Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/2357
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

A tutela do meio ambiente e responsabilidade civil ambiental

A tutela do meio ambiente e responsabilidade civil ambiental

|

Publicado em . Elaborado em .

INTRODUÇÃO

O Direito está em evolução constante, mas nas últimas décadas acelera-se esse processo de atualização, como exigência decorrente da própria celeridade das mudanças de ordem social. Tem-se detectado teorias originais na sua concepção, buscando, no âmbito dos direitos constitucionais, principalmente, uma nova dimensão além daquelas que visam a proteção de direitos individuais ou coletivos.

Na concepção de Paulo Bonavides, há um novo pólo de alforria do homem, além dos tradicionais que eram a liberdade e a igualdade. Se o lema da Revolução Francesa compreendia esses dois valores, o terceiro era o da fraternidade. Mas esta, a fraternidade, cingiu-se mais às regras éticas e morais, sendo alijada das normatividade jurídica. Não é assim, agora. Se o valor fraternidade tem uma dimensão imensa, não poderia a ele ficar alheio o Direito. E, por fim, absorvido que foi, gestou um novo pólo jurídico, denominado de "direitos de terceira geração", na medida em que não se destinam especificamente à proteção de interesses de um grupo ou de um determinado Estado, tendo, como objeto próprio, nada mais nada menos do que o próprio gênero humano. Este seria o "valor supremo em termos de existencialidade concreta"[1].

Esses direitos de terceira geração materializam-se como a coroação de um movimento evolutivo do direito ao longo de três séculos para a concretização dos direitos fundamentais, segundo juristas e publicistas que se debruçam sobre essa temática.

Assim, e em termos teóricos, como prelecionam VASAK e outros juristas, pode-se ter como definitivamente identificados cinco direitos da fraternidade, ou seja, de "direitos da terceira geração", a saber: o direito ao desenvolvimento, o direito à paz, o direito ao meio ambiente, o direito de propriedade sobre o patrimônio comum da humanidade e o direito de comunicação.

Neste trabalho se está a estudar exatamente o terceiro desses novos "direitos de terceira geração", qual o do "meio ambiente", que já merece, pelo simples fato de inserir-se dentro dessa nova concepção dos "direitos da fraternidade", não apenas o despertar da curiosidade jurídica, mas um imenso respeito, por dizer, intrinsecamente, com um dos mais elevados valores éticos da humanidade, o da solidariedade. A todo momento surgem estudos novos, proporcionados pela "porta aberta" do direito ambiental, que surge, no limiar do novo milênio, como um dos temas jurídicos de maior relevância na atualidade, cujo interesse e repercussão não observa as fronteiras de soberania delineadas pelos homens.

Observa-se, no campo jurisprudencial nacional, que as nossas Cortes têm, cada vez mais, julgado causas envolvendo o tema, sinal de que está havendo uma paulatina conscientização da sociedade sobre a imperiosa necessidade de proteger o meio ambiente.

O Ministério Público, por igual, assumiu a tarefa de guardião institucional desses valores, atuando também decisivamente junto a juízes e tribunais. E estes mesmos têm demonstrado uma abertura e receptividade encomiáveis, mesmo se tendo presente que, em vários aspectos, o Judiciário se coloca como um poder mais conservador em relação às inovações de ordem histórica, sociológica e tecnológica.

Veja-se, exemplificativamente, este aresto do Superior Tribunal de Justiça, onde ficou assente que "o Estado tem o direito-dever de proteger a natureza", mantendo decisão administrativa que vetou a implantação de loteamento por infringência às normas protetoras do meio ambiente.[2]

Em outro aresto, a mesma Corte Superior assentou que o exame de condições técnicas para a construção de determinada obra é afeto aos órgãos próprios, não podendo o Judiciário desconsiderá-las. Isto é, manteve a autoridade dos órgãos de administração encarregados da proteção ao meio ambiente, como se pode ver deste excerto: "Em havendo obra potencialmente ofensiva ao meio ambiente, reserva-se aos integrantes do SISNAMA, a competência para avaliar o alegado potencial. Acórdão fincado na assertiva de que a obra impugnada está livre de autorização do SISNAMA, porque leva em conta os cuidados exigidos para a preservação do meio ambiente. Tal aresto efetuou juízo de valor, penetrando a competência do SISNAMA e maltratando o artigo 10, da lei 6.938/81.[3]

E, para encerrar essas remissões jurisprudenciais, veja-se este outro significativo aresto, da mesma alta Corte Federal, estendendo-se sobre a responsabilidade - agora não mais do particular - mas sim do próprio Estado, em obedecer, ele próprio, a legislação protetiva ao meio ambiente, como a dizer que o exemplo positivo maior no tema, deve partir dele próprio, Estado. A ementa bem resume a concepção do eg. STJ: "Danos ao meio ambiente causado pelo Estado. Se o estado edifica obra pública - no caso, um presídio - sem dotá-la de um sistema de esgoto sanitário adequado, causando prejuízos ao meio ambiente, a ação civil publica é, sim, a via propria para obrigá-lo às construções necessárias à eliminação dos danos. Sujeito também às leis, o Estado tem, nesse âmbito, as mesmas responsabilidades dos particulares" [4].

Os exemplos acima, repisa-se, demonstram o cuidado e a seriedade com que o Judiciário tem examinado o tema, fazendo valer a legislação ambiental inclusive contra o próprio Estado. E serve, por igual, para demonstrar esse alargamento das esferas de proteção a esse incipiente direito, que exatamente por ser novo deve, como se faz com um recém-nascido, ser cercado de especial proteção e cuidados, para que cresça e se desenvolva até a sua plenitude.

Há, porém, que se delimitar o campo deste estudo, ante a amplitude de horizontes que se abrem dentro do direito ambiental. A proposta deste trabalho é restrita ao estudo da tutela da responsabilidade civil no âmbito do direito ambiental, matéria que, pela sua relativa novidade, tem espaço aberto para aprofundamento de teses e verificações sobre peculiaridades de casos concretos.

Evidentemente que não se tem pretensão, dada a complexidade e amplitude do tema, de resolver as questões pendentes nem, muito menos, esgotar a matéria. Objetiva-se, tão-somente, o exame de algumas questões colocadas no epicentro geográfico da discussão, com a colmatação parcial das lacunas existentes na dogmática jurídica nessa temática. Pretende-se, por outras palavras, exibir um painel sintético sobre a questão ambiental, restrito à responsabilidade civil e sua incidência na tutela civil ambiental, e, destarte, provocar a discussão e reflexão sobre questões de preservação e punição do poluidor.

O presente trabalho vem repartido em cinco capítulos. Num primeiro momento, que compreende os três primeiros capítulos, expõe-se a questão da ecologia e meio ambiente, seguida da questão concernente à tutela e legislação pertinente. O capítulo quarto faz referência à responsabilidade civil, suas características, correntes e tipos. O quinto e último capítulo refere-se especificamente a questão da responsabilidade civil no âmbito ambiental, abordando características, forma de reparação de danos, a questão da teoria do risco, a prova, o quantum reparatório e os sujeitos responsáveis.


1 – ECOLOGIA E MEIO AMBIENTE

A conservação ambiental há muito pouco tempo tem-se tornado uma questão de relevância, adentrando no mundo político e jurídico, considerado a importância que o tema requer. Apesar de ser questão recente, a tutela ambiental tem tomado proporções consideráveis sendo que hoje, meio ambiente e ecologia são expressões da moda.

A expressão ecologia pode ser entendida como o estudo da casa, compreendida em sentido lato como o local de existência, o entorno, o meio. É ramo da moderna biologia, com foros de ciência.

Para Édis Milaré[5], "meio ambiente" é uma expressão "camaleão" uma vez que inexiste consenso sobre sua definição. Distingue, entretanto, dentro do conceito jurídico de meio ambiente uma perspectiva estrita e outra ampla. Na primeira, o meio ambiente é uma expressão do patrimônio natural e suas relações com e entre os seres vivos. Na concepção ampla há uma abrangência de toda natureza original e artificial, assim como os bens culturais correlatos.

Dentro de outra perspectiva que não a jurídica Édis Milaré[6] traz definição de Ávila Coimbra que afirma ser "o meio ambiente o conjunto de elementos físico-químicos, ecossistemas naturais e sociais em que se insere o homem, individual e socialmente, num processo de interação que atenda ao desenvolvimento das atividades humanas, à preservação dos recursos naturais e das características essenciais do entorno, dentro de padrões de qualidade definidos."

O conceito de meio ambiente varia a partir da integração ou exclusão do seu conceito dos elementos culturais ou artificiais. O legislador ordinário considera como meio ambiente apenas os seus elementos naturais, já que a Lei nº 6.938/81 dispõe, em seu art. 3º, ser meio ambiente o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas. Harmonizado com ele, o art. 5º, inciso LXXIII, da Constituição Federal[7], trata separadamente o meio ambiente e o patrimônio histórico e cultural. Também o vocábulo "natureza" apresentado diversas vezes, abrange indistintamente os reinos animal, vegetal e mineral, mas ficam excluídas do seu alcance acessões humanas.

Há, entretanto, uma tendência de que a abordagem da questão ambiental englobe também seus aspectos artificiais, sociais, culturais, econômicos e políticos.

José Afonso da Silva[8] trata do meio ambiente em seu sentido amplo, pois considera "toda a natureza original e artificial, bem como os bens culturais correlatos, compreendidos portanto, o solo, a água, o ar, as belezas naturais, o patrimônio histórico, artístico, turístico, paisagístico e arqueológico".

A Constituição Federal ao dar tratamento jurídico ao meio ambiente como bem de uso comum do povo, criou um novo conceito jurídico. Isto porque, até então, tinha-se como integrantes do conceito de bem de uso comum os rios, os mares, praias, estradas, praças e ruas. O meio ambiente deixou de ser coisa abstrata, sem dono, para ser bem de uso comum do povo, constitucionalmente protegido.


2 – TUTELA DO AMBIENTE

Sendo a proteção do ambiente um tema deste século, se compreende que as Constituições mais antigas, como a norte-americana, a francesa e a italiana, não cuidem especificamente da matéria. Isto ocorria também no sistema constitucional brasileiro até a Constituição de 1.988. Entretanto, mesmo sem a proteção constitucional eram promulgadas leis e regulamentos de proteção ao meio ambiente.

As Constituições que precederam a de 1.988, jamais se preocuparam com a proteção do ambiente de forma específica e global. Nelas jamais foi empregada a expressão "meio ambiente", revelando total despreocupação com o tema.

A partir da Constituição de 1.988 a proteção do meio ambiente ganhou identidade própria, definindo os fundamentos da proteção ambiental. A nova Constituição despertou a consciência da necessidade da convivência harmoniosa com a natureza. Traduz em diversos dispositivos o que pode ser considerado um dos sistemas mais abrangentes e atuais do mundo sobre a tutela do meio ambiente. A dimensão conferida ao tema vai desde os dispositivos do capítulo VI do Título VIII, até inúmeros outros regramentos insertos ao longo do texto nos mais diversos Títulos e Capítulos.

O meio ambiente, em decorrência da relevância que apresenta à saúde e à preservação da vida, no planeta, mereceu do legislador constituinte de 1.988 especial cuidado. A Constituição Federal confere a todo cidadão, sem exceção, direito subjetivo público ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, oponível ao Estado que responderá por danos causados ao ambiente, só, ou solidariamente, caso o dano seja decorrência de entidade privada, por ele não policiada.

J. Cretella Jr.[9], in Comentários à Constituição de 1.988, refere que "o meio ambiente, entregue à própria sorte, sem a presença humana, está por excelência, em equilíbrio, encarregando-se a própria natureza de recompor eventuais perdas vegetais, animais e mesmo minerais, sob o impacto quer de fenômenos telúricos e cósmicos – raios, erupções vulcânicas, inundações, chuvas, saraiva, meteoritos, gelo, terremotos, maremotos -, quer de animais predatórios. Em tempo maior ou menor, o meio ambiente reequilibra-se, mediante interação dinâmica dos componentes desse mundo. E a natureza prossegue, normalmente, como vem ocorrendo há milhões de anos, antes do surgimento do homem, na face da Terra.

O aparecimento do homem, no planeta, passou a incidir, aos poucos, no meio ambiente, alterando-lhe o natural equilíbrio, quando o ser humano necessitou das coisas da natureza, utilizando-as para a alimentação ou para abrigar-se das intempéries. No início, praticamente desprezível, a ação humana vai depois, aos poucos, afetando o equilíbrio do meio circunvizinho e, nas últimas décadas, em razão do avanço tecnológico e do aumento extraordinário da poluição mundial, constituiu-se em ameaça flagrante ao próprio destino da humanidade, que sem a menor dúvida, se extinguirá, a não ser que os governantes e toda a comunidade internacional, em conjunto, detenham a ação predatória do homem, que se faz sentir por motivos imediatistas traduzidos em omissões e atos positivos, destruidores da vida terrestre, marinha, atmosférica e estratosférica.

Guerras, vazamentos de usinas nucleares e de petroleiros, fábricas de móveis, indústrias, escapamentos dos carros e chaminés, descargas das fábricas destroem a fauna marítima, fluvial e lacustre, as reservas florestais, o ar atmosférico, colocando terra, mar e ar, em vias de colapso total.

Resta, se ainda houver tempo e consenso geral, a ação imediata de governantes e legisladores para deter a ação predatória do homem, à beira da destruição."

A devastação ambiental não é exclusiva dos dias modernos, desde os mais remotos tempos é tema de preocupação de todos os povos, em maior ou menor escala. A devastação ambiental acompanha o homem desde os primórdios de sua história[10].

No Brasil as primeiras formulações legislativas disciplinadoras do meio ambiente são encontradas na legislação portuguesa que vigorou até o advento do Código Civil em 1.916, onde aparecem preocupações ecológicas mais acentuadas. Nas décadas que seguiram, a questão tutelar do meio ambiente tomou contornos maiores, surgindo os primeiros diplomas legais com regras específicas sobre fatores ambientais. Na década de 1.960, com o movimento ecológico, novos diplomas legais surgiram com normas mais diretas sobre prevenção e degradação ambiental. Foi, entretanto, a partir da década de 80, sob o influxo da onda conscientizadora emanada da Conferência de Estocolmo de 1.972, que a legislação sobre a matéria tornou-se mais consistente, abrangente e voltada para a questão da proteção do meio.

Proliferou uma intensa produção legislativa com vistas à proteção específica do meio ambiente. Alguns autores mencionam marcos do ordenamento jurídico que são de extrema importância e que contornam amplamente a questão ambiental. O primeiro grande marco é a edição da Lei 6.938 de 31.08.81, que conceituou o meio ambiente como "o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas." Além disso, instituiu o Sistema Nacional de Meio Ambiente.

O segundo marco foi a Lei 7.347 de 24.07.85, disciplinadora da ação civil pública como instrumento processual específico para a defesa do ambiente e de outros interesses difusos e coletivos.

O terceiro marco ocorreu com a promulgação da Constituição Federal de 1.988, que dedicou capítulo próprio ao meio ambiente, considerado um dos textos mais avançados do mundo. Com a Constituição Federal, vieram as Constituições Estaduais e Leis Orgânicas com preocupações ecológicas.

Por fim, em quarto lugar, a Lei 9.605 de 12.02.98, que dispõe sanções penais e administrativas aplicáveis à condutas lesivas ao meio ambiente.


3 - DIREITO DO AMBIENTE

Direito ambiental é uma especialização do direito administrativo que estuda as normas que tratam das relações do homem com o espaço que o envolve. É o conjunto de normas que regem as relações humanas com o meio ambiente.

Édis Milaré[11] conceitua o direito do ambiente como "o complexo de princípios e normas regulamentadoras das atividades humanas, que, direta ou indiretamente possam afetar a sanidade do ambiente em sua dimensão global, visando a sua sustentabilidade para as presentes e futuras gerações.

William Freire[12] afirma que no Brasil o direito ambiental foi definido, em caráter pioneiro, por Luiz Fernando Coelho como sendo "um sistema de normas jurídicas que, estabelecendo limitações ao direito de propriedade e ao direito de exploração econômica dos recursos da natureza, objetivam a preservação do meio ambiente com vistas à melhor qualidade da vida humana".

Verifica-se uma visão mais complexa da matéria no trabalho de Helita Barreira Custódio[13] que define o direito do ambiente como o "conjunto de princípios e regras impostos, coercitivamente, pelo Poder Público competente, e disciplinadores de todas as atividades direta ou indiretamente relacionados com o uso racional dos recursos naturais (ar, águas superficiais e subterrâneas, águas continentais ou costeiras, solo, espaço aéreo e subsolo, espécies animais e vegetais, alimentos e bebidas em geral, luz, energia), bem como a promoção e proteção dos bens culturais (de valor histórico, arqueológico, paleontológico, ecológico, científico), tendo por objeto a defesa e a preservação do patrimônio ambiental (natural e cultural) e por finalidade a incolumidade da vida em geral, tanto a presente como a futura."

3.1. PRINCÍPIOS DO DIREITO DO AMBIENTE

O direito do ambiente apresenta uma série de princípios e proposições básicas que o fundamentam e sustentam. Os doutrinadores da matéria mencionam uma série de princípios. Traz-se os mais relevantes.

3.1.1. PRINCÍPIO DO AMBIENTE ECOLOGICAMENTE EQUILIBRADO

Este princípio configura uma extensão do direito à vida e proteção contra qualquer privação arbitrária da vida. Determina aos Estados o dever de buscar diretrizes destinadas a assegurar o acesso aos meios de sobrevivência a todos os indivíduos e todos os povos. Têm, pois, a obrigação de evitar riscos ambientais sérios à vida.

3.1.2. PRINCÍPIO DA NATUREZA PÚBLICA DA PROTEÇÃO AMBIENTAL

Este princípio impossibilita a apropriação individual de parcelas do meio ambiente para o consumo privado, uma vez que é de uso comum do povo. Qualquer realização individual deste direito fica diretamente ligada a realização social.

3.1.3. PRINCÍPIO DO CONTROLE DO POLUIDOR PELO PODER PÚBLICO

Resulta de intervenções necessárias a manutenção, preservação e restauração dos recursos ambientais com vista à sua utilização racional e disponibilidade permanente.

3.1.4. PRINCÍPIO DA CONSIDERAÇÃO DA VARIÁVEL AMBIENTAL NO PROCESSO DECISÓRIO DE POLÍTICAS DE DESENVOLVIMENTO

Toda e qualquer ação ou decisão, seja pública ou privada, deve sempre verificar o impacto negativo sobre o meio.

3.1.5 PRINCÍPIO DA PARTICIPAÇÃO COMUNITÁRIA

Para a resolução dos problemas do ambiente deve ser dada especial ênfase à cooperação entre o Estado e a sociedade, através da participação dos diferentes grupos sociais na formulação e na execução da política ambiental.

3.1.6. PRINCÍPIO DO POLUIDOR-PAGADOR

Determina ao poluidor o custo social da poluição por ele gerada, engendrando um mecanismo de responsabilidade por dano ecológico abrangente dos efeitos da poluição sobre toda natureza.

Segundo Antônio Herman V. Benjamin[14], "O princípio poluidor-pagador não é um princípio de compensação dos danos causados pela poluição. Seu alcance é mais amplo, incluídos todos os custos da proteção ambiental, e ‘quaisquer que eles sejam’, abarcando, a nosso ver, os custos de prevenção, de reparação e de repressão do dano ambiental, assim como aqueles outros relacionados com a própria utilização dos recursos ambientais, particularmente os naturais, que ‘têm sido historicamente encarados como dádivas da natureza, de uso gratuito ou custo marginal zero.’".

3.1.7 PRINCÍPIO DA PREVENÇÃO OU PRECAUÇÃO

Prioriza a atenção que deve ser dada às medidas que evitem qualquer início de agressão ao ambiente para, assim, evitar ou eliminar qualquer agente causador do dano ecológico. Onde há risco de dano irreversível ou sério ao meio ambiente, deve ser tomada uma ação de precaução para prevenir prejuízos.

3.1.8 PRINCÍPIO DA FUNÇÃO SOCIOAMBIENTAL DA PROPRIEDADE

O direito a propriedade deve estar aliado à função ambiental, ou seja, deve ser exercido em consonância com os fins ecológicos de preservação.

3.1.9. PRINCÍPIO DO DIREITO AO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

Estabelece dois objetivos: a) a promoção de padrões de consumo e promoção às pressões ambientais e que atendam às necessidades básicas da humanidade; b) o desenvolvimento de uma melhor compreensão do papel do consumo e da forma de se implementar padrões de consumo mais sustentáveis. Há necessidade da coexistência do direito e dever. O desenvolvimento e fruição dos recursos naturais do planeta não é apenas direito, exige deveres de cada indivíduo e de toda a sociedade.

3.1.10. PRINCÍPIO DA COOPERAÇÃO ENTRE OS POVOS

Significa um trabalho em cadeia entre as nações com o fim único de preservação do meio ambiente, que desconhece fronteiras.


4 - RESPONSABILIDADE CIVIL

4.1. HISTÓRICO

Segundo a teoria clássica, a responsabilidade civil se assenta em três pressupostos: um dano, a culpa do autor do dano e a relação de causalidade entre o fato culposo e o mesmo dano.

Nos primórdios da humanidade imperava a vingança privada, forma primitiva da reação espontânea e natural contra o mal sofrido. Não se questionava a culpa, bastava a efetivação do dano para uma reação imediata do ofendido. Era a reparação do mal pelo mal[15].

Posteriormente foi regulamentada a reparação através da chamada Lei de Talião: "olho por olho, dente por dente".

Sucede-se o período da composição, sendo então, determinada a compensação econômica a critério da vítima. Mesmo havendo uma substituição da violência, ainda assim não se perquiria a culpa.

Há época do Código de Ur-Nammu, do Código de Manu e da Lei das XII Tábuas, é vedado à vítima fazer "Justiça com as próprias mãos", tornando-se a reparação econômica obrigatória. Havia, pois, uma tarifação determinante da reparação para cada tipo de dano.

Foi na era romana que a reparação ganhou novos contornos, e o Estado legitimou-se para punir. Distinguiam-se os delitos públicos dos privados. Nestes pertencia à vítima; naqueles a reparação econômica era prestada aos cofres públicos. Nasceu, então, a ação de indenização, dividindo-se responsabilidade civil e penal.

A fonte do princípio regulador da reparação do dano está na Lei Aquília, apesar de não apresentar os moldes do direito moderno. A partir daqui é que se começou cogitar a culpa.

Foi o direito francês que aperfeiçoou o direito das reparações, estabelecendo, através do Código de Napoleão o princípio geral da responsabilidade civil, distinguindo, inclusive, culpa contratual e delitual.

A definição de que a responsabilidade civil está embasada na culpa inseriu-se nas legislações de todos os povos e foi-se aperfeiçoando com o tempo e com as mudanças ocorridas no mundo.

Surgiram novas teorias, sendo que, modernamente, a teoria do risco - a qual verifica a responsabilidade sob aspecto objetivo - mesmo sem ocupar o espaço da teoria da culpa, tem se destacado, ampliando seu território.

A matéria, entretanto, é controvertida. De um lado, apresentam-se fiéis defensores da responsabilidade subjetiva, repelindo a teoria do risco. De outro lado, há os que abraçam a doutrina do risco, considerando-a o substituto da teoria da culpa, que estaria superada, além de insatisfatória. E, por fim, há a posição dos que admitem - entre eles Caio Mário da Silva Pereira[16]-, a convivência das duas teorias: a culpa exprimiria a noção básica e o princípio geral da responsabilidade; a teoria do risco seria aplicada nos casos especialmente previstos, ou quando a lesão provém de situação criada por quem explora profissão ou atividade que expôs o lesado ao risco do dano que sofreu.

Para a teoria do risco a responsabilidade é objetiva. Consoante Carlos Roberto Gonçalves[17] nesta teoria se subsume a idéia do exercício de atividade perigosa como fundamento da responsabilidade civil. O exercício de atividade que possa oferecer algum perigo representa um risco, que o agente assume, de ser obrigado a ressarcir os danos que venham resultar a terceiros dessa atividade. A responsabilidade objetiva funda-se num princípio de equidade, ou seja, aquele que lucra com uma situação deve responder pelo risco ou pelas desvantagens dela resultantes. Quem aufere cômodos, deve suportar incômodos.

No direito moderno, a teoria da responsabilidade objetiva apresenta-se sob duas faces: a teoria do risco e a teoria do dano objetivo. Pela última, desde que exista um dano, deve ser ressarcido, independentemente da idéia de culpa. Uma e outra consagram, em última análise, a responsabilidade sem culpa, a responsabilidade objetiva. A tendência atual do direito manifesta-se no sentido de substituir a idéia da responsabilidade pela idéia da reparação, a idéia da culpa pela idéia do risco, a responsabilidade subjetiva pela responsabilidade objetiva.

A realidade, no entanto, é que se tem procurado fundamentar a responsabilidade na idéia de culpa, mas sendo esta insuficiente para atender às imposições do progresso, tem o legislador fixado os casos especiais em que deve ocorrer a obrigação de reparar, independentemente daquela noção.

O direito brasileiro adota a teoria subjetiva em seu art. 159 do Código Civil, em que a reparação está diretamente ligada à idéia do ilícito. Em outros dispositivos e em leis esparsas se adotou a teoria do risco, da culpa presumida e da responsabilidade sem culpa, como nos arts. 1527, 1528, e 1529. Além disso, em outras normas verifica-se com nitidez a adoção da responsabilidade objetiva.

4.2. RESPONSABILIDADE CIVIL E PENAL

A palavra "responsabilidade" vem do latim re-spondere, que significa segurança ou garantia de restituição ou compensação. Significa, pois, restituição, ressarcimento.

O fundamento da responsabilidade civil e penal é praticamente o mesmo. As condições em que surgem é que são diferentes, pois uma é mais exigente do que a outra, quanto ao aperfeiçoamento dos requisitos que devem coincidir para se efetivar.

A responsabilidade penal pressupõe uma turbação social, determinada pela violação da norma penal. O agente infringe uma norma de direito público. O interesse lesado é da sociedade. Na responsabilidade civil, o interesse lesado é privado. O prejudicado pode, ou não, pleitear reparação.

A diferença entre a responsabilidade civil e a responsabilidade penal é a distinção entre o direito civil e o direito penal. Na responsabilidade civil não se verifica se o ato que causou dano ao particular ameaça, ou não, a ordem social. Desimporta que a pessoa compelida à reparação seja, ou não, moralmente responsável.

A responsabilidade penal envolve dano que atinge a paz social, embora, muitas vezes, atinja um só indivíduo. Esta responsabilidade é intransferível, respondendo o réu com a privação de sua liberdade. Ao Estado incumbe reprimir o crime e deve arcar com o ônus da prova.

Na responsabilidade civil não é o réu, mas a vítima que, em muitos casos, tem de enfrentar entidades como empresas multinacionais e o próprio Estado.

No cível qualquer ação ou omissão pode gerar a responsabilidade civil, desde que haja violação de direito ou prejuízo de outrem. No crime há a presença da tipicidade: é necessário que haja perfeita adequação do fato concreto ou tipo penal.

A culpabilidade é mais ampla no cível, na esfera criminal nem toda culpa resulta na condenação do réu.

A questão da imputabilidade também é tratada de forma diferente. Há regras no cível que divergem das do crime.

A responsabilidade civil envolve o dano, o prejuízo, o desfalque, o desequilíbrio ou descompensação do patrimônio de alguém. "A responsabilidade que denominaremos civil, ainda que o termo se preste a alguma ambigüidade, para distinguí-la dos aspectos precedentemente indicados, é referente aqui à ordem patrimonial. Um caso de responsabilidade civil supõe, antes de tudo, um equilíbrio econômico a ser restabelecido entre dois patrimônios"[18].

Quando coincidem, a responsabilidade civil e a responsabilidade penal proporcionam as respectivas ações, isto é, as formas de se fazerem efetivas: Uma exercível pela vítima; outra pela sociedade; uma tendente à reparação; outra à punição.

4.3. RESPONSABILIDADE SUBJETIVA E OBJETIVA

A responsabilidade é subjetiva quando se esteia na idéia de culpa. Não havendo culpa, não há responsabilidade. Para a teoria da culpa ou subjetiva, o pressuposto para a reparação do dano é a prova da culpa.

Entretanto, a teoria objetiva ou do risco, impõe reparação para danos cometidos sem culpa. Todo dano é indenizável, devendo ser reparado por quem a ele se liga por um nexo de causalidade independentemente de culpa. Não se exige prova de culpa do agente para que seja obrigado a reparar o dano. Em alguns, ela é presumida pela lei. Em outros, é de todo prescindível. Na legislação brasileira, a responsabilidade subjetiva subsiste como regra necessária, sem prejuízo da adoção da responsabilidade objetiva.

Para Caio Mário[19] a responsabilidade objetiva não substitui a subjetiva, mas fica circunscrita aos seus justos limites. "A regra geral, que deve presidir à responsabilidade civil, é a sua fundamentação na idéia de culpa; mas, sendo insuficiente esta para atender às imposições do progresso, cumpre ao legislador fixar especialmente os casos em que deverá ocorrer a obrigação de reparar, independentemente daquela noção. Não será sempre que a reparação do dano se abstrairá do conceito de culpa, porém quando o autorizar a ordem jurídica positiva. É neste sentido que os sistemas modernos se encaminham, como, por exemplo, o italiano, reconhecendo em casos particulares e em matéria especial a responsabilidade objetiva, mas conservando o princípio tradicional da imputabilidade do fato lesivo. Insurgir-se contra a idéia tradicional da culpa é criar uma dogmática desafinada de todos os sistemas jurídicos. Ficar somente com ela é entravar o progresso.

No ponto, Fernando Noronha[20] em brilhante artigo sobre responsabilidade civil, divide-a em responsabilidade civil (srticto sensu) e responsabilidade negocial. Para o autor a responsabilidade negocial é a responsabilidade civil conseqüente do inadimplemento de obrigações negociais, enquanto que a responsabilidade civil stricto sensu visa reparação de danos causados a pessoas não envolvidas no negócio jurídico, ou por violação de direitos gerais. É obrigação de reparar danos resultantes do dever geral de neminen laedere (não lesar ninguém). Classifica a responsabilidade civil em sentido estrito subjetiva e objetiva e responsabilidade negocial subjetiva e objetiva.

Responsabilidade civil em sentido estrito subjetiva, ou culposa, é também chamada de responsabilidade por atos ilícitos ou aquiliana, sendo dela que se trata no art. 159 do Código Civil. Consiste em reparar danos resultantes de violação intencional. Tanto no âmbito das obrigações negociais como na responsabilidade em sentido estrito, a violação intencional de direitos alheios caracteriza o dolo.

O dolo é importante no direito penal já que em regra a mera culpa não é punível. No direito civil desimporta se na ação havia dolo ou culpa. Isto só não é assim em duas hipóteses: primeiro quando se trata de reparar danos morais em que o juiz ao fixar o quantum deve considerar, entre outros fatores, a intensidade do dolo e grau de culpa do responsável, segundo nos casos em que não basta mera culpa para gerar indenização, mas também dolo ou culpa grave.

A responsabilidade civil objetiva ou de risco, seja negocial, seja civil em sentido estrito, é obrigação de reparar determinados danos, acontecidos durante atividades realizadas no interesse ou sob o controle de alguém, que por isso será responsável independente de agir ou não com culpa.

Aqui a base é o risco que o responsável criou, ou quando ocorre na sua esfera de atuação.

A responsabilidade objetiva visa, sobretudo, a reparação de danos resultantes de dependentes e do exercício de atividades perigosas, mas atualmente já vai se estendendo a danos ocasionados por bens de consumo e a danos resultantes da poluição ambiental.

4.4. RESPONSABILIDADE CONTRATUAL E EXTRACONTRATUAL

No que tange a responsabilidade contratual e extracontratual, os estudiosos do direito dividem-se entre os adeptos da teoria dualista e os adeptos da teoria monista. Os defensores desta fazem duras críticas à dualidade de tratamento da responsabilidade. Entendem pouco importar os aspectos sobre os quais se apresente a responsabilidade civil no cenário jurídico, pois uniformes são seus efeitos. A teoria dualista, ou clássica, mesmo concordando que as soluções são idênticas para a responsabilidade contratual e extracontratual, faz a diferenciação. Esta última predomina na doutrina e, inclusive, na nossa legislação.

O Código Civil distinguiu as duas espécies de responsabilidade, disciplinando genericamente a responsabilidade extracontratual nos arts. 159 e 160 e 1.518 e seguintes e a contratual nos arts. 956 e seguintes e 1.056 e seguintes, omitindo qualquer referência diferenciadora.

Com efeito, quando a responsabilidade não deriva de contrato, diz-se que ela é extracontratual. Neste caso, aplica-se o disposto no art. 159 do Código Civil. Todo aquele que causa dano a outrem, por culpa em sentido estrito ou dolo, fica obrigado a repará-lo. É a responsabilidade derivada de ilícito extracontratual, também chamada aquiliana.

Na responsabilidade contratual existe uma convenção prévia entre as partes, que não é cumprida. Na responsabilidade extracontratual, o agente infringe um dever legal; na contratual descumpre o avençado, tornando-se inadimplente. Na responsabilidade extracontratual não há vínculo entre a vítima e o causador do dano.

Carlos Roberto Gonçalves[21] faz distinção entre a responsabilidade contratual e a extracontratual, com enfoque nos aspectos práticos. A primeira diz respeito ao ônus da prova. "Se a responsabilidade é contratual, o credor só está obrigado a demonstrar que a prestação foi descumprida. O devedor só não será condenado a reparar o dano se provar a ocorrência de alguma das excludentes admitidas na lei: culpa exclusiva da vítima, caso fortuito ou força maior. Incumbe-lhe, pois, o onus probandi. No entanto, se a responsabilidade for extracontratual, a do art. 159 (um atropelamento, por exemplo), o autor da ação é que fica com o ônus de provar que o fato se deu por culpa do agente (motorista)".

Outra diferença é estabelecida quanto às fontes: "Enquanto a contratual tem a sua origem na convenção, a extracontratual a tem na inobservância do dever genérico de não lesar de não causar dano a ninguém (neminem laedere), estatuído no art. 159 do Código Civil".

No que refere à gradação da culpa, diz o autor que na responsabilidade extracontratual a falta é apurada de uma maneira bem mais rigorosa do que nos casos de responsabilidade contratual, em que a intensidade varia de caso para caso.

Finalmente, diferencia as responsabilidades quanto à capacidade do agente causador do dano, citando Josserand que considera "a capacidade jurídica bem mais restrita na responsabilidade contratual do que na derivada de atos ilícitos, pois estes podem se perpetrar por amentais e por menores e podem gerar o dano indenizável, ao passo que somente as pessoas plenamente capazes são suscetíveis de celebrar convenções válidas".

4.5. RESPONSABILIDADE POR ATO PRÓPRIO, POR ATO DE OUTREM E PELO FATO DE COISAS OU ANIMAIS

Há responsabilidade por ato próprio ou pessoal, quando alguém com sua atuação pratica fato causando dano a outrem. Aqui a conduta pode ser dolosa, culposa ou ainda ilícita, nos casos excepcionais em que gere responsabilidade civil.

A responsabilidade por fato de outrem ocorre quando alguém responde por atos de pessoas que são suas dependentes como, por exemplo, representantes, auxiliares, substitutos, ou que estejam sob sua vigilância como filhos, alunos, hóspedes.

Tem-se responsabilidade por fatos de coisas ou de animais quando alguém responde pelos danos causados por animais ou resultantes de máquinas, aparelhos, produtos e ruína de construções. Esta responsabilidade geralmente é objetiva. Hoje em dia tem especial destaque a responsabilidade por produtos e serviços defeituosos, prevista no CDC (art. 12 e 14), e a resultante de poluição ambiental (Lei 6.938/81, art. 14, § 1º).

4.6. PRESSUPOSTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL

A obrigação de indenizar pressupõe determinados requisitos. No âmbito civil pode-se destacar os seguintes: a) que o ato ou fato praticado seja antijurídico; b) que possa ser imputado a alguém; c) que resulte dano; d) que o dano possa ser juridicamente considerado como causado pelo ato ou fato praticado.

4.6.1. ANTIJURIDICIDADE

A antijuridicidade é um dado de natureza objetiva. Há antijuridicidade quando um ato ou um fato ofende direito alheio de modo contrário ao direito independentemente de qualquer juízo de censura que porventura também possa estar presente e ser referido a alguém. Este fato antijurídico, primeiro pressuposto da obrigação de indenizar, será, de regra, um ato humano, culposo ou não, mas também poderá ser um fato natural, que ofenda direitos de outrem, de forma reprovada pelo ordenamento jurídico.

Na responsabilidade civil subjetiva o fato gerador será sempre um ato ilícito, isto é, uma conduta humana, uma ação ou omissão determinada voluntariamente pela pessoa, ou que esta, pelo menos, poderia controlar, se fosse mais cuidadosa.

Na responsabilidade civil objetiva o fato gerador poderá ser tanto uma conduta humana, como um fenômeno natural. A conduta humana aqui visada é considerada independente de qualquer idéia de culpa.

4.6.2. NEXO DE IMPUTAÇÃO

Nexo de imputação é o fundamento ou a razão de ser da atribuição da responsabilidade a uma determinada pessoa, pelos danos ocasionados ao patrimônio ou à pessoa de outra.

Na responsabilidade subjetiva o fundamento de tal imputação é uma atuação culposa: a violação do direito (antijuridicidade) é imputada ao agente a título de dolo ou culpa.

Na responsabilidade objetiva o fundamento da imputação é diverso, é uma idéia de risco criado: quem exerce atividade que pode por em perigo pessoas e bens alheios, da mesma forma que aufere benefícios daí resultantes, também deve suportar os prejuízos, independentemente de ter ou não agido com culpa.

Na responsabilidade subjetiva em casos especiais não é o lesado quem tem o ônus da prova do dolo, ou da negligência, imprudência e imperícia do agente: tais casos são os de presunção juris tantum de culpa do agente, em que este, para se liberar, tem de demonstrar que agiu com todos os cuidados que seriam exigíveis, embora sem ter necessidade de provar que o fato se deveu a caso fortuito ou de força maior.

Os casos ditos de presunção juris et de jure de culpa são de responsabilidade objetiva, já que não é possível fazer prova de inexistência de culpa.

4.6.3. DANO

Dano é o prejuízo sofrido por alguém, em conseqüência da violação de um seu direito. Fernando Noronha[22] classifica o dano da seguinte forma: dano patrimonial e moral (ou extrapatrimonial); material e pessoal; direto e indireto.

É dano patrimonial o prejuízo de natureza econômica, o dano diretamente suscetível de avaliação pecuniária. É moral aquele dano que não afeta o patrimônio, consistindo em dores físicas ou sofrimentos psíquicos, resultantes da violação de direitos da personalidade.

A reparação do dano extrapatrimonial não consiste propriamente numa indenização, mas numa compensação, que permita ao ofendido obter outras satisfações, que sirvam de lenitivo para o mal experimentado.

Fala-se em dano pessoal, ou à pessoa, quando é afetada a integridade físico-psíquica do lesado; fala-se em dano material, quando se atingem bens ou coisas do mundo externo.

Dano direto é aquele que é feito imediato do ato lesivo, indireto é aquele em que o fato, não tendo provocado ele mesmo o dano, desencadeia outra condição que diretamente o suscite.


5 – RESPONSABILIDADE CIVIL AMBIENTAL

Com as modernas técnicas e os equipamentos sofisticados disponíveis, não mais se justifica a degradação ambiental além dos limites necessários ao funcionamento da atividade ou do empreendimento. Em pleno limiar do século XXI não se pode admitir o crescimento econômico à custa da depredação desenfreada do meio ambiente.

A prevenção, a reparação e a repressão são as três esferas básicas de atuação do direito ambiental. A prevenção volta-se para o momento anterior ao dano, enquanto a reparação e a repressão cuidam de dano já causado.

A reparação ambiental ocorre através das normas de responsabilidade civil. Para realizar este estudo, necessário verificar o dano ambiental.

Num primeiro momento, considera-se dano qualquer evento lesivo ao interesse alheio. De forma geral, considera-se dano a diminuição de um bem jurídico, ou seja, de qualquer bem reconhecido e protegido pela Constituição e pela Lei.

Consoante já referido inicialmente, todo dano que resulte de ato ilícito (por ação ou omissão voluntária, negligência, imprudência ou imperícia) é passível de ressarcimento (art. 159 do Código Civil), sustentando-se, em doutrina, a equiparação do fato danoso com o ato ilícito ou ilegal. Com as transformações decorrentes do progresso científico, industrial, tecnológico, da explosão demográfica, com novas exigências sociais, econômicas, urbanísticas, ambientais, observa-se a mudança da doutrina, que hoje, nega a equiparação do fato danoso com o ato ilícito. Hoje o fenômeno danoso pode originar tanto de ato ilícito como de ato lícito.

O dano ambiental é a lesão aos recursos ambientais - segundo a Lei nº 6.938/81, no art. 3º, V, são "a atmosfera, as águas interiores, superficiais e subterrâneas, os estuários, o mar territorial, o solo, o subsolo, os elementos da biosfera, a fauna e a flora" – com conseqüente degradação do equilíbrio ecológico.

5.1. CARACTERÍSTICAS DO DANO AMBIENTAL

O dano ambiental tem características próprias que orientam o tratamento de ordens jurídicas.

5.1.1. PULVERIZAÇÃO DE VÍTIMAS

A primeira característica é a pulverização de vítimas. O dano ambiental afeta, necessariamente, uma pluralidade difusa de vítimas, mesmo quando certos aspectos particulares de sua danosidade atingem individualmente determinadas pessoas. Difere, pois, do que se chama de dano tradicional, onde a regra é a lesão a uma determinada pessoa ou um grupo.

A Lei nº 6.938/81, prevê expressamente duas modalidades de dano (art. 14, § 1º[23]), o dano ambiental público e o dano ambiental privado. No primeiro caso, a indenização, quando reclamada, destina-se a um fundo (Lei nº 7.347/85, art. 13[24]) para a reconstituição dos bens lesados. No segundo, a indenização destina-se a recompor o patrimônio da(s) vítimas(s).

5.1.2. DIFÍCIL REPARAÇÃO

Outra característica do dano ambiental é a difícil reparação. Na grande maioria dos casos de dano ambiental a reparação ao status quo ante é quase impossível e a mera reparação pecuniária é sempre insuficiente e incapaz de recompor o dano. No ponto, pertinente a reflexão de Fábio Feldmann[25]: "É essa – a prevenção - a ótica que orienta todo o direito ambiental. Não podem a humanidade e o próprio Direito contentar-se em reparar e reprimir o dano ambiental. A degradação ambiental, como regra, é irreparável. Como reparar o desaparecimento de uma espécie? Como trazer de volta uma floresta de séculos que sucumbiu sob a violência do corte razo? Como purificar um lençol freático contaminado por agrotóxicos?"

Não há dúvidas que nesta matéria a melhor solução é a prevenção.

5.1.3. DIFÍCIL VALORAÇÃO

Por fim, o dano ambiental é de difícil valoração. Esta característica é corolário da anterior, na medida em que há dificuldade em se estabelecer parâmetros econômicos de reparação. Nem sempre é possível fazer o cálculo do dano do ambiente. Além dos danos de ordem material, com o advento da Lei nº 8.884/94, art. 88, pode-se cobrar danos morais coletivos, através de ações de responsabilidade civil em matéria de tutela de interesses transindividuais. É o que nos mostra Carlos Alberto Bittar Filho[26] que, com propriedade, refere: "(...) ora, se o indivíduo pode ser vítima de dano moral, por que a coletividade não pode sê-lo? (...) os valores coletivos, pois, dizem respeito à comunidade como um todo, independentemente de suas partes. (...) o dano moral coletivo é a injusta lesão da esfera moral de uma dada comunidade, ou seja, é a violação antijurídica de um determinado círculo de valores coletivos".

Essa inovação legal, que permite indenizar moralmente o dano ambiental, demonstra a dificuldade na avaliação criteriosa dos danos de ordem moral e patrimonial oriundos de um mesmo fato.

5.2. REPARAÇÃO DO DANO AMBIENTAL

A Lei nº 7.347/85 (arts. 3º, 11 e 13) determina que a ação civil pública pode ter por objeto a condenação em dinheiro ou o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer; na ação que tenha por objeto obrigação de fazer ou não fazer, o juiz determinará o cumprimento da prestação da atividade devida ou a cessação da atividade nociva, sob pena de execução específica, ou de cominação de multa diária, se esta for suficiente ou compatível, independentemente de requerimento do autor; havendo condenação em dinheiro, a indenização pelo dano causado reverterá a um fundo gerido por um Conselho Federal ou Conselhos Estaduais.

Duas, portanto, são as principais formas de reparação do dano ambiental: a) o retorno ao status quo ante e b) a indenização em dinheiro.

A primeira modalidade sempre deve ser tentada independentemente de ser mais onerosa que a segunda. A reversibilidade ao estado anterior ao dano se faz imperiosa, apesar de nem sempre ser possível. Mais do que nunca, nos últimos anos, a poluição do meio ambiente, como fator negativo de veloz e tumultuoso progresso vem assumindo dimensões enormes, já alarmantes e preocupantes, o que impõe a imprescindibilidade, na medida do possível, de recomposição de todo e qualquer dano.

A indenização em dinheiro, apesar de ser um modo de punir o causador do dano é uma tentativa, econômica, de recomposição ambiental, não consegue reparar o prejuízo ecológico. "Não basta indenizar, mas fazer cessar a causa do mal, pois um carrinho de dinheiro não substitui o sono recuperador, a saúde dos brônquios, ou a boa formação do feto"[27].

Nas duas formas de reparação o legislador busca impor um custo ao poluidor para, assim, atingir três objetivos: (a) dar uma resposta aos danos sofridos pela vítima, seja indivíduo ou coletividade, (b) evitar reiteração do comportamento do poluidor e (c) dar exemplo para terceiros.

Helita Barreira Custódio[28], classifica o dano ressarcível da seguinte forma: patrimonial e não patrimonial. O dano patrimonial ou material (também chamado dano econômico) é aquele que causa diminuição no patrimônio ou ofende interesse econômico. O dano não patrimonial ou dano moral é aquele que se refere a bens de ordem puramente moral, como a honra, a liberdade, a profissão, o respeito aos mortos. O dano moral, fundamentado em legítimo interesse moral, assume, nos dias de hoje, particular importância, notadamente diante das questões de ordem ambiental e cultural. Os notórios fenômenos da poluição ambiental ocasionam a degradação da qualidade de vida do meio ambiente, com reflexos direta e indiretamente prejudiciais à vida, à saúde, à segurança, ao trabalho, ao sossego e ao bem estar da pessoa humana individual, social ou coletivamente considerada.

Com o agravamento da problemática da degradação ambiental e cultural decorrente notadamente de agressivas tecnologias, da explosão demográfica, de ganâncias, de consumo exagerado, dos desperdícios, da contaminação de todos os elementos ambientais e culturais, de forma especial, por fontes industriais diversas, pela contaminação dos alimentos, pelo aumento de lixos inesgotáveis altamente perigosos, surge o dano público ambiental ou dano biológico, também chamado dano ecológico ou dano ambiental como tertium genus entre o dano patrimonial e o dano não patrimonial (ou dano moral). Nesta ordem de observações, acrescenta a doutrina que a própria Corte Constitucional Italiana inclui o dano biológico na categoria dos danos econômicos, isto é, dos danos que seriam caracterizados por objetiva e direta avaliação em dinheiro.

Com base no princípio da ordem geral da obrigatoriedade reparatória de todo dano, em sentido jurídico, a autora supra mencionada classifica, ainda, o dano ressarcível de acordo com as circunstâncias do caso concreto, em: a) Dano emergente, definido como a perda imediata, compreendendo as perdas e os danos devidos, efetivamente, ao autor da ação (CC, arts. 1.059 e 1.060); b) Dano pelo lucro cessante, definido como a perda mediata correspondente ao acréscimo patrimonial que o prejudicado (autor) teria conseguido se não tivesse ocorrido o fato danoso. Trata-se de parcela correspondente à vantagem que o autor deixou de lucrar, devendo ser razoavelmente avaliada na liquidação de sentença (CC, arts. 1.059 e 1.060); c) Dano verificado no momento da liquidação, direta ou indiretamente relacionada com o fato danoso, mas inconfundível com o dano pelo lucro cessante (CPC, arts. 18, § 2º, 606 e 607); d) Dano futuro, em decorrência da alegação e prova de fato novo, direta ou indiretamente relacionado com as conseqüências do fato danoso, mas inconfundível com o dano pelo lucro cessante e com o dano verificado no momento da liquidação (CPC, arts. 608, 609).

Evidencia-se que todos os danos aos elementos integrantes do patrimônio ambiental e cultural, bem como às pessoas (individual, social e coletivamente consideradas) e ao seu patrimônio, como valores constitucional e legalmente protegidos, são passíveis de avaliação e de ressarcimento, perfeitamente enquadráveis tanto na categoria do dano patrimonial (material ou econômico) como na categoria do dano não patrimonial (pessoal ou moral), tudo dependendo das circunstâncias de fato de cada caso concreto.

5.3. RESPONSABILIDADE CIVIL AMBIENTAL – REGRA DA OBJETIVIDADE

Nos casos de dano ao meio ambiente a regra é a da responsabilidade civil objetiva, independentemente da existência de culpa. Isto é o que dispõe a lei nº 6.938/81, no art. 14, § 1º: "Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente de existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade". Em termos de dano ecológico, não se pode pensar em outra colocação que não seja a do risco integral.

Este o entendimento de Sérgio Ferraz[29] que entende insuficiente a responsabilidade subjetiva para regular a questão: "em termos de dano ecológico, não se pode pensar em outra colocação que não seja a do risco integral. Não se pode pensar em outra malha, que não seja a malha realmente bem apertada, que possa, na primeira jogada da rede, colher todo e qualquer possível responsável pelo prejuízo ambiental. É importante que, pelo simples fato de ter havido omissão, já seja possível enredar agente administrativo e particulares, todos aqueles que de alguma maneira possam ser imputados ao prejuízo provocado para a coletividade."

A Lei mencionada estabelece a responsabilidade objetiva em matéria de dano ambiental, afastando qualquer perquirição e discussão de culpa, mas não se prescinde do nexo causal entre o dano havido e a ação ou omissão de quem cause o dano. Para se pleitear reparação há necessidade da demonstração do nexo causal entre a conduta e a lesão ao meio ambiente. Assim, para haver a responsabilização imprescindível ação ou omissão, evento danoso e relação de causalidade.

Consoante já referido alhures, a responsabilidade civil objetiva lastreia-se em princípio de equidade e que quem colhe benefícios com determinada atividade, responde pelos riscos daí decorrentes. É obrigação de reparar determinados danos, acontecidos durante atividades realizadas no interesse ou sob o domínio de alguém que por isso seja responsável, independentemente da culpa.

Mesmo com as críticas que recebe, não se pode deixar de considerar a teoria da responsabilidade objetiva, ou do risco como uma evolução. Uma série de novas situações criadas pela civilização moderna não foram resolvidas, entre elas muitas questões ambientais. A teoria do risco baseia-se exclusivamente em que o dano tenha sido produzido. Não é a conduta, ou a culpa, a fonte da responsabilidade. È apenas o fato de haver-se criado um risco de que determinado dano se produza.

No direito brasileiro a responsabilidade civil pelo dano ambiental não é típica, independe da ofensa a standard legal ou regulamento específico. É irrelevante a licitude da atividade. Pouco importa que determinado ato tenha sido devidamente autorizado por autoridade competente ou que esteja de acordo com normas de segurança exigidas, ou que as medidas de precaução tenham sido devidamente adotadas. Se houve dano ambiental, resultante da atividade do poluidor, há nexo causal que faz surgir o dever indenizatório.

A legalidade do ato desimporta, basta a simples potencialidade de dano para que a responsabilidade civil seja objetiva.

No ponto também desimporta e é irrelevante a força maior e o caso fortuito como excludentes da responsabilidade. Aplica-se, pois, a teoria do risco integral onde o dever de reparar independe da análise da subjetividade do agente e é fundamentado pelo só fato de existir a atividade de onde adveio o prejuízo. O poluidor deve assumir integralmente todos os riscos que advêm de sua atividade, desimportando se o acidente ecológico foi provocado por falha humana ou técnica ou se foi obra do acaso ou de força da natureza. O Direito do ambiente tem como fim último o interesse público e que justifica a responsabilidade objetiva. No ponto, a máxima Latina: Propter privatorum commodum non debet communis utilitas praeiudicari[30] (a utilidade dos particulares não pode prejudicar a utilidade comum).

Há uma corrente mencionada por William Freire[31] que reclama a existência de três requisitos, além do dano ao meio ambiente e nexo causal, necessários à configuração do dever indenizatório: a anormalidade, a peridiocidade e a gravidade do prejuízo.

Para verificação da anormalidade deve-se considerar a normalidade que decorre da atividade do pretenso responsável. A anormalidade se verifica quando há uma modificação das propriedades físicas e químicas dos elementos naturais de tal grandeza que estes percam, parcial ou totalmente, sua propriedade ao uso. Gravidade é quando se transpõe o limite máximo de absorção de agressões que possuem os seres humanos e os elementos naturais. Deve ser periódico, não bastando a eventual emissão poluidora.

Por certo que a multiplicidade de situações, aconselha que se examine cada caso frente às peculiaridades apresentadas. No conceito de dano já estão implícitas a anormalidade e a gravidade. O direito nada mais é do que a realização do razoável, do lógico, do justo. No caso específico da poluição industrial, a compatibilização da evolução econômica e social com a preservação da qualidade ambiental constitui princípio constitucional.

Impossível imaginar, no atual estágio da evolução humana, um Estado e uma sociedade sem fábricas, sem indústrias, sem atividade mineral, sem atividade agropecuária, sem abertura de novos loteamentos, sem abertura de estradas, sem veículos automotores. Desse modo, a fumaça das chaminés e dos veículos e as escavações para aproveitamento das jazidas minerais devem ser consideradas como elementos normais e circunstanciais do processo econômico. Não se cogita em indenizar pela simples instalação de uma fábrica com seu chaminé, nem a construção de uma barragem de rejeitos, por si só, constituirá fator de indenização. São atividades normais e, como tais, devem ser toleradas pela sociedade. Dentro de uma visão racional, não se pode negar a utilidade dessas atividades e os benefícios econômicos e sociais que proporcionam.

Avaliar se uma atividade causa ou não poluição ou transtorno além da suportabilidade parte do art. 8º da Lei nº 6.938/81, que dá competência ao Conselho Nacional do Meio Ambiente para estabelecer normas, critérios e padrões relativos ao controle e à manutenção da qualidade do meio ambiente.

Os parâmetros de conduta do particular estão previstos no art. 14 da lei supracitada, que limita o art. 3º da lei nº 7.347/85, dando-lhe foros de legalidade. Não é qualquer alteração das condições ambientais que pode ser considerada poluição.

Em se tratando de questões ambientais, não se pode formular um modelo único, aplicável a todas as situações, visto que a diversidade de possibilidades impõe ao julgador análise das particularidades de cada caso concreto. A questão é complexa porque envolve vários elementos, que se entrelaçam e integram, provocando o resultado final.

No ponto, William Freire[32] menciona alguns casos práticos que devem ser considerados na verificação da efetivação ou não do dano ambiental.

Casos: a) uma pedreira que, mesmo utilizando quantidade de explosivos aprovada pelo órgão ambiental, após estudos sismográficos, provoca, com sua atividade, rachaduras em edificações vizinhas; b) uma indústria que, mesmo lançando fumaça dentro dos limites de tolerabilidade legalmente previstos, causa doenças pulmonares aos integrantes da comunidade local". Para estes casos, devem ser examinados fatores tais como: a) se o dano decorre da atividade normal da empresa, ou decorre de ato imprevisto (estouro de barragem, danificação inesperada de um filtro, etc); b) a pré-ocupação da indústria; c) a adequação da norma ambiental; d) a regularidade da empresa sob o aspecto administrativo; e) a correta implementação dos projetos ambientais." Para o autor, são fatores que fazem diferencial para a averiguação de cada caso concreto.

Mesmo em se tratando de empresas que exerçam atividade efetiva ou potencialmente poluidora, a aplicação da teoria da responsabilidade objetiva só terá lugar em se tratando de dano ambiental. Outras hipóteses de lesão terão sede no art. 159 do Código Civil. Temos como exemplo o indivíduo que, apesar dos avisos, morre afogado em uma barragem de captação de águas de uma mineradora; ou que inadvertidamente resolve, por conta própria subir em chaminé e acidenta-se.

O causador do dano ambiental é obrigado, independentemente da culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua conduta.

5.4. DANO E PROVA

Mesmo no âmbito da responsabilidade objetiva, prevalecem as regras do Código de Processo Civil. Então, incumbe ao autor provar o dano sofrido e a relação de causalidade com a atividade do réu. Não se cogita de culpa presumida em face da norma expressa do § 1º do art. 14 da Lei Nacional de Política Ambiental. Nas questões envolvendo direitos difusos, como as que decorrem do meio ambiente, o princípio do ônus da prova e da igualdade processual entre os litigantes não fica derrogado.

A produção da prova dos fatos alegados pelas partes se erige em direito-dever de cada uma delas. Essa obrigação está ínsita no princípio de igualdade que deve ser assegurada pelo juiz aos litigantes, por ser um desdobramento do princípio do contraditório.

A prova do dano ambiental é eminentemente objetiva e técnica. Se se alega lançamento de partículas sólidas no ar em limite maior do que o tolerável, haverá necessidade de medição para confrontar os resultados com os parâmetros legalmente fixados. Em se tratando de atuação da Administração, esta somente é admissível dentro dos estritos critérios da legalidade, o que impede avaliações subjetivas ou superficiais, sem critérios técnicos; se a alegação for contra o nível de ruído, igualmente haverá necessidade de medições; se a dúvida for quanto aos efeitos de denotações, o uso de sismógrafo é necessário.

5.5. QUANTUM INDENIZATÓRIO

Verificado o dano, a indenização deverá ser a mais ampla possível que puder ser provada, aí se incluindo os lucros cessantes. Entretanto, tal não pode constituir motivo para enriquecimento ilícito ou sem causa, à custa do empreendedor. O melhor parâmetro para a indenização será o equivalente à diminuição do patrimônio que o prejudicado venha a sofrer.

Nos casos de danos cuja definição não se possa avaliar quantitativamente ou pecuniariamente com previsão, como o lançamento de poluentes nos rios ou na atmosfera, a dificuldade é maior, devendo o juiz redobrar-se de cautela e bom senso. A questão se agrava quando o lançamento de poluentes ocorre isoladamente, sem continuidade. Há situações em que o dano somente se manifestará visivelmente com o decorrer do tempo.

Não sendo possível fixar-se um valor absoluto dos prejuízos, há que ocorrer uma estimativa.

Relativamente à extensão do dano, não há necessidade de que sejam avaliados já no processo principal, podendo ser relegados para a liquidação de sentença. Mas não basta provar a iminência ou potencialidade do dano para que obtenha a indenização. Para que haja pagamento é necessário comprovar a ocorrência de um dano patrimonial ou moral, fundados não na índole dos direitos subjetivos afetados, mas nos efeitos da lesão jurídica.

A avaliação de custos ambientais em ações jurídicas de lesão ao meio ambiente deve compreender não o dano sofrido, mas sim o dano produzido em conseqüência do fato danoso, ou seja, o dano deve ser globalmente avaliado para fins de justo ressarcimento.

Nas condenações em ações judiciais de lesão ao meio ambiente não basta ressarcir os danos ambientais em sua totalidade (abrangendo as perdas humanas, sociais, materiais), mas também modificar a técnica de produção, eliminando ou reduzindo a poluição decorrente das atividades correlatas.

Helita Barreira Custódio[33] cita exemplos de casos concretos contendo providências oportunas ou critérios ajustáveis à razoável avaliação dos custos ambientais em liquidação de sentença proferida em ação jurídica de lesão ao meio ambiente. Entre eles:

a) decisão proferida pelo Tribunal de Treviso (Itália), em ação indenizatória referente à poluição das águas do rio Limbraga, que matou grande quantidade de trutas. De acordo com as provas testemunhais e os laudos técnicos, a morte dos peixes se verificou em decorrência da poluição das águas com o lançamento dos dejetos provenientes da Indústria de Laticínios. Para a extensão do prejuízo e a determinação ou avaliação do dano ressarcível, adotou-se critério estimativo de acordo com o peso das trutas e a perda de lucros diversos: L. 1.861.500 pelas trutas de 75g; L. 2.171.750 pelas trutas de 175g; L. 3.102,500 pelas trutas de 250g; L. 290.000 para os peixes reprodutores; L. 4.000.000 para os pequenos peixes; L. 624.475 pelos danos com a interrupção da produção (valor médio); L. 3.830.600 pela perda relativa à venda de uma das partes das trutas; L. 208.000 pelas despesas com a limpeza do local, totalizando o dano correspondente à reparação no valor de L. 16.088.825.

b) decisão proferida pelo Tribunal de Justiça de São Paulo. Passarinhada do Embu – Ação civil pública ambiental por danos à fauna silvestre. Festa promovida pelo prefeito de Embu, na qual 5.000 aves (entre rolinhas, sabiás, tico-ticos) foram transformadas em churrasco, com a denominação de "passarinhada da confraternização". Com base no laudo pericial e no preço fornecido pela Casa Orestes, para cada pássaro, o critério razoável encontrado foi o da fixação do valor de Cr$ 5.000,00 (da época) para cada ave abatida, totalizando o valor indenizatório em Cr$ 25.000.000,00.

c) decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo – Lançamento de resíduos industriais tóxicos ao solo e aos cursos d’água – Ação civil pública ambiental por danos ao meio ambiente. A indenização devida pelo dano ambiental irreversível será calculada em execução, com a inclusão das verbas necessárias para a recomposição da área, para instalação de sistema de abastecimento de água e para a devolução de condições mínimas de higidez aos moradores e trabalhadores da região. Exigível, ainda a obrigação de fazer o que for necessário para evitar a continuação do mal, inclusive a remoção urgente dos resíduos do solo contaminado e do sedimento do fundo dos rios (ação movida contra Rhodia S/A pelo Ministério Público).

d) decisão proferida pelo Tribunal de Justiça de São Paulo. Ecossistema da Serra do Mar (região de Cubatão) - Ação civil pública ambiental por danos ao meio ambiente contra diversas empresas da região de Cubatão. O custo da recomposição dos danos ao ecossistema da Serra do Mar pela poluição compreenderá, dentre as medidas previstas no pedido e indispensáveis à reparação total dos prejuízos, necessariamente: a) Restauração da cobertura vegetal, incluindo: a descontaminação do solo e a estabilização das encostas; o restabelecimento do equilíbrio da rede de drenagem natural; a revegetação com espécies nativas e típicas da Mata Atlântica, obedecendo a fluxograma racional; b) reintrodução das espécies endêmicas de todos os gêneros da fauna silvestre; c) desassoreamento dos cursos d’água comprometidos.

Com estas genéricas observações aplicáveis ao importante tema, evidencia-se que nosso direito positivo fornece normas básicas à formulação de critérios ajustáveis à avaliação de custos ambientais em ações de lesão ao meio ambiente, compreendendo parcelas reparatórias tanto de danos patrimoniais (perdas materiais ou econômicas) como de danos não patrimoniais (perdas pessoais ou de ordem moral), tanto de forma efetiva e atualmente demonstrada (dano emergente) como de forma potencial e razoavelmente estimada (lucros cessantes), sem prejuízo de outras parcelas relativas a outros danos apurados em liquidação da sentença, danos estes decorrentes do próprio fato danoso da ação ressarcitória.

5.6. SUJEITO RESPONSÁVEL

Nos termos da lei brasileira, responsável principal é o poluidor. Poluidor é "a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental"[34].

O legislador não limita o perfil do poluidor, estendendo o conceito a quem degrada ou altera desfavoravelmente a qualidade do ambiente.

A Lei ambiental[35] prevê a possibilidade de condenação do diretor, do administrador, membro de conselho e órgão técnico, auditor, gerente, preposto ou mandatário de pessoa jurídica que, sabendo da conduta criminosa de outrem prevista na lei, deixar de impedir sua prática, quando podia agir para evitá-la (art. 2º). E ainda a possibilidade de responsabilização administrativa, civil e penal das pessoas jurídicas por infrações cometidas por decisão do seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado no interesse ou benefício da sua entidade (art. 3º). Já o art. 4º diz que poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados à qualidade do meio ambiente.

A responsabilidade primeira, mas não exclusiva é do empreendedor que é o titular do dever principal de zelar pelo meio ambiente. É ele quem aproveita direta e economicamente a atividade lesiva.

Havendo mais de um empreendedor a responsabilidade é solidária. Ao que pagar pela integralidade do dano, caberá ação de regresso contra os demais co-responsáveis, pela via da responsabilização subjetiva, procedimento este que permite discutir a parcela de responsabilidade de cada um.

As pessoas jurídicas de direito público interno podem ser responsabilizadas pelas lesões que causarem ao meio ambiente. O Estado também pode ser solidariamente responsabilizado por danos ambientais provocados por terceiros, uma vez que tem o dever de fiscalizar e impedir que tais danos aconteçam. Pode, posteriormente, demandar regressivamente contra o direto causador do dano.

Consoante dispõe Édis Milaré [36], "na prática, para não penalizar a própria sociedade, que teria, em última análise, de indenizar os prejuízos decorrentes do dano ambiental, convém, diante das regras da solidariedade entre os responsáveis, só acionar o Estado quando demonstrado o nexo de causalidade entre um ato seu e o dano. Afinal, se é possível escolher um dos responsáveis, por que não se valer da opção mais conveniente aos interesses da comunidade?!


6 - SÍNTESE

Direito de terceira geração, como é denominado o direito ambiental ou do meio ambiente, tem como fim último a proteção do gênero humano.

Para o cidadão, trata-se de direito subjetivo público, oponível a qualquer ente privado ou público, e vem alicerçado em princípios que o fundamentam e sustentam, na Constituição Federal e em leis extravagantes.

A prevenção, a reparação e a repressão são as três formas de atuação do direito ambiental.

O dano ambiental tem características próprias, tais como a pulverização de vítimas, difícil reparação e difícil valoração.

As principais formas de reparação do dano são (a) o retorno ao status quo ante e (b) a indenização em dinheiro.

Nos casos de dano ao meio ambiente, a regra de responsabilidade civil é a da responsabilidade civil objetiva ou do risco integral, conforme dispõe o art. 14, § 1º, da Lei nº 6.938/81. Incumbe ao lesado provar o dano sofrido e a relação de causalidade com a atividade do réu.

A reparação deve ser a mais abrangente possível, compreendendo danos patrimoniais, não patrimoniais, dano emergente e lucros cessantes, sem prejuízo de outras parcelas relativamente a outros eventuais danos.


NOTAS

1.BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional, Malheiros Editores, 4ª edição, página 481.

2.R.Esp. nº 26.368/RS, Relator o em. Ministro Garcia Vieira, in DJU de 30.11.92, pág. 22.579.

3.R.Esp. 114549/Pr., Relator o em. Min. Humberto Gomes de Barros, in DJ de 24.11.97, pág. 61.111.

4.R.Esp. 8877/GO, Rel. o em. Ministro Ari Pargendler, in DJ de 9.6.97, pág. 25.501.

5.MILARÉ, Édis, Direito do Ambiente, Ed. RT, pág. 51.

6.Op.cit. pág. 53.

7.CF, art. 5º, LXXIII – "Qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência;"

8.SILVA, José Afonso, Direito Urbanístico Brasileiro, São Paulo, Ed. RT, 1981, pág. 435.

9.CRETELLA JR., José, Comentários à Constituição 1988, Vol. VIII, Ed. Forense Universitária, 2ª ed, pág. 4517.

10.GOLDEMBERG, José, A Degradação Ambiental no Passado, publicado no O Estado de São Paulo, 06.06.1.995, p. A2, em Édis Milaré, op. cit. pág. 334. "Um dos mitos que caracterizam a civilização ocidental é a do jardim do Éden, onde o homem vivia em harmonia com a natureza e do qual foi expulso por seus pecados e sua falta de virtude... A expulsão se deveu à utilização predatória dos recursos naturais, e a História poderia Ter sido diferente. Nesse sentido a Bíblia talvez não seja tão explícita como seria desejável. Não é o fato de ter comido uma maçã que levou à expulsão do Paraíso. O fato de o homem ter exaurido o solo e perturbado a sua capacidade de manter as macieiras produtivas é que destruiu o Jardim de Éden e redundou na sua expulsão de lá."

11.Op. cit., pág. 93.

12.FREIRE, William, Direito ambiental brasileiro. Ed. AIDE, 2ª ed, pág. 24.

13.CUSTÓDIO, Helita Barreira, Legislação Ambiental no Brasil, Revista de Direito Civil, São Paulo, 1.996, v.76/58.

14.BENJAMIN, Antonio Herman, Dano Ambiental, Reparação e Repressão, RT, v.2, SP, 1993, p.231.

15.LIMA, Alvino. Da Culpa ao Risco, São Paulo, 1938, p. 10

16.PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade Civil, Forense, Rio, 3ª ed., 1992, p. 266.

17.GONÇALVES, Carlos Roberto, Responsabilidade Civil, 6ª ed., ABDR, p. 6.

18.DUEZ, Paulo, La Responsabilité de la Puissance Publique, em dehors du Contrat", 1927, p. 7).

19.Op. Cit. p. 507.

20.NORONHA, Fernando, Responsabilidade Civil: Uma Tentativa de Ressistematização, Revista de Direito Civil 64, pág.12.

21.(op. cit. p. 23)

22.Op. Cit. P. 20.

23.Lei 6.938/81, art. 14, § 1º "sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente."

24.Lei 7.347/85, art. 13 "Havendo condenação em dinheiro, a indenização pelo dano causado reverterá a um fundo gerido por um Conselho Federal ou por Conselhos Estaduais de que participarão necessariamente o Ministério Público e representantes da comunidade, sendo seus recursos destinados á reconstituição dos bens lesados."

25.FELDMANN, Fábio José e CAMINO, Maria Ester Barreto. O Direito Ambiental: Da Teoria à Prática. Revista Forense. RJ, 1.992, v. 317, pág. 5.

26.BITTAR FILHO, Carlos Alberto. Do Dano Moral Coletivo no Atual Contexto Jurídico Brasileiro. Revista de Direito do Consumidor. SP, 1.994, v. 12, pág. 50.

27.(Paulo Afonso Leme Machado, Direito ambiental brasileiro, cit. p. 273-274), em Édis Milaré, op. cit. pág. 335.

28.CUSTÓDIO, Helita Barreira, Avaliação de Custos Ambientais em Ações Jurídicas de Lesão ao Meio Ambiente, RT, São Paulo, V. 652, pág. 19.

29.FERRAZ, Sérgio, Responsabilidade Civil por Dano Ecológico, Revista de Direito Público, 49/50, pág. 38.

30.MILARÉ, Édis, op. cit., pág. 341.

31.Op. cit. pág. 155.

32.Op. cit. pág. 157.

33.Op. cit. pág. 24.

34.Lei 6.938/81, art. 14§ 1º e art. 3º, IV.

35.Lei nº 9.605/98.

36.Op. cit. pág. 343.


Autores


Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FRANCO, Paulo Sérgio de Moura; DALBOSCO, Ana Paula. A tutela do meio ambiente e responsabilidade civil ambiental. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 6, n. 52, 1 nov. 2001. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2357. Acesso em: 29 mar. 2024.