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A oposição de pessoas jurídicas de direito público federal em processo pendente na Justiça Estadual.

A (im)possibilidade de modificação de competência absoluta, processamento e críticas

A oposição de pessoas jurídicas de direito público federal em processo pendente na Justiça Estadual. A (im)possibilidade de modificação de competência absoluta, processamento e críticas

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A competência absoluta não pode ser modificada. Mas há um caso, consagrado na jurisprudência, em que esta regra não se aplica: a propositura de oposição por pessoas de direito público federal em face de particulares em processo da Justiça Estadual

SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Da oposição. 2.1. Classificação e processamento. 2.2. A relação de prejudicialidade entre oposição e ação. 2.3. Competência para julgamento da oposição. 3. A oposição e o Projeto de Lei do Senado n. 166, de 2010. 3.1. A continuidade da oposição à revelia do legislador. 4. A oposição das pessoas jurídicas de direito público federal em processo pendente na Justiça Estadual. 4.1. O julgamento da oposição e ação pela Justiça Federal e a Teoria Geral do Processo. 4.2. A nova ordem constitucional e o art. 125, §2º, da CF/1969. 5. Conclusão. Referências.

RESUMO: O presente trabalho pretende analisar um caso especial de modificação de competência: a oposição promovida por entes federais em processo pendente na Justiça Estadual. Para tanto, inicialmente realiza-se um breve estudo da competência. Logo após, estuda a oposição, abordando e tecendo críticas ao Projeto de Lei do Senado n. 166, de 2010, no que toca à supressão de tal modalidade de intervenção de terceiros, e na continuidade de sua utilização. Em seguida, o autor se debruça, com apoio na doutrina e na jurisprudência pátria, na análise de casos concretos, apontando o equívoco e (in)consequências do processamento e julgamento das demandas, oposição e ação, pela Justiça Federal. Por fim, apresenta soluções concordes com lições básicas de Teoria Geral do Processo e Direito Constitucional.

PALAVRAS-CHAVE: Competência absoluta. Oposição. Justiça Federal. Justiça Estadual. Entes federais.


1. INTRODUÇÃO

A jurisdição é o poder-dever de dizer qual o direito que deve ser aplicado de forma imperativa e definitiva ao caso concreto e o seu exercício, realizado predominantemente pelo Poder Judiciário,[1] é limitado internamente pela instituição de competências pela Lei e Constituições. Diversos critérios normativos determinam a competência (o limite de atuação) do juízo: matéria, pessoa, valor, função e território. Interessa-nos, no momento, o critério que confere relevo à pessoa.

A competência ratione personae leva em conta a natureza jurídica ou função exercida pelas pessoas envolvidas no processo e é instituída levando em conta o interesse público. Logo, está contida na esfera da competência absoluta. São exemplos: a presença de entes federais e julgamento do processo pela Justiça Federal (arts. 108 e 109, da CF);[2] a função pública exercida pela pessoa (a autoridade coatora) para o julgamento de mandado de segurança; e a criação de juízos exclusivos para julgar processos envolvendo a Fazenda Pública Estadual.

As normas jurídicas que tratam da competência absoluta possuem natureza cogente, daí a sua aplicação ser inevitável, não preponderando os interesses das pessoas envolvidas na lide na escolha do juízo e a incumbência do magistrado de zelar pelo cumprimento de tais normas. Nesta toada, o art. 113 estabelece que o magistrado tem o dever de reconhecer a sua incompetência absoluta, inclusive ex officio, e que as partes podem alegá-la a qualquer tempo. A infração ao seu regime jurídico é tão séria que sua hipótese está prevista no art. 485, II, como fundamento para a rescisão de julgado com tal vício.

É lição cediça a de que a competência absoluta não pode ser modificada, ou seja, não pode ser prorrogada ou derrogada. Mas há um caso, consagrado na jurisprudência, em que esta lição, escrita com uma ponta de diamante em uma lâmina de esmeralda, não se aplica: a propositura de oposição por pessoas de direito público federal (ou empresas públicas federais) em face de particulares (ou de particulares e Fazenda Pública Estadual) em processo que tramita na Justiça Estadual, que será abordado de forma detida adiante.


2. DA OPOSIÇÃO

A oposição é uma intervenção ad excludendum, que tem natureza de demanda e é, em regra, voluntária.[3] Trata-se, portanto, de uma manifestação do direito de ação, assegurado constitucionalmente (art. 5º, XXXV), mas não se ocupa apenas do nomem juris da demanda prevista nos arts. 56 e seguintes do CPC. Precisamente, tais artigos regulam uma peculiar situação jurídica de direito material, descrita no art. 56, prevendo um processamento e julgamento diferenciados para o processo que contém tal particularidade.

A oposição também tem natureza de demanda bifronte, pois o opoente tem dupla pretensão dirigida contra autor e réu da ação originária, ou seja, há uma pretensão em face das duas partes da demanda dita principal: “em face do autor originário, pretensão meramente declaratória: em face do réu originário, pretensão relacionada a alguma prestação, devolução da coisa, pagamento de quantia, obrigação de fazer ou de não-fazer” (DIDIER JR., 2008, p. 335).[4] O pedido da oposição, segundo Cândido Rangel Dinamarco, “se desdobra em dois: a) que não seja concedida ao autor a tutela jurisdicional pedida na petição inicial e (b) que a ele, opoente, seja concedida uma tutela jurisdicional em relação a esse mesmo bem” (2002b, p. 382).

O terceiro poderá propor uma demanda contra as partes que litigam em torno de um determinado bem ou direito, quando entende ser ele o verdadeiro titular, no todo ou em parte, dessa coisa ou direito litigioso, formando, de acordo com a doutrina majoritária, um litisconsórcio passivo, necessário e simples. Se proposta até a prolação da sentença (art. 56), independente da nomenclatura da ação proposta, tal demanda será uma oposição.

2.1. Classificação e processamento

De acordo com a extensão de seu objeto, a oposição pode ser classificada em total ou parcial. Será total se abarcar toda a coisa disputada; será, contudo, parcial quando não excluir as pretensões das partes da demanda originária por inteiro, “mas evidentemente não se pode conceber pretensão ou afirmação de titularidade de parte de um direito”, observa Dinamarco (2009, p. 63). É de se notar que a oposição total pode ser parcialmente procedente, assim como a ação. Sendo uma oposição parcial, com a costumeira argúcia, Pontes de Miranda observa que, em relação à outra parte da coisa ou direito, o opoente pode não ter interesse algum, mas – se tiver – poderia ingressar como “litisconsorte, na figura que corresponder à sua situação objetiva. Nada obsta a que a mesma pessoa se oponha em parte e se litisconsorcie em parte, uma vez que essas partes sejam separáveis” (1973, p. 93). O gênio foi além e trouxe um exemplo curioso, mas difícil de imaginar na prática, envolvendo pluralidade de opoentes:

Se há pluralidade de opoentes, raramente podem todos ter sentença favorável nos pedidos inteiros, porém não é de suprir-se impossível, porque os pedidos dos opoentes, somados, caberem no pedido do autor da ação, ou no que o réu pôs na contestação ou na reconvenção. Às vezes, um dos opoentes ganha, e outros não; ou alguns ganham, e os outros não. (MIRANDA, 1973, p. 98, grifo nosso).

A oposição, a depender do momento de sua propositura, pode ser classificada em autônoma ou interventiva. Se a propositura ocorrer antes da audiência de instrução e julgamento, será uma oposição interventiva (art. 59); Porém, se oferecida durante a instrução e antes da prolação da sentença, será uma oposição autônoma (art. 60).

Como tem natureza jurídica de ação, a oposição deve ser apresentada mediante petição inicial, com a observância de seus requisitos (arts. 282 e 283), a indicação do juízo competente para processar e julgar o feito entre eles. O Código vigente dispõe que deverá ser distribuída por dependência e, conforme se depreende da leitura atenta dos arts. 59 e 60, a oposição será, respectivamente, apensada aos autos da primeira ação proposta ou seguirá “o procedimento ordinário, sendo julgada sem prejuízo da causa principal”, podendo o juiz “sobrestar no andamento do processo, por prazo nunca superior a 90 (noventa) dias, a fim de julgá-la conjuntamente com a oposição”.

Se a propositura ocorrer antes da audiência de instrução e julgamento (art. 59), será de fato uma intervenção de um terceiro em um processo, pois ingressará, na prática, no processo pendente, e um incidente processual, já que não formará processo novo. Com ela, o processo se tornaria mais complexo por inserir uma nova relação jurídica processual ao processo originário e por ampliar o seu objeto.[5] Neste caso, as duas relações jurídicas processuais (Autor – Estado-Juiz – Réu e Opoente – Estado-Juiz – Autor e Réu), instauradas com as suas respectivas peças exordiais, são fundidas em uma para todos os efeitos.[6]

O resultado final é, na prática, equivalente ao simples ingresso do terceiro no processo originário, pois o procedimento primário vai prevalecer e continuar. Aliás, este evento é nevrálgico para se compreender o porquê de não ser formado um novo processo com a propositura da oposição antes da audiência: como o procedimento utilizado é o do processo originário, a petição inicial apresentada antes da audiência deflagra apenas a relação jurídica processual e torna aquele procedimento mais complexo (v.g., com a citação dos procuradores das partes originárias e apresentação de duas defesas no prazo comum). É o que a lei estabelece. É cediço que o processo se constitui do procedimento, a parte visível, e a da relação jurídica processual, a parte invisível. Ora, se falta o procedimento, não pode existir outro processo.[7]

Assim, são elas tratadas como se fossem uma na instrução, evitando-se a pluralidade de produção probatória, e no julgamento, pois a oposição e a ação deverão ser julgadas na mesma sentença.[8] Contudo, se houver inércia das partes e paralisação do andamento da causa principal, a oposição poderá ser julgada isoladamente.[9] Por fim, também para fins recursais serão as partes das “duas relações jurídicas processuais” consideradas como de uma na hipótese de prolação de sentença única, inclusive se este fato ocorrer na modalidade seguinte, com prazos se iniciando e encerrando no mesmo momento.

Se, porém, oferecida durante a instrução e antes da sentença, será uma oposição autônoma (art. 60) e um processo novo, independente e incidente, podendo ou não ser decidida conjuntamente, a depender do estágio evolutivo dos procedimentos da oposição e da ação. Serão, pois, dois processos tramitando em paralelo, ao menos inicialmente: duas relações jurídicas processuais com seus respectivos procedimentos.

Quanto à citação, se ela é, nos precisos termos do art. 213, o ato pelo qual se chama a juízo o réu ou o interessado a fim de se defender, e na oposição os opostos já estão em juízo, não há porque citá-los pessoalmente. É por este motivo que o art. 57 estabelece que as partes da ação originária serão citadas nas pessoas de seus advogados,[10] que possuem poderes especiais ope legis para tanto. Essa regra é excetuada quando o réu da demanda originária é revel, quando deverá ser citado pessoalmente (art. 57, parágrafo único).[11] Estabelece, ainda, o referido artigo o prazo comum de 15 dias para que ambos os opostos se defendam.[12] Esta regra é especial e prevalece sobre a do art. 191, mas não sobre a também especial norma do art. 188: se a Fazenda Pública for ré da oposição, o prazo não será comum, pois a norma confere prazo quadruplicado para ela contestar.

No que toca à audiência, quando for o caso se subsumir aos arts. 59 e 60, segunda parte, adaptando o art. 344 e 413 ao caso, a ordem dos depoimentos pessoais e da oitiva das testemunhas respectivas será as arroladas pelo: opoente, autor e réu da demanda originária. Após a instrução, a ordem para se manifestar está disposta no art. 454, §2º: o opoente sustentará as suas razões em primeiro lugar, seguindo-se-lhe os opostos, autor e réu, cada qual pelo prazo de 20 (vinte) minutos.

Neste momento, é oportuno distinguir a posição do opoente nas duas modalidades: enquanto na oposição interventiva o terceiro deixa de sê-lo no momento em que propõe a oposição, passando a ser parte do processo único e possuindo todos os ônus processuais que esta posição lhe confere, na oposição autônoma ele continua sendo terceiro em relação ao processo paralelo, o dito principal, mas parte no processo que instaurou.

O caso da oposição autônoma pode ter dois processamentos diversos, a depender da atitude tomada pelo juiz em relação ao sobrestamento da causa principal e do andamento da oposição, que não pode se tornar pernicioso para a causa principal. O magistrado pode, a seu prudente critério e de ofício, sobrestar o andamento do processo originário pelo prazo máximo de 90 dias a fim de julgar as demandas conjuntamente.

Não sobrestando o andamento da causa principal ou se o sobrestamento não atingir o seu objetivo, a ação e a oposição seguirão os seus respectivos procedimentos[13] e aquela será julgada antes dessa, pois a causa principal não pode ser prejudicada e “é compreensível que, tendo que decidir entre autor e réu, visto que não poderá declarar o non liquet, o juiz opte por aquele, entre os dois, que mais pareça ter o direito material” (NEVES, 2011, p. 237). O legislador assume o risco do proferimento de uma sentença que pode não ser definitiva sem o julgamento de um recurso. “Na oposição, um terceiro – o opoente – trará novas informações e elementos de convencimento, que naturalmente poderão demonstrar que é ele o titular do direito ou da coisa e não o autor ou o réu da demanda originária” (NEVES, 2011, p. 237). É fulcral a percepção de que a sentença da ação, prolatada antes da decisão final da oposição, resolve causa prejudicial e não tem o condão de formar, a priori, coisa julgada material.

2.2. A relação de prejudicialidade entre oposição e ação

Após a análise das modalidades e processamento da oposição, podemos, agora, partir para o exame da relação entre a oposição e a ação principal. Esta relação é marcada exatamente pela prejudicialidade. O julgamento da oposição influencia em maior ou menor grau no julgamento da ação: se o pedido do opoente for julgado procedente (maior grau), as pretensões deduzidas em juízo pelas partes serão rejeitadas no julgamento da ação principal; se julgado improcedente (menor grau), o magistrado apreciará a demanda com relativa liberdade, de acordo com o seu livre convencimento motivado, sendo vedado que rejeite o pedido do autor sob o fundamento de a coisa ou o direito disputado pertencer ao opoente. “Tal é a incompatibilidade entre pretensões, de que fala a doutrina e está presente no art. 56 do Código de Processo Civil”, observa Dinamarco (2009, p. 94, grifo do autor), abordando a prejudicialidade lógica, decorrente da coerência que se exige nos dois pronunciamentos, e jurídica, “representada pela igual natureza do juízo relativo a esses dois pontos, questões ou causas”:

Projetados esses conceitos sobre o modo como se relacionam a oposição e a demanda antes deduzida pelo oposto-autor, vê-se que realmente aquela é condicionante do teor do julgamento desta, porque no plano lógico o acolhimento da pretensão do opoente predetermina a rejeição da demanda inicial do autor (conseqüência da incompatibilidade); e no plano jurídico as operações mentais exigidas para julgar as duas são as mesmas, ambas situando-se no meritum causae e incidindo sobre o alegado direito ao mesmo bem. (DINAMARCO, 2009, p. 95, grifo do autor).

A partir do que foi explanado podemos concluir que a ação e a oposição devem ser julgadas pelo mesmo juízo e o objetivo é que sejam julgadas na mesma sentença. Essa conclusão primeira baliza algumas outras conclusões a respeito dessa relação de prejudicialidade. Como o objeto mediato e a causa de pedir, próxima ou remota, das duas demandas são os mesmos, a segunda conclusão é a de que esta prejudicialidade referida só pode ter natureza homogênea.

A terceira conclusão decorre das pretensões deduzidas em juízo, o que permite afirmar que as questões prejudiciais e prejudicadas são todas resolvidas principaliter tantum, podendo ser acobertadas pela coisa julgada material, embora a formação na ação esteja condicionada ao insucesso da oposição. Tanto não ocorre a sua formação que não há o efeito negativo da coisa julgada em relação à oposição, que pode ser apreciada livremente. É a causa prejudicial que influencia totalmente no julgamento da prejudicada, e não o contrário. Este caso pode acontecer na hipótese de a causa prejudicada ser decidida antes da prejudicial, quando a segunda decisão irá prevalecer, como constataremos logo a seguir.

A última conclusão que chegamos depende do momento da propositura da oposição. Quando ela é proposta antes do início da audiência e tem, pois, natureza interventiva, ou seja, havendo apenas uma relação jurídica processual, um procedimento e ambas as demandas devendo ser decididas em sentença única, é evidente que a prejudicialidade será interna.

Já quando proposta após a audiência e antes da sentença, formando processo autônomo, a prejudicialidade será externa.[14] Neste ponto, um adendo: a hipótese de suspensão (ou sobrestamento) da ação principal se subsume, no nosso sentir, à disposta no art. 265, IV, a (a norma não fala que os processos devem tramitar em juízos distintos), que prevê o prazo máximo de até 1 ano (art. 265, §5º), mas há regra especial quanto à oposição: suspensão de 90 dias (art. 60). É necessário aprofundar mais um pouco neste ponto.

O prazo máximo para a suspensão do processo, que é peremptório, pode se findar e neste caso o processo prejudicado vai prosseguir por expressa determinação legal. A regra não permite, mas acreditamos que as partes da demanda originária, as mais interessadas na solução da contenda original, deveriam ter o direito de alargar esse prazo,[15] até mesmo porque, como observa Dinamarco, “os objetivos do instituto da oposição só serão alcançados plenamente se a sentença for única; e isso não acontece sem a suspensão do processo” (2009, p. 113). Se a oposição chegar ao mesmo nível procedimental da ação originária, a partir daí teremos um simultaneus processus e ambas as demandas passarão a ter o mesmo procedimento e serão decididas em uma única sentença (art. 61).

Após a decisão da oposição (com a procedência do pedido), nos casos em que é julgada após o prazo de 90 dias (art. 60)[16] e antes do deslinde da questão prejudicial, teríamos com ela, então, duas decisões em cada hipótese, mas apenas uma com aptidão para ser acobertada de fato pela coisa julgada material, a sentença que resolve a oposição. Não haveria contradição jurídica, porque as partes não são as mesmas nas duas demandas e os efeitos da primeira decisão não atingirão o terceiro, que não participou do processo (sequer foi citado), pois “a sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não beneficiando, nem prejudicando terceiros” (art. 472). Desta forma, o cumprimento do comando emergente da segunda decisão, que produzirá a coisa julgada material, deve prevalecer (sem ocorrência de choque com a primeira), vinculando todos os participantes da relação jurídica processual que lhe deu causa, ou seja, o opoente e as partes originárias/opostos, que terão exercido o contraditório e a ampla defesa.

2.3. Competência para julgamento da oposição

Convém desde logo ressaltar que, apesar da utilização do termo “principal” nos arts. 59 e 60, não há nenhuma relação de acessoriedade entre as demandas, ação e oposição, seja no plano do direito material seja no plano do direito processual, haja vista que a declaração da inexistência do direito material ou a extinção da relação jurídica processual de uma demanda não culminam na extinção da outra.[17] Corrobora com o exposto Marcus Vinícius Rios Gonçalves quando leciona que nos artigos supracitados o adjetivo principal é utilizado como sinônimo de originária, “não havendo nenhuma ordem de importância ou relação de acessoriedade entre a oposição e a primeira ação” (2011, p. 183). É justamente por não haver relação de acessoriedade que, no caso do art. 59, se o réu reconhecesse a procedência do pedido do autor na ação, o processo não seria extinto com resolução do mérito. Não seria aplicado o art. 269, II, mas o art. 58, pois a outra demanda, a oposição, prosseguiria contra a outra parte no mesmo processo. Já no caso do art. 60, como são dois processos, se houver reconhecimento do pedido do autor pelo réu, a ação será extinta normalmente e a oposição prosseguirá contra o autor primitivo.

O art. 57 estabelece que a oposição será distribuída por dependência e não é preciso muito esforço para perceber que os arts. 59 e 60 distinguem a oposição, a segunda demanda proposta, da ação dita principal, a primeira demanda proposta. Da leitura dos artigos combinados somente uma única exegese é possível: a peça exordial da oposição deve ser direcionada ao juízo em que a ação dita principal está tramitando e, por conseguinte, este é o competente para ambas as demandas. Nas duas modalidades a competência para julgá-la é funcional (no plano horizontal) do juízo da causa originária. Ensina Dinamarco:

Diz- se funcional a competência quando a lei a determina automaticamente, a partir do simples fato de algum órgão jurisdicional ter oficiado em determinado processo com a atividade que de alguma forma esteja interligada com essa para a qual se procura estabelecer qual o juiz competente. Ou seja: ela é a competência decorrente do prévio exercício da jurisdição por determinado órgão. É automática porque nenhum outro elemento, além desse, precisa ser pesquisado na busca do juiz competente: as regras de competência funcional, residentes na Constituição e na lei, levam em conta a função já exercida num processo, para estabelecer a quem compete algum outro processo interligado funcionalmente a este ou a quem compete outra fase do mesmo processo. Por isso é que ela se chama competência funcional. (2002a, p. 433-434, grifo do autor).

A competência funcional é absoluta. Isto posto, conclui-se que a competência para o julgamento da oposição é, pois, absoluta do juízo em que tramita a ação dita principal, não podendo ser modificada, ou seja, prorrogada ou derrogada. É bom frisar: o juízo da ação originária é o competente para a oposição, e não o contrário.

Tratando do art. 108, citando o art. 58 do Código Civil de 1916, atual art. 92 do Código Civil atual, Dinamarco explica que “acessórias, nos termos da lei civil e para a incidência do art. 108 do Código de Processo civil, são as coisas ‘cuja existência supõe a da principal’” (2002b, p. 158, grifo do autor). A relação de acessoriedade se manifesta no plano processual, quando a demanda acessória existe em função da principal – ou seja, se esta for extinta, o mesmo ocorrerá com aquela –, e no plano material, quando, nas palavras do douto:

[...] a declaração de inexistir o direito principal constituirá preceitos do qual não poderá afastar-se o julgamento da demanda acessória; pendente a demanda sobre o direito principal, suspende-se por um ano o processo instaurado para a que tem por objeto o direito acessório (se não houverem sido reunidas) etc. (2002b, p. 158).

Entretanto, isso não ocorre com a oposição. Mesmo na modalidade interventiva, tem ela autonomia existencial em relação à ação. Logo, o art. 108 não se aplica ao caso, pois, como já afirmou Pontes de Miranda, “se não é necessária a pressuposição de uma por outra, não cabe invocar-se o art. 108” (1973, p. 276).

Já em relação ao art. 109, ocorre a prevenção expansiva: “a prevenção do juiz em relação ao processo pendente (distribuição) expande-se, em virtude das regras de competência funcional, a outros processos a serem instaurados depois e relativos ao mesmo contexto litigioso” (DINAMARCO, 2002a, p. 633). Aprofundando, Dinamarco trata da função da distribuição por dependência disposta no art. 57, que se coaduna com o regramento genérico do art. 253, I: a distribuição por dependência “constitui antecipação da requisição do processo pelo juiz prevento e destina-se inclusive a evitar certas dificuldades – como a omissão do juiz que não faz a requisição ou os incômodos de um conflito positivo de competência” (2002a, p. 637), além de favorecer a efetividade das regras que estabelecem competências funcionais.

O dispositivo legal manifesta expressa distinção entre a causa principal (que deve ser entendida como causa originária) e as manifestações processuais elencadas, tendo o juiz daquela causa a competência para ambas, e não o inverso. No mesmo sentido, os arts. 59 e 60.

Como a prevenção é utilizada para se referir às situações em que dois ou mais juízos são competentes quando acontece a prorrogação/derrogação de suas competências,[18] vamos dar um exemplo esclarecedor da diferença entre esta e a prevenção característica da oposição. Dois litigantes disputam um terreno “situado em mais de uma comarca” (art. 107) na comarca A e uma segunda ação, conexa com aquela, é proposta na comarca B: o juízo competente para julgar ambas as ações será aquele que promover a primeira citação válida (art. 219). Já se essa segunda demanda conexa proposta for uma oposição, sequer deverá ser proposta em outro juízo, pois a competência é funcional (absoluta) do juízo da causa originária (da ação), independente de citação válida. Para Daniel Neves, entretanto, a oposição (rectius: ação) proposta após a sentença não deverá ser distribuída por dependência, mas livremente, porque não há previsão legal exigindo a distribuição dirigida (2011, p. 234).

 Em suma, temos firme convicção de que o art. 108 não se aplica ao caso específico da oposição e, no que toca à competência, os art. 59, 60 e 109 são claros no sentido de ser o juízo da ação originária o competente para as outras demandas propostas (oposição e as demais previstas no art. 109), e não o contrário. É a causa originária que finca a competência no juízo competente para julgá-la.

Todos os esclarecimentos acerca dos arts. 59, 60, 108 e 109 serão importantes para o estabelecimento da competência para julgar a oposição promovida por entes públicos federais e a ação que tramita na Justiça Estadual.


3. A OPOSIÇÃO E O PROJETO DE LEI DO SENADO N. 166, DE 2010

Dinamarco conceitua a oposição como “a demanda mediante a qual terceiro deduz em juízo pretensão incompatível com os interesses conflitantes do autor e réu de um processo pendente” (2009, p. 40). Desta forma, se a relevância está na incompatibilidade das pretensões do terceiro e as das partes originárias, não vemos problemas em processar uma demanda não intitulada como “oposição”, proposta contra as partes da outra ação, com o objeto restrito ao disputado e antes da sentença, como se oposição fosse.

Efetivamente, as duas demandas seriam conexas (por prejudicialidade)[19] e ensejariam, além da distribuição por dependência (art. 253), a reunião dos processos para que as decisões (decisão) ocorressem simultaneamente, com a finalidade de evitar o pronunciamento de decisões contraditórias, providência que o magistrado pode, inclusive, adotar de ofício, conforme autoriza expressamente o art. 105. Tal atitude não prejudicaria as partes, já que não há invalidade processual sem prejuízo (pas de nullité sans grief), concretizaria diversos princípios constitucionais do processo, e, em última instância, estaria em sintonia com o combate à morosidade processual promovido pelo Projeto de Lei do Senado n. 166, de 2010, que dispõe sobre a reforma do Código de Processo Civil e proposições anexadas.[20]

Entretanto, tal Projeto de Lei, na ânsia por conferir celeridade à marcha processual, pretendeu eliminar incidentes variados, como a oposição. Para Fredie Didier Jr., não há maiores problemas técnicos ou teóricos em se retirar incidentes puramente processuais do Novo CPC, tais como a impugnação ao valor da causa e incompetência relativa, mas “os incidentes que existem em função do direito material, entretanto, não devem ser eliminados; podem e devem ser aprimorados” (2010). Este é o caso da oposição. Não há como não lamentar a sua supressão e a rejeição, pelo Senado Federal, da Emenda n. 129, de autoria do Senador Marconi Perillo – que propunha a inserção de tal modalidade no Projeto –, ainda mais com a frágil justificativa de que o “instituto é utilizado raramente, o que, portanto, não justifica a manutenção de um capítulo especifico no Código para tratar do tema”, nos termos do relatório da Comissão Temporária da Reforma do Código de Processo Civil (BRASIL, 2010). Ora, as intervenções de terceiros em geral eram pouco frequentes na Roma antiga e nem por isso o Direito romano, base do Direito português e brasileiro, excluiu a possibilidade de o terceiro defender seu interesse ou direito de forma específica, embora com escassez de regras (BUZAID, 1972, p. 273-285).[21] E mais: se na Alemanha e Itália, países de notória evolução no campo processual, Portugal, diversos países latino-americanos e tantos outros possuem normas específicas tratando da matéria,[22] por que não tratar no nosso Direito pátrio? Não há justificativa para tal medida.

Com efeito, é uma evidente contradição já que a oposição, tanto na modalidade interventiva quanto na autônoma, está em perfeita harmonia com os valores que orientam o Projeto de Lei do Senado n. 166/2010 e igualmente ao Projeto de Lei n. 8.046/2010, da Câmara. A oposição é um instrumento a serviço da economia processual e, pois, à duração razoável do processo, na medida em que concentra atos processuais (unificação da instrução e do julgamento), aproveita os já praticados, diminui a quantidade de processos e os valores despendidos pelas partes e pelo Estado com a manutenção da máquina judiciária.[23] Não é por outro motivo que a Associação dos Magistrados do Brasil (2010), convocada pela Comissão de Juristas do Senado Federal,[24] propôs a sua manutenção, afirmando que se trata de “ferramenta de aproveitamento e de concentração de atos processuais, alinhando-se, portanto, com os ideais do Novo CPC”. Propõe ainda, superando o disposto no regramento atual, que a “sua autuação deve se dar sempre em apenso aos autos da ação originária, independentemente da fase processual em que se encontre. A disparidade dos atuais artigos 59 e 60 deve ser uniformizada”.

3.1. A continuidade da oposição à revelia do legislador

Há uma manifesta distinção entre a situação que envolve o opoente e a que envolve um autor qualquer. O processo não é um fim em si mesmo, mas uma técnica a serviço do direito material, e o procedimento deve ser adequado à tutela de tal direito do opoente: a proteção imediata do alegado direito pessoal ou real do terceiro e aferição deste e das outras partes em conjunto, prevenindo as “projeções ultra partes” da sentença proferida,[25] tornar a coisa ou o direito litigioso desde logo, além de facilitar as defesas com a sentença única. Destarte, o opoente ou a parte originária vencedora se veria livre de outra batalha judicial e também do resíduo litigioso que poderia se derivar dele, de uma maneira mais célere e efetiva, e o Estado cumpriria a sua missão de eliminar o conflito do seio da sociedade de uma vez.

A vontade do legislador senatorial é no sentido de que “para veicular em juízo pretensão hoje contemplada na oposição, a parte poderá se valer de ação própria, que tramitará pelo procedimento comum, a ser dirigida contra os litigantes no outro processo, que hoje são denominados de opostos” (BRASIL, 2010). Mas esta não é a tutela adequada, nos termos aduzidos por Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart:

Seria possível, na situação em que seria cabível o oferecimento da oposição, ao “terceiro” opoente propor sua ação independentemente contra ambos os contendores da primeira relação processual. Ou, também, seria possível a ele aguardar a solução da primeira causa, propondo posteriormente ação contra o sujeito vitorioso na primeira demanda. Todavia, por razões de conveniência, e em prestígio à economia processual, a oposição é o meio mais adequado para a solução do conflito, permitindo que também essa pretensão do terceiro seja decidida no processo já instaurado. (2006, p. 187 grifo nosso).

Para arrematar, também o princípio ou postulado normativo da proporcionalidade recomenda a adoção e manutenção do processamento da oposição, que é adequado, necessário e proporcional em sentido estrito. Em apertada síntese, (a) adequado, porque promove o fim (dizer qual o direito que deve ser aplicado ao caso e executá-lo), (b) necessário, pois é o “mais adequado”, conforme anotaram Marinoni e Arenhart, ou seja, entre os meios adequados disponíveis é o que menos restringe e, por sua vez, o que mais promove os direitos das partes envolvidas, e é (c) proporcional em sentido estrito, porque o processamento especial da oposição sequer tem desvantagens em relação aos outros meios adequados e disponíveis.

Fredie Didier Jr. aduz que a oposição é um incidente fundado no direito material, que a sua retirada não acabará com a referida situação, não haverá regramento específico e alerta:

Sem o regulamento processual da oposição (aliás, produto de longa sedimentação histórica), as oposições que surgirem (como ações conexas, terão de ser reunidas à ação principal) serão processadas livremente,[26] sem as boas regras de economia que já existem (prazo comum de defesa, citação na pessoa dos advogados, vedação da oposição após sentença). O Judiciário será chamado a preencher essa lacuna (e não duvide de que as regras anteriores possivelmente sejam repristinadas pela jurisprudência). (2010, grifo nosso).

No curso do devido processo legislativo constitucional, já na Casa Revisora, a Câmara dos Deputados, o próprio Fredie Didier Jr. contribuiu para o relatório final, a cargo do Deputado Federal Sérgio Barradas Carneiro, do agora Projeto de Lei n. 8.046, de 2010. Com as Emendas propostas, a Oposição regressou ao texto do Novo CPC, e se permanecer, ganhará uma nova natureza jurídica, a de procedimento especial, e passará a ser tratada ao lado dos “embargos de terceiro”. O trâmite processual legislativo não está finalizado e a garantia de sua presença não está assegurada, porém se a saída se confirmar, certamente alguma lei posterior vai promover o seu retorno para nossa ordem jurídica.

Todavia, ainda que a oposição seja suprimida do rol das intervenções de terceiros no Novo CPC, ainda subsistirá expressamente no ordenamento jurídico pátrio por haver previsão constitucional da situação jurídica em que o ente federal será opoente[27] e a determinação da competência da Justiça Federal para julgar tal lide (art. 109, I, da CF). Assim, se o ente federal propuser uma ação nos moldes atuais da oposição, estará na posição de opoente e o processo deverá continuar sendo processado da forma que sempre foi pelo Judiciário, como veremos adiante. 

A nossa Constituição, frise-se, trata da situação de "opoente" e não estabelece a necessidade da propositura de “oposição" pela pessoa jurídica de direito público federal. Desta forma, o magistrado estadual verificaria a presença dos, na expressão cunhada por Dinamarco (2009, p. 70-90), “pressupostos específicos da oposição”:[28] a qualidade de terceiro do opoente, a pretensão incompatível com a dos outros, a litispendência entre outros, litispendência em primeiro grau[29] e processo de conhecimento. Ou seja, certificaria que uma demanda foi instaurada pelo ente federal, que é um terceiro, que a sua pretensão deduzida é incompatível com a dos litigantes do outro processo, que ambas as ações têm natureza cognitiva e estão sendo processadas no juízo monocrático e, ao final, constatará que tal ente será um “opoente”, devendo promover o processamento aludido. Se não cumprir a interpretação e aplicação dada à norma constitucional, o procurador do ente certamente suscitará o conflito de competência. Por este motivo e por já estar consagrado na jurisprudência, além da previsão do emérito Didier Jr., pensamos que o tratamento específico dado à oposição vai subsistir ao menos neste caso.

A oposição, não podemos perder de vista, é a mesma ação que pode ser proposta após a sentença: são as mesmas partes, a mesma causa de pedir e o mesmo pedido.[30] A partir dessa observação, chegamos à conclusão que tais “pressupostos específicos” são necessários não para que a demanda exista, mas para que seja processada na forma dos arts. 59 e 60 e que este procedimento especial é o traço distintivo entre as duas. Os “pressupostos específicos” são, em verdade, condições que devem estar presentes para que se produza o efeito do processamento específico destinado ao caso concreto, que é mais intenso na oposição interventiva.

4. A OPOSIÇÃO DAS PESSOAS JURÍDICAS DE DIREITO PÚBLICO FEDERAL EM PROCESSO PENDENTE NA JUSTIÇA ESTADUAL[31]

Dispõe o art. 106 da CF que são órgãos da Justiça Federal os Tribunais Regionais Federais e os Juízes Federais. A competência destes é a que será estudada. “Por estarem previstas na Constituição Federal, e não havendo em tal diploma legal norma modificadora de competência, nenhuma delas se aplicará às regras determinadoras da competência da Justiça Federal, o que revela a sua natureza absoluta” (NEVES, 2011, p. 137). Faremos um recorte e abordaremos especificamente o art. 109, I, da Constituição Federal de 1988, por ser o dispositivo no qual encontra-se justamente a regra de competência que abarca a oposição de pessoas jurídicas de direito público federal. A Constituição estabelece que os juízes federais têm competência para processar e julgar as causas em que a União, entidade autárquica (e equiparadas) ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou opoentes, ressalvadas as exceções das causas de falência, de acidentes de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e Justiça do Trabalho.

Precisamente, não apenas as pessoas jurídicas de direito público federal se enquadram na situação trazida à baila. Essa é a regra constitucional. O art. 109, I, trata também das empresas públicas federais, que são pessoas jurídicas dotadas de natureza jurídica privada. O presente estudo engloba a oposição promovida pela Administração Pública direta, entes públicos da indireta e, embora não façamos referência a todo instante, as empresas públicas federais, mesmo que prevaleçam seus imediatos interesses privados no processo.[32]

Na outra extremidade, a competência da Justiça Estadual está também disposta na Constituição no art. 125, mas não expressamente. Ela delega aos Estados (e ao Distrito Federal) e seus respectivos Tribunais de Justiça a competência legislativa para a organização de suas Justiças. Desta forma, são as Constituições e as Leis de Organização Judiciária estaduais que tratam da competência da Justiça Estadual com minudência. As normas estaduais devem observar os princípios estabelecidos na Constituição Federal e não podem tratar de causas expressamente conferidas às outras Justiças ou Tribunais Superiores, além, por óbvio, das causas de competência internacional exclusiva, daí a afirmação de que a competência da Justiça Estadual é residual.

Como sempre que houver interesse jurídico ou econômico, nos termos do art. 5º, p.u., da Lei n. 9.469, de 1997, de pessoa de direito público federal ou se esta for parte da demanda, a causa será de competência da Justiça Federal, podemos afirmar que as causas que envolverem apenas pessoas, físicas ou jurídicas, particulares e seus interesses privados serão de competência da Justiça Estadual, ressalvados os casos de competência da Justiça do Trabalho e da Justiça Eleitoral. No que toca à Justiça Militar, sempre terá um ente ou agente público em um dos pólos da relação jurídica processual.

Tendo em vista que as competências das Justiças arroladas na Constituição são absolutas e, por isso, não podem ser prorrogadas, abarcando causas que não estejam expressas ordinariamente, ou derrogadas, podemos, portanto, afirmar sem titubear que a competência da Justiça Estadual é igualmente absoluta, embora residual: sempre terá competência pra julgar processos que não são das outras Justiças, competência esta que não pode ser prorrogada ou derrogada.

Se, por acaso, a Constituição inovar no regramento de uma causa da Justiça Estadual e a transferir para outra Justiça, não haverá derrogação de competência, porque só há derrogação de competência de quem competência possui, pois ela consiste “na diminuição da competência do órgão que seria competente para a causa concretamente atraída àquele” (DINAMARCO, 2002a, p. 211). No caso, simplesmente a Justiça Estadual deixaria de ter competência para a causa, ou seja, não seria mais a competente para a causa concretamente atraída a ele. Como “a rigor, a derrogação incide diretamente sobre normas determinadoras e não sobre a competência em si mesma”, ensina Dinamarco (2002a, p. 573, grifo do autor), e a norma determinadora de competência estaria na Constituição, é nela que deveria atuar. Logo, se houver, por ex., uma causa tramitando na Justiça Estadual e ocorrer o aludido fenômeno constitucional, não teríamos derrogação, mas apenas a remessa dos autos para a Justiça competente em razão da atual incompetência absoluta do juízo estadual. Foi o que aconteceu com a EC n. 45/2004, quando, por ex., alargou a competência da Justiça do Trabalho, e é o que ocorre quando alteram a competência absoluta na forma do art. 87, segunda parte.

A Justiça Estadual tem, pois, em primeiro lugar competência originária para julgar as causas que envolverem apenas pessoas, físicas ou jurídicas, particulares e seus interesses igualmente particulares ou pessoas de direito público estadual. Ela não pode ser prorrogada para abranger causas de outras Justiças e estas não podem ser prorrogadas para incluir causas que não são de sua competência.

Entretanto, há casos em que juízes estaduais têm competência para julgar causas de competência da Justiça Federal e os recursos contra a decisão são interpostos perante o TRF, conforme art. 109, §3º, da CF, ou seja, se envolver causas previdenciárias e não houver sede de vara do juízo federal na comarca ou se houver autorização legal (legislação infraconstitucional) para outras causas diversas das previdenciárias. O magistrado estadual estaria investido de “jurisdição federal”.

Depreende-se, então, que as pessoas jurídicas de direito público federal devem demandar perante a Justiça Federal. E se demandarem na Justiça Estadual? A incompetência absoluta deve ser reconhecida pelo juiz, ex offício ou após provocação, e o processo deve ser remetido para a Justiça Federal. Entretanto, em relação à oposição há uma prática anômala, consagrada na prática forense, em que este preceito compulsório não se aplica: a propositura de oposição por pessoas de direito público federal em face de particulares (ou de particulares e pessoa jurídica de direito público estadual) em processo que tramita na Justiça Estadual. Neste caso, a demanda entre o ente federal e os particulares é remetida para a Justiça Federal, mas é também acompanhada da demanda que envolve apenas os particulares, de competência da Justiça Estadual, para serem ambas processadas e julgadas pela Justiça Federal.

Com as noções básicas e imprescindíveis das duas competências, podemos seguir em frente.

Merece registro o fato de o presente caso a ser analisado ser comumente negligenciado pela doutrina e, quando mencionado, não ser tratado com a necessária profundidade. Em geral, as intervenções de terceiros promovidas por entes federais em causas pendentes na Justiça Estadual são tratadas de maneiras indistintas ou focando no interesse jurídico ou, por vezes, econômico do ente federal, sem perquirir que essas situações são diversas de quando se defende um direito pessoal ou real próprio de tais pessoas de direito público federal. A guisa de exemplo, observamos que Daniel Neves, em obra específica, comete um deslize ao não mencionar a oposição na lição seguinte:

Voltando à questão do interesse jurídico como permissivo da participação da União e dos outros entes federais ora analisados, a doutrina concorda que houve injustificável limitação constitucional, não restando qualquer dúvida de que a participação dos sujeitos federais previstos no dispositivo legal também poderá se verificar por meio da denunciação à lide e chamamento ao processo, hipóteses em que inegável a competência da Justiça Federal. Quanto à nomeação a autoria, poderia também ser lembrada, mas verificando-se a extromissão de parte (saída do réu originário para o ingresso do nomeado em seu lugar) a União nomeada se torna ré, sendo desnecessária a indicação de tal espécie de intervenção de terceiro. (2005. p. 144, grifo do autor).

Neste ponto é oportuno inquirir, ainda que em linhas gerais,[33] um detalhe inexplorado a respeito da natureza da oposição. A doutrina processual a enquadra nas modalidades voluntárias de intervenção de terceiros, mas afirmamos acima que o caráter voluntário é a regra. Excepcionalmente, em razão do regime jurídico dos bens públicos, o ajuizamento da oposição não é voluntário quando o bem ou direito lesado é de pessoa jurídica de direito público ou empresa pública. O mesmo deve ocorrer em relação aos bens afetados de entes privados da Administração indireta. Os advogados e representantes judiciais da Administração direta e indireta são considerados agentes públicos, detentores de cargo ou empregos públicos, e possuem a nobre função de promover a defesa do patrimônio público. Estes sujeitos devem observar os princípios da eficiência e da indisponibilidade do interesse público na prestação de seu mister. Não há discricionariedade no desempenho de suas funções, ou seja, não possuem a conveniência e oportunidade de atuar judicialmente, pois assim que tiverem ciência do ilícito perpetrado, devem agir com diligência e presteza. Desta forma, havendo uma disputa de bem ou direito pertencente à Fazenda Pública, o órgão competente deve obrigatoriamente promover a oposição de forma imediata. Este caso, no âmbito federal, é justamente o objeto de nosso estudo.

4.1. O julgamento da oposição e ação pela Justiça Federal e a Teoria Geral do Processo

Em razão de ser uma intervenção principal, que resguarda um direito e não um interesse, tratando do art. 125, §2º, da CF de 1969,[34] oriundo da EC 01/69 à CF de 1967, Ari Pargendler entende que “o Juiz da oposição deve ser o da causa principal. Por isso que, formulada a oposição pela União, também à causa principal deve ser remetida ao conhecimento da jurisdição federal” (1979, p. 70).[35] As Constituições anteriores traziam norma expressa no sentido de o juízo competente para a causa envolvendo a Fazenda Pública ser o competente: as de 1937 e 1946 estabeleciam que, se houvesse intervenção da União como assistente ou opoente, as causas propostas perante outros juízos passariam a ser da competência de um dos juízos da Capital. Não havia neste momento histórico a Justiça Federal, reestruturada em 1966 (e criada com o Decreto n. 848, de 1890). As Constituições de 1967 e 1969, respectivamente nos arts. 119, §2º, e 125, §2º, dispunham que as causas propostas perante outros juízes, se a União nelas intervier, como assistente ou opoente, passarão a ser da competência do juiz federal respectivo.

Já sob a vigência da Carta Magna de 1988, que não contém tais disposições, Cândido Rangel Dinamarco leciona que se desfaz a prevenção da competência, prevista no art. 109, e “desloca-se a competência, tanto para a ação quanto para a oposição, quando a causa pende perante a Justiça Estadual a oposição é formulada por uma das entidades para as quais é competente a Federal” (2002, p. 385, grifo do autor). Neste sentido, também leciona Athos Gusmão Carneiro (2004, p. 172).

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é pacífica no sentido de a Justiça Federal julgar tal(is) processo(s) envolvendo as duas demandas. Julgando o conflito negativo de competência instalado entre a 3ª Vara Cível de Boa Vista/RR e a 1ª Vara Federal da Seção Judiciária do Estado de Roraima, o STJ se manifestou neste sentido:

PROCESSO CIVIL. CONFLITO DE COMPETÊNCIA. JUÍZO CÍVEL E JUÍZO FEDERAL. AÇÃO DE INTERDITO PROIBITÓRIO. PEDIDO DE INTERVENÇÃO DO INCRA. DECLARAÇÃO, PELO JUÍZO FEDERAL, DE AUSÊNCIA DE INTERESSE DA AUTARQUIA. PROPOSITURA DE AÇÃO DE OPOSIÇÃO, QUE NÃO FORA CONSIDERADA NA DECISÃO PROFERIDA PELO JUÍZO FEDERAL. INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA DA JUSTIÇA ESTADUAL. CONFLITO CONHECIDO. A existência, conexa à ação possessória, de ação de oposição ajuizada por Autarquia Federal, torna o Juízo Estadual absolutamente incompetente para decidir toda questão. A decisão do Juízo Federal que não tomou em consideração a existência da referida oposição, é passível de revisão, não se aplicando, à hipótese, as orientações contidas nas Súmulas 150 e 254/STJ. Conflito conhecido e provido, para o fim de declarar a competência do Juízo Federal, ora suscitado. (STJ. Conflito de Competência 85.115/RR. Relatora: Ministra Nancy Andrighi. Órgão Julgador: Segunda Seção. Julgamento: 25/06/2008. Publicação: 01/08/2008). (grifo nosso).

Para o STJ, o juízo estadual não será competente para julgar tais casos sequer se a comarca não for sede de vara da Justiça Federal, pois além do art. 109, §3°, da CF não determinar nada neste sentido, também não há lei que estabeleça tal delegação.[36]

A prática adotada é atraente, mas se submetida a uma investigação percuciente, podemos constatar que viola a lógica ou valores informativos do processamento da oposição. Em decorrência disso, data maxima venia, ousamos discordar dos Mestres e da prática judiciária consagrada, e apresentamos modestas soluções que reputamos mais adequadas ao caso por conciliar lições básicas de Teoria Geral do Processo e de Direito Constitucional. Com primor, já ensinou Carlos Maximiliano que:

O direito é ciência de raciocínio; curvando-se ante a razão, não perante o prestígio profissional de quem quer que seja. O dever do jurisconsulto é submeter a exame os conceitos de qualquer autoridade, tanto a dos grandes nomes que ilustram a ciência, como a das altas corporações judiciárias. Estas e aqueles mudam freqüentemente de parecer, e alguns têm a nobre coragem de o confessar; logo seria insânia acompanhá-los sem inquirir dos fundamentos dos seus assertos, como se eles foram infalíveis. Nullius addictus jurare in verba magistri: “ninguém está obrigado a jurar nas palavras de mestre algum”. (2010, p. 223).

Inicialmente, o processamento do caso nos moldes atuais traz algumas desvantagens e incongruências que podem dificultar a prestação jurisdicional. Com a oposição, o ente não manifesta aquele interesse jurídico (quando o patrimônio jurídico do terceiro pode sofrer efeitos invasivos, ainda que reflexos, advindos de uma decisão judicial) ou econômico (Lei n. 9.469/97, art. 5º) dando azo à assistência, mas deduz uma pretensão em juízo, e ela, a oposição, tem regramento diverso das demais intervenções de terceiros. Desta forma, na possibilidade de a Justiça Federal entender que o ente federal não é o titular do bem ou direito controvertido, ainda assim julgaria a demanda que envolveria apenas particulares e seus interesses privados? O regramento da oposição não permite negar, mas a resposta negativa já foi dada pelo Supremo Tribunal Federal:

AÇÃO POSSESSÓRIA ENTRE PARTICULARES. OPOSIÇÃO DA UNIÃO JULGADA IMPROCEDENTE. REMESSA DOS AUTOS AO JUIZ ESTADUAL PARA JULGAR AÇÃO. Reconhecido que as terras em litígio não estão na faixa de fronteira, nem são terras devolutas, de modo que enseje o interesse da União, as oposições manifestadas por ela e pelo INCRA não procedem. Em conseqüência, a competência para o julgamento de ação possessória entre partes privadas é da Justiça Estadual. Recurso extraordinário de que se não conhece. (STF. Recurso Extraordinário 99598-6/MT. Relator: Min. Soares Muñoz. Órgão Julgador: Primeira Turma. Julgamento: 24/03/1983. Publicação: 22/04/1983). (grifo nosso).

Essa resposta, além de não aplicar o regramento específico da oposição, traz consigo o inconveniente de a instrução da demanda entre os particulares talvez se iniciar do ponto de partida na Justiça Estadual depois de anos tramitando na Federal, ou da dificuldade de o juiz estadual não acompanhar o seu desenvolvimento e conseqüentemente não valorar as provas produzidas até então com mais proximidade para melhor motivar a sua decisão final, sobretudo se se tratar de prova oral,[37] dando vazão à conversão do julgamento em diligência, ao atraso em geral e à morosidade na composição do conflito por parte do Poder Judiciário (após anos tramitando sem solução na Justiça Federal ou Tribunais Superiores). Já disse Rui Barbosa que justiça atrasada não é justiça, senão injustiça qualificada e manifesta (2005, p. 34).[38]

Já vimos que há uma relação de prejudicialidade entre a oposição e a ação principal: se o pedido da oposição for julgado procedente, a ação será necessariamente improcedente, bem como não importará mais as alegações da defesa do réu. A utilização do regime jurídico da oposição conduz a esse resultado lógico-jurídico. Contudo, se a oposição for rejeitada, a influência do julgamento anterior será menor e a ação será julgada com relativa liberdade pelo mesmo magistrado, realizando o cotejo e valoração das informações trazidas ao processo pelo autor e réu.

O problema desse entendimento do STF está no fato de introduzir uma questão prévia de natureza preliminar no caso de improcedência da oposição: a Justiça Federal estaria impedida de julgar a ação por lhe faltar competência.[39] Isso pode redundar na prática de os magistrados federais somente apreciarem as questões relativas ao ente federal, deixando de lado a instrução relativa às questões postas entre os particulares. Seria a oposição ao mesmo tempo uma questão prévia prejudicial (se procedente) e preliminar (se improcedente). Mas a oposição não foi criada com este propósito e não deve existir relação de preliminaridade entre as questões. A intenção do legislador é que o julgamento da oposição e da ação seja realizado pelo mesmo juízo e – é o desejável – na mesma sentença. A relação de preliminaridade impede que o escopo da oposição se concretize, e o CPC determina que seu processamento e julgamento não podem se tornar perniciosos à causa principal.

Além disso, há na solução um menoscabo ao comezinho regramento conferido à oposição pelo CPC/73: é de clareza solar que o propósito do legislador é valorizar a economia processual com a “unificação” da instrução e julgamento simultâneo da ação e oposição, evitando, pois, que o processo se torne dispendioso e demorado. Nesta perspectiva, não tem sentido permitir a oscilação da demanda com as remessas ou, após o processamento nos moldes dos arts. 59 e 60, segunda parte, a separação das duas demandas, oposição e ação.[40]

O primeiro questionamento leva ao segundo: e se a Justiça Federal decidir que o ente federal é titular do bem ou direito apenas em parte, julgaria a outra contenda deduzida em juízo? O Tribunal Regional Federal da 1ª Região já se deparou com tal situação: o juízo da 12ª Vara Federal da Seção Judiciária da Bahia julgou procedente a oposição formulada pela União, reconhecendo parte do imóvel disputado como terreno de marinha, declarou a sua incompetência em relação à área sobejante e determinou a remessa dos autos ao Juízo da 2ª Vara Cível da Comarca de Camaçari/Ba. Na Apelação, restou decidido pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região o que segue:

PROCESSO CIVIL. REIVINDICATÓRIA E OPOSIÇÃO. JULGAMENTO UNIFICADO EM UMA SENTENÇA. 1. A oposição é possível sempre que alguém entende ser o verdadeiro titular, no todo ou em parte, de um direito que está em litígio entre terceiros (art. 56 do CPC). Assim é cabível o uso da oposição pela União, para que veja reconhecida sua titulariedade sobre parte do imóvel que é objeto de ação reivindicatória entre particulares. 2. A oposição e a ação principal, no caso uma reivindicatória, precisam ser julgadas no mérito em um só ato de conhecimento (art. 59 do CPC), sendo descabido dar procedência à oposição, ajuizada pela União, e declinar da competência em relação à reivindicatória entre particulares. 3. Nos termos do art. 109 do CPC o juiz da causa principal é competente para as ações que dizem respeito ao terceiro interveniente. Como não teria cabimento interpretar este dispositivo no sentido de a Justiça Estadual ser competente para julgar a causa unificada, dada a presença da União, é óbvio que esse julgamento competirá em seu todo à Justiça Federal. 4. Sentença anulada para se retomar o curso normal do processo, dentro do qual deve ser observada também a conexão necessária com a ação de usucapião sobre o mesmo imóvel que a União diz lhe pertencer em parte, dada a evidente possibilidade de decisões diametralmente opostas (reconhecendo a propriedade plena em uma para o particular e aqui reconhecendo parte da propriedade para União). (TRF-1. Apelação Cível nº 2003.33.00.006208-1/BA. Relator: Juiz Federal convocado César Augusto Bearsi. Órgão Julgador: Quinta Turma. Julgamento: 30/05/2007. Publicação: 24/08/2007). (grifo nosso).

Não podemos concordar com esta decisão. A nosso ver, se o direito da União já foi resguardado no caso sub judice e não há mais qualquer interesse dela no que excede, nada justifica, na vigência da CF/88, a Justiça Federal julgar essa lide envolvendo tão-somente interesses privados de partes não elencadas no art. 109 da CF.[41] É caso típico de oposição parcial, quando o opoente, nas palavras de Pontes de Miranda, “é estranho a tudo mais que se discuta: o processo ignora-o, e ele ignora o processo” (1973, p. 93). Aprofunda Dinamarco: “na parte excedente à oposição inexiste qualquer nexo de prejudicialidade e, quanto a ela, o julgamento da causa principal será como se oposição não existisse” (2009, p. 64, grifo do autor). Além, apreciando um conflito negativo de competência, já decidiu o STJ:

COMPETÊNCIA. LEGITIMIDADE DE PARTE (UNIÃO FEDERAL E BANCO CENTRAL DO BRASIL). Excluídos da relação processual os entes federais, desapareceu o motivo que justificava a tramitação do feito perante o foro federal. Restrito o litígio a dois particulares, a competência para processá-lo e julgá-lo é da Justiça Estadual. Conflito conhecido, declarado competente o suscitante. (STJ. Conflito de Competência nº 10608-7 – São Paulo. Relator: Min. Barros Monteiro. Órgão Julgador: Segunda Seção. Julgamento: 28/08/1994. Publicação: 31/10/1994). (grifo nosso).

Apenas para argumentar, não sendo suficiente o explanado, tal decisão choca-se frontalmente com a interpretação restritiva dada pelo STF no julgado supracitado, produzido na vigência da Constituição de 1969, segundo o qual haveria derrogação da competência originária[42] da Justiça Estadual e o art. 125, §2º, da Constituição pretérita introduziu uma exceção à regra de que a conexão entre as demandas só produz o efeito da reunião dos feitos para julgamento simultâneo se o juiz for competente para ambas, fundamentando no voto acórdão (ratio decidendi) que:

Como exceção aos casos de modificação da competência originária, deve ser interpretada restritivamente, de forma que, julgada improcedente a oposição da União, não remanesce competência do Juiz Federal para apreciar o litígio entre particulares. (grifo nosso).

Ainda a respeito das desvantagens e incongruências que podem dificultar a prestação jurisdicional, a orientação é a de que proposta a oposição pelo ente federal, o magistrado estadual remeta os autos para a Justiça Federal sem qualquer exame. Neste sentido, Ari Pargendler entende que “formulada essa oposição, segundo os ditames do estatuto processual, o processo principal deve ser remetido, sem qualquer exame, à Justiça Federal” (1979, p. 71) e Dinamarco, que “a intervenção desloca para a Justiça Federal todo o processo, com todas suas questões a solucionar, com todas as partes originárias” (2002a, p. 482, grifo do autor). Vamos imaginar uma situação extrema: o processo está concluso no juízo estadual e ocorre a referida propositura (será uma oposição autônoma). Pelo processamento instituído, o processo, após cognição exauriente, estaria pronto para uma solução e ela seria atrasada até que a instrução e o julgamento da oposição (art. 61) se desse no juízo federal. Não vemos razão para que isto ocorra. O direito italiano impede este tipo de situação porque tem, informa Dinamarco (2009, p. 85), na apresentação das alegações finais pelas partes o termo final para a propositura da oposição. Se a prejudicialidade externa entre uma causa penal, que possui um compromisso muito maior com a denominada verdade real, conforme ensina Eugênio Pacelli de Oliveira,[43] e outra cível pode ser desconsiderada para efeitos de julgamento por este juízo, no caso de estar a instrução muito avançada, não vemos nenhuma justificativa relevante para que esta orientação não seja adaptada e aplicada ao caso com vista a evitar a mora na prestação jurisdicional, tão depreciativa para a Justiça. Acrescenta Pacelli de Oliveira:

E mais: o vocábulo poderá, constante do citado art. 64, parágrafo único, do CPP, confere verdadeiro poder discricionário ao juiz do cível, acerca da conveniência da suspensão do processo naquela instância. Embora alguns autores entendam que o termo (poderá) contemplaria verdadeiro dever, entendemos que a hipótese é mesmo de discricionariedade. Isso porque, somente a partir do exame do estágio de desenvolvimento procedimental de um e outro processo (a ação cível e a penal) é que se poderá avaliar a conveniência de se suspender o processo no cível. Assim, quando já estiver encerrada a instrução na ação civil, não haverá, segundo nos parece, qualquer razão para a suspensão do processo se, por exemplo, estiver ainda no início o procedimento criminal. A questão da suspensão, até porque a própria lei prevê prazo limitado (art. 265, CPC), deve, pois, situar-se no âmbito da discricionariedade, e não da obrigatoriedade. (2008, p. 167-168, grifo nosso).

Além da possibilidade de dificultar a prestação jurisdicional, no caso em que é obrigatória a sua remessa para outro juízo em razão de competência absoluta, a oposição, independente do momento em que for proposta, não deveria ser processada de acordo com os arts. 59 e 60 também pelos motivos que seguem.

De plano, não podemos admitir que a demanda que envolve o ente federal seja considerada a “principal”. Já tivemos a oportunidade de afirmar que não há nenhuma relação de acessoriedade ou importância entre tais demandas e que o termo “principal” contido no regramento especial da oposição é utilizado como sinônimo de “originária”. Ademais, a regra da competência ratione personae, insculpida na nossa Carta Magna vigente, confere aos entes federais o “foro privilegiado” da Justiça Federal e a competência para processar a oposição é funcional do juízo da causa originária:[44] a segunda demanda proposta, a oposição, que é autuada à primeira, a ação, e o juízo competente para esta é o que deve julgar ambas, e não o contrário. Ora, se assim é, não se justifica a demanda entre os particulares seguir com a oposição para a Justiça Federal ou a aplicação do art. 108, que trata de causas que mantém relação de acessoriedade, ou art. 109, que distingue a causa principal das manifestações processuais elencadas, tendo o juiz daquela causa competência para ambas, e não o inverso. Não devemos deturpar e achar que a competência para julgar a ação é do juízo competente para a oposição, se não há norma neste sentido.

A oposição, já sabemos, é a providência processual adotada por um terceiro (no caso, um ente federal) contra outras partes (no caso, opostos particulares) que disputam em juízo (no caso, estadual) um bem ou direito que aquele entende ser titular. Ela tem natureza de demanda e deve ser proposta mediante a apresentação de petição inicial, atendendo a todos os requisitos necessários para a sua admissibilidade. O direcionamento para o juízo competente é um deles, mormente se se tratar de competência absoluta, e a Constituição Federal de 1988 estabelece, nos arts. 106, 108 e 109, que são os órgãos da Justiça Federal os competentes para causas que envolvam entes federais. Se um ente federal quer demandar, tem que fazer isso no juízo competente para tanto, ou seja, na Justiça Federal,[45] e não deveria ser diferente com a oposição,[46] sobretudo quando não se tratar de oposição interventiva, quando será um processo autônomo e, portanto, não haverá ingresso do ente federal no outro processo, devendo seguir o procedimento ordinário, sendo julgada sem prejuízo da ação principal.

Há diferenças relevantes entre a oposição interventiva, aquela proposta antes da audiência, e a autônoma, proposta após o início da audiência e até a prolação da sentença. Esta modalidade gera um processo novo, autônomo e incidente, não tendo natureza interventiva e estabelecendo uma ligação com o outro processo mediante relação de prejudicialidade externa. No nosso ver, a dificuldade de conceber a remessa dos processos é muito maior neste caso, pois o ente federal não ingressaria no processo pendente, ou seja, não seria parte dele e seria estranha a aplicação do enunciado n. 224 da jurisprudência dominante do STJ ao caso: “excluído do feito o ente federal, cuja presença levara o Juiz Estadual a declinar da competência, deve o Juiz Federal restituir os autos e não suscitar conflito”. Já a oposição parcial possui, como já vimos acima com apoio em Pontes de Miranda e Dinamarco, uma particularidade em relação à parte do bem ou direito disputado: o opoente “é estranho a tudo mais que se discuta: o processo ignora-o, e ele ignora o processo” e não há a característica relação de prejudicialidade entre a oposição e a ação. As modalidades diversas não devem ser tratadas da mesma forma.

Por fim, é cediço que o ordenamento jurídico pátrio impede a ingerência em processo de competência absoluta alheia, então seria defeso à Justiça Federal julgar a primeira demanda, envolvendo tão-somente particulares, bem como não poderia a Justiça Estadual julgar a segunda demanda, que traz um ente federal no pólo ativo. Ora, tanto deve ser assim que, de um lado, a conexão entre causas pendentes não implica em reunião para julgamento simultâneo quando o juízo é absolutamente incompetente e, de outro, somente é possível a cumulação de pedidos[47] se “competente para conhecer deles o mesmo juízo” (art. 292, §1º, II). Quanto à exigência da competência absoluta, ensinam Marinoni e Arenhart:

A reunião de ações conexas ou continentes pressupõe uma condição: a de que o juízo que receber as demandas tenha condições de analisar a todas (satisfaça, portanto, a todos os pressupostos processuais subjetivos referentes ao juiz, a saber, a jurisdição, a competência absoluta e a imparcialidade). Assim, se o juiz não tem competência absoluta para certa demanda, inaplicável o instituto da conexão ou da continência para atribuir-lhe o julgamento daquela, ainda que outra causa assemelhada (com idêntica causa de pedir ou igual pedido) tramite perante ele. (2006, p. 51, grifo dos autores).[48]

E mais: em casos que afrontam a partilha constitucional das competências, tais julgamentos trazem como conseqüência, em tese, a inexistência do processo ou a sua invalidade, a depender da corrente doutrinária adotada.[49]

De passagem, antes de avançarmos ao tópico seguinte, teceremos algumas considerações a respeito da denunciação da lide. Assim como a oposição, a denunciação da lide também tem natureza de ação, porém é uma intervenção de terceiro coacta e a relação entre as demandas é marcada pela preliminaridade. Se houver litisdenunciação para o ente federal na Justiça Estadual, ele ingressará obrigatória e automaticamente no processo e as duas demandas também serão remetidas para a Justiça Federal.[50] Aparentemente é estranha a situação de a Justiça Federal julgar a ação, dando ganho de causa ao denunciante particular, e não julgar a demanda que envolve o ente federal. Contudo, o caso se subsume ao disposto no art. 109, I, da CF, porque o ente federal “denunciado será sempre assistente do denunciante” (DINAMARCO, 2002b, p. 408, grifo do autor),[51] pois teria interesse jurídico na solução da lide.

4.2. A nova ordem constitucional e o art. 125, §2º, da CF/1969

Se já defendíamos que o caso não deveria ser processado da maneira que sempre foi pelos motivos supramencionados, a nossa posição é reforçada com a vigência e égide da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

Já adiantamos que as Constituições pretéritas traziam normas expressas que determinavam a competência da Justiça Federal para processar e julgar as demandas entre os particulares. A Constituição de 1969 estabelecia, no art. 125, §2º, que as causas propostas perante outros juízes, se a União nelas intervier, como assistente ou opoente, passarão a ser da competência do juiz federal respectivo. Enquanto vigorou esta norma, a competência absoluta do juízo estadual era derrogada, mas não havia a prorrogação da competência da Justiça Federal por expressa determinação constitucional.

Sucede que não há nenhuma norma na Constituição de 1988 que confira expressamente competência para a Justiça Federal julgar causas de competência da Estadual. Ainda que pese a construção doutrinária e jurisprudencial em sentido contrário, “competência não se presume” (MAXIMILIANO, 2010, p. 216, grifo do autor).[52] A competência ratione personae é matéria de ordem pública e Processo civil (ou penal, trabalhista, etc.) não é ramo do Direito Privado onde se aplica a máxima de que tudo que não está legalmente proibido está permitido. O Estado-juiz somente pode atuar nos limites estritos da lei.

E não é só.

O Anteprojeto Constitucional de 1985 (BRASIL, 1986),[53] a cargo da Comissão Provisória de Estudos Constitucionais, mais conhecida como Comissão Afonso Arinos em razão de seu eminente presidente, previa o art. 289, §2º, cuja redação repetia a constante no art. 125, §2º, da CF de 1969. Ainda que anterior à Assembléia Constituinte, instalada em 01/02/1987, este anteprojeto era fonte de consulta recorrente pelos constituintes. Entretanto, esta previsão não vingou no texto final da Constituição.

“A ordem constitucional nova, por ser tal, é incompatível com a ordem constitucional antiga. Aquela revoga esta”, já ensinou Michel Temer (1994, p. 38). A vigência de uma nova Constituição revoga in totum a antiga Carta Magna. Noutras palavras, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 revogou inteiramente as normas da Constituição de 1969. Houve ab-rogação. Além disso, a nova ordem constitucional não adere à teoria da desconstitucionalização, não prevendo de maneira inequívoca e expressa acerca de as normas da antiga Constituição, ainda que compatíveis com a nova ordem constitucional, serem recepcionadas como se normas infraconstitucionais fossem. Desta forma, não vemos como negar: não apenas o texto, mas a própria norma disposta no art. 125, §2º, da CF de 1969 foi retirada do direito positivo pátrio.[54]

Se o parágrafo “sempre foi, numa lei, disposição secundária de um artigo em que se explica ou modifica a disposição principal”, conforme anota Arthur Marinho, citado por Gilmar Mendes (2007), e ele foi retirado do nosso direito pátrio, não há mais aquela explicação ou modificação da disposição principal (caput c/c incisos) ou a exceção aludida como fundamento do voto no RE 99598-6/MT supracitado. Além disso, estender a interpretação do art. 109, I, da CF vigente, equiparando-a aos arts. 125, I, seu equivalente, e 125, §2º, da revogada ordem magna, é como afirmar que as Constituições de 1967 e 1969 continham preceito e palavras inúteis. No nosso ver, se o Poder constituinte originário quisesse manter a disposição anterior, teria regulado a matéria novamente, como ocorreu nas Constituições anteriores. No mesmo sentido, Luís Roberto Barroso aprofunda:

A não-reprodução, na nova Carta, de uma regra constante do ordenamento constitucional anterior, sem a ressalva de sua continuidade, é um ato de vontade do constituinte, que manifestamente desejou abster-se do tratamento da matéria. Ao legislador infraconstitucional, se assim desejar, caberá reeditar o preceito. (1998, p. 58, grifo nosso).

E poderia o costume judiciário alterar o estado das coisas no que toca à competência? Embora haja quem pense que “se um costume jurídico contrário à lei permanece como vida real do direito e chega a ser reconhecido e aplicado pelos Tribunais, a lei se transforma em letra morta e foi de fato revogada pelo costume ou pelo desuso”, como aponta André Franco Montoro (2005, p. 454),[55] o fato é que o costume contra legem ou o simples desuso não revogam leis,[56] quanto mais normas constitucionais. O nosso direito está ancorado no civil law e a nossa Carta Magna é material, escrita, dogmática, analítica e rígida, só podendo ser alterada mediante o rigoroso e devido processo legislativo constitucional.

É lição antiga de direito intertemporal que tempus regit actum, ou seja, são as normas processuais constitucionais e infraconstitucionais vigentes que devem ser aplicadas aos casos atuais, e não regras revogadas.

Tendo em vista que as competências dispostas na Constituição são absolutas e, por isso, não podem ser derrogadas ou prorrogadas, abarcando causas que não estejam expressas, podemos afirmar que a competência da Justiça Estadual também é absoluta, embora residual: sempre terá competência pra julgar processos que não são das outras Justiças, competência esta que igualmente não pode ser prorrogada ou derrogada. Se, por acaso, a Constituição inovar no regramento de uma causa e a transferir para outra Justiça, não haverá derrogação de competência, porque só há derrogação de quem competência possui. No caso, simplesmente a Justiça Estadual deixaria de ter competência e remeteria as causas.

Se o costume não pode alterar regras atinentes à competência, não há ultratividade da norma constitucional de 1969, e se “toda norma determinadora de competência só poderá ser flexibilizada por uma outra norma modificadora do mesmo grau hierárquico ou de grau hierárquico superior, nunca inferior”, ensina Daniel Neves (2005, p. 42),[57] e não há mais o referido dispositivo constitucional, podemos, portanto, afirmar que a Justiça Federal não tem mais competência para processar e julgar as demandas entre particulares no caso analisado e que ela vem sendo equivocadamente prorrogada atualmente, o que implica, por via de conseqüência, na derrogação da competência absoluta da Justiça Estadual.

Sucede, todavia, que é evidente que a Justiça Estadual tem competência para processar e julgar a primeira demanda proposta (autor particular vs réu particular) e a Justiça Federal tem competência para a segunda demanda (opoente federal vs autor e réu particulares).


5. CONCLUSÃO

O caso é a exceção-mor às lições da Teoria Geral do Processo, pois ocorre: (a) conexão e reunião de processos para julgamento simultâneo quando o juízo não é competente para ambos; (b) cumulação de pedidos quando o magistrado não tem competência para julgá-los todos; (c) modificação de competência absoluta da Justiça Estadual, que é evidente na oposição autônoma; (d) concomitante relação de prejudicialidade e preliminaridade entre oposição e ação; e (e) um caso em que a oposição é obrigatória. Tratar o caso em conformidade com a Teoria Geral do Processo e o Direito Constitucional orienta as soluções propostas a seguir, que evitam os inconvenientes causados pela improcedência da oposição proposta por entes federais, procedência em parte, que conferem coerência ao sistema e harmonizam a jurisprudência e os institutos jurídicos em comento.

No nosso sentir, o art. 109, I, da Constituição vigente, no que toca à oposição, deve ser interpretado e aplicado de forma mais simples, não fugindo à regra geral: a oposição tem natureza de ação, o opoente é autor e sendo este um ente federal, a demanda proposta deve ser aforada e julgada pela Justiça Federal. A Constituição vigente faz referência à situação jurídica de “oponente”,[58] e não na propositura de oposição, como nas revogadas. A norma em comento torna patente que a competência absoluta funcional do juízo da causa originária para processar e julgar uma eventual oposição não deve prevalecer sobre a competência da Justiça Federal para julgar a demanda que abrange ente federal (no caso, a oposição). Ou seja, o art. 109, I, da CF afasta a aplicação dos arts. 57 e seguintes ao feito.

Não podemos negar que há conexão entre as causas, mas ela não poderá produzir o efeito de modificar a competência e reunir as causas perante o mesmo juízo com o fito de julgá-las conjuntamente, pois temos que ter em mira que a competência para julgar a oposição é funcional (absoluta) do juiz da causa originária e, conforme lição clássica de Lopes da Costa, “a competência do juiz da causa principal se prorroga para a oposição quando prorrogável for” (1948, p. 315, grifo nosso).[59] Após afirmar que a modificação de competência somente acontece no caso de competência relativa, arremata Didier Jr.: “em tais situações, quando há conexão/continência, mas não é possível a reunião, é conveniente suspender o andamento de um processo, à espera do deslinde do outros, para que se evitem decisões contraditórias”. (2008, p. 132, grifo nosso).

Diante de todo o exposto alhures e das lições supra, concluímos que se o ente federal estiver na situação de opoente em relação aos contendores que litigam na Justiça Estadual deverá propor a ação contra os outros litigantes no juízo competente, ou seja, na Justiça Federal, na seção judiciária onde tiver tramitando a ação dos particulares (adaptando o art. 109, §1º, da CF, ao caso), promovendo a citação pessoal. Não é irrazoável afirmar que se as circunstâncias fáticas que envolvem o ente federal se subsumem à norma do art. 56, ou seja, com uma pretensão incompatível total ou parcialmente com outra deduzida em juízo e tendo que proteger os seus direitos, reais ou pessoais, tal pessoa jurídica terá que demandar e só pode fazer isso na Justiça Federal. O tratamento é o ordinário e seria o mesmo se a demanda originária estiver no juízo de primeiro grau ou em sede de recurso.

No caso da propositura desta oposição na Justiça Estadual, deve o juízo estadual reconhecer a sua incompetência absoluta e remeter a oposição para a Justiça Federal, mantendo a demanda de sua competência, a ação que compreende os particulares.[60] Na ausência de norma constitucional, o Projeto de Lei n. 8.046, de 2010, daria uma assaz contribuição se regulasse a matéria de acordo com o entendimento esposado.

Nas duas possibilidades, as demandas manterão uma relação de prejudicialidade externa, podendo a Justiça Estadual suspender o processo entre os particulares, a questão subordinada (art. 265, IV, a), pelo prazo máximo de um ano (art. 265, §5º), superior ao de 90 dias disposto no art. 60. Encerrado o prazo e/ou se o magistrado estadual julgar a demanda anteriormente, a Fazenda Pública Federal não sofrerá os efeitos da sentença do outro processo, que se daria inter partes, porque não lhe foi oferecida a participação no contraditório (art. 472). Já a decisão posterior da Justiça Federal, que é a questão prévia subordinante, prevaleceria sobre outra eventual decisão exaradaprolatada, e vincularia desta forma os particulares participantes deste contraditório, solucionando o conflito.


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Notas

[1] Trata-se de uma atividade exercida de forma predominante, mas não de forma exclusiva. A Constituição de 1988, por ex., confere competência para o Senado Federal processar e julgar crimes de responsabilidade praticados por diversas autoridades, na forma do art. 52, I e II. Além disso, Fredie Didier Jr. entende que a arbitragem “é propriamente jurisdição, exercida por particulares, com autorização do Estado” (2008, p. 81).

[2] Sempre que houver omissão da fonte normativa, o artigo citado faz referência ao Código de Processo Civil, instituído pela Lei n. 5.869/1973.

[3] O verbo “poderá” contido no art. 56 é firme indicativo do caráter facultativo da oposição. Já em Portugal, o CPC luso, no art. 347, regula também a oposição provocada, que força o terceiro a promover a oposição, quando preceitua que “a oposição pode também ser provocada pelo réu da causa principal: quando esteja pronto a satisfazer a prestação, mas tenha conhecimento de que um terceiro se arroga ou pode arrogar-se direito incompatível com o do autor, pode o réu requerer, dentro do prazo fixado para a contestação, que o terceiro seja citado para vir ao processo deduzir a sua pretensão”. A situação é a do réu que perde a demanda ou quer transacionar, quer cumprir a prestação, mas não sabe a quem: autor ou terceiro. O objetivo é apurar quem é o verdadeiro titular do bem ou direito. O nosso direito resolve este problema através de uma ação de consignação em pagamento proposta pelo réu da ação originária contra o autor desta ação e o terceiro. O réu teria outra alternativa, embora não recomendada, que é propor uma ação declaratória visando atestar judicialmente a inexistência de relação jurídica entre ele e aquele terceiro que se julga titular do coisa ou direito litigioso. Adiante faremos considerações acerca da oposição promovida por ente federal público e trataremos novamente da natureza da oposição.

[4] A lição de Fredie Didier Jr. oportuniza o ensinamento seguinte, da lavra de Dinamarco: “diante de tantas variáveis, é ao menos perigosa a generalização no equacionamento dos pedidos cumulados na oposição. É certo que ela contém, relativamente ao autor-oposto, sempre um pedido de declaração inversa àquela que ele pretende, a qual terá, conforme o caso, conteúdo positivo ou negativo. Quanto ao réu-oposto, o pedido do terceiro terá provavelmente a mesma natureza e finalidade do pedido inicial, mas sem embargo da possibilidade de pedir-se mera declaração positiva quando o autor pedira condenação, ou vice-versa etc” (2009, p. 62, grifo do autor).

[5] “Sempre que haja julgamento de meritis em relação à pretensão desse interveniente e também quanto à inicial, ter-se-á uma coisa julgada de limites objetivos mais amplos do que os limites objetivos que teria se não tivesse havido oposição: tratando-se de dois capítulos de sentença, cada um desses e seus efeitos são considerados de modo autônomo, como se fossem duas sentenças, sendo portanto natural que o âmbito da coisa julgada corresponda à soma dos efeitos de todos esses capítulos”, ensina Dinamarco (2009, p. 28-29, grifo do autor).

[6] “Transforma-se a relação primitiva numa nova e única relação processual, de natureza ainda mais complexa, tendo por figura central o mesmo juiz: a) de um lado, a relação entre as partes, autor e réu, do processo primitivo; b) de outro, a relação entre o opoente, como autor, e ambas as partes do processo primitivo, em litisconsórcio passivo, isto é, como réus”, no magistério de Moacyr Amaral Santos (2004, p. 45, grifo do autor).

[7] Como a decisão que indefere a petição inicial da oposição interventiva não extingue procedimento (ou processo) algum, portanto é o agravo de instrumento o recurso que deverá ser manejado pelo opoente se descontente com a decisão. O agravo também é o recurso que deve ser interposto no caso dos opostos se irresignarem contra o deferimento da petição. O CPC de 1939 estabelecia, no art. 842, I, o cabimento de agravo de instrumento contra decisões que não admitiam a intervenção de terceiro na causa, mas não havia recurso contra decisão que admitisse a oposição. A fórmula aberta do art. 522 do CPC de 1973 permite aos opostos, a interposição de agravo de instrumento contra as decisões interlocutórias quando se tratar de decisão suscetível de causar à parte lesão grave e de difícil reparação.

[8] “O legislador imaginou que, antes de iniciada a audiência de instrução, o procedimento da ação principal suportaria aguardar o desenvolvimento procedimental inicial da oposição para que, uma vez estando ambas as ações no mesmo estágio procedimental, passassem a ter um mesmo procedimento, o que significa basicamente dizer que teriam a mesma instrução probatória e a mesma fase decisória” (NEVES, 2011, p. 233). Não tem por que haver, por ex., dois depoimentos ou interrogatórios das partes, o arrolamento e a oitiva das mesmas testemunhas sobre os mesmo fatos e duas perícias ou duas inspeções judiciais.

[9] Vide: PROCESSO CIVIL. OPOSIÇÃO. APRESENTAÇÃO ANTERIOR À AUDIÊNCIA. ART. 59, CPC. PROCESSAMENTO SIMULTÂNEO COM A AÇÃO PRINCIPAL. INTERPRETAÇÃO. CASO CONCRETO. INÉRCIA DAS PARTES NA AÇÃO PRINCIPAL. INTERESSE DO OPOENTE. FINALIDADE DA OPOSIÇÃO. CIRCUNSTÂNCIAS DA CAUSA. PROCESSAMENTO AUTÔNOMO. PREJUÍZO INOCORRENTE. DOUTRINA. RECURSO PROVIDO. I - Na espécie, diante da manifesta inércia das partes em dar prosseguimento ao processo principal, aplicada literalmente a regra do art. 59, CPC a oposição jamais teria seu julgamento concluído. II - A solução, no caso, encontra abrigo na natureza jurídica e na finalidade do instituto da oposição. Ademais, nenhum prejuízo trará o processamento dessa, dado que, “cabendo ao juiz decidir simultaneamente a ação e a oposição, desta conhecerá em primeiro lugar” (art. 61, CPC). (STJ. Recurso Especial 208311/RJ. Relator: Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira. Órgão Julgador: Quarta Turma. Julgamento: 18/05/2000. Publicação: 07/08/2000).

[10] “Mas há vozes no sentido de que somente a partir da citação a oposição será admissível. São autores que assumem a falsa premissa de que, antes dela, inexiste processo pendente. Essa idéia do início da relação processual somente a partir da citação liga-se em parte à errônea afirmação contida no art. 194 do Código de 1939, repudiado pela melhor doutrina já na sua vigência”, doutrina Dinamarco (2009, p. 84). A citação não se relaciona com a existência do processo e se trata de requisito de validade dos atos do processo e ato que torna os efeitos da decisão incidentes ao demandado.

[11] Daniel Neves (2011, p. 236) critica o dispositivo: “mais uma vez o legislador confunde a revelia com os seus efeitos, porque, mesmo sendo o réu revel − ausência jurídica de contestação − caso tenha advogado constituído, será admissível a aplicação da regra estabelecida pelo art. 57 do CPC”. Marinoni e Arenhart, nesta linha, entendem que o réu primitivo revel também deve ser citado através da pessoa do advogado (2006, p. 187).

[12] Não prospera Moacyr Amaral Santos (2004, p. 46) quando adestra que na oposição autônoma o prazo será de 15 dias (art. 297) e contado em dobro em razão dos opostos serem representados por advogados distintos (art. 191).

[13] E alerta Dinamarco (2009, p. 116) que a oposição autônoma também pode ser processada pelo procedimento sumário e que este ou o ordinário são indiferentes para a efetividade da jurisdição no primeiro processo ou para a consecução dos objetivos da oposição.

[14] Após a sentença, a prejudicialidade também será externa, mas não será mais entre uma oposição e uma ação, ocorrendo, contudo, entre uma ação que tramita no primeiro grau e outra que está em sede de recurso, se for o caso. Se procedente, o recurso seria prejudicado ante a perda de seu objeto. Se não houver recurso, haveria execução relativa à coisa ou direito litigioso ou poderia ocorrer a suspensão da execução.

[15] O CPC de 1939, no art. 103, §2º, estabelecia que “quando a oposição correr em auto apartado, poderá o juiz, a requerimento das partes, ordenar a reunião dos processos, sem prejuizo do andamento da causa”. No nosso ver, essa regra poderia ser mitigada e aplicada hodiernamente: as partes da causa originária, todas elas, poderiam dispor sobre o alargamento do prazo para julgamento simultâneo se os 90 dias de sobrestamento da ação não fossem suficientes para tanto.

[16] Tal prazo é improrrogável segundo a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. Cf. REsp 750.535/GO, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, Julgado em 03/11/2009, Publicado em 13/11/2009.

[17] O mesmo raciocínio encontra-se na aplicação do art. 317, quando estabelece que a desistência da ação, ou a existência de qualquer causa que a extinga, não obsta ao prosseguimento da reconvenção. Já no caso do art. 60, como são dois processos, se houver reconhecimento do pedido do autor pelo réu, a ação será extinta normalmente e a oposição prosseguirá contra o autor primitivo.

[18] Athos Gusmão Carneiro conceitua a prevenção como “o fenômeno processual mediante o qual, havendo vários juízes em tese competentes para conhecer determinada causa (ou seja, todos competentes do ponto de vista territorial, competentes em razão da matéria), apenas um dentre eles adquire a competência no caso concreto, tornando-se os demais, daí em avante, incompetentes relativamente àquela causa” (2004, p. 82). “Prae-venire significa chegar primeiro; juiz prevento é o que em primeiro lugar tomou contato com a causa (CPC, arts. 106 e 219; CPP, art. 83)”, nas palavras de Cintra, Grinover e Dinamarco (2008, p. 263). Daí não ser a prevenção um critério de determinação, mas de fixação da competência.

[19] Ao contrário da relação de preliminaridade, a relação de prejudicialidade entre questões não impedem a cognição judicial de forma alguma da questão subordinada. O máximo que pode ocorrer é a suspensão da apreciação judicial da questão subordinada temporariamente. A questão prévia de natureza prejudicial tem o condão de predeterminar em maior ou menor grau a resolução da questão subordinada. Será em maior grau – e podemos falar em grau determinante – quando a definição acerca da questão prejudicial direcionar definitivamente a solução da questão em sentido único. Ao revés, terá um grau de influência reduzido quando a resolução da questão prejudicial não for decisiva para o desfecho da outra questão, que será decidida conforme as vicissitudes factuais e legais, sendo defeso rejeitar o pedido baseando-se em argumento que contrarie a questão já decidida – daí a relativa liberdade de julgamento.

[20] Diante de tantas modificações estruturais e materiais, o Projeto reformará o Código de Processo Civil atual ou irá gerar um Código novo? Essa questão foi enfrentada por Benedito Cerezzo Pereira Filho (2010), membro da Comissão de Juristas encarregada de elaborar o Anteprojeto do Novo Código de Processo Civil. “Os códigos principiam a envelhecer no prelo, quando estão sendo impressos, tamanha a evolução social”, dizia Carnellutti, citado pelo autor. Segundo ele, entre outros motivos, o longo intervalo entre 1973 e 1988, ano da promulgação da Constituição, e as inovações principiológicas trazidas com ela já seriam suficientes para tanto. Decorre daí a denominação conferida por ele de “nova ordem processual” e é por isso que estamos tratando como um Novo CPC. Outro dado importante é a mudança da ementa do PLS n. 166/2010, que era “Reforma do Código de Processo Civil”, para a do PL n. 8.046/2010, que é “Revoga a Lei nº 5.869, de 1973”.

[21] O título do estudo de Alfredo Buzaid é “Deverá instituir-se no Brasil a oposição de terceiro?”, mas ao contrário do sugere, a “oposição de terceiro” não corresponde à nossa oposição, regrada nos arts. 56 e seguintes, mas a uma modalidade de recurso do Direito português, disposto no art. 778 do CPC lusitano.

[22] Conforme Dinamarco (2009, p. 53-60), o responsável por trazer ao nosso conhecimento diversas legislações alienígenas, tecendo breves comentários sobre cada uma.

[23] A economia processual “preconiza o máximo resultado na atuação do direito com o mínimo emprego possível de atividades processuais”, nas palavras de Cintra, Grinover e Dinamarco (2008, p. 79).

[24] A Comissão foi presidida pelo Ministro Luiz Fux. Estranhamente, e noutra contradição, a retirada da oposição vai de encontro ao que Fux já publicou. “Recomendada pelo princípio da economia processual, na medida em que evita desnecessária duplicação de processos, a oposição previne o opoente de um mero prejuízo de fato”, explicou o autor (1990, p. 17-111, passim), “consistente na discussão, a posteriori, do direito ou da coisa litigiosa”.

[25] Dinamarco ensina: “não-obstante, são inegáveis algumas projeções ultra partes da sentença dada entre os legítimos contendores, portadora às vezes de certa capacidade de causa prejuízo a quem não foi parte no processo. Há certas conseqüências indiretas, até mesmo de ordem exclusivamente prática, como aquela consistente em propiciar ao vencedor a posse da coisa e permitir-lhe com isso a sua ocultação, destruição ou consumo (a dano do terceiro, que a pretende); além disso, a experiência comum mostra sempre a sensível influência do precedente que se forma sem a presença do terceiro, a quem caberia o ônus de também convencer o juiz do desacerto do julgado anterior; há o risco de julgados contraditórios, que é mal a ser evitado tanto quanto possível; e existe ainda o perigo de constrição sobre a coisa que está em poder do terceiro (no direito italiano nega-se inclusive o remédio dos embargos de terceiros contra execução de sentença condenatória a entregar coisa certa)” (2009, p. 45-46, grifos do autor).

[26] Por ex., no caso do art. 107, poderá ser proposta em qualquer comarca e se aplicaria o art. 219 ao invés do econômico e prático art. 57.

[27] “O opoente é autor de uma ação cujo objeto já está sendo questionado em outra, da qual ele não é parte” (PARGENDLER, 1979, p. 69).

[28] A exposição que segue é baseada em sua classificação, mas não corresponde por inteiro ao elenco idealizado pelo autor porque, no nosso ver, os demais são meros desdobramentos dos citados acima.

[29] Se uma está no segundo grau de jurisdição e a outra no primeiro, não poderá ocorrer o processamento característico da oposição decorrente da relação de conexão/prejudicialidade entre ela e a ação primitiva. Acerca dessa reunião, o STJ já sumulou que “a conexão não determina a reunião dos processos, se um deles já foi julgado” (Súmula n. 235). Haveria processamento semelhante no segundo grau se a “oposição” for julgada e houver recurso. Devemos atentar que se houver recurso da decisão da oposição, teremos conexão entre recursos. No segundo grau, é recomendável que o recurso contra a decisão da oposição seja julgado antes do recurso contra a decisão da ação. Para a oposição ser processada e julgada na forma dos arts. 59 e 60 deverá obrigatoriamente ser proposta antes de proferida a sentença. O CPC de 1973 é claro em relação ao termo final. Após a sentença, a pretensão do terceiro não poderá mais ser processada e julgada conforme os artigos citados, pois o terceiro não terá mais o direito de se valer da oposição para a proteção de seus interesses. Contudo, tal pretensão, à semelhança do que ocorre com a perda do prazo para reconvir e interpor mandado de segurança, poderá ser tutelada mediante o exercício do direito de ação regido pelas regras gerais do CPC.

[30] Conforme a colaboração intelectual do Desembargador do TRT-5 e Professor Dr. Edilton Meireles. Mas salientamos que só deverá ser proposta contra as duas partes se houver recurso. Não havendo, apenas o vencedor da ação teria legitimidade ad causam para figurar no pólo passivo.

[31] O estudo e suas conclusões, mutatis mutandis e levando-se em conta as disposições contidas nas Constituições e Leis de Organização Judiciária dos Estados e do Distrito Federal, também se aplicam ao caso de oposição proposta por pessoas jurídicas de direito público estadual e/ou empresas públicas estaduais em processo pendente em outros juízos estaduais que não da Fazenda Pública.

[32] As causas envolvendo sociedades de economia mista, a teor do enunciado n. 517 da jurisprudência dominante do STF, e fundações públicas de direito privado são de competência da Justiça Estadual, exceto se um ente público federal ou empresa pública federal intervier como assistente ou opoente.

[33] Os limites e objetivos do presente estudo impedem uma análise mais detida do tema neste momento.

[34] Aderimos à doutrina constitucionalista que trata a EC n. 1/69 como uma verdadeira e nova Constituição.

[35] Complementa Dinamarco que a competência funcional é do juízo federal e “isso se dá tanto em caso de oposição interventiva como autônoma, porque não há razão ou eventual peculiaridade que justifique qualquer distinção a respeito” (2009, p. 70). Na prática, e é o entendimento de Pargendler, o juízo competente para a segunda demanda seria o competente para a primeira demanda proposta. Leitura detida do art. 59, 60 e 109 reforça o oposto, conforme vimos acima. Além disso, no nosso ver, a oposição autônoma, que não tem natureza de intervenção de terceiro, não pode ter tratamento igual.

[36] Cf. Superior Tribunal de Justiça, Conflito de Competência nº 25006 /RJ, Suscitante: Juízo Federal da 12ª Vara da Seção Judiciária do Estado do Rio de Janeiro, Suscitado: Juiz de Direito de Paracambi/RJ, Relator: Min. Ari Pargendler, Órgão Julgador: Segunda Seção, Julgamento: 27/10/1999, Publicação: 13/12/1999.

[37] Esta solução afronta o princípio da identidade física do juiz, segundo o qual o magistrado que participou da audiência de instrução e que, pois, colheu as provas, está vinculado ao ato decisório, nos termos do art. 132, que prevê ainda, no parágrafo único, a possibilidade de reprodução das provas se houver necessidade. Apesar da regra do art. 132 estabelecer competência funcional (absoluta) e “da nobre preocupação do legislador, a praxe forense mostra ser de raríssima aplicação prática tal dispositivo, julgando o juiz a demanda com as provas que já foram produzidas” (NEVES, 2005, p. 103).

[38] Neste caso, tomando emprestadas as palavras do jurista, “os autos penam como as almas do purgatório, ou arrastam sonos esquecidos como as preguiças do mato” (2005, p. 34).

[39] A apreciação do mérito é impedida de ser realizada pelo juízo incompetente, mas será apreciada pelo competente após a remessa dos autos. Como não impede em termos absolutos o julgamento, é chamada de preliminar imprópria ou dilatória.

[40] Estas justificativas, associadas à competência funcional do juízo da causa originária e o fato do ente federal ser réu/oposto, podem permitir a defesa da competência excepcional da Justiça Federal para processar e julgar demandas envolvendo apenas particulares no caso inverso: a oposição de um particular em ação entre particular e ente público federal pendente na Justiça Federal. Se esta constatar que o ente federal não é titular do bem ou direito disputado na ação, no caso da não aplicação do art. 61 e 60, segunda parte, ou se, por ex., a Fazenda Pública Federal desistir da ação, hipótese prevista na Lei Complementar n. 73, de 1993, art. 4º, VI, regulamentada pela Lei n. 9.469, de 1997, a oposição deveria, em tese, prosseguir na Justiça Federal em face do outro oposto, o particular.

[41] Cf. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. Competência jurisdicional. Aplicação do que dispõe artigo 109, I, da Constituição Federal. 1. A teor do que reza o artigo 109, I, da Constituição da República, nas causas em que a união entidade autárquica ou empresa federal não forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, não ha que se falar em competência jurisdicional da Justiça Federal. 2. Processo a que se anula “ab initio”, restando prejudicado o recurso interposto. (Tribunal Regional Federal-3ª Região. Apelação Cível nº 95.03.045596-0/SP. Relator: Juiz Souza Pires. Órgão Julgador: Quinta Turma. Julgamento: 30/10/1995. Publicação: 12/12/1995). (grifo nosso).

[42] Competência originária é a competência funcional (no plano vertical) do juízo para conhecer a causa em primeiro grau de jurisdição. Como se trata de funcional é também absoluta.

[43] Ensina: “enquanto o processo civil aceita uma certeza obtida pela simples ausência de impugnação dos fatos articulados na inicial (art. 302, CPC), sem prejuízo da iniciativa probatória que se confere ao julgador, no processo penal não se admite tal modalidade de certeza (freqüentemente chamada de verdade formal, porque decorrente de uma presunção legal), exigindo-se a materialização da prova. Então, ainda que não impugnados os fatos imputados ao réu, ou mesmo confessados, compete à acusação a produção de provas da existência do fato e da respectiva autoria, falando-se, por isso, em uma verdade material” (2008, p. 286, grifo do autor).

[44] Há prevalência da competência disposta na constituição, que é expressa, sobre a competência absoluta da Justiça Estadual, que é residual. No nosso ver, tais competências convivem em harmonia no caso analisado, bastando o ente federal cumprir o preceito constitucional e demandar na Justiça Federal para não haver conflitos.

[45] Esta é a posição externada sobre o caso pelo Juiz Federal e Professor Salomão Viana em aula ministrada na data de 21/05/2009, na Faculdade de Direito da UFBA.

[46] Neste ponto, insta salientar que a oposição discrepa da denunciação da lide, chamamento ao processo e demais intervenções. Nestas o terceiro é provocado a ingressar no processo pelo réu, que deve fazer no mesmo processo em que litiga, ao passo que na oposição o terceiro ingressa voluntariamente (o que acontece também com a assistência) para defender direito incompatível com o controvertido e o faz através de petição inicial, no momento que lhe aprouver enquanto a causa estiver pendente no primeiro grau. Desta forma, já que o ente federal não é convocado coativamente para participar do processo, mas tem liberdade e é uma demanda de seu exclusivo interesse, poderia propor a “oposição” na Justiça Federal.

[47] “A demanda do opoente traz em si pedidos objetivamente cumulados, além de estabelecer um cúmulo objetivo entre seus próprios pedidos e aquele já deduzido pelo autor-oposto”, ensina Dinamarco (2009, p. 61, grifo do autor).

[48] No mesmo sentido, já decidiu o STJ: CONFLITO POSITIVO DE COMPETENCIA. AÇÃO DE EXECUÇÃO E AÇÃO DECLARATÓRIA, AQUELA PERANTE A JUSTIÇA ESTADUAL, ESTA PERANTE A JUSTIÇA FEDERAL. AVOCAÇÃO, PELO JUIZ FEDERAL, DA AÇÃO DE EXECUÇÃO, POR ENTENDER OCORRENTE CONEXÃO ENTRE AS DEMANDAS. RECUSA DO JUIZ ESTADUAL, QUE SUSCITA O CONFLITO. A conexão não implica na reunião de processos, quando não se tratar de competência relativa – art. 102 do CPC. A competência absoluta da Justiça Federal, fixada na Constituição, é improrrogável por conexão, não podendo abranger causa em que a união, autarquia, fundação ou empresa pública federal não for parte. A conexão, outrossim, não importara na reunião das demandas se uma delas já se encontra julgada, como ocorre se os embargos do devedor já foram objeto de decisão final. Conflito conhecido, julgando-se competente o juízo estadual para prosseguir com o processo de execução. (STJ. CC 832/MS. Relator: Min. Athos Carneiro. Órgão Julgador: Segunda Seção. Julgamento: 26/09/1990. Publicação: 29/10/1990). (grifo nosso).

[49] A doutrina clássica entende que tais casos equivalem à falta de jurisdição, que é um pressuposto processual, o que implicaria na inexistência do processo e, por óbvio, das decisões proferidas. Noutra ponta, a doutrina moderna defende a tese de que a violação das normas de incompetência absoluta, inclusive as dispostas na Constituição, é caso de invalidade. Sobre, conferir Didier Jr. (2008, p. 109-111).

[50] Vide: PROCESSUAL CIVIL - CONFLITO DE COMPETÊNCIA - AÇÃO DE COBRANÇA DE CORREÇÃO MONETÁRIA DE CADERNETA DE POUPANÇA - DENUNCIAÇÃO DA LIDE DO BANCO CENTRAL E DA UNIÃO FEDERAL. I - Deferida a denunciação da lide dos entes federais pelo Juízo Comum Estadual, e em conseqüência, declinando de sua competência em favor da Justiça Federal; suscitado o conflito, cabia a esta antes, decidir sobre a permanência dos litisdenunciados no pólo passivo da relação processual. Excluídos eles, a devolução dos autos ao Juízo de origem se impõe, posto que desaparecido o motivo a justificar o deslocamento da competência para Justiça Federal (art. 109, I, da CF). II - Precedentes do STJ. III - Conflito conhecido para declarar-se competente o juízo suscitante. (CC 11348/SP, Rel. Min. Waldemar Zveiter, Segunda Seção, julgado em 22/02/1995, publicado em 08/05/1995).

[51] Para Dinamarco seria uma assistência litisconsorcial, diz Didier Jr. (2008, p. 346), segundo o qual o caso aparenta ser de assistência simples. E há quem defenda que o assistente é parte, como entendem os próprios Fredie Didier Jr. (2008, p. 146) e Cândido Dinamarco (2002b, p. 388), que o trata como “parte auxiliar”.

[52] Contudo, ressalvamos que, embora seja matéria adstrita à tipicidade, é admissível a chamada “competência implícita” quando o Estado necessitar exercer a jurisdição e não houver regra expressa que permita a compreensão inequívoca a respeito de qual órgão julgará determinada causa, que será determinada mediante uso de interpretação teleológica e sistemática.

[53] Publicado originalmente no Diário Oficial, Brasília, em 26 de setembro de 1986.

[54] Afirmamos que o processamento é difícil de conceber na oposição autônoma justamente por formar outro processo. Contudo, na oposição interventiva poderíamos chegar a uma conclusão diferente. Se ignorarmos o fato da inexistência da norma referida ou também tratar o caso como de competência implícita, esta oposição formaria uma nova e única relação jurídica entre o ente federal, o Estado-juiz e as partes originárias, e não seria irrazoável que o processo único (uma relação jurídica processual e um procedimento) fosse remetido para a Justiça Federal, mas não podemos aceitar esta situação com o mesmo processamento atual. Além do exposto, desprezando todos os problemas referidos, a Justiça Federal deveria, então, julgar as duas demandas numa única sentença, independente da improcedência do pedido formulado pela União na oposição, conforme art. 59.

[55] Essa não é a opinião do mestre, que apenas a expõe e informa que o Prof. Haroldo Valladão propôs em 1964, no Anteprojeto de lei geral de aplicação das normas jurídicas, de sua autoria, a substituição do art. 2º da então Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro (atual Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro”) pela seguinte redação: “A lei se revoga, no todo ou em parte, de forma expressa ou tácita, por lei posterior e força de costume ou desuso, geral ou contínuo, confirmado pela jurisprudência”.

[56] Para aprofundar, conferir Carlos Maximiliano (2010, p. 157).

[57] Neste sentido, Fredie Didier Jr. afirma que a competência da Justiça Federal é constitucional e taxativa, “não comportando ampliação por norma infraconstitucional” (2008, p. 145). Ainda acerca desta lição, trata-se de outro argumento que reforça a não aplicação do art. 109 do CPC, abordada acima, ao caso, pois regra infraconstitucional não pode modificar competência constitucional.

[58] Repetimos a lição de Pargendler: “o opoente é autor de uma ação cujo objeto já está sendo questionado em outra, da qual ele não é parte” (1979, p. 69). O autor trata da oposição manifestada pela União e da remessa dos autos para o juízo fazendário da capital do Estado, imperativo constitucional vigente até a promulgação da CF 67. A partir dela, e com o renascimento da Justiça Federal com a Lei n. 5.010, de 1966, a regra não esteve mais presente em nenhuma Constituição.

[60] Já o magistrado federal deverá promover o saneamento do processo e, a nosso ver e para o bem da celeridade e da economia processual que norteia a oposição (ainda que proposta como ação no juízo federal competente), deverá requerer o empréstimo das provas produzidas no juízo estadual, que ingressará no processo de sua competência como prova documental e será dado o valor que o magistrado federal aprouver. Ressalte-se que o autor e réu participariam do contraditório dos dois processos.


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Informações sobre o texto

O presente artigo é a versão revisada, atualizada e ampliada do artigo premiado no 6º Concurso de Artigos JusPODIVM de Direito Público, sucedido durante o Fórum Internacional de Direito Público & X Congresso Brasileiro de Direito Constitucional Aplicado, realizado em maio de 2011, e publicado originalmente na XII Revista do CEPEJ – Centro de Estudos e Pesquisas Jurídicas, vinculada à Faculdade de Direito da UFBA.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BARRETTO, Fabrício do Vale. A oposição de pessoas jurídicas de direito público federal em processo pendente na Justiça Estadual. A (im)possibilidade de modificação de competência absoluta, processamento e críticas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3473, 3 jan. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23364. Acesso em: 28 mar. 2024.