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Cheque, dano moral e o limite temporal da obrigação do sacador em manter suficiente provisão de fundos para compensação do título de crédito.

Análise dos REsp 875.161/SC e 1.297.353/SP do STJ

Cheque, dano moral e o limite temporal da obrigação do sacador em manter suficiente provisão de fundos para compensação do título de crédito. Análise dos REsp 875.161/SC e 1.297.353/SP do STJ

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Uma vez expirado o prazo de apresentação, o sacado não está mais obrigado a garantir a existência de fundos na conta bancária, de modo que eventual apresentação do cheque para desconto não autorizará o sacado a inscrevê-lo no CCF, sob pena de restar configurado dano moral.

1 – Introdução

No contexto de uma sociedade tipicamente capitalista, tal qual é a brasileira, o estudo do Direito Empresarial adquire importância pari passu ao aprofundamento das negociações comerciais. 

Nesse campo vasto de estudos, desponta a teoria geral do direito cambiário, que visa a estudar a disciplina jurídica dos títulos de crédito. Estes, a propósito, podem ser definidos como "documentos representativos de obrigações pecuniárias" (COELHO, 2009, p. 231). A importância empresarial desses títulos resulta do fato de proporcionarem ao mercado, simultaneamente, negociabilidade (facilidade na circulação creditícia) e executividade (garantia de mecanismos mais eficientes de cobrança de débitos). 

O direito cambiário brasileiro conhece alguns títulos de crédito próprios, a exemplo da letra de câmbio, da nota promissória, da duplicata e do cheque. Pois é justamente sobre este último que versará este artigo. Minha intenção é analisar o regime jurídico dessa espécie de título de crédito paralelamente ao estudo da jurisprudência aplicável à matéria no STJ, especificamente quanto ao limite temporal da obrigação de manutenção de provisão de fundos, junto ao sacado, imposta ao sacador quando da emissão do cheque.


2 - Noções gerais sobre o regime jurídico do cheque

A disciplina jurídica do título de crédito "cheque" encontra-se prevista em uma lei especial. Trata-se da Lei 7.357/85, que, por razões óbvias, ficou conhecida como "Lei do Cheque". Nesse diploma não há um conceito legal estipulado para a definição do título. No seu art. 1º, encontram-se os elementos do cheque, mas não seu conceito. Ciente disso, a doutrina cuidou de conceituá-lo. 

Segundo André Luiz Santa Cruz Ramos (2012, p. 452, grifo meu), 

O cheque é uma ordem de pagamento à vistaemitida contra um banco em razão de fundos que a pessoa (emitente) tem naquela instituição financeira. É, como visto, um título de modelo vinculado, uma vez que só é cheque aquele documento emitido pelo banco, em talonário específico, com uma numeração própria, seguindo os padrões fixados pelo Banco Central. 

A ideia doutrinária, portanto, que mais fortemente singulariza o cheque perante os demais títulos do direito cambiário brasileiro é a que consiste em considerá-lo uma ordem de pagamento à vista. Essa conclusão é extraível do próprio texto da Lei do Cheque, senão vejamos (grifo meu):

Art. 32 O cheque é pagável à vista. Considera-se não-estrita qualquer menção em contrário.

Parágrafo único - O cheque apresentado para pagamento antes do dia indicado como data de emissão é pagável no dia da apresentação.

Essa ordem de pagamento à vista, por seu turno, é emitida por alguém (devedor) em favor de outrem (credor). Surgem, assim, as figuras do sacador (o emitente do cheque, em geral o correntista), do sacado (a instituição financeira, em geral o banco) e o tomador (credor do título, aquele que irá apresentá-lo perante o banco para obter o pagamento devido). 

Do ponto de vista processual, vale recordar que, nos termos do art. 585, inc. I, do CPC (com a redação dada pela Lei 8.953/94), o cheque é considerado uma das espécies de títulos executivos extrajudicias. In verbis:  

Art. 585.  São títulos executivos extrajudiciais: 

I - a letra de câmbio, a nota promissória, a duplicata, a debênture e o cheque;

Esclarecidos esses conceitos primordiais do regime jurídico aplicável ao título de crédito cheque, quero destacar um importante aspecto da Lei 7.357/85, qual seja, o relativo aos prazos de apresentação e de prescrição da pretensão executória. É o que veremos a seguir. 


3 - Diferenciando as consequências do prazo de apresentação e do prazo de prescrição na disciplina jurídica do cheque: o posicionamento do STJ a partir do REsp 875.161/SC 

No estudo da disciplina legal do cheque, é muito importante diferenciar os prazos de apresentação e de prescrição. Aquele se reporta ao tempo de pagamento. Este ao tempo de execução do título. 

O prazo de apresentação do cheque vem previsto no art. 33 da Lei 7.357/85:

Art. 33 O cheque deve ser apresentado para pagamento, a contar do dia da emissão, no prazo de 30 (trinta) dias, quando emitido no lugar onde houver de ser pago; e de 60 (sessenta) dias, quando emitido em outro lugar do País ou no exterior.

Parágrafo único - Quando o cheque é emitido entre lugares com calendários diferentes, considera-se como de emissão o dia correspondente do calendário do lugar de pagamento.

Sistematizando esse artigo de lei, podemos concluir que o prazo de apresentação de 30 dias aplica-se ao cheque emitido pelo sacador na mesma praça bancária onde haverá de ser pago (o cheque foi emitido na cidade "X" e o banco sacado fica na mesma cidade "X"). Já o prazo de 60 dias aplica-se em casos nos quais a praça bancária de emissão do cheque seja distinta daquela onde houver de ser pago (o cheque foi emitido na cidade "X", mas o banco sacado fica na cidade "Y").  Aqui, é importante mais uma vez enaltecer que esse prazo de apresentação do cheque para pagamento é substancialmente diverso do prazo prescricional da pretensão que acompanha a executividade do título. Na Lei 7.357/85, inclusive, o dispositivo é diverso: não o art. 33, mas sim o art. 47 autoriza seja promovida a execução mediante o ajuizamento da ação por falta de pagamento do título de crédito. Ei-lo in verbis:

Art . 47 Pode o portador promover a execução do cheque:

I - contra o emitente e seu avalista;

II - contra os endossantes e seus avalistas, se o cheque apresentado em tempo hábil e a recusa de pagamento é comprovada pelo protesto ou por declaração do sacado, escrita e datada sobre o cheque, com indicação do dia de apresentação, ou, ainda, por declaração escrita e datada por câmara de compensação.

§ 1º Qualquer das declarações previstas neste artigo dispensa o protesto e produz os efeitos deste.

§ 2º Os signatários respondem pelos danos causados por declarações inexatas.

§ 3º O portador que não apresentar o cheque em tempo hábil, ou não comprovar a recusa de pagamento pela forma indicada neste artigo, perde o direito de execução contra o emitente, se este tinha fundos disponíveis durante o prazo de apresentação e os deixou de ter, em razão de fato que não lhe seja imputável.

§ 4º A execução independe do protesto e das declarações previstas neste artigo, se a apresentação ou o pagamento do cheque são obstados pelo fato de o sacado ter sido submetido a intervenção, liquidação extrajudicial ou falência.

Como sói acontecer no direito, até por imposição do vetor segurança jurídica, essa pretensão executória que a lei comete ao tomador do cheque inadimplido não pode ficar pairando ad aeternum, qual uma espada de Dâmocles, sobre a cabeça do emitente. É preciso definir um marco temporal limítrofe ao exercício da pretensão executiva. Esse marco é precisamente o prazo prescricional. 

O prazo prescricional a que aludo encontra-se disposto no art. 59 da Lei 7.357/85. Vejamo-lo: 

Art. 59 Prescrevem em 6 (seis) meses, contados da expiração do prazo de apresentação, a ação que o art. 47 desta Lei assegura ao portador.

Parágrafo único - A ação de regresso de um obrigado ao pagamento do cheque contra outro prescreve em 6 (seis) meses, contados do dia em que o obrigado pagou o cheque ou do dia em que foi demandado.

Portanto, a executividade da cártula do cheque desaparece após 6 meses. Notem o detalhe: a contagem desse prazo prescricional é deflagrada pelo término do prazo de apresentação para pagamento (art. 33), seja ele de 30 dias (mesma praça bancária) ou de 60 dias (praças bancárias diferentes).

A esse respeito, houve um tempo em que a jurisprudência do STJ admitiu que a prática comercial de emissão de cheque "pré-datado" ou "pós-datado", isto é, aquele título emitido com data futura para pagamento, tinha o condão de estender o prazo de apresentação inscrito no art. 33 da lei em comento, o que, em consequência, alargaria também o prazo prescricional a ele atrelado. Vejamos um precedente nesse sentido (grifo meu):

Cheque "pré-datado". Prova. Art. 563 do Código de Processo Civil. Precedente da Corte.

1. A prática comercial de emissão de cheque com data futura de apresentação, popularmente conhecido como cheque "pré-datado", não desnatura a sua qualidade cambiariforme, representando garantia de dívida com a conseqüência de ampliar o prazo de apresentação.

2. A questão da prova da culpa e a da existência de relação jurídica subjacente foram consideradas pelo Acórdão recorrido a partir do conjunto probatório, inviável de reapreciação no especial, a teor da Súmula nº 07 da Corte.

3. É obrigatória a ementa, nos termos do art. 563, do Código de Processo Civil, com a redação da Lei nº 8.950/94, não sendo suficiente a simples indicação de que foi negado provimento ao recurso. Todavia, como já decidiu a Corte, "sua falta não implica nulidade de decisão que, se omissa quanto a este ponto, poderá suprir-se via embargos de declaração".

4. Recurso especial não conhecido.

(STJ, REsp 223.486/MG, Terceira Turma, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, j. 08/02/2000, p. DJ 27/03/2000) 

Entretanto, esse posicionamento da Corte encontra-se, hodiernamente, superado. O STJ mudou sua orientação no precedente firmado no julgamento do REsp 875.161/SC, quando o tribunal passou a entender que o cheque deixa de ser título executivo no prazo de 6 meses, contados do término do prazo de apresentação fixado no art. 33 da Lei 7.357/85, não havendo que se falar em ampliação do prazo prescricional por convenção entre sacador e tomador, máxime na hipótese de pactuação extracartular (cheque "pré-datado"). Eis a ementa do julgado em apreço (grifos meus):

DIREITO COMERCIAL.  RECURSO  ESPECIAL.  CHEQUE. ORDEM DE PAGAMENTO À VISTA. CARACTERE ESSENCIAL DO

TÍTULO. DATA  DE  EMISSÃO  DIVERSA DA  PACTUADA  PARA APRESENTAÇÃO  DA  CÁRTULA. COSTUME  CONTRA  LEGEM. INADMISSÃO  PELO DIREITO  BRASILEIRO.  CONSIDERA-SE  A DATA DE EMISSÃO CONSTANTE NO CHEQUE.

1.  O  cheque  é  ordem  de  pagamento  à  vista  e submete-se  aos princípios  cambiários  da cartularidade,  literalidade,  abstração, autonomia das  obrigações  cambiais  e  inoponibilidade  das exceções  pessoais  a  terceiros  de  boa-fé,  por  isso que  a  sua pós-datação não amplia o prazo de apresentação da cártula, cujo marco inicial é, efetivamente, a data da emissão.

2.  "A alteração do prazo de apresentação do cheque pós-datado implicaria na dilação do prazo prescricional do título, situação que deve ser repelida, visto que infringiria o artigo 192 do Código Civil. Assentir com a  tese  exposta  no  especial, seria  anuir  com  a possibilidade  da  modificação casuística  do  lapso  prescricional, em  razão  de cada  pacto  realizado  pelas  partes".  (AgRg  no  Ag 1159272/DF,  Rel.  Ministro  VASCO  DELLA  GIUSTINA (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/RS), TERCEIRA TURMA, julgado em 13/04/2010, DJe 27/04/2010)

3. Não se pode admitir que  a parte descumpra o artigo 32 da Lei 7.357/85  e,  ainda  assim,  pretenda seja  conferida  interpretação antinômica  ao disposto  no  artigo  59  do  mesmo  Diploma,  para admitir  a  execução do título prescrito.  A concessão de  efeitos  à pactuação extracartular representaria  desnaturação  do  cheque naquilo que  a  referida  espécie  de  título  de  crédito te de essencial,  ser  ordem  de  pagamento  à vista,  além  de  violar  os princípios da abstração e literalidade.

4. Recurso especial não provido.

(STJ, REsp 875.161/SC, Quarta Turma, Rel. Min. luiz Felipe Salomão, j. 09/08/2011, p. DJe 22/08/2011)

Da leitura desse precedente, é possível concluir que a atual jurisprudência do STJ entende que, findo o prazo de apresentação (art. 33), inicia-se o cômputo do prazo prescricional da pretensão de execução do cheque inadimplido (art. 59), o qual se encontra vinculado à data em que o título foi emitido. Sendo assim, em se tratando de prescrição, o tribunal nega efeitos jurídicos à prática comercial corrente de "pré-datar" ou "pós-datar" o cheque, já que a mera convenção entre sacador e tomador não tem o poder de alterar a disciplina legal dos prazos prescricionais, dilatando-os ilegalmente. 

A consequência dessa decisão do STJ está na assunção de riscos pelo tomador do título de crédito: ao aceitar um cheque "pré-datado" ou "pós-datado", o credor terá de arcar com o ônus de ver o transcurso do prazo prescricional iniciar-se do término da data de apresentação para pagamento na praça bancária, o que, no futuro, pode resultar na prescrição da pretensão executória da cártula. Nessa circunstância, consequentemente, restringir-se-ia  a cobrança do cheque prescrito apenas às vias processuais da ação monitória ou da ação de conhecimento - aqui com todas as fases de instrução probatória que o título executivo extrajudicial automaticamente dispensaria.


4 - O prazo de apresentação do cheque para pagamento e a limitação temporal da obrigação do sacador de manter provisão de fundos junto ao sacado para fins de adimplemento do título de crédito conferido ao tomador: pressupostos caracterizados de dano moral na jurisprudência de direito cambiário do STJ

Nessa matéria, outro ponto importante a destacar-se diz respeito à relação eventualmente existente entre o dever de o sacador manter fundos junto ao sacado para satisfazer a obrigação pecuniária representada pelo título de crédito. Afinal, haveria algum limite temporal desse dever atribuído ao emitente do cheque? Ou ele perduraria eternamente?

A discussão é relevante, embora seja fácil presumir uma resposta. A ideia da "eternidade" da obrigação do sacador soa estranha, porque o direito normalmente é infenso à perpetuidade das relações obrigacionais. Desse modo, o vetor da segurança jurídica impõe seja estabelecido um limite de tempo à obrigação pecuniária. A questão consiste apenas em saber qual será a baliza a limitar no tempo o dever obrigacional do emitente do cheque.

Sobre esse ponto, mais uma vez, ganha importância o estudo do prazo de apresentação do cheque para pagamento. 

Já sabemos que, a teor do art. 33 da Lei 7.357/85, o cheque deve ser apresentado perante o sacado no prazo de 30 ou 60 dias, conforme se cuide, respectivamente, de mesmas ou diferentes praças bancárias, a contar da data da emissão do título. Pois é justamente esse prazo de apresentação que irá balizar o limite temporal da obrigação do emitente do cheque no sentido de garantir suficiente provisão de fundos junto ao sacado. Dito de outro modo, uma vez expirado o prazo de apresentação para pagamento, seja ele de 30 ou de 60 dias, o sacador (emitente) fica liberado da obrigação de manter dinheiro em conta bancária para que o banco sacado venha a descontar, em favor do tomador, o valor inscrito na cártula do cheque. Assim decidiu o STJ no julgamento do REsp 1.297.353/SP. Colaciono (grifo meu):   

DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL.  TÍTULOS DE CRÉDITO.  CHEQUE.  PRAZO DE APRESENTAÇÃO. DEVOLUÇÃO DE CHEQUE PRESCRITO POR FALTA DE FUNDOS.  MOTIVO INDEVIDO.  INSCRIÇÃO EM CADASTRO DE INADIMPLENTES.  DANO MORAL CONFIGURADO.

1. O prazo estabelecido para a apresentação do cheque (30 dias, quando  emitido  no  lugar  onde houver  de  ser  pago  e  de  60  dias, quando emitido  em  outra  praça)  serve,  entre  outras coisas,  como limite  temporal  da  obrigação  que o  emitente  tem  de  manter provisão  de  fundos em  conta  bancária,  suficiente  para  a compensação do título.

2. Ultrapassado  o  prazo  de  apresentação,  não  se justifica  a devolução  do  cheque  pelos  "motivos  11 e  12"  do  Manual Operacional da COMPE. Isso depõe contra a honra do sacador, na  medida  em  que  ele passa  por inadimplente  quando,  na realidade, não já que não tinha mais a obrigação de manter saldo em conta.

3.- Tal conclusão ainda mais se reforça quando,  além do prazo de  apresentação,  também  transcorreu  o prazo  de  prescrição, hipótese em que o próprio Manual determinada a devolução por motivo diverso ("motivo 44").

4.- No caso concreto, a devolução por motivo indevido ganhou publicidade com a inclusão do nome do consumidor no Cadastro de Emitentes  de Cheques sem  Fundo - CCF,  gerando  direito  à indenização por danos morais.

5.- Recurso Especial provido.

(STJ, REsp 1297353/SP, Terceira Turma, Rel. Min. Sidnei Beneti, j. 16/10/2012, p. DJe 19/10/2012).   

Aceitando-se a premissa de que o prazo de apresentação serve de limite temporal à obrigação de manter provisão de fundos suficientes para a satisfação da ordem de pagamento contida no cheque, findo esse prazo, o sacador não mais poderá ser considerado responsável pela emissão de cheque sem fundos. E isso porque, repiso, o sacador, uma vez expirado o prazo de apresentação do cheque, já não mais estará obrigado a ter saldo suficiente em conta bancária para adimplir o título de crédito. 

Logo, partindo desse raciocínio, a teor da ementa do julgado supracitado, nota-se que a Terceira Turma do STJ consignou haver dano moral, a depor contra a honra do sacador, sempre que for efetuada a inclusão do seu nome no Cadastro de Emitentes de Cheques sem Fundo (CCF) após a expiração do prazo de apresentação do título pelo tomador, tal qual se encontra previsto na Lei 7.357/85. 


5 - Conclusão

No estudo do Direito Cambiário brasileiro, o cheque qualifica-se qual uma ordem de pagamento à vista. Essa característica, que se pode considerar a nota distintiva precípua dessa espécie de título de crédito, vem inscrita na lei especial que o regula (Lei 7.357/85).    Essa mesma legislação estabelece ainda outros aspectos importantes do regime jurídico atrelado ao cheque. Nesse sentido, destaca-se o prazo de apresentação para pagamento (art. 33), que é o limite de tempo, contado da data de emissão da cártula, garantido por lei ao tomador que deseja beneficiar-se da ordem de pagamento à vista perante o sacado. Expirado esse prazo de apresentação para pagamento, inicia-se o cômputo do prazo prescricional de 6 meses (art. 59) da ação de execução que a lei assegura ao portador (art. 47) do cheque - típico título executivo extrajudicial (CPC, art. 585, I). 

Nesse sentido, cumpre sublinhar que o STJ entende não ser possível a alteração do prazo de apresentação do cheque para pagamento - e, conseguintemente, a ampliação do prazo de prescrição a ele atrelado - na hipótese de o título de crédito ter sido emitido de maneira "pré-datada" ou "pós-datada". Para o STJ, ainda que se trate de cheque pré-datado, o marco inicial da contagem dar-se-á a partir da data de emissão do título (REsp 875.161/SC), independentemente de existir convenção  extracartular entre o sacador e o tomador.     

Igualmente, é preciso assinalar que o prazo de apresentação do cheque para pagamento tem ainda outra importante função, qual seja, a de balizar temporalmente a obrigação pecuniária do sacador, consistente na mantença de provisão de fundos junto ao banco sacado para que seja adimplida a ordem de pagamento à vista. Ora, uma vez expirado o prazo de apresentação, o sacado não está mais obrigado a garantir a existência de fundos na conta bancária, de modo que eventual apresentação do cheque para desconto não autorizará o sacado a inscrevê-lo em Cadastro de Emitentes de Cheques sem Fundo (CCF), sob pena de restar configurado dano moral, a implicar direito à indenização em favor do emitente do cheque que teve sua honra maculada no mercado de consumo (REsp 1297353/SP).    


REFERÊNCIAS

COELHO, Fábio Ulhôa. Manual de direito comercial: direito de empresa. 21ª ed. rev. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2009. 497 f.  

RAMOS, André Luiz Santa Cruz. Direito empresarial esquematizado. 2ª ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Método, 2012. 816 f. 


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

TEODORO, Rafael Theodor. Cheque, dano moral e o limite temporal da obrigação do sacador em manter suficiente provisão de fundos para compensação do título de crédito. Análise dos REsp 875.161/SC e 1.297.353/SP do STJ. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3508, 7 fev. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23661. Acesso em: 28 mar. 2024.