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Limites de atribuições legais dos pareceres da Procuradoria-Geral do Estado em Conselhos de Disciplina

Limites de atribuições legais dos pareceres da Procuradoria-Geral do Estado em Conselhos de Disciplina

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O parecer da PGE deve enfrentar tão somente a lisura e observância da legalidade da exclusão do praça a bem da disciplina, não podendo imiscuir-se no mérito do ato administrativo.

INTRODUÇÃO

O Conselho de Disciplina – CD, ato administrativo complexo, ante a intervenção de autoridades administrativas diversas (Oficiais membros, autoridade nomeante, Comandante – Geral da Brigada Militar, Procuradoria – Geral do Estado – PGE e Governador do Estado) enseja conflitos de atribuições e entraves burocráticos causados pela intrincada legislação que regula a matéria, ora a nível federal, ora estadual.

Arroga a PGE a prerrogativa de emitir parecer sobre a decisão tomada pelo Comandante – Geral da Brigada Militar nos CD, não somente no que tange a legalidade, mas também sobre o mérito da decisão tomada quanto à exclusão do praça a bem da disciplina, o que, demonstraremos, não encontra suporte na legislação pertinente.


DA COMPETÊNCIA DA PGE PARA EMITIR PARECER EM CONSELHO DE DISCIPLINA

 A Constituição do Estado do Rio Grande do Sul - CE, no seu art. 133, determina que o ato de exclusão do praça com estabilidade é do Governador do Estado[1].

Por sua vez, a CE no seu art. 115, IV determina que a PGE deva emitir parecer nos feitos disciplinares cuja decisão final seja atribuição do Governador do Estado.[2]

A clareza do dispositivo não deixa dúvida de que é condição de legalidade do processo administrativo referente ao CD que haja o parecer da PGE para a decisão final do Governador do Estado, porém, quais os limites deste ato administrativo: análise da legalidade ou, além desta, enfrentar o mérito e oportunidade da decisão de excluir o praça a bem da disciplina?

Fundamentaremos que o parecer da PGE deve enfrentar tão somente a lisura e observância da legalidade do CD, não podendo o Procurador do Estado imiscuir-se no mérito do ato administrativo, eis que não há previsão legal para esta verdadeira “avocação” do ato administrativo, o qual somente pode ser realizado intuito personae pelo Governador do Estado.


DA REGÊNCIA DO CD PELA LEGISLAÇÃO FEDERAL E ESTADUAL

O Estatuto dos Militares Estaduais, Lei Complementar 10.990/97 determina que seja aplicada a legislação federal (CD, Decreto Federal 71.500/72) no âmbito da Brigada Militar.[3]

Tal normatização segue a autorização conferida pela Constituição Federal quanto à exigência de lei especifica disciplinando a matéria, conforme a combinação dos art. 142, § 3º, X c/c 42.[4]

O Decreto Federal 71.500 prevê dois recursos no processo administrativo, um da decisão do colegiado e outro da decisão da autoridade nomeante.[5]

O Governador do Estado é a autoridade disciplinar máxima da corporação, conforme o art. 20 do RDBM (decreto estadual 43.245), podendo, caso discorde da decisão do Comandante – Geral da Brigada Militar, absolver, sancionar disciplinarmente o militar, mantendo-o no serviço ativo ou reformá-lo.

Entretanto, antes da decisão do Governador, está inserto no processo parecer da PGE, que, maxima venia, não possui o condão de análise do juízo de conveniência e oportunidade do ato administrativo, afeto às autoridades que possuem competência disciplinar no feito (colegiado, autoridade nomeante, Comandante – Geral da Brigada Militar e Governador do Estado).


PARECER: NÃO POSSUI CARATER VINCULANTE E NÃO PODE ENFRENTAR O MÉRITO DA DECISÃO DA AUTORIDADE ADMINISTRATIVA

O inciso IV do art. 115 da CE determina que a PGE deva realizar os processos administrativos disciplinares a que estiver afeto, por força de lei, o que não é caso do CD, limitando-se a emitir parecer nos feitos cuja decisão final seja do Governador do Estado.

Gasparini define parecer como sendo a fórmula segundo a qual certo órgão ou agente consultivo expede, fundamentadamente, opinião técnica sobre matéria submetida a sua apreciação.[6]

O inciso IV, in fine do art. 115 da CE não atribui ao parecer da PGE caráter vinculativo, ou seja, é mera opinião, que não pode impor a mudança de decisão de mérito administrativo, até porque não possui o Procurador do Estado autoridade disciplinar no processo do CD.

Veja-se que até a decisão final do Governador, a apreciação de eventual questionamento judicial quanto a decisão disciplinar é da Justiça Militar Estadual, o que evidencia que o Procurador do Estado não é autoridade administrativa disciplinar, não podendo emitir juízo de mérito e oportunidade.[7]

No caso, admitir a competência disciplinar a PGE em sede de CD estaria subvertendo a legislação federal e estadual que disciplina a matéria, pois não há competência disciplinar da PGE no processo administrativo disciplinar do CD.[8]


CONCLUSÃO

Diante do exposto, concluímos que a norma inserta no art. 115, IV, in fine, torna obrigatório o parecer a PGE no transcurso do CD que opina pela exclusão do praça a bem da disciplina, porém, não confere ao signatário competência disciplinar capaz de analisar ou modificar o juízo de conveniência e oportunidade do ato administrativo.


Notas

[1] Art. 133 - Compete ao Governador do Estado o ato de exclusão, a bem da disciplina, dos Praças com estabilidade. (Redação dada pela Lei Complementar n° 11.831/02).

[2] Art. 115 - Competem à Procuradoria-Geral do Estado a representação judicial e a consultoria jurídica do Estado, além de outras atribuições que lhe forem cometidas por lei, especialmente:

IV - realizar processos administrativos disciplinares nos casos previstos em lei, emitindo pareceres nos que forem encaminhados à decisão final do Governador;

[3] Art. 156 - Aplicam-se à Brigada Militar, no que couberem, o Regulamento Interno e dos Serviços Gerais do Exército (R/1), o Regulamento de Continências, Honra e Sinais de Respeito das Forças Armadas (R/2), o Regulamento de Administração do Exército (R/3), o Regulamento de Correspondência do Exército, o Conselho de Justificação (Lei nº 5.836/72) e o Conselho de Disciplina (Decreto federal nº 71.500/72).

[4] Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.

§ 3º Os membros das Forças Armadas são denominados militares, aplicando-se-lhes, além das que vierem a ser fixadas em lei, as seguintes disposições:

X - a lei disporá sobre o ingresso nas Forças Armadas, os limites de idade, a estabilidade e outras condições de transferência do militar para a inatividade, os direitos, os deveres, a remuneração, as prerrogativas e outras situações especiais dos militares, consideradas as peculiaridades de suas atividades, inclusive aquelas cumpridas por força de compromissos internacionais e de guerra.

Art. 42. Os membros das Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares, instituições organizadas com base na hierarquia e disciplina, são militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios.

§ 1º Aplicam-se aos militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios, além do que vier a ser fixado em lei, as disposições do art. 14, § 8º; do art. 40, § 9º; e do art. 142, §§ 2º e 3º, cabendo a lei estadual específica dispor sobre as matérias do art. 142, § 3º, inciso X, sendo as patentes dos oficiais conferidas pelos respectivos governadores.

[5] Art . 14. O acusado ou, no caso de revelia, o oficial que acompanhou o processo podem interpor recurso da decisão do Conselho de Disciplina ou da solução posterior da autoridade nomeante.

        Parágrafo único. O prazo para interposição de recurso é de 10 (dez) dias, contados da data na qual o acusado tem ciência da decisão do Conselho de Disciplina ou da publicação da solução da autoridade nomeante.

[6] GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. 6 ed. São Paulo – RT, 2001. p. 85

[7] Ementa: AGRAVO DE INSTRUMENTO. SERVIDOR PÚBLICO ESTADUAL. PROCESSO ADMINISTRATIVO BRIGADA MILITAR. ATO PUNITIVO MILITAR. INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA COMUM ESTADUAL. ART. 125, §§ 4º E 5º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. REDAÇÃO DA EMENDA CONSTITUCIONAL 45/04. Conforme preceitua o art. 125, §§ 4º e 5º, da CF/88, com a redação da EC 45/04, é incompetente a Justiça Comum para processar e julgar as demandas referentes a crimes militares, bem como infração disciplinar apurada em Processo Administrativo Disciplinar Militar. Regra de competência que guarda natureza absoluta em função da matéria. Anulação dos atos decisórios, com fulcro no art. 113, § 2º, do Código de Processo Civil. Precedente desta Câmara Cível. AGRAVO DE INSTRUMENTO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. (Agravo de Instrumento Nº 70038701579, Quarta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: José Luiz Reis de Azambuja, Julgado em 01/12/2010).

Ementa: SERVIDOR PÚBLICO. BRIGADA MILITAR. PRETENSÃO DE ANULAÇÃO DE ATO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. CONSELHO DE DISCIPLINA. INSTAURAÇÃO. PROCESSO DISCIPLINAR QUE TRANSFERIU O AUTOR PARA A RESERVA REMUNERADA. EPISÓDIOS DE EMBRIAGUEZ E INCOMPATIBILIDADE COM SEUS PARES. COMPETÊNCIA. Inteligência do art. 125, §§ 4º e 5º, da CF-88, com a redação determinada pela EC nº 45/04 (Reforma do Judiciário). As normas constitucionais e legais que regem a competência dos órgãos judiciários têm aplicação imediata. A nova regra de competência produz efeitos imediatos, a partir da publicação da EC nº 45/04, atingindo os processos em curso, tendo em vista a estatura constitucional da previsão, conferindo-lhe imutabilidade para excepcionar qualquer outro regramento. A legislação infraconstitucional nada poderá inovar a respeito. Por isso, a matéria alusiva ao poder disciplinar reservado aos comandantes militares está agora no âmbito da competência absoluta da Justiça castrense, que deverá decidir sobre a nulidade da instauração do Conselho de Disciplina contra o autor. SENTENÇA ANULADA. COMPETÊNCIA DECLINADA. (Apelação Cível Nº 70026151613, Terceira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Nelson Antônio Monteiro Pacheco, Julgado em 30/07/2009)

[8] Ementa: SERVIDOR PÚBLICO. SOLDADO TEMPORÁRIO DO CORPO VOLUNTÁRIO DE MILITARES INATIVOS CVMI PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. EXONERAÇÃO. ATO DISCRICIONÁRIO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. ART. 6º DA LEI 10.297/94. A exoneração do servidor militar temporário pode se dar a qualquer tempo, sendo que tal ato resulta do poder discricionário da administração consoante critérios de conveniência e oportunidade. O controle jurisdicional dos atos administrativos limita-se à análise da sua legalidade e legitimidade, sendo vedado ao julgador o exame do seu mérito. Do contrário, estar-se-ia admitindo a invasão da competência administrativa, o que afronta o princípio da separação dos poderes. DANO MORAL. INOCORRÊNCIA. Ausência de comprovação do dano moral que o autor alega teria sofrido em razão de perseguições ou constrangimentos durante o desempenho de suas funções, prova esta ônus do autor, a teor do art. 333, I, do Código de Processo Civil. NEGARAM PROVIMENTO AO APELO. UNÂNIME. (Apelação Cível Nº 70025410234, Quarta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Agathe Elsa Schmidt da Silva, Julgado em 25/03/2009)


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

COSTA, Rafael Monteiro. Limites de atribuições legais dos pareceres da Procuradoria-Geral do Estado em Conselhos de Disciplina. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3527, 26 fev. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23819. Acesso em: 29 mar. 2024.