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O fim das licitações para serviços jurídicos?

O fim das licitações para serviços jurídicos?

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De acordo com o Conselho Federal da OAB, é inexigível licitação para a contratação de serviços advocatícios pela Administração Pública.

Com a concorrência acirrada no “mercado” de serviços jurídicos junto a empresas privadas, notamos nos últimos anos um grande movimento de escritórios de advocacia, que procuraram se organizar no intuito de disputar licitações para a contratação de serviços jurídicos. A bem da verdade, houve no mesmo período uma grande “oferta” por parte dos órgãos públicos destes serviços considerados essenciais.

Contudo, o que se observa é que todo esse esforço fora feito deixando de lado algumas questões de suma importância: como os valores éticos que devem reger uma relação como esta.

O sucesso na adjudicação de um contrato público, frequentemente se decide com exigências contidas nos editais que beiram o ilícito como presença permanente de profissionais na sede da contratante (!), capital social em torno de 15% do valor estimado para contratação (!), filial estabelecida em Brasília, software de controle de processos igual ao da contratante e até linha telefônica 0800. Tudo isso aliado ao menor preço apresentado e em modalidades como “pregão eletrônico” criado pela Lei Federal 10.520/2002, tratando o nobre serviço da advocacia como um verdadeiro leilão, em arrepio ao contido na Lei 8.906/94 (Estatuto da OAB, que disciplina a conduta profissional, entre outros) e o próprio Código de Ética e Disciplina que veda a mercantilização dos serviços.

O fato é que, em nome da contratação que melhor atendesse o interesse público, aspectos importantes foram inobservados, incompatibilidades éticas deixadas de lado e a mercantilização prevaleceu.

Contudo, sensível a situação insustentável o Conselho Federal da Ordem dos Advogados publicou no último dia 23/10/2001 as Súmulas nº 04 e 05 do Conselho Pleno, estabelecendo que é inexigível licitação para serviço advocatício.

A Súmula 04 tratou de elevar e reconhecer a especificidade dos trabalhos do advogado, disciplinando ainda que aqueles que a desempenham com reconhecida técnica e especialização não podem se sujeitar a critérios de disputa e mercantil, participando de verdadeiros leilões, desvalorizando sua imagem, conduta e reputação.

Tão importante quanto, ou talvez até mais a Súmula 05, complementou protegendo de ações cíveis e criminais o advogado que na condição de gestor público, através de parecer técnico legitime a contração de serviços jurídicos dispensando o procedimentos licitatório.

A bem da verdade, não temos a intenção de demonizar a licitação pública para referida contratação e apenas sim adequá-la ao correto exercício da profissão sem que o mesmo seja aviltado.

A própria Lei 8.666/1993, que trata das Licitações Publicas, tem previsão expressa, em seu artigo 25, caput, onde prevê a inexigibilidade da licitação, em momentos onde não puder haver disputa, e inclui em seu artigo 13, os serviços de advocacia, contencioso e consultivo, exigindo para tanto o notório saber e singularidade.

E o que viriam a ser essas definições?

O Ilustre Jurista Celso Antonio Bandeira de Mello nos ensina:

A notória especialização é verificada quando a empresa ou o profissional, através de desempenho anterior, estudos, publicações, organização, técnica, resultados de serviços anteriores, permita identificar que o seu trabalho é essencial e indiscutivelmente o mais adequado à plena satisfação das necessidades do ente público tomador do serviço.

Já o serviço singular é aquele ministrado por profissional que, comprovadamente, demonstre, em trabalhos anteriores, a sua destacada habilidade técnica, que o credencia para o objeto do contrato. Essa singularidade poderá decorrer também da própria profissão do contratado, pois determinados ofícios não são objeto de competição pelo menor preço, como por exemplo a prestação de serviços jurídicos. (MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Licitação - Inexigibilidade – Serviço Singular, in RDA 202, out/dez/2005p. 368.)

Em nosso entendimento, as súmulas vieram em bom momento impedindo a desqualificação da advocacia e sua transformação em um bem fungível e mercantil.

Uma vez que trata-se de um trabalho intelectual, a disputa por meio de aferimento que funda-se apenas em estruturas e preço, expõe o profissional ou sua banca a escolhas objetivas, equiparando-o a fabricação de coisas ou obra concreta.

Assim sendo, em respeito à individualidade dos advogados deveriam ser observadas também para contratação, sua conduta ao longo dos anos, confiança reconhecida por seus clientes, histórico social, interesse e atuação no órgão de classe e tantos outros mais afetos ao regular exercício da profissão.

Por derradeiro, temos que também nos preocupar que essa evolução, não venha a fomentar desmandos dos gestores públicos como se tivessem um talão de cheques assinados em branco e desvirtuar o fim para o qual foram editadas as referidas Súmulas, tornando isso um “bom negócio”, para eles.


Autor

  • Marcelo Rocha

    Advogado Sócio Fundador do Escritório Rocha Calderon, Advogados Associados. Coordenador de Desenvolvimento Social na Era da Sociedade Digital da Comissão de Direito Eletrônico de Crimes de Alta Tecnologia da OAB/SP (2013 - 2015). Diretor Jurídico da Agência de Autorregulação da Internet - ANARNET. Assessor da Quarta Turma do Tribunal de Ética e disciplina da OAB/SP (2011 - 2012). Membro e Professor do Instituto Brasileiro de Estudos e Pesquisas em Ciências Políticas e Jurídicas (IPOJUR). Palestrante em diversos eventos acerca de Tecnologia da Informação e Direito Eletrônico. MBA em Direito Empresarial, pela FGV - Fundação Getúlio Vargas, especialista em Direito da Tecnologia da Informação, pela FGV - Fundação Getúlio Vargas; Especialista em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pelo Instituto Toledo de Ensino.<br><br>Atuação destacada, na esfera contenciosa e consultiva, nas áreas do Direito do Trabalho, Direito Administrativo, Direito do Entretenimento, Direito Eletrônico, Direito Empresarial e Direito Bancário. Autor de diversos obras de Direito do Trabalho.

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ROCHA, Marcelo. O fim das licitações para serviços jurídicos?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3515, 14 fev. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23712. Acesso em: 28 mar. 2024.