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A classificação dos tributos sob a ótica dos empréstimos compulsórios

A classificação dos tributos sob a ótica dos empréstimos compulsórios

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O empréstimo compulsório não é tributo, especialmente porque o legislador constituinte assim o quis, sendo que tal figura apenas constou na Constituição de 1988 por mero ato de tolerância.

Resumo: O presente trabalho intenta analisar a natureza jurídica dos empréstimos compulsórios à luz da legislação e da jurisprudência, abordando a classificação tributária até então preponderante (pentapartite). Deseja averiguar se tal instituto pode ou não ser catalogado como tributo, assim como eventuais efeitos que advém dessa conclusão. A importância do tema avoluma-se considerando que as classificações até então apresentadas não estão a contento, na medida em que a interpretação da doutrina partiu das decisões tomadas pelo Supremo Tribunal Federal, quebrando-se com a lógica interpretativa. É de dizer-se que o assunto, apesar de ser bastante analisado, sempre foi estudado de forma particularizada, o que pode ter levado a entendimentos equivocados por parte dos tribunais.

Palavras- chave: Empréstimo, Compulsório, Tributos.


INTRODUÇÃO

A análise da figura do empréstimo compulsório, sob o ponto de vista jurisprudencial e doutrinário, aparentemente parece estar superada, dando-se a falsa impressão de que o tema está esgotado. Contudo, se ponderarmos os efeitos práticos que tal ainda provoca na alçada jurídica, veremos que há muito a ser explorado, mormente no que atine à natureza jurídica deste, sob o enfoque de tratar-se ou não de tributo.

Segundo precisa lição de Luciano Amaro:

A doutrina tem mantido (e o fez especialmente na vigência de textos constitucionais precedentes) acesa polêmica sobre a natureza, tributária ou não, de algumas prestações exigidas pelo Estado, designadamente os empréstimos compulsórios e certas figuras geralmente batizadas como contribuições. Tem-se discutido se, a par do imposto, da taxa e da contribuição de melhoria (arroladas no art. 5º do CTN como espécies de tributo), teriam ainda natureza tributária aquelas outras exações. E, quando admitida essa natureza, disputa-se também se elas seriam espécies distintas ou, ao contrário, se subsumiriam nalgum dos tipos nominados no citado artigo. O interesse dessas questões não está só na discussão acadêmica, pois da capitulação de tais figuras como espécies tributárias depende sua sujeição aos princípios tributários, cuja aplicação pode modificar ou mesmo, em dadas situação, inviabilizar a exigência (AMARO, 2010, p.49).

Nessa toada, necessário trazer elementos novos para que a própria jurisprudência, bastante unificada, possa desenvolver seus julgados a partir de alicerces diferentes. Para tal, necessitamos assentar alguns conceitos que serão úteis à compreensão do tema. Assim, imperioso, na fase preambular, pronunciar o que é tributo, perpassando conceitos de impostos, taxas, contribuição de melhoria e contribuições especiais.

A compreensão passa, também, por um delineamento da teoria do Supremo Tribunal Federal que considera como tributo as taxas, os impostos, a contribuição de melhorias, as contribuições gerais e os empréstimos compulsórios (teoria pentapartite).

Buscar-se-á apontar os elementos que tornam o empréstimo compulsório fator alienígena dentro da esfera tributarista, sendo que a sua manutenção na atual Constituição esteve abalada. Declinar-se-á o que vem a ser o instituto em análise, buscando sua origem, sua aplicabilidade, encetando esforços para entendermos como foi sua aplicabilidade dentro do ordenamento jurídico brasileiro, seja na ordem constitucional, seja na ordem infraconstitucional.Transcorrido isso, buscar-se-á analisar se esse “ornitorrinco” criado pelo legislador pode adentrar na catalogação tributária.

Por derradeiro, partindo da análise dos embates travados quando da Assembleia Nacional Constituinte (ANC), que deu vida ao atual Texto Maior, almeja-se extrair qual a visão dos constituintes acerca do empréstimo compulsório, resgatando-se a sua verdadeira face.


1. DOS TRIBUTOS

Segundo a dicção do CTN, Lei 5172 (Dispõe sobre o Sistema Tributário Nacional e institui normas gerais de direito tributário aplicáveis à União, Estados e Municípios) “Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada” (art. 3º), sendo que “Os tributos são impostos, taxas e contribuições de melhoria” (art. 5º)[1].

Da norma extrai-se que o empréstimo compulsório não é considerada tributo. Tal assertiva vai reforçada na medida em que o próprio Código Tributário Nacional, de forma apartada, tratou o tema. Assim é que em disposição especial, referiu que:

Art. 15. Somente a União, nos seguintes casos excepcionais, pode instituir empréstimos compulsórios: I - guerra externa, ou sua iminência; II - calamidade pública que exija auxílio federal impossível de atender com os recursos orçamentários disponíveis; III - conjuntura que exija a absorção temporária de poder aquisitivo. Parágrafo único. A lei fixará obrigatoriamente o prazo do empréstimo e as condições de seu resgate, observando, no que for aplicável, o disposto nesta Lei. (sem destaques no original).

Dessecando o normativo, não haveria razão para que o CTN indicasse a sua aplicação subsidiária. Fosse o empréstimo compulsório tributo, a lei que o instituir, sob nenhuma hipótese, poderia disciplinar de forma diversa do referido Código, mormente porque este esteia as normas gerais, não sendo prerrogativas das leis específicas  que o sucedem, declinar de forma diversa .

 Cumpre ressaltar que, apesar de as contribuições especiais não constarem dos normativos, estreme de dúvida que essas são espécies tributária. Apenas, quando da elaboração lei ainda não eram atualizadas de forma efetiva, não representando parcela significativa dos valores arrecadados.

Demais disso, ao tempo, a teoria bipartite encontrava bastante eco, razão pela qual, somente com a atual Constituição as contribuições foram elevadas à importncia que hoje representam. Afora isso, por possuírem certas particularidades, a sua instituição mostra-se bastante sedutora dada a sua flexibilidade se compararmos, por exemplo,com os impostos.

O mesmo não se pode dizer dos empréstimos compulsórios, dado que a experiência brasileira já era fecunda em exemplos. Optou o legislador ordinário, de forma acertada, em não catalogá-lo como tributo. Pari passo caminhou a atual Constituição Federal (ainda que de forma implícita). Assim é que disciplinou em seu art. 145 que:

A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos: I - impostos; II - taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição; III - contribuição de melhoria, decorrente de obras públicas.

No que concerne ao objeto do presente estudo, postulou o Texto Maior que (art. 148) “A União, mediante lei complementar, poderá instituir empréstimos compulsórios: I- para atender a despesas extraordinárias, decorrentes de calamidade pública, de guerra externa ou sua iminência; II - no caso de investimento público de caráter urgente e de relevante interesse nacional, observado o disposto no art. 150, III, b”.

Logicamente que há de ser reconhecido que a figura do empréstimo compulsório consta do Capítulo I, o qual trata do Sistema Tributário Nacional. Contudo, tal fato, ao nosso ver, não os caracteriza como tributo. Ao que tudo indica, o que o legislador originário propugnou foi colocá-la dentro do Título VI, o qual trata da Tributação e do Orçamento. Alocou-se ali, apenas para contemplá-la na ordem orçamentária, matéria a qual é bastante afeta. Tais fatos restarão mais aclarados quando abordarmos os debates da ANC.

1.1. Impostos

Conforme infere-se do Código Tributário Nacional em seu art. 16 “Imposto é o tributo cuja obrigação tem por fato gerador uma situação independente de qualquer atividade estatal específica, relativa ao contribuinte”. Segundo Luciano Amaro:

O fato gerador do imposto é uma situação (por exemplo, aquisição de rendam prestação de serviço etc.) que não supõe nem se conecta com nenhuma atividade do Estado especificamente dirigida ao contribuinte. Ou seja, para exigir imposto de certo indivíduo, não é preciso que o Estado lhe preste algo determinado. A atuação do Estado dirigida a prover o bem comum beneficia o contribuinte, mas este frui das utilidades que o Estado fornece porque é membro da comunidade e não por ser contribuinte. Se o fato gerador do imposto não é um ato do Estado, ele deve configurar uma situação à qual o contribuinte se vincula. (AMARO, 2010, p. 51).

Nessa medida, estamos diante de tributo, cuja razão de ser é a própria existência estatal. Assim é que a sua receita não fica vinculada a qualquer despesa pré-estipula. Tem em conta a sua não vinculação, não gera ao contribuinte qualquer direito à contraprestação. Logicamente que, em tese, esta é feita de forma indireta.

Aos que sustentam que o empréstimo compulsório nada mais é do que um imposto, a clara descrição do normativo espanca qualquer dúvida. Nesse caso, considerando o aspecto devolutivo, o contribuinte ficaria diretamente relacionado com a despesa que teve de suportar. Há particularização de relação. Aponte-se, ainda, que todos os entes da Federação poderão instituir impostos, fator esse não extensível aos empréstimos compulsórios, afetos exclusivamente à União.

1.2. Taxas

Extrai-se do art. 77 do CTN que as “taxas cobradas pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal ou pelos Municípios, no âmbito de suas respectivas atribuições, têm como fato gerador o exercício regular do poder de polícia, ou a utilização, efetiva ou potencial, de serviço público específico e divisível, prestado ao contribuinte ou posto à sua disposição”.

Aqui, a contraprestação pessoalizada, diversamente do que ocorre com os impostos, deve existir, seja ela efetiva ou potencial. Para Luciano Amaro:

Etmologicamente, taxa é sinônimo de preço (de um serviço ou de um bem), traduzindo, pois a ideia de cumutatividade ou contraprestabilidade (...). No nosso direito, taxa é espécie de tributo, exatamente a figura na qual está presente, de acordo com o sentido etimológico da expressão, a ideia de contraprestação, dado que a taxa se caracteriza pela conexão a um serviço ou utilidade que o Estado propicia ao contribuinte (por exemplo, a prestação de um serviço público). (AMARO, 2010.p. 39).

Ainda, segundo o autor (AMARO, 2010, p. 51) “O fato gerador da taxa não é um fato do contribuinte, mas um fato do Estado. O Estado exerce determinada atividade e, por isso, cobra a taxa da pessoa a quem aproveita aquela atividade”.

Por essas medidas, logicamente que o conceito de taxa, em muito se dista do empréstimo compulsório. Naquela, o contribuinte ou irá receber algo, que não em dinheiro, do ente tributante ou tal serviço estará ao seu dispor. Nesse, receberá em dinheiro e não em serviço. Na mesma linha dos impostos, todos os entes públicos poderão instituí-la, fato que não comunga com o empréstimo compulsório.

1.3. Contribuições de Melhorias

Prescreve o art. 81 do CTN, “A contribuição de melhoria cobrada pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal ou pelos Municípios, no âmbito de suas respectivas atribuições, é instituída para fazer face ao custo de obras públicas de que decorra valorização imobiliária, tendo como limite total”.

Aqui, considerando a efetivação de obras que decorram certa valorização imobiliária, pode o ente público instituir referida contribuição. À semelhança do que ocorre com a taxa, há um caráter prestacional. Nesse particular, preciosas as palavras de Amaro (2010, p. 69) para quem, “Esse tributo, a exemplo das taxas, conecta-se com determinada atuação estatal, qual seja, a realização de uma obra pública de que decorra, para os proprietários de imóveis adjacentes, uma valorização (ou melhoria) de suas propriedade”.

Note-se que o conceito de empréstimo compulsório, na mesma linha do que ocorre com os impostos e as taxas, não guarda qualquer semelhança com as contribuições de melhoria.

1.4. Contribuições Especiais

Dado que o Código Tributário Nacional não disciplina o regime das contribuições especiais, forçoso, analisarmos diretamente o que a atual Constituição prescreve. Segundo o art. 149:

Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observado o disposto nos arts. 146, III, e 150, I e III, e sem prejuízo do previsto no art. 195, § 6º, relativamente às contribuições a que alude o dispositivo.§ 1º Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão contribuição, cobrada de seus servidores, para o custeio, embenefício destes, do regime previdenciário de que trata o art. 40, cuja alíquota não será inferior à da contribuição dos servidores titulares de cargos efetivos da União.

Ainda que a grande parcelada de poder de instituir contribuições especiais, tenha permanecido com a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios estão possibilitados de instituírem contribuições, tendo como contribuintes seus servidores, tudo para o custeio dos seus regimes previdenciários. Vê-se aqui a presença inviolável do caráter contraprestacional.

A título informativo podem os Municípios e o Distrito Federal instituírem contribuições para iluminação pública. Tal tributo, com ares de imposto, da mesma maneira não guarda semelhança com o empréstimo compulsório.

1.5. A teoria pentapartite

Apesar de a análise centrar-se na teoria pentapartite, é preciso consignar que a teoria bipartite, tinha como único critério para aferir o gênero e a espécie tributária, a base de cálculo. Se essa conduzisse a prestação de serviço ou objeto, estaríamos diante de taxa, ao passo que, sendo a base de cálculo fato diverso dos primeiros, estaríamos diante de imposto. Outrossim, os teóricos da teoria tripartites propugnam, unicamente pelo critério legal, centrando-se, no art. 5º do Código Tributário Nacional, sendo o qual os tributos são os impostos, as taxas e as contribuições de melhorias.

Já a classificação pentapartite, encabeçada pelo Supremo Tribunal Federal, a nosso sentir totalmente equivocada, vem definida, inicialmente, no julgamento do RE 146.733, cuja ementa é a seguinte:

CONTRIBUIÇÃO SOCIAL SOBRE O LUCRO DAS PESSOAS JURIDICAS. LEI 7689/88. - NÃO E INCONSTITUCIONAL A INSTITUIÇÃO DA CONTRIBUIÇÃO SOCIAL SOBRE O LUCRO DAS PESSOAS JURIDICAS, CUJA NATUREZA E TRIBUTARIA. CONSTITUCIONALIDADE DOS ARTIGOS 1., 2. E 3. DA LEI 7689/88. REFUTAÇÃO DOS DIFERENTES ARGUMENTOS COM QUE SE PRETENDE SUSTENTAR A INCONSTITUCIONALIDADE DESSES DISPOSITIVOS LEGAIS. - AO DETERMINAR, POREM, O ARTIGO 8. DA LEI 7689/88 QUE A CONTRIBUIÇÃO EM CAUSA JA SERIA DEVIDA A PARTIR DO LUCRO APURADO NO PERIODO-BASE A SER ENCERRADO EM 31 DE DEZEMBRO DE 1988, VIOLOU ELE O PRINCÍPIO DA IRRETROATIVIDADE CONTIDO NO ARTIGO 150, III, "A", DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, QUE PROIBE QUE A LEI QUE INSTITUI TRIBUTO TENHA, COMO FATO GERADOR DESTE, FATO OCORRIDO ANTES DO INICIO DA VIGENCIA DELA (...) (RE 146733, Relator(a):  Min. MOREIRA ALVES, Tribunal Pleno, julgado em 29/06/1992, DJ 06-11-1992 PP-20110 EMENT VOL-01683-03 PP-00384 RTJ VOL-00143-02 PP-00684).

Nas palavras de Moreira Alves, extraídas do corpo do referido julgado:

A par das três modalidades de tributos (os impostos, as taxas e as contribuições de melhoria) a que se refere o artigo 145 para declarar que são competentes para instituí-los a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, os artigos 148 e 149 aludem a duas outras modalidades tributárias, para cuja instituição só a União é competente: o empréstimo compulsório e as contribuições sociais, inclusive as de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas.

Posteriormente a linha seguida sedimentou-se, consoante exemplificam os seguintes arestos:

RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. EMPRESTIMO COMPULSORIO EM FAVOR DAS CENTRAIS ELETRICAS BRASILEIRAS S/A - ELETROBRAS. LEI N. 4.156/62. INCOMPATIBILIDADE DO TRIBUTO COM O SISTEMA CONSTITUCIONAL INTRODUZIDO PELA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988. INEXISTÊNCIA. ART. 34, PAR. 12, ADCT-CF/88. RECEPÇÃO E MANUTENÇÃO DO IMPOSTO COMPULSORIO SOBRE ENERGIA ELETRICA. INTEGRANDO O SISTEMA TRIBUTÁRIO NACIONAL, O EMPRESTIMO COMPULSORIO DISCIPLINADO NO ART. 148 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL ENTROU EM VIGOR, DESDE LOGO, COM A PROMULGAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO DE 1988 (...) (RE 146615, Relator(a):  Min. ILMAR GALVÃO, Relator(a) p/ Acórdão:  Min. MAURÍCIO CORRÊA, Tribunal Pleno, julgado em 06/04/1995, DJ 30-06-1995 PP-20417 EMENT VOL-01793-04 PP-00705).

TRIBUTÁRIO. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. EMPRÉSTIMO COMPULSÓRIO SOBRE ENERGIA ELÉTRICA. LEI N.º 4.156/62. SELIC. NÃO INCIDÊNCIA.1. A relação jurídica decorrente do empréstimo compulsório é única, dotada de natureza tributária, quer sob a perspectiva do pagamento quer sob o ângulo da devolução (...) (EREsp 692.708/RS, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 26/03/2008, DJe 14/04/2008).

APELAÇAO CÍVEL. EMPRÉSTIMO COMPULSÓRIO SOBRE O CONSUMO DE ENERGIA ELÉTRICA INSTITUÍDO PELA LEI 4.156/62 EM FAVOR DA ELETROBRÁS. EMISSÃO DE OBRIGAÇÕES AO PORTADOR. AÇÃO ORDINÁRIA DE COBRANÇA. INCIDÊNCIA DA PRESCRIÇÃO QÜINQÜENAL A CONTAR DO PRAZO PARA RESGATE. CRÉDITO DE NATUREZA TRIBUTÁRIA. Porque ineludivelmente dotado o empréstimo compulsório de natureza tributária, tanto sua exigibilidade como sua devolução deve observância às garantias dos créditos da mesma natureza. Ou seja, se o que recebeu o Estado por conta do empréstimo compulsório é tributo, como já decidiu o Superior Tribunal de Justiça, o crédito que o contribuinte tem a receber em devolução guarda a mesma característica. Por isso de cinco anos o prazo de prescrição, contado da data aprazada para o resgate. Apelo provido. Unânime. (Apelação Cível Nº 70047701586, Vigésima Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Genaro José Baroni Borges, Julgado em 28/03/2012).

Logicamente que o entendimento encabeçado pelo Supremo Tribunal Federal, salvo melhor juízo, foi construído para atender aos interesses do Executivo, instituindo-se o calote dos valores solapados dos contribuintes, a semelhança do que ocorre, atualmente, com os precatórios. Assim é que, considerado o empréstimo compulsório como tributo, a restituição do montante, também será tributo. Logicamente que o prazo para a sua restituição será quinquenal, estando prescrita a maioria das restituições postuladas pelos contribuintes[2].


2. O EMPRÉSTIMO COMPULSÓRIO

2.1. O Empréstimo Compulsório na ordem constitucional e infraconstitucional

A elencar um breve apanhado acerca da evolução do instituto do Empréstimo Compulsório, na visão dos doutrinadores, necessário pinçar algumas posições. Inauguram-se os apontamentos com as palavras de professor Eduardo Sabbag para quem:

O empréstimo compulsório, historicamente, sempre esteve presente em nosso texto constitucional. A Carta Magna de 1946 estipulava, em seu art. 4º, que “somente a União, em casos excepcionais definidos em lei complementar, poderá instituir empréstimos compulsórios”. À Época, a Lei n. 4.156, de 28 de novembro de 1962, sob a égide da Carta de 1946, levou a cabo a instituição do empréstimo compulsório em favor das Centrais Elétricas. Na ocasião, o gravame foi outorgado pelo texto constitucional de 1946, para a instituição de impostos. O tratamento da exação se tornou mais minudente a partir da Emenda 18/65, em cuja vigência se prolatou a Súmula 418 do STF, no bojo da teoria coativista, segundo a qual o empréstimo compulsório detinha a natureza jurídica não tributária, como um “contrato coativo”. (SABBAG, 2011, p. 471).

Na perspectiva de Sabbag (2011, p. 471), a EC 1/69 trouxe certa dubiedade no que atine ao empréstimo compulsório, aparentemente subdividindo-o[3]. Segundo pontua o doutrinador “à luz da interpretação do texto da Emenda citada, despontavam duas espécies de empréstimos compulsórios: o empréstimo compulsório excepcional, uma figura não tributária (art. 18.§ 3º) e o empréstimo compulsório especial, com feição tributária (art. 21, § 2º, II)”.

Já para Aliomar Baleeiro (1999, p. 183) “As Constituições anteriores eram silentes em relação a empréstimos compulsórios, que nunca foram tentados no Brasil até a Segunda Guerra Mundial. (...). Foi a partir de 1951 que surgiram os empréstimos forçados, quando o crédito nacional se arruinou por efeito da inflação”. Para o autor (BALEEIRO, 1999, p. 183) “O STF, conhecendo de empréstimos forçados da União e do Estado do Paraná, decretados no curso do exercício, com quebra do princípio constitucional da anualidade (Constituição de 1946, art. 141, § 34), decidiu que eles não se revestiam de caráter tributário”.

Já Roberto Rosas, quando de sua manifestação acerca da natureza jurídica do empréstimo compulsório, asseverou que:

Várias correntes surgiram, mas significativamente somente duas permaneceram como importantes. Importante corrente sustentou a inexistência de relação contratual nesse empréstimo, porquanto o aspecto coativo desnaturava o contrato, consubstanciado na autonomia da vontade. Afinal o que prevalecia era a imposição tributária do Estado (...). Outra corrente admitia o empréstimo compulsório como um empréstimo público. Assim entendiam: Griziotti, Princípios de Política, Derecho y Ciencia de La Hacienda, p. 400; San Tiago Dantas, Problemas de Direito Positivo, p. 13. Refutavam a idéia do empréstimo como tributo, porque a restituição e a capitalização de juros desnaturavam o caráter tributário. (ROSAS, 2003, p. 182).

Para melhor análise, apesar da fonte doutrinária ser de toda importante, consideramos que o espírito da norma somente poder ser interpretado a partir da sua fonte. Nesse caso, não há como deixarmos de analisar os trabalhos da Assembleia Nacional Constituinte, mormente no que toca à visão do legislador originário sobre o objeto em estudo. Para tal, passamos a descrever trechos dos debates da Subcomissão de Tributos, Participação e Distribuição de Receitas[4].

Para Fernando Bezerra Coelho “A sexta questão é em relação aos empréstimos compulsórios. Deveremos manter essa figura no texto constitucional? Deveremos restringir ao máximo a figura do empréstimo compulsório, até mesmo eliminá-lo do sistema tributário?”. Seguindo o questionamento assentou o constituinte Simão Sessim que “A nossa posição é a que eliminem todos os empréstimos compulsórios, ressalvando-se apenas os empréstimo para calamidade, com aquela destinação específica”.

 Os apontamentos supra podem resumir-se os debates do constituinte. De fato, considerando os inúmeros exemplos de mau uso do empréstimo compulsório, este foi visto com maus olhos pelo constituinte,SUPRIMIR chegando Simão Sessin a afirmar que “devemos eliminar os empréstimos compulsórios, porque esta é a grande reivindicação de todo o povo brasileiro sofredor”.

Outro exemplo de abusividade[5] nos traz o constituinte Jesus Jajra, verbis “no que se refere ao assunto de enxugar o mero circulante, com essa finalidade foi utilizado recentemente o empréstimo compulsório, e, apesar de já haver passado aquele quadro, continua ele aí enxugando, apesar de não haver mais o que enxugar”, vindo acompanhado dos apontamentos de Fernando Bezerra Coelho para quem “Na realidade, instituiu-se empréstimo compulsório, ele funciona como se fosse um imposto, e quando é devolvido para o contribuinte o é em um valor bastante deflacionado, irrisório”.

Àqueles que consideram que o Constituinte SINOMINO reforçou o item em comento, cometem salutar engano. Em verdade. Vê-se que houve significativa restrição do legislador, tudo para coibir os inúmeros desmandos e desvios, que até então o poder Executivo havia efetuado. Apenas por existirem, ao tempo da promulgação do Carta, inúmeras relações pendentes, é que o Poder Legislativo manteve-o. A partir disso, deu azo para que o Supremo Tribunal Federal, como mero vassalo do Poder Executivo, passasse a afirmar que o empréstimo compulsório trata-se de tributo, devendo a sua restituição fulcrar-se nas regras do Direito Tributário.

2.2. Empréstimo Compulsório e a Súmula 418 do STF

Constar da redação da súmula 418 do STF, para a grande maioria da doutrina já revogada, que “O empréstimo compulsório não é tributo, e sua arrecadação não está sujeita à exigência constitucional da prévia autorização orçamentária”. Na espécie, os precedentes que originaram o verbete[6] tinham como pano de fundo a Lei 4.529/1962 (arts. 2º e 30) do Estado do Paraná, confrontada com a Constituição Federal de 1946, mormente no que toca aos art. 141, § 2º, § 34; art. 145; art. 146 e art. 147.

Consta do RMS 11.252[7] (julgado este que serviu de base à firmação do entendimento) que o Tribunal de Justiça daquele Estado julgou constitucional o adicional de 1% (um por cento) sobre o imposto de venda e consignações, valores estes a serem destinados ao Fundo de Desenvolvimento Econômico do Estado paranaense (CODEPAR).

No recurso manejado, buscava-se a inconstitucionalidade da lei, tendo em vista que esta, publicada em janeiro de 1962, entraria em vigor no mesmo ano, motivo pelo qual restaria maculado o art. 141 da CF/46 em seu § 34, o qual disciplinava que “Nenhum tributo será exigido ou aumentado sem que a lei o estabeleça; nenhum será cobrado em cada exercício sem prévia autorização orçamentária, ressalvada, porém, a tarifa aduaneira e o imposto lançado por motivo de guerra”.

No referido julgado, após o voto do ministro relator Vilas Boas, que propugnava pelo deferimento da ordem, visto considerar o empréstimo compulsório espécie de tributo, devendo para tal respeito à especificação em lei orçamentária (entrando em vigor no ano subsequente), o ministro Victor Nunes, expôs a nosso entender, as inúmeras MULTIPLA razões pelas quais o objeto em análise não pode ser considerado tributo. Para tal, dividiu sua argumentação em inúmeros questionamentos, abaixo esmiuçados.

Em sua fase preambular, buscou o julgador abordar o elemento “compulsoriedade” presente na conceituação do empréstimo compulsório. Fez observar que a natureza de ser prestação compulsória não é suficiente a caracterizá-lo como tributo porque convivemos com várias obrigações que, na sua maior parte, não são de natureza tributária.

Para melhor compreensão indagou se toda prestação obrigatória é tributo. A anteceder a resposta especificou a diferenciação entre obrigação direta e a indireta, citando, como exemplos dessa última o seguro obrigatório para obter empréstimo agrícola, o seguro obrigatório contra acidentes de trabalho, a quitação de imposto de renda para obtenção de passaporte, a instalação de sede própria para que associados ou convidados de clube possam praticar jogos lícitos etc., ressaltando que, nestes casos, apesar de serem indireto, não deixa de haver obrigatoriedade, porque deflui de compulsões econômicas, sociais ou psicológicas. Contudo, não são tributos.

Precisos os apontamentos do eminente ministro. De fato, possuímos hoje inúmeras obrigações indiretas compulsórias que em muito se assemelham com o elemento do empréstimo compulsório, mas nem por isso são tributos. Cita-se, por exemplo, a caução apresentada por determinado concorrente em licitações. São verbas que, em um primeiro momento, encontram-se indisponíveis ao seu proprietário mas, compridos determinados requisitos, voltam ao licitante. Note-se que houve entrada de valores aos cofres públicos, baseado na obrigação imposta pelo legislador. Contudo não estamos frente a qualquer tributo.

Retomando o pensamento esposado no voto e, dado ser o primeiro questionamento extremamente genérico (toda prestação obrigatória é tributo?), restringiu-o perquirindo, então, se toda prestação diretamente compulsória é tributo. Declinou novamente pela negação apontando que a Constituição contém duas disposições distintas, sendo uma para os tributos e outra para as obrigações em geral, demarcando que, para os tributos exige-se o duplo requisito da legalidade e da autorização orçamentária, nos termos da Carta Magna de 1946, art. 141, § 34. Para as demais obrigações basta estarem definidas em lei (art. 141, § 2º, no mesmo normativo). Nesse diapasão teriam de ser excluída da noção de tributos a obrigação de fazer e não fazer, porque tributo é sempre uma prestação em dinheiro.

Neste caso, apesar de tais obrigações oporem restrições ao direito de propriedade, não podem ser caracterizadas como tributo. Citou como exemplo a prestação de serviço militar, a participação em júri popular, o comparecimento para depor em juízo e outros.

Seguindo a linha do voto, houve novamente redução do enfoque, perquirindo-se se toda prestação em dinheiro, diretamente compulsória, é tributo? Novamente a resposta deveria ser negativa porque devem ser excluídas as contribuições para outras entidades que não o Estado, citando, a título exemplificativo, a subscrições obrigatórias de ações da Petrobrás, recolhimento obrigatório ao Banco do Brasil da parte do encaixe dos bancos particulares, contribuição obrigatórias para a Legião brasileira de Assistência, etc.

Veja-se que nos exemplos citados somente houve referência a entidades privadas, de induvidoso interesse público, mas cujo patrimônio não se confunde com o do Estado. Na mesma medida, segundo Leal, deverão ser excluídas as contribuições para certas entidades de direito público, de patrimônio privado, como os sindicatos.

Considerando as negativas acima, lançou o douto julgador novo questionamento, perquirindo se toda prestação em dinheiro, diretamente compulsória, recolhida pela administração direta de Estado, é tributo? A resposta, segundo o voto divergente, ainda haveria de ser negativa. Não basta o recolhimento pela administração direta do Estado, porque há casos em que a arrecadação se destina a outras entidades.

Pautando-se pelo pensamento do eminente ministro, vê-se que o elemento obrigatoriedade não é requisito suficiente a catalogarmos uma obrigação como sendo tributária. Na mesma quadra, ainda que exigido diretamente pelo ente público não o transforma em tributo, o mesmo se processando com as obrigações exigidas em espécie.

Afora isso, qualquer tributo, ainda que imposto pelo ente público delega margem discricionária ao devedor em solver a obrigação ou pagar a menor, sem adentrar no mérito de ser esta devida ou não. Assim é que o devedor de IPTU (lançamento de ofício), ainda que lançado o tributo, pode ou não adimplir a obrigação; o devedor de ICMS (lançamento por homologação), pode declarar que deve determinado montante, sem, contudo, adimplir o débito; o devedor de ITBI, ainda que tenha que declarar o valor devido, tem margem para manipular o valor a ser pago. O mesmo proceder pode ocorrer com as taxas, contribuições de melhoria e demais contribuições. Contudo, em nenhum momento far-se-á presente no que atine à figura dos empréstimos compulsórios.

Nessa medida, ainda que considerarmos a presença dos requisitos acima, não necessariamente estaremos diante de um tributo. No tocante aos empréstimos compulsórios, é de se perquirir: qual seria a modalidade de lançamento destes? Seria de ofício, homologação ou declaração? Como seria o ato de inscrição em dívida ativa? Tais questionamentos restam, aparentemente, sem resposta se seguirmos a trilha de considerarmos tal simulacro como espécie tributária.


3. MOTIVOS QUE EXCLUEM O EMPRÉSTIMO COMPULSÓRIO COMO TRIBUTO

3.1 Tributo como atividade plenamente vinculada

Conforme a dicção legal do art. 3º do CTN “tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou em cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade plenamente vinculada”. Não há dúvida ser o empréstimo compulsório prestação pecuniária, afastando-se de plano qualquer outra obrigação não representada em pecúnias, situação esta que se amolda ao dispositivo estatuído. Da mesma forma, não é constituído por sanção de ato ilícito e é instituído por lei (ou Decreto-Lei que já o fez às vezes).

Existissem somente esses três elementos, por certo estaríamos diante de tributo. Contudo, o empréstimo compulsório não é cobrado mediante atividade plenamente vinculada. Caso assim fosse, preenchidas as condições para instituição deste, não haveria discricionariedade do administrador exigi-lo ou não. Estaria vinculado ao fato.

Logicamente que, quando o CTN caracteriza tributo como atividade plenamente vinculada, tal premissa não se coaduna com o conceito de discricionariedade. A exemplificar se considerarmos empréstimo compulsório como espécie de tributo, se houvesse calamidade, cumulada com a dificuldade de fazer frente às despesas advindas desta, o ente público não teria opção em criar o não criar o “tributo”. Deveria fazê-lo. Não haveria margem para opção.

3.2. Tributos e a restituição de valores

Ao simples argumento de ser valor restituível, ao nosso juízo, seria de todo suficiente para espancar qualquer pretensão dos juristas e dos tribunais em considerar o empréstimo compulsório como espécie tributária.

Segundo Leandro Paulsen:

O traço efetivamente peculiar e exclusivo dos empréstimos compulsórios é a promessa de devolução sem a qual não se caracteriza tal espécie tributária. Quando do pagamento do empréstimo compulsório, incide a norma que, prevendo a sua restituição, gera direito subjetivo do contribuinte a tal prestação futura. Uma nova lei não pode suprimir esse direito, sob pena de ofensa ao art. 5º, XXXVI, da Constituição Federal, que garante o direito adquirido, dizendo que a lei não o prejudicará. (PAULSEN, 2005, p. 46).

Cumpre pontuar que, acontecendo de o texto normativo que institui o empréstimo compulsório omitir a devolução integral do produto de sua arrecadação, por certo não estará conforme a Constituição, dado que estaríamos diante do instituto do confisco, maculando-se, assim o art. 150, IV, do CF/88. (COLOQUEI A BARRA)

Na mesma linha, segundo Roque Carrazza (2002, p. 499) “deve ser considerando contrário ao Texto Maior eventual interpretação de norma que crie empréstimo compulsório que levar, direta ou indiretamente, à sua não restituição”. Segundo este no que atine à sua restituição “este crédito nada tem de tributário. É um crédito como outro qualquer, e, nesta medida, pode, em princípio, ser transacionado pelo contribuinte (...) deve ser restituído, seja ao contribuinte, seja a quem juridicamente lhe fizer as vezes (o sucessor, o cessionário, etc.)”.

Aqui o entendimento encabeçado pelo Supremo Tribunal Federal encontra óbice. Considerado o empréstimo compulsório um tributo, logicamente que a única pessoa a postular a sua restituição é o próprio contribuinte ou seus sucessores, situação esta que restringe, sobremaneira, os legitimados ativos. Bom que se diga que os exemplos de empréstimos compulsórios no Brasil, de regra, perduraram por muitas décadas, com sucessivos reeditamentos. Assim como pontuou Carrazza, o valor a ser restituído nada tem de tributário; é um montante como outro qualquer, sendo dessa forma, passível de transação. É de perquirir, considerando o empréstimo compulsório tributo, se a União aceitaria eventual compensação com outro tributo devido pelo contribuinte? Salvo engano, não há qualquer exemplo nesse sentido.

Para Carrazza (2002, p. 500) “a restituição do empréstimo compulsório há de ser feita em moeda corrente, já que em moeda corrente é exigido. É, pois, um tributo restituível em dinheiro. A União deve restituir a mesma coisa emprestada compulsoriamente”. Nesses casos, não poderia a União apossar-se de dinheiro do contribuinte, devolvendo-lhe outras coisas, que não em pecúnia.

A restituição, como visto, deverá ser em moeda corrente. Contudo, em inúmeros normativos que criaram empréstimos compulsórios, houve emissão de títulos ao portador, conforme, por exemplo, na Lei 4.156/1962, que instituiu empréstimo compulsório em favor da Eletrobrás. Aqui certamente há incongruência.

Suponhamos uma execução fiscal ordinária da Fazenda Nacional, na qual  pleiteie-se a cobrança, por exemplo, de IPI. A inicial virá instruída com a certidão de dívida ativa. Essa deverá ser líquida e certa. Noutro polo, suponhamos que o devedor nomeie à penhora os títulos ao portador da Eletrobrás. A argumentação para a sua rejeição está, dentre outras, na sua falta de liquidez, devendo a parte executada nomear outros bens.

Nesse caso não se estaria dando tratamento diverso para situação similares? Como considerar que uma dívida a ser paga à União ser líquida e outra, na qual consta como devedora, ser ilíquida? O legislador não é o mesmo? Os critérios para chegar ao quantum devido, no caso do IPI, também não constam da lei que instituiu a devolução dos empréstimos? Assim como há um controle de dívida ativa, não haveria obrigação de controlar a liquidez das dívidas passivas? A liquidez da devolução dos valores não estaria a cargo do ente tributante?

Por mais essas razões não há como tratar o empréstimo compulsório com tributo. Em verdade, a sua restituição, como título de crédito que é, somente poderia ser disciplinada pelas normas civilistas.

Enfim, SACAR FORA pendem inúmeras celeumas se considerarmos o instituto do empréstimo compulsório como tributo. Defendemos, como dito acima, que os empréstimos compulsórios ou deveriam ser estudados dentro do âmbito civilista ou, com mais argumentos, no âmbito do direito financeiro por ser mero fluxo de caixa, mas jamais na esfera tributária, pois tributos não são.

Demais disso, como poderíamos considerar como tributo o que além de retornar ao “contribuinte”, o vem com juros e correção monetária. Em tese o próprio empréstimo compulsório seria um investimento para aquele que disponibiliza valor a ser arrecadado. Assim, considerando que inexiste desequilíbrio (apesar de haver compulsoriedade), fator primeiro da atividade tributária, ao até mesmo considerando que o “contribuinte” venha auferir renda com tais atos, difícil fica sustentar que estamos diante de uma espécie tributária.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Dos apontamentos assentados, entendemos que o empréstimo compulsório não é tributo, especialmente porque o legislador constituinte assim o quis, sendo que tal figura apenas constou na Constituição de 1988 por mero ato de tolerância. Afora isso, o instituto sofreu inúmeras limitações, assoalhando-se tal medida nos inúmeros abusos que o Executivo vinha perpetrando, utilizando-se desse instrumento. Dessa maneira, entendemos que a única teoria aceitável no que toca à classificação dos tributos é a tetratapartite, ou seja, podem ser considerados tributos: os impostos, as taxas, as contribuições de melhoria e as contribuições especiais. O fato de o Supremo Tribunal Federal considerar o empréstimo compulsório como tributo, tem como único intuito atender aos interesses do Executivo, mormente no que toca à prescrição quinquenal à restituição de valores a serem devolvidos pela União.


Referências

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ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária. Coleção Estudos de Direito Tributário. 5ª ed., 6. tiragem. São Paulo: Malheiros Editores, 1997.

BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro. 11ª ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, Atualizadora Misabel Abreu Machado Derzi, 1999.

BALEEIRO, Aliomar. Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar. 7ª ed.  Rio de Janeiro: Editora Forense, revista e complementada por Misabel Abreu Machado Derzi, 2001.

BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Financeiro e Tributário. 9ª ed. São Paulo: Celso Bastos Editor, 2005.

Brasil. Lei. n. 5172, de 25 de outubro de 1966. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L5172.htm. Acesso em 06 de nov. de 2012.

Brasil. Constituição Federal, de 05 de outubro de 1988. Disponível em:  http://www.senado.gov.br/legislacao/const/con1988/CON1988_29.03.2012/index.shtm. Acesso em 03 de out. de 2012.

CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 17ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2002.

LOPES, Mauro Luís Rocha. Empréstimos Compulsórios, in Curso de Direito Tributário Brasileiro, Coord. Marcus Lívio Gomes e Leonardo Pietro Antonelli, São Paulo: Quartier Latin, 2005.

MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 25ª ed. rev., atual. E ampl. São Paulo: Malheiros Editores, 2004.

MIRANDA, Pontes de. Comentários à Constituição de 1967 com a Emenda nº. 1, de 1969. Tomo II, 3ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1987.

PAULSEN, Leandro. Contribuições: teoria geral, contribuições em espécie/Leandro Paulsen, Andrei Pitten Velloso. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010.

PAULSEN, Leandro. Curso de Direito Tributário. 2ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2010.

ROSAS, Roberto. Direito Sumular. 6ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991.

SABBAG, Eduardo. Manual de Direito Tributário. 3ª ed, 2ª Tiragem. São Paulo: Saraiva, 2011.

TORRES, Ricardo Lobo. Curso de direito financeiro e tributário. 8ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001.


Notas

[1]Segundo Amaro “Tributo, como prestação pecuniária ou em bens, arrecadada pelo Estado ou pelo monarca, com visas a atendem aos gastos públicos e às despesas da coroa, é uma noção que se perde no tempo e que abrangeu desde os vencidos (à semelhança das modernas indenizações de guerra) até a cobrança perante os próprios súditos, ora sob o disfarce de donativos, ajudas, contribuições para o soberano, ora como um dever ou obrigação. No Estado de Direito, a dívida do tributo estruturou-se como uma relação jurídica em que a imposição é estritamente regrada pela lei, vale dizer, o tributo é uma prestação que deve ser exigida nos termos previamente definidos pela lei, contribuindo dessa forma os indivíduos para o custeio das despesas coletivas (que, atualmente, são não apenas as do próprio Estado, mas também as de entidades de fins públicos). (Ob. Cit., p.38).

[2]Exemplificativo nesse sentido a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, resumido no voto da Em. Min. Eliana Calmon, no REsp 500.645/RS, verbis “Não se pode analisar a controvérsia pelo ângulo da qualificação jurídica da empresa que irá devolver o compulsório. Observe-se que tratam os autos de devolução de uma espécie tributária, o empréstimo compulsório que o governo fez incidir sobre o consumo de energia elétrica, não perdendo o tributo a sua natureza jurídica no momento da devolução. A confusão sobre o prazo prescricional está no fato de ter-se como restituível o empréstimo somente após 20 (vinte) anos da emissão. Entretanto, o prazo prescricional é de cinco anos a contar da data aprazada para o resgate. Ora, é intuitivo, porque se a promessa foi devolver o empréstimo vinte anos depois, somente poderia ser ele cobrado quando vencido esse prazo, contando-se daí o lapso prescricional. (...) Entendo que, em se tratando de tributo – empréstimo compulsório – não se pode ter outro prazo senão o qüinqüenal, embora seja ele contado vinte anos depois, a partir do nascimento do direito de resgate do compulsório”. (sem destaques no original) Disponível em<http://www.stj.jus.br/webstj/processo/Justica/detalhe.asp?numreg=200300098660&pv=010000000000&tp=51>. Acesso em 08 de out. de 2012.

[3]A disparidade registrada pelo autor restou espancada pelo Supremo Tribunal Federal, quando da análise da inconstitucionalidade do Decreto-Lei nº. 2.047/83, representada no seguinte aresto: EMPRÉSTIMO COMPULSÓRIO. DL 2.047, DE 20-07-1983. A SÚMULA 418 PERDEU VALIDADE EM FACE DO ART. 21, PARÁGRAGO 2º, II, DA CF (REDAÇÃO DA EC 1/69). (...) Não há distinguir, quanto à natureza, o empréstimo compulsório excepcional do art. 18, § 3º, da CF, do empréstimo compulsório especial, do art. 21, § 2º, II, da mesma Constituição Federal. (...) RE 111.954/PR, Pleno, rel. Min. Oscar Correa, j. 1º-06-1988.

[4]Disponível em <http://www2.camara.leg.br/atividadelegislativa/legislacao/Constituicoes_ Brasileiras/constituicao-cidada/publicacoes/anais-da-assembleia-nacional-constituinte. Acesso em 02 de  nov. de 2012.

[5]Confira-se, ainda, o relato histórico feito aos constituintes pelo Prof. Romero Patury, acerca da evolução dos empréstimos compulsórios: Segundo consignou o eminente jurista “A figura do empréstimo compulsório existia na legislação anterior a 1967 e foi criada ao alvedrio da Constituição. Todo mundo discutia se esse empréstimo compulsório era ou não tributo. Havia as maiores discussões possíveis. Quando veio a Constituição de 1967, resolveu-se enfrentar a problemática. Dizia-se em dispositivo expresso, já na Emenda n 18, depois repetido na Constituição de 1967, que o empréstimo compulsório poderá ser criado somente pela União, nos casos excepcionais, previstos em lei complementar – no caso, o Código Tributário Nacional. E os casos excepcionais seriam a absorção do poder aquisitivo, calamidade pública e guerra. Somente esses três casos. Começou um jogo de como interpretar isso. A lei era necessária porque ninguém pode fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude da lei. Havia um segundo problema, que era se observava ou não o princípio da anterioridade. Essas três causas são inteiramente incompatíveis com o princípio da anterioridade, que não se aplicava a elas. Nem guerra, nem calamidade pública poderiam ter anterioridade. O terceiro ponto de discussão que havia era se esse empréstimo compulsório poderia ser trado em relação a atos ou fatos incluídos na competência tributária da União, dos Estados e dos Municípios. A discussão era sobre que, se pudesse ser criado na competência da União e dos Estados, na verdade, seria um imposto restituível, e não um empréstimo compulsório, ou seja, se o Estado ou a União podem criar o imposto, com maior razão podem criar o imposto restituível. O entendimento que havia, mais ou menos, era de que o empréstimo compulsório poderia, inclusive, invadir as competências tributárias, mas só nos casos excepcionais previstos em lei complementar que são esses três. Posteriormente houve um problema, porque existia o empréstimo compulsório da Eletrobrás, que já acabou. Foi uma agonia muito grande e rapidamente saiu um outro dispositivo que V. Ex.ª leu, porque na Constituição há dois dispositivos: um no art. 18 e outro no art. 21. Esse dispositivo era para cobrir o empréstimo compulsório da Eletrobrás. Não falava mais em casos excepcionais, mas em casos especiais, porque o empréstimo da Eletrobrás não era um caso excepcional, mas uma coisa que se mantinha no tempo. Dizia: nos casos especiais previstos em lei complementar, a União poderá instituir empréstimo compulsório. Nessa hipótese a constituição foi expressa em ao estabelecer que esse tipo de empréstimo “se aplicarão as normas de direito tributário”, ou seja, competência tributária e tudo o mais. Na verdade, aquele empréstimo compulsório previsto era imposto da Eletrobrás, que era restituível também. Nesse caso se discute a doutrina, também: se temos ou não, atualmente, dois empréstimos compulsórios em casos excepcionais previsto no art. 18, e outro em casos especiais, previstos no art. 21. A esse do art. 21e ao art. 18, como é excepcional, aplicar-se-ia o princípio da legalidade, mas não o da anterioridade, porque senão impedia o processo. Há ainda esse aspecto de que isso não impediria que o Estado, o Município ou a União, dentro da sua própria competência tributária, instituíssem impostos restituíveis, ou seja, impostos que eles têm direito de cobrar, se eles podem fazê-lo, pode restituir. Quem pode o mais pode o menos, nesse sentido de que o menos está contido no mais”.

TIRAR O ESPAÇO

[6]Manifestando-se acerca da súmula ora analisada o professor Roberto Rosas acentua que “Em expressivo acórdão, tais as significativas opiniões expendidas, o Supremo Tribunal Federal examinou as características do empréstimo compulsório (RDA 80/172). O Min. Luiz Gallotti nesse leading case, sustentava, arrimado na opinião de Pontes de Miranda, que o empréstimo compulsório era tributo com cláusula de restituição. Exaustivamente o Min. Victor Nunes cotejou todas as opiniões existentes a respeito do assunto, concluindo pela não consideração de tributo. Simplesmente significava uma providência para regular a circulação dos recursos financeiros disponíveis. Ao expender seu ponto de vista, o Min. Gonçalves de Oliveira não pretendia generalizar o empréstimo compulsório, porque necessitava verificar a natureza desse empréstimo, mas, em conclusão, não aceitava o empréstimo compulsório como tributo, dos que estão expressamente previstos na Constituição (impostos, taxas e contribuições), apenas admitindo-o como imposto. Se a devolução fosse para largo tempo, seria um imposto disfarçado, fraudando a proibição constitucional da prévia existência de lei”. Anota, por fim, o ilustre comentarista da Súmula do STF (op. cit. p. 183 e 184) que, posteriormente, a jurisprudência da Alta Corte não se consolidou, sendo submetido a reexame o verbete 418, no Tribunal Pleno (RTJ 44/620), por iniciativa do Min. Gonçalves de Oliveira, observando o tratamento da matéria nas Constituições de 1946 e 1967, expungindo-se, por fim, as dúvidas sobre a natureza jurídica do empréstimo compulsório com a Emenda Constitucional nº. 1/69, cujo art. 21,§ 2º, estabeleceu que a União pode instituir II – empréstimos compulsórios nos casos especiais definidos em lei complementar, aos quais se aplicarão as disposições constitucionais relativas aos tributos e as normas gerais do direito tributário (ROSAS, 1991, p. 183)”.

[7]Disponível em<http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=109986>. Acesso em 05 de nov. de 2012.


Autor

  • Leandro Brescovit

    Graduado pela Universidade Federal de Pelotas - UFPel. Analista Jurídico da Procuradoria-Geral do Estado do Rio Grande do Sul, lotado na Procuradoria Regional de Caxias do Sul/RS, Pós graduado em Direito Tributário.

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Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BRESCOVIT, Leandro. A classificação dos tributos sob a ótica dos empréstimos compulsórios. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3512, 11 fev. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23687. Acesso em: 27 abr. 2024.