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A publicidade da remuneração dos servidores públicos do Poder Executivo federal: legalidade na exposição dos dados

A publicidade da remuneração dos servidores públicos do Poder Executivo federal: legalidade na exposição dos dados

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A divulgação das remunerações individuais pelo Governo nada mais é que uma compilação de uma diversidade de atos públicos que conferem vantagens, investem o servidor no cargo e que, somados, podem informar a remuneração dos servidores de forma específica.

Resumo: Este artigo visa discutir a legalidade na divulgação da remuneração dos servidores públicos feita através do Portal da Transparência do Governo Federal, analisando a situação sob o aspecto do conflito entre dois princípios (publicidade e intimidade), e também sob a ótica da Lei de Acesso à Informação (Lei 12.527/2011).

Palavras-chave: Publicidade, Intimidade, Acesso, Informação, Remuneração, Servidores, Públicos, Transparência.

Sumário: 1. Introdução. 2. Lei de acesso à informação (Lei 12.527/2011) e o princípio da publicidade. 3. Divulgação das remunerações: efetivação da publicidade, supremacia do interesse público e inexistência de ofensa à intimidade. 4. Conclusão. 5. Referências Bibliográficas.


1. INTRODUÇÃO

É consagrado constitucionalmente que a Administração Pública no âmbito dos estados, municípios, Distrito Federal e da União deve observância obrigatória a cinco princípios explícitos pela Constituição da República: Legalidade, Impessoalidade, Moralidade, Publicidade e Eficiência, além daqueles princípios que nela estão implícitos. Estes princípios, por vezes, soam como comandos constitucionais abstratos. Questiona-se, por exemplo, sobre o alcance do termo eficiência e, também, sobre o que representa a moralidade para o ordenamento constitucional. Por isso mesmo, estas normas-princípio, embora de aplicação automática, carecem de uma regulamentação específica para garantir uma aplicação mais eficaz, devendo o ordenamento infraconstitucional garantir a sua efetivação e seus delineamentos, mas não sua aplicabilidade, que já é assegurada pela própria lei maior, independentemente de regulamentação.

Após o retorno da democracia à vida política brasileira, em 1988, a Constituição da República procurou assegurar aos cidadãos um vasto conhecimento do que faz a Administração Pública, incluindo no rol dos princípios explícitos do Art. 37 a “Publicidade”, procurando garantir o acesso a informações de interesse público ou pessoal. Isto porque, desde 1964, o país estava mergulhado num regime militar onde a publicidade não era um princípio tão abrangente e efetivado como no pós-1988, quando a carta maior da República assegurou meios, inclusive judiciais, para a obtenção de informações perante os órgãos estatais.

No tocante ao princípio da publicidade, este é definido por Hely Lopes Meirelles como “a divulgação oficial do ato para conhecimento público e início dos seus efeitos externos” (MEIRELLES, 2010). Neste sentido, temos que apenas alguns atos tidos como essenciais à segurança do Estado ou da sociedade devem ser mantidos sob sigilo, não ocorrendo sua publicação, ou ocorrendo uma publicação parcial com vistas a resguardar alguma atividade desenvolvida pelo Estado que, naquele momento, não deva ser de conhecimento público. Fora estes casos, todos os demais atos do Poder Público em qualquer esfera de poder e em qualquer ente federativo devem ser tornados públicos, criando ferramentas que facilitem o acesso de qualquer cidadão a qualquer informação, possua ele interesse direto em obtê-la ou não. Percebeu-se, contudo, que embora o acesso à informação perante os órgãos públicos estivesse sendo cumprido por boa parte destes órgãos, tal matéria carecia de uma regulamentação específica para criar uma disciplina legal que elencasse procedimentos e comandos para o acesso às informações.

Foi neste sentido que o legislador federal editou, em 2011, a Lei de Acesso à Informação Pública (Lei 12.527, de 18 de novembro de 2011), sobre a qual trataremos no tópico seguinte. Esta lei exigiu que os órgãos públicos adaptassem suas estruturas de comunicação para garantir um acesso mais rápido e efetivo às informações relativas a seus atos; como decorrência desta Lei, a União, pelo Portal da Transparência Pública do Governo Federal, resolveu divulgar a remuneração dos seus Servidores Públicos, o que gerou enorme discussão sobre a suposta colisão entre dois princípios: Publicidade e Intimidade. Sobre isso, discutiremos mais adiante, apontando para um posicionamento que não considera a divulgação das remunerações como uma ofensa ao princípio da intimidade.


2. LEI DE ACESSO À INFORMAÇÃO (LEI 12.527/2011) E O PRINCÍPIO DA PUBLICIDADE

O acesso à informação é garantido em várias passagens na Constituição da República, destacando-se, contudo, o Art. 37, §3º, II, que preceitua:

“Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

[..]

§ 3º A lei disciplinará as formas de participação do usuário na administração pública direta e indireta, regulando especialmente:

[...]

II - o acesso dos usuários a registros administrativos e a informações sobre atos de governo, observado o disposto no art. 5º, X e XXXIII;”

Grifou-se.

Como vimos na transcrição do dispositivo constitucional, o acesso dos usuários a registros administrativos e informações sobre atos de governo carecia de uma regulamentação legal, que veio a ser plenamente realizada com a edição da Lei de Acesso à Informação.

Logo em seu Art. 1º, a seguir transcrito, a Lei 12.527 apresenta-se como um regulamento ao dispositivo constitucional supramencionado e regula, também, o alcance dos seus efeitos, estendendo a aplicabilidade desta norma a todos os entes da federação. Vejamos:

“Art.1º.Esta Lei dispõe sobre os procedimentos a serem observados pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios, com o fim de garantir o acesso a informações previsto no inciso XXXIII do art. 5o, no inciso II do § 3º do art. 37 e no § 2º do art. 216 da Constituição Federal.

Parágrafo único.  Subordinam-se ao regime desta Lei:

I - os órgãos públicos integrantes da administração direta dos Poderes Executivo, Legislativo, incluindo as Cortes de Contas, e Judiciário e do Ministério Público;

II - as autarquias, as fundações públicas, as empresas públicas, as sociedades de economia mista e demais entidades controladas direta ou indiretamente pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios”.

Grifou-se.

Desta forma, está amplamente assegurado o princípio da publicidade, sobretudo porque, no caso de alguma entidade da Administração descumprir esta lei, os remédios constitucionais cabíveis são perfeitamente aplicáveis, bem como a intervenção do Ministério Público para garantir a observância das normas nela dispostas. Desta forma, vislumbramos que as duas normas (a Lei 12.527, infraconstitucional, e a Constituição) complementam-se no sentido de garantir o direito de ser informado, fundamental para a manutenção do Estado Democrático de Direito.

Claro está, também, que esta lei destina-se a todos os órgãos da Administração Pública, e visa primordialmente assegurar o amplo acesso às informações.Neste peculiar, merece especial atenção a divulgação da remuneração dos servidores públicos por parte de vários órgãos, sobretudo pelo Governo Federal, que expôs no Portal da Transparência a remuneração bruta de todos os seus servidores, incluindo verbas indenizatórias e demais componentes da sua remuneração, excluindo, apenas, descontos de caráter pessoal, como aqueles de Pensão Alimentícia ou de empréstimos com consignação em folha.Passaremos, agora, a analisar esta situação específica. Embora não haja comando expresso para divulgação das remunerações, a União editou o decreto nº 7.724, de 16 de maio de 2012, que regulamenta a Lei 12.527. Em seu art. 7º, este decreto trata da divulgação nominal das remunerações dos servidores.

“Art. 7º. É dever dos órgãos e entidades promover, independente de requerimento, a divulgação em seus sítios na Internet de informações de interesse coletivo ou geral por eles produzidas ou custodiadas, observado o disposto nos arts. 7o e 8o da Lei no 12.527, de 2011.

§ 1º. Os órgãos e entidades deverão implementar em seus sítios na Internet seção específica para a divulgação das informações de que trata o caput.

[...]

§ 3º. Deverão ser divulgadas, na seção específica de que trata o §1º, informações sobre:

[...]

VI - remuneração e subsídio recebidos por ocupante de cargo, posto, graduação, função e emprego público, incluindo auxílios, ajudas de custo, jetons e quaisquer outras vantagens pecuniárias, bem como proventos de aposentadoria e pensões daqueles que estiverem na ativa, de maneira individualizada, conforme ato do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão”.

Assim, o decreto comanda que a divulgação da remuneração deve ser feita “por ocupante de cargo”, ou seja, especificando-se quem percebe quais valores.

Para Pedro Lenza, ainda, “Complementando tal direito fundamental [da liberdade de informação], o art. 5º, XXXIII, estabelece que todos têm direito de receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral”. Podemos inferir, desta forma, que é constitucionalmente garantido o direito a obter informações dos órgãos públicos, ainda que não haja interesse particular – devendo haver, portanto, interesse coletivo. Num país onde a sociedade paga impostos e tem nos funcionários públicos agentes a seu serviço, nada mais justo que o conhecimento de quanto estes percebem de remuneração, sendo importante, inclusive, para efetivação da transparência e para o controle da Administração Pública.


3. DIVULGAÇÃO DAS REMUNERAÇÕES: EFETIVAÇÃO DA PUBLICIDADE, SUPREMACIA DO INTERESSE PÚBLICO E INEXISTÊNCIA DE OFENSA À INTIMIDADE.

Ao verem expostas suas remunerações para qualquer pessoa consultar, os servidores públicos temeram pela sua segurança e sua intimidade. Nada mais justo: Culturalmente, no Brasil, o salário é algo pessoal, e a própria cultura ocidental determina ser um “ato de indelicadeza”, por assim dizer, arguir outrem sobre quanto ele percebe de salários. Um choque cultural foi percebido, e por isso mesmo o impacto foi grande, com as primeiras reações negativas e contrárias à exposição dos salários.

Contudo, em nossa opinião, a divulgação das remunerações é plenamente respaldada pela Lei 12.527 e pelo princípio da publicidade, não havendo qualquer óbice legal, nem o princípio da intimidade. Isto porque a intimidade visa resguardar informações da vida pessoal – e o ocupante de cargo público está ciente de que exerce uma função pública remunerada, de interesse da sociedade, que é quem lhe remunera através do pagamento de impostos e tem, portanto, o direito de saber quanto o governo gasta com seus servidores de forma específica.

Em primeiro lugar, deve-se destacar que tal divulgação é um marco importante na caminhada em direção à transparência da Administração Pública. Uma Administração transparente pressupõe moralidade, e a possibilidade de controle por parte dos cidadãos e dos órgãos incumbidos de fazê-lo torna-se maior, garantindo, ainda que de forma mínima, uma maior segurança da sociedade para com os atos praticados pelo seu gestor.

Ademais, a divulgação das remunerações nada mais é que uma compilação de informações já tornadas públicas por meio de outros atos normativos. Isto porque, por exemplo, quando um Servidor Público Federal é investido em um determinado cargo, seus os atos de nomeação são publicados no Diário Oficial da União (D.O.U.). Quando ele deixa o cargo, o ato de desligamento também é pulicado no mesmo Diário. Portanto, é possível saber se uma pessoa determinada ocupa um determinado cargo público, por uma simples pesquisa no D.O.U. em relação aos atos de provimento e vacância.

Dispondo da informação do cargo que ocupa a pessoa, aquele que acessa as informações de caráter público pode consultar a Tabela de Remuneração dos Servidores Públicos Federais, publicada anualmente pelo Governo Federal, e saber qual a base salarial para aquele cargo. Assim, saberá o salário base do servidor, de forma pública e legal.

As vantagens (como progressões funcionais e incentivos comuns a toda a carreira à qual pertence o cargo ocupado pelo servidor) também são conferidas por atos públicos, como leis e portarias, que são de acesso por qualquer cidadão. Assim, até as vantagens individuais, geralmente conferidas por portarias, podem ser acessadas por qualquer cidadão que deseje obter a informação junto ao órgão. As vantagens comuns à carreira geralmente estão dispostas por lei em sentido estrito, o que torna a informação ainda mais acessível ao interessado.

Assim, a divulgação das remunerações individuais pelo Governo nada mais é, como já dito, que uma compilação de uma diversidade de atos públicos que conferem vantagens, investem o servidor no cargo e que, somados, podem informar a remuneração dos servidores de forma específica. Além do mais, não há qualquer violação à intimidade, visto que esse tipo de transparência visa apenas simplificar o acesso de informações que poderiam ser obtidas por outros meios também lícitos, que jamais foram questionados no tocante à ofensa ao princípio da intimidade. Também defendemos não haver violação pelo fato de os descontos pessoais, que dizem respeito apenas ao ocupante do cargo, não serem divulgados, sequer mencionados, pelo Portal da Transparência Pública.

Para Maria Sylvia Zanella Di Pietro, a lei poderá restringir o acesso à informação “que o assunto, se divulgado, possa ofender a intimidade de determinada pessoa, sem qualquer benefício para o interesse público; pode ocorrer que, em certas circunstâncias, o interesse público esteja em conflito com o direito à intimidade, hipótese em que aquele deve prevalecer em detrimento deste, pela aplicação do princípio da supremacia do interesse público sobre o individual” (DI PIETRO, 2011). Com grifos nossos.

Analisando os ensinamentos da professora Sylvia Di Pietro, chegamos ao entendimento de que a divulgação das remunerações, por ser de interesse público em nossa opinião, não se enquadra na categoria de restrição de publicidade apontada pela doutrinadora quando o assunto “ofender a intimidade de determinada pessoa sem qualquer benefício para o interesse público”, já que, em nosso entender, há sim tal interesse. Além disso, a doutrinadora fala sobre a supremacia do interesse público, destacando que numa colisão principiológica entre a intimidade e o interesse público, o último deverá prevalecer. Temos aqui, portanto, mais um sustentáculo para respaldar a legalidade da divulgação das remunerações, que tem fundamento no Princípio da Publicidade e na Supremacia do Interesse Público, consagrados princípios de índole constitucional.

Ainda sobre o interesse público e introduzindo a função dos agentes públicos, Celso Antônio Bandeira de Mello, ao tratar sobre o assunto, ensina que: "Todos eles [agentes públicos], entretanto, estão sobre um denominador comum que os radicaliza: são, ainda que alguns deles apenas episodicamente, agentes que exprimem manifestação estatal, munidos de uma qualidade que só podem possuir porque o Estado lhes emprestou sua força jurídica e os habilitou a assim agirem ou, quando menos, tem que reconhecer como estatal o uso que haja feito de certos poderes" (MELLO, 2009). Com grifos nossos.

Por exprimirem manifestação estatal, e por possuírem qualidades que são fornecidas pelo Estado, os agentes públicos passam a integrar a Administração, devendo submeter-se às regras impostas pelo regime administrativo, sobretudo a subordinação ao princípio da publicidade e a submissão ao controle dos órgãos próprios ou da sociedade em geral – tal controle, portanto, tem como importante aliada a divulgação das remunerações percebidas pelos agentes públicos.


4. CONCLUSÃO

Diante de tudo que foi exposto, chegamos à conclusão de que a divulgação nominal da remuneração dos servidores da União é plenamente respaldada nas normas-regra e nas normas-princípio, garantindo um pleno acesso à informação e um vasto conhecimento da população sobre o vencimento dos seus agentes públicos, que estão, primordialmente, a serviço da sociedade. Não há, desta forma, violação ao princípio da intimidade, visto que, como discutimos, os componentes da remuneração são efetivados por atos administrativos públicos, bem como o próprio salário base, situação que, somada a outras apresentadas no desenvolver deste estudo, nos autoriza a concluir pela legalidade e constitucionalidade do Art. 7º, §3º, VI, do decreto nº 7.724/2012 e da consequente exposição dos dados no Portal da Transparência.


5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. Decreto nº 7.724, de 16 de maio de 2012. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/Decreto/D7724.htm. Acesso em 20 nov. 2012.

BRASIL. Lei nº. 12.527, de 18 de novembro de 2011. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/lei/l12527.htm>. Acesso em 20nov. 2012.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 22ª Edição. São Paulo: Atlas, 2011.

LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2011.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 36. ed. São Paulo: Malheiros, 2010.

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2009.

PÉRES, Taynah Litaiff Isper Abrahim Carpinteiro. A lei de acesso à informação e a divulgação nominal da remuneração dos servidores públicos. Da transmutação do “interesse público” em “curiosidade coletiva”. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3402, 24 out. 2012 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/22867>. Acesso em: 20 nov. 2012.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ARAÚJO, Luis Felipe. A publicidade da remuneração dos servidores públicos do Poder Executivo federal: legalidade na exposição dos dados. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3473, 3 jan. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23371. Acesso em: 29 mar. 2024.