar de ser doutrinariamente fácil a distinção entre intimidade, vida privada e vida pública, na prática, as linhas que as dividem são bastante difíceis de serem traçadas, principalmente porque variam de pessoa para pessoa, a depender, por exemplo, da atividade profissional por esta realizada[46]. A delimitação do âmbito de proteção dos direitos à intimidade e à vida privada deve ser feita no caso concreto, sendo possível apenas estipular alguns critérios norteadores dessa atividade de interpretação.

A respeito do segredo da vida privada e da vida íntima, leciona Manoel Gonçalves Ferreira Filho:

Não é fácil conciliar o direito ao segredo com a liberdade de informação e o direito de informar. Um critério inicial está na finalidade perseguida pela busca da informação e pela relevância da informação a divulgar. Se a procura de informações concerne a personalidades “públicas”, como políticos – pode-se aceitar que prevaleça contra o segredo o direito de informar-se como meio para o exercício do direito de informar. Com efeito, fatos de sua vida privada podem ser reveladores de seu caráter ou personalidade e assim serem relevantes para a formação da opinião.

Entretanto – insista-se –, isso somente se justifica se o fato for significativo para a formação da opinião pública. Exclui-se totalmente o que disser respeito à vida íntima. Na prática, porém, é tênue a fronteira entre o que é relevante e o que é bisbilhotice ou “fofoca”[47].

Registre-se, por oportuno, que todo aquele que, por qualquer motivo, venha a tomar conhecimento sobre fato pertencente à intimidade ou à vida privada de qualquer pessoa tem o dever de manter sigilo a respeito[48], pois o titular do direito à intimidade ou à vida privada possui o correlato direito ao segredo, que lhe garante a impossibilidade de exposição pública do bem inviolável[49]; isso porque, no âmbito dos direitos individuais, “o sigilo é a regra e a sua quebra constitui exceção”[50].

Com relação ao direito à honra, igualmente tutelado pelo artigo 5º, X, da Constituição, costuma a doutrina analisá-lo em duas dimensões: a interna (honra subjetiva), relacionada à auto-estima, e a externa (honra objetiva), relacionada à reputação[51].

Assim como no âmbito constitucional, o direito à honra recebe proteção no âmbito infraconstitucional, seja na esfera civil, seja na penal; no que tange à tutela penal infraconstitucional, observe-se que a Lei nº 5250/67, lei de imprensa declarada não recepcionada pela Constituição de 1988, tipificava os crimes de calúnia, injúria e difamação ocorridos no exercício da atividade de imprensa[52].

Ainda com relação ao direito à honra, aduz Claudio Luiz Bueno de Godoy que a proteção a esse direito permanece mesmo após o óbito de seu titular (tutela post mortem), cabendo aos familiares a tomada das medidas jurídicas necessárias. Registre-se, igualmente, que vem sendo reconhecido às pessoas jurídicas apenas o direito à honra objetiva[53].

No que tange ao direito à imagem, pode-se afirmar que representa atributo próprio do ser humano, que o distingue no meio social em que vive (do que decorre a sua identidade nesse meio social[54]). A tutela do direito à imagem abrange não apenas os seus atributos físicos[55], mas alberga, da mesma forma, o “retrato moral” da pessoa, física ou jurídica, no que se denomina “imagem-atributo”, não se confundindo esta com a tutela da honra objetiva[56]. Outro traço da autonomia do direito à imagem encontra-se na possibilidade de seu titular negociar alguns de seus “efeitos reflexos, de índole econômico-patrimonial”; por fim, pode-se afirmar que o direito à imagem merece tutela jurídica, mesmo após o falecimento de seu titular[57].

Por fim, outros direitos fundamentais igualmente previstos e tutelados pela ordem jurídica brasileira podem ser apresentados como limites ao exercício da liberdade de imprensa. Entre eles, podem ser mencionados o sigilo das comunicações, o sigilo dos dados, a inviolabilidade de domicílio[58], a proibição de divulgação de informações obtidas por meios ilícitos (decorrente da proibição de produção de provas obtidas por meios ilícitos)[59] ou alguns limites ao dever de publicidade estatal, como os esculpidos nos artigos 5º, XXXIII e LX, e 93, IX, da Constituição[60].

Deve-se registrar, por outro lado, o entendimento contrário do Supremo Tribunal Federal, sedimentado na Arguição de descumprimento de preceito fundamental nº 130:

3. O CAPÍTULO CONSTITUCIONAL DA COMUNICAÇÃO SOCIAL COMO SEGMENTO PROLONGADOR DE SUPERIORES BENS DE PERSONALIDADE QUE SÃO A MAIS DIRETA EMANAÇÃO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA: A LIVRE MANIFESTAÇÃO DO PENSAMENTO E O DIREITO À INFORMAÇÃO E À EXPRESSÃO ARTÍSTICA, CIENTÍFICA, INTELECTUAL E COMUNICACIONAL. TRANSPASSE DA NATUREZA JURÍDICA DOS DIREITOS PROLONGADOS AO CAPÍTULO CONSTITUCIONAL SOBRE A COMUNICAÇÃO SOCIAL. O art. 220 da Constituição radicaliza e alarga o regime de plena liberdade de atuação da imprensa, porquanto fala: a) que os mencionados direitos de personalidade (liberdade de pensamento, criação, expressão e informação) estão a salvo de qualquer restrição em seu exercício, seja qual for o suporte físico ou tecnológico de sua veiculação; b) que tal exercício não se sujeita a outras disposições que não sejam as figurantes dela própria, Constituição. A liberdade de informação jornalística é versada pela Constituição Federal como expressão sinônima de liberdade de imprensa. Os direitos que dão conteúdo à liberdade de imprensa são bens de personalidade que se qualificam como sobredireitos. Daí que, no limite, as relações de imprensa e as relações de intimidade, vida privada, imagem e honra são de mútua excludência, no sentido de que as primeiras se antecipam, no tempo, às segundas; ou seja, antes de tudo, prevalecem as relações de imprensa como superiores bens jurídicos e natural forma de controle social sobre o poder do Estado, sobrevindo as demais relações como eventual responsabilização ou consequência como pleno gozo das primeiras. A expressão constitucional “observado o disposto nesta Constituição” (parte final do art. 220) traduz a incidência dos dispositivos tutelares de outros bens de personalidade, é certo, mas como consequência ou responsabilização pelo desfrute da “plena liberdade de informação jornalística” (§ 1º do mesmo art. 220 da Constituição Federal)[61].

Apesar do posicionamento do Supremo Tribunal Federal acima transcrito, deve-se entender que todos esses direitos igualmente tutelados pela ordem jurídica brasileira, ao lado da liberdade de imprensa, com esta devem ser compatibilizados, pois, insista-se, por mais importante que seja determinado direito, não há direito absoluto[62].

A análise individualizada desses outros direitos tutelados pela Constituição de 1988 fugiria, contudo, ao escopo deste trabalho, vez que cada um deles merece um estudo próprio.

De uma maneira geral, a liberdade de imprensa e os demais direitos fundamentais tutelados pela ordem constitucional brasileira podem ser harmonizados, em um primeiro momento, pelo legislador ordinário (limites reflexos à liberdade de imprensa) e, em um segundo momento, pelo Juiz (limites em casos concretos). Essas formas pelas quais os direitos fundamentais são harmonizados serão analisadas nos dois itens seguintes.


8. Limites legais expressos e limites legais reflexos à liberdade de imprensa.

Até o momento, pode-se observar que a ordem constitucional brasileira assegura, ao lado da liberdade de imprensa, outros direitos de igual relevância, cujas regulamentações devem ser compatibilizadas, tendo em vista que nenhum deles pode ser exercido de forma absoluta.

Em um primeiro momento, em um Estado Democrático de Direito como o brasileiro (artigo 1º da Constituição de 1988), essa harmonização deve ser realizada pelo Legislativo, por meio da positivação de normas jurídicas infraconstitucionais, observando-se que a própria Constituição já procede dessa maneira ao prever dispositivos como o da vedação do anonimato ou o de proibição de oligopolização e de monopolização das empresas de comunicação social.

Essa harmonização feita expressa e diretamente pela norma jurídica, constitucional ou infraconstitucional, não causa espanto em nossa cultura jurídica. Pode-se dizer, nesse sentido, que o próprio legislador, constituinte ou ordinário, realiza um trabalho de sopesamento dos valores envolvidos, predeterminando algumas soluções em situações de conflitos em potencial[63].

Podem existir, da mesma forma, normas jurídicas que, com a finalidade de tutelar ou de regulamentar o exercício de outros direitos que não a liberdade de imprensa, apresentem limites indiretos ou reflexos a esta liberdade. Essa possibilidade encontra respaldo, em princípio, no artigo 220, § 1º, da Constituição, que determina que “nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV”.

Todavia, por força do princípio da unidade da Constituição e da máxima efetividade dos direitos fundamentais, outros direitos fundamentais igualmente tutelados pela ordem constitucional brasileira devem ser observados editando-se, para tanto, normas regulamentadoras, as quais podem, eventualmente, interferir indiretamente no exercício da liberdade de imprensa, limitando-o.

Entre outras situações, pode ocorrer, a título exemplificativo, que uma norma jurídica proíba a instalação de transmissores de sinal de determinado meio de comunicação social que possivelmente causem danos à saúde da comunidade local[64]; a finalidade da referida norma é, claramente, a tutela da saúde pública (que é direito fundamental igualmente protegido pela ordem constitucional, em seus artigos 6º, 196 e seguintes), e não a simples limitação da liberdade de imprensa. Sobre o assunto, asseveram Gilmar Mendes, Inocêncio Coelho e Paulo Branco:

Leis de índole geral, que não tenham como objetivo a restrição às mensagens e às ideias transmitidas pelo indivíduo, podem também interferir, indiretamente, sobre a liberdade de exprimi-las. Assim, leis sobre segurança das vias de tráfego ou de proteção ao patrimônio ambiental ou turístico podem ter impacto restritivo sobre a liberdade de expressão, embora perseguindo objetivos outros, perfeitamente legítimos. A lei que proíbe o uso de buzina em frente a hospitais não tem por meta atingir a liberdade de opinião política, mas terá repercussão sobre a decisão de se promover, nas imediações de estabelecimentos médicos, um buzinaço de protesto. Lei que proíbe o uso de outdoors em certas regiões, para preservar a visibilidade de áreas privilegiadas por motivos de segurança de tráfego ou paisagístico, tampouco atrairá uma imediata censura de inconstitucionalidade. Procede-se, nesses casos, a uma concordância prática entre valores em conflito, para assegurar a legitimidade da lei que tem por efeito colateral a interferência sobr eo exercício da liberdade de expressão. O teste de validade da lei não exige crtérios particularmente estritos, bastando que a deliberação legislativa se revele razoável.

O teste da razoabilidade deve atender aos critérios informadores do princípio da proporcionalidade (adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito). Merecerá crítica a lei que não responder ao requisito da necessidade – vale dizer, se for imaginável outra medida que renda o resultado esperado, mas com menor custo para o indivíduo[65].

Em situações como essas, as normas jurídicas que apresentem limites à liberdade de imprensa apenas como efeito colateral devem passar pela mesma análise de compatibilidade com a ordem constitucional – controle de constitucionalidade, em abstrato ou em concreto – à qual se sujeitam as normas de conteúdo limitativo direto e expresso a essa liberdade[66].


9. Limites em casos concretos.

Afirma-se, sem grandes dificuldades, que, na ordem jurídica brasileira, o exercício da liberdade de imprensa não está sujeito à censura. A proibição da censura é garantia expressamente esculpida nos artigos 5º, IX, e 220, § 2º, da Constituição. Deve-se analisar, contudo, se a garantia de proibição de censura é absoluta ou se há situações em que se pode limitar previamente o exercício da liberdade de imprensa.

Não há dúvidas de que o exercício da liberdade de imprensa não é absoluto. No próprio texto constitucional, há limites ao seu exercício, como por ocasião de decretação de estado de sítio; essas limitações em abstrato da liberdade de imprensa somente são admitidas nas hipóteses expressamente previstas no texto constitucional.

A dúvida está em saber se é possível a restrição prévia, por meio de decisão judicial, ao exercício da liberdade de imprensa em casos concretos em que há iminência de extrapolação dos limites impostos pela ordem jurídica ou se a liberdade de imprensa, em princípio, é exercida de maneira incondicional, garantindo-se, apenas ulteriormente, a reparação de danos eventualmente ocorridos.

A resposta mais condizente com a necessidade de máxima proteção dos direitos fundamentais parece ser a que permite a tutela prévia desses direitos, em situações excepcionais em que se possa prever a sua violação. Insista-se que essa solução é somente possível em situações nas quais a violação a um direito é certa, consideradas as especificidades do caso concreto, sendo impossível a restituição da vítima a sua situação anterior, caso efetivamente ocorra o dano, vez que, por mais que haja o pagamento de uma indenização pecuniária, por vezes, o dano é irreversível; esse controle jurisdicional não se confunde com censura[67].

Deve-se registrar, por outro lado, entendimento contrário do Supremo Tribunal Federal, consolidado no julgamento da arguição de descumprimento de preceito fundamental nº 130, na qual se afirma que “não há liberdade de imprensa pela metade ou sob as tenazes da censura prévia, inclusive a procedente do Poder Judiciário, pena de se resvalar para o espaço inconstitucional da prestidigitação jurídica”[68].

Em que pese o entendimento acima transcrito do Supremo Tribunal Federal, deve-se entender que, em aplicação ao princípio da inafastabilidade, esculpido no artigo 5º, XXXV, da Constituição, em situações de iminente violação a outros direitos, pode ser admitida, excepcionalmente, a possibilidade de restrição ao exercício da liberdade de imprensa, por decisão judicial, em obediência ao princípio constitucional do devido processo legal[69].


10. Estado de sítio.

Situação expressa de limitação ao exercício da liberdade de imprensa encontra-se prevista no artigo 139, III, da Constituição, que dispõe literalmente:

Artigo 139. Na vigência do estado de sítio decretado com fundamento no artigo 137, I, só poderão ser tomadas contra as pessoas as seguintes medidas:

III – restrições relativas à inviolabilidade da correspondência, ao sigilo das comunicações, à prestação de informações e à liberdade de imprensa, radiodifusão e televisão, na forma da lei.

A decretação do estado de sítio, que pode ocorrer apenas nas situações excepcionais previstas na própria Constituição[70], importa na “suspensão temporária e localizada de garantias constitucionais”; importante, assim, reforçar a ideia de que há suspensão apenas das garantias dos direitos fundamentais, e não desses direitos[71].

As limitações impostas ao exercício da liberdade de imprensa em razão da decretação do estado de sítio devem estar expressas no decreto do Presidente da República, o que inclui a obrigatoriedade de indicação de sua limitação temporal, espacial, bem como com relação às medidas as quais poderão ser tomadas pela autoridade pública responsável pela sua execução; toda autoridade pública, além de não poder ampliar a adoção de medidas, está sujeita a responsabilização judicial (civil e penal) e política, em relação a seus atos praticados durante o período de vigência do estado de sítio[72].

Trata-se, assim, de evidente limitação ao exercício da liberdade de imprensa, mas que apenas pode ocorrer em situações excepcionais e desde que observadas uma série de condições expressas pelo texto constitucional.


11. Princípio democrático e dever estatal de publicidade.

Em todo Estado democrático, existe um direito daqueles que são titulares do poder político estatal de saber de que maneira esse poder está sendo exercido por seus representantes; em contrapartida a esse direito, existe um dever de publicidade, indispensável para que seja possível o controle desses atos estatais, limitando-se, dessa forma, o exercício dessa liberdade pelo Estado.

No texto constitucional brasileiro de 1988, esse dever estatal de publicidade está previsto, como princípio geral, no caput do artigo 37 e, como dever estatal específico, no artigo 5º, XXXIII:

Artigo 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte.

Artigo 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

XXXIII – todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado.

A divulgação de informações relacionadas à forma pela qual o poder político estatal é exercido no âmbito de todos os Poderes (Executivo, Legislativo[73] e Judiciário, incluídas as Funções Essenciais à Justiça), em todos os níveis federativos, é de interesse geral e indubitavelmente de extrema importância para o processo democrático[74].

Nesse sentido, importante decisão do Supremo Tribunal Federal, cuja ementa se transcreve:

DIREITO DE ACESSO A DOCUMENTOS PÚBLICOS. PRERROGATIVA DE ÍNDOLE CONSTITUCIONAL (CF, ART. 5º, XXXIII). DOCUMENTOS COMPROBATÓRIOS DE DESPESAS PÚBLICAS. VERBA INDENIZATÓRIA DO EXERCÍCIO PARLAMENTAR. IMPRENSA. PRETENSÃO DE ACESSO A TAIS DOCUMENTOS. LEGITIMIDADE. MEIOS DE COMUNICAÇÃO SOCIAL. PODER-DEVER DE TRANSMITIR, AO PÚBLICO, INFORMAÇÕES DE INTERESSE COLETIVO OU GERAL (CF, ART. 220, § 1º, C/C O ART. 5°, IV E XIV). LIMINAR MANDAMENTAL DEFERIDA[75].

Pode-se afirmar, assim, que, no âmbito das funções públicas, de forma oposta ao que ocorre no âmbito dos direitos individuais, a aplicação do princípio da publicidade é a regra, o que torna excepcional a existência do sigilo; forte nessa premissa, Maria Sylvia Zanella Di Pietro ainda sustenta que as referidas exceções somente podem ser previstas por normas de natureza constitucional[76], entre as quais estariam, por exemplo, os dispostos nos artigos 5º, XXXIII e LX, e 93, IX[77]. Essas exceções impõem-se, indubitavelmente, como limites constitucionais ao exercício da liberdade de imprensa.

Nesse diapasão, as relações entre princípio democrático e dever estatal de publicidade são apontadas por Walber de Moura Agra, nos seguintes termos:

O direito à informação por parte dos órgãos públicos é um dos instrumentos que permite a realização do princípio da publicidade, princípio esse que tem função preponderante nas atividades da administração, devendo nortear todos os seus atos. A informação é um direito subjetivo do cidadão porque permite a fiscalização dos atos governamentais e permite a transparência no trato da coisa pública. Entretanto, o direito à informação pode sofrer restrições quando colocar em perigo a segurança da sociedade e do Estado[78].

Na prática, como decorrência dessa determinação constitucional de publicidade das atividades dos Poderes Executivo, Judiciário e Legislativo, a criação de assessorias de imprensa, de coordenadorias de comunicação social ou de outros órgãos internos equivalentes, incumbidos de manter relacionamento constante com a imprensa, prestando-lhe esclarecimentos ou transmitindo-lhe notícias de interesse estatal ou de interesse da coletividade[79]. A inexistência de divulgação de informações sobre o exercício das diversas atividades estatais ou a divulgação de notícias inverídicas ou incorretas sobre o exercício dessas atividades podem acarretar o descrédito do Estado[80].

Com esses mesmos objetivos, podem ser apontados alguns canais de televisão, como a TV Justiça, a TV Câmara ou a TV Senado, que trazem, ao lado de programas temáticos, sobre assuntos de interesse geral, como relações de consumo ou relações de trabalho, verdadeiros noticiários das atividades de seus membros, ou mesmo alguns sítios da rede mundial de computadores, como o da Presidência da República ou dos Tribunais Superiores, que permitem amplo acesso ao conteúdo dos atos normativos ou a outras atividades oficiais. A possibilidade de se assistir, em tempo real, a sessões de julgamento do Judiciário ou a sessões planárias do Legislativo parece evidenciar a efetivação do princípio democrático e do dever estatal de publicidade, ainda mais se considerada a proibição relativamente recente, trazida pela Constituição de 1967, de publicação dos debates parlamentares.


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Notas

[1] Esses abusos não são novidade; Melvin L. DeFleur e outra, Teorias, p.72-73, relatam uma “monstruosa influência para a degeneração social”, denominada “jornalismo amarelo”, ocorrida nos Estados Unidos, no final do século XIX, e operada em razão da disputa pelo público; sobre o assunto, afirmam os referidos autores que, “de forma mais generalizada, dessas experiências do jornal surgiu uma série de princípios institucionalizados que, de uma ou outra forma, ajudaram a esclarecer os papeis, responsabilidades e normas de ação dos veículos de comunicação que vieram a seguir”.

[2] Cf. A comunicação social, p.5.

[3] Cf. George Marmelstein, Curso, p.115. Cf., ainda, sobre limitações à liberdade de expressão, em lições igualmente aplicáveis à liberdade de imprensa, Geraldo Brindeiro, A liberdade de expressão. Cf. também José Henrique Rodrigues Torres, A censura, p.26, Antônio Chaves, Imprensa, p.31-33, Eládio Torret Rocha, Ética, p.81..

[4] Cf. Luís Roberto Barroso, Colisão, p.27.

[5] Cf., também, na União Europeia, Tanísia Martini Vilariño, Direito da comunicação, p.392, em análise de dispositivos da Convenção Europeia para Proteção dos Direitos Humanos; nos dispositivos analisados, há possibilidade de limitação excepcional à liberdade de imprensa, com fundamento nas necessidades de segurança nacional, de segurança pública, de defesa da ordem, para prevenção de crimes, para proteção da saúde, da moral e dos direitos da pessoa, que são “noções tão amplas que somente a jurisprudência vai efetivamente determinar seu alcance”.

[6] Cf. Colisão, p.22-23. Cf., ainda, Alexandre de Moraes, Liberdade de imprensa, p.15, Alcyone Barreto, Direito de resposta, p.10, Eládio Torret Rocha, Ética, p.82-83.

[7] Cf. Curso, p.414-415. Nesse sentido, com relação às pessoas públicas, a jurisprudência norte-americana, em especial no caso Sullivan, julgado em 1964; sobre essa decisão, cf. Catherine McGlone, New York Times, Owen M. Fiss, A ironia, e Ronald Dworkin, O direito da liberdade, p.261-415.

[8] Cf. Luís Roberto Barroso, Colisão, p.23.

[9] Para uma ideia da dificuldade da identificação do que se deve entender por verdade, cf. Alaôr Caffé Alves, Lógica, p.78-132.

[10] Cf. Luís Roberto Barroso, Colisão, p.25. Cf., ainda, Lucia Helena Polleti Bettini, Comunicação social, p.212, Honildo Amaral de Mello Castro, Poder Judiciário, p.213-214. No direito norte-americano, cf. Ronald Dworkin, O direito da liberdade, p.267-310.

[11] Cf. Luiz Fernando Ribeiro de Carvalho, Uso indevido, p.38-39. Cf., ainda, Antônio Chaves, Imprensa, p.31-33, no qual se encontra exemplo de julgado do Tribunal Federal da Alemanha que condenou e jornal de sindicato que se referia a empresário tipo por anti-social como “degolador”.

[12] Cf. Alexandre de Moraes, Liberdade de imprensa, p.15, Luiz Alberto David Araújo e outro, Curso, p.170.

[13] “É livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”.

[14] Cf. Constituição federal, p.432.

[15] Cf. Patrícia Peck Pinheiro, Direito digital, p.84-86.

[16] Cf. Luiz Alberto David Araújo e outro, Curso, p.536-537.

[17] Cf. Curso, p.417-418.

[18] Cf. Competências, p.27-28.

[19] Para uma discussão sobre a pornografia e a liberdade de imprensa, cf. Ronald Dworkin, O direito da liberdade, p.363-389.

[20] Para uma análise sobre o descumprimento do artigo 221 da Constituição pelas empresas de comunicação social , cf. José Afonso da Silva, Comentário, p.825-826, Almir de Lima Pereira, Os limites, p.13-15, Sálvio de Figueiredo Teixeira, A imprensa, p.235-236.

[21] Principalmente, e não exclusivamente, vez que a lei pode regulamentar a aplicação desses princípios, devendo a decisão judicial, nesses casos, obedecê-la.

[22] Registre-se, nesse ponto, tentativa de regulamentação do disposto no artigo 221 da Constituição pelo decreto nº 7.037/09, que instituiu o Programa Nacional de Direitos Humanos – PNDH-3.

A Diretriz nº 22 desse Programa (que dispõe sobre a “garantia do direito à comunicação democrática e ao acesso à informação para consolidação de uma cultura em Direitos Humanos”), entre suas ações programáticas, propunha “a criação de marco legal regulamentando o art. 221 da Constituição, estabelecendo o respeito aos Direitos Humanos ns serviços de radiodifusão (rádio e televisão) concedidos, permitidos ou autorizados, como condição para sua outorga e renovação, prevendo penalidades administrativas como advertência, multa, suspensão da programação e cassação, de acordo com a gravidade das violações praticadas”; como responsáveis por essa ação programática constavam o Ministério das Comunicações, a Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República, o Ministério da Justiça e o Ministério da Cultura. Esse dispositivo, revogado pelo decreto nº 7.177/10, padecia, todavia, de inconstitucionalidade, vez que, pela ordem constitucional brasileira, não se pode atribuir a órgãos da esfera administrativa as competências mencionadas no dispositivo acima transcrito.

Merece destaque, ainda na Diretriz nº 22 desse Programa, a ação programática também revogada pelo decreto nº 7.177/10, que previa a elaboração de “critérios de acompanhamento editorial a fim de criar ranking nacional de veículos de comunicação comprometidos com os princípios de Direitos Humanos, assim como os que cometerem violações”, a cargo do Ministério das Comunicações, da Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República, da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República, da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres da Presidência da República, do Ministério da Cultura e do Ministério da Justiça. A ideia de criação de uma lista, em princípio, além de bastante interessante, parece não ofender à ordem constitucional relativa aos meios de comunicação social, vez que se trataria de elaboração de lista meramente indicativa, sem qualquer consequência prática imediata aos veículos de comunicação nela constantes (diferente do dispositivo acima comentado, que previa a aplicação de sanções administrativas). Ocorre que, para a elaboração dessa lista, é necessária uma análise conclusiva sobre eventuais violações a direitos humanos, a ser realizada por um dos órgãos administrativos acima indicados. É justamente essa avaliação administrativa, sem necessária análise pelo Poder Judiciário, sob o crivo do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal, e, portanto, sem a existência de coisa julgada, que parece ser contrária ao princípio constitucional da justicialidade ou da ubiquidade.

Outras ações programáticas previstas pelo Programa Nacional de Direitos Humanos, como as que preveem a promoção de “diálogo com o Ministério Público para proposição de ações objetivando a suspensão de programação e publicidade atentatórias aos Direitos Humanos” ou a suspensão de “patrocínio e publicidade oficial em meios que veiculam programações atentatórias aos Direitos Humanos”, são bastante interessantes e podem ser muito relevantes para a efetivação da liberdade de imprensa, se exercidas sem abusos ou deturpações.

[23] Cf. Direito da comunicação, p.398-399.

[24] Cf. Direito da comunicação, p.405.

[25] Cf. Homo videns, p.24; em folha 23, Sartori explica que o termo grego Paidèia significa a formação da criança.

[26] Cf. Luiz Alberto David Araújo e outro, Curso, p.537.

[27] Importante registrar, segundo Rivero e Moutouh, Liberdades públicas, p.552-553, que, no direito francês, por força de decisão do Conselho Constitucional (CC, 10 e 11 de outubro de 1984, Entreprises de presse), o legislador ordinário somente pode regulamentar o exercício da liberdade de comunicação “com o intuito de torná-lo mais efetivo ou de conciliá-lo com aquele de outras regras ou princípios de valor constitucional”. Essa afirmação implica em dizer que, no direito francês, qualquer limitação à liberdade de comunicação somente pode ser efetivada pela própria Constituição ou com fundamento nela; assim também deve ser no direito brasileiro.

[28] Cf. Giovanni Sartori, Homo videns, p.49.

[29] Cf. Curso, p.410. Cf., ainda, Cláudio Lembo, As pessoas, p.183. Em sentido oposto, sustentando a possibilidade de censura de conteúdos pornográficos, com fundamento no artigo 220, § 3º, I, da Constituição, pois insuficiente a mera classificação, para efeito indicativo, cf. Ruy Rodrigo Brasileiro de Azambuja, A censura, p.379-381.

[30] Assim também no direito francês (cf. Jean Rivero e outro, Liberdades públicas, p.562, Jacques Robert e outro, Droits de l’homme, p.723).

[31] No direito francês, por exemplo, desde o fim do monopólio estatal em 1982, há coexistência dos setores público e privado no setor de comunicação audiovisual (cf. Tanísia Martini Vilariño, Direito da comunicação, p.389).

[32] No direito francês, nas palavras de Tanísia Martini Vilariño, Direito da comunicação, p.389, “a sua regulamentação não está sendo desenvolvida sob uma nova ótica, mas, como no caso do rádio e da televisão, pela extrapolação das regras aplicáveis às outras vias de comunicação, adaptadas às particularidades desse meio de comunicação”.

[33] Sobre os aspectos técnicos, cf. Malvin L. DeFleur e outra, Teorias, p.113-138.

[34] Importante registrar que, na França, há subvenções estatais concedidas aos meios de comunicação impressos para lhes garantir condições econômicas de funcionamento (cf. Tanísia Martini Vilariño, Direito da comunicação, p.399).

[35] Cf. Liberdades públicas, p.553. Cf., ainda sobre a garantia do pluralismo, Luiz Alberto David Araújo e outro, Curso, p.536, Tanísia Martini Vilariño, Direito da comunicação, p.393.

[36] Cf. Louis Favoreu e outros, Droit constitutionnel, p.922-924, Tanísia Martini Vilariño, Direito da comunicação, p.394.

[37] Seria de grande valor para a efetivação da transparência dos meios de comunicação social que estes fossem obrigados, por força de lei (de lege ferenda), a divulgar, periodicamente, quem são os seus “maiores investidores”, além, obviamente, de divulgar em todas as suas edições (o que já ocorre) quem são os responsáveis técnicos (diretor, editor, entre outros).

[38] Há, no direito francês, a mesma preocupação (cf. Jean Rivero e outro, Liberdades públicas, p.564).

[39] Cf. Bernardo Kucinski, Imprensa, p.8-9, Cláudio Camargo, O meio, p.271. Cf., ainda, Roberto Amaral, Imprensa, p.206, que atribui ao fenômeno a denominação “monopólio em cruz”.

[40] Cf. Fernanda Dias Menezes de Almeida e outra, A comunicação social, p.9.

[41] Cf. A comunicação social, p.8-9. Cf., ainda, Manoel Gonçalves Ferreira Filho, Aspectos, p.293, Luiz Alberto David Araújo, Direitos da personalidade, p.260, Luís Francisco Carvalho Filho, Liberdade de imprensa, p.17.

[42] Cf. Claudio Luiz Bueno de Godoy, A liberdade de imprensa, p.27. Nesse mesmo sentido, cf. Luís Francisco Carvalho Filho, Liberdade de imprensa, p.18, Silvio Henrique Vieira Barbosa, Informação, p.71.

[43] Cf. Manoel Gonçalves Ferreira Filho, Aspectos, p.296.

[44] Cf. Manoel Gonçalves Ferreira Filho, Aspectos, p.296. Cf., ainda, Claudio Luiz Bueno de Godoy, A liberdade de imprensa, p.38-40, Luiz Alberto David Araújo e outro, Curso, p.173-174.

[45] Cf. Fernanda Dias Menezes de Almeida e Anna Candida da Cunha Ferraz, A comunicação social, p.10.

[46] Cf. Claudio Luiz Bueno de Godoy, A liberdade de imprensa, p.40, Manoel Gonçalves Ferreira Filho, Aspectos, p.300-301, Antônio Chaves, Imprensa, p.33-34, Luís Roberto Barroso, Colisão, p.13-14.

[47] Cf. Manoel Gonçalves Ferreira Filho, Aspectos, p.300-301. Transcrevo nota relativa à utilização da palavra “fofoca”: “O emprego desta palavra num trabalho jurídico certamente causará escândalo. Já está ela, porém, no dicionário (Aurélio). Uso-a porque me parece insubstituível. Exprime o desejo de divulgar ou comentar algo mais ou menos picante a respeito de outra pessoa, de que poucos sabem”. Nesse sentido, cf. também relevante decisão do Supremo Tribunal Federal, no Mandado de Segurança nº 24.832/DF, denominado “Caso Law Kin Chong”, bem como os comentários de Fernanda Dias Menezes de Almeida e Anna Candida da Cunha Ferraz, A comunicação social, p.28-31; no referido caso, o Supremo Tribunal Federal afastou a alegação do impetrante, o comerciante Law Kin Chong, de possibilidade iminente de violação de seu direito à imagem, e permitiu a transmissão, pelos meios de comunicação social, de seu depoimento na Comissão da pirataria, tendo em vista o interesse público na transparência das atividades parlamentares, em especial nas de investigação. Cf., ainda, Alexandre de Moraes, Liberdade de imprensa, p.15.

[48] Segundo Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Alcance do princípio da publicidade, p.209, incluem-se nessa regra de sigilo quaisquer órgãos ou entidades públicas que, no exercício de funções estatais de fiscalização, controle ou repressão, tomem conhecimento de aspectos da intimidade ou da vida privada das pessoas totalmente alheios aos objetivos das referidas atividades estatais; inclusive o Poder Judiciário, o Poder Legislativo, os Tribunais de Contas, o Ministério Público, a Defensoria Pública e as Procuradorias, no exercício regular de suas atividades públicas, devem guardar sigilo (cf. Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Alcance do princípio da publicidade, p.214-215).

[49] Cf. Fernanda Dias Menezes de Almeida e Anna Candida da Cunha Ferraz, A comunicação social, p.10.

[50] Cf. Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Alcance do princípio da publicidade, p.204.

[51] Cf. Claudio Luiz Bueno de Godoy, A liberdade de imprensa, p.28-29, Luiz Alberto David Araújo e outro, Curso, p.176-177.

[52] O tema da tutela penal será mais bem trabalhado no item específico sobre a responsabilidade penal.

[53] Cf. A liberdade de imprensa, p.33-34.

[54] Cf. Luiz Alberto David Araújo e outro, Curso, p.177.

[55] Direito que protege igualmente partes do corpo, desde que identificáveis, como olhos ou vozes (cf. Luiz Alberto David Araújo e outro, Curso, p.177).

[56] Cf. Claudio Luiz Bueno de Godoy, A liberdade de imprensa, p.34-36. Cf., ainda, Luiz Alberto David Araújo, Direitos da personalidade, p.260-262, Antônio Chaves, Imprensa, p.29-31, Luiz Alberto David Araújo e outro, Curso, p.177.

[57] Cf. Claudio Luiz Bueno de Godoy, A liberdade de imprensa, p.36-38.

[58] Cf. Fernanda Dias Menezes de Almeida e Anna Candida da Cunha Ferraz, A comunicação social, p.10-12, Luís Roberto Barroso, Colisão, p.26.

[59] Cf. Luís Roberto Barroso, Colisão, p.25-26.

[60] Artigo 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

XXXIII – todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado;

LX – a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse o exigirem.

Artigo 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios:

IX – todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação.

[61] Cf. Argüição de descumprimento de preceito fundamental nº 130, p.3-4.

[62] Cf. Fernanda Dias Menezes de Almeida e outra, A comunicação social, p.12-13, Luiz Alberto David Araújo e outro, Curso, p.535. Com relação à liberdade de imprensa, contudo, parece não ser esse o entendimento do Supremo Tribunal Federal, esposado na ementa da Arguição de descumprimento de preceito fundamental nº 130, p.1-2/4, vez que se afirma haver precedência do bloco dos direitos que dão conteúdo à liberdade de imprensa em relação ao bloco dos direitos à imagem, honra, intimidade e vida privada; para o Supremo, há “incidência a posteriori do segundo bloco de direitos, para o efeito de assegurar o direito de resposta e assentar responsabilidades penal, civil e administrativa, entre outras consequências do pleno gozo da liberdade de imprensa”.

[63] Sobre o assunto, Fernanda Dias Menezes de Almeida e outra, A comunicação social, p.14, apresentam alguns dos fatores possivelmente levados em conta pelo legislador constituinte em uma dessas opções, qual seja a da subtração, “em princípio, do alcance da mídia, o domínio da privacidade do indivíduo”.

[64] Nesse sentido, a existência de diversas restrições à fixação de publicidade no direito francês (cf. Jacques Robert e outro, Droits de l’homme, p.744-745.

[65] Cf. Curso, p.411.

[66] Cf. Gilmar Ferreira Mendes e outros, Curso, p.411-412, no qual os autores propõem a aplicação dos critérios informadores do princípio da proporcionalidade para o controle de constitucionalidade dessas normas; a análise detida desses critérios fugiria, contudo, ao escopo do presente trabalho. Sobre o assunto, Luís Roberto Barroso, Colisão, p.6-7, sustenta que o legislador ordinário, quando procura arbitrar diretamente colisões entre direitos fundamentais, não pode estabelecer uma prevalência abstrata de um direito fundamental sobre outro, devendo “limitar-se a estabelecer parâmetros gerais, diretrizes a serem consideradas pelo intérprete, sem privá-lo, todavia, do sopesamento dos elementos do caso concreto e do juízo de equidade que lhe cabe fazer”. Não concordamos, contudo, com esse entendimento, vez que o legislador pode, por meio de lei, harmonizar os diversos direitos tutelados pela ordem constitucional brasileira, o que denominamos “limites reflexos à liberdade de imprensa”.

[67] Cf. Manoel Gonçalves Ferreira Filho, Aspectos, p.301, Luiz Alberto David Araújo e outro, Curso, p.535-536, José Henrique Rodrigues Torres, A censura, p.26, Luís Roberto Barroso, Colisão, p.20, Honildo Amaral de Mello Castro, Poder Judiciário, p.215, Gustavo Henrique Dietrich, Inviolabilidade, p.23. Cf., ainda, Silvio Henrique Vieira Barbosa, Informação, p.71, que relata exemplo interessante, no qual o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo determinou a suspensão de reportagens sobre o conhecido acidente que provocou a amputação de uma perna de Roberto Carlos, em razão de seu caráter sensacionalista (essas reportagens traziam seguintes manchetes: “Eu cortei a perna de Roberto”; “Amputação não tirou o Rei da escola”; “Atropelou Roberto e morreu no fogo”); há nessas reportagens clara violação à necessária continência da narrativa, como se verá adiante (registre-se a opinião do autor do referido artigo, para quem a decisão do Tribunal de Justiça importou em censura à liberdade de imprensa).

[68] Cf. Arguição de descumprimento de preceito fundamental nº 130, p.4. Esse entendimento do Supremo Tribunal Federal parece fundar-se em noção eminentemente liberal, segundo a qual a simples previsão de responsabilização a posteriori atua “sobre as causas para inibir abusos no desfrute da plenitude da liberdade de imprensa” (cf. Arguição de descumprimento de preceito fundamental nº 130, p.5).

[69] Cf. José Henrique Rodrigues Torres, A censura, p.28-32. No direito francês, há possibilidade de limitação ao exercício da liberdade de imprensa por meio de decisões judiciais, com a aplicação de interdições ou de apreensões, entre outros, que, na prática, contudo, não são quase utilizadas (cf. Tanísia Martini Vilariño, Direito da comunicação, p.397).

[70] Nos termos do artigo 137, há duas hipóteses: comoção grave de repercussão nacional ou ocorrência de fatos que comprovem a ineficácia de medida tomada durante o estado de defesa (inciso I) ou declaração de estado de guerra ou resposta a agressão armada estrangeira (inciso II).

[71] Cf. Manoel Gonçalves Ferreira Filho, Curso, p.338-339.

[72] Cf. Manoel Gonçalves Ferreira Filho, Curso, p.337-344.

[73] Cf., sobre a transmissão de comissão parlamentar de inquérito, Mandado de segurança 24.832/DF.

[74] Cf. Fernando da Costa Tourinho Neto, O Ministério Público, p.213, Luiz Alberto David Araújo e outro, Curso, p.172-173, Frederico Vasconcelos, Advogados, p.45-46, Sávio de Figueiredo Teixeira, A imprensa, p.237, Humberto Guimarães Souto, A imprensa, p.261-262, João Barbalho, Constituição federal, p.429.

[75] Cf. Mandado de segurança nº 24.725/DF. Cf., ainda, sobre essa decisão, Fernanda Dias Menezes de Almeida e outra, A comunicação social, p.26-28.

[76] Cf. Alcance do princípio da publicidade, p.204.

[77] Artigo 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

XXXIII – todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado;

LX – a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse o exigirem.

Artigo 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios:

IX – todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação.

[78] Cf. Curso, p.189. Cf., ainda, Cláudio Lembo, A pessoa, p.190-191, George Marmelstein, Curso, p.113-114, Luís Francisco Carvalho Filho, Liberdade de imprensa, p.18, José Renato Nalini, O juiz e a imprensa, p.247, José Augusto Delgado, As relações do Poder Judiciário, p.263, Luís Roberto Barroso, Colisão, p.19.

[79] Cf. Luiz Fernando Ribeiro de Carvalho, A magistratura: a ampla divulgação de informações sobre os serviços públicos exercidos por todos os Poderes, o esclarecimento (ou até mesmo a correção) sobre determinados assuntos, antes que a notícia seja publicada, evitando, assim, constrangimentos ou mal-entendidos, bem como a apresentação de posicionamentos oficiais, evitando manifestações individuais até mesmo contraditórias de seus membros, parecem algumas das principais ocupações desses órgãos. Cf., também, José Renato Nalini, O juiz e a imprensa, p.248-250, que ressalta, já no início da década de 1990, a necessidade de maior diálogo entre Judiciário e imprensa. Cf., ainda, Humberto Guimarães Souto, A imprensa, p.262-264.

[80] Cf. José Renato Nalini, O juiz e a imprensa, p.248.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

Limites constitucionais ao exercício da liberdade de imprensa. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3445, 6 dez. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23177. Acesso em: 29 mar. 2024.