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Qual é o cheiro do Direito? Primeiras conjeturas para uma semiótica da “matéria” jurídica

Qual é o cheiro do Direito? Primeiras conjeturas para uma semiótica da “matéria” jurídica

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Este artigo é uma aproximação semiológica de uma possível sensação olfativa do Direito, considerando-se que a semiótica pode englobar os cinco sentidos. Conjectura-se se o cheiro do Direito seria de fumaça (fumus boni juris).

“Em virtude de seu status marginal e reprimido na cultura ocidental contemporânea, o cheiro dificilmente é considerado um veículo político ou um meio para a expressão de fidelidades e lutas de classes. Não obstante, a olfação participa de fato na construção de relações de poder em nossa sociedade, nos níveis popular e institucional.” (1)

Resumo: Este artigo é uma aproximação semiológica de uma possível sensação olfativa do Direito, considerando-se que a semiótica pode englobar os cinco sentidos. Sendo a percepção do Direito expressa pelo latim fumus boni juris, conjectura-se se o cheiro do Direito seria de fumaça, descrevendo-se as suas estruturas. A partir desse ponto, pensa-se sobre as estruturas da matéria jurídica.     

Palavras-chave: Direito - cheiro – fumaça – estrutura – matéria – semiótica.


1. INTRODUÇÃO E CONTEXTO DO PROBLEMA

Em tempos de uma Semiótica Jurídica emergente, mas ainda não culturalmente arraigada (2) na compreensão e explicação dos fenômenos, é perceptível que a Iconografia Jurídica, de uma maneira geral, volta-se mais às artes visuais (pintura e escultura, principalmente, na chamada “Visual Law”) do que a outros possíveis signos que integram a percepção empírica dos fenômenos envoltos pelo Direito, e que podem ser fonte de informação e de interpretação para o ser cognoscente, imerso nesta profusão concorrente de variados estímulos e conceitos que formam a imagem ideal da juridicidade.

Poder-se-ia ponderar referida ascendência com base na noção de que são estes, visão e audição, os sentidos mais explorados na produção cultural, muito embora, na realidade dos acontecimentos, nem sempre sejam os mais conscientemente manejados, nem tampouco os mais ativados pelas trocas humanas. Ou seja, o fato de atentarmos mais à visão e à audição em nossas produções comuns não significa, necessariamente, que o mais importante da realidade sejam estas manifestações, o que por si elide a aspiração da plena mímese linguística de qualquer coisa, produzindo-se feixes de sentidos e representações em que domina sempre uma ausência substantiva.

Uma causa provável do desequilíbrio, ou das diferentes destinações culturais dos usos dos sentidos, pode ser buscada nos estudos de biologia, na morfologia comparada. Uma explicação corrente é a de que a evolução de partes específicas do cérebro correspondem aos estilos de vida das espécies, produzindo diferentes ascendências funcionais. O cérebro humano possui uma dominância do córtex visual, com visão binocular acurada na percepção da distância, tendo reduzidas as estruturas olfativas enquanto traço evolutivo resultante da vida ao ar livre e uso maior de referências visuais e táteis para a sobrevivência (3). Contudo, permanece a relevância do olfato na identificação das mais variadas condições de sobrevivência.

Nesse contexto, ainda, pode-se verificar que os meios de comunicação contemporâneos aperfeiçoam a representação tridimensional da imagem e do som, mas pouco avançam na apresentação ou reprodução de aromas com fins intelectivos. Concretamente, o apelo ordinário do olfato se aprimorou na indústria alimentícia, em aromas artificiais idênticos ao natural, da baunilha ao bacon; e na perfumaria, da mais barata à milionária, tantas vezes uma emulando a outra na incessante busca de sofisticação. A gastronomia, também, refina-se no apego às sensações específicas, transcendendo a alimentação pela sobrevivência, vendo nela uma arte e um prazer do paladar. Todos esses exemplos apontam para uma maior fluidez do aroma, destinado ao consumo e se encerrando em seu caráter de composto volátil.

As artes seguem o mesmo caminho, de modo que os cheiros (enquanto manifestação, e não representação imagética) integram e estrelam principalmente as experiências de vanguarda na arte contemporânea, geralmente em arte ambiental (4), ficando a produção aromática difundida, de ponta e exaustiva canalizada nas grifes e designers de perfumes, unindo alta sofisticação com a imediata venda casada de sensualidade, modernidade, bem-estar e toda sorte de imagens que as pessoas possam agregar a si por meio da compra e do estilo (5). O perfume é também um meio de valores sociais que o indivíduo pode exalar.

Filosoficamente, a pergunta latente no assunto é: o cheiro permite produzir conhecimento? Conforme se verifica pelo cenário acima desenhado, ao aroma ficou relegado mais o papel dentro do consumo do que, necessariamente, de conhecimento; ou seja, sua função precípua é ser fruído, e não poderia ser diferente ante sua natureza. O papel das especiarias e sua fascinação no desenvolvimento comercial corrobora esse entendimento.

Contudo, como todo fenômeno, do aroma pode se depreender conhecimento, valoração, enfim, produções culturais que, ao se perpassarem na discussão, se transmutam em novas possibilidades. A dualidade está presente no sentido.

Um interessante exemplo nesse sentido de discussão é a análise e crítica de perfumes. O crítico Chandler Burr se destaca nesse ramo e, para ilustrar, brevemente pode-se destacar alguns pontos de seu artigo “Gucci Envy é obra de arte olfativa moderna e enigmática” (6). Nesta crítica, o autor verifica que o perfume seria digno de exposição no Museu de Arte Moderna, tamanha sua transcendência e grandiosidade aromática: uma obra de arte olfativa. Para Burr, a fragrância única possibilita estados mentais surreais, criando-se uma beleza pura, límpida e requintada, qualificada pelas qualidades técnicas perfeitas de fixação, intensidade e estrutura. A fragrância seria “maravilhosamente estranha quanto estranhamente maravilhosa”, devendo-se para apreciá-la abandonar as referências aos aromas naturais. Ainda, destaca o autor, acerca da atividade de crítica aromática: “é interessante como é mais difícil descrever um bom perfume do que um perfume ruim, mas não é de surpreender: isto acontece, em boa medida, porque quase sempre os bons incorporam a originalidade, e esta é, por definição, uma qualidade que desafia a descrição.”.

Veja-se, pois, como os aromas e as suas clássicas notas de saída, de corpo e de fundo, que conferem estrutura, estão intimamente vetorizados ao campo da memória, das sensações, intuição, e, em certo sentido, transcendem as habilidades verbais e linguísticas. Aliás, as peculiaridades do olfato desafiam a capacidade de remissões e de articulação explicativa. Ainda no exemplo do autor em comento, perceba-se a criativa estratégia utilizada para comunicar sua compreensão do aroma, valendo-se de analogia com outros sentidos e metáforas, além das referências aos padrões das escolas de criação de perfumes: “Envy é uma inovação verde, fresca, moderna e abstrata, tão enigmático e ao mesmo tempo irresistível quanto os quadrados coloridos e flutuantes de um quadro de Mark Rothko e tão livre quanto informação consciente. Pode ou não ser atemporal. Veremos. Mas é tão singular e indescritível quanto um eclipse.”.

Esta crítica revela exemplarmente os desafios de tratar do assunto, o que requer trânsitos variados que, no escopo deste artigo, são feitos em um caminho inverso ao do crítico, contudo, segundo estratégia de abordagem similar: enquanto o analista de perfume deve criar imagens para expressar o aroma que sente, neste artigo se pretende buscar alguns caracteres do objeto para se inferir seu possível aroma, a partir de algumas abstrações.

O olfato, assim, é desafiador ao conhecimento, e estimula a linguagem, obrigando-a abandonar suas estratégias ordinárias, forçando a enunciação para produzir um sistema significativo da mensagem. Sua interação com a vida social se dá nas múltiplas dimensões, tais como os focos de estudo do Sense of Smell Institute, em Nova Iorque (7), ao definir campos da Aromacologia (estudo dos efeitos psicofisiológicos dos aromas): comportamento do consumidor; memória; humor e emoções; aprendizado e desenvolvimento; interação social; aplicações clínicas; genética e neurobiologia; percepção do odor e cérebro olfativo; saúde e percepção molecular e de misturas; feromônios. Por isso, a utilidade do assunto em se tratando de estética jurídica.


2. QUAL O CHEIRO DO DIREITO?

No amplo contexto do mundo olfativo, não se pode deixar de considerar que o Direito, por óbvio, não escapa do orbe dos sentidos, e nesse campo de exploração um pouco se tem falado também do Direito por meio da Música; e muito se tem falado, quase tudo, sobre Direito e Literatura. Porém, sentidos como o olfato e a audição, ao que soa e ressende, nada têm sido explorados, não obstante seu potencial para integrar entendimentos sobre a interação entre as pessoas no mundo jurídico e no social de interesse jurídico. Ou seja: como visto, o aroma interessa e desafia a produção de conhecimento, inclusive, o jurídico.

Em suma, a tradicional “qualificação” – preconceituosa e obtusa – que se dá comumente no Direito a respeito de algumas disciplinas essenciais (que integram mera “perfumaria”, ou seja, o que está fora do costumeiro pragmatismo), pode ser manejada, sem medo do jogo de palavras e sentidos: no Direito, os aromas estão condenados à simples perfumaria.

A busca pelo cheiro do Direito, “[...] para além e por detrás ou por baixo ou por cima”(8)  de sua realidade fenomênica (9), e desta também, em uma expressão quase sinestésica de seu conceito, pode representar uma intuição transmutada em aroma. Qual seria?

“Quod non est in actis non est in mundo” – o que não está nos autos, não está no mundo jurídico. Há algum cheiro “in actis”? O “fumus boni iuris” “est in actis” e, sem dúvida, “est in mundo”. Num processo criminal, o cheiro do cadáver “non est in actis” e, consequentemente, “non est in mundo”. Mas o cheiro do papel foge à escrita (sem perdão do trocadilho): ele está nos autos, mas não está no mundo jurídico. Os planos de cheiros são muitos e todos inter-relacionados em momentos distintos.

Isso obriga a distinguir entre dois tipos de odores possíveis para o Direito: um é abstrato e teórico, chamado de “fumus boni iuris”. Portanto, a Doutrina Jurídica e a Teoria do Direito teriam, supostamente e por alegoria, cheiro de fumaça: agradável ou não, expressam um indício, possivelmente, do direito positivo, o que leva ao problema do cheiro deste.

Diz um adágio popular que “isto não me cheira bem”. Evidentemente, é uma síntese do senso comum para expressar a verificação de algo errado, imperfeito, obscuro ou inacabado. E não se duvida que uma atitude antiética, ou mesmo uma conduta antijurídica, realmente agridam, ardam aos sentidos. A expressão do “isto não me cheira bem” é a de um indício de podridão, de extemporaneidade, enfim, de degenerescência e decomposição da coisa dantes íntegra, e que agora exala os estímulos de seu nefasto desfazimento.

Neste mesmo contexto, a indiferença é representada por outro adágio, o “nem fede nem cheira”, demonstrando que o aroma é apto para indicar focos da atenção e da relevância. Por isso, para muitos o Direito fede, enquanto para outros, exala seus perfumes mundo afora.

É justamente nesse contexto que se pode encontrar o “fumus boni iuris”.

Há o outro dito popular, “onde há fumaça há fogo”; e algumas tribos indígenas, como os apaches, comunicavam-se por meio de sinais de fumaça, que, inclusive, em semiótica constitui o exemplo clássico para se explicar a figura do índice na tríade ícone, índice e símbolo. Ora, isto quer dizer que a fumaça também é um veículo de comunicação. Nesse sentido, sob o ponto de vista semiótico, a fumaça é um signo perfeito e acabado, onde há emissor e receptor da mensagem. A fumaça é a mensagem. O “fumus” também, uma mensagem do requerente ao juiz.

O outro tipo de odor possível para o Direito, na linha do acima delimitado, é concreto e material; revela-se plural e cotidiano: trata-se de cheiro de papel, que pode ser papel novo, velho, sujo, empoeirado, derramado de café, etc. E cheiro de bolor, que significa, em última análise, cheiro de tempo transcorrido e da mudança imperativa das coisas em curso. Até quando o Direito, na prática, terá cheiro de papel e de bolor? Até virtualizar-se por completo no processo eletrônico? E até quando o mundo virtual estará abastado da difusão aromática? Qual diferença faz o aroma na percepção e integração dos fenômenos?

O cheiro de hospitais se consagra como o aroma da assepsia e, para alguns, do temor. O cheiro das penitenciárias expressa a condição de indignidade ali vivenciada. Os cheiros dos fóruns podem representar pessoas bem atendidas em suas necessidades básicas, inclusive com capacidades de supérfluo, indicando também respeito institucional ou mera afirmação pessoal, ou, ainda, a convivência dos aromas que expõem as mais variadas condições de vida reunidas no espaço público de solução de controvérsias. O aroma informa, une, demarca, separa; aproxima, afasta e hierarquiza as pessoas.

Os aromas podem acalmar ou agredir, e qualquer um que sofra de enxaqueca sabe o poder destruidor até dos melhores dos perfumes. Os diferentes ambientes sociais condensam massas aromáticas que indicam sobre as pessoas que ali convivem e sobre os fenômenos e relações que nele se estabelecem, de modo que o aroma compõe o conhecimento do objeto, dá-lhe identidade, finalidades, qualidades.

Interessante verificar como a integração dos sentidos acerca do Direito revela os mais íntimos conceitos, preconceitos e concepções acerca do fenômeno jurídico. É inegável a ligação direta do olfato com a memória e as emoções, tanto que é por essa via que Proust celebrizou a imagem da remissão direta às vivências da infância por meio do experimentar a madeleine embebida em chá, experiência de lançamento temporal que qualquer um já vivenciou ao ser bombardeado, por acaso, por um perfume da pessoa antes amada e distante, pelas lembranças associadas ao aroma do café coado, da chuva na terra e assim por diante, em uma totalidade de apreensões.

Talvez a integração do que se vê, com o que se aspira, com o que se ouve e se manipula permita interrelacionar dados de um objeto essencialmente complexo à inteligência, reunindo as emoções com os dados racionais.

Esta integração poderá produzir novos conceitos e aspirações (no duplo sentido) jurídicas (10), permitindo ver e sentir o que antes se encontrava oculto, ou por estar encoberto pela cegueira cotidiana, ou porque naturalizado nas práticas sociais. Sendo consabido que estas estão abertas à criatividade e reinvenção humanas, encontra-se na exploração do olfato um novo instrumento para conhecer, sensibilizar e criar o Direito mais consoante a demanda do real a que se direciona.

É nesse contexto que a pergunta do “cheiro do Direito”, enquanto envolvimento de plano estético e de semiótica, faz pleno sentido, quanto mais se pensando nas virtualidades do emprego do caráter “sinestésico”, como dito, que o conhecimento pode adquirir: a junção de sentidos distintos produzindo resultados de estímulos de uns nos outros (p. ex. a cor ou o cheiro do som, a aspereza do aroma etc.), como figura de linguagem, apropriado e funcional, pois próximo da metáfora, constituindo assim método de apreensão intelectivo-especulativo. Ao se pensar sobre o cheiro do direito está-se também no campo da sinestesia, unindo-se um aspecto olfativo com outro, intelectivo, cognoscente, produzindo diálogos e investigando a natureza dos objetos por caminhos menos convencionais.

Ainda neste rumo, importa destaque a definição deveras controvertida e debatida, qual seja, a de que palavra “sentença” vem de “sentir” (11). Muito se critica que ela traria um apelo ao sentimentalismo, mas não se pode negar seu caráter indicativo de função.

O cheiro do direito é sentido antes da sentença. Basta lembrar a “fumaça do bom direito”. Pois bem, a fumaça (“fumus”) não é um gás, mas um colóide, partículas sólidas (micelas) no ar (“desmanchadas”, cf. pregante imagem criada por Marshall Berman), em movimento browniano, observáveis graças ao efeito Tyndall. A fumaça é uma estrutura dissipativa, relacionada à teoria do caos (Prigogine). O movimento browniano é tipicamente caótico, ou seja, aparentemente, a semiótica do “cheiro do direito” permite, de fato, uma abordagem pela teoria das estruturas dissipativas. A teoria das estruturas dissipativas e o Princípio da ordem por meio das flutuações contribuíram para a formação de uma nova mentalidade. Nesta nova visão, destacam-se: a história, a imprevisibilidade, a interpretação, a espontaneidade, a desordem, a criatividade, o acidente a auto-organização. Tem-se ainda, para essa teoria que o pensamento está sempre em processo. É provisório, não é estável, não é fixo. Assim como a liminar fundada no “fumus”: provisória, instável, sujeita às flutuações processuais (e a linha processual não é reta, mas cheia de incidentes, portanto, fractal, ou seja, caótica) que podem cassá-la ou suspendê-la.

Falar em “fumus” também remete ao “sfumato”, técnica básica de representação consagrada na pintura renascentista, evidente na face da Monalisa. Pelo “sfumato”, as passagens de cor e de tonalidade são feitas sem cortes abruptos, mas suave e progressivamente, o que leva à imagem difundida e metafórica do conhecimento das diferenças, segundo a qual não se deve encarar a realidade de modo tão contrastante, “preto no branco”, mas considerando os inúmeros intermédios cinzas que permitem distinguir sutilezas e nuances, similitudes e oposições que nos permitem compreender as formas pelos jogos de luz e sombra e múltiplos matizes.

À primeira vista, pois, se pode considerar que a presença do “fumus boni iuris”, ao contrário do “sfumato”, serve justamente para “quebrar” o “status quo”, mediante a imposição de uma medida liminar. Quer dizer, a liminar se apresenta justamente como a transição abrupta, não “sfumata”. No entanto, como bem esclarece Marinoni, o que ocorre é exatamente o contrário: a liminar vem justamente para aparar as arestas, em favor do autor que vem tendo seus direitos violados no plano fático. Mesmo porque a liminar pode não ser satisfativa, mas acautelatória do resultado útil do processo, o que daria uma ideia ainda mais próxima de amenização de transições abruptas. O “fumus” é, de fato, “sfumato”.

Mas nem tudo é “fumaça” ou “cheiro” no Direito. Enfatizem-se expressões como “direito líquido e certo”, no mandado de segurança. Não é só o sólido que é relevante, no imaginário jurídico; o colóide (“fumus”) e também o líquido (liquidez do direito, de um crédito etc.) igualmente podem ser considerados juridicamente valorosos. Ora, a ideia da “liquidez” remete imediatamente a Bauman, especialmente à “Modernidade Líquida”, enquanto a solidez aponta para o passado. Tais expressões, no jargão jurídico, estão carregadas de um perfil não “pejorativo” (negativo) – que, por exemplo, teria um direito “ilíquido” – ora, mas o ilíquido é o quê? Gasoso? Não é possível precisar em abstrato. De qualquer sorte, o gás está mais próximo de uma noção de incerteza, o que entra em conflito com a pretensão de segurança jurídica.

Porém, a “solidez” é também bastante presente no imaginário jurídico. Basta citar jargões que remetem à idéia de concretude, porque calcados numa concepção jusfilosófica pré-atômica, como “materialidade do delito”, “materialidade da prova” (e do direito); em contraponto à  a tese da “desmaterialização da propriedade”, por exemplo, com os ativos intangíveis (lembramos Marshall Berman: “tudo o que é sólido se desmancha no ar”).

Chama particularmente a atenção a expressão “sólido saber jurídico”, a qual se apresenta como expressão fossilizada, digna de um “Dicionário de idéias feitas” de Flaubert, o que diz muito sobre o imaginário que o universo jurídico faz sobre a consistência do direito. Pensando-se sobre a ideia de “solidez” no imaginário jurídico, é possível observar que, para as concepções mais tradicionalistas, tudo tinha que ser sólido: o saber, a consistência, a mobília, o vetusto mármore, etc. Mais do que uma questão estética, a ideia de solidez no Direito deriva de uma concepção da matéria anterior à descoberta do átomo, quando se acreditava que a matéria era maciça.

Atualmente, sabe-se que no interior da matéria há mais espaços vazios do que massa, mas para muitas concepções do Direito, a mobília e o saber continuam sendo sólidos, maciços, densos, opacos, sem ar no entremeio. Em contraponto, os juristas de qualquer tempo adotam o “fumus boni iuris”, que é volátil e dissipativo como o cheiro – assim como a efemeridade e volatilidade enquanto metáforas da fugacidade de fatos jurídicos perdidos no tempo. A operação jurídica muitas vezes se torna um apanhar de fumaça com as mãos.


3. CHEIRO DO DIREITO, MATERIALIDADE JURÍDICA E SEUS ESTADOS

Ao se passar das conjeturas semióticas do cheiro do direito à ideia de liquidez e, em seguida, a de matéria, pode-se considerar, então, que o presente artigo não é só o esboço preliminar de uma estética do olfato, mas também do tato, em virtude da discussão sobre a matéria.

Assim, deriva-se “do olfato ao tato jurídico”, ou seja, iniciou-se a falar do cheiro, para então se verificar que a fumaça é colóide e em seguida compreender sobre os estados da matéria, refletido esse caminho ou movimento do pensamento que perfaz esta reflexão.

Por isso, trata-se de uma discussão sobre a materialidade do direito, ou seja, uma analogia aos “estados da matéria”. Cheiro remete à materialidade (gás e colóide). E gás e colóide (materialidade) remetem a (ocupação de) espaço. Ora, passar de um estado da matéria ao outro é uma forma de transmutação, que não é a mesma coisa que transubstanciação. Daí a importância da tradução intersemiótica, de que trata Julio Plaza.

Mencione-se, a propósito e ainda, a ideia de ductilidade, que é uma característica que faz sentido nos sólidos (nem todos, diga-se), não se falando em líquido dúctil ou gás dúctil - pelo menos. Ou seja, quando chegarmos a essa questão da solidez, teríamos que matizar os sólidos (direitos?) em dúcteis e inflexíveis e frágeis?

Gustavo Zagrebelsky (11) abordou problemática similar ao refletir sobre a relação dos direitos humanos com a lei e a relação destes com a justiça, compreendendo a ductibilidade enquanto traço da proposta pacífica e democrática contida na superação da “Babel” de línguas entre os distintos universos culturais, éticos, políticos e religiosos pelos quais se transpassam os direitos humanos. A forma do Direito, pois, é decisiva para a sua aplicação, distinta da compreensão positivista do direito sólido e intransitável.

A despeito desta riquíssima contribuição do autor, e dos avanços da hermenêutica constitucional, continua faltando uma suposta analogia semiótica ao “direito gasoso”, que não é o direito virtual. Aliás, qual seria o estado da matéria do direito virtual? De fato, neste primeiro ensaio sobre o tema, não se cogitaria vislumbrar exemplo de “direito gasoso”, apesar dos exemplos levantados de “cheiro do direito”. No entanto, nos exemplos vistos, nota-se que não é preciso estar em estado gasoso para ter cheiro.

Ao se pensar sobre os supostos “estados da matéria” jurídica, em uma linha semiótica, é preciso lembrar que nem tudo no universo é composto de matéria. Discutir os estados, pois, é discutir o estado de uma pequena parte do universo. Há energia, matéria negra, energia negra etc., de interesse para astrônomos. Neste sentido, o “direito virtual” teria mais a ver com “energia” (ambos, aliás, não têm cheiro), por isso questiona-se se escaparia a essa questão dos estados da matéria. Se o direito virtual é energia, lembre-se que a matéria pode se converter em energia (Einstein) e os novos cheiros poderiam emergir das transmutações.

É possível que haja mais estados da matéria do que os já conhecidos, mas não há provas a respeito, que sejam admitidas pela ciência oficial. Mesmo a (astro)física teoriza sobre isso. Aliás, um deles é o plasma.

Deste modo, pode-se questionar a legitimidade de, neste artigo sobre Semiótica Jurídica do cheiro, passar-se à questão da matéria. Seria preciso definir o que é principal e o que é acessório, no artigo, para delimitar o tema. Não obstante, a temática da matéria pode soar rica e interessante para os estudiosos férteis e promissores da Semiótica do Direito.


4. CONSIDERAÇÕES FINAIS: CAMINHOS DA COMPLEXIDADE DA APREENSÃO DO CHEIRO DO DIREITO E A RELAÇÃO DOS ESTADOS DA MATÉRIA JURÍDICA

A leitura proposta ao longo deste artigo sugere uma superposição, sobreposição e imbricação de estados da matéria jurídica, visto que há segmentos de várias ordens. Mas de fato, para haver uma estética relacionada à “materialidade” do Direito, que ainda não foi explorada, é preciso pensar se a superposição das matérias pode ser considerada uma superposição de linguagens.

Quanto à posição ocupada por essas linguagens, que seriam metáforas elaboradas pelo imaginário do direito com relação aos estados da matéria, não se pode ainda afirmar se se trata de superposição, sobreposição ou imbricação, mas certamente pode-se vislumbrar, na linguagem empregada pelo Direito, a presença analógica e metafórica desses estados da matéria (jurídica): o sólido (saber jurídico), o líquido (direito líquido e certo). Colóide não é estado da matéria, mas também está presente (“fumus”). E o gás? Pode ser parte ou emanação do colóide (“fumus”).

Marcílio Toscano Franca Filho constata, com muita propriedade, que o Direito sofre de imagofobia (12). Ele é logocêntrico, de fato. Só que a objetividade, a impessoalidade, tudo conduz a um direito não só sem imagem, mas também sem cheiro. Veja-se o “silêncio eloquente da lei”, de que fala Karl Larenz (13): o olfato não o alcança. Também o “Mute Law”, o Direito não escrito e não falado: o olfato segue intacto. Ou seja, o Direito não sofre só de imagofobia, mas também de olfatofobia. Eventualmente potencializada pelo processo civilizatório.

Afinal, a partir da leitura de Aldous Huxley e Norbert Elias, podemos dizer que a história da civilização é a história da desodorização – o que pode constituir um bloqueio ao cheiro do Direito.

A propósito, a olfatofobia jurídica é confirmada até mesmo pelo princípio tributário do “non olet”, segundo o qual o dinheiro “não cheira”, i.e., é irrelevante a ilicitude da atividade para a tributação de sua renda. Paradoxal como no soneto de Camões (“é um não querer mais que bem querer”), é um não cheirar cheirar mais que bem cheirar: ele parte de um critério para mandar abandoná-lo; trata-se de um princípio “olfativo” que nos obriga a deixar de lado o olfato, ou seja, é um princípio simultaneamente olfativo e olfatofóbico, i.e., exemplar da importância do cheiro no Direito e também de sua desimportância.

Aproveitando uma ideia de Chandler Burr, todo perfume, a bem dizer, pode ser considerado uma obra de arte totalmente abstrata. Assim como o Direito (“ars boni et aequi”), também é arte, também tem estilos, modas, escolas... A arte do perfume não só tem seu tempo, sua moda, mas também um estilo, de sorte que talvez seja possível fazer uma história dos perfumes assim como se faz uma história das artes e do Direito, com as escolas de cada época etc. Só que a arte do perfume não tem imagem, nem verbo e provavelmente não tem “logos” (e, nesse sentido, extremo oposto do Direito; ou seja, o cheiro do Direito atinge o que o próprio Direito não atinge – e, talvez, por isso mesmo seja um índice tão desdenhado pelo mundo jurídico e seus semiólogos, ao menos expressamente).

Ora, a disseminação de um cheiro indica que da matéria (gás ou colóide) se espalha pelo espaço, entropicamente. Se o Direito é olfatofóbico, também é agorafóbico, pois se prende a ambientes fechados. Se a música é invasiva (Pascal Quignard), assim também é o cheiro. Daí a clausura forense contra os cheiros de fora do Direito. Só que ambientes fechados preservam cheiros. Ao tentar se livrar dos cheiros, o fórum acaba paradoxalmente preservando e concentrando um cheiro, o seu próprio: o cheiro do Direito. Preserva do quê? Dos cheiros externos ao mundo jurídico, cheiros do mundo real.

No entanto, a idéia de democracia em Platão surgiu na ágora, ambiente aberto, ao ar livre – o que significa: cheiro livre. É onde os cheiros se mesclam, i.e., não que a democracia seja inodora, ela simplesmente mistura os cheiros – aliás, assim como mistura as vontades, os votos, as raças, os credos, os gêneros, tudo. Mas o cheiro em liberdade, por entropia, dilui-se, perde-se. De sorte que a liberdade do cheiro na democracia é seu próprio fim.

Se o ambiente aberto da ágora e o claustro forense são inconciliáveis, em última análise, isso significa uma incompatibilidade entre democracia e preservação do cheiro do Direito...


Notas:

(1) CLASSEN, Constance; HOWES, David; SYNNOTT, Anthony. Aroma: a história cultural dos odores. Rio de Janeiro: Zahar, 1996. p. 173. Essa constatação motiva o presente artigo, primeiro, pela menor atenção dada ao olfato enquanto fonte significativa de conhecimento, em geral, ao compasso de sua discussão em orbe da estética jurídica que, por ora, é quase não existente. Confronta-se essa desatenção com todo o escopo significativo que se tem condensado em torno do aroma e suas implicações sociais, políticas e também epistêmicas.

(2) Dentre outros, destaca-se: ARAÚJO, Clarice von Oertzen. Semiótica do Direito. São Paulo: Editora Quartier Latin do Brasil, 2005.

(3) KAVOI, Boniface M  y  JAMEELA, Hassanali. Comparative Morphometry of the Olfactory Bulb, Tract and Stria in the Human, Dog and Goat. Int. J. Morphol. [online]. 2011, v.29, n.3, p. 939-946. ISSN 0717-9502.

(4) Apenas dois exemplos para verificar o papel expressivo do aroma, explorado pelos artistas atualmente. ENCICLOPÉDIA ITAU CULTURAL DE ARTES VISUAIS. Comentário Crítico: Ernesto Neto. Disponível em: <http://www.itaucultural.org.br/aplicexternas/enciclopedia_ic/index.cfm?fuseaction=artistas_biografia&cd_verbete=1677&cd_idioma=28555&cd_item=1>. Acesso em: 07 abr. 2012. Na obra do artista Ernesto Neto fica clara a exploração dos sentidos herdada de Helio Oiticica, Lygia Clark; “Na segunda metade da década de 1990, Ernesto Neto passa a realizar esculturas nas quais emprega tubos de malha fina e translúcida, preenchidos com especiarias, de variadas cores e aromas: açafrão, urucum, cominho, pimenta-do-reino moída ou cravo em pó. Em algumas obras, os amontoados de temperos são dispostos no chão enquanto as extremidades dos tubos de tecido são amarradas no teto, gerando a verticalidade das esculturas e também uma interação com o espaço expositivo. As esculturas apresentam alusões ao corpo humano, no tecido que se assemelha à epiderme e nas formas sinuosas que se estabelecem no espaço. Os títulos dos trabalhos reiteram a intenção do artista de situar o corpo humano na centralidade de sua obra: O Céu É a Anatomia do Meu Corpo ou Acontece na Fricção dos Corpos (ambas de 1998).”. Explorando com maior veemência a expressividade do olfato e suas relações com a memória: CARVALHO, Josely. Nidus Vítreo – Diário de Cheiros. Instalação. Exposição de 15 dez. 2010 a 20 mar. 2011, Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro. “Na sala escura, um gigantesco ninho com mil galhos de resina de vidro translúcido se apropria de uma área de cinco metros quadrados, no chão. Refletido sobre um espelho Iluminado. Num primeiro momento, explode à retina, brilhante, majestoso; no momento seguinte, aciona o olfato, a partir de uma fragrância que brota de seu núcleo, evocando a memória dos visitantes. Memória? De aconchego, do ponto de partida da vida, da construção de uma história. O cheiro (de ninho), especialmente desenvolvido para compor a obra, convida o público a iniciar uma viagem sensorial pela instalação olfativa.” Na história da arte contemporânea, em especial nas influências da videarte e do movimento Fluxus, a referência à expansão dos sentidos. ENCICLOPÉDIA ITAU CULTURAL DE ARTES VISUAIS. Verbete Videoarte. Disponível em: < http://www.itaucultural.org.br/aplicexternas/enciclopedia_ic/index.cfm?fuseaction=termos_texto&cd_verbete=3854&cd_idioma=28555&cd_item=8>. Acesso em: 07 abr. 2012. “A videoarte deve ser lida na esteira das conquistas minimalistas, mas também da arte pop, pela sua recusa em separar arte e vida por meio da incorporação das histórias em quadrinhos, da publicidade, das imagens televisivas e do cinema. As performances e os happenings largamente realizados pelos artistas ligados ao Fluxus, aparecem diretamente ligados à videoarte. As realizações Fluxus justapõem não apenas objetos, mas também sons, movimentos e luzes num apelo simultâneo aos diversos sentidos: visão, olfato, audição, tato. Nelas, o espectador deve participar dos espetáculos experimentais, em geral, descontínuos, sem foco definido, não-verbais e sem seqüência previamente estabelecida. Ampliando o recuo temporal, é possível localizar ecos dadaístas, sobretudo dos trabalhos tridimensionais de Marcel Duchamp (1887 - 1968) - The Large Glass,1915/1923 e To Be Looked at (From the Other Side of the Glass) with one Eye, Close to, for almost na Hour, conhecido como Small Glass, 1918 - e de seus trabalhos óticos, Rotary Glass Plates (Precision Optics), 1924 e Anemic Cinema, 1926.”

(5) Um exemplo oportuno da complexidade semântica e social envolvida na indústria de perfumes pode ser verificada nas requintadas leituras dos perfumes realizadas pelo crítico de perfumes e colunista do NY Times, Chandler Burr, que também e autor de "O Imperador do Olfato: Uma História de Perfume e Obsessão" e de "The Perfect Scent: A Year Inside the Perfume Industry in Paris and New York". Igualmente, relevante a proposta e observações de Jean-Marc Lehu acerca do marketing olfativo e os problemas de direitos autorais advindos das questões de aroma e especulações acerca das possibilidades do aroma na web. LEHU, Jean-Marc. Le marketing olfactif. Collection Grande Collection, Editions Presses du management, 1999.

(6) BURR, Chandler. Uol Estilo. Notas perfurmadas. Gucci Envy é obra de arte olfativa moderna e enigmática. Tradução de Erika Brandão. Publicado em 01 maio 2009. Disponível em: < http://estilo.uol.com.br/beleza/notasperfumadas/ultnot/2009/05/01/ult6163u45.jhtm>. Acesso em: 07 abr. 2012.

(7) Sense of smell Institute, NY. Disponível em: <http://www.senseofsmell.org>.

(8) “Cheiro”, “odor” e “aroma” certamente pertencem ao mesmo campo semântico e possuem relações de sinonímia muito fortes. Contudo, pelas definições do Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa no Brasil, pensamos que o vocábulo mais apropriado para o que tratamos neste ensaio seja realmente o “cheiro”. Vejamos: CHEIRO: “Acepções: substantivo masculino. 1  propriedade que têm certos corpos de emanar partículas voláteis capazes de afetar os órgãos olfativos do homem e de certos animais, e cuja percepção manifesta-se em sensações diversas; odor; Ex.: c. forte, c. imperceptível, c. inebriante, c. nauseabundo. 2 Derivação: por metonímia. Uso: informal. Distinção feita entre essas emanações; olfato, faro. Ex.: identificar pelo c. 3 Derivação: por metonímia. Uso: informal. Cheiro (acp. 1) bom, agradável; perfume, aroma, fragrância, olor. 4 Derivação: por metonímia. Composição feita de essências perfumadas; perfume. Ex.: um frasco de c.; pôr c. nos cabelos. 5 Derivação: por metonímia. Cheiro (acp. 1) ruim; mau cheiro (acp. 1); fedor, fedentina. Ex.: que c., parece peixe podre. 6 Derivação: por metáfora. Qualidade que suscita certas sensações. Ex.: c. de juventude; c. de corrupção. 7 Derivação: por metáfora. Vestígio que indica com probabilidade a existência de alguma coisa; indício, rastro. Ex.: não deixar c.”. ODOR: “Acepções: substantivo masculino. 1 Emanação volátil dos corpos que pode ser percebida pelo olfato; cheiro. 2  cheiro suave e agradável; aroma, perfume, fragrância, olor”. AROMA: “Acepções: substantivo masculino. 1 Odor natural agradável. Ex.: a. do campo. 2 Odor deleitante que emana dos preparados que se fazem com substâncias de origens diversas. Ex.:a. de desodorante; a. de creme facial; 2.1 perfume artificial. Ex.: a. de Chanel número 5. 3 Derivação: por extensão de sentido. Qualquer cheiro bom, agradável ao olfato. Ex.: da cozinha lhes chegava o delicioso a. do refogado. 4 Substância que se acrescentava ao incenso para lhe atribuir perfume ainda mais agradável. 5 Derivação: por extensão de sentido. Aditivo que reforça o sabor ou empresta determinado sabor aos alimentos industrializados. Ex.: a produção nacional de aromas para alimentos. 6 Rubrica: enologia. Sensação olfativa que atribui, esp. a vinhos e licores, uma gradação de excelência para a sua degustação”.

(9) Referência completa da passagem de seu autor, Paulo Ferreira da Cunha, na nota 10, seguinte.

(10) Sobre a legitimidade de se tecer tais elucubrações ante as possibilidades epistêmicas e filosóficas de configurações e criação do Direito, veja-se Paulo Ferreira da Cunha, ao dizer: ““E o que é isso a que chamam Direito? É uma realidade fenoménica, que está aí, muito independente, na verdade, de valores, de virtudes, até de princípios axiológicos, e que se detecta por algumas formas mais subtis e formalizadas de poder e de força, por execuções, carrascos, prisões, guilhotinas, papeladas, confirmações, selos, atestações, notários, oficiais de diligências, juizes, advogados, conservadores de registo, arquivos, relatórios, actas, certidões, alvarás, diplomas, leis, decretos e afins, polícia, togas, becas, cabeleiras, martelos, e o pathos de todos esses rituais. Para um Direito que se contente com o fenoménico, com esta tópica indiciária que referimos (ou algo análogo), o Direito Natural, é uma hipótese dispensável, quando não uma quimera incómoda ou um ópio dos juristas. Para os que, para além e por detrás ou por baixo ou por cima dessa simples existência vegetativa da juridicidade almejem um sentido, descubram valores, virtudes, princípios, e se preocupem com o conteúdo de justiça, então haverá que perguntar pelo Direito Natural.” [grifou-se]. CUNHA, Paulo Ferreira da. Problemas do Direito Natural (conferência no III Seminário Internacional Cristianismo, Filosofia, Educação e Arte – Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, 25-6-02). Disponível em: <http://www.hottopos.com/videtur14/paulo.htm>. Acesso em: 20 dez. 2011.

(11) ZAGREBELSKY, Gustavo. El derecho ductil. Madrid: Trotta, 2008.

(12) FRANCA FILHO, Marcílio Toscano. A cegueira da justiça – Diálogo iconográfico entre arte e direito. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2011. p. 88-89.

(13) LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito. 4. ed. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 2005. p. 525.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARNEIRO, Maria Francisca; VENTURI, Eliseu Raphael et al. Qual é o cheiro do Direito? Primeiras conjeturas para uma semiótica da “matéria” jurídica. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3570, 10 abr. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24139. Acesso em: 26 abr. 2024.