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Nepotismo no serviço público brasileiro e a Súmula Vinculante nº 13

Nepotismo no serviço público brasileiro e a Súmula Vinculante nº 13

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A vedação do nepotismo não impede a ampla acessibilidade dos cargos públicos, inclusive aos parentes, desde que tenham sido aprovados em concurso público ou assumam cargos de natureza política. O que se veda num ambiente democrático é o privilégio puro e simples.

Resumo: O nepotismo é um tema recorrente na cultura administrativa brasileira e na própria sociedade, confundindo-se, em alguma medida, com o flagelo nacional da corrupção. A matéria é cercada de conceitos incientíficos, pobremente classificados e categorizados. Nesta perspectiva, o presente estudo teve em mira apreciar o tema por um viés teórico, tendo como pano de fundo a Súmula Vinculante n. 13.

Palavras-chave: Nepotismo. Súmula vinculante. Administração Pública. Moralidade. Impessoalidade.

Sumário: 1- Introdução. 2- Conceito e considerações iniciais. 3- Formas de nepotismo. 3.1- Nepotismo direto ou próprio. 3.2- Nepotismo indireto. 3.3- Nepotismo cruzado ou impróprio. 3.4- Nepotismo trocado. 4- Prova do elemento subjetivo no nepotismo. 5- Vedação constitucional do nepotismo e a inexigência de lei formal. 6- Situações em que não ocorre nepotismo. 6.1- Cargos de natureza política. 7- Casos específicos de nepotismo reconhecidos pela jurisprudência. 8- Contratação temporária versus nepotismo. 9- Improbidade administrativa. 10- Reclamação perante o STF. 11- Os vícios decorrentes do nepotismo. 12- O alcance da SV13 e a incompletude do Direito. 12.1- Situações anteriores à SV 13.  13- Conclusão. Referências bibliográficas.


1- Introdução

Em 21 de agosto de 2008, o STF editou a Súmula Vinculante nº 13, ressaltando a vedação constitucional do nepotismo. A SV 13 é um marco, uma espécie de norma-símbolo no fim, oficial, do nepotismo no Brasil e tem a seguinte redação:

“A nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica, investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança, ou, ainda, de função gratificada na Administração Pública direta e indireta, em qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas, viola a Constituição Federal” (publ. no DJe nº 162 de 29/8/2008, p. 1; DOU de 29/8/2008, p. 1.).

A edição desse verbete deu-se em cima de uma omissão legislativa, face à inexistência de lei nacional como exigido no inciso II, do art. 37 da Constituição Federal, embora o STF entenda que a falta de lei (e por extensão, da Súmula Vinculante 13) não torna lícito o nepotismo em todas as suas formas de manifestação. De qualquer modo, dado o impacto simbólico e a necessidade de diretrizes mais claras, a Corte Suprema viu-se na contingência de “normatizar” a matéria numa súmula vinculante para colmatar a renitente omissão do Legislativo.

O nepotismo é um tema recorrente na cultura administrativa brasileira e na própria sociedade (Holanda, 2000:146), confundindo-se, em alguma medida, com o flagelo nacional da corrupção (às vezes como causa, outras como efeito). Os reproches e as críticas acompanham esse vício social desde o nascedouro, mas muito pouco se estuda e, por consequência, menos ainda se conhece. A matéria é cercada de conceitos incientíficos, pobremente classificados e categorizados[1]

Apesar da aparente clareza da SV 13, muitas dúvidas e questões são levantadas, carentes de uma construção teórica e de uma abordagem sistemática. A doutrina a respeito da matéria é escassa e um tanto confusa. Dada a multiplicidade de situações possíveis e a dificuldade de traçar os limites conceituais de nepotismo dentro de uma retórica jurídica, é preciso muita cautela para selecionar, a partir de critérios guiados pela razoabilidade, as situações que se inserem na vedação constitucional. Além disso, pelo lado repressivo, levantam-se algumas questões: Como combater os sobreviventes dessa prática caduca? Quais os casos de nepotismo que escapam ao círculo proibitivo da SV? Quais os mecanismos jurídicos aptos a coibir e punir esse mau hábito administrativo? Essas e outras indagações serão apreciadas ao longo do estudo.  


2- Conceito e considerações iniciais

O nepotismo, grosso modo, é  a concessão de privilégios ou de cargos na Administração Pública sob o exclusivo influxo dos laços de parentesco. Não há consenso sobre a origem etimológica do termo.

Para alguns provém do nome do imperador romano Flávio Júlio Nepote (em latim: Flavius Iulius Nepos). Outra fonte aponta para nepos, uma espécie de escorpião, cujas crias, colocando-se no dorso materno devoram a mãe (numa alusão ao parasitismo dos familiares sobre a máquina do Estado – Rocha, 2009).

Para a maioria, entretanto, deriva do radical e também raiz latina nepos (sobrinho, descendente) agregado ao sufixo nominal “ismo” (do grego ismós, que significa “prática de” – Torrinha, 1945:550/551).

A utilização desse termo, historicamente, advém da autoridade exercida pelos sobrinhos e outros aparentados dos Papas na administração eclesiástica, nos séculos XV e XVI, ganhando, atualmente, o significado pejorativo do favorecimento de parentes por parte de alguém que exerce o poder na esfera pública ou privada[2].

Acquaviva (2009:577) fornece-nos um conceito bem mais abrangente em que o nepotismo é tido como a prática pela qual uma autoridade pública nomeia um ou mais parentes próximos para o serviço público ou lhes confere outros favores, a fim de aumentar a sua renda ou ajudar a montar uma máquina política, em lugar de cuidar da promoção do bem-estar público.

Miccolis (2011) apresenta conceito que apreende o fenômeno por outro ângulo:

“Con il termine nepotismo si indica la tendenza, da parte di detentori di autorità o di particolari poteri, a favorire i propri parenti a causa della loro relazione familiare e indipendentemente dalle loro reali abilità e competenze”[3].

Guevara (2009), partindo da regulação normativa peruana, define nepotismo:

“Como aquel acto administrativo mediante el cual un funcionario de dirección y/o confianza debidamente reconocido por el Estado, de manera impropia y contradiciendo parámetros legales pre establecidos, ejerce directa e indirectamente su facultad de nombramiento y contratación, respecto a sus parientes hasta el cuarto grado de consanguinidad, segundo de afinidad y por razón de matrimonio”[4].

Os fenômenos sociais têm, dentro de certos limites, uma gênese psicológica, sendo alicerçados nos desejos, emoções e aspirações dos homens. O nepotismo, como fator antissocial de antagonismo e discórdia, guarda conexões psicológicas e históricas esclarecedoras de suas motivações inconscientes. É um dos fenômenos sociais mais primitivos.

O homem existiu primeiro no seio de grupos isolados, hordas ou clãs; a formação original deve-se aos vínculos sanguíneos. O grupo doméstico-familiar enquadrava os seus diferentes membros e desempenhava todas as funções correspondentes às diversas necessidades. Esta primitiva forma social, organicista, ao mesmo tempo em que proporcionava segurança e proteção ao indivíduo[5], promovia também o desalegre espetáculo da guerra universal, de todos contra todos, sintetizado no famoso aforismo hobbesiano: bellum omnium contra omnes. Em função de um interesse comum, bem como do aumento do número de membros dos antigos grupos societários, além da dispersão geográfica, as diversas famílias se unem e formam grupos, de onde nasce uma nova sociedade, com interesses concorrentes, uma pluralidade de sistemas valorativos (Lumia, 2003:24) e objetivos distintos. Dentro desse processo evolutivo, aos fatores econômicos e genésicos, vêm sobrepor-se os fatores intelectuais, morais, jurídicos e políticos. As unidades componentes do agregado social apresentam agora a capacidade de se ligarem por meio de laços puramente contratuais.

A santidade do familismo em uma sociedade agrária e atrasada é corroída e desgastada também pelo contato íntimo com novos sistemas de vida contraditórios, competitivos e alavancados em novos interesses. A conduta social correspondente a esse novo meio ambiente dos interesses infiltra-se entre os vários grupos ou classes, dissolvendo, aos poucos, a antiga influência da rede de parentescos. O senso do favorecimento pessoal e da ajuda mútua, instituições do antigo esquema familístico, são perturbados e ameaçados pelas reivindicações vitoriosas dos interesses multigrupais. Uma nova mentalidade democrática insere-se silenciosamente por entre as fileiras amortalhadas dos antigos grupos familiares, removendo senílimos abusos e explorações do nome, até então abrigados pela tradição. Há uma purificação de elementos dogmáticos e irracionais, numa clara demonstração de incapacidade da ética fragmentada e provisória do familismo em manter aglutinada uma sociedade com novos e multifacetados interesses grupistas.

O afastamento dos indivíduos e dos grupos uns dos outros no esforço competitivo e a preocupação de alcançar o sucesso material sob as bênçãos da capacitação técnica e do mérito próprio enfraquecem o sentimento das relações mais sólidas e mais íntimas do endereço familiar. O surto de novas estruturas de poder compromete o esquema familístico.

O culto da família (ou familismo) tende a refluir para seus limites normais (dentro da funcionalidade da família) quando a sociedade revela progressos industriais e técnicos, com a criação subsequente de muitos focos de interesses opostos que competem ou transacionam entre si buscando vantagens. O atrito dos interesses é absolutamente incompatível com os privilégios hereditários adquiridos com a simples certidão de nascimento. A imobilidade dessa sociedade menos apurada não se afeiçoa ao aspecto transicional de uma outra, que nasce de suas entranhas, com ímpeto ascensional, recusando partilhar do natural tribalismo dos homens.

Em termos prático-políticos, a profunda importância da família repousa sobre o fato de estar o mundo organizado de tal modo que não há nele lugar para o indivíduo, ou seja, para quem quer que seja diferente. As famílias são fundadas como abrigos, poderosas fortalezas num mundo inóspito e estranho no qual queremos introduzir o parentesco. Este desejo conduz à perversão fundamental da política, porque abole o atributo básico da pluralidade, ou melhor, confisca-a pela introdução do conceito de parentesco (Arendt, 2009, p. 146), a partir do qual muitos desvirtuamentos são produzidos.

Na família, e em toda comunidade que se modela pela família, é indecisa a distinção entre o interesse do indivíduo e o interesse comum (Simon, 1955, p. 288; Almond/Powell Jr., 1972, p. 27). Os indivíduos alcançam posições de acordo com outros padrões que não seus méritos; o processo político é contaminado pelas relações pessoais e familiares. Portando, qualquer análise de características culturais (como o nepotismo) de determinado sistema político deve levar em conta a permanente importância das relações informais e tradicionais que moldam as atitudes e ações dos indivíduos.

Por fim, concluído o escorço histórico e sociológico, não se pode confundir o favorecimento sistemático à família (nepotismo) com o favoritismo simples, pois neste não é requisito essencial o laço de parentesco entre favorecedor e favorecido. Excluem-se, portanto, do raio de abrangência da SV 13 as relações de amizade, namoro e noivado (embora, nestes dois últimos casos, a diferença em relação à união estável seja, atualmente, muito tênue) que engendram outros conflitos de interesses.

É necessário entender os graus de parentescos para melhor aplicação dos termos sumulares.

Como define o Código Civil italiano (art. 74), o “parentesco é o vínculo das pessoas que descendem de uma mesma estirpe”.

Em nosso ordenamento, parentes consanguíneos em linha reta são considerados os pais (1º grau), avós (2º grau), bisavós (3º grau) e demais ascendentes, assim como os filhos (1º grau), netos (2º grau), bisnetos (3º grau) e demais descendentes em linha reta. Os parentes considerados colaterais ou transversais consangüíneos são apenas considerados até o 4º grau, na forma do artigo 1.592 do Código Civil, sendo estes os irmãos (2º grau), tios (3º grau), sobrinhos (3º grau), sobrinho-neto (4º grau), primo (4º grau) e o tio-avô (4º grau) [Magalhães, 2008].

A SV 13 prevê dentro do círculo de vedação o parentesco por afinidade até o terceiro grau. Aqui o STF vai além do que dispõe a lei civil brasileira, onde só é previsto o parentesco por afinidade até o 2º. grau (ascendentes, descendentes e irmãos do cônjuge ou do companheiro – CCB, art. 1.592). No ímpeto de coibir abusos, a Suprema Corte legisla (inovando, primariamente, na ordem jurídica).

Paradoxalmente, o STF declarou constitucional uma emenda à Constituição do Rio Grande do Sul que proibia a nomeação de parentes até o segundo grau (art. 20, §5º.), inclusive (RE 579.951/RS).

Diante disso, é lícito dizer que o STF tem o poder mágico de converter o quadrado em redondo e o branco em preto, agora já não só pela coisa julgada, mas também pela súmula vinculante (Alegre, 2008:68). São os riscos do ativismo judicial que, paulatinamente, converte o STF numa espécie de “regrador geral” do país. Mas, e aqui cedemos diante de uma ponderação, talvez o rigor sumular justifique-se face à prática secular, nefasta e antirrepublicana do favorecimento na Administração Pública brasileira. A reação a um mal enraizado na cultura brasileira deve igualmente radicalizar o combate se pretende obter êxito. Como numa cirurgia para extirpar um cancro, deve-se ter uma margem de segurança (para evitar uma recidiva), embora sob o risco de cortar mais tecidos do que é razoável. Assim, pensamos, procedeu o STF ao estender o grau de parentesco por afinidade além dos limites fixados pela lei civil.

De qualquer forma, como ponderam Arakaki/Ortiz (2011:111), a eventual antinomia é aparente, pois, para os casos de nepotismo, utiliza-se o critério adotado pelo STF (parentesco até o terceiro grau) por abranger relações de grande proximidade no núcleo familiar brasileiro (Tourinho, 2011); para as demais relações jurídicas, continua o critério que o Código Civil adota.  


3- Formas de nepotismo

São reconhecidas as seguintes formas de nepotismo: direto (ou próprio), indireto, cruzado e trocado.

3.1- Nepotismo direto ou próprio

É a forma mais usual de nepotismo, podendo ainda ser designado de próprio ou explícito. Ocorre quando a autoridade competente nomeia parentes seus (cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau - filho, neto, bisneto, irmão, tio, sobrinho, sogro, genro, nora, cunhado). É facilmente detectado pela proximidade do grau de parentesco.

Nos termos da SV 13 excluem-se da vedação os primos, que são parentes colaterais em quarto grau. Em relação aos parentes por afinidade em linha reta, de acordo com o Código Civil, o vínculo não é extinto “com a dissolução do casamento ou da união estável” (art. 1.595, §2º). Isso quer dizer, por exemplo, que a nomeação de ex-sogro ou ex-sogra (e também de “ex-genro” e “ex-nora”) pode configurar nepotismo direto.

3.2- Nepotismo indireto

Ocorre quando a autoridade, dotada de poderes para tanto, nomeia parentes de subordinados seus. Desse modo, a nomeação pelo prefeito de parentes do vice-prefeito para cargos comissionados configura nepotismo indireto, nos termos da SV 13? A nosso ver não, porque falta a hierarquia ou a subordinação do agente político (vice-prefeito) à autoridade nomeante (prefeito).

Devemos atentar que a SV 13 fala da “nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade (...) da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento...”. O vice-prefeito é um agente político eleito, e não apenas um servidor público no sentido estrito do termo, portanto goza de independência típica dos agentes políticos, não estando subordinado ao prefeito (autoridade nomeante).

E mais. A nomeação de parente de um desembargador, de um procurador de justiça (ou promotor de justiça) ou de um deputado, nos lindes literais da SV 13, dificilmente constituiria nepotismo, pois a autoridade nomeante seria o presidente do Tribunal, o Procurador-Geral de Justiça ou o Presidente da Assembleia Legislativa. E como os membros destes órgãos são agentes políticos, não estando subordinados à autoridade nomeante e nem exercendo qualquer cargo de direção, chefia ou assessoramento, impossível subsumir a prática aos termos sumulares.

Embora as situações acima não sejam abarcadas pelo círculo proibitivo da SV, entendemos que essas práticas são claramente vedadas por violar os princípios constitucionais da moralidade e da impessoalidade.

3.3- Nepotismo cruzado ou impróprio

Essa forma é também denominada de nepotismo dissimulado ou por reciprocidade. É uma espécie de troca de favores, um ajuste que garante nomeações recíprocas entre os “poderes” do Estado, por exemplo, Prefeitura e Câmara Municipal, Executivo Estadual (Governador) e Assembléia Legislativa, Executivo Estadual e Judiciário etc. Assim, por exemplo, o Prefeito contrata um parente do presidente da Câmara e este, por sua vez, nomeia um parente do Prefeito.

Se um vereador tem um parente de 2º. grau nomeado em cargo comissionado numa determinada secretaria municipal, mas na Câmara Municipal não há nenhum parente do respectivo secretário municipal ou do prefeito, há que se falar em nepotismo? Não. Primeiro, não há nepotismo direto ou próprio, pois o servidor comissionado não é parente da autoridade nomeante (e sim de um vereador). Segundo, também não há nepotismo cruzado ou impróprio, pois não há designações recíprocas, ou seja, o vereador não se valeu de seu cargo para fazer nomear parente do prefeito ou secretário no quadro de servidores da Câmara Municipal ou, especificamente, em seu gabinete.

O nepotismo cruzado pressupõe um ajuste para designações ou nomeações recíprocas. Esse ajuste tem de ser provado para configurar a categoria nepótica. Essa peculiariadade vem bem definida na redação do inciso II do art. 2º. da Resolução n. 7/2005 do Conselho Nacional de Justiça, em que é essencial a existência de “circunstâncias que caracterizem ajuste para burlar a regra do inciso anterior mediante a reciprocidade nas nomeações ou designações”. E isso, na prática, torna-se muito difícil de ser comprovado.  

Como anota a doutrina especializada (Di Pietro, 2007:199), a grande dificuldade com relação ao desvio de poder é a sua comprovação, pois o agente não declara a sua verdadeira intenção; ele procura ocultá-la para produzir a enganosa impressão de que o ato é legal. Por isso mesmo o desvio de poder comprova-se por meio de indícios.

3.4- Nepotismo trocado

Na redação da SV 13 tem-se que as situações de nepotismo se dão dentro da “mesma pessoa jurídica” e “em qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios”. Desse modo, as “designações recíprocas” a que alude a SV 13 restringem-se ao âmbito da mesma pessoa jurídica (Município, Estado, Distrito Federal ou União) fazendo surgir o nepotismo cruzado.

E se as “designações recíprocas” ocorrerem entre pessoas jurídicas distintas (entre dois Municípios ou dois Estados; ou até entre um Município e um Estado)? Neste caso, tem-se uma nova modalidade: nepotismo trocado. E embora não previsto nos termos da SV 13 está igualmente vedado pela Constituição Federal. 


4- Prova do elemento subjetivo no nepotismo

Na análise do fenômeno nepotismo há dois aspectos, consoante percuciente análise de R. Tourinho (2011): um de natureza objetiva e outro de natureza subjetiva. O aspecto objetivo do nepotismo concentra-se na efetiva relação de parentesco existente entre o nomeante e o nomeado. Assim, havendo a relação de parentesco, estar-se-á diante do nepotismo, considerado no seu aspecto objetivo. O elemento subjetivo, por sua vez, consiste no propósito deliberado de atender a interesses pessoais com a nomeação do familiar ou de privilegiar o vínculo sanguíneo. Ou seja, estará presente o aspecto subjetivo do nepotismo quando a finalidade da escolha do parente para ocupação do cargo em comissão ou função de confiança for a satisfação pessoal gerada pelo laço familiar.

Tecnicamente, para a existência do nepotismo faz-se necessária a presença dos elementos objetivo e subjetivo. Há exemplos de casos que objetivamente constituem nepotismo (como o exercício de cargo de natureza política ou parentes que ocupam cargos através de concurso público), mas não subjetivamente. No entanto, diz R. Tourinho (2011), a comprovação do elemento subjetivo é de difícil concretização, razão pela qual a simples presença do aspecto objetivo, relação de parentesco, vem se mostrando suficiente para caracterizar a prática.

O caráter objetivo da constatação da situação a envolver nepotismo, torna irrelevante, até por indecifrável em muitos casos, o elemento anímico presente no ato de nomeação[6].

Todavia, há casos fronteiriços que para a configuração do nepotismo ilícito requerem a cabal comprovação do elemento subjetivo. Em parecer lançado na PEC n. 15/2006, que pretende vedar expressamente a prática do nepotismo, o Senador Demóstenes Torres aduz um caso emblemático:

“Ao vedar que parentes ocupem cargos em comissão em uma mesma pessoa jurídica, a Súmula dá ensejo à configuração de situações de todo absurdas. Imagine-se o caso de um ocupante de cargo em comissão de assessor do Ministério das Relações Exteriores, em Brasília, cujo tio exerce uma função de confiança de chefe de seção do Tribunal Regional Eleitoral do Ceará. Como o Ministério e o Tribunal integram uma mesma pessoa jurídica – a União –, haveria, nessa hipótese, ofensa à Súmula. Cumpre indagar, contudo, se tal situação realmente se caracterizaria como um caso de nepotismo.

Somente por inspiração torquemadiana se poderia entender que parentes de terceiro grau, que mantivessem entre si pouco ou nenhum contato, vivessem em locais diversos, trabalhassem em órgãos federais distintos e exercessem cargos em comissão de menor nível hierárquico pudessem um influenciar a nomeação do outro. Mais ilógico ainda seria o quadro, se o nomeado em último lugar ocupasse um cargo superior hierarquicamente ao de seu parente. Alguém poderia ser impedido de exercer o cargo de Secretário Executivo de um Ministério simplesmente porque seu irmão é chefe da seção de almoxarifado da Superintendência da Receita Federal do Brasil no Rio Grande do Sul”[7].

 Em tais casos, em prol do princípio da razoabilidade, a SV 13 não pode ser aplicada em seu teor literal, faz-se necessária a comprovação do elemento anímico.


5- Vedação constitucional do nepotismo e a inexigência de lei formal

A Constituição Federal, através dos princípios da moralidade, impessoalidade[8], eficiência[9] (art. 37) e isonomia (igualdade de tratamento e iguais oportunidades de acesso aos mais diversos níveis da Administração Pública), aplicáveis à Administração Pública, veda o nepotismo. Isso significa que não é necessária nenhuma lei para que a regra seja respeitada por todas as entidades políticas.

Bem antes da aprovação da SV 13, o STF já tinha entendimento firme nesse sentido:

“MANDADO DE SEGURANÇA. NEPOTISMO. CARGO EM COMISSÃO. IMPOSSIBILIDADE. PRINCÍPIO DA MORALIDADE ADMINISTRATIVA.

Servidora pública da Secretaria de Educação nomeada para cargo em comissão no Tribunal Regional do Trabalho da 16ª Região à época em que o vice-presidente do Tribunal era parente seu. Impossibilidade.

A proibição do preenchimento de cargos em comissão por cônjuges e parentes de servidores públicos é medida que homenageia e concretiza o princípio da moralidade administrativa, o qual deve nortear toda a Administração Pública, em qualquer esfera do poder.

Mandado de segurança denegado”[10].

A SV 13 conferiu ao princípio da moralidade e da impessoalidade (para ficar apenas nos princípios expressos) o caráter de auto-aplicabilidade, sem a necessidade de recorrer à edição de lei em sentido formal.

A conduta do administrador público deve-se limitar não apenas à disposição literal da lei, mas também à aplicação da moralidade, dos bons costumes, ao poder-dever de probidade, que resguarde a confiabilidade do administrado (Di Pietro, 2007. p. 70; Ávila, 2006. p. 38).

A vedação do nepotismo atinge ocupantes de cargos em comissão, função de confiança e emprego de contratação excepcional ou temporária. Se o parente em exercício de função gratificada ou comissionada for servidor efetivo não há incompatibilidade, pois, de acordo com o artigo 37, caput, V, da CF, as funções de confiança são exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo.

Entende-se por cargos em comissão aqueles cujo provimento dispensa concurso público e são ocupados, precariamente, por pessoas do círculo de confiança da autoridade nomeante, que pode exonerar livremente.

As funções de confiança são preenchidas pela livre escolha da autoridade competente, mas o nomeado deve integrar o quadro interno da Administração Pública (aspecto que as distinguem dos cargos em comissão). 

Para efeito de aplicação SV 13, o nepotismo só pode ser considerado existente se dentro da mesma pessoa jurídica houver nomeação de parentes (até terceiro grau) da autoridade nomeante ou se houver, dentro dessa mesma pessoa jurídica, parente da pessoa nomeada também investida em cargo em comissão ou função gratificada[11]. Compreendem-se, no mesmo esquema (ou seja, dentro da mesma pessoa jurídica), as designações ou nomeações recíprocas (nepotismo cruzado).


6- Situações em que não ocorre nepotismo

Ocorrem algumas situações nas quais, embora presentes alguns elementos constitutivos da prática vedada, não se verifica o nepotismo constitucionalmente proibido: 

I- Quando o parente já é servidor efetivo numa determinada entidade política. Não pode, por exemplo, mesmo sendo efetivo ser cedido para outra entidade.

II- Nomeação de parente para ocupar cargo de natureza política, como: Ministros, Secretários de Estado e Secretários Municipais.

III- O servidor (efetivo ou não) já exercia cargo em comissão (ou de confiança) ou função gratificada antes de seu parente ser eleito ou nomeado (no caso de secretários ou ministros).

Neste sentido, STJ[12]:

“Não há nepotismo quando a designação ou nomeação do servidor tido como parente para a ocupação do cargo comissionado ou de função gratificada for anterior ao ato de posse do agente ou servidor público gerador da incompatibilidade”.

IV- Também não se verifica a prática vedada quando o casamento, ou o início da união estável, for posterior ao tempo em que os cônjuges ou companheiros já estavam no exercício dos cargos ou funções, em situação que não caracterize ajuste prévio[13].

V- A contratação de serviços ou produtos de empresas pertencentes a parentes de gestor, desde que se tenha submetido a processo regular de licitação.  

6.1- Cargos de natureza política

A vedação do nepotismo, tal como veiculado na SV n. 13 do STF, não atinge também os cargos de natureza política, exercidos por agentes políticos, mas os cargos administrativos, criados por lei. Todavia, mesmo em se tratando de cargo político (cargo estrutural do primeiro escalão de governo[14]), é possível incidir a vedação do nepotismo, desde que se configure o nepotismo cruzado (ou impróprio). Se, por exemplo, o prefeito nomeia um parente do presidente da Câmara como Secretário de Saúde e o vereador nomeia um parente do prefeito para servir à Câmara, há, nesse caso, a incidência da conduta proibida.

A definição de cargo político oferece suporte para a completa distinção entre servidor público e agente político. A figura do agente político pode ser eleito, como são, por exemplo, o Presidente da República, os Governadores, os Prefeitos, os Senadores, os Deputados Federais, os Deputados Estaduais ou os Vereadores, ou nomeado, como são, por exemplo, os Ministros, os Secretários de Estado e os Secretários Municipais (Magalhães, 2009).

Os agentes políticos integram cargos estruturais na organização das entidades políticas (União, Estados-membros, Municípios e Distrito Federal) e ajudam a formar a vontade superior do governo. A natureza da vinculação desses agentes é política e não profissional (ou administrativa).

Esse entendimento do STF[15] (e de outros Tribunais[16]) sobre eximir os cargos políticos do âmbito de incidência da SV 13 não se furta a críticas bem razoáveis. José Sérgio Monte ALEGRE (2008:64) assaca uma, que pela pertinência merece transcrição:

“É honesto deixar de nomear mulher, filhos, sobrinhos, companheira, pai, mãe, avós, para cargos de pequena expressão, na Administração Pública, inclusive de menor repercussão financeira, não importando a boa qualificação que possam ostentar, mas é honesto fazê-lo para cargo de Ministro de Estado, Secretário de Estado ou de Município? Após a Súmula, Governador de certo Estado nomeou seu irmão para ser Secretário desse mesmo Estado e tudo foi considerado como bom, firme e valioso (Medida Cautelar na Reclamação n. 6650-9/PR, Rela. Min. Ellen Gracie, no DJe n. 184, p. 99-100, 2008). Todavia, se o houvesse nomeado para chefe do almoxarife do Palácio do Governo, bem, aí violaria a Constituição!”.

Como decorrência dessa hermenêutica sustentada pelo STF tem-se, na prática, duas modalidades de nepotismo: o nepotismo ilícito (ofensivo aos princípios constitucionais já referidos) e outro perfeitamente lícito (compatível com tais princípios). Além disso, esse entendimento jurisprudencial tem estimulado a que muitos prefeitos e governadores criem novas secretarias com o intuito de promover seus familiares de funções comissionadas subalternas para cargos de natureza política no primeiro escalão da Administração Pública, migrando do nepotismo ilícito para o nepotismo lícito.

Este posicionamento do STF, como diz R. Tourinho (2011), reacende o debate sobre o alcance do conteúdo dos atos políticos. Atualmente o entendimento que prevalece é no sentido de que nenhuma categoria de ato está excluída da observância da Constituição e, principalmente, dos princípios administrativos. Nesta linha de raciocínio nada justifica a exclusão dos agentes políticos, Ministros e Secretários de Estados, Distrito Federal e Municípios, da regra estabelecida para o nepotismo. Quando o Chefe do Executivo Municipal nomeia um irmão para ocupar o cargo de Secretário de Saúde do Município obviamente que se configura o nepotismo, com a presença dos dois aspectos, o objetivo e o subjetivo. Não há motivo de excluí-lo da regra geral, uma vez que houve a violação dos princípios da impessoalidade e da moralidade administrativa.

A exclusão dos mencionados agentes políticos do alcance da súmula vinculante n. 13 revela um contrassenso em total desacordo com a moderna doutrina dos atos políticos. Ademais, revela o desconhecimento da Suprema Corte dos reais problemas enfrentados nos milhares de municípios brasileiros, no que concerne à prática do nepotismo. O beneficiamento de parentes com cargos de primeiro escalão de governo tem gerado consequências nefastas às Administrações Públicas locais.


7- Casos específicos de nepotismo reconhecidos pela jurisprudência

A casuística jurisprudencial oferece situações em que podemos reconhecer a prática proibida:

- Nomeação, por juiz, de parente, cônjuge, consanguíneo ou afim, bem como de amigo íntimo, como perito do juízo, comportamento esse que macula a imagem do Poder Judiciário, corrói a sua credibilidade social e viola frontalmente os deveres de “assegurar às partes igualdade de tratamento” e “prevenir ou reprimir qualquer ato contrário à dignidade da justiça” (CPC, art. 125, I e III)[17].

- A nomeação de cunhado da autoridade nomeante ou indicado por ela para ocupar cargo em comissão no Tribunal de Contas dos Municípios do Estado de Goiás viola os princípios constitucionais da moralidade, impessoalidade e eficiência[18].

- Nomeação de menor impúbere para o exercício de cargo comissionado. Caracteriza-se ato de improbidade administrativa a nomeação de filho menor de 18 anos para a função pública, uma vez que ofende os princípios da administração[19].


8- Contratação temporária versus nepotismo

O servidor nomeado a título precário, de modo temporário após teste seletivo simplificado, não goza de estabilidade equivalente ao concurso público formal. Assim, à Administração Pública é permitido promover a dispensa do servidor, a seu alvedrio e conveniência, a qualquer tempo, sem a necessidade de prévio processo administrativo ou justificativa do ato.

A extinção do contrato temporário, diante da prática de nepotismo, não configura qualquer ilegalidade[20].

Para o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), constitui prática de nepotismo:

“A contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público, de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, dos respectivos membros ou juízes vinculados, bem como de qualquer servidor investido em cargo de direção ou de assessoramento” (art. 2º., inc. IV, da Resolução n. 07, de 18.10.2005).

Embora a Resolução 07/2005 do CNJ restrinja-se ao âmbito do Judiciário, nada impede que os princípios norteadores desse ato normativo sejam observados por toda a Administração Pública, vez que decorrem diretamente da Constituição.

As contratações por tempo determinado, formalmente adequadas às determinações constitucionais, também deverão se submeter aos ditames da moralidade e probidade administrativas, pois não podem se constituir em instrumento de pessoalidade pela reiteração das contratações nepóticas, assim como não deverão se constituir em subterfúgio à excepcionalidade temporária do interesse público, visando unicamente o desvirtuamento do permissivo de exceção constitucional, em afronta à norma geral do recrutamento público (Vasconcelos, 2005).


9- Improbidade administrativa

Um agente público que incide na prática de nepotismo comete um ato de improbidade administrativa, violando, como regra, o artigo 11 da Lei 8.429/1992[21]. Ou seja, aplica-se a lei de improbidade administrativa por conta da violação aos princípios da moralidade e da impessoalidade, sendo, neste caso, desnecessário falar-se em dano ou lesão material ao erário. Eventualmente, pode incorrer nas sanções dos artigos 9º e 10 da mesma lei se, por exemplo, nomear um parente, sob a condição de ficar com percentual de seu salário (“comissão”) ou de simplesmente receber o salário sem a contrapartida do serviço (“servidor fantasma”), o que configuraria enriquecimento ilícito.

O STJ reconhece inclusive que:

“Em tese, é possível a condenação do administrador ímprobo a restituir as despesas com contratação de servidores que, embora tenham trabalhado, o fizeram por força de ato ilegal e inconstitucional. Com efeito, a contratação de pessoas que não apresentam qualificação compatível com o cargo que ocupam ou que deixam de prestar adequadamente o serviço (o que é comum em casos de nepotismo e clientelismo, p.ex.) causa dano, direto ou indireto, ao Erário”[22].


10- Reclamação perante o STF

O Ministério Público dispõe de alguns mecanismos para coibir a prática do nepotismo: ação civil pública, recomendações e reclamação perante o STF para garantir o cumprimento da SV 13[23].

A reclamação funda-se no direito de petição (CF, art. 5º., XXXIV), tanto que qualquer do povo (“parte interessada” – que se sinta prejudicada pelo ato) pode ajuizá-la. Busca-se através desse remédio constitucional assegurar dois caros valores processuais: a efetividade e o juiz natural.

Nos termos do § 3º do artigo 103-A da Constituição da República, que prevê o ajuizamento de reclamação em face de ato administrativo ou decisão judicial que confronte os termos de súmula vinculante, o Ministério Público, através de seus órgãos de execução, pode ajuizar ação de reclamação, após esgotar os meios ordinários, para fazer respeitar a SV 13.

A Lei n. 11.417/2006, no art. 7º., §1º., dispõe que “contra omissão ou ato da administração pública, o uso da reclamação só será admitido após esgotamento das vias administrativas”. Isso significa que o acesso à justiça, independente de quem seja, é vedado enquanto não for esgotada a via administrativa, exatamente como ocorre com as ações referentes à disciplina e às competições desportivas (CF, art. 217 e parágrafos).

Qualquer cidadão pode utilizar-se da ação popular para anular atos que importem em prática do nepotismo:

“Qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência” (CF, art. 5º, LXXIII).


11- Os vícios decorrentes do nepotismo

Com diz Keller (1967:56), a transmissão de privilégios, do grupo central (classe dirigente) de uma geração para o de outra, constitui o aspecto mais vulnerável da estratificação de classes. É aí que se encontram os maiores abusos, quando os homens exploram as suas posições em benefício de seus filhos, de suas esposas e parentes próximos.

Há um sentimento ou um sensus communis de que se deve proibir o “carreirismo apadrinhado” e a “agência familiar de emprego público” (Sampaio, 2007, p. 283). Os laços de parentesco conspiram contra o mérito e a história os condena.

As distorções da família – conceitualizadas genericamente no nepotismo - se fazem sentir rápida e desastrosamente. As vantagens facilmente adquiridas, os favorecimentos ilegítimos, o nepotismo escrachado quebram a energia das vontades, adormecem a iniciativa e habituam o favorecido à inércia improdutiva diante de energias que se atrofiam; um tedium vitae.

Do esmorecimento das energias sai o parasitismo, agarrado com suas ventosas e colchetes, para sobreviver, à famigerada rede protetora da apadrinhagem. O favorecido consome o tempo a mendigar ou a articular novas e mais ricas vantagens com seus tentáculos cobiçosos, molemente recostado nas facilidades do familismo. O trabalho profícuo (e orgânico) para ele perde inteiramente valor e passa a ser uma indignidade, pois, afinal, enquanto a fonte de padrinhos permanecer jorrando, enquanto a troca de favores for cavalheirescamente respeitada, nada há com que se preocupar.

A concorrência livre e saudável, sem auxílios artificiais e desleais, guiada pelo princípio constitucional da isonomia e tendo como critério a capacidade e mérito de cada indivíduo constitui, positivamente, a bela luta pela vida, uma justa força selecionadora a agir na sociedade humana, responsável na natureza animal pela harmonia que tanto enche e seduz o olho humano. Mas todo esse esquema social saudável vem a baixo ou sofre forte abalo com as falsas hierarquias, vantagens, superioridades e subalternidades criadas pelo nepotismo.

A luta no trabalho e na indústria, superando a luta por facilidades, gera efeitos práticos inarráveis: extinção dos privilégios de casta, diminuição dos parasitas da sociedade, aproximação dos grupos sociais, aumento do número dos que trabalham, criando vínculos de elevada solidariedade com os seus iguais. E esta perspectiva possibilita que as condições de êxito social sejam, dada a igualdade das capacidades, iguais para todos, numa nova atitude psicológica e psicossocial dos indivíduos em relação à coletividade. Teríamos, então, a base para a definição de uma sociedade democrática.

 Dito isso, podemos elencar, em apertada síntese, as consequências ruinosas que o nepotismo acarreta no serviço público:

1- Cria entraves à profissionalização da gestão;

2- Quebra o princípio da impessoalidade, sobrepondo o interesse particular ao público;

3- Viola o princípio da moralidade administrativa;

4- Rompe com o consagrado princípio da isonomia, ao restringir o acesso em condições de igualdade às funções públicas;

5- Contribui para a queda da produtividade e da eficiência;

6- Ocasiona conflitos de lealdades dentro de uma organização administrativa, principalmente quando o favorecido é colocado em posição de supervisão direta sobre outro;

7- Gera ressentimento de parte do aparato burocrático contra o exclusivismo e o privilégio dos favorecidos (ou servidores “patrimoniais”);

8- Perturba a disciplina administrativa devido à falta de imparcialidade do superior para exercer seu poder de mando num plano de igualdade sobre os servidores vinculados familiarmente aos servidores com poder de decisão.


12- O alcance da SV13 e a incompletude do Direito

A súmula vinculante é tão genérica e abstrata quanto uma lei. E como norma genérica ela não consegue prever todos os casos possíveis de ocorrer no comércio cotidiano da vida. Por sua própria natureza é impotente para fornecer, por si só, todas as soluções reclamadas pela ordem jurídica (Lima, 1955:95), não se podendo exigir do STF (no caso das SV’s) ou do legislador (no caso da lei) uma inatingível onisciência.

Afirma-se, com frequência, como ensina Lumia (2003:86-87), que a completude e a coerência são características essenciais do ordenamento jurídico, mas a realidade é bem diferente, porque nem sempre o discurso do legislador é imune às contradições, nem a previsão normativa pode exaurir a casuística que a experiência, ou seja, a própria vida na multiplicidade das suas dimensões “inventa” em um processo sempre aberto e imprevisível. Afirmar o contrário seria como fechar os olhos diante da realidade do direito em nome de um ideal que é próprio de certa ideologia juspositivista, mas que se procuraria em vão realizar em qualquer ordenamento historicamente existente. No mais, o próprio legislador não ignora essa realidade, no momento em que dita as diretivas para dirimir, de fato, os conflitos de normas e para preencher as lacunas do ordenamento.

Sempre haverá, diz Hart (2009, p. 351), em qualquer sistema jurídico, casos não regulamentados juridicamente sobre os quais, em certos momentos, o direito não pode fundamentar uma decisão em nenhum sentido, mostrando-se o direito, portanto, parcialmente indeterminado ou incompleto.

O instituto da SV não tem força orgânica ou elasticidade ilimitada para abranger todos os casos concretos. O próprio constituinte derivado, sabedor dessa incompletude lógica da lei ou da norma escrita, ao atribuir ao STF o poder de editar SV’s, facultou-lhe a possibilidade de “proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei” (CF, art. 103-A, caput). A faculdade de revisão da SV é, claramente, o reconhecimento de que o entendimento sumular vinculante não abarca todas as situações concretas da vida.

Desse modo, muitas situações que ocorrem na Administração Pública no que concerne ao nepotismo não encontram pronta solução na SV 13. E isso autoriza dizer que o entendimento do STF veiculado na referida SV não impede que outras situações de nepotismo sejam vedadas com base nos princípios constitucionais da moralidade, impessoalidade, eficiência e isonomia.

Na sessão plenária de 21.08.2008, na qual foi aprovada a SV 13, o Min. Ricardo Lewandowski enfatizou a preocupação de que a redação da súmula jamais abarcaria todas as hipóteses da realidade fática (Arakaki/Ortiz, 2011:114).

Digamos que o STF não tivesse tido a cautela de inserir na redação da SV 13 a expressão “...compreendido o ajuste mediante designações recíprocas...”, estaria o nepotismo cruzado autorizado? A resposta, obviamente, é negativa. A Suprema Corte tem o firme entendimento de que a proibição do nepotismo (em todas as suas formas) não depende de lei formal (ou, por extensão, de outro ato normativo com força vinculante) para ser implementada; decorre, diretamente, dos princípios expressos no art. 37, caput, da CF – que gozam de eficácia imediata. E isso faz com que todos os fatos não encaixados na moldura sumular, mas violadores da Constituição, estejam interditos.

A grande e decisiva crítica que se faz à SV 13 refere-se à sua edição a “toque de caixa”, após dois pronunciamentos do STF sobre a matéria numa única Sessão Plenária. Esse procedimento contraria a Constituição que exige a edição de súmulas vinculantes após “reiteradas decisões” (CF, art. 103-A). Assim, muitas questões envolvendo essa matéria complexa não conseguiram ser abarcadas pela SV 13[24], talvez pela precipitação com que foi aprovada (sem um debate e um estudo aprofundados).

O Senador Demóstenes Torres, na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, ao emitir parecer sobre a PEC n. 15/2006, que pretende vedar expressamente a prática do nepotismo, assinala:

“A despeito dos propósitos moralizadores que animaram os Ministros do STF na elaboração da Súmula, ela é passível de crítica quanto ao modo como se deu sua aprovação, bem como quanto à forma como foi redigida. No que concerne às circunstâncias em que se deu a aprovação, merece registro que apenas quatro julgados serviram de precedentes ao Verbete, dois deles prolatados numa mesma ocasião, às vésperas da edição da Súmula”[25].

12.1- Situações anteriores à SV 13

O enunciado da SV 13 aplica-se às situações criadas antes de sua edição, pois não há direito adquirido à manutenção de um quadro de inconstitucionalidade ou a uma situação de nepotismo.


13- Conclusões

Diante do exposto é possível concluir:

I- A vedação do nepotismo não induz ao radicalismo de impedir a ampla acessibilidade dos cargos públicos, inclusive aos parentes[26], desde que tenham sido aprovados em concurso público ou assumam cargos de natureza política. O que se veda num ambiente democrático é o privilégio puro e simples;  

II- A Súmula Vinculante n. 13 do STF não esgota as situações em que pode ocorrer a prática do nepotismo. A Suprema Corte, neste sentido, tem sólido entendimento (inclusive, previamente à edição da SV 13) de que a vedação do nepotismo em todas as suas variáveis e categorias conceituais decorre diretamente da Constituição Federal e independe de lei formal (e por extensão, de qualquer outro ato normativo geral e vinculante);

III- A SV 13 apresenta sérias limitações: 1- o círculo proibitivo limitado ao vínculo de parentesco com a autoridade nomeante ou com servidor investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento (não abarca, por exemplo, a nomeação de parentes de agentes políticos); 2- a incompatibilidade ao vínculo de parentesco apenas de servidor investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento da mesma pessoa jurídica (não pune, por exemplo, o nepotismo trocado entre pessoas jurídicas distintas); 3- ausência de disciplinamento de servidores de cargos efetivos que ocupam cargo em comissão;  

IV- A grande e decisiva crítica que se faz à SV 13 refere-se à sua edição a “toque de caixa”, após curto debate no STF. Esse procedimento contraria a Constituição que exige a edição de súmulas vinculantes após “reiteradas decisões” (CF, art. 103-A) e responde por que algumas questões envolvendo essa matéria complexa não conseguiram ser abarcadas pela SV 13, como o nepotismo trocado e a nomeação de parentes de agentes políticos;

V- Uma das hipóteses possíveis de ocorrer na prática e não prevista na SV 13: nomeação de parentes de agentes políticos. Embora a situação não seja abarcada pelo círculo proibitivo da SV, a prática remanesce vedada por violar os princípios constitucionais da moralidade, impessoalidade e eficiência;

VI- A falta de clareza conceitual entre cargos de natureza política e os de natureza técnica (ou administrativa), aliada a uma deficiente política de recursos humanos, impedem a moldagem de um perfil profissional para os cargos em comissão ou de confiança, abrindo espaço para a distribuição aleatória, arbitrária e clientelista desses cargos, favorecendo o arraigamento do nepotismo em nossa cultura política (Ribeiro, 2011; Quintans, 2011) e administrativa;

VII- O caminho que leva ao progresso exige seja largado como ferro velho o suspeito fardo dos laços de sangue. Qualquer sociedade que almeja modernizar-se deve libertar-se dum conjunto de estruturas e de grupos esclerosados que já se não adaptam às exigências da cultura e do progresso técnico, não estando à altura da civilização urbana e industrial definitivamente esboçada. Há, portanto, em qualquer agrupamento social uma luta constante contra as primitivas redes de parentesco, que aparecem como obstáculos ao livre desenvolvimento das pessoas ou atentatórias da sua dignidade. Onde o combate tende a eliminar estes laços (no que eles têm de antissociais) ou restringi-los ao legítimo espaço familiar, a modernização tende a ser um processo menos doloroso e injusto.


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Notas

[1] Exemplo disso vê-se na sugestão de uma nova modalidade de nepotismo, o nepotismo ‘ex vi legis’, decorrente da outorga às primeiras damas da atribuição de conduzir instituições sem fins lucrativos (Emerson Garcia, 2003). É o tipo de manifestação “doutrinária” capaz de despertar o riso ou a lástima, dependendo do estado de ânimo do leitor.  

[2] Cf. STF, Recurso Extraordinário n. 579.951-4/RN,Relator: Min. Ricardo Lewandowski, 20.08.2008, in: http://portal.cnm.org.br/sites/5800/5840/site/Nepotismo.pdf. Sobre o nepotismo no setor privado, vide Teixeira, 2008:45; Razavi, 2009. 

[3] Tradução livre: “O termo nepotismo indica a tendência, por parte dos detentores de autoridade pública ou de poderes particulares, para favorecer seus parentes por causa de suas relações familiares, independentemente de suas habilidades e competências”.

[4] Tradução livre: “Como aquele ato administrativo mediante o qual um funcionário de direção e/ou de confiança devidamente reconhecido pelo Estado, de forma imprópria e contrariando parâmetros legais preestabelecidos, exerce direta e indiretamente sua faculdade de nomeação e contratação, relativo a seus parentes até o quarto grau de consanguinidade, segundo de afinidade e por decorrência do casamento”.

[5] E nesse ponto podemos nos socorrer da lição de H. G. Wells (1968:305): “Esse mundo primitivo antes de 600 A. C. era um mundo em que um ‘estranho’, isolado, era um ser raro e suspeito que corria sérios perigos. Poderia sofrer horríveis crueldades, pois não havia leis para protegê-lo. Poucos indivíduos, portanto, se arriscavam. Vivia-se e morria-se preso a uma tribo patriarcal, no caso dos nômades, ou a alguma grande casa, ou a algum dos grandes templos, no caso dos civilizados. Ou, então, era-se escravo e vivia-se no rebanho dos servos”.

[6] TJRS, 70043951631 RS , Relator: Armínio José Abreu Lima da Rosa, Data de Julgamento: 14/09/2011, 21ª. Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 26/10/2011.

[7] In: http://legis.senado.gov.br/mate-pdf/61786.pdf. Acesso em: 20.11.2011.

[8] No princípio da impessoalidade traduz-se a ideia de que a Administração Pública tem de tratar a todos os administrados sem discriminações. Nem favoritismo nem perseguições são toleráveis. Simpatias ou animosidades pessoais, políticas ou ideológicas não podem interferir na atuação administrativa e muito menos interesses sectários, de facções ou de grupos de qualquer espécie (Bandeira de Mello, 1993:58). Ver ainda: Figueiredo, 1998:57; Rocha, 1994:147; Tácito, 2002:45.

[9] O princípio da eficiência é violado com o nepotismo porque é difícil imaginar que a autoridade nomeante exigirá de seus parentes o mesmo desempenho ou produtividade que imporia a quem com ela não compartilhasse laço sanguíneo nenhum.

[10] MS 23.780-5/MA,Rel. Min. Joaquim Barbosa, j. 28.09.2005. No mesmo sentido: STF, RE 579951 RN, Relator: Min. Ricardo Lewandowski, Data de Julgamento: 20/08/2008, Tribunal Pleno.

[11] TJRS, 70043951631 RS , Relator: Armínio José Abreu Lima da Rosa, Data de Julgamento: 14/09/2011, 21ª. Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 26/10/2011.

[12] STJ, RMS 26.085/RO, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Quinta Turma, julgado em 19/08/2009, DJe 28/09/2009.

[13] A Constituição do Estado de Rondônia traz salutar dispositivo a propósito: “As vedações previstas no parágrafo anterior não se aplicam quando a designação ou nomeação do servidor tido como parente para a ocupação do cargo comissionado ou de função gratificada forem anteriores ao ato de posse do agente ou servidor público gerador da incompatibilidade, bem quando o casamento, ou o início da união estável, for posterior ao tempo em que os cônjuges ou companheiros já estavam no exercício dos cargos ou funções, em situação que não caracterize ajuste prévio para burlar a proibição geral de prática de nepotismo” (art. 11, §5º.).

[14] TJMG, Agravo de Instrumento, Rel. Des.(a) Vieira de Brito, 25.03.2010 (http://br.vlex.com/vid/-234358846).

[15] STF, RE 579.951/RN, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJE 12.09.2008; Rcl 6650, Rel. Min. Ellen Gracie, 16.10.2008.

[16] TJSC, 735241 SC 2009.073524-1, Relator: João Henrique Blasi, Data de Julgamento: 17/10/2011, 2ª. Câmara de Direito Público.

[17] STJ, RMS 15.316/SP, Rel. Ministro  Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 01/09/2009, DJe 30/09/2009.

[18] STJ, RMS 31.947/GO, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, 1ª. T., julgado em 16.12.2010, DJe 02.02.2011.

[19] TJGO, 2ª CC, AP nº 54530-7/188, rel. Des. Fenelon Teodoro Reis, j. em 21/11/00, DJ de 06/12/00, p. 6.

[20] TJRN, 1ª Câmara Cível, Apel. Cív. 84285 RN, Rel. Desembargador Cristóvam Praxedes, j. 03/12/2009. Em sentido contrário: TJSC, MS 646374 SC, Relator(a): Newton Janke, Julgamento: 21/08/2009, Órgão  Julgador: Segunda Câmara de Direito Público.

[21]A prática de nepotismo encerra grave ofensa aos princípios da Administração Pública e, nessa medida, configura ato de improbidade administrativa, nos moldes preconizados pelo art. 11 da Lei 8.429/1992” (STJ, REsp 1.009.926/SC, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, julgado em 17.12.2009, DJe 10.2.2010).

[22] REsp 1090707/SP, Rel. Ministro  Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 25/08/2009, DJe 31/08/2009.

[23] Lei n. 8.038/1990, art. 13: “Para preservar a competência do Tribunal ou garantir a autoridade das suas decisões, caberá reclamação da parte interessada ou do Ministério Público”.

[24] Exemplos temos no nepotismo trocado (entre pessoas jurídicas distintas) e a nomeação de parentes de vice-prefeito, vice-governador e vice-presidente (que não guardam vínculo hierárquico com a autoridade nomeante).

[25] In: http://legis.senado.gov.br/mate-pdf/61786.pdf. Acesso em: 20.11.2011.

[26] “La prohibición del nepotismo no es un critério de ‘no-familiares’, pero sí le prohibe a un servidor público usar o abusar de su posición pública para obtener trabajos para los miembros de su família. El objetivo no es evitar que las famílias trabajen juntas, sino evitar la posibilidad de que un servidor público pueda favorecer a los miembros de su família en el ejercício de una autoridad discrecional a nombre del público para contratar empleados públicos calificados” (Transparência mexicana, 2011:296-297). 


Abstract: Nepotism is a recurring theme in brazilian administrative culture and in society itself, confusing, to some extent, with the national scourge of corruption. The area is surrounded by unscientific concepts, poorly sorted and categorized. In this perspective, the aim of this study was to assess the subject for a theoretical bias, with the backdrop of the binding precedent paragraph 13.

Keywords: Nepotism. Binding precedent. Public Administration. Morality. Impersonality.


Autor

  • João Gaspar Rodrigues

    Promotor de Justiça. Mestre em Direito pela Universidade de Coimbra. Especialista em Direito Penal e Processo Penal pela Universidade Cândido Mendes/RJ. Membro do Conselho Editorial da Revista Jurídica do Ministério Público do Amazonas. Autor dos livros: O Ministério Público e um novo modelo de Estado, Manaus:Valer, 1999; Tóxicos..., Campinas:Bookseller, 2001; O perfil moral e intelectual do juiz brasileiro, Porto Alegre:Sergio Antonio Fabris, 2007; Segurança pública e comunidade: alternativas à crise, Porto Alegre:Sergio Antonio Fabris, 2009; Ministério Público Resolutivo, Porto Alegre:Sergio Antonio Fabris, 2012.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RODRIGUES, João Gaspar. Nepotismo no serviço público brasileiro e a Súmula Vinculante nº 13. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3500, 30 jan. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23582. Acesso em: 2 maio 2024.