Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/24128
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

A dignidade da pessoa humana na perspectiva do direito fundamental a não cumprir pena nenhuma

A dignidade da pessoa humana na perspectiva do direito fundamental a não cumprir pena nenhuma

Publicado em . Elaborado em .

O sentenciado simplesmente deixa de cumprir a pena restritiva de direitos imposta na sentença, uma vez que a consequência para tal postura lhe é benéfica. Sua pena será convertida em privativa de liberdade em regime aberto, pena essa que significa absolutamente nada a não ser a assinatura mensal atestando um nada jurídico no fórum.

Constitui chavão no ambiente jurídico-penal a assertiva de que as penas restritivas de direito, em especial a prestação de serviços a comunidade, constituem a melhor maneira para a ressocialização de indivíduo autores de ilícitos penais.

Afirma-se, sem muita controvérsia, que o sistema carcerário brasileiro, dominado que está pelo crime organizado, não cumpre efetivamente seu papel no sentido de preparar o indivíduo para o retorno à vida em sociedade, de modo que, melhor seria evitar o cárcere, submetendo-o a penas alternativas.

Nesse sentido, o art.44 do Código Penal dispõe que as penas restritivas de direito substituem as penas privativas de liberdade em crimes punidos com reclusão, cuja pena não ultrapasse o montante de 04 anos, desde que não cometidos com violência ou grave ameaça, não reincidente o indivíduo, entre outros requisitos pouco observados, como culpabilidade, antecedentes e personalidade.

O cenário acima delineado, no qual são cabíveis penas restritivas de direito, constitui a imensa maioria das penas aplicadas no Brasil, a contrário do que muitos alardeiam. Para tanto, basta dar uma rápida olhadela para o Código Penal para se constatar que em torno de 80% dos delitos ali previstos admitem penas restritivas de direitos, senão até mais.

Cumpre registrar que, até mesmo crimes tidos como hediondos ou equiparados pela Constituição Federal, têm admitido penas restritivas de direitos, como o tráfico de drogas, por exemplo, em virtude de precedentes oriundos do Supremo Tribunal Federal.

Assim, penas privativas de liberdade, a popular cadeia, está reservada para uma parcela cada vez menor para o grande contingente de criminosos brasileiros, normalmente, mas nem sempre, para aqueles autores de crimes violentos que não possuem um bom advogado.

Em razão desse cenário, surge a indagação, as penas restritivas de direitos estão efetivamente cumprindo o seu papel ressocializador e, assim, prevenindo a ocorrência de novos crimes?

Surge, outrossim, outra indagação, qual a consequência jurídico-penal para o não cumprimento das penas alternativas fixadas em sentenças penais condenatórias?

À primeira pergunta, nos parece que, a despeito da falta de dados empíricos confiáveis, a sensação geral é que, desde a introdução indiscriminada de penas restritivas de direitos pelas Leis nº 9.099/98 e 9.714/98, nada ou pouco se observou em relação à diminuição dos índices de criminalidade, bem ao contrário, diga-se de passagem.

Para a segunda indagação a resposta é ainda mais desalentadora.

Com efeito, a totalidade das penas privativas de liberdade substituída por restritivas de direitos são aquelas para as quais é cabível o regime inicial aberto para o cumprimento da pena.

Assim, acaso o sentenciado não cumpra a pena restritiva de direitos, o juiz poderá determinar a sua conversão em pena privativa de liberdade no regime aberto, conforme autoriza art.44, §4º, do Código Penal.

Sobreleva notar, no entanto, que o regime aberto, a ser cumprido em casas de albergado (art.33, alínea “c”) nas quais o sentenciado trabalharia durante o dia e se recolheria no período noturno e nos finais de semana para a frequência a cursos e atividades, praticamente inexiste no território nacional.

Na prática, o regime aberto consiste em uma assinatura a uma ficha de frequência mantida em cartórios criminais, na qual o sentenciado declara que possui um trabalho lícito[1]. Ou seja, a pena efetivamente imposta a um condenado no regime aberto é a assinatura mensal a um papel, algo quase cômico se pensarmos em uma política criminal séria e eficiente.

Em virtude desse cenário, o que efetivamente ocorre é o seguinte, o sentenciad, simplesmente deixa de cumprir a pena restritiva de direitos imposta na sentença, uma vez que já é de conhecimento até do mundo mineral que a consequência para tal postura lhe é benéfica. Sua pena será convertida em privativa de liberdade em regime aberto, pena essa que significa absolutamente nada a não ser a assinatura mensal atestando um nada jurídico no Fórum.    

A fim de contornar esse evidente absurdo, alguns juízes passaram a fixar como condição especial para o regime aberto, como autoriza o art.115 da Lei de Execuções Penais, o cumprimento da pena restritiva de direito a que o sentenciado já estava originalmente condenado, sob pena de se gerar o imenso contrassenso e se prestigiar a mais absoluta impunidade.

Nada obstante, o Tribunal da Cidadania recentemente editou a Súmula nº 493 dispondo que é inadmissível a fixação de pena substitutiva como condição especial para o regime aberto.

Assim agindo, o Superior Tribunal de Justiça prestigiou mais uma vez a dignidade da pessoa humana e o garantismo penal substancial, olvidando-se, no entanto, da imensa massa indivíduos que diuturnamente trabalham para a construção de um País melhor e possuem uma legítima expectativa de ver cumpridas as determinações coletivas estampadas nas normas gerais e abstratas.

Fica aí, portanto, a dica para os sentenciados de que não cumpram pena nenhuma e aguardem complacentemente o temido regime aberto, uma vez que foi consagrado no Brasil o direito fundamental à impunidade escancarada e absoluta.


Nota

[1] Se possui ou não trabalho lícito, a bem da verdade, ninguém fiscaliza.


Autor


Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CASTRO, Leonardo Bellini de. A dignidade da pessoa humana na perspectiva do direito fundamental a não cumprir pena nenhuma. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3696, 14 ago. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24128. Acesso em: 28 mar. 2024.