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Da hipoteca: análise crítica do instituto

Da hipoteca: análise crítica do instituto

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Embora a essência do instituto diga respeito a bens imóveis, é possível que a hipoteca seja constituída sobre bens móveis, desde eles tenham algum tipo de registro formal, sem o qual a propriedade não se transmita.

Resumo: O presente artigo trata da hipoteca, instituto essencialmente civil, muito utilizado na atualidade devido ao seu dinamismo e à prioridade que dá ao credor quanto ao pagamento do crédito. Na seara dos direitos reais, a hipoteca encontra-se ao lado do penhor e da anticrese, embora se sobressaia em demasia em relação a estes, pela sua própria constituição e pelos tipos de bens que podem lhe servir de objeto. Há três tipos de hipoteca, a convencional, a legal e a processual, sendo a convencional o tipo mais utilizado na prática e que possui a maior gama de possibilidades, permitindo sua aplicação corriqueira. Com a hipoteca, o bem dado em garantia fica sequelado, impossibilitando ao devedor manobras com o intuito de fraudar a dívida. Atualmente, a hipoteca pode gravar vários tipos de bens, ampliando as possibilidades e a aplicação do instituto. Assim sendo, é necessário analisar suas principais características e seu desenvolvimento no meio jurídico e social.

Palavras-chave: Hipoteca. Hipoteca convencional. Hipoteca Legal. Hipoteca judicial.


1 INTRODUÇÃO   

A hipoteca é um instituto jurídico cujas origens advêm do direito clássico e, desde então, encontra-se sedimentada no direito contemporâneo devido à sua importância como garantidora das obrigações.

Atualmente, a hipoteca ocupa lugar privilegiado na garantia dos contratos, fazendo com que o credor se satisfaça mesmo com a inadimplência do devedor de forma bastante objetiva, o que permite a facilitação na aquisição de crédito, ferramenta indispensável para a mobilidade do patrimônio. Contudo a inadimplência é o óbice para que essa relação se dê de forma proveitosa para credor e devedor, contribuindo para que a hipoteca seja uma garantia obrigacional importante.

Como direito real, a hipoteca se apresenta como acessório de um contrato pessoal, cuja classificação é dominante na doutrina moderna, revelando-se como um instituto substancialmente civil. Dessa forma, com a possível inadimplência do devedor, a hipoteca se evidencia e faz com que os contratos garantidos por ela sejam cumpridos.

Em virtude da especialização e da publicidade com que a hipoteca grava o bem, o credor tem seu direito garantido de forma real e permite com que terceiros tenham acesso às informações concernentes à dívida, afastando a ignorância dos mesmos em uma eventual inter-relação jurídica. Outro ponto importante se refere à indivisibilidade da hipoteca, que diz respeito à garantia da obrigação por completo, o que é uma vantagem caso não ocorra o pagamento total.  

Com a rotineira busca por crédito, além da constante movimentação financeira do mercado, aquele que se torna credor em um contrato deve procurar formas através das quais as obrigações sejam adimplidas. Diante disso, a hipoteca é uma maneira segura tanto para pessoas físicas ou pessoas jurídicas que pretendam ter garantias de um contrato. Mas há, também, a hipoteca que não deriva da vontade das partes como, por exemplo, a legal, que visa a proteger certas pessoas em determinadas situações e tem origem legislativa, bem como a hipoteca judicial, originária de uma sentença, cuja possibilidade está prevista no Código de Processos Civil.

Ante o exposto, a hipoteca apresenta grande importância no Direito e mister que sejam analisadas suas principais características desde sua constituição até sua extinção, apontando as vantagens, efeitos e consequências no desenvolver dessa garantia real das obrigações.


2 CONCEITO E DEFINIÇÃO

A palavra hipoteca deriva do grego, hypotheke, e significa o “oferecimento de um bem, geralmente imóvel, como garantia de um empréstimo pecuniário” e, ainda, um “direito real que tem o credor de uma dívida sobre imóvel, bem de raiz ou, por exceção, certos móveis (navios, aviões etc.) dados em garantia pelo devedor, e que somente pelo não pagamento da dívida se converte em posse efetiva do credor” (HOUAISS, 2.007, p. 1.540). De sua etimologia extrai-se que os institutos da hipoteca e do penhor têm a mesma origem, distinguindo-se modernamente por um ter como garantia bens imóveis (e os considerados imóveis para o direito) e o outro, bens móveis, além do diferencial possessório.

 A sua anotação jurídica, contudo, remonta ao Direito Romano, onde era comum nas atividades rurais, nas quais o agricultor deixava os bens de seu trabalho afetados pelas dívidas que contraía, o que no Direito contemporâneo, confundir-se-ia com o penhor, dado o tipo de bem garantidor e sua posse. Antes da codificação de Justiniano[1], a hipoteca consistia em o devedor dar em garantia gado, escravos e utensílios, embora continuasse na posse dos mesmos (VENOSA, 2.006, p. 553).

Na hipoteca, o bem continua na posse do devedor, pois se trata de pignus obligatum, ou seja, uma obrigação formada através da convenção de garantia ou, senão, para a melhor garantia de uma dívida, contrapondo o penhor, pignus datum, na qual o bem era entregue ao credor. (VENOSA, 2.006, p. 553).

A hipoteca é conceituada como “direito real de garantia de natureza civil, incidente em coisa imóvel do devedor ou de terceiro, sem transmissão da posse ao credor”. Assim sendo, fica evidente seus caracteres mais importantes como sua natureza, os tipos de bens e a posse dos mesmos (PEREIRA, 2.004, p. 368).  A hipoteca, ainda, possui como característica a acessoriedade e indivisibilidade. Todavia, para que ela tenha seu alcance público e devida instrumentalidade, é necessário o registro no cartório competente, sem o qual produzirá efeitos somente entre as partes, sendo os mesmos meramente obrigacionais (VENOSA, 2.006, p. 556).

De acordo com Pontes de Miranda (1959, p. 62) a hipoteca é um direito real de garantia que grava o imóvel ou bem que a lei aponta como hipotecável sem passar ao titular do direito a posse, não permitindo ao credor, sequer, a pretensão à sua imissão. Caso ocorra a transmissão da posse, tal pacto se desvirtuará como direto real, não sendo inscritível ou averbável.

Pelo Conseguinte, fica claro a partir dos conceitos que a hipoteca distingue-se basicamente do penhor pelos tipos de bens dados em garantia e a forma com que se regula a posse dos mesmos na relação entre credor e devedor, embora tenham as mesmas origens. É um direito real desde que obedecidas às formalidades de registro, vinculando o bem gravado, o que assegura ao credor o adimplemento de uma obrigação, dando-lhe o direito de perseguição do bem, além de possuir natureza jurídica civil. Define-se, portanto, hipoteca como a garantia real e acessória de um contrato que se perfaz através do registro do gravame, cujo bem imóvel ou assim considerado fica na posse do devedor, conferindo ao credor preferencial direito de venda no caso de inadimplemento.


3 dos princípios que regem a hipoteca

A hipoteca, como se vê, oriunda do Direito Romano, contemplada pelo Código Civil de 1916 e em vigor graças ao novel Código, rege-se por alguns princípios, os quais são o da acessoriedade, indivisibilidade, especialização, publicidade e o subprincípio da prioridade.

Por acessoriedade, entende-se que a hipoteca seja dependente de outro contrato para que exista, não podendo haver a chamada hipoteca abstrata (VENOSA, 2.006, p. 556), oportunidade na qual é necessário volver a atenção para a teoria do excelso Pontes de Miranda, em sua escada dos negócios jurídico[2]. Da mesma forma, a hipoteca servirá de garantia independentemente da natureza e da espécie da obrigação da qual ela nasça (RUGGIERO, 2.005, p. 717).

Sobre a indivisibilidade da hipoteca assevera Lacerda de Almeida (apud DINIZ, 2.009, p. 555) que o ônus real grava o bem em sua integralidade, pois enquanto não se liquidar a obrigação a hipoteca subsistirá por inteira, onerando o bem mesmo com o pagamento parcial do débito. A indivisibilidade, nesse caso, diz respeito ao vínculo real existente entre o cumprimento da obrigação e o bem, e não pode ser confundida no que diz respeito ao bem e a dívida, que podem muito bem ser fracionados. A indivisibilidade, também, distingue-se da possibilidade de remir alguns bens hipotecados a partir do pagamento parcial, o que é convencionalmente possível entre as partes.

A especialização é um princípio que diz respeito à descrição minuciosa e à individualização do bem que servirá como garantia hipotecária, além dos requisitos da dívida, não podendo a hipoteca ser instituída com base em bens gerais e ilimitados, devendo o patrimônio do devedor ser pormenorizadamente gravado, de acordo com o vínculo obrigacional (VENOSA, 2.006, p. 557). Segundo esse princípio, a hipoteca não poderá incidir sobre bens futuros ou ainda não concretizados, pois escapa à realidade jurídica (MONTEIRO, 2.007, p. 409-410)[3].

Já o princípio da publicidade faz alusão ao registro do título da hipoteca no cartório competente, o que garante o conhecimento a terceiros que porventura busquem uma consulta. Por cartório competente, entende que seja o do lugar onde se encontra o imóvel ou de cada um deles, caso o título se estenda por mais de uma circunscrição imobiliária, de acordo do com artigo 1.492 do Código Civil. Desse princípio deriva o subprincípio da prioridade, que consiste em haver mais de um registro, ser obedecida a ordem cronológica deles, oportunidade na qual será preterido o registro mais novo em favor do mais velho. O oficial do registro pode indeferir o pedido de registro de duas hipotecas no mesmo dia se no instrumento não houver horário que distinga sua cronologia. Ocorrendo o caso em tela, haverá a eleição para ser registrado do título mais novo (VENOSA, 2.006, p. 556-557).

Ante o exposto, conclui-se que os princípios que regem a hipoteca estão, principalmente, dispostos no Código Civil de forma implícita e explícita, exercendo papéis fundamentais no desenvolvimento desse instituto. A doutrina atual não é unânime na consideração deles, de tal forma que alguns autores arrolam os princípios da especialização e publicidade essencialmente. Sobre o princípio da publicidade, é notório que dele deriva o corolário da prioridade, podendo o mesmo ser denominado de subprincípio por sua importância.

 


4 DA natureza jurídica

Analisar a natureza jurídica de um instituto é indispensável para sua classificação e ordenamento junto de seus semelhantes, apontando quais seus caracteres e pontos em comum.

A hipoteca encontra-se nos artigos 1.473 a 1.505 do Código Civil, donde trás consigo a classificação de direito real. Vale lembrar, no entanto, que e hipoteca somente se materializará como direito real com o devido registro do título, sem o qual, será ineficaz perante terceiros (DINIZ, 2.009, p. 554). Essa classificação, embora majoritária, não é unânime, pois Francesco Carnelutti acredita que a hipoteca é um instituto do direito processual (apud MONTEIRO, 2.007, p. 408).

Venosa (2.006, p. 556) também a classifica como direito real, contudo traz a lume a discussão doutrinária que existia no Código Civil de 1.916, na qual o comerciante e sua atividade não estavam incluídos na lei civil, dada a sua concentração no superado Código Comercial, o que não ocorre na atual classificação de empresa e suas relações de consumo.

A hipoteca, assim como os outros direitos reais de garantia, trata-se de um acessório. Lafayette (apud RODRIGUES, 2.006, p. 394) assevera a qualidade de direito real da hipoteca, sendo ela criada simplesmente para assegurar a eficiência de outro direito pessoal.

Dessa forma, nada mais correto em classificar ou, senão, manter a classificação atual e majoritária de direito real da hipoteca, visto que ela existe no direito civil independentemente da norma processual. Embora existam classificações diferentes sobre a natureza jurídica da hipoteca, elas são minoritárias e trazem parca fundamentação a seu respeito. Conclui-se, portanto, que a hipoteca existente no direito processual é resultante da contida do direito material.


5 DOS TIPOS DE HIPOTECA

Sobre hipoteca, é necessário ressaltar que existem três tipos, os quais são a convencional, a legal e a judicial.

A hipoteca convencional surge do acordo de vontades entre aquele que pretende oferecer e aquele que pretende receber a hipoteca. Pode ser convencionada por instrumento particular assinado por duas testemunhas, mas dependendo do valor do imóvel, a forma deve ser a prescrita no artigo 108 do Código Civil, ou seja, através de escritura pública (DINIZ, 2.009, p. 566). É a forma mais comum de hipoteca.

A hipoteca legal é exigida em certas situações e de algumas pessoas com finalidade de prevenir ou acautelar possíveis prejuízos, a exemplo do artigo 1.489 do Código Civil (VENOSA, 2.006, p. 565-566). No caso da hipoteca legal, não existe título tampouco vontade das partes, dada sua origem legislativa.

Já a hipoteca judicial consiste em existir uma sentença judicial que a determine, conferindo ao exequente direito de prosseguir na execução, inclusive, contra os adquirentes do bem. Ocorre, no entanto, que tal tipo hipotecário perde a utilidade frente à fraude à execução, além do mais, deixa de ser contemplado no vigente Código Civil (VENOSA, 2.006, p. 562; 569-570), embora mereça atenção e estudo, posto que está disposta no parágrafo único do artigo 466 do Código de Processo Civil. De acordo com Marinoni e Mitidieiro (2.008, p. 442), a constituição de hipoteca judicial independe de requerimento e, mesmo que exista uma condenação genérica, será procedente ainda que não resolvido o arresto de bens do devedor ou quando o credor promover a execução provisória.

Silvio de Salvo Venosa entende que a hipoteca de navios, aeronaves, minas e pedreiras devem ser classificadas como hipotecas especiais, devido às suas peculiaridades (2.006, p. 560). Essa opinião está contida, também, de forma implícita da doutrina de Washington de Barros Monteiro (2.009, p 429; 430), na qual o autor coloca a hipoteca naval, aérea e de vias férreas paralelas às demais. Nada obstante, essa classificação não pode germinar, pois as hipotecas mencionadas derivam da hipoteca do tipo convencional.

Pelo conseguinte, dos tipos hipotecários existentes, a hipoteca convencional possui o maior número ligações com outros institutos jurídicos, além de ser a mais utilizada, inclusive se comparada à hipoteca legal. Quanto à hipoteca judicial, é certo que sua aplicação será mais restrita a cada dia diante dos remédios processuais existentes, dentre os quais se destacam os empregados por meio eletrônico, ainda que visem ao bloqueio de outros tipos de bens.


6 DO DIREITO DE SEQUELA E PREFERÊNCIA

O direito de sequela na hipoteca significa que o credor perseguirá a coisa onde quer que se encontre, mesmo que esteja em poder do adquirente, enquanto à preferência diz respeito ao direito do credor de receber prioritariamente, sem ser necessário se sujeitar a um possível concurso de credores.

  O direito de sequela confere ao credor a garantia mesmo que o bem seja alienado, pois o instituto da hipoteca apenas grava o bem de ônus, sem retirá-lo do comércio contudo, e a hipoteca apenas incidirá sobre esse bem com a sua alienação (VENOSA, 2.006, p. 558). O artigo 1.475 do Código Civil é categórico em dispor contra a cláusula contratual que proíbe o proprietário de alienar o bem outrora hipotecado. Em seu parágrafo único, há a possibilidade, no entanto, de as partes ajustarem que o crédito hipotecário vencerá caso ocorra a alienação, oportunidade na qual o adquirente terá conhecimento de que deverá pagar a dívida.

Nesse mesmo sentido, cabe ressaltar que o devedor não está inibido de alienar o bem hipotecado, pois não perde o jus disponendi, visto que transferirá o ônus que o grava ao adquirente, que não poderá se escusar com a alegação de ignorância. Entretanto, se o devedor alienar o imóvel antes do registro da hipoteca, responderá pelo crime de estelionato, previsto no artigo 171, § 2º, II do Código Penal (PEREIRA, 2.004, p. 386-387)[4].

 Já o direito de preferência faz alusão ao subprincípio da prioridade, tratando-se da condição preferencial em que fica o credor que tem o título da hipoteca registrado perante outros credores que não o tenham ou não registraram seus títulos posteriormente, garantindo ao credor preambular vantagem sobre os precedentes, podendo excutir o bem antes deles. O credor da segunda hipoteca e posteriores não poderão executar o imóvel antes do vencimento da primeira (VENOSA, 2.006, p. 557; 571).

Nesse sentido, o parágrafo único do artigo 1.493 do Código Civil dispõe sobre a prioridade, que por sua vez determina a preferência do credor, recebendo essa prioridade o nome de prelatícia[5] pela doutrina (DINIZ, 2.009, p. 568).

Frente ao exposto, extrai-se que o tanto o direito de sequela quanto o de preferência constituem a essência da hipoteca no que tange à segurança jurídica que ela traz, pois ambos servem para qualificar a garantia que o credor possui no caso de inadimplemento do devedor. O direito de sequela, todavia, encontra óbices práticos por não ser confortável ao credor saber que o devedor pretende alienar o imóvel dado em garantia, podendo gerar algum tipo de embaraço entre ambos a depender de execução hipotecária. Já o direito de preferência se manifesta como um dos fundamentos da hipoteca, por dar predileção ao credor que registrou o título.


7 DOS requisitos objetivos

Visualizar quais os tipos de bens podem ser objeto de hipoteca é de extrema importância, pois serve tanto à sua cognição quanto para distingui-la de institutos semelhantes. O objeto da hipoteca corresponde a bens imóveis, embora haja casos em que ela recairá sobre bens móveis, considerados imóveis para o direito. No artigo 1.473 do Código Civil, há a disposição dos bens que podem ser objeto da hipoteca, os quais serão analisados com mais esmero adiante.

A hipoteca é instituída sobre bens pertencentes ao devedor, não sendo possível hipotecar bens alheios, com exceção do devedor de boa-fé, que oferece em hipoteca um bem que acredita ser seu e o adquiri posteriormente, validando, dessa forma, o domínio real que fora aparente (DINIZ, 2.009, p. 557). Também é necessário que os bens possam ser alienáveis, oportunidade na qual se excluem os bens que estão fora de comércio por algum motivo. Nesse mesmo sentido assevera Washington de Barros Monteiro que não são hipotecáveis os imóveis onerados com cláusula de inalienabilidade ou que se encontrem extra commercium (2.007, p. 412).

Segundo Ruggiero, a hipoteca se estenderá a todos os incrementos e acréscimos, abrangendo todos os melhoramentos, construções e acessões que porventura se juntem ao imóvel a partir da constituição do vínculo hipotecário (2.005, p. 711). Dessa forma, a hipoteca poderá recair sobre bens móveis quando eles forem acessórios de um imóvel, como ocorre no caso de acessão intelectual ou destinação do proprietário, assim como no maquinário utilizado em uma empresa ou os animais mantidos em uso em uma fazenda, pois eles são considerados pertenças e não se constituem como partes integrantes do imóvel por si sós (GONÇALVES, 2.009, p. 563).

Assim, os bens naturalmente imóveis e seus acessórios, nos quais há a abrangência do solo e suas acessões, podem ser objeto de hipoteca como sabido e isso se estende, também, aos apartamentos em edifícios em condomínio, sem que seja necessária a concordância dos demais condôminos, o que não acontece no caso dos bens cuja característica lhes confira indivisibilidade sem que haja a devida autorização dos demais, com a exceção de o devedor hipotecar apenas o quinhão de que dispõe (DINIZ, 2.009, p. 558).

Poderá ser objeto de hipoteca o domínio direto, de forma que o senhorio poderá dar em garantia hipotecária o domínio eminente do qual é titular, o que consiste na substância da coisa, sem as suas utilidades. Caso o senhorio adquira o domínio útil a partir da constituição da hipoteca, a garantia se estenderá a todo o imóvel, completando-se os atributos da propriedade (MONTEIRO, 2.007, p. 414).

O domínio útil, como desmembramento da propriedade, também poderá ser objeto de hipoteca, oportunidade na qual o adquirente deverá pagar o laudêmio no caso da execução da mesma (PEREIRA, 2.004, p. 374).

As estradas de ferro, um tipo de bem imóvel pouco comum de imaginar que possam ser dados em garantia, visto à sua condição e constituição de trilhos, estações, entre outros, além de sua vultuosa importância econômica, social e logística, têm a peculiaridade que consiste em sua manutenção operacional, devendo o credor da hipoteca obedecer a certos preceitos de administração. O artigo 1.504, in fine, do Código Civil também traz uma característica própria desse tipo de garantia, que consiste no direito de oposição do credor caso exista proposta de venda, das linhas, ramais e parte considerável do material de exploração, além da possibilidade de fusão empresarial, caso ocorra a instabilidade da garantia (DINIZ, 2.009, p. 559-560).

Os recursos naturais, anteriormente dispostos no Código Civil de 1.916 no seu artigo 810, VI, como “as minas e as pedreiras, independentemente do solo onde se acham”, podem ser objeto de hipoteca, mas com a ressalva de que deverão ter sua exploração preferencialmente feita pela União, por força da Constituição Federal de 1988. No caso das minas, é necessário que exista uma concessão para que possam ser hipotecadas, requisito dispensado para as pedreiras, por sua natureza (PEREIRA, 2.004, p 375). Já Venosa (2.006, p. 559), traz a possibilidade de que os monumentos arqueológicos sejam objeto de hipoteca, por se encontrarem no solo.

Os navios possuem uma particulariedade, pois são bens móveis que o direito os imobiliza. Diante de seu alto valor econômico, podem ser hipotecados e isso se estende desde o momento de sua construção às suas partes e acessórios. Por estar vinculado a um porto, ter nacionalidade e registro que o individualiza, oferece condições para assegurar o pagamento de uma dívida. Para que a hipoteca de navios seja válida, é necessária a outorga uxória (MONTEIRO, 2.007, p. 461).

As aeronaves, assim como os navios, além de serem submetidas a registro, imobilizadas pelo direito e ter sua hipoteca constituída desde a sua construção, são submetidas ao regime da lei especial. O registro da aeronave será público, único e centralizado, inscrito no Registro Aeronáutico Brasileiro (GONÇALVES, 2.009, p. 565; 572).

A lei 11.481/2.007 introduziu os incisos VII, IX e X no artigo 1.473 do Código Civil, cujos incrementos são o direito de uso especial para fins de moradia, que diz respeito à aceitação da garantia real pelos agentes do Sistema Financeiro da Habitação, desde que constatada a posse para fins de moradia e exista registro dela no cartório competente. Da mesma forma ocorre com o direito real de uso, que ficará limitado à duração de sua concessão. Por fim, pode ser objeto de hipoteca a propriedade superficiária, que corresponde às plantações e construções, sem que haja o domínio do solo, constituindo-se em um direito real de plantar ou construir em terreno alheio (DINIZ, 2.009, p. 564).

Maria Helena Diniz traz o exemplo do gasoduto[6] como objeto de hipoteca. Tal bem se adere ao solo abrangendo a área útil que é desapropriada e o espaço aéreo, incluindo seus bens e pertenças. Não se pode deixar de lado a concepção segundo a qual são bens móveis que são considerados imóveis. No entanto, o gasoduto se trata de um bem imóvel composto, visto que o objeto da hipoteca pode recair sobre ele, propriamente dito, ou sobre seus acessórios. As suas partes integrantes somente serão consideradas hipotecadas se houver uma hipoteca conjunta (2.009, p. 562-563).

Pelo conseguinte, os requisitos objetivos servem ao direito como balizadores da hipoteca, tratando-se de tipos previstos em lei. Entretanto, cabe ressaltar que outros tipos de bens não previstos no texto legal poderão ser objeto de hipoteca desde observada a natureza hipotecária nos mesmos, que se resume à condição ou tratamento de imóveis e o registro formal que possam apresentar. Há, também, que se destacar a hipoteca que recai sobre bens móveis quando eles são acessórios ou melhoramentos dos imóveis, pois representam uma garantia valiosa junto do imóvel em que se encontram, embora sua manutenção e controle não seja tarefa muito fácil, podendo ocorrer o seu perecimento, desvio ou subtração.


8 dos requisitos subjetivos

Analisar os requisitos subjetivos da hipoteca é fundamental depois de visualizados os tipos de bens que podem ser hipotecados. Os requisitos subjetivos dizem respeito à qualidade que o devedor tem para oferecer em garantia um bem de sua propriedade.

Os requisitos subjetivos estão diretamente relacionados à capacidade do devedor em alienar o bem, pois apenas com essa qualidade é que pode se concretizar a hipoteca, visto que se a dívida não for paga, o imóvel será vendido em hasta pública. Caso ocorra de o bem ofertado não ser de propriedade do devedor, o negócio jurídico será nulo. Todavia, o Código Civil, em seu artigo 1.420, §2º, prevê o caso da validação da hipoteca caso o devedor de boa-fé a constitua sob imóvel que não é de sua propriedade, desde que ele o adquirira posteriormente, cujos efeitos somente serão produzidos a partir do registro da hipoteca (DINIZ, 2.009, p. 565).

Existem restrições de ordem subjetiva à possibilidade de hipotecar como o caso da autorização que o cônjuge precisa para gravar de ônus um bem comum do casal. Dessa forma nenhum dos cônjuges poderá, sem a outorga uxória, constituir hipoteca, salvo se o regime de comunhão for o de separação absoluta. Caberá ao juiz suprir a falta dessa autorização se um deles estiver impossibilitado de concedê-la, ou negar sem motivo justo. Nada obstante, existe a possibilidade de os cônjuges disporem livremente dos seus bens particulares no regime de participação final nos aquestos, desde que haja estipulação no pacto antenupcial (GONÇALVES, 2.009, p. 573).

Na hipoteca de coisa comum que seja divisível, cada condômino poderá hipotecar sua parte ideal independentemente da anuência dos demais. No entanto, se a coisa for indivisível, deverá haver a autorização dos demais, posto que a hipoteca recairá sobre toda ela e, não, apenas sobre a parte de que cada um dispõe (LISBOA, 2.005, p. 450).

Os menores poderão hipotecar seus bens assistidos ou representados, assim como os curatelados, mediante autorização do magistrado. A autorização judicial tem por finalidade proteger esses sujeitos, visto que seus bens serão gravados de ônus, e mister que seja demonstrada a necessidade e urgência de tal ato (DINIZ, 2.009, p. 565).

Segundo Gonçalves, os ascendentes poderão hipotecar os bens a seus descendentes sem o consentimento dos demais, não se aplicando a limitação existente na venda, encontrada no artigo 496 do Código Civil. Tal opinião é bastante controversa no direito, embora o referido artigo deva ser interpretado restritivamente, por cercear especificamente o direito de propriedade, grife-se, e de acordo com essa interpretação, a hipoteca será válida posto que a propriedade somente se consolidará caso haja o inadimplemento da obrigação (2.009, p. 573).

Já os falidos não poderão hipotecar seus bens pelo fato de não estarem mais na sua administração, bem como estarem na falta de disposição dos mesmos, enquanto durar o estado de falência, da mesma forma que ocorre com os concordatários (DINIZ, 2.009, p. 566). Será considerada ineficaz perante a massa a constituição de hipoteca, dentro do termo de falência, para garantir dívida anterior a esse termo, pois se presume que ela seja fraudulenta. A ineficácia ocorrerá apenas contra a hipoteca que garante dívida anteriormente constituída, excluindo-se aquelas que foram contraídas atualmente, para as quais foi dada uma garantia hipotecária (VENOSA, 2.006, p. 578).

Por conseguinte, a hipoteca pode ser constituída pela parte, por seu representante convencional ou legal, além dos casos em que a autorização poderá ocorrer judicialmente. É notório que a autorização visa a proteger aqueles que não têm plena capacidade de administrar seus bens, bem como dificultar ou impedir com que aqueles que pretendem causar prejuízos a terceiros alcancem seus objetivos. A autorização, também, resume-se à ciência do ato por aqueles que pretender oferecer um bem em garantia.


9 DOS REQUISITOS FORMAIS

Depois de observados os requisitos objetivos e subjetivos, torna-se necessário examinar os requisitos formais, com o fim de constituir o tripé de validade a partir do qual se formará a hipoteca.

A forma geral exigida por lei para a constituição da hipoteca é a escrita, seja por instrumento particular ou escritura pública (RUGGIERO, 2.005, p. 717). Assim sendo, a hipoteca será constituída a partir da existência de um título ou documento que materialize a garantia sobre determinado bem, servindo como prova da vontade das partes. O título é chamado de cédula hipotecária e sua emissão deve ser autorizada pelo credor e devedor no momento constitutivo da hipoteca, o que lhe confere maior capacidade de circulação, pois é possível transferi-lo por simples endosso (DINIZ, 2.009, p. 566).

No entanto, a forma específica do título dependerá do valor da hipoteca. O artigo 108 do Código Civil dispõe que constituição de direitos sobre bens imóveis com o valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no país deve ser realizada através de escritura pública. Nada obstante, se o valor for inferior ao aludido, poderão as partes realizar o negócio através de instrumento particular, munidas de testemunhas instrumentárias (DINIZ, 2.009, p. 566). Novamente, ao se estudar os requisitos formais da hipoteca, retorna-se à questão do registro, pois se o título não for registrado a hipoteca será, como visto, inválida.

Vale a pena, também, dar atenção aos requisitos formais dos tipos de hipoteca legal e judicial que têm, respectivamente, o dispositivo legal e a sentença como forma de sua constituição (GONÇALVES, 2.009, p. 575). Dessa forma, consegue-se destacar ainda mais a diferença existente entre as referidas determinações e o acordo das partes.

Enfim, o requisito formal contribui para a hipoteca materializando-a no mundo jurídico e a revestindo das condições estabelecidas pela lei. Outro ponto importante é que a forma pública será determina de acordo com o valor do imóvel hipotecado, tanto pela segurança, quanto para evitar a evasão fiscal. Também, é interessante observar a forma através da qual os outros tipos de hipoteca se constituem, visto que eles são dependentes dessa configuração, como o caso da hipoteca legal e judicial.


10 DA PLURALIDADE DE HIPOTECAS

Um mesmo imóvel pode ser oferecido em garantia hipotecária ao mesmo ou a outro credor, acarretando a pluralidade de hipotecas.

Poderá haver a constituição de novas hipotecas sobre o imóvel anteriormente hipotecado em favor do mesmo ou de outro credor desde que exista um novo título, sendo possível que o mesmo imóvel seja gravado por consecutivas vezes, mas isso não será possível se no título anterior houver vedação. Tal prática é bem vista no mercado, pois possibilita a circulação do crédito, não encontrando óbices devido ao princípio da preferência (GONÇALVES, 2.009, p. 586).

Como sabido, a pluralidade de hipotecas possui relação com o princípio da preferência, pois as variadas hipotecas garantidas pelo mesmo imóvel obedecerão à ordem de registro, independendo qual seja o vencimento delas e, dessa forma, o credor da segunda hipoteca não poderá executar antes do vencimento da primeira. No entanto, vale a pena ressaltar que poderá existir a execução da segunda hipoteca apenas por ação judicial se verificada a longa data da primeira, oportunizando ao primeiro credor preferência na alienação judicial. Há, também, a possibilidade de o segundo credor se subrrogar na condição de credor prioritário caso o mesmo resgate o bem (VENOSA, 2.006, p. 571).

Justificam-se as múltiplas hipotecas, principalmente, quando o valor do imóvel excede o valor da obrigação, revelando-se essa prática muito conveniente ao proprietário, pois ele se aproveitará de todo o imóvel de que dispõe. Mesmo que a segunda hipoteca se trate de um incremento na dívida, exige-se que ela seja se submeta a outro título, não sendo possível que ocorra a mera averbação no registro imobiliário (MONTEIRO, 2.007, p. 416-417).

De conseguinte, o princípio do direito de preferência é o rege a pluralidade, permitindo-se, contudo, a execução judicial e a subrrogação do credor. Essa prática é muito comum quando o valor do imóvel supera o valor dos débitos, contribuindo para o mercado de crédito, dinamizado ainda mais o instituto. É indispensável que a pluralidade seja efetivada por outro título, embora constituída perante o mesmo credor, pois o acréscimo deverá ser pormenorizado.


11 Da remição da hipoteca

A remição consiste em eliminar o gravame existente na hipoteca com o pagamento da dívida, liberando o imóvel.

Remição deriva do verbo remir (que por sinal é defectivo) e quer dizer livrar, liberar, resgatar, diferindo-se de sua parônima remissão, que deriva de remitir, e quer dizer perdoar (HOUAISS, 2.007, p. 2.425). Tal dúvida colabora para a doutrina jurídica sobre o significado do termo, visto que em alguns diplomas legais há a referência a ambos, sem unanimidade (VENOSA, 2.006, p. 574).

O credor sub-hipotecário pode remir desde que vencida a primeira hipoteca, caso o devedor não ofereça pagamento, devendo depositar a importância devida, juros, e despesas judiciais, visto que apenas por esse meio é que poderá ocorrer a remição, através de uma ação e com a devida citação do credor (DINIZ, 2.009, p. 579). Essa remição funciona como um tipo de artifício disponibilizado a esse credor, para que ele possa apressar a execução da hipoteca e defender seus direitos (RODRIGUES, 2.006, p. 412).

A remição poderá ser feita por meio do adquirente do imóvel hipotecado, visto que um dos efeitos da hipoteca é a sequela do bem, de tal forma que se o mesmo for alienado, o gravame será transferido, possibilitando a remição do bem pelo adquirente. Caso isso não ocorra, o adquirente sujeitar-se-á à situação anterior, ou seja, à execução da hipoteca por parte do credor (DINIZ, 2.009, p. 579).

O devedor da hipoteca ou os membros de sua família, também, poderão liberar o bem, desde que não o façam antes de realizada a praça e nem depois do ato de arrematação ou publicação da sentença de arrematação, de acordo com o artigo 1.482 do Código Civil. Para isso, será necessária a consignação total dos valores. O referido procedimento estava previsto, também, no Código de Processo Civil, nos artigos 787 a 790, que foram revogados pela lei 11.382/2.006, modificando a redação do artigo 651 do mesmo diploma, o que na prática surtiu o mesmo efeito (MARINONI; MITIDIEIRO, 2.008, p. 735). Caso do credor da hipoteca não se satisfaça com a execução e posterior remição do bem pela família, o mesmo continuará titular do direito contra o executado, sem haver, contudo, autorização para penhorar o bem (PEREIRA, 2.004, p. 400).

A massa falida ou os credores em concurso, independentemente da realização de praça, poderão remir o bem sem poder o credor hipotecário se recusar ao pagamento, visto que o mesmo fora avaliado oficialmente. Caso o preço seja menor, o restante da dívida entrará em concurso quirografário. No entanto, se a avaliação for maior que a dívida, o credor apenas poderá adjudicar o imóvel se repor à massa falida ou aos credores em concurso a diferença devida (DINIZ, 2.009, p. 581).

Enfim, o termo correto a ser utilizado é remição, devido à sua tecnicidade e maior número de referências. A remição do bem hipotecado será oportunizada ao devedor e demais interessados em vários momentos distintos, embora notório que ao crédito principal haverá o acréscimo de custas. A remição do bem pelos familiares do devedor não é pacífica no direito, principalmente quanto à impossibilidade do direito de penhorar o bem resgatado por quantia menor que a dívida, o que se revela como um prejuízo ao credor. Os institutos reformados no Código de Processo Civil foram ampliados, possibilitando a remição de bens móveis e imóveis com mais versatilidade.


11 DA COMPARAÇÃO  ENTRE HIPOTECA, PENHOR, ANTICRESE E ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA

Comparar a hipoteca com institutos similares é importante para destacar suas principais características. Por similaridade, foi considerada a garantia constituída para o cumprimento da obrigação e, desse modo, nada mais correto em analisar o penhor, a anticrese e a alienação fiduciária.

A hipoteca é a garantia real e acessória de um contrato que se perfaz através do registro do gravame, cujo bem imóvel ou assim considerado fica na posse do devedor, conferindo ao credor preferencial direito de venda no caso de inadimplemento. Dessa definição se extrai alguns pontos importantes a serem comparados, tais como o tipo e a posse do bem.

Por esse viés, o penhor se difere da hipoteca pelo fato de ser constituído sobre bens móveis e, esses, ficarem na posse do credor, que não poderá usufruir deles, bastando-se ao seu depósito e guarda. A sua definição encontra-se no artigo 1.431 do Código Civil, donde se infere que a transferência da posse da coisa deve ser efetiva. O Código Civil de 1.916 utilizava o termo tradição[7], vindo o novel código a utilizar o termo transferência. No entanto, a transferência do bem não ocorre no penhor rural, industrial, mercantil e de veículos, ficando esses bens sob a posse do devedor, assemelhando-se à hipoteca nesse sentido (VENOSA, 2.006, p. 526).

A anticrese é um instituto raramente utilizado na prática e surpreendentemente contemplado pelo Código Civil de 2.002, nos artigos 1.506 a 1.510. Se na hipoteca o credor não fica na posse do bem, e no penhor ele apenas o detém sem poder usá-lo, a anticrese se revela como a transição entre os dois pois, nesse instituto, o credor fica na posse do bem imóvel e pode usufruir dele, revertendo seus frutos para o pagamento da dívida. É bastante provável que ela deixe de existir como direito real, subsistindo apenas como contrato de crédito ou um tipo de cláusula nos contratos de hipoteca (PEREIRA, 2.004, p. 415-416).

Já sobre a alienação fiduciária, cumpre destacar que pode ser instituída tanto sobre bens móveis quanto imóveis, encontrando-se disposta nas Leis 10.931/2.004 e 9.514/1.997. É um instituto bem difundido e utilizado atualmente devido, também, à sua versatilidade. Ela difere-se dos institutos anteriores por haver a transmissão ao credor, não, da posse, mas da propriedade dos bens. Porém, essa propriedade transferida não é plena, resumindo-se à sua forma resolúvel, ou seja, o credor terá a propriedade apenas enquanto durar a dívida. Além do mais, a alienação fiduciária não é um direito real, posto que se não houver pagamento, o título gerará apenas direitos obrigacionais entre as partes, mesmo se devidamente registrado (VENOSA, 2.006, p. 392; 399). Vinga, contudo, no direito a opinião de que a alienação fiduciária, embora seja um negócio jurídico único, desdobra-se em duas relações jurídicas: uma obrigacional e, outra, real (DINIZ, 2.009, 602-603).

Por fim, a hipoteca possui algumas vantagens sobre os institutos comparados que têm como objetivo dar garantia a uma obrigação como, por exemplo, dispensar a manutenção da coisa que se encontre na posse do credor, quando esta é empenhada. Nesse mesmo sentido, a hipoteca se sobressai em relação à anticrese principalmente por não retirar a posse do bem ofertado em garantia, o que no dias atuais não seria em todos os casos conveniente, o que contribui para o visível desuso desse instituto. Embora a alienação fiduciária se revele como uma novidade no direito e possua bastante versatilidade, a garantia que ela traz imobiliza em demasia o bem com a transferência da propriedade resolúvel, retirando sua capacidade plena de comércio.


12 DA EXTINÇÃO DA HIPOTECA

A extinção da hipoteca dar-se-á por vários fatores, sendo que os mais comuns se encontram dispostos objetivamente no artigo 1.499 do Código Civil. No referido artigo, contudo, não estão todas as formas possíveis de extinção, de tal maneira que se entende que seu rol seja exemplificativo.

Com a extinção ou desaparecimento da obrigação principal, a hipoteca deixará de existir, posto que ela possui a característica de acessória, bem como os efeitos perante terceiros, lembrando que isso somente ocorrerá a partir do cancelamento do registro. A hipoteca se extinguirá com o pagamento da obrigação, que se trata de uma modalidade normal e prevista nas obrigações, revelando-se essa prática a causa mais comum de extinção, embora existam outros meios capazes de dar cabo à hipoteca (VENOSA, 2.006, p. 581).

A hipoteca será extinta com o perecimento da coisa, pelo fato de que ela ficará sem objeto. A destruição deverá ser total, pois não serão admitidas uma simples desvalorização ou perda parcial do bem hipotecado. Caso a desvalorização ou perda parcial ocorra com a hipoteca constituída, o credor poderá solicitar o reforço da garantia, sob pena de ter a hipoteca antecipadamente vencida (DINIZ, 2.009, p. 591).

A resolução da propriedade extinguirá a hipoteca, pelo vencimento do termo ajustado ou pelo implemento da condição. Se o credor aceitar, estará correndo o risco da condição se implementar e os direitos reais sobre o imóvel se resolverem. Há, também, a causa de resolução de propriedade por motivo superveniente, oportunidade na qual subsistirá o vínculo hipotecário anterior (GONÇALVES, 2.009, p. 606-607).

A hipoteca se extinguirá pela renúncia expressa do credor. Sobre a renúncia tácita, há manifestações que dizem ela não é compatível com a hipoteca. O Supremo Tribunal Federal, em julgamento, decidiu não contemplar a renúncia tácita como forma de extinção, por não ser possível inferir das circunstâncias a plena vontade do credor. Outro ponto importante é que a renúncia é um ato unilateral, não necessitando, assim, o consentimento do devedor (MONTEIRO, 2.007, p. 440-441). A renúncia da hipoteca não pode se confundir com a renúncia do crédito, pois ambos são independentes, presumindo-se que a obrigação que a gerou ainda exista (RUGGIERO, 2.005, p. 733).

Volta à tona, no referido artigo, a questão da remição como forma de extinção. A remição poderá ser realizada pelo credor da segunda hipoteca, pelo adquirente, pelo executado, seu cônjuge, descendente ou ascendente. O ato de remição pelo segundo credor hipotecário liberará o bem da primeira hipoteca, vinculando-o, contudo, à hipoteca realizada pelo credor que exerceu o resgate (GONÇALVES, 2.009, p. 608).

Pela arrematação ou adjudicação a hipoteca será extinta por quem efetuar o maior lance ou por quem requerer o imóvel. Com o praceamento, o ônus real se extinguirá, oportunizando a quem o adquirir a liberdade e o desimpedimento do imóvel. De acordo com o artigo 1.501 do Código Civil, a hipoteca não será extinta, mesmo que devidamente registrada, se os credores hipotecários não tiverem sido notificados judicialmente para compor o pólo processual na execução (DINIZ, 2.009, 593-594).

Isto posto, a hipoteca se extinguirá através de várias maneiras, o que impossibilitou ao legislador prever todas as situações. Dentre alguns exemplos de formas de extinção da hipoteca não previstos taxativamente no Código Civil encontram-se a sentença que anula o ônus, a prescrição aquisitiva, a consolidação da figura de credor e proprietário do imóvel ou confusão patrimonial, a perempção em vinte anos, além de outras.


13 CONCLUSÃO

Ante todo o exposto, conclui-se que a hipoteca é uma garantia muito versátil e muito tradicional no direito, cuja utilização ao longo dos tempos possibilitou sua boa reputação entre as garantias à disposição do credor, conferindo-lhe predileção em função da segurança que ela dá, o que contribuiu para seu desenvolvimento teórico e prático.

Embora a hipoteca e o penhor tenham historicamente a mesma gênese eles são inconfundíveis devido à especialidade de cada um, principalmente quando diz respeito aos tipos de bens e a posse deles. Não se pode, contudo, dizer que o emprego dos referidos institutos seja equivalente, pois o penhor a cada dia é menos usado, ao contrário da hipoteca, que mantém sua aplicação, e ainda mais pela ampliação do instituto em 2.007.

A doutrina manifesta concordância em definir a hipoteca como garantia real e acessória que recai sobre um bem imóvel a partir do registro do título, continuando o devedor na sua posse, garantindo ao credor preferencial direito no caso de inadimplência. A partir dessa definição básica, ficam evidentes os principais elementos da hipoteca: sua classificação no direito, os tipos de bens, a publicidade alcançada pelo registro, a posse e a estabilidade conferida ao credor.

Dos tipos de hipoteca existentes, a convencional é a mais utilizada por ser aplicada acessoriamente a um grande número de contratos. Além disso, ela é a forma mais comum e permite que qualquer pessoa ofereça ou a tenha como garantia de maneira bem prática, bastando que sejam observados alguns requisitos legais. Quanto à hipoteca do tipo legal e processual há restrições na quantidade de casos nos quais elas podem ser empregadas, fazendo com que elas sejam tão úteis atualmente.

O direito de sequela que a hipoteca dá ao credor é sobremaneira importante pois, ao mesmo passo que garante a hipoteca, permite a mobilidade do crédito. Mesmo que o imóvel seja alienado pelo devedor, o credor o perseguirá, e poderá executar o crédito hipotecário caso exista a disposição de vencimento antecipado. Associa-se ao direito de sequela a preferência, e ambos contribuem para a formação da base da hipoteca.

Os bens que podem ser hipotecados são os mais variados, não se limitando aos imóveis. Embora a essência do instituto diga respeito a bens imóveis, é perfeitamente possível que a hipoteca seja constituída sobre bens móveis, desde eles tenham algum tipo de registro formal, sem o qual a propriedade não se transmita. Há, também, que destacar que a hipoteca recairá sobre qualquer tipo de melhoria acrescentada à coisa. O legislador não pode prever todos os bens que poderiam servir como garantia hipotecária e, dessa forma, nada mais correto em afirmar que os requisitos objetivos previstos no Código Civil são exemplificativos, assim como as formas de extinção da hipoteca.


REFERÊNCIAS

DINIZ, Maria Helena. Curso de direito Civil Brasileiro: Direito das coisas. 24 ed. São Paulo: Saraiva, 2.009.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: Direito das coisas. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 2.009.

GUIMARÃES, Deocleciano Torrieri. Dicionário Técnico Jurídico. 10 ed. São Paulo: Rideel, 2.009.

HOUAISS, Antonio. Dicionário Antonio Houasiss da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2.007.

LISBOA, Roberto Senise. Manual de Direito Civil: Direitos Reais e Direitos Intelectuais. 3 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2.005.

MARINONI, Luis Guilherme; MITIDIEIRO, Daniel. Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 2.008.

MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privad: Direito das Coisas. 2 ed. Rio de Janeiro: Borsoi, 1959. Vol. 20.

MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil: Direito das Coisas. 38 ed. São Paulo: Saraiva, 2.007.

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil: Direitos Reais. 18 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2.004.

RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: Direito das Coisas. 2 ed. São Paulo: Saraiva,  2.006.

RUGGIERO, Roberto de. Instituições de Direito Civil. 2 ed. Campinas: Bookseller, 2.005. Vol. 2.

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Direitos Reais. 6 ed. São Paulo: Atlas, 2.006.


Notas

[1] Flávio Pedro Sabácio Justiniano (483-565 a.c). Imperador bizantino responsável pela compilação de leis, comparada ao Código de Hamurabi em sua importância para o Direito moderno.

[2] Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda (1.892-1.979), autor da teoria segundo a qual o negócio jurídico é dividido em três planos ou, senão, em três degraus. O primeiro degrau dessa escada é o plano da existência, no qual se encontram os elementos mínimos, sem os quais o negócio jurídico é inexistente. O segundo degrau é o plano da validade que, em uma contextualização, representa as partes e suas vontades não viciadas, o objeto lícito determinado ou determinável, além da forma prescrita ou não defesa em lei. Já o terceiro degrau é o plano da eficácia, do qual advirão as consequências do negócio jurídico, tendo como elementos incidentais a condição, o termo e o encargo ou modo. No caso da hipoteca que se materializa de forma autônoma, a mesma será considerada inexistente, carecendo de validade e, por conseguinte, não produzirá nenhum efeito jurídico.

[3] Com esse entendimento, Washington de Barros Monteiro desconsidera a hipoteca sobre bens futuros. Cabe ressaltar que o artigo 138, do Código Brasileiro de Aeronáutica, Lei 7.565/1.986, dispõe que as aeronaves, “inclusive aquelas em construção”, poderão ser objeto de hipoteca. Dessa forma, a hipoteca poderá ser constituída apenas sobre a parte já construída para que esteja de acordo com a realidade material do bem.

[4] In verbis: Art. 171 - Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento:

Pena - reclusão, de um a cinco anos, e multa.

...

§ 2º - Nas mesmas penas incorre quem:

...

II - vende, permuta, dá em pagamento ou em garantia coisa própria inalienável, gravada de ônus ou litigiosa, ou imóvel que prometeu vender a terceiro, mediante pagamento em prestações, silenciando sobre qualquer dessas circunstâncias;

[5] Prelatício: referente a prelado: título honorífico de alguns dignitários eclesiásticos. Certamente a autora utilizou o termo no sentido conotativo da palavra, ao passo que ela sugere superioridade entre os demais, embora sua etimologia faça referência a adiantamento.

[6] Canalização à longa distância de gases naturais ou derivados de petróleo.

[7] Segundo Deocleciano Torrieri Guimarães (2.009, p. 535), “modo derivado de adquirir a o domínio de coisa móvel, pela transferência do alienante para o adquirente”. Todavia, o domínio apenas estará consolidado se não houver o cumprimento da obrigação. Portanto, os juristas editores do Código Civil de 2.002 acertaram em utilizar o termo transferência.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FERREIRA, Diego Alexandre Rodrigues. Da hipoteca: análise crítica do instituto. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3562, 2 abr. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24082. Acesso em: 28 mar. 2024.