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Reestruturação do Poder Legislativo

novos paradigmas de atuação político parlamentar

Reestruturação do Poder Legislativo: novos paradigmas de atuação político parlamentar

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"Todos necessitam, igualmente de guias. A uns é preciso obrigar a conformar a vontade à razão, a ao outro, ensinar a conhecer o que quer. Então, das luzes públicas resulta a união do entendimento e da vontade do corpo social, daí o perfeito concurso das partes e, enfim, a maior força de todos. Eis donde nasce a necessidade de um legislador"
(Jean Jacques Rousseau)


INTRODUÇÃO

A discussão quanto a reestruturação do Poder Legislativo nunca mereceu tanta atenção quanto agora. A atual conjuntura mundial exige que este Poder seja mais que um mero reconhecedor de Direito. Mais que os discursos acalorados dos parlamentares, exige-se posicionamento continente desse ente soberano.

O presidente do Banco Central, Gustavo Franco, em entrevista ao Jornal O Estado de São Paulo do dia 18 de outubro de 1998 declarou: "Cortes e impostos são assuntos que a sociedade deve decidir, através de seus representantes no Parlamento". Circunlóquios à parte, está se dizendo que é o Poder Legislativo, ainda o responsável pelas decisões finais nas matéria de avultado importância para o país.

Mas que consiste este posicionamento final? Está, o Poder legislativo, em condições de contribuir positivamente com êxito dessas decisões? É o que tentaremos responder ao final da dissertação.

Tentamos direcionar o trabalho em duas partes. Primeiramente, tentaremos discutir a atual crise que enfrenta o Poder Legislativo, graças, especialmente a hipertrofia do Poder Executivo. Esta, inevitável, dado os atuais acontecimentos políticos-sócio-econômicos. Numa segunda fase tentaremos discutir propostas de atuação que julgamos ser fundamentais para que o Poder Legislativo tome o lugar que lhe é merecido, e até mesmo não sucumba frente a "ampliação", cada vez mais visível, do Poder Executivo.


1 - As relações entre o Poder Executivo e o Poder Legislativo

Lê-se no art. 49 da Constituição Federal de 1988: " É de competência exclusiva do congresso autorizar o Presidente e o Vice-Presidente da República a se ausentarem do País, quando a ausência exceder a quinze dias (inc. III); sustar os autos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites da delegação legislativa (inc. V); aprovar iniciativas do Poder Executivo referente a atividades nucleares (inc. XIX). Ou ainda no art. 50, caput: " A câmara dos Deputados e o Senado Federal, ou qualquer de suas comissões poderão convocar Ministro do Estado ou quaisquer titulares de órgãos diretamente subordinados à Presidência da República para prestarem, pessoalmente, informações sobre assunto previamente determinado, importando em crime de responsabilidade e ausência sem justificação adequada." Estes exemplos poderiam ser multiplicados como na competência da Câmara dos Deputados para instauração de processo de contra o Presidente e o Vice-Presidente da República e os Ministros do Estado (art. 51, inc. I).

Quer se demonstrar com estes exemplos a possibilidade dada por nossa Constituição de o Poder Legislativo interferir nas ações do Poder Executivo. A reciproca também é verdadeira como pode se notar nestes exemplos. O art. 61,§ 1º dispõem que são de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que fixem ou modifiquem os efetivos das Forças Armadas (inc. I) e os que disponham sobre a criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração (inc. II, alínea a); A criação, estruturação e atribuições dos Ministérios e órgãos da administração (alínea e). No art. 62 está um claro exemplo de relações estabelecidas entre os poderes, onde se lê que: " Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias com força de lei. Os exemplos são meramente exemplificativos e podem ser multiplicados. O que vale notar, de início é que os poderes não são estanques, eles se comunicam, se interferem, se relacionam.

Porém, como afirmou Fernando da Silva no ciclo de conferência sobre prática legislativa, realizado em Brasília, " essas relações não nasceram simplesmente da vontade de um ou de outro, mas têm justificação histórica, têm justificação doutrinária."

            1.1 - Origens das Relações Entre os Poderes Executivos e o Poder Legislativo

Reportemo-nos ao Estado traçado nos moldes de autores como Jean Bodin e Thomas Hobbes. Autores do Estado absoluto, um Estado, nos dizeres de Hobbes que se substancia no poder de um homem , que " Consiste nos meios de que presentemente dispõem obter qualquer visível bem futuro." (Hobbes, citado por Norberto Bobbio em Estado e Governo e Sociedade, paz e terra, 1995).

Um Estado onde o soberano concentra em si todas as funções: a função de legislar a de julgar e a de administrar. Detendo o controle de tudo e de todos, não cabia indagações quanto a legitimidade, a qualidade ou mesmo a validade das decisões deste soberano.

Paralelamente a esta concepção absolutista de Estado, nascia uma outra concepção de Estado, que faria cair este sistema. Encabeçado por Locke, Montesquieu e Rosseau, o Estado toma nova feição. Locke estudando empiricamente a situação Inglesa dá base para que, Montesquieu sistematize a tripartição dos poderes e Rosseau, por fim , em seu " Do contrato Social ", dá-nos as primeiras diretrizes da moderna Democracia. Com essa Doutrina, preconizada por pensadores dessa estirpe, dá-se o que foi determinado " A Revolução Francesa ", que significou dentre outros, a queda do Estado absolutista. A partir daí, divide-se as funções dentro do Estado. Começa a germinar a idéia de um Estado que se preocupasse com o social. A função do Estado, agora, é prestar a justiça, ditar as leis que regularam o comportamento dos governados, e deverá " administrar ", no sentido de dar possibilidades de funcionamento à estrutura estatal. A partir de agora, cada uma das funções estatais passará a ser exercida por um órgão competente, a saber: Executivo, Legislativo e Judiciário.

Ora, como vínhamos de um Estado completamente oposto, onde o soberano detinha todo o poder, agora o Legislativo como órgão de representantes do povo, passa a se achar no direito de " monopolizar "esse poder. É uma espécie de " revanche ", onde, agora, o poder sustentador do sistema é o Legislativo.

Passa-se então um período da história de relativa estabilidade. O Estado, sem função na vida econômica, era um entre " reconhecido do direito " até que chegamos à revolução industrial. Esta cria para o Estado situações novas até então desconhecidas. O Estado tripartite que surge com a missão de resguardar os direitos dos homens frente aos desmandos absolutistas, assume a função de mediador de conflitos, e, principalmente, o de interventor na vida econômica do país, mesmo que de forma ainda discreta.

Mas a história não para, e chegamos à Primeira Guerra Mundial. Com este acontecimento, o Estado reformula os seus princípios, e o que era discreto, passa a ser necessário. Nas palavras de Fernando da Silva " o Estado precisaria de novos instrumentos para prevenir e manter as relações econômicas nos primeiros pós-guerra." O Estado, assume nova postura. A Constituição de Weimar inova trazendo capítulo sobre a ordem econômica e social. O Estado adquire, definitivamente, função de intervir na vida econômica e social. A afirmativa pode ser confirmado quando da crise de 1929. O Estado americano, então, "comandado" por Roosevelt, aplica uma série de medidas intervencionistas para soerguer a grande economia daquele país. O programa ficou conhecido como New Deal. É sabido que no sistema americano, o presidente não tem capacidade para apresentar projetos. Dissemos que o Estado, assim como o programa New Deal foi "comandado", nesta crise, pelo presidente Roosevelt. E isso é extremamente relevante. A partir de agora se torna nítido uma nova situação política-constitucional. Aquela hegemonia, começa então a ser minada. As novas crises mundiais são rápidas e fulminantes, como a de 1930, e requerem medidas de igual presteza. Surge assim no cenário mundial um novo poder hegemônico, que aos poucos se sobrepõe, aos demais poderes, especialmente ao Poder Legislativo. Estamos nos referindo ao Poder Executivo. Vêm a Segunda Guerra Mundial, e o confronto entre Executivo e Legislativo é deixado de lado. As preocupações do Estado neste momento são outras. Com o fim da guerra vem o período de reconstrução dos grandes países, e com ele um processo de reistauração da democracia.

Em 1948, o processo de hipertrofia do Poder Executivo toma feições indiscutíveis. A Itália, espelhados na experiência Francesa de 1914, quando Gabinete (sistema parlamentarista) foi autorizado a editar decretos leis, a Constituição italiana reconheceu ao Executivo atribuições de legislar a lei delegada e, principalmente o decreto-lei.

Pronto. Chegamos a um ponto que nos possibilita uma primeira conclusão. O mundo não é mais o da tripartição de Montesquieu. As relações humanas, bem como as econômicas se acentuam em volume e velocidade. Vejamos, por exemplo, o que acontece hodiernamente com a circulação de capital através das bolsas de valores: basta o prognostico desfavorável de um grande investidor para que um Estado entre em crise. É o que os especialistas chamam de "valorização do mundo capitalista." Ora frente a este estágio de frenesi pelo qual o mundo passa, deve o Estado responder de forma enérgica e imediata, principalmente no que se refere às questões econômicas.

Com esta intervenção mais atuante do Estado na vida econômica e, por conseqüência na vida social, o processo legislativo se tornou ineficiente. Por ser lento, não mais corresponde às necessidades imediatas que o mundo capitalista oferece.

Daí, a necessidade de o próprio Poder Legislativo instrumentalizar o Poder Executivo com aparatos que permite a este a atuação imediata. Hodiernamente, com a Constituição de 1988, tal reconhecimento se dá, expressamente, por exemplo, pelas leis delegadas e pelo famigerado instituto das medidas provisórias. Dizemos expressamente pois, no regime presidencialista, pouco se pode fazer contra as decisões e arranjos do Poder Executivo.


2 - Instrumentos Legislativos Oferecidos ao Executivo

2.1 - Delegações de Poderes e Medidas Provisórias

Dissemos acima a respeito dos instrumentos que permitem a interferência do Poder Executivo na função legislativa. A título de exemplo, podemos citar a competência do Presidente da República de iniciar privatisticamente, o processo legislativo nas, matérias referidas no art. 61 § 1º da Constituição Federal; na capacidade de expedir decretos e regulamentos para fiel execução da lei (art. 84. Inc. IV); na capacidade de vetar projetos de lei, total ou parcialmente (art. 84, inc. V) na competência para elaborar leis delegadas em conformidade com o art. 68 da Constituição Federal; especialmente na competência para editar medidas provisórias (art. 62).

A discussão da "ampliação" do Poder Executivo não é nova. A Constituição de 1946 proibia expressamente a delegação de poderes. É de se entender, já que quando do nascimento do dispositivo que aparece nesta Constituição o país saía de um longo período ditatorial (o Poder Executivo, se concentrar em si poderes em excesso transforma a democracia numa ditadura, que é a exorbitação do Executivo acima do aceitável).

O professor Oswaldo Trigueiro, então Procurador Geral da República, fez palestra no seminário sobre a reforma do Poder Legislativo em 1965 (ob. cit.) propugnando pela supressão do § 2º do art. 36 da Constituição de 46. O eminente professor pondera que o instituto da delegação, naquelas circunstâncias, já era inevitável, e manter aquele dispositivo era negar a evolução ao Direito brasileiro. Para o professor, caso a Constituição proibisse a delegação de poderes ela se faria extra-constitucionalmente, pois era de todo impossível negar este instituto. E mais, asseverava o palestrante que, o congresso, ao querer assumir uma função que a história e o contexto do mundo atribuía ao Poder Executivo emperra o desenvolvimento nacional. Em outras palavras, a complexidade do mundo não mais permitirá que um Estado confiasse apenas ao Poder Legislativo a função de legislador nas próprias palavras do professor: "O Poder Legislativo não dá conta de sua tarefa e dificulta a ação dos outros poderes."

Podemos notar nesta incursão histórica que o problema de dar ao Poder Executivo capacidade Legislativa tem um ponto de preocupação comum a todos os pensadores: a possibilidade de o Poder Executivo abusar desta capacidade, levando a democracia ao seu estágio degenerado: "uma ditadura do Executivo".

O problema maior é que, se se proíbe esta delegação de competência, ela se dá por vias extras jurídicas. A verdade é que, o Executivo, por imposição dos tempos modernos, vai tomando aos poucos atribuição que vão do Legislativo, sem que o Poder Legislativo tenha condição de dar volta ao processo.

Notemos que essa discussão, de interferência do Executivo na área Legislativa, já se dava a cerca de meio século atras. Hoje a discussão não é muito diferente, não há que negar, hodiernamente, que o Estado não pode funcionar sem o mecanismo de delegação de poderes. O Parlamento, qualquer que seja sua esfera (Federal, Estadual ou Municipal) é um Poder lento, por natureza. E não pode ser muito diferente. A discussão que se faz hoje, é quanto ao excesso de Poder Executivo, que, desconhecendo o limite razoável, abusa do Poder que lhe é conferido.

2.2 - Os laços se estreitam

Vimos que, até 46, o Executivo e o Legislativo no Brasil, juridicamente, eram poderes "estanques". O Executivo não tinha condições de participar do processo legislativo, a não ser por meio de apresentação de projeto, mecanismo que não funciona, pois, se o Executivo exagera no uso dos Poderes delegados, o Legislativo impede a fluição do processo.

A partir de 46, os primeiros passos rumo ao entrosamento desses poderes são dados. Conforme nos ensina Fernando da Silva "são criado nos Ministérios setores com função de acompanhar o trabalho Legislativo, estudar o assunto pertinente a legislação, propor medidas necessárias, oferecer toda assistência que a administração deve prestar ao Parlamento."

Há de se concluir, por hora, que a muito o Estado brasileiro abandonou o presidencialismo clássico, aquele segundo os moldes proposto por Montesquieu onde os poderes eram "divididos." A história obrigou uma aproximação e mesmo uma interferência dos poderes, em especial, do Poder Executivo com o Poder Legislativo. Escreve com sabedoria e a precisão de sempre, o professor Miguel Reale, que, a respeito deste assunto "bastaria lembrar que a Constituição de 1934, prevendo em seu art. 59, a possibilidade do comparecimento dos Ministros de Estado à Câmara e ao Senado, já assinalava, de maneira inequívoca, o abandono do presidencialismo clássico, visando uma melhor complementaridade de função." (Reforma do Poder Legislativo no Brasil. Ob. Cit.)

Este aproximamento revela uma conseqüência marcante: o Executivo avança, enquanto que o Poder Legislativo, desarmado que é, regride.


3 - A Democracia Representativa

Esforçamo-nos até aqui, talvez sem o êxito esperado em definir uma máxima: A cada dia o Poder Executivo, nos sistemas presidencialista principalmente, cresce de maneira assustadora, em contrapartida, o Poder Legislativo perde seu espaço, seu poder de decisão, de fiscalização, de controle, de forma que a cada dia nos afastamos mais da democracia. O consagrado autor francês Jean-Jacques Rousseau, em seu livro "Do Contrato Social", expressou seu pensamento sobre os representantes do povo. Este autor acreditava que a vontade não pode ser alienada, logo para esse autor não pode um homem representar a vontade de um povo. escreve assim nosso autor: "A soberania não pode se representada pela mesma pessoa razão por que não pode ser alienada, consiste essencialmente na vontade Geral e a vontade absolutamente não se representa." Continua Rousseau advertindo que "os deputados do povo não são, nem podem ser seus representantes." Rousseau acreditava que os cidadãos devem participar diretamente, sem intermediários nos destinos do Estado. Dizia ele: Quando alguém disser dos negócios do Estado: "Que me importa? - pode-se estar certo que o Estado esta perdido." Rousseau creditava que os cidadãos deveriam exercer a democracia por suas próprias mãos. Um Estado dó seria grande se o seu povo se interessasse por ele, chegando a afirmar em certa passagem do livro "Do Contrato Social" que "é nula toda lei que o povo diretamente não pode ratificar; em absoluto não é a lei."

Ora, poderíamos concluir aqui nosso trabalho certos de que todos os males políticos estariam resolvidos se o povo, conscientemente, participasse dos assuntos do Estado, se preocupasse com o qual projeto de lei esta em andamento, em qual comissão, qual o deputado que faltou à reunião, qual votem contra o interesse do povo. Estaríamos na verdadeira democracia. Porém, tal forma de governo não for feita para os homens. O máximo possível do que seria o ideal.

Contentando com o que temos, uma democracia representativa, devemos empreender forças em aperfeiçoa-las, fazendo deste instituto um caminho à justiça social.

Porém, não se fala em democracia se o Poder Legislativo for omisso, fraco, subordinado aos desmandos do Poder Executivo, paciente aos acontecimentos. O Poder Legislativo deve se elevar, reagir à hipertrofia Executiva. E para isso será necessário organizar-se, estabelecer metas, unir-se. O atual Parlamento moderno passa por uma fase crítica, como disse o professor Orlando de Carvalho, num seminário em Brasília, para o qual a fase crítica do Parlamento moderno deriva-se por estar "apertado, de um lado, pelo crescimento desmesurado da burocracia administrativa e das técnicas de planejamento que estreitam paulatinamente a competência parlamentar na orientação global da economia, e, de outro lado, pela ação dos partidos políticos, dos grupos de pressão, dos sindicatos."


4 - Reação do Poder Legislativo

É indiscutível que o Estado deve ser rápido e seguro de si. O professor Giuseppe Bettiol em palestra realizada em Brasília, onde de tratava da reforma do Poder Parlamentar, a fim de reestrutura-lo adequando às novas exigências dos sistema, afirmou com muita propriedade: "Devem ser resolvidos novos problemas também em relação ao Poder Legislativo, onde o Estado, tempestivamente, deve ativar-se para não se apresentar como negligente e ausente, medroso e impotente diante de uma complexidade de coisas que deve conhecer e decidir." Reparem que o professor falou em Estado e não num ou outro Poder. "O Estado deve ativar-se." De a muito o Poder Executivo esta ativado. Falta agora aos parlamentares de todas as esferas, especialmente os Federais, engendrarem esforços juntamente com técnicos, universidades, catedráticos, em fim, estudiosos do Direito Público, objetivando o aparelhamento deste Poder, adequando-o às exigências do sistema mundial.

1.- Um Poder Lento

Um primeiro passo a ser vencido é quanto à lentidão do congresso em se posicionar sobre temas de relevada importância.

Objeta-se contra esta tese o fato de que no sistema bicameral há a possibilidade de uma casa corrigir erros que passaram desapercebidos pela outra. Reputamos tal argumentação com uma pergunta: como se admite que um projeto, que nasce da idéia de um parlamentar que trata de dar o primeiro toque ao texto, passa por uma comissão competente, devidamente assessorados por técnicos do mais alto nível (voltaremos a este assunto mais tarde), vai a discussão em plenário, composto por um grande número de homens do mais elevado nível cultural, como se admite, repito, que este projeto contenha defeitos? Os que se escoram nesta tese, são os que aceitam a hipertrofia do Poder Legislativo irreversível. É verdade que a perfeição não é atributo humano, mas imperfeição também não.

Outra medida, que combinada às demais soergueria o Poder Legislativo de seu estado de crise é a plena competência das comissões em decidir sobre projetos de sua área de conhecimento. Por exemplo, projetos de lei de matéria ambiental seria encaminho para a comissão de competência deste assunto, sendo ali votada e decidida definitivamente, sendo o próximo passo a apreciação (veto ou sanção) do Presidente da República.

A professora Atyr Emília de Azevedo Lucci, falou sobre o tema em conferência sobre prática legislativa em Brasília. Para ela, e concordamos, "medidas como a criação e o aperfeiçoamento dos serviços de informação, de referência legislativa, de assessoria parlamentar, de bibliotecas especializadas, têm como objetivo atender às necessidades de um sistema adequado de divulgação e utilização de informações pelo Poder Legislativo."

Nossa Constituição, em seu art. 58, disciplinou a matéria relativa às comissões. Andou bem, mais, andou pouco. Acreditamos que, se o Poder Legislativo for sair de seu atual estágio de inovação, será, eminentemente, através do sistema de comissão e assessoramento, que já existe, mais inexpressivo frente as atuais exigências.


5 - A importância das Comissões ao Poder Legislativo

O professor americano Ernest Griffith, em visita à universidade de Brasília pronunciou palestra de singular clareza donde se extrai este resumo. O professor Griffith narra um fato. Uma das maneiras do congresso americano obter suas informações é, assim como no Brasil, obter esclarecimentos com os membros do Executivo. Ocorreu segundo o professor americano um caso significativo. Convocou-se testemunhas do Poder Executivo para prestar esclarecimentos sobre determinada matéria de alto grau de complexidade. Os representantes do povo ouviram os depoimentos dos representantes do governo, os quais mostraram todo o conhecimento da matéria. Os parlamentares ficaram muito aborrecidos pelo fato de o Poder Executivo darem respostas precisas, enquanto eles, senadores, não tenham essa condição.

Aqueles parlamentares temeram que o governo representativo estivesse acabado. É isto, segundo o professor Griffith, porque o governo, hoje, pede reconhecimentos, técnicos, especialização, pesquisas profundas, e os membros das comissões americanas, como as nossas, não foram eleitos para serem técnicos. Mas aqueles homens não poderiam esmorecer, afinal de contas eram membros do congresso americano. Então, eles colocam o problema assim: como podia um representante eleito pelo povo, conseguir conhecimento suficiente, competência para enfrentar de igual para igual os técnicos do Executivo (na verdade, de nada vale grandes assessores, se não tiver parlamentares capazes de ser assessorados).

Então, eles colocaram a solução assim. Primeiramente o número de parlamentares foi reduzido para dois por comissão, e cada comissão desdobrada em subcomissões. Cada uma dessas comissões e subcomissões, se especializou em determinado tema: agricultura, política exterior, comércio. Assim, tornou-se possível, os depoimentos e os subsequentes projetos, precisam de pessoas especializadas. Cada comissão tinha autorização para contratar funcionários, que eram do primeiro escalão de cada área de conhecimento. Essas equipes ficariam a serviço imediatos das comissões. Cada comissão tem dois ou três desses especialistas. A esses assessores não cabia fazer recomendações. Isso cabia ao congresso. A função dos assessores era preparar matéria, analisar conseqüência, nas palavras do professor Griffith, "é um resultado inteligente, se usado somente argumentos válidos."

O desfecho da história é que o congresso evoluiu de casa dos discursos de especialistas em determinada área. Observe este resultado nas palavras do professor Griffith: "antes desta reforma, o congresso tendia a ressentir-se, a irritar-se com o Poder Executivo, pelo seu monopólio de conhecimentos. Agora, o congresso aparecia sugestões do Poder Executivo, confiante na competência e habilidade desde para avaliar, criticar, fazer mudanças, propor alguma coisa inteiramente, se for o caso, assim como nos Senadores e Deputados, que se especializaram, e nas equipes de assessores técnicos que não fazem recomendações, mas lhe apresentam os fatos para análise, quase com igual capacidade à do Poder Executivo."

Sabem quando se processou tal reforma escrita pelo então deão da School of International Service da America University? A mais de cinqüenta anos o congresso americano percebeu que a única maneira de conter o hipertrofismo do Executivo, era se aparelhar, se instituir, se especializar, trabalho que se deu através da divisão do congresso em pequenas comissões autônomas, reservando a soberania ao plenário.

É, sem sombra de dúvidas, a melhor proposta que se pode fazer a nível de atuação político parlamentar. A adoção do sistema do "congresso comissionado", que permitirá a especialização de todos os parlamentares. Àqueles parlamentares que se negarem a participar do processo, caberá à população, instruída pelo próprio congresso do "novo" sistema de atuação parlamentar, a selecionar representantes capazes de contribuírem para que o Poder Legislativo retome o seu legitimo papel, de Poder inteligente, capaz de acompanhar as evoluções sociais em pé de igualdade com o Poder Executivo.

Esta, realmente, é a tendência mundial. Escreve com acerto a professora Atyr Emília de Azevedo Lucci: "A tendência dominante nos vários parlamentos do mundo é justamente para a formação de assessorias destinadas a funcionar como elemento de seleção das informações advindas de fora, como elemento de deputação do processo legislativo e como elemento de informação própria, de informação por assim dizer auto-suficiente do Poder Legislativo"

Apesar do sucesso dessas medidas no congresso Norte-Americano, país que vive, assim como nós, o sistema presidencialista, é de se notar que a implantação de tais medidas seria facilitada sobre maneira se propostas num sistema parlamentarista, como acentua o professor mineiro Bonifácio de Andrada " enquanto o presidencialismo favorece o trabalho de equipe." (Parlamentarismo e Realidade Social (Ob.Cit.)). É claro que essa proposta de reforma e retomada de rumos, requer a participação do conjunto de parlamentar e não de um outro indivíduo isolado.

Não existe outro caminho. A única maneira de se garantir a democracia representativa, é fazer com que os poderes se igualem em condições de ação, e isso só é capaz com todos os poderes instruídos, especializados. O Poder Judiciário de a muito é um poder habilitado, esclarecido. O Poder Executivo, percebendo a necessidade imposta pelo sistema de se especializar, não mediu esforços neste sentido, tornando-se um poder ágil, eficiente. Agora é a fez do Poder Legislativo. É tempo deste Poder se armar, o que, hordiernamente só é possível se se dominar a informação.

Depura-se do que foi dito até agora duas importantes conclusões. Dá-se às comissões autonomia para opinar em caráter definitivo sobre matérias de menor importância, (leis ordinária, leis delegados, medidas provisórias, decretos legislativos, resoluções), excluindo, por exemplo, matéria constitucional, lei eleitoral, ratificação de contratos internacionais e autorizações de orçamento. Somando-se a isto a extinção do sistema bicameral, o congresso ganha velocidade, tornando-se assim ativo na vida econômica-social do Estado e não mero ratificador de direito. Por sua vez, o "sistema comissionário" permite a especialização do congresso, podendo debater de igual para igual com o Poder Executivo.

Mais os benefícios destas medidas não param por aí. O professor Aliomar Baleeiro, ex-deputado e ex-presidente do Supremo Tribunal Federal, disse certa feito " quando um deputado apresenta um projeto de lei ou quer criar uma situação nova, não regulada em lei, ou quer suprimir esta situação ou quer modifica-la , às vezes ele está visando um determinado assunto, um dispositivo único mas, inadvertidamente não se dá se da conta que aquele projeto, se for aprovado, vai revogar uma porção de artigos de leis, o que não estava na sua intenção. Ai vai, tal a expressão que ele usou, colocar o assunto abaixo de uma lei que ele nunca nem viu." Ora, isto pode ser perfeitamente resolvido se, em cada comissão como já dissemos, conter técnicos especialistas, capazes de vigiar tais deslizes. E mais, esta comissão teria, ao seu dispor, subcomissão para fazer a análises, e pronunciamentos sobre o projeto e os seus efeitos jurídicos. Ao nosso ver, a coisa é perfeitamente realizável.

Ainda, com relação ao poder deliberatório das comissões no maior número de matéria possíveis, objetam que o poder do Plenário ficaria reduzido, diminuído. Não há alternativas. É restringir as matérias do Plenário para ganhar em poder, eficiência, perfeição, qualidade e sedimento e agilidade.


6 - Um Poder disciplinado

Dissemos, em várias oportunidades, que o Poder Legislativo está metido numa crise. Esta, no nosso entendimento, advém de dois fatores, um de ordem externa e outra de ordem interna. O primeiro, já tratamos exaustivamente, são as novas realidades, principalmente econômicas, a que estamos sendo submetidos pelo sistema. O mundo global e volátil requer respostas rápidas, e Poder Legislativo não as pode dar, por ser um, poder, historicamente, lento. O outro fator, que ao nosso ver contribui sobremaneira para o agravamento da situação é estritamente de ordem interna, e a solução para este problema chama-se disciplina. Nas palavras do professor Aliomar Baleeiro "se há uma coisa de que o Parlamento precisa, para ser forte, para ter poder, para mandar, para se respeitado, é de uma disciplina interna." Realmente. A especialização, o conhecimento, a participação no sistema comissionário requer disciplina dos parlamentares. Não há que se falar em restruturação do Poder Legislativo se não fazer força neste sentido. As instituições, e mesmos os países, que se mantém firmes e poderosas são aquelas que se autodisciplinam. Ao parlamento relapso e desinteressado as punições devem ser rigorosos. Não há que se admitir um representante do povo interessado com os rumos da nação. Não há necessidade de ser uma disciplina militar, mas que seja uma verdadeira dis-ci-pli-na. E o parlamento que não se enquadrar "enquadrar" pelo rígido regimento interno, o será pelo grande regimento: o povo. o congresso, as assembléias e as câmaras municipais devem esclarecer o povo, a respeito dos parlamentares inativos.


7 - A imagem do Poder Legislativo

O que pensa a opinião pública sobre o Poder Legislativo? Há uma opinião formada a respeito do congresso? Qual a imagem que o Poder Parlamentar oferece a opinião pública? As perguntas poderiam ser multiplicadas, mas um ponto é comum a todas elas: se há uma imagem do congresso: ela é a pior possível. A revista VEJA, de 30 de setembro de 1998 divulgou pesquisa sobre qual instituição, na opinião do povo, que menos contribuiu para o "bem do país", e lá estão os representantes do povo: são os piores colocados. O professor José Augusto Guerra, atribuiu tal fato à tendência da opinião pública em criar estereótipos, ou seja, o povo tem uma imagem, em partes, distorcida da relevância do Poder Legislativo na vida de um país democrático. Na verdade o congresso seria um grande "desconhecido".

É necessário que o Poder Legislativo, e o Congresso Nacional em especial, reflita sobre a sua atual condição. Não se admite a atual situação que se assenhorou do Poder Legislativo. Esta instituição não pode ser passiva, estática, parasita. O congresso é uma força viva, expressiva e que deve entrar em movimento. E isto só se fará com as reformas necessárias. O que é certo é que "deixar do jeito que está pra ver como é que fica", é aceitar, pacificamente a desestruturação gradativa desse Poder, até que a história dê a ele um papel meramente figurativo. Foi isso que se deu com os soberanos no sistema monarquistas europeus. Agora, cabe a nós evitar que o mesmo processo se repita com o Legislativo nas democracias modernas.

Arrumada a casa, o Legislativo deve mostrar ao povo sua importância. Cabe à própria instituição desmistificar os estereótipos formados ao seu respeito, divulgando seu esforço em acompanhar os acontecimentos históricos, as reformas que estão sendo feita neste sentido, o porque de um poder legislativo, em fim, um "marketing" que conscientize o povo da importância dessa entidade. E a grande relevância desse empreendimento divulga dos é, como diria Rosseau, "chamar o povo à democracia". Não existe democracia sem Poder Legislativo, e não existirá Legislativo se ele não se adequar às necessidades da atual conjectura político-social, que poderia ser assim resumida: na política um Poder Executivo hipertrofiado dada omissão, ou "hipertrofia" do Poder Legislativo. Na economia, o mundo requer agilidade e segurança de posicionamento, e o Poder Legislativo, ainda é lento. No social, nunca esteve tão em voga a idéia de justiça, liberdade, bem estar, em fim, os povos estão mais exigentes e requerem dos seus representantes respostas seguras, conscientes, inteligentes e mais, devem ser imediatos.

Como nos ensina o professor José Augusto Guerra, sobre a necessidade e a importância da opinião pública com o sedimento a todo esse aparelhamento Legislativo: " não transformemos, porém , a pesquisa de opinião pública panacéia. Por si mesma ela nos dará apenas a possibilidade de tomar conhecimento de determinado comportamento, num determinado assunto. Os inquéritos assemelham-se aos exames clínicos: facilitam o diagnóstico. Só depois, quando nos vimos refletidos nesse espelho, é que teremos condição de se sentir o que realmente representamos na realidade política e social do Brasil de hoje".


Conclusão

Não teve, esta dissertação, a intenção de ser um roteiro de sugestão que resolvesse os males que circundam o Poder Legislativo. Nos esforçamos, desde o início, em sustentar um aforismo: os circunstâncias atuais, impostos pelo sistema global, requer, mais do que nunca, presteza, segurança e agilidade nas atitudes intervencionistas do Estado. O Poder Legislativo, por se caracterizar pela lentidão de seu processo, fica à parte nas atuações Estatais. A conseqüência disso é que, o Poder Executivo adquire, cada vez mais, importância na intervenção do Estado, principalmente na economia, o que coloca à margens do sistema, o Poder Legislativo.

A questão que se põe é se este é o real papel do Poder Legislativo, o de mero conhecedor de direito. Acreditamos que não, e agora podemos retomar àquela questão formulada no início de nossos trabalhos: Está, o Poder Legislativo em condições de contribuir positivamente com êxito das grandes decisões? Não. O Poder Legislativo deve saltar da condição de mero espectador dos grandes acontecimentos para ente atuante do processo. O Poder Legislativo deve, em pé de igualdade, constituir junto com o Poder Executivo as soluções exigidas pelo Estado e pela Sociedade. E isso não se verificará se não houver agilização nas tomadas de posição, um assessoramento eficaz e operante e, principalmente, a especialização de seus membros. Está última, sem dívidas, é a de maior importância e a de maior dificuldade de implantação devido, especialmente, pelo elevado percentual de renovação dos membros do congresso, 45% na última eleição (nos Estados Unidos a renovação gira em torno de 5%). Mas isto só a maturidade democrática será capaz de nos dar. Enquanto isso, o que podemos fazer, é tomar as devidas medidas que restaure a dignidade deste baluarte da democracia, chamado Poder Legislativo.

Esses fatos são inegáveis e levam, no nosso entendimento, a conseqüências gravíssimas. Da mesma forma que o Estado Absolutista Hobbesiano não resiste ao Poder Legislativo, o Estado Democrático não resiste à sua falta. A história é cíclica, e se repete. O Poder Absoluto foi posto em xeque porque as circunstâncias históricas daquela época exigiram do Estado espécies de prestações que aquele Estado não consegui corresponder, logo sucumbiu-se. Surge, assim, o Poder Parlamentar, como ente capaz de responder àquelas prestações. Agora o Poder Legislativo está se mostrando a cada dia, incapaz de dar contribuição satisfatória às questões propostas ao Estado, parte Por sua lentidão, parte por sua desorganização e, maiormente, por sua falta de conhecimento especializado e a necessidade da implantação de um sistema comissionário eficiente, o que na falta, gera a lentidão.

Ora , não existe democracia sem Poder Legislativo, da mesma forma que não existe democracia com um Poder Legislativo inseguro, lento, inativo, no que se refere a matérias de avultada importância, em fim, um "dinossauro desarmado." As reformas para adequar esse Poder às novas exigências socio-político-econômicas são inevitáveis e devem ser profundas. Do contrário, a história se incumbirá de fazer sucumbir aquilo que já foi esteio da democracia moderna.


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VAZ, Anderson Rosa. Reestruturação do Poder Legislativo: novos paradigmas de atuação político parlamentar. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 48, 1 dez. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/232. Acesso em: 2 maio 2024.