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A Advocacia-Geral da União e os donos do poder.

Um breve ensaio sobre uma instituição essencial ao Direito e à Justiça brasileira, sob as luzes do magistério doutrinário de Raymundo Faoro

A Advocacia-Geral da União e os donos do poder. Um breve ensaio sobre uma instituição essencial ao Direito e à Justiça brasileira, sob as luzes do magistério doutrinário de Raymundo Faoro

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Pretende-se descortinar o papel da Advocacia Geral da União, sob a luz da clássica obra “Os Donos do Poder”, de Raymundo Faoro.

Resumo: Neste texto será feita uma abordagem da estrutura normativa da Advocacia-Geral da União a partir dos preceitos contidos na Constituição Federal e na sua pertinente legislação, com especial ênfase na Lei Complementar n. 73/1993 – Lei Orgânica da AGU. Para iluminar e viabilizar uma adequada compreensão do tema foi utilizada a clássica obra “Os Donos do Poder – formação do patronato político brasileiro”, de Raymundo Faoro[1], que demonstrou que na complexa experiência brasileira, o Estado tem sido o principal aliado dos poderosos, e que ele – o Estado – tem servido muito mais a interesses de uma pequena minoria de privilegiados em desfavor da grande maioria de necessitados. Descortinar o papel da AGU nesse quadro é o desafio que se pretende vencer.

Palavras-chave: Direito Constitucional. Estrutura Política. Advocacia-Geral da União. Os Donos do Poder. Raymundo Faoro.

SUMÁRIO: 1 Introdução. 2 Os donos do poder, segundo Raymundo Faoro. 3 A AGU: submissão ao Direito e à Justiça. 4 Considerações finais.


1 INTRODUÇÃO

O presente texto tem com objeto a AGU - Advocacia-Geral da União, função essencial à Justiça, a partir das categorias lançadas por Raymundo Faoro[2] em seu clássico “Os Donos do Poder – formação do patronato político brasileiro”[3]. O tema descansa sua justificativa no fato incontestável que a AGU tem ocupado papel de relevo na orientação e na defesa jurídica do Estado brasileiro, viabilizando juridicamente as escolhas governamentais e as decisões administrativas, com o aconselhamento prévio ou com a defesa posterior.

A finalidade do texto é a de defender, a partir da Constituição, o papel sobranceiro da AGU como instituição subordinada ao Direito e à Justiça. A hipótese levantada  é a de que os membros da AGU, como agentes do Estado na defesa de sua legalidade e legitimidade, devem receber o mesmo tratamento jurídico, no que pertinente, aos membros do MPU – Ministério Público da União e da DPU – Defensoria Pública da União, as outras instituições estatais essenciais e indispensáveis à Justiça e ao Direito.

Na construção deste texto, o caminho percorrido foi iluminado pela contribuição genial de Raymundo Faoro na citada obra “Os Donos do Poder”, na qual o eminente pensador demonstrou que herdeiros das virtudes e vícios dos portugueses, os brasileiros temos tido em nossa história um Estado que não tem servido à sociedade, mas se servido dela. Um Estado cujos “funcionários” se constituíram em um estamento diferenciado do povo, com privilégios e direitos que o povo suporta, mas que deles não se beneficia.

A pretensão do texto consiste em defender que uma AGU autônoma é indispensável para que o Estado Democrático de Direito, que é o Estado da Legalidade e da Legitimidade, possa se concretizar como um Estado voltado para a melhoria das condições de vida de todas as pessoas, de todo o povo.


2 OS DONOS DO PODER, SEGUNDO RAYMUNDO FAORO

Logo na epígrafe[4] de sua obra-prima, Raymundo Faoro adverte o perigo de ser herdeiro. No caso específico, o legado que o Brasil e os brasileiros recebemos de Portugal e dos portugueses. Segundo o autor, uma adequada compreensão do funcionamento e da estrutura do Estado brasileiro pressupõe analisar as origens e a dinâmica do Estado português, posto que da tradição lusitana herdamos os traços mais característicos do modo de ser e de agir das nossas instituições políticas e administrativas.

Segundo o citado autor, nas origens do reino de Portugal, forjado com luta, suor e sangue, a figura do rei, chefe político, econômico e militar, é predominante e imprime uma feição marcante no traço lusitano. Eis o rei, segundo Faoro:

O centro supremo das decisões, das ações temerárias, cujo êxito geraria um reino e cujo malogro lançaria à miséria um conde, impediu que, dispersando-se o poder real em domínios, se constituísse uma camada autônoma, formada de nobres proprietários. Entre o rei e os súditos não há intermediários: um comanda e todos obedecem. A recalcitrância contra a palavra suprema se chamará traição, rebeldia à vontade que toma as deliberações superiores. O chefe da heterogênea hoste combatente não admite aliados e sócios: acima dele, só a Santa Sé, o papa e não o clero, só há delegados sob suas ordens, súditos e subordinados.

Nessa trilha, continua Faoro, os cargos públicos ou reais eram dependentes do rei, de sua riqueza e de seus poderes, de sorte que a subordinação do exercente da função pública ao próprio rei era indiscutível. Para garantir essa subserviência era necessário ter a seu serviço o poder de julgar, pois do contrário o súdito ficar liberto da obediência. Assim, deter, vez mais, o predomínio do Direito e da Justiça, era uma necessidade para que o rei mantivesse o poder sobre os seus súditos, fossem aristocratas  fossem “homens comuns”.

Tenha-se que o rei disputava com a aristocracia e com o clero o predomínio sobre os “homens e mulheres comuns”. Para se viabilizar politicamente e para submeter à nobreza ao seu predomínio sobre os demais súditos, se fez necessário fortalecer o patrimônio do rei, de modo que ocorreu uma confusão entre o que seria próprio da Coroa e o que seria particular e público. Eis, segundo o autor, o germe do caráter patrimonialista do Estado.

Nada obstante fosse a monarquia portuguesa, na época inicial, uma “monarquia agrária” porquanto fosse da terra que se extraiam as principais fontes de riqueza, o rei percebeu a vitalidade econômica do comércio marítimo, de sorte que sobre essa atividade mercantil o rei passou a auferir receitas para o seu régio tesouro, como assinalou Raymundo Faoro.

O reino, adverte Faoro, com esteio na força militar, econômica e política, forjou uma estrutura jurídico-normativa formalista e supostamente racional que viabilizasse a obediência à Coroa.   Nessa estrutura normativa, direito deveria ser um instrumento que obtivesse uma disciplina e uma obediência dos “servidores públicos” ao rei. A administração era personalista. A “pena” do jurista, simbolizada pelo afamado João das Regras – mais pesada que o montante do soldado - seria indispensável para esse fortalecimento da estrutura burocrática do reino português, conquanto, as instituições não gozassem de campo próprio de atuação, visto que estavam subordinadas a poder do príncipe, capaz de decidir da vida e da morte, reminiscência próxima do rei-general, competente para julgar todos os soldados, recorda Faoro.

Essas aludidas características serviram de fundamentos sociais e espirituais na formação do Estado patrimonialista. Eis o preciso magistério de Raymundo Faoro:

A realidade econômica, com o advento da economia monetária e a ascendência do mercado nas relações de troca, dará a expressão completa a este fenômeno. Já latente nas navegações comerciais da Idade Média. A moeda – padrão de todas as coisas, medida de todos os valores, poder sobre os poderes – torna este mundo novo aberto ao progresso do comércio, com a renovação das bases de estrutura social, política e econômica. A cidade toma o lugar do campo. A emancipação da moeda circulante, atravessando países e economias até então fechadas, prepara o caminho de uma nova ordem social, o capitalismo comercial e monárquico, com a presença de uma oligarquia governante de outro estilo, audaz, empreendedora, liberta de vínculos conservadores. Torna-se possível ao príncipe e ao seu estado-maior organizar o Estado como se fosse uma obra de arte, criação calculada e consciente. As colunas tradicionais, posto que não anuladas ou destruídas, graças aos ingressos monetários, ao exército livremente recrutado e aos letrados funcionários da Coroa, permitem a construção de formas mais flexíveis de ação política, sem rígidos impedimentos ou fronteiras estáveis. É o Estado moderno, precedendo ao capitalismo industrial, que se projeta sobre o ocidente.

Segundo Faoro as categorias que marcaram as feições de um estado tipicamente feudal não ocorreram em Portugal nem no Brasil, uma vez que não houve uma superposição de uma camada de população sobre outra dotada uma de cultura diversa. O chamado feudalismo português e brasileiro, explicita Faoro, não é, na verdade, outra coisa do que a valorização autônoma, truncada, de reminiscências históricas, colhidas, por falsa analogia, de nações de outra índole, sujeitas a outros acontecimentos, teatro de outras lutas e diferentes tradições. Patrimonialista e não feudal foi o Estado português com ecos na construção do Estado brasileiro, na qual uma ordem burocrática, com o soberano sobreposto ao cidadão na qualidade de chefe para funcionário.

Nessa toada, continua Faoro, o capitalismo, dirigido pelo Estado, impedindo a autonomia da empresa, ganhará substância, anulando a esfera das liberdades públicas, fundadas sobre as liberdades econômicas, de livre contrato, livre concorrência, livre profissão, opostas, todas, aos monopólios e concessões reais.

Esse capitalismo de Estado impedirá o florescimento do capitalismo industrial. A atividade industrial, segundo Faoro, quando emerge, decorre de estímulos, favores, privilégios. Na península ibérica e nos seus herdeiros, o capitalismo é dependente do Estado.

Nesse processo de consolidação suprema do reino português, o chefe de Estado desempenhava as funções de banqueiro da nação, sócio e animador das exportações. Um traço marcante do reino consiste no aspecto de que a burguesia mercantil lusitana se instala dentro do Estado, mas sobre ela havia uma cabeça coroada, recorda Faoro.

Segundo Raymundo Faoro, na elaboração da estrutura normativa do Estado sobressai o trabalho minucioso de João das Regras, tido como o grande arquiteto jurídico do reino português, pois o aparelhamento do Estado, de acordo com as contingências e necessidades, é pensado, escrito, racionalizado e sistematizado pelos juristas reinóis.

Nesse cenário, alude Faoro o surgimento de um estamento político ou governamental, que se constitui sempre uma comunidade, embora amorfa, conquanto os seus membros pensem e ajam conscientemente de pertence a um mesmo grupo, a um círculo elevado, qualificado para o exercício do poder. Continua Faoro que a situação estamental, a marca do indivíduo que aspira aos privilégios do grupo, se fixa no prestígio da camada, da honra social que ela infunde sobre toda a sociedade. Ensina Faoro que no estamento, ao contrário do que sucede na classe onde vinga a igualdade das pessoas, ocorre que um grupo de membros se eleva calcado na desigualdade social. O pertencente do estamento visa se diferenciar dos não pertencentes.

Adverte Faoro que o membro letrado do estamento, especialmente o novo aristocrata que é o jurista, se apropria da Fazenda, da Justiça e da Administração Superior. Constitui-se em uma comunidade de dependentes da Coroa que levará à degradação da burocracia estatal. Essa nova aristocracia de juristas forja complexas relações, pois o conglomerado de direitos e privilégios, enquistados no estamento, obriga o rei, depois de suscitá-lo e de nele amparar, a lhe sofrer o influxo, e a ação real se fará por meio de pactos, acordos, negociações, posto que no seu seio haverá a luta permanente na caça ao predomínio de uma facção sobre a outra. Continua Faoro que a teia jurídica que o envolve não tem o caráter moderno de impessoalidade e generalidade, pois a troca de benefícios é a base da atividade pública, dissociada em interesses reunidos numa única convergência: o poder e o tesouro do rei.

Registra Faoro que com a expansão marítima houve a expansão burocrática do Estado português. Essa aludida expansão ocorre no marco de um capitalismo politicamente orientado, estruturado sobre o estamento, que não haure energia íntima para se renovar, tornar-se flexível e ensejar a empresa livre. O estamento, assinala Raymundo Faoro, cada vez mais de caráter burocrático, filho legítimo do Estado patrimonial, ampara a atividade que lhe fornece os ingressos, com os quais alimenta sua nobreza e seu ócio de ostentação, auxilia os sócios de suas empresas, estabilizando a economia, em favor do direito de dirigi-la, de forma direta e íntima. São promíscuas as relações burocráticas estamentais.

Raymundo Faoro é mordaz quando revela a discrepância entre a prática e o pensamento, que infunde a suspeita de hipocrisia nas camadas dominantes encharcadas de ideais éticos e com os pés afundados na mercancia. O mercantilismo empírico português, herdado pelo Estado brasileiro, vaticina Faoro, fixou-se num ponto fundamental, inseparável de seu conteúdo doutrinário, disperso em corrente, facções e escolas acentua o papel diretor, interventor e participante do Estado na atividade econômica. O Estado, reverbera Faoro, organiza o comércio, incrementa a indústria, assegura a apropriação da terra, estabiliza preços, determina salários, tudo para o enriquecimento da nação e o proveito do grupo que a dirige. Aqui a nação não é o povo, mas o próprio Estado.

Nessa toada, com visão profética, registra Faoro que o funcionário está por toda parte, dirigindo a economia, controlando-a e limitando-a a sua própria determinação. Uma realidade política se entrelaça numa realidade social na qual o cargo confere fidalguia e riqueza, de modo que a venalidade acompanha o titular, preocupado em se perpetuar no exercício da parcela do poder que o acompanha, que tem a expressão completa desta triste comédia na revelação de uma arte, a arte de furtar.

Denuncia Faoro que nesse modelo se estrutura o patrimonialismo, organização básica, fechada sobre si mesma com o estamento, de caráter marcadamente burocrático, mas burocracia não no sentido moderno, como aparelhamento racional, mas da apropriação do cargo carregado de poder próprio, articulado com o príncipe, sem a anulação da esfera própria de competência, pois em vez de subordinado à lei, é dependente do rei. Nesse traço a valiosa passagem de Raymundo Faoro:

O rei é o bom príncipe, preocupado com o bem-estar dos súditos, que sobre eles vela, premiando serviços e assegurando-lhes participação nas rendas. Um passo mais, num reino onde todos são dependentes, evocará o pai do povo, orientado no socorro aos pobres. Ao longe, pendente sobre a cabeça do soberano, a auréola carismática encanta e seduz a nação. O sistema de educação obedece à estrutura, coerentemente: a escola produzirá os funcionários, letrados, militares e navegadores. Mas os funcionários ocupam o lugar da velha nobreza, contraindo sua ética e seu estilo de vida. O luxo, o gosto suntuário, a casa ostentatória são necessários à aristocracia. O consumo improdutivo lhes transmite prestígio, prestígio como instrumento de poder entre os pares e o príncipe sobre as massas, sugerindo-lhes grandeza, importância, força.

Esta realidade, impedindo a calculabilidade e a racionalidade, tem efeito estabilizador sobre a economia. Dela, com seu arbítrio e seu desperdício de consumo, não flui o capitalismo industrial, nem com este se compatibiliza. O capitalismo possível será o politicamente orientado – a empresa do príncipe para a alegria da corte e do estado-maior de domínio que a aprisiona. A indústria, a agricultora, a produção, a colonização será obra do soberano, por ele orientada, evocada, estimulada, do alto, em benefício nominal da nação. Onde há atividade econômica lá estará o delegado do rei, o funcionário, para compartilhar de suas rendas, lucros, e, mesmo, para incrementá-la. Tudo é tarefa do governo, tutelando os indivíduos, eternamente menores, incapazes ou provocadores de catástrofes, se entre a si mesmos. O Estado se confunde com o empresário, o empresário que especula, que manobra cordéis do crédito e do dinheiro, para favorecimento dos seus associados e para desespero de uma pequena faixa, empolgada com  exemplo europeu.

Essa situação, conforme Raymundo Faoro, leva à decadência de Portugal, pois os netos dos conquistadores de dois mundos podem, sem desonra, consumir no ócio o tempo e a fortuna, ou mendigar pelas secretarias um emprego; o que não podem, sem indignidade, é trabalhar. O estamento, denuncia Faoro, configura o governo de uma minoria, que exerce o poder em nome próprio e que ora pela astúcia ora pela violência, com a mão suave ou com a mão severa, mantém a nação (povo) no limite do jugo tolerável.

Sobre a clivagem entre nação e estamento diz Faoro:

O estamento como categoria autônoma, superior à sociedade, emancipado do caudal triturador da história – este o problema não solvido. Quatro séculos de hesitações e de ação, de avanços e recuos, de grandeza e de vacilação serão a resposta de um passado teimosamente fixado na alma da nação. Estado e nação, governo e povo, dissociados e em velado antagonismo, marcham em trilhas próprias, num equívoco renovado todos os séculos, em contínua e ardente procura recíproca.

O Brasil, segundo Faoro, ao ser descoberto e criado pelos portugueses dá ensejo não só a um mundo novo, mas a um mundo diferente, que propiciaria a invenção de modelos de pensar e de agir. O povoamento, recorda Faoro, com a mistura das raças – só aceitável pela gente baixa, mais atenta à vida melhor do que a honra social – confundia-se com a democrática organização da cidade, com os cargos locais atribuídos à gente do povo, de sorte que as relações raciais se submetem a um quadro mais vasto, tecido pelas relações sociais.

O processo colonizatório, segundo Faoro, toma o aspecto de uma vasta empresa comercial, mais complexa que a antiga feitoria, mas sempre com o caráter que ela,  destinada a explorar os recursos naturais de um território virgem em proveito do comércio europeu. Assinala Faoro que a realidade econômica e social se articulará num complexo político que governa as praias e atravessa os sertões, por meio do financiamento aos meios de produção, sobretudo do escravo, e dos vínculos aos compradores europeus. Na essência, arremata Faoro, um território a devorar, sob os dentes agudos e as garras flexíveis dos guerreiros, capitães e juristas, na qual a ordem política, administrativa e jurídica, representada nas armadas, nos homens de presa, nos burocratas, que precederia, orientaria, conduziria a conquista econômica.

Segundo Faoro, fazendo a distinção entre a colonização inglesa na parte setentrional do continente americano e a colonização portuguesa nos trópicos, o inglês fundou na América uma pátria, enquanto que o português fundou um prolongamento do Estado. Acentua Faoro que o inglês trouxe a sua mulher para a colônia, ao contrário do português, que a esqueceu, preocupado com a missão de guerra e de conquista, adequada ao homem solteiro. Assim, assinala Faoro, a mulher sem o cuidado do ócio, para a qual o escravo supria os trabalhos domésticos, ao trato com empregados.  Os casais, recorda Faoro, recebiam das companhias colonizadoras o dobro das terras, sugerindo o trabalho duplo, no arado e no cuidado da choupana. Nessa perspectiva, arremata Faoro, a família não sofreu, com a ausência do ócio feminino, a marca patriarcal, a nobreza poligâmica, a complascência da miscigenação e, continua Faoro, as relações inter-raciais não se suavizaram, fechadas as oportunidades do priápico aproveitamento do indígena.

Nessas bases estão fundadas, segundo Raymundo Faoro, as raízes do Brasil, tanto de sua sociedade quanto de seu Estado. Esse modelo social e estatal tem a violência institucionalizada como uma de suas características. Faoro informa que no processo de colonização não houve nenhuma comunicação, nenhum contacto, nenhuma onda vitalizadora flui entre o governo e a população e que a ordem se traduz na obediência passiva e no silêncio. Daí, segundo Faoro, não admira que, duzentos anos depois, as liberdades públicas só existam para o divertimento de letrados, agarrados aos sonhos que o litoral traz de outros mundos.

Informa Raymundo Faoro que a administração municipal local, a única parcialmente brasileira, será apenas autônoma para pequenas obras, uma ponte uma estrada vicinal, de sorte que a sociedade não se lusitanazirá no seu processo de tomada de consciência, nem apropriará, no seu conteúdo, o papel do governo como expressão das necessidades e anseios coletivos, numa dependência morta, passiva e estrangulada.

Esse colonial Estado português enraizado no Brasil é assim explicitado por Faoro:

O Estado não é sentido como protetor dos interesses da população, o defensor das atividades dos particulares. Ele será, unicamente, monstro sem alma, o titular da violência, o impiedoso cobrador de impostos, o recrutador de homens para empresas com as quais ninguém se sentirá solidário. Ninguém com ele colaborará – salvo os buscadores de benefícios escusos e de cargos públicos, infamados como adesistas a uma potência estrangeira. Os senhores territoriais, a plebe urbana cultivam, na insubmissão impotente, um oposicionamento difuso, calado, temeroso da reação draconiana. Cria-se, em toda parte, o sentimento de rebeldia informe, que se traduz em estranho conflito interior com a vontade animosa na propaganda e na palavra, débil na ação e arrependida na hora das consequências. O inconfidente é bem o protótipo do homem colonial: destemperado e afoito na conspiração, tímido diante das armas e, frente ao juiz, herege que renuncia ao pecado, saudoso da fé. Ao sul e ao norte, os centros de autoridade são sucursais obedientes de Lisboa: o Estado, imposto à colônia antes que ela tivesse povo, permanece íntegro, reforçado pela espada ultramarina, quando a sociedade americana ousa romper a casca do ovo que a aprisiona. A colônia prepara, para os séculos seguintes, uma pesada herança, que as leis, os decretos e os alvarás não lograrão dissolver.

Na esteira de Faoro, essa estrutura colonial de poder se completa na presença de quatro figuras que acentuam e reforçam a autoridade metropolitana e real:  o juiz, o cobrador de tributos, o militar e o padre. Dominar os corpos, as almas e as propriedades. Sobre o fiscalismo e a exploração fecha-se o círculo, denuncia Faoro. O produto enche os bolsos da camada aristocrática e mercantil que suga o Estado, monopoliza o luxo e ostenta de cabedais sem raízes, de modo que tudo circula sobre si mesmo, incapaz o sistema de alimentar empreendimentos produtivos, de fixação na indústria ou na agricultura metropolinas. É um Estado de poucos privilegiados e de muitos abandonados.

Nesse cenário de poucos privilegiados, segundo Raymundo Faoro, ganha especial destaque o bacharel, especialmente o jurista. A educação, em vez de ser voltada para a produção de riquezas, privilegia o saber fútil, a retórica vazia e a instrução de veleidades, com os seus encantos poéticos. Esse tipo de Estado se avoca como entidade divina, que tudo sabe, administra e provê, que torna o súdito dependente e carente da boa vontade do poder, pois ele tem confiança de que nos momentos de agonia o Estado providencialmente lhe socorrerá. Nesse modelo, o povo não tem capacidade para os negócios da vida, é preciso um grupo de eleitos que saiba o que seja o melhor e o necessário para o povo. É necessário um Estado que saiba o que a sociedade quer e precisa. Raymundo Faoro demonstra, inclusive, que o empresário no Brasil quer o amparo e a proteção do Estado, pois enfrentar a livre competição e a livre concorrência, seja interna, seja internacional, poderia reduzir os seus ganhos e a sua sobrevivência. Cabe ao Estado proteger a empresa e o empresário nacional.

No capítulo final de seu clássico ensaio, Raymundo Faoro assinala com aguda precisão:

O estamento burocrático desenvolve padrões típicos de conduta ante a mudança interna e no ajustamento à ordem internacional. Gravitando em órbita própria não atrai, para fundir-se, o elemento de baixo, vindo de todas as classes. Em lugar de integrar, comanda; não conduz, mas governa. Incorpora as gerações necessárias ao seu serviço, valorizando pedagógica e autoritariamente as reservas para seus quadros, cooptando-os, com a marca de seu cunho tradicional. O brasileiro que se distingue há de ter prestado sua colaboração ao aparelhamento estatal, não na empresa particular, no êxito dos negócios, nas contribuições à cultura, mas numa ética confuciana do bom servidor, com carreira administrativa e curriculum vitae aprovado de cima para baixo. A vitória no mundo social, fundada na ascética intramudana do esforço próprio, racional, passo a passo, traduz, no desdém geral, a mediocridade incapaz das ambições que visam à glória, no estilo que lhe conferiu Montesquieu.

Diante desse quadro descortinado por Raymundo Faoro, é de ver que na complexa e rica história social do poder institucionalizado no Brasil, herdeiro dos vícios e virtudes de Portugal, muitos têm sido os verdadeiros donos do poder e poucos têm sido os grandes beneficiários desse poder, de um poder que em vez de servir ao povo, serve-se dele, de um Estado que em vez servir à sociedade, serve-se dela.

É nesse dramático panorama que se insere a Constituição Federal de 1988, que visa romper essa tradição de o Estado maior que a sociedade e de um povo subalternizado pelo poder institucionalizado, que tem na Advocacia-Geral da União, uma instituição essencial ao direito e à justiça para a sociedade e para o Estado brasileiro, um órgão que deve velar pela legitimidade e pela licitude das escolhas políticas e das decisões administrativas do governo brasileiro, de modo que seja todo o povo brasileiro o verdadeiro e soberano dono do poder.


3 A AGU: SUBMISSÃO AO DIREITO E À JUSTIÇA

A Advocacia-Geral da União é uma criação formal da Constituição Federal de 1988, consubstanciada no seu art. 131, §§ 1º, 2º e 3º.[5] Materialmente, a missão de defender o governo nacional e de aconselhar, orientar e assessorar o Poder Executivo sempre existiu, desde a consolidação de uma estrutura político-admnistrativa no Brasil. Com efeito, todo governante necessita dos préstimos de um jurista.

Recorda-se que nos termos da Lei 12.636/2012, o Dia Nacional da Advocacia Pública será comemorado no dia 7 de março. Nesse dia e mês, mas no longínquo ano de 1609, foi criado o cargo de Procurador dos Feitos da Coroa, da Fazenda e do Fisco. Podemos dizer que onde se ergue o poder do Estado estende-se a sombra do jurista governamental, em paráfrase a Aliomar Baleeiro.

Tenha-se, conforme aludiu Raymundo Faoro, que o famoso João das Regras[6] pode ser visto como o antecedente remoto das funções que hoje competem, no plano federal ou nacional, ao Advogado-Geral da União: aconselhar e defender juridicamente o Estado brasileiro.

Como é de sobejo conhecimento, a AGU está constitucionalmente regulada no capítulo das Funções Essenciais à Justiça (arts. 127 a 135, CF), ao lado e no mesmo plano de relevância política, social e normativa do Ministério Público e da Defensoria Pública, sem mencionar a própria advocacia, mas aqui não se insere por não se tratar de instituição estatal, diferentemente das outras duas assinaladas.

É sempre de bom alvitre frisar que no regime constitucional decaído a atribuição para representar e defender judicialmente a União Federal competia ao Ministério Público Federal. O aconselhamento e a orientação jurídica competiam à Consultoria-Geral da República. É de ver, portanto, e sem maiores esforços, que a AGU herdou do MPF a competência para defender judicialmente a União Federal e da CGR herdou a competência para orientar e assessorar o Poder Executivo. O Advogado-Geral da União nasceu de atribuições do Procurador-Geral da República e de atribuições do Consultor-Geral da República.

No Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição de 1988, art. 29, fica claro o vínculo umbilical entre MPF e AGU. Na Lei Complementar n. 73/1993, Lei Orgânica da AGU, consta a extinção do cargo de Consultor-Geral da República substituído que pelo Advogado-Geral da União nas suas atribuições de órgão mais elevado na orientação, no assessoramento e no aconselhamento do Presidente da República.

Nessa toada, naquilo que for possível e pertinente, como corolário lógico deve ser estendido aos membros da AGU o mesmo regime jurídico e o mesmo tratamento normativo dos membros do MPU. Isso porque similares são as atribuições dessas carreiras. Os membros do MPU defendem e representam os interesses da sociedade. Os membros da AGU defendem e representam os interesses do Estado/Governo. Aos membros da DPU também se aplica essa aludida extensão, pois eles defendem e representam os interesses dos mais carentes e necessitados. Na essência, essas três instituições estatais são funções essenciais e necessárias ao Direito e à Justiça. Não há grau de importância nem de relevância entre elas, segundo o texto constitucional. Daí porque, à luz do texto constitucional, a remuneração do Procurador-Geral da República deve ser praticamente igual à do Advogado-Geral da União e à do Defensor-Geral da União. E, em homenagem à simetria constitucional, a remuneração inicial dos membros da AGU, dos membros do MPU e dos membros da DPU também deve ser praticamente a mesma.

Cuide-se, todavia, que o reconhecimento dessa similitude constitucional implicará ônus e bônus. Com efeito, os membros do MPU, dentre outras vedações, não podem ter atividade político-partidária nem podem receber honorários advocatícios, pois são representantes típicos do Estado. Se aos membros da AGU forem estendidos similares direitos, deverão ser estendidos similares deveres e proibições. Quem quer similares bônus deve estar disposto a arcar com similares ônus.

E por que os membros da AGU deveriam ser tratados como exercentes de carreiras típicas de Estado? Para que possam atuar com submissão apenas ao Direito e à Justiça, como verdadeiros e confiáveis advogados, seja na defesa seja no aconselhamento jurídico. Para que possam agir com desassombro e sem receios na orientação e na defesa jurídica dos órgãos governamentais.

O Estado Democrático de Direito é o Estado da legalidade e da legitimidade. O advogado público desse Estado é o profissional que velará por essa legítima legalidade. Mas essa submissão ao Direito e à Justiça implica contrariar as escolhas políticas realizadas pelos governantes ou contrariar às decisões administrativas tomadas pelos gestores públicos? A resposta é negativa.  Mas se essas escolhas ou decisões forem contrárias ao Direito e à Justiça, o advogado público deve negar a sua chancela jurídica, como se fosse uma objeção de consciência.

A rigor, antes de o governante fazer a escolha política ou de o gestor tomar a decisão administrativa, deverá consultar o competente advogado público, pois compete ao advogado público indicar os caminhos normativos e as soluções jurídicas para viabilizar tais escolhas políticas dos governantes ou as decisões administrativas dos gestores.

Deve-se, no entanto, partir do pressuposto de que no Estado Democrático de Direito os governantes e os gestores não façam escolhas nem tomem decisões que sejam manifesta e acintosamente contrárias ao Direito e à Justiça.  Mas o que seria uma escolha política ou decisão administrativa flagrantemente violadora do Direito e da Justiça? Seria aquela que sem maiores esforços e disceptações fossem ilegais ou inconstitucionais, ou ilegítimas, ou alucinada e delirantemente contrárias aos sentimentos de decência das pessoas. Ou seja, inadequadas, incompatíveis, desnecessárias e inaceitáveis socialmente.

Exemplos desses despautérios políticos ou administrativos? A escravidão das pessoas. A subalternização da mulher ou de qualquer outro ser humano. A eliminação dos portadores de deficiências ou dos idosos em idade avançada ou de doentes incuráveis. A autorização de relações sexuais forçadas. A autorização da pedofilia. O abandono dos filhos menores ou dos pais velhos. Ou seja, um direito ou uma política de “nazistas”.

Isso implica dizer que se a escolha política do governante ou a decisão administrativa do gestor não for alucinadamente ilícita ou ilegítima, o advogado público não pode ser furtar a dar necessária justificativa normativa e a indispensável orientação e defesa jurídica. O Estado e o Governo devem receber orientação jurídica e devem ter direito a defesa e representação judicial. Tenha-se, por oportuno e necessário, que o advogado público deve ter autonomia para fazer a análise jurídico-normativa acerca da licitude e legitimidade dos atos estatais.

Se acaso o advogado público se demitir desse dever funcional, o Estado e o Governo deverão buscar fora dos quadros da advocacia pública o aconselhamento e a defesa jurídica. Por isso que, dentro das largas margens do Direito e da Justiça, compete ao advogado público assessorar ou defender juridicamente o Estado.

Direito e Justiça devem ser as colunas de sustentação da AGU, devem ser as pautas de orientação dos seus membros. Direito entendido como a possibilidade de fazer a coisa conforme o ordenamento jurídico. Justiça entendida como o dever de fazer a coisa certa e de evitar a coisa errada. Somente pode agir conforme o Direito e à Justiça sem se vergar aos desmandos dos governantes ou dos gestores quem tem autonomia para essa tarefa. É prerrogativa funcional indeclinável dos membros da AGU a submissão ao Direito e à Justiça.

Na estrutura dos órgãos componentes da AGU, há um componente desestabilizador, que são os cargos de confiança[7]. Que tipo de confiança? Confiança de quem? Confiança técnica e profissional? Confiança ideológica? Confiança pessoal e afetiva? A rigor, em homenagem ao postulado republicano, e aos princípios da impessoalidade, da moralidade e da eficiência, a confiança há de ser técnica e profissional e, a depender da função, ideológica. Nunca deverá ser pessoal ou afetiva.

Com efeito, a existência de cargos de confiança no seio da AGU tem provocado distorções comportamentais em algumas pessoas que ocupam esses cargos, e não querem abrir mão deles de modo algum, ou em alguns que sonham em ser abençoados por esse “regalo”. É perceptível o comportamento subserviente e serviçal de não poucos entre aqueles que sonham com tão almejado “prêmio”. Isso tem tornado patológico e indecente a postura de muitos daqueles que já ocupam esses cargos. Ou dos que sonham vir ocupá-los.

Qual a posologia para essa doença decorrente da magia ou do fetiche do DAS ou do NES? Uma dose seria diminuir o atrativo remuneratório e as vantagens funcionais entre os seus beneficiários e os não beneficiários, pois isso evitaria um sentimento de pretensa e suposta superioridade dos que têm em relação aos que não têm. Na mesma via, mas em sentido oposto, evitar o sentimento de inferioridade que não poucos dos que não têm o DAS ou NES possuem. Não são poucos os que se comportam como sabugos subservientes em face dos que possuem um DAS ou NES.

Outra dose desse remédio consistiria no mandamento republicano temporal. Ninguém pode ocupar um cargo de confiança por mais do que 4 anos, no máximo, no máximo 8 anos, que seria equivalente a dois mandatos presidenciais. Isso quer dizer que todo aquele exerce o mesmo cargo de confiança há mais de 4 anos, e excepcionalmente há mais de 8 anos, está em flagrante violação do citado postulado republicano. Na República os cargos não são eternos nem permanentes, mas deverão ser exercidos dentro de certo prazo.

Pode-se objetar que o ocupante do cargo de confiança é insubstituível e indispensável e que não há ninguém na AGU capaz de exercer as mesmas funções. Na administração pública ninguém é indispensável e insubstituível. Cuide-se que não raras vezes para permanecer no cargo de confiança ou para vir a lhe ocupar o interessado é capaz de cometer atos contrários ao Direito e à Justiça, com uma postura indecente e incompatível com a dignidade da função de advogado publico. Raymundo Faoro já advertira sobre esse perfil de alguns burocratas que servem ao Estado.

A carreira de membro da AGU é relevante, por ser essencial ao Direito e à Justiça, e os seus cargos devem ser ocupados por pessoas decentes, tecnicamente qualificadas, que estejam imbuídas do espírito de servir à sociedade, exercendo com honra e denodo o seu múnus advocatício.

Todos os membros da AGU devem ser pessoas honradas, insuspeitas e contaminadas pelo desejo de servir ao Estado, com submissão ao Direito e à Justiça. A chefia da AGU deve ser exercida por um advogado (ou advogada) de notável saber jurídico e reputação ilibada. A sua escolha é prerrogativa do Presidente da República, que deve colher no cenário jurídico um nome à altura dessa elevada função. O critério de escolha não pode ser apenas a confiança, docilidade e submissão do Advogado-Geral, mas há de ser a competência jurídica e a respeitabilidade moral. Não podem pairar dúvidas ou suspeitas sobre o caráter nem sobre a capacidade técnica do AGU. Também não pode o AGU ser um ingênuo facilmente ludibriado por seus assessores de confiança. A AGU não é lugar para ingênuos enganados pelos amigos.

Raymundo Faoro foi um advogado público. O Presidente da República poderia tomar isso como bússola. No momento de nomear o AGU que a escolha recaia sobre um nome que seja tão respeitado e tão brilhante como o de Raymundo Faoro. Isso já ocorreu.

Recorde-se que Evandro Lins foi Procurador-Geral da República. E que Victor Nunes Leal foi Consultor-Geral da República. Apenas para ficar com dois ídolos caídos. O AGU é o herdeiro dessa rica tradição. Tendo a AGU à sua frente  um ministro-chefe com a força intelectual e moral de um “Raymundo Faoro” ou de um “Evandro Lins” ou de um “Victor Nunes Leal”, a instituição teria um líder à altura das graves responsabilidades do cargo e imensa respeitabilidade da função.

Com efeito, com um Advogado-Geral da União do porte desses mencionados gigantes do direito, e com membros da AGU combativos e intimoratos, aumentariam as chances de o povo vir a ser um dos “donos do poder” no Brasil.


4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Na experiência política brasileira, parcialmente herdada dos portugueses, o Estado tem sido mais forte que a sociedade, servindo de poderoso aliado para alguns setores privilegiados em desfavor da imensa maioria do povo brasileiro, segundo Raymundo Faoro.

Os membros da AGU devem receber, no que for possível e pertinente, o mesmo tratamento normativo dispensado aos membros do MPU e da DPU, especialmente no tocante à remuneração, direitos e deveres, pois essas três instituições devem servir ao Direito e à Justiça, com desassombro e coragem.

O Advogado-Geral da União deve ser uma pessoa decente e respeitável, tanto no aspecto técnico quanto no aspecto ético.  Com os membros da AGU subordinados apenas ao Direito e à Justiça aumentam as chances de o Estado brasileiro se concretizar como Democrático (legítimo) e de Direito (legal), de modo a servir à sociedade, em vez de servir-se dela, pois o verdadeiro e legítimo titular do poder é ele: o povo.


Notas

[1] Raymundo Faoro, gaúcho de Vacaria, nascido em 27.4.1925, falecido em 15.5.2003. Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Foi advogado e pensador político. Foi procurador do Estado do Rio de Janeiro e Presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (1977-1979). Foi membro da Academia Brasileira de Letras. Autor dos seguintes livros: “Os Donos do Poder – formação do patronato político brasileiro”; “Machado de Assis – a pirâmide e o trapézio”; “Assembleia Constituinte – a legitimidade resgatada”; “Existe um pensamento político brasileiro?”; e “A democracia traída – entrevistas”.

[2] Raymundo Faoro é tido como um dos mais geniais e originais intérpretes do Brasil, possuidor de uma densa e relevante obra acadêmica. Sobre Raymundo Faoro e suas produções intelectuais há vários livros, artigos, ensaios, teses, dissertações e monografias. Exemplos: “Raymundo Faoro e o Brasil” e “Raymundo Faoro”.

[3] A obra “Os Donos do Poder – formação do patronato político brasileiro” é um dos maiores clássicos do pensamento político nacional, na qual o autor utilizando das categorias de Max Weber analisa, a partir da experiência portuguesa, a estrutura e o funcionamento do Estado brasileiro.

[4] Nicht nur der Vernunft von Jahrtausenden – auch ihr Wahnsinn na uns aus. Gefährlich ist es, Erbe zu sein.

[5] Art. 131. A Advocacia-Geral da União é a instituição que, diretamente ou através de órgão vinculado, representa a União, judicial e extrajudicialmente, cabendo-lhe, nos termos da lei complementar que dispuser sobre sua organização e funcionamento, as atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo.

§ 1º. A Advocacia-Geral da União tem por chefe o Advogado-Geral da União, de livre nomeação pelo Presidente da República dentre cidadãos maiores de trinta e cinco anos, de notável saber jurídico e reputação ilibada.

§ 2º. O ingresso nas classes iniciais das carreiras da instituição de que trata este artigo far-se-á mediante concurso público de provas e títulos.

§ 3º. Na execução da dívida ativa de natureza tributária, a representação da União cabe à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, observado o disposto em lei.

[6] Nascido em Lisboa entre 1340 e 1345, o Dr. João das Regras estudou Leis e Direito em Bolonha, em cuja universidade dominavam as doutrinas favoráveis à realeza e à burguesia e de oposição ao poder feudal. Esta corrente favorecia o acesso a cargos públicos aos letrados burgueses em contraposição à grande nobreza feudal. Nomeado reitor da Universidade de Lisboa, aquando da crise de 1383-1385 coloca-se ao lado do Mestre de Avis. Nas Cortes de Coimbra de 1385 vai ser o elemento fundamental da eleição do Mestre de Avis como rei de Portugal. Com a sua eloquência e bem elaborada argumentação, começa por declarar que o trono de Portugal está vago porque não havia herdeiros legítimos entre os candidatos. Em seguida apresentou os prós e os contras das várias candidaturas, concluindo que o Mestre de Avis era o único que merecia ser rei porque nele coincidiam todas as virtudes que um descendente real deveria ter. Muitos dos indecisos ficaram convencidos com tal argumentação e pronunciaram-se a favor de D. João I como rei de Portugal. Participou ainda na Batalha de Aljubarrota.Cumulativamente com o cargo de reitor vitalício da Universidade de Lisboa, João das Regras foi nomeado chanceler-mor até ao fim da sua vida. Dedicou-se à elaboração da nova legislação do reino, que visava o fortalecimento do poder real, estando na génese do que viria a ser a Lei Mental, publicada por D. Duarte.Veio a falecer em Lisboa, em 1404. João das Regras. In Infopédia [Em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2013. [Consult. 2013-03-21].  Disponível na www: <URL: http://www.infopedia.pt/$joao-das-regras>.

[7] Os cargos de confiança atrativos são os N.E.S. -  Cargo de Natureza Especial e os D.A.S. – Direção e Assessoramento Superior.


Autor

  • Luís Carlos Martins Alves Jr.

    Luís Carlos Martins Alves Jr.

    Piauiense de Campo Maior; bacharel em Direito, Universidade Federal do Piauí - UFPI; doutor em Direito Constitucional, Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG; professor de Direito Constitucional, Centro Universitário do Distrito Federal - UDF; procurador da Fazenda Nacional; e procurador-geral da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico - ANA. Exerceu as seguintes funções públicas: assessor-técnico da procuradora-geral do Estado de Minas Gerais; advogado-geral da União adjunto; assessor especial da Subchefia para Assuntos Jurídicos da Presidência da República; chefe-de-gabinete do ministro de Estado dos Direitos Humanos; secretário nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente; e subchefe-adjunto de Assuntos Parlamentares da Presidência da República. Na iniciativa privada foi advogado-chefe do escritório de Brasília da firma Gaia, Silva, Rolim & Associados – Advocacia e Consultoria Jurídica e consultor jurídico da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil - CNBB. No plano acadêmico, foi professor de direito constitucional do curso de Administração Pública da Escola de Governo do Estado de Minas Gerais na Fundação João Pinheiro e dos cursos de Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais - PUC/MG, da Universidade Católica de Brasília - UCB do Instituto de Ensino Superior de Brasília - IESB, do Centro Universitário de Anápolis - UNIEVANGÉLICA e do Centro Universitário de Brasília - CEUB. É autor dos livros "O Supremo Tribunal Federal nas Constituições Brasileiras", "Memória Jurisprudencial - Ministro Evandro Lins", "Direitos Constitucionais Fundamentais", "Direito Constitucional Fazendário", "Constituição, Política & Retórica"; "Tributo, Direito & Retórica"; "Lições de Direito Constitucional - Lição 1 A Constituição da República Federativa do Brasil" e "Lições de Direito Constitucional - Lição 2 os princípios fundamentais e os direitos fundamentais" .

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ALVES JR., Luís Carlos Martins. A Advocacia-Geral da União e os donos do poder. Um breve ensaio sobre uma instituição essencial ao Direito e à Justiça brasileira, sob as luzes do magistério doutrinário de Raymundo Faoro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3566, 6 abr. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24029. Acesso em: 28 mar. 2024.