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O princípio da isonomia e sua aplicabilidade no acesso aos cargos públicos efetivos no ordenamento jurídico brasileiro

O princípio da isonomia e sua aplicabilidade no acesso aos cargos públicos efetivos no ordenamento jurídico brasileiro

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A fixação de discrímen legal para um determinado concurso público, no que diz respeito a idade, sexo, psicotécnico, dentes, altura, peso, entre outros, dependerá de uma justificativa plausível com base na lei e nos ditames da razoabilidade.

Resumo: O trabalho monográfico em tela tem por desiderato analisar a evolução do Princípio da Isonomia quando aplicado aos procedimentos voltados aos concursos públicos. O assunto, embora não seja inédito, é bastante interessante, principalmente aos futuros pretendentes a ocuparem uma vaga no serviço público. De início procederemos a uma análise dos princípios aplicáveis a Administração Pública, tendo como foco o Princípio da Isonomia, ressaltando pontos importantes como o histórico, origem, conceito e a sua evolução. Em seguida, foi objeto de estudo o instituto jurídico do concurso público, analisando a sua origem e as peculiaridades do sistema de ingresso na administração pública brasileira. Por fim, será analisada a aplicação do Princípio da Isonomia nos concursos públicos. Na pesquisa bibliográfica, foram utilizados livros, revistas, bem como, artigos jurídicos que estão disponíveis na internet. Já no que diz respeito à pesquisa documental, utilizou-se a legislação pátria, jurisprudências e acórdãos aplicáveis ao assunto. A escolha desta temática justifica-se pela nossa experiência prática angariada em sala de aula preparando, há 12 anos, cidadãos e cidadãs para ocuparem uma vaga nos quadros efetivos da Administração Pública, de todos os níveis e em todos os poderes. Todos os anos, vários concursos públicos são deflagrados objetivando o preenchimento destas vagas, que trarão dentre outras vantagens, a tão sonhada estabilidade no serviço público. Este trabalho visa investigar as decisões estabelecidas pela jurisprudência, bem como pelos editais regulatórios dos certames referentes aos concursos públicos que retratam a evolução do importante Princípio da Isonomia.

Palavras-chave: Princípio da Isonomia. Concurso Público. Cargos públicos efetivos.  

Sumário: INTRODUÇÃO. 1 A PRINCIPIOLOGIA CONSTITUCIONAL DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA.  1.1 Distinção entre Princípios, Normas e Valores. 1.2 Abordagem dos princípios constitucionais explícitos aplicáveis a Administração Pública. 2 PRINCÍPIO DA ISONOMIA. 2.1 Evolução histórica do princípio da Isonomia. 2.2 O princípio da Isonomia e a Constituição Federal de 1988. 2.2.1 Princípio da Legalidade. 2.2.2 Princípio da Impessoalidade. 2.2.3 Princípio da Moralidade. 2.2.4 Princípio da Publicidade. 2.2.5 Princípio da Eficiência. 3 CONCURSO PÚBLICO. 3.1 Evolução histórica do concurso público. 3.2 Concurso Público: Conceito jurídico. 3.3 O concurso público e as constituições brasileiras. 3.4 Regras de acessibilidade ao ingresso na Administração Pública brasileira. 4 DAS LIMITAÇÕES IMPOSTAS AO ACESSO AOS CARGOS PÚBLICOS EFETIVOS NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO A LUZ DO PRINCÍPIO DA ISONOMIA.- ANÁLISE DOUTRINÁRIA E JURISPRUDENCIAL. 4.1 Breves considerações iniciais. 4.1 Da idade. 4.2 Do sexo. 4.3 Da altura. 4.4 Do peso. 4.5 Do exame psicotécnico. 4.6 Do portador de deficiência ou de necessidades especiais. 4.7 Dos dentes.4.8 Da investigação social. 4.9 Tatuagem. CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS 


INTRODUÇÃO

A Carta Ápice de 1988 – que teve como modelo as Constituições portuguesas de 1976 e espanhola de 1978 - consagra o princípio da isonomia, como alicerce do chamado Estado Democrático de Direito, ao estabelecer como um dos seus objetivos primordiais, a promoção do bem estar de todos, sem preconceitos no que concerne a origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Infere-se do enunciado de seu artigo 3º, inc. IV c/c o art. 5º, inc. I e XLI, que para a construção de uma sociedade livre, justa e solidaria é necessário à criação de mecanismos que assegurem a dignidade da pessoa humana na promoção do seu bem estar.

Todavia, têm se observado em determinados editais de concursos públicos limitações que impedem o candidato de assumir o seu cargo mesmo que obtenha êxito nas etapas do certame. Essas exigências estariam amparadas pelo ordenamento jurídico ou, ao contrário, representariam alguma forma de discriminação? Até que ponto fatores como idade, sexo, altura, peso, religião, psicotécnico, dentre outros possibilitariam impedir a nomeação e a posse no cargo público. A presente monografia, portanto, terá como foco as diversas limitações estabelecidas pela administração pública quando do acesso aos cargos públicos efetivos e sua análise a luz do Princípio da Isonomia.


1 PRINCIPIOLOGIA CONSTITUCIONAL DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Neste capítulo estuda-se sobre os princípios constitucionais que envolvem a administração pública, trazendo metas, limites e procedimentos a serem seguidos pelos gestores públicos. Inicia-se o capítulo distinguindo princípios e normas para que o leitor tenha o conhecimento necessário sobre o assunto tratado. Em seguida, aborda-se os princípios constitucionais aplicáveis a Administração Pública, destacando um a um em suas especificidades.

1.1 Distinção entre Princípios e Normas

De proêmio insta deixar registrado que em um Estado Democrático de Direito, a Constituição Federal é o alicerce de todo o seu ordenamento jurídico, sendo, portanto, supedâneo para os atos jurídicos praticados não só pelos nossos administradores públicos (que pelo Princípio da Legalidade só poderão fazer aquilo que a lei autorizar ou permitir), como os administrados em geral. É no arcabouço constitucional que encontraremos uma grande quantidade de princípios e normas que servirão de bússola a futuras condutas administrativas efetivadas não só pelo Poder Executivo[1] como pelos demais Poderes.

Nesse passo, mister trazer à tona a diferenciação entre os vocábulos “princípio” e “norma”, já que alguns doutrinadores advogam que o primeiro seria uma espécie do segundo. Inicialmente, ressaltemos que a palavra princípio encontra suas origens do latim principium, que significa começo, origem de qualquer coisa.

Luís Diez Picazo, citado pelo grande jurista Paulo Bonavides (2002, p. 228-229), ressalta que os princípios servem não só como “critério de inspiração às leis ou normas concretas desse Direito Positivo”, como de normas adquiridas “mediante um processo de generalização e decantação dessas leis”.

Lúcidas as palavras da advogada Leila Eliana Hoffmann Ritt (2006, p. 5) acerca do tema:

Com efeito, os princípios são considerados o elemento central da ordem jurídica, por representarem aqueles valores supremos eleitos pela comunidade que a adota, sendo, hoje, a sua característica mais marcante a normatividade, pois são vistos pela teoria constitucional contemporânea, como uma espécie do gênero norma jurídica, ao lado das regras jurídicas.

 Por sua vez, Reale (1980, p. 299), define os princípios como “verdades fundantes de um sistema de conhecimento, como tais admitidas, por serem evidentes ou por terem sido comprovadas, mas também por motivos de ordem prática de caráter operacional, isto é, como pressupostos exigidos pelas necessidades da pesquisa e da praxis”.

Inclusive os princípios são fontes indiretas aplicáveis quando da omissão legal, consoante o que dispõe os ditames do art. 4° da Lei Substantiva Civil Brasileira. São juízos abstratos de valor que norteiam o processo interpretativo. Portanto, a violação de um princípio torna-se muito mais grave do que a violação de uma determinada norma. Daí a importância do respeito aos princípios quando do desempenho da função administrativa.

Para Robert Alexy (2008, p. 63)

Princípios são normas que ordenam algo que, relativamente às possibilidades fáticas e jurídicas, seja realizada em medida tão alta quanto possível. Princípios são, segundo isso, mandamentos de otimização, assim caracterizados pelo fato de a medida ordenada de seu cumprimento depender não só das possibilidades fáticas, mas também das jurídicas.

Manoel Antônio Teixeira Filho (1994, p. 29), por sua vez, leciona que os “princípios representam formulações genéricas, de caráter normativo, com a função de não apenas tornar logicamente compreensível a ordem jurídica, mas também de servir de fundamento para a interpretação ou para a própria criação de normas legais”.

E arrebata o Mestre Francisco Cláudio de Almeida Santos (1998, p. 37):

Os princípios constituem os fundamentos de todas as ciências e esse truísmo não poderia deixar de ser reconhecido na ciência jurídica. São eles os alicerces e as pilastras, nos quais se assenta todo o ordenamento jurídico. Daí a importância de seus enunciados e de suas interpretações corretas, pelo menos daqueles que de forma ostensiva e absoluta orientam a conduta dos agentes nas relações jurídicas e na geração, interpretação e aplicação dos atos e da normatividade pertinente.

Já as normas, que encontram o seu nascedouro nos princípios, segundo Humberto Ávila (2009, p. 30), “não são textos nem o conjunto deles, mas os sentidos construídos a partir da interpretação sistemática de textos normativos. Daí se afirmar que os dispositivos se constituem no objeto de interpretação; e as normas, no seu resultado.”.

Por sua vez, Cláudia Mara de Almeida Rabelo Viegas (2011, p. 1), Mestre em Direito Privado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, afirma o seguinte:

As normas podem ser divididas em normas-regras e normas-princípios. A norma-princípio não precisa estar escrita para que seja vigente. Basta o seu reconhecimento. Insta salientar que os princípios jamais serão contraditórios, mas sim contrapostos, isto é, diante de um conflito entre princípios, com base no princípio da proporcionalidade, aquele que for sobrelevado, não estará inutilizando a incidência do outro princípio, uma vez que este poderá incidir em outros casos concretos. Assim o princípio com peso maior não prevalecerá neste caso específico, contudo, permanece válido e vigente a fim de que possa incidir nos demais casos. Já a norma-regra será encontrada em qualquer dispositivo legal ou constitucional. Quando duas normas-regra forem contraditórias, somente uma deve ser levada em consideração, pois a aplicabilidade de uma das regras importa na revogação da outra. Em suma as normas podem ser princípios ou regras. Em outras palavras, norma é o gênero, da qual podem ser extraídas espécies normativas, quais sejam, regras ou princípios. A regras não precisam nem podem ser objeto de ponderação porque ou elas existem ou não existem. Já os princípios precisam e devem ser ponderados e isso não implica em exclusão de um deles do ordenamento jurídico, uma vez que, especificamente naquele caso concreto, um teve peso maior e acabou prevalecendo.

Conclui-se, ipso facto, que as normas são de grande importância em nosso ordenamento jurídico pátrio, possuindo, entretanto, os princípios, um plus em relação àquelas, pois servem de arcabouço quando da elaboração das leis, em todos os seus níveis, filtrando condutas de cunho inconstitucional, além de exercer uma função supletiva, quando diante de uma eventual lacuna do ordenamento jurídico. Vejamos as palavras de Mônia Hennig Leal (2003, p. 72-73):

Pela sua origem os princípios não têm o status jurídico, sendo considerados meras normas programáticas, de caráter eminentemente político e, por isso, não vinculatório, representando uma dimensão ético-valorativa de postulado de justiça que derivam de uma fonte superior, de ordem metafísica, e que têm, num primeiro momento, fundamento na vontade divina e, posteriormente na própria natureza humana. Esta é a concepção dos princípios pela fase jusnaturalista. Conforme a segunda fase – juspositivista – os princípios passam a ser incorporados aos Códigos, servindo como fonte normativa subsidiária, haja vista que desempenham uma função supletiva dentro do ordenamento jurídico, de modo a impedir a ocorrência de um ´vazio normativo', servindo como recurso/solução para eventuais lacunas, pois são o resultado de uma generalização das próprias leis de Direito Positivo.

Hodiernamente, vivemos a fase pós-positivista onde os princípios passaram a ser, no ordenamento jurídico, verdadeiros padrões vinculantes de comportamento.  Inclusive, os princípios constitucionais possuem uma curial importância devido a sua posição no sistema de fontes.

Ruy Samuel Espíndola (2002, p. 70-71) ressalta que os princípios são fundamentos de regras, ou seja, “são normas que estão na base ou constituem a ratio de regras jurídicas, desempenhando, portanto, a função normogenética fundante”.

Mas, como proceder no caso de conflito entre princípios? Novamente, Espíndola (2002, p. 248) nos esclarece respondendo que

O conflito entre princípios se resolve na dimensão do peso e não da validade, ou melhor, princípios colidentes não se excluem de maneira antinômica, perdendo um deles a existência jurídica, a validade e ou a vigência; apenas se afastam diante da hipótese colocada ao juízo decisório. Assim, pelo procedimento da ponderação de princípios em conflito afasta-se, no caso, o princípio cujo peso foi sobrepujado pelo outro, que recebeu aplicação, ou, ainda, pela metódica da harmonização ou concordância prática aplicam-se ambos os colidentes, até o limite das possibilidades que o peso década um comporta.

Diante de um choque de princípios, caberá ao interprete ponderá-los na medida certa, de acordo com cada caso apresentado. Portanto, os princípios, de acordo com Márcio Fernandes Elias Rosa (2007, p. 19), “constituem a pedra de toque de todo o sistema normativo; a partir deles constituem-se as normas; correspondem, assim, a juízos abstratos e que dependem, para aplicação, da correspondente adequação com a norma escrita”.

Passos avante, analisaremos os chamados princípios explícitos ou expressos da Administração Pública encartados no “caput” do art. 37 da Constituição Federal de 1988.

1.2 Abordagem dos princípios constitucionais aplicáveis a Administração Pública

Estabelece o caput do art. 37 da Constituição Federal de 1988, a chamada relação dos princípios explícitos aplicáveis a toda Administração Pública: “A Administração Pública Direta e Indireta de quaisquer Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência”.

Este rol elenca, segundo a boa doutrina administrativista, os princípios fundamentais concernentes a Administração Pública, muito embora, existam, também, os chamados princípios implícitos. Segundo Almir Morgado (2008, p. 30), estes princípios “são dotados da mesma força vinculante e imperativa dos princípios explícitos, decorrendo logicamente destes e do próprio sistema constitucional, como ocorre com a lealdade e boa-fé, razoabilidade, proibição de excesso, boa gestão, economicidade, motivação etc.”.

1.2.1 Princípio da Legalidade

O princípio da legalidade[2] é o suporte de todo Estado Democrático de Direito, ou seja, em todo o Estado onde vigora o império da lei (fonte primária do Direito Administrativo). Impende dizer que este princípio traduz a ideia de que o administrador público, ao contrário do particular, só poderá realizar aquilo que a lei o autorizar ou permitir. Por sua vez, no direito Privado, o administrado (particular) poderá fazer tudo que a lei não proibir. Este trilha o caminho da licitude. Aquele o da legalidade administrativa.

Sobre este importante aspecto, as lúcidas palavras do Advogado e Prof. Cearense Ernane Teixeira Matias (2007, p. 39):

Tem-se, portanto, que á autoridade pública não lhe é dada o poder de criar situações, ainda que porventura ensaiadas, mas sem o condão da juridicidade, para afastar o titular de um direito subjetivo de seu lídimo exercício. Ela está adstrita ao princípio da legalidade. Só poderá fazer aquilo que a lei permitir, sem se arvorar do princípio da licitude, cujo campo de atuação só ao particular compete. Enfim, a autoridade só poderá agir na estrita seara da legalidade. Pois, o lícito é o que a lei não proíbe; porém, para a autoridade isso só não basta, é preciso que a lei lhe autorize a praticar. Aí sim poderá agir. Fora disso é abuso de poder, de autoridade.

Vários são os dispositivos constitucionais que reconhecem o valor deste importante princípio. Primeiramente, o art. 5°, II a Constituição Federal de 1988 que estabelece que “ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. Por sua vez, os ditames insculpidos no art. 84, inciso IV ressaltam que o ato administrativo é inteiramente subordinado à lei. Passos avante, o art. 150. I estabelece que “não há tributo sem lei anterior que o defina”.

A jurisprudência pátria, segundo Fernanda Marinela Santos (2001, p. 31)

Reconhece o princípio da legalidade em seu sentido amplo, condicionando-o não somente à aplicação da lei mas também das regras constitucionais, permitindo-se o controle da legalidade de um ato e sua revisão em face de qualquer espécie normativa,inclusive para realizar aplicação de princípios e regras constitucionais.

Vejamos este Acórdão do Pretório Excelso acerca do Princípio da Legalidade: “O ato municipal, retificando o ato de aposentação do impetrante, ora recorrente, reduziu seus proventos aos limites legais, cumprindo, assim, o princípio constitucional da legalidade (art. 37, caput, da CF)”. (RE 185.255, Rel. Min. Sydney Sanches, julgamento em 1º- 4 - 97, DJ de 19-9-97).

Já o grande mestre Celso Antônio Bandeira de Mello (2003, p. 91), em lição lapidar, arremata a importância deste princípio:

Para avaliar corretamente o princípio da legalidade e captar-lhe o sentido profundo cumpre atentar para o fato de que ele é tradução jurídica do propósito político: o de submeter os exercentes do poder em concreto – o administrativo – a um quadro normativo que embarque favoritismos, perseguições ou desmandos. Pretende-se através da norma geral. Abstrata e por isso impessoal, a lei, editada, pois pelo Poder Legislativo – que é o colégio representativo de todas as tendências (inclusive minoritárias) do corpo social -, garantir que a atuação do Executivo nada mais seja senão a concretização da vontade geral.

Entretanto, o mesmo mestre adverte que “é possível apontar três restrições excepcionais ao princípio da legalidade. Elas representam uma transitória constrição a esse princípio e são expressamente mencionadas na Constituição Federal: as medidas provisórias, o estado de defesa e o estado de sítio”. (MELLO, 2003, p. 105).

1.2.2 Princípio da Impessoalidade

O princípio da impessoalidade visa impedir que um determinado agente público aja com simpatia ou antipatia, vingança, ou favorecimento. Por esse Princípio da Impessoalidade, não pode o agente público ter por finalidade, na realização de um determinado ato administrativo, motivos ou razões pessoais, portanto, contrários ao interesse público. Quando não existe a impessoalidade o agente público acaba praticando o chamado desvio de finalidade, que é uma espécie de abuso de poder ou autoridade. Santos (2001, p. 32) ensina:

O princípio da impessoalidade também pode ser analisado sob dois aspectos diferentes: primeiro, quanto ao dever de atendimento ao interesse público, tendo o administradora obrigação de agir de forma impessoal, abstrata genérica, protegendo sempre a coletividade; segundo, que a atividade administrativa exercida por um agente público seja imputada ao órgão ou entidade e não ao próprio agente, o que será visto oportunamente, pois a vontade do agente se confunde com a da pessoa jurídica, formando uma única vontade,o que se conclui na chamada teoria da imputação.

Passos avante, Santos (2001, p. 34) arremata:

Atualmente, o exercício do princípio da impessoalidade, atrelado a outros princípios como a moralidade, a eficiência e a isonomia, respalda também as proibições para a prática do nepotismo na Administração Pública, com o objetivo de afastar esse tipo de improbidade do sistema e as facilidades adquiridas em razão do parentesco.

Sobre esta prática nefasta do nepotismo, a mais alta corte de nosso país, editou a Súmula Vinculante Nº 13 que trata especificamente sobre o tema da seguinte forma:

A nomeação de cônjuge, companheiro, ou parente, em linha reta, colateral ou por afinidade, até o 3º grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica, investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança, ou, ainda, de função gratificada na administração pública direta e indireta, em qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas, viola a CF.

Devemos ressaltar que por decisão do próprio STF, os agentes políticos ficaram de fora desta vedação. Um determinado prefeito não praticará nepotismo ao nomear seu irmão[3] para algum cargo no chamado primeiro escalão, como o de secretário, por exemplo.

Ainda sobre o nepotismo colacionamos as seguintes decisões do STF que trata, especificamente, do chamado nepotismo cruzado:

[...] configurada a prática de nepotismo cruzado, tendo em vista que a assessora nomeada pelo impetrante para exercer cargo em comissão no TRT 17ª Região, sediado em Vitória/ES, é nora do magistrado que nomeou a esposa do impetrante para cargo em comissão no TRT 1ª Região, sediado no Rio de Janeiro/RJ. A nomeação para o cargo de assessor do impetrante é ato formalmente lícito. Contudo, no momento em que é apurada a finalidade contrária ao interesse público, qual seja, uma troca de favores entre membros do Judiciário, o ato deve ser invalidado, por violação ao princípio da moralidade administrativa e por estar caracterizada a sua ilegalidade, por desvio de finalidade”. (MS 24.020 Rel. Min. Joaquim Barbosa, julgamento em 6-3-2012, Segunda Turma, DJE de 13-6-2012.)

Agir com impessoalidade é agir tendo como base as regras da boa moral, honestidade e boa fé! Duas consequências lógicas deste princípio são justamente a licitação pública e o concurso público de provas ou provas e títulos.

Por sua vez, Carmem Lúcia Antunes Rocha (1994, p. 33) adverte que “a impessoalidade administrativa é rompida, ultrajando-se a principiologia jurídico-administrativa, quando o motivo que conduz a uma prática pela entidade pública não é uma razão jurídica baseada no interesse público, mas sim no interesse particular de seu autor”.

Portanto, forçoso concluir que o princípio da impessoalidade possui um forte liame com o Princípio da Igualdade ou isonomia que exige que todas as pessoas sejam tratadas igualmente pela Administração Pública, muito embora, veremos que a máxima aristotélica deva ser observada. Ou seja, a impessoalidade se traduz na busca do tratamento isonômico a ser dado a todos os administrados que se encontrem em idêntica situação jurídica.

1.2.3 Princípio da Moralidade

O princípio da moralidade[4] exige dos agentes públicos uma conduta ética, até porque, a moralidade está atrelada ao conceito do “bom administrador público”. Porém, nunca olvidemos que não se trata da moral comum, mas sim de uma moral jurídica. A moral denominada comum é imposta ao ser humano para sua conduta no âmbito externo; Já a moral administrativa é imposta ao agente público para a sua conduta interna, segundo as normas da instituição onde exerce o seu ofício.

O Supremo Tribunal Federal - STF assim se manifestou:

Princípio da moralidade. Ética da legalidade e moralidade. Confinamento do princípio da moralidade ao âmbito da ética da legalidade, que não pode ser ultrapassada, sob pena de dissolução do próprio sistema. Desvio de poder ou de finalidade. (ADI 3.026, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 8-6-2006, Plenário, DJ de 29-9-2006.)

O próprio Código de Ética do Servidor Público Federal (Decreto n° 1.171/94) impõem, entre outros aspectos, que o servidor deve decidir não somente entre o legal e o ilegal, o justo e o injusto, o conveniente e o inconveniente, o oportuno e o inoportuno, mas, e principalmente, entre o honesto e o desonesto. Inclusive ressalta que é dever do servidor público ser probo, reto, leal e justo, demonstrando toda a integridade do seu caráter, escolhendo sempre, quando diante de duas opções, a melhor e a mais vantajosa para o bem comum.

Por sua vez, a Constituição Federal de 1988 (art. 5°, LXXIII) estabelece instrumentos jurídicos para sancionar esta conduta imoral. A ação popular poderá ser proposta por qualquer cidadão (detentor de seus direitos políticos) visando anular o ato lesivo à moralidade administrativa.

Nos termos do art. 85, V, da CF/88, atentar contra a probidade da administração é hipótese prevista como crime de responsabilidade do Presidente da República.

Odete Medauar (1998, p. 138) cita um exemplo bem cristalino de ofensa ao princípio da moralidade: “em momento de crise financeira, numa época de redução de mordomias, num período de agravamento de problemas sociais, configura imoralidade efetuar gastos com a aquisição de automóveis de luxo para servir autoridades, mesmo que tal aquisição revista-se de legalidade”. Portanto, este importante princípio se relaciona com a ideia de honestidade, ética, boa-fé e lealdade. São verdadeiros pilares da conduta de qualquer gestor público. É de bom alvitre lembrar que nem tudo que é legal é honesto, conforme já propalavam os romanos.

Em arremate ao que foi dito e a título de ilustração, citamos dois exemplos de decisões sobre o princípio em questão, consoante o STF:

Diretor-geral de Tribunal Regional Eleitoral. Exercício da advocacia. Incompatibilidade. Nulidade dos atos praticados. Violação aos princípios da moralidade e do devido processo legal (fair trial). Acórdão recorrido cassado. Retorno dos autos para novo julgamento. (RE 464.963, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 14-2-06, DJ de 30-6-06)

Bacharel em Direito que exerce o cargo de assessor de desembargador: incompatibilidade para o exercício da advocacia. Lei 4.215, de 1963, artigos 83 e 84. Lei 8.906/94, art. 28, IV. Inocorrência de ofensa ao art. 5º, XIII, que deve ser interpretado em consonância com o art. 22, XVI, da Constituição Federal, e com o princípio da moralidade administrativa imposto à Administração Pública (CF, art. 37, caput). (RE 199.088, Rel. Min. Carlos Velloso, julgamento em 1º-10-96, DJ de 16-4-99)

Assim, ao gestor público, não lhe basta cumprir os estritos termos da lei, é necessário que seus atos sejam verdadeiramente adequados à moralidade administrativa e aos padrões éticos de conduta que orientem sua realização.

1.2.4 Princípio da Publicidade

Sendo o Administrador Público um gestor de valores e bens pertencentes ao povo, devem por via de consequência, prestarem contas sobre a utilização destes recursos. É através desta transparência que o cidadão poderá exercer o seu poder de controle previsto na CF/88. A princípio negar publicidade a atos oficiais configura ato de improbidade consoante o que dispõe o art. 11, IV, da Lei nº. 8.429/92.

Merecem registro as palavras da Profa. Marinella (2001, p. 42):

Essa disposição faz sentido quando se tem como regra o fato de o administrador exercer função pública, portanto munus público, daí por que todas as suas obras, serviço prestados e atividades desenvolvidas não representam nada mais do que sua obrigação, o seu dever de ser um bom administrador.

Segundo Ernane Teixeira Matias (2007, p. 49-50):

O sentido nuclear e nobre desse preceito é o de oferecer a todos, indistintamente, o conhecimento de que o ato foi praticado, e, por isso, passa a ter a força de obrigar as pessoas interessadas e a ele de alguma forma, vinculadas, a se certificarem, pois que é a partir de sua publicação que os prazos começarão a fluir para os mais variados fins, inclusive o de deduzir defesa e interpor recursos, e, até mesmo, de ajuizar as ações que tiver por sua causa.

A publicidade, inclusive, é condição necessária à eficácia dos chamados atos administrativos. A pena arguta de Edmir Netto de Araújo (2007, p. 58-59) ressalta a distinção entre a publicidade geral e a publicidade restrita da seguinte forma, especificando a primeira da seguinte forma:

A publicidade geral, produtora de efeitos, é a publicação, no órgão oficial (e não na imprensa particular, embora esta não esteja proibida e até mesmo exigida em certos casos), dos atos de efeitos gerais e externos, não se impedindo, todavia, (ao contrário, é até mais comum) a publicação de atos de efeitos internos e mesmo de efeitos individuais. Acresce-se, ainda que a própria lei exige muitas hipóteses, em razão só interesse público,publicidade mais extensa ainda, em órgãos de comunicação de grande alcance e circulação, como ocorre nas licitações e concursos públicos.

Passos avante, o autor ressalta a denominada publicidade restrita:

Já a publicidade restrita, que pode constituir-se do conhecimento pessoal dos interessados diretos, por notificação, citação ou intimação, ou ainda por 'afixação' em local próprio da repartição, ou mesmo por franquear-se a presença do público ou dos interessados no local onde o ato é ou será praticado, sem esquecer o registro dos atos em livros próprios ou arquivos das unidades administrativas tem duas conotações: primeiro, que os atos da Administração são públicos, como dissemos, salvo exceções legais, no sentido do administrado, demonstrando legítimo interesse, deles tomar conhecimento a qualquer tempo as seu pedido, quando a publicidade geral não é exigida (atos de efeitos internos ou de caráter individual, p. ex.); segundo, que é assegurado o direito, garantido pela Constituição ( art. 5°, XXXIV, b, da CF), de obtenção de certidão de atos, contratos e documentos, para defesa de direitos e esclarecimentos de situações de interesse pessoal (por isso deve ser demonstrado o legítimo interesse. (ARAÚJO, 2007, p. 60).

A regra geral é que todos os atos administrativos sejam publicados, excetuando os atos imprescindíveis à segurança da sociedade ou do Estado, além da necessidade de defesa da intimidade das pessoas ou interesse social (art. 5º, XXXIII e LX da CF/88).

A título de exemplo citamos este acórdão do STF que feriu este princípio:

Constitucional. Administrativo. Concurso público. Prova física. Alteração no edital. Princípios da razoabilidade e da publicidade. Alterações no edital do concurso para agente penitenciário, na parte que disciplinou o exercício abdominal, para sanar erro material, mediante uma errata publicada dias antes da realização da prova física no Diário Oficial do Estado. Desnecessária a sua veiculação em jornais de grande circulação. A divulgação no Diário Oficial é suficiente per se para dar publicidade a um ato administrativo. A Administração pode, a qualquer tempo, corrigir seus atos e, no presente caso, garantiu aos candidatos prazo razoável para o conhecimento prévio do exercício a ser realizado. (RE 390.939, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 16-8-05, DJ de 9-9-05).

Não cabe ao Banco do Brasil negar, ao Ministério Público, informações sobre nomes de beneficiários de empréstimos concedidos pela instituição, com recursos subsidiados pelo erário federal, sob invocação do sigilo bancário, em se tratando de requisição de informações e documentos para instruir procedimento administrativo instaurado em defesa do patrimônio público. Princípio da publicidade, ut art. 37 da Constituição. (MS 21.729, Rel. p/ o ac. Min. Néri da Silveira, julgamento em 5-10-95, DJ de 19-10-01).

O próprio Estatuto dos Servidores Públicos da União (Lei n° 8.112/90 e demais alterações posteriores), consoante a dicção do art.150, estabelece que a comissão processante exercerá suas atividades com independência e imparcialidade, assegurando o sigilo necessário á elucidação do fato ou exigido pelo interesse da Administração.

Por fim, não se pode confundir publicidade oficial com a chamada propaganda pessoal do gestor, conduta que fere o princípio da impessoalidade (e não o da publicidade como muitos pensam).

É bastante que se leia o que dispõe o § 1° do art. 37 da Constituição Federal de 1988;

A publicidade dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos deverá ter caráter educativo, informativo ou de orientação social, dela não podendo constar nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servidor público.

Sobre este aspecto, mais uma vez recorremos à sábia lição de Marinella (2001, p. 42):

Para controlar essas condutas dos administradores públicos há um Projeto de Lei (PL 1.467/03) em tramitação no Senado Federal que também proíbe a promoção pessoal quando se utiliza quaisquer meios publicitários, inclusive a afixação de cartazes produzidos com recursos públicos, contendo agradecimento nominal a autoridades pela realização de obras ou serviços públicos, ainda que por iniciativa de outra pessoa.

A ideia é pertinente tendo em vista este aspecto ser comumente observado quando da utilização, por parte do gestor, da propaganda oficial. Na verdade, só observamos uma fiscalização maior quando do processo eletivo para o preenchimento de cargos políticos.

1.2.5 Princípio da Eficiência

Este princípio foi inserido no rol dos princípios contidos no art. 37 da CF/88 pela Emenda Constitucional n° 19/98.[5] A eficiência, para Ernane Teixeira Matias (2007), enquanto primado do direito administrado, corresponde à plena satisfação dos interesses dos administrados, que exigem resultados positivos e imediatos. Não é suficiente que o agente público haja dentro da lei, com impessoalidade e ética, dando inclusive, transparência aos seus atos. É necessário que haja com presteza, perfeição e rendimento funcional.

Almir Morgado (2008, p. 1) lembra que com:

a inserção do princípio no texto constitucional, pretendeu o legislador conferir direitos aos usuários dos diversos serviços prestados pela Administração ou por seus delegados e estabelecer obrigações efetivas aos seus prestadores. O princípio alcança também os serviços puramente administrativos, obrigando a administração a recorrer à moderna tecnologia e aos métodos de gerenciamento, buscando alternativas menos onerosas e que representem maior rendimento e produtividade.

Por sua vez, Alexandre de Moraes (1999, p. 294), define o Princípio da Eficiência como:

Aquele que impõe à Administração Pública e a seus agentes a persecução do bem comum, por meio do exercício de suas competências de forma imparcial, neutra, transparente, participativa, eficaz, sem burocracia e sempre em busca da qualidade, primando pela adoção dos critérios legais e morais necessários para a melhor utilização possível dos recursos públicos, de maneira a evitar-se desperdícios e garantir-se maior rentabilidade social [...].

Inúmeros são os reflexos deste princípio, tais como a figura do contrato de gestão, a avaliação de desempenho para a conquista da estabilidade no serviço público, criação das agências reguladoras, entre outros.

No que diz respeito aos servidores públicos, o princípio da eficiência trouxe consequências consideráveis, nas palavras de Santos (2001, p. 43):

Quanto aos servidores, a eficiência aparece como requisito indispensável para a aquisição perda da garantia de estabilidade, conforme regras do art. 41 da Constituição Federal. Hoje, um servidor público, para adquirir a estabilidade, precisa ser aprovado em concurso público, nomeado em cargo de provimento efetivo, cumprir os três anos de efetivo exercício  ser aprovado em avaliação especial de desempenho que representa um instrumento para se exigir mais dos servidores e com isso haver uma administração mais eficiente.

Diante do exposto, pode-se dizer que o principio da eficiência atribui ao gestor publico que os atos realizados pela administração pública deverão ser realizados com agilidade, perfeição e economia, com resultado satisfatório dos serviços prestados à sociedade.


2 PRINCÍPIO DA ISONOMIA

Este capítulo traz ao leitor um estudo acerca do Princípio da Isonomia da Administração Pública, também conhecido como Princípio da Impessoalidade ou da Igualdade, trata-se daquele que visa garantir a lisura e imparcialidade nos atos públicos, sem proteção, favoritismo ou perseguições. Inicialmente, traça-se a evolução do Princípio da Isonomia, o posicionando em um contexto histórico. No tópico seguinte, fechando o capítulo, o princípio em tela é abordado em conformidade com a Constituição Federal brasileira de 1988.

2.1 Evolução histórica do Princípio da Isonomia

O ideal democrático, cuja base é a igualdade, teve seu nascedouro na Grécia Antiga. Entretanto, urge ressaltar que em sua capital Atenas, escravos, estrangeiros e mulheres não podiam exercer a sua cidadania plena.

Para os gregos antigos o que importava para o exercício da democracia por meio da vida política e social era a supremacia do público sobre o privado já que o ser humano só existia de fora plena se fizesse parte de uma comunidade política. (D’OLIVEIRA, 2012).

 As primeiras noções do ideal de justiça nasceram de Aristóteles, filósofo grego que foi aluno de Platão e Sócrates. Segundo D’Oliveira (2012, p. 6):

Para ele o homem justo é aquele que tem seus atos pautados dentro dos parâmetros estabelecidos pela lei ao passo que, o injusto seria aquele que descumprisse os mandamentos legais agindo fora de seus limites ou contra eles. Vale ressaltar, no entanto, a máxima aristotélica que dispõe que a igualdade e os ideais de justiça somente serão alcançados em sua plenitude se tratarmos os individuais iguais, igualmente, na medida da desigualdade de cada um.

Em lapidar texto, o grande Ruy Barbosa (apud BULOS, 2009 p. 17) se inspirando na lição Aristotélica sustentou que:

A regra da igualdade não consiste senão em tratar desigualmente os desiguais na medida em que se desigualam. Nesta desigualdade social, proporcional e desigualdade natural, é que se acha a verdadeira lei da igualdade. Os mais são desvarios da inveja, do orgulho ou da loucura. Tratar com desigualdade os iguais, ou os desiguais com igualdade, seria desigualdade flagrante, e não igualdade real. Os apetites humanos conceberam inverter a norma universal da criação, pretendendo, não dar a cada um, na razão do que vale, mas atribuir os mesmos a todos, como se todos se equivalessem.

Já Heródoto, fazia menção a dois outros conceitos associados à isonomia: a isotimia e isegoria. O primeiro conceito deriva do grego (ísos + thymós) e significa: “Igualdade de acesso aos cargos públicos, que pressupõe a implantação do sistema de mérito e, portanto, do concurso, para seleção dos que se candidatam àqueles cargos.” (SIDOU, 1998).  Já o segundo conceito estabelece que todos os cidadãos têm igual direito de manifestar sua opinião política. Diante de qualquer divergência é necessário que a questão seja debatida. A palavra de todos tinha igual peso.

Na Roma Antiga imperava a desigualdade entre patrícios e plebeus, que começou a ser modificada com o surgimento da Lei das XII Tábuas. Entretanto, a pedra angular da isonomia deu-se com a chamada Revolução Francesa de 1789 que trouxe ao cenário mundial, os ideais de igualdade, fraternidade e liberdade.

Dos precisos dizeres de Maria de Lurdes Manzini Covre (1993, p. 17) com a Revolução Francesa:

Estabelecem-se Cartas Constitucionais, que se opõem ao processo de normas difusas e indiscriminadas da sociedade feudal e ás normas arbitrárias do regime monárquico ditatorial, anunciando uma relação jurídica centralizada, o chamado Estado de Direito. Este surge para estabelecer direitos iguais a todos os homens, ainda que perante a lei, a acenar com o fim da desigualdade a que homens sempre foram relegados. Assim, diante da lei, todos os homens passaram a ser considerados iguais, pela primeira vez na história da humanidade. Esse fato foi proclamado principalmente pelas constituições francesas e norte americanas, e reorganizado e ratificado, após a II Guerra Mundial, pela Organização das Nações Unidas (ONU), com a Declaração Universal dos Direitos dos Homens de 1948.

Somente com a Constituição de 1934 o Brasil especificou nos ditames de seu artigo 113, I o conceito de isonomia ao propugnar que “todos são iguais perante a lei. Não haverá privilégios, nem distinções, por motivo de nascimento, sexo, raça, profissões próprias ou dos pais, classe social, riqueza, crenças religiosa ou idéias políticas”.

Consoante D’Oliveira (2012, p. 9), este atraso:

Deve-se a colonização escravocrata brasileira baseada no tratamento de seres humanos como mercadorias e não como indivíduos. Mesmo na Constituição de 1891, posterior a abolição da escravatura nada fora mencionado acerca da igualdade entre seres humanos já que não havia acontecido ainda uma mudança do pensamento social.

Assim, diante do que se pode ver neste tópico, o princípio da isonomia veio para garantir que a administração pública atuaria de forma a não discriminar, beneficiar ou prejudicar determinados cidadãos, devendo agir com igualdade a todos.

2.2 O Princípio da Isonomia e a Constituição Federal de 1988

Agasalha o caput do art. 37 da CF/88 os chamados princípios explícitos ou expressos, princípios estes ditos constitucionais do Direito Administrativo, a saber: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Além desses os doutrinadores de escol extraem mais dois outros princípios: o da isonomia (art. 2°, IV c/c art. 5°) e o da economicidade (art. 70).

Na maioria das vezes, os questionamentos acerca da isonomia[6] são resolvidos tendo como pano de fundo a máxima aristotélica que enuncia o tratamento igual aos iguais e desigual aos desiguais, na medida dessa desigualdade.

Entretanto, a maior dificuldade estaria, sem dúvida nenhuma, em estabelecer o real alcance deste importante princípio constitucional. Ou seja, quem são as pessoas consideradas iguais para cada caso concreto e quem são os desiguais perante o ordenamento jurídico pátrio. Eis a questão!

Neste momento importa sublinhar uma questão nodal ao correto entendimento Do princípio da isonomia: a lei - fonte primária do Direito - discriminará as situações específicas, obviamente, tendo como base os ditames da Lei Troncolar de 1988.

Diante de tal afirmação mister se faz concluir que, o princípio da isonomia sob a ótica constitucional, deve ser direcionado principalmente ao legislador, pois é ele que deve observar os princípios constitucionais quando da elaboração das leis, não olvidando, também, os aplicadores da norma.

Em outros dizeres, como quer a Profa. Carmen Lúcia Rocha (2006, p. 392):

Igualdade constitucional é mais que uma expressão de Direito, é um modo justo de se viver em sociedade. Por isso é princípio posto como pilar de sustentação e estrela de direção interpretativa das normas jurídicas que compõem o sistema jurídico fundamental.

A Constituição Federal de 1988 ressalta a curial importância do Princípio da Isonomia em inúmeros aspectos, em especial, nos art. 3º, IV; 5º, caput, I, VIII, XLII, e 7º, XXX, XXXI e XXXIV. Todos eles baseiam-se na igualdade de todos perante a norma legal.

Por sua vez, analisando o princípio da isonomia a luz do manto constitucional constata-se, claramente, que ele deve ser dirigido principalmente ao legislador, pois é o legislador que deve observar os princípios constitucionais quando da elaboração das leis, cabendo ao executor apenas a aplicação da lei. Tanto o legislador quanto o aplicador da lei devem franquear o princípio da igualdade a todos os indivíduos. Em arremate ao que foi dito, citemos este importante entendimento jurisprudencial:

O princípio da isonomia, que se reveste de auto-aplicabilidade, não é — enquanto postulado fundamental de nossa ordem político-jurídica — suscetível de regulamentação ou de complementação normativa. Esse princípio — cuja observância vincula, incondicionalmente, todas as manifestações do Poder Público — deve ser considerado, em sua precípua função de obstar discriminações e de extinguir privilégios (RDA 55/114), sob duplo aspecto: (a) o da igualdade na lei e (b) o da igualdade perante a lei. A igualdade na lei — que opera numa fase de generalidade puramente abstrata — constitui exigência destinada ao legislador que, no processo de sua formação, nela não poderá incluir fatores de discriminação, responsáveis pela ruptura da ordem isonômica. A igualdade perante a lei, contudo, pressupondo lei já elaborada, traduz imposição destinada aos demais poderes estatais, que, na aplicação da norma legal, não poderão subordiná-la a critérios que ensejem tratamento seletivo ou discriminatório. A eventual inobservância desse postulado pelo legislador imporá ao ato estatal por ele elaborado e produzido a eiva de inconstitucionalidade. (MI 58, Rel. p/ o ac. Min. Celso de Mello, julgamento em 14-12-90, Plenário, DJ de 19-4-91).

Ressalte que a norma constitucional trata da igualdade formal, ou seja, a isonomia perante o nosso ordenamento jurídico. Esta igualdade faz parte de vários aspectos, dentre eles, a igualdade que impõe para a investidura em cargo ou emprego público, a prévia aprovação em concurso público de provas ou de provas e títulos, excepcionando as nomeações para cargos comissionados, tanto é que a frustração do certame configurará ato de improbidade administrativa, consoante art. 11, V, da Lei N° 8.492/92, a saber:

Seção III

Dos Atos de Improbidade Administrativa que Atentam Contra os Princípios da Administração Pública

Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente:

[...]

V - frustrar a licitude de concurso público;

Conclui-se, portanto, que a isonomia ou igualdade é assegurada pela Constituição Federal, devendo dar tratamento a todos modo equânime, condição de equilíbrio para que haja a tão almejada paz social. Não deve haver, portanto, normas ou atos administrativos que restrinjam o direito à igualdade, sob pena de frontal inconstitucionalidade.


3 CONCURSO PÚBLICO

O concurso público é abordado neste capítulo com o intuito de trazer o conhecimento necessário ao leitor desta monografia. Inicia-se o mesmo com a evolução histórica do concurso público demonstrando os marcos importantes que cercam o assunto. Dando continuidade, tem-se o conceito jurídico de concurso público, e o posicionamento das constituições brasileiras do decorrer da história acerca do assunto. Uma abordagem sobre as regras de acessibilidade ao ingresso na Administração Pública brasileira fecha este capítulo.

3.1 Evolução histórica do Concurso Público

Consoante esclarece Arnold Joseph Toynbee (1987, p. 484), historiador britânico, o concurso público tem suas origens nas antigas dinastias chinesas, ao comentar a ilustração referente à pintura da dinastia Ch’in, intitulada Concurso para o Serviço Público na China:

Concurso para o funcionalismo público da China no século XVII, supervisionado pelo Imperador. A proficiência nos clássicos de Confúcio tinha tornado-se uma prova para entrar no funcionalismo público da China, no último século a.C., mas o sistema caiu em desuso no século IV d.C. Seu restabelecimento em 622 d.C. significou apenas uma volta à tradição antiga, mas também representou uma vitória do confucionismo sobre seu novo rival, o budismo.

Segundo Márcio Barbosa Maia e Ronaldo Pinheiro Queiroz (2007, p. 3-6),

Várias foram às formas utilizadas pelo Estado para a escolha dos seus agentes, ultimando o concurso como o procedimento que, no século XXI, firma-se como o predominante para a avaliação dos melhores candidatos disponíveis para integrar as fileiras do Estado. Antes da sua estabilização nesse espaço, o sorteio, a sucessão hereditária, o arrendamento, a compra e venda e a nomeação absoluta e relativa possuíam maior espaço, sendo analisados pela doutrina, atenta aos seus aspectos conceituais e especificidades históricas.

O sorteio como processo de inspiração divina, teve seu uso restrito, pois foi mais acolhido para o preenchimento de cargos de natureza política do que para os cargos efetivos. Foi muito utilizado na Antiguidade clássica e, em especial, pelos gregos de Esparta e de Atenas, onde ficou famoso pelas circunstâncias em que decidiu a sorte de cargos de importância capital no mundo grecolatino. Apresentava-se sob duas espécies: o sorteio simples, que se aplicava indistintamente às pessoas que antes passavam por um processo seletivo, e o sorteio condicionado, aplicado a pessoas que reuniam determinadas condições, apreciáveis dentre os que poderiam ser escolhidos para o preenchimento dos cargos públicos.

 O sistema de compra e venda foi adotado na Idade Média a partir de Carlos VII de França, chegando-se a criar órgão público destinado à realização dessas transações tendo os cargos públicos por objeto. Da França, o modelo irradiou-se para a Alemanha, Espanha e Itália . Nessa estrutura, concebia-se o Estado como dono do cargo e, nessa qualidade, o Poder Público o vendia ao particular interessado em ser empregado da Administração.

O modelo transformou o cargo público em objeto de valor econômico e foi usado como fonte de receita. Apresentava inúmeros inconvenientes, dentre os quais se destaca o fato de assegurar os postos públicos aos mais ricos e não aos mais capazes, o que comprometia a eficiência dos serviços. A isso se acresce os problemas da transmissão hereditária que também viabilizava a má prestação dos serviços, pois o herdeiro varão nem sempre era detentor da mesma capacidade e comprometimento do antecessor que comprara o cargo. A delegação das atividades a terceiros, sem qualquer controle público, afastava o mínimo de segurança no tocante à realização eficiente das funções.          

Na Idade Média, não só a sucessão hereditária afigurou-se como mecanismo de ingresso no serviço público, mas também o arrendamento foi usado pelo Estado como mecanismo para ceder os cargos públicos a terceiros.

No caso do arrendamento, os particulares não adquiriam o cargo como no sistema de compra e venda, nem o tinham definitivamente incorporado em seu patrimônio por força de sucessão hereditária.

Nesse outro sistema, alugava-se o cargo por prazo determinado, mediante uma contrapartida pecuniária. Também, aqui, identifica-se que o cargo público converte-se em mercadoria, com todos os inconvenientes inerentes a esse modelo.

No tocante à designação por uma autoridade governamental de alguém para ocupar um cargo público sem interferência de outro poder, a doutrina qualificou o ato como nomeação absoluta. Os riscos de arbítrio, clientelismo e favoritismos indevidos afiguravam-se manifestos na espécie.

No caso de a nomeação depender do cumprimento de determinadas exigências legais, com sujeição ao crivo de outra autoridade ou poder, tem-se a denominada nomeação condicionada, ainda hoje presente na realidade administrativa. Assim ocorre, por exemplo, com a nomeação dos Ministros do Supremo Tribunal Federal ou com a designação dos dirigentes das agências reguladoras, ambos atos de competência do Presidente da República, após crivo do Congresso Nacional. (CARVALHO, 2010).

3.2 Concurso Público: conceito jurídico

Ensina a Profa. Fernanda Marinela Santos (2010, p. 38-39) que:

O concurso público é procedimento administrativo posto a serviço da Administração pública com vistas a escolher seus servidores em caráter futuro, ao mesmo tempo em que se orienta pelos princípios da impessoalidade, isonomia e da moralidade administrativa, assegurando, outrossim, a ampla acessibilidade as cargos públicos no Brasil.

Trata-se, segundo a mesma autora,

De uma escolha meritória, que pode ser de provas e de provas e títulos conforme a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei. Assim, deve o administrador levar em consideração o princípio da razoabilidade quanto às exigências do certame, evitando com isso os abusos e as condutas ilegítimas. (SANTOS, 2010, p. 617).

Para Reinaldo Moreira Bruno (2006, p. 79), representa “uma regra moralizadora e assecuratória da isonomia e da impessoalidade no recrutamento de pessoal para a Administração Pública”.

Marçal Justen Filho (2006, p. 597-598), sensível a importância do concurso público, assinala:

O concurso público objetiva assegurar que a seleção dos titulares de cargos de provimento efetivo oriente-se pelo princípio da impessoalidade. A escolha refletirá as virtudes e capacidades individuais revelados na avaliação objetiva, segundo critérios predeterminados de virtuosidade física e (ou) acidade intelectual.

Por sua vez, Fabrício Motta (2004) ao discorrer sobre os princípios atinentes aos concursos públicos, ressalta que dentre este grupo, destacam-se o princípio democrático, fulcrado na premissa de que todos têm direito de concorrer aos cargos públicos; o princípio da eficiência, que impõe à Administração o dever de selecionar, de forma objetiva e transparente, aqueles que possuem maiores atributos (méritos, qualificações e aptidões) para adequarem ao oferecimento de um serviço eficiente, e o princípio da isonomia, que consiste na igualdade de tratamento dos candidatos e na vedação de privilégios e discriminações injustificadas na contratação.

Note-se que na maioria dos conceitos sobre concurso público coloca - se a isonomia como pedra angular. A quebra deste importante princípio contamina o certame permitindo que a própria Administração Pública (de ofício) ou o Poder Judiciário (somente provocado, segundo o Princípio da Inércia), torne nulo todo o procedimento.

Vem a propósito, este posicionamento do STJ:

[...] O ingresso no serviço público depende de aprovação em concurso público de provas e títulos. Princípio democrático, voltado para concretizara igualdade de todos perante a lei. Supera o nepotismo, negativa evidente da isonomia. Além disso, urge prestigiar a classificação dos aprovados. (REsp 42350/PE, STJ – Sexta Turma, Rel. Min. Luiz Vicente Cernicchiaro, julgamento: 01.03.1994, DJ: 28,03.1994).

Dentre os meios de seleção empregados pelo Estado até a atualidade, o concurso público ganha importante destaque e relevância, visto que busca oportunizar, de forma igualitária, o direito de acesso dos cidadãos que preencham os requisitos estabelecidos em lei, aos cargos públicos oferecidos pela Administração. (FORNAZZA, 2008).

Entretanto, o próprio texto constitucional tratou de estabelecer exceções a esta regra, como é o caso dos cargos eletivos, que são preenchidos por eleição; os cargos comissionados, de livre nomeação e exoneração; as contratações por tempo determinado para satisfazer necessidades temporárias de excepcional interesse público; cargos onde a escolha é feita pelo Chefe do Executivo, após sabatina do Poder Legislativo (ato complexo)[7], como por exemplo os Ministros do STF e STJ, além daqueles nomeados através da regra do quinto constitucional. Por fim, acrescente a este rol os ex-combatentes que tenham da Segunda Guerra Mundial e os agentes comunitários de saúde e agentes de combate às endemias, consoante a EC n° 51, regulamentada pela Lei nº 11.350/06.

3.3 O concurso público e as constituições brasileiras

A Constituição Imperial do Brasil de 1824 assegurava, nos ditames de seu artigo 179, XIV, que qualquer cidadão poderia ser admitido pela Administração para preencher um cargo público, estabelecendo que a única distinção se daria pelos talentos de cada um.

A Constituição de 1934, conhecida como a Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, defendia em seu texto a total isenção quando da escolha de funcionários públicos. A sua importância deveu-se ao fato de ter guindado o concurso público ao patamar de princípio constitucional, inclusive, agregando a esta carreira a chamada estabilidade.

As Constituições de 1937 e 1946 mantiveram a obrigação da realização de concurso público para o provimento de cargos efetivos. Já a Constituição de 67/69 consolidou o atual formato ao admitir no concurso público de provas ou provas e títulos, vedando, (artigo 95, §1º) a seleção de candidatos com base unicamente no critério dos títulos.

Por fim, o atual ordenamento jurídico capitaneado pela Lei Troncolar de 1988 (Constituição Cidadã), consagrando o regime democrático estabeleceu, como ação moralizadora, que a investidura nos cargos públicos esteja condicionada à aprovação em concurso público, consoante a dicção do art. 37, II. “verbis”:

Art 37.

[...]

II – a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração;

Nesse contexto, conforme pode-se perceber o ingresso para a administração pública sempre esteve elencado nas constituições brasileiras, o destacando como único meio de entrar para o serviço público, salvo os cargos considerados como comissionados.

3.4 Regras de acessibilidade ao ingresso na Administração Pública Brasileira

A acessibilidade nada mais consiste que o conjunto de normas e princípios jurídicos que disciplinam o ingresso no serviço público. Esse conjunto de normas que define requisitos e parâmetros para o acesso ao serviço público deve ser respeitado rigorosamente pelos administradores. São regras cogentes que geram um direito público subjetivo aos candidatos a essas vagas, sendo vedada qualquer possibilidade de discriminação abusiva, o que gera flagrante desrespeito ao princípio da isonomia.

O caráter universal do acesso ao serviço público foi tratado por Adilson Abreu Dallari (1992, p. 28) da seguinte forma:

Em resumo, todo brasileiro tem constitucionalmente assegurado o direito de, por qualquer forma, participar da administração pública, direta ou indiretamente, mesmo quando ela se apresenta com uma roupagem de pessoa jurídica de direito privado. Para que se tenha uma idéia da importância do tema, basta dizer que ele figura no texto da Declaração Geral dos Direitos Humanos, aprovada pela Assembléia Geral das Nações Unidas em 10.12.1948, com o seguinte enunciado: ‘cada indivíduo tem o direito ao ingresso, sob condições iguais, no serviço de seu país’.

Entretanto, como não há cargos e empregos públicos suficientes para todas as pessoas, como então solucionar o impasse, e escolher quem exercerá o cargo ou o emprego, sabendo-se que no preenchimento destes postos de trabalho, a Administração Pública deve observar os princípios da isonomia e da impessoalidade?

A questão mereceu o aplauso de vários doutrinadores, inclusive Edmir Netto Araújo (2007, p. 279) que, com propriedade, advoga:

A doutrina e os ordenamentos jurídicos têm apontado a solução: escolha mediante a realização de algum certame (competição) que aponte os mais capazes ou habilitados a manter a relação jurídica desejada pelo Estado, com o Estado; no caso do contrato, é a licitação, no caso do provimento de cargos públicos, é o concurso público.

Embora exista uma corrente de juristas que critica a seleção de candidatos por meio de concurso público, sob a alegativa de, verdadeiramente, não se afigura a melhor alternativa de avaliação, pois o êxito dos selecionados nem sempre possibilita que os melhores profissionais sejam recrutados, diante de distorções apresentas pelo sistema de prova utilizado, que avalia parcialmente o mérito da pessoa admitida.

Apesar das críticas, data máxima vênia, advogamos a favor deste importante mecanismo, por acreditar que, além de não existir critério totalmente perfeito para seleção de pessoas que tenham interesse em ingressar nas repartições públicas, ainda não inventaram procedimento melhor.

Inclusive visando consolidar o direito de quem se submete a estes certames através do Projeto de lei n° 986/2007[8], 15 de autoria do deputado Augusto Carvalho (PPS-DF), o qual institui o “Estatuto dos Concursandos” e estabelece os procedimentos para os candidatos a uma vaga na área federal. Este importante projeto, se aprovado, representará um marco histórico no que diz respeito às regras de acessibilidade.

Parece inegável que o concurso público constitui-se condicio sine qua non (condição imprescindível) para o preenchimento de cargos públicos efetivos, sendo este de provas ou de provas e títulos.

Assim, a investidura em cargo e emprego público depende de aprovação em concurso público, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração (art. 37, II, da CF).

Vêm apropositados os ensinamentos de Petrônio Braz (2012, p. 617) destacando o seguinte:

Deve ser observado que embora todos os nacionais sejam iguais perante a lei (art. 5°, da CF), para a participação em concurso público são impostas condições específicas ou requisitos indispensáveis à investidura em cargos públicos, relacionados com a idade, habilitação profissional, saúde, idoneidade moral e direitos políticos.

Com muita propriedade o STF tem considerado inconstitucional toda modalidade de provimento que propicie ao servidor investir-se, sem prévia aprovação em concurso público destinado ao seu provimento, consoante a Súmula. nº 685. Nesse passo recorremos mais uma vez a pena arguta de Marinella (2001, p. 617):

Trata-se de uma escolha meritória, que pode se de provas e de provas e títulos conforme a natureza do cargo ou emprego, na forma prevista em lei. Assim, deve o administrador levar em consideração o princípio da razoabilidade quanto às exigências do certame, evitando com isso os abusos e as condutas ilegítimas.

Por fim, urge ressaltar que os requisitos de acesso, definidos em norma editalícia[9], podem ser divididos em objetivos e subjetivos, sendo os primeiros os relacionados com as funções do cargo ou emprego público e os segundos dizem respeito à pessoa do candidato a vaga.

Certo é que nenhum requisito subjetivo pode discriminar o candidato em razão de suas condições estritamente pessoais, como, cor, raça, credo religioso, peso, sexo e idade, entre outros. Contudo, algumas exceções no que diz respeito a questões de idade e gênero são admitidas quando decorrentes da limitação imposta pela natureza ou necessidade da função a ser exercida.[10]


4 DAS LIMITAÇÕES IMPOSTAS AO ACESSO AOS CARGOS PÚBLICOS EFETIVOS NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO – ANÁLISE DOUTRINÁRIA E JURISPRUDENCIAL

Finalizando esta monografia, neste capítulo aborda-se as limitações impostas ao acesso aos cargos públicos efetivos no ordenamento jurídico brasileiro, procedendo-se com uma análise doutrinária e jurisprudencial. Inicia-se o capítulo com considerações iniciais acerca do assunto. Em seguida destaca-se cada requesito que compõem o acesso aos cargos públicos, tais como: idade, sexo, altura, peso, dentes, exame psicotécnico, portador de deficiência ou de necessidades especiais, investigação social e sobre os aspectos que envolvem tatuagem em candidatos aos cargos.

4.1 Breves considerações iniciais

Antes de adentrarmos ao cerne desta monografia, consideramos importantes os ensinamentos do professor Celso Antônio Bandeira de Melo (2002) ao ressaltar que qualquer limitação imposta ao acesso aos cargos públicos necessitará ter uma correlação lógica entre o fator de discrímen e a desequiparação procedida. Assim, vejamos conforme o autor que o ponto nodal “para exame da correção de uma regra em face do princípio isonômico reside na existência ou não de uma correlação lógica entre o fator erigido em critério de discrímen e a discriminação legal decidida em função dele”. (MELO, 2002, p. 37).

Passos avante, explica a sua afirmação nos seguintes termos:

Esclarecendo melhor: tem que se investigar, de um lado, aquilo que é erigido em critério discriminatório e, do outro lado, se há justificativa racional para, à vista do traço desigualador adotado, atribuir o específico tratamento jurídico construído em função da desigualdade afirmada. (MELO, 2002, p. 38)[11].

Para o festejado autor:

O critério especificador escolhido pela lei, a fim de circunscrever os atingidos por uma situação jurídica – a dizer: o fator de discriminação – pode ser qualquer elemento radicado neles; todavia, necessita, inarredavelmente, guardar relação de pertinência lógica, com a diferenciação que dele resulta. Em outras palavras: a discriminação não pode ser gratuita ou fortuita. Impende que exista uma adequação racional entre o tratamento diferenciado construído e a razão diferencial que lhe serviu de supedâneo. Segue-se que, se o fator diferencial não guardar conexão lógica com a dispariadde de tratamentos jurídicos dispensados, a distinção estabelecida afronta o princípio da isonomia. (MELO, 2002 p. 38-39)

Assim, pode-se dizer que utilizando-se do princípio da isonomia da administração pública, para os concursos são estabelecidos critérios que devem ser atingidos por todos os candidatos, para que possam ter seu ingresso a um cargo público, tais critérios servirão para todos de forma igualitária.

4.2 Da Idade

A Magna Carta de 1988 veda, quando da admissão de pessoal, a discriminação quanto ao critério da idade podendo, entretanto, a lei estabelecer requisitos diferenciados de admissão quando a natureza do cargo o exigir consoante o art. 7º, XXX c/c art.39, § 2º, CF/88.

Sobre o tema a Súmula 683 do STF[12] ressalta “o limite de idade para a inscrição em concurso público só se legitima em face do art. 7º, XXX, da Constituição, quando possa ser justificado pela natureza das atribuições do cargo a ser preenchido”.

A regra geral, a princípio, aponta para a vedação de se fixar o critério da idade quando do acesso a cargos, empregos e funções públicas, muito embora a própria Constituição Federal, em algumas situações, estabeleça requisitos mínimos no que diz respeito à idade, consoante o que dispõem os artigos 73, § 1º e 101 o qual versam, respectivamente sobre a nomeação para ministros do Tribunal de Contas da União – TCU e do Supremo Tribunal Federal – STF.

Com razão, Di Pietro (1992, p. 316-317) ressalta:

que embora o objetivo do constituinte tenha sido o de proibir o limite de idade, a proibição não pode ser interpretada de modo absoluto; primeiro, porque o artigo 37, I, deixa para lei ordinária a fixação dos requisitos de acesso aos cargos, empregos e funções; segundo, porque, para determinados tipos de cargos, seria inconcebível a inexistência de uma limitação, quer em relação a sexo, quer em relação a idade.

Caberá a lei de iniciativa do chefe do Poder Executivo estabelecer a limitação de idade em concurso público por cuidar de matéria atinente ao provimento de cargos públicos.[13]

No que diz respeito à idade máxima, Nathalia Fevereiro Grisolia (2005, p. 13) pontua o seguinte:

A limitação máxima de idade só tem sentido quando o cidadão não puder exercer a contento suas funções em virtude do passar dos anos. Normalmente, tal limitação é pertinente com relação a atividades que exigem esforço físico, de locomoção ou de capacidade biológica que sofrem alteração com a idade. Há hipóteses, também, em que o conhecimento jurídico deve estar aliado ao vigor físico, porque necessitam de força física para a realização de diligências, além do conhecimento jurídico. Nesses concursos, aliás, muitas vezes, exige-se a realização de avaliação de força muscular como uma das etapas das provas.

Por sua vez, se o cargo for de natureza intelectual[14], técnica e/ou operacional, os tribunais superiores firmaram o entendimento de que a utilização do referido critério tornar-se-á inconstitucional, senão vejamos:

RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. IMPOSIÇÃO LEGAL DE LIMITE MÁXIMO DE IDADE PARA INGRESSO NA CARREIRA DO MAGISTÉRIO. IMPOSSIBILIDADE. 1. Fere o princípio constitucional da isonomia a previsão em norma infraconstitucional de limite máximo de idade para ingresso na carreira do magistério. 2. Hipótese não prevista na norma constitucional. Recurso extraordinário conhecido e provido. (RE n. 212.066-RS, rel. Min. Maurício Corrêa, 2a Turma do STJ, DJU de 12/03/1999, p. 18).

É fácil concordar com o brilhante Bandeira de Mello (1990) ao propugnar que o fator idade pode resultar, em certas situações, uma específica incompatibilidade com algum determinado cargo ou emprego, cujo satisfatório desempenho demande grande esforço físico ou acarrete esforço excessivo, inadequados ou impossíveis a partir de certa fase da vida. Afirma que a pretendida limitação acerca da idade não será indiscriminada e inespecífica, podendo ser admitida pelo texto constitucional.

A esse respeito colacionamos as seguintes decisões jurisprudenciais do STF:

RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONCURSO PÚBLICO PARA A ADMISSÃO A CURSO DE FORMAÇÃO DE AGENTE PENITENCIÁRIO. ADMISSIBILIDADE DA IMPOSIÇÃO DE LIMITE DE IDADE PARA A INSCRIÇÃO EM CONCURSO PÚBLICO

- O Plenário desta Corte, ao julgar os recursos em mandado de segurança 21.033 e 21.046, firmou o entendimento de que, salvo nos casos em que a limitação de idade possa ser justificada pela natureza das atribuições do cargo a ser preenchido, não pode a lei, em face do disposto nos artigos 7º, XXX, e 30, § 2º, da Constituição Federal, impor limite de idade para a inscrição em concurso público

. - No caso, dada a natureza das atribuições do cargo, é justificada a limitação de idade, tanto a mínima quanto a máxima, não se lhe aplicando, portanto, a vedação do artigo 7º, XXX, da Constituição Federal. Recurso extraordinário conhecido e provido. (RE n. 176479 RS , rel. Min Moreira Alves, 1ª Turma do STF, DJU de 25/11/1996 DJ 05-09-1997 PP-41893 EMENT VOL-01881-04 PP-00771)

CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. CONCURSO PÚBLICO. LIMITE DE IDADE. MINISTÉRIO PÚBLICO. C.F., art. 7º, XXX; art. 37, I; art. 39, § 2º.

I. - Pode a lei, desde que o faça de modo razoável, estabelecer limites mínimo e máximo de idade para ingresso em funções, emprego e cargos públicos. Interpretação harmônica dos artigos 7º, XXX, 37, I, 39, § 2º.

II. - O limite de idade, no caso, para inscrição em concurso público e ingresso na carreira do Ministério Público do Estado de Mato Grosso -- vinte e cinco anos e quarenta e cinco anos é razoável, portanto não ofensivo à Constituição, art. 7º XXX, ex vi do art. 39, § 2º.

III. - Precedentes do

IV. - R.E. conhecido, em parte, e provido na parte conhecida.  (RE n. 184.635-MT, rel. Min Carlos Veloso, 2ª Turma do STF, DJU de 04/05/01, p. 35).

ADMINISTRATIVO. MILITAR. CONCURSO PÚBLICO. LIMITE DE IDADE. - A atividade militar requer aptidões absolutamente distintas daquelas exigíveis para a grande maioria dos empregos, razão pela qual é de todo pertinente prever-se limitação de idade para o seu exercício. - Legalidade do edital, que fixa limite de idade para a inscrição no Concurso de Admissão ao Curso de Formação de Sargentos da Aeronáutica - 2002, visto que a atividade militar é de natureza especial. - Apelação e Remessa Oficial providas. (AC 378504 CE 2001.81.00.012896-0. Relator(a): Desembargador Federal Francisco Wildo. 2ª Turma do TRF5; Diário da Justiça - Data: 22/03/2006 - Página: 952 - Nº: 56 - Ano: 2006).

O próprio Estatuto do Idoso (Lei n° 10.741 de 2003) corrobora este aspecto quando, nos ditames do seu art. 27 estabelece que “na admissão do idoso em qualquer trabalho ou emprego, é vedada a discriminação e a fixação de limite máximo de idade, inclusive para concursos, ressalvados os casos em que a natureza do cargo o exigir”.

Com efeito, segundo Raquel Melo Urbano de Carvalho (2008), há situações em que as atribuições exigem vigor e características ausentes nas idades mais avançadas. Do mesmo modo que determinadas funções requerem um mínimo de maturidade e experiência incompatíveis com a juventude, há outras que exigem força e aptidões já em declínio com o passar dos anos. Sendo assim, consiste discriminação razoável excluir do certame candidatos que não satisfazem as condições necessárias ao exercício do cargo ou do emprego público. Não pode o art. 27 da Lei Federal n. 10.741 ser compreendido, pois, como uma blindagem impeditiva da fixação de limite máximo etário em todos os concursos públicos. Nos casos em que se mostrar razoável, é cabível impedir que pessoas acima de determinada faixa de idade disputem o cargo ou o emprego público em questão.

Importante ressaltar que o parágrafo único do art. 27 do referido Estatuto do Idoso estabelece, como primeiro critério de desempate em concurso público, a idade mais avançada. Entretanto, seria razoável usar a idade mais avançada como critério de desempate já que o objetivo do certame seria escolher os melhores candidatos interessados na disputa de cargos públicos?

Novamente recorremos a Raquel Melo Urbano de Carvalho (2008, p. 132):

É preciso frisar, entretanto, que o princípio que obriga a Administração a escolher os melhores candidatos e aquele que enseja a preferência dos mais velhos em caso de empate não são incompatíveis. Ao contrário, vislumbra-se como teoricamente possível que se harmonizem na formação do conceito da igualdade material próprio em cada realidade específica. O tratamento diferenciado estabelecido no art. 27, parágrafo único admite, em abstrato, o atendimento do interesse público primário que está sim presente quando, na formação de um quadro de pessoal capaz tecnicamente, inserem-se categorias indevidamente excluídas, como os idosos. Em primeiro plano, não se trata de incorporar agente público com aptidões insuficientes, pois os candidatos foram aprovados no certame, classificados na mesma posição quando do resultado final. O que está em questão é, diante de candidatos com igual aptidão, escolher prioritariamente o mais velho. Ademais, para que a referida escolha preferencial ocorra, é necessário que haja prova induvidosa de uma discriminação social que atinja mais seriamente os idosos do que, por exemplo, os mais jovens e ainda inexperientes no mercado de trabalho. Trata-se de um dado concreto que sequer é aferível a partir de normas jurídicas. Avaliado tal elemento sociológico e havendo prova da discriminação prévia em desfavor dos mais velhos, a preferência de nomeação dos idosos é meio capaz de combater a desigualdade preliminar. Afinal, nomear um candidato mais velho e não o mais novo, estando ambos empatados, é medida que realiza o fim de inserção social dos idosos.

O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana necessita ser observado em um Estado Democrático de Direito. É necessário que o Estado busque, através de seus mecanismos, promover a inserção das camadas mais excluídas da sociedade. Determinadas categorias, como a do idoso, sempre estiveram à margem de muitos direitos. A ação afirmativa[15] em tela busca a correção deste grave problema social.

Dos preciosos dizeres de Francisco Chaves dos Anjos Neto (2004, p. 173-174) colhemos o seguinte:

Ora, para uma sociedade que pretende se passar como verdadeiramente igualitária, é preciso ter presente o sentido de elidir com mais ênfase as desigualdades artificialmente criadas de que são vítimas os mais desvalidos, preconceituosamente afastados das melhores oportunidades de vida por força de situações que nada têm a ver com sua maior ou menor disposição de vencer, senão por conta de um quadro econômico-social do qual sempre se viram distantes, à vista mesmo de uma discriminação historicamente conhecida.

Conclui-se que a proibição de acesso a cargos, empregos e funções públicas, tão somente em razão da idade do candidato, consiste em nítida inconstitucionalidade, uma vez que de encontro ao nosso ordenamento jurídico, tratando-se de pura discriminação.

Entretanto, a lei pode delegar à Administração que estabeleça tais requisitos via ato administrativo, desde que haja segundo Adilson Abreu Dallari (2006), uma relação de pertinência entre o limite estabelecido e o conteúdo ocupacional do cargo ou emprego. Qualquer distorção acerca deste aspecto poderá ser corrigida via mandado de segurança.

Caso haja a necessidade de se estabelecer uma discriminação por força da necessidade do cargo público esta deve ser fixada somente pelo legislador segundo critérios da razoabilidade.

4.3 Do Sexo

O art. 5°, I da Constituição Cidadã estabelece que homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações. Entretanto, consoante a razoabilidade, algumas funções poderiam ser de preenchimento exclusivo por determinado sexo, desde que a lei assim o estabelecesse.

José dos Santos Carvalho Filho (2008, p. 623), advoga que:

O sexo não pode ser fixado como requisito de acesso. Ressalvadas estarão, no entanto, as situações funcionais que justificarem a escolha de um ou outro dos sexos. Em concurso para prover cargos de Monitora em estabelecimento de abrigo para meninas adolescentes, seria válido limitar-se o acesso ao sexo feminino. Vedado será, entretanto, instituir esse requisito em casos que não tenham qualquer justificativa e em que as funções do cargo possam ser normalmente executadas por pessoas de qualquer dos sexos.

É certo, no entanto, que a natureza de determinadas atribuições justifica o seu exercício somente por pessoas do sexo feminino, sendo cabível restringir, em alguns casos, aos indivíduos do sexo masculino. A adoção do fator sexo como fator discriminatório que mantém ou exclui candidatos do certame depende da pertinência evidente entre esse elemento e os objetivos buscados com o desempenho das funções inerentes ao cargo para o qual se faz a seleção.

Nesse passo invoquemos o entendimento do STF que vai ao encontro do posicionamento doutrinário:

EMENTA: CONCURSO PÚBLICO - CRITÉRIO DE ADMISSAO - SEXO. A regra direciona no sentido da inconstitucionalidade da diferença de critério de admissão considerado o sexo - artigo 5., inciso I, e par. 2. do artigo 39 da Carta Federal. A exceção corre a conta das hipóteses aceitáveis, tendo em vista a ordem sócio-constitucional. O concurso público para preenchimento de vagas existentes no Oficialato da Policia Militar, no Quadro de Saúde - primeiro-tenente,médico e dentista - enquadra-se na regra constitucional, no que proíbe a distinção por motivo de sexo. (STF. RE120305-RJ. Relator Min. Marco Aurélio. Julgamento 08-09-1994. Disponível em http://www.stf.gov.br. Acessado em 26/10/2010)

EMENTA: CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. MILITARES DA AERONÁUTICA. CRITÉRIOS DIFERENCIADOS DE PROMOÇÃO PARA MILITARES DO SEXO FEMININO E MASCULINO: POSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA ISONOMIA. I. — A adoção de critérios diferenciados para a promoção de militares masculinos e femininos da Aeronáutica não ofende o princípio da isonomia, porquanto esses militares integram carreiras distintas, regidas por estatutos próprios. II. — Agravo não provido. (Ag. Reg. no RE n. 316.882-DF, rel. Min. Carlos Velloso, 2a Turma do STF, DJU de 14/10/05, p. 21)

Por sua vez, Francisco Lobello de Oliveira Rocha (2006, p. 147), em pensamento dissonante, entende que “a realização de provas físicas com requisitos distintos entre homens e mulheres evidencia uma considerável falha avaliativa, pois o Poder Público, durante o exercício do cargo disputado, não pode exigir desempenho distinto entre pessoas de sexos diferentes”

Inclusive, acrescenta, José Maria Pinheiro Madeira (2009, p. 119), que deve ser coibida “a aplicação de testes esdrúxulos e incapazes de medir a capacidade física dos candidatos, ou a fixação de limites cujo cumprimento é possível apenas por superatletas ou bem-dotados fisicamente”.

Portanto, na esteira do posicionamento doutrinário e jurisprudencial vigente podemos afirmar que é defeso estabelecer critérios de admissão considerado a questão do gênero, consoante o artigo 5º, Inciso I, c/c parágrafo. 2°. do artigo 39 da Carta Federal de 1988, excetuando as hipóteses justificáveis, no que diz respeito ao seu exercício funcional.

4.4 Da Altura

No quesito altura, é pacífica a jurisprudência no sentido de se admitir para determinados tipos de cargos públicos, uma altura mínima para o seu desempenho, consoante o que se segue:

Admite-se a fixação de altura mínima, prevista em lei, como condição para o exercício das funções do cargo de Soldado, por se tratar de exigência que guarda correlação com a natureza do cargo. (Apelação Cível n. 1.0024.08.042927-7/002, rel. Des. Heloisa Combat, 7ª Câmara Cível do TJMG, DJMG de 14/08/2009).

CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. INGRESSO NA POLÍCIA MILITAR DO ESTADO DE MINAS GERAIS. EXAMES PRELIMINARES DE SAÚDE. ALTURA MÍNIMA. LEGALIDADE. — Dada a natureza do cargo, o importante papel social exercido e os riscos a que o Policial Militar está sujeito, não se pode falar — na esteira do art. 37, II, da Constituição Federal — em ilegalidade ou violação de princípios em razão da exigência de aprovação em exame médico oftalmológico, para aferição de acuidade visual, como condição para admissão. — Não ilegalidade em exigir-se, na lei e no edital de seleção de candidatos para o ingresso na Polícia Militar, o exame médico antropométrico no qual se avalia a altura mínima do candidato. — Hipótese na qual o ato de desqualificação da autora-candidata foi legal, pois, esta não possui altura mínima legalmente exigida no edital. (Apelação Cível n. 1.0702.03.079684- 2/001, rel. Des. Alberto Vilas Boas, 1a Câmara Cível do TJMG, DJMG de 22/05/2009)

MANDADO DE SEGURANÇA — AGRAVO DE INSTRUMENTO — CONCURSO PÚBLICO PARA SARGENTO DA AERONÁUTICA — ESTATURA MÍNIMA DE 1,55 M A SE SITUAR CONSENTÂNEA COM OS CONTORNOS DO CASO VERTENTE E COM O ORDENAMENTO — AUSENTE DESEJADO DISCRÍMEN — PROVIMENTO AO AGRAVO FAZENDÁRIO. Deve se ter em mira que não se está a se cuidar de burocrático serviço, aqui ou ali exercível, mas do cargo de Sargento da Aeronáutica, função das mais proeminentes e para a qual claramente exigido um mínimo de porte ou estatura física/altura, 1,55 m, inerente aos multifários misteres a tanto correspondentes, público o pertinente edital e portanto inescondível nenhuma a surpresa. Assentada a isonomia na dispensa de tratamento equivalente aos que se encontrem em equânime situação, tanto quanto de diferenciado, aos em situação distinta, caput do art. 5°, Lei Maior, ausente se revela a almejada mácula sobre o dogma em questão, ao contrário, do cenário em tela se extrai sua estrita observância, pois conjugado deve ser tal ângulo com o cargo em disputa por público concurso, por seus peculiares contornos. (Agravo de Instrumento n. 2007.03.00.082141-3, rel. Juiz Convocado Silva Neto, 2a Turma do TRF 3a Região, DJF3 de 17/12/2009, p. 240).

Entretanto o STF estabelece que haja um mínimo de correlação dessa exigência com a própria atribuição do cargo: Mostra-se contrária a razoabilidade a exigência de altura para cargos de natureza técnica ou burocrática, senão vejamos:

Concurso público. Altura mínima. Requisito. Tratando-se de concurso para o cargo de escrivão de polícia, mostra-se desarrazoada a exigência de altura mínima, dadas as atribuições do cargo, para as quais o fator altura é irrelevante. Precedente (RE 150.455, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ 07/05/99). (RE n. 194.952-MS, rel. Min. Ellen Gracie, 1a Turma do STF, DJU de 11/10/2001, p. 18).

Todavia há divergências jurisprudenciais sobre o tema em questão, por considerarem alguns ministros do STF que a aludida restrição depende de previsão legal:

EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. POLICIAL MILITAR. ALTURA MÍNIMA. PREVISÃO LEGAL. INEXISTÊNCIA. 1. Somente Lei Formal pode impor condições para o preenchimento de cargos, empregos ou funções públicas. Precedentes. 2. Agravo regimental a que se nega provimento (STF – 2ª T. – AI-AgR nº 627586-BA – Rel. Min. Eros Grau – j. 27/11/2007 – p. 19).

EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. 2. Concurso público. Altura mínima. Ausência de previsão legal. Precedentes. 3. Agravo regimental a que se nega provimento (STF – 2ª T. – RE-AgR nº 509296-SE – Rel. Min. Gilmar Mendes – j. 18/9/2007).

 EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL. ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO PARA O CARGO DE POLICIAL MILITAR DO ESTADO DA BAHIA. ALTURA MÍNIMA EXIGIDA. NECESSIDADE DE PREVISÃO LEGAL PARA DEFINIÇÃO DOS REQUISITOS PARA INGRESSO NO SERVIÇO PÚBLICO. INEXISTÊNCIA DE OFENSA DIRETA À CONSTITUIÇÃO. Agravo regimental a que se nega provimento (STF – 2ª T. – AI-AgR nº 588768-BA – Rel. Min. Joaquim Barbosa – DJ 3/8/2007 – p. 94).

EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTOI. CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. POLICIA MILITAR. ALTURA MÍNIMA. PREVISÃO LEGAL. INEXISTÊNCIA. 1. Somente Lei Formal pode impor condições para o preenchimento de cargos, empregos ou funções públicas. Precedentes. 2. Agravo regimental a que se nega provimento. (STF - 2ª T. – AI – AgR nº 627586-BA – Rel Min. Eros Grau – j. 27/11/2007 – p.19).

AGRAVO REGIMENTAL. ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO PARA O CARGO DE POLICIAL MILITAR DO ESTADO DA BAHIA. ALTURA MÍNIMA EXIGIDA. NCESSIDADE DE PREVISÃO PARA DEFINIÇÃO DOS REQUISITOS PARA INGRESSO NO SERVIÇO PÚBLICO. INEXISTÊNCIA DE OFENSA DIRETA À CONSTITUIÇÃO. Agravo regimental a que se nega provimento. (STF- 2ª T. – AI – AgR nº 588768-BA – Rel Min. Joaquim Barbosa- DJ 3/8/2007 – P. 94).

Dessa forma, a altura também poderá constar como um requisito para ingresso no concurso público, desde que se tenha as motivações necessárias para tal exigência.

4.5 Do Peso

Alguns candidatos, quando do exame antropométrico foram excluídos do certame pelo fato de estarem obesos. Alega a Administração Pública que tal condição seria óbice ao bom desempenho de suas atribuições, mesmo que sua condição clínica seja satisfatória.

É fato que a obesidade é, segundo a Classificação Internacional de Doenças - CID, considerada uma doença (designada sob a sigla E66). Entretanto, Luís Marcelo Cavalcanti Sousa (2007, p. 92) ressalta que o referido obstáculo à ocupação de cargo público mostra-se inconstitucional:

Ao contrário, me parece que discriminações envolvendo altura e sexo, por exemplo, são razoáveis justamente pelo caráter de definitividade que possuem. Já o peso do candidato é algo muito relativo e variável. O candidato pode ganhar peso rapidamente depois de empossado, assim como pode emagrecer. De qualquer forma, fica o registro.

O Superior Tribunal de Justiça - STJ admite a exigência de peso mínimo e máximo quando se trata, exempli gratia, de funções específicas das carreiras policiais.

EMENTA: CONCURSO PÚBLICO — CURSO DE FORMAÇÃO DE SOLDADO DA POLÍCIA MILITAR DO ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL — LIMITE MÍNIMO DE PESO EXIGIDO EM EXAME DE SAÚDE E ANTROPOMÉTRICO PELO EDITAL — POSSIBILIDADE — EXIGÊNCIA QUE SE ENTENDE RAZOÁVEL EM FACE DAS ATRIBUIÇÕES DO CARGO DE SOLDADO DA POLÍCIA MILITAR — RECURSO IMPROVIDO 1. A discriminação feita em edital de concurso público não se considera ilegal se o fator de discrimen guardar relação de pertinência lógica com a situação fática do caso concreto. 2. Pode, assim, ser previsto, em edital de concurso público, limite mínimo de peso aos concorrentes, para o ingresso no cargo de soldado da Polícia Militar do Estado do Mato Grosso do Sul, em razão das atribuições a serem exercidas pelo candidato aprovado. Precedentes desta Corte. (RMS n. 11.885-MS, rel. Ministro Paulo Medina, 6a Turma do STJ, DJU de 07/11/2005, p. 382).

Ou seja, a obesidade, enquanto fator de discrimen poderá ser levada em consideração quando guardar uma relação de pertinência lógica com a situação. Novamente a Razoabilidade deve ser aplicada ao caso.

Na verdade, no que diz respeito à exigência de peso ou índices de massa corporal nos concursos, deve-se verificar se a exigência de peso ou IMC mínimo e/ou máximo é realmente compatível com a função a ser exercida na espécie. (SOUSA, 2007).

O concurso público para polícia legislativa do Senado Federal, lançado em 2012, estabeleceu em seu edital, mais precisamente no item 8.8 o seguinte aspecto:

8.8 A Avaliação Funcional constará de pesagem, medição de altura e percentual de gordura do candidato. Será utilizado o adipômetro Cescof Clínico na medição do percentual de gordura e terá como base o protocolo de Pollock de 5 dobras cutâneas, sendo: tríceps; coxa; suprailíaca; abdome e peitoral.

Segundo o edital, após a medição será considerado apto na avaliação funcional o candidato que obtiver o percentual de gordura nos seguintes limites: Masculino: 25% (máximo) e 4% (mínimo); Feminino: 31% (máximo) e 13% (mínimo).

É razoável imaginar que a obesidade tenha uma influência considerável no exercício do supramencionado cargo tendo em vista o desempenho de suas funções. Perceba, também, outro fator de diferenciação quando observamos percentuais distintos entre os sexos. Já para atividades de cunho intelectual, como, por exemplo, o exercício da magistratura ou do Ministério Público esta exigência seria flagrantemente inconstitucional.

Por fim, nunca é despiciendo lembrar que qualquer exigência, (inclusive a relacionada ao peso) deve estar prevista, claramente, em regra editalícia que, por sua vez, deve estar atrelada a lei em sentido estrito, ou seja, norma criada e chancelada pelo Poder Legiferante.

Sobre o tema assim se manifestou o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul - TJRS:

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. CEEE. AUXILIAR TÉCNICO.

Preliminar. Recurso que, mesmo reeditando os argumentos da contestação, investem contra os fundamentos da sentença. Cerceamento de defesa não caracterizado, pois desnecessária a dilação probatória, ante os limites da lide. Mérito. Candidato reprovado em exame médico admissional por sobrepeso. Exigência não constante de norma legal, muito menos do próprio edital, não podendo, isoladamente, ser erigida como óbice à contratação apenas por constar do edital a exigência de aprovação em exame médico admissional, pelo que se pode impor ao candidato, tão-somente, gozar de boa saúde física e mental. (TJRS. Apelação Cível nº 70020917175. Terceira Câmara Cível. Acessado em 26/10/2010. Disponível em: http:// www.tj.rs.jus.).

Assim, como os demais requesitos aqui mencionados, também poderá ser estabelecido no edital de um concurso público, devendo-se considerar o peso e o índice de massa corporal necessários para exercer determinada função.

4.6 Do Exame Psicotécnico

A exigência de exame psicotécnico como etapa eliminatória em um concurso público sempre gerou grandes discussões doutrinárias, devido ao seu alto grau de subjetividade. As polêmicas foram, ao poucos, dissipadas a partir da edição da Súmula nº 686 do STF que estabelece que “só por lei se pode sujeitar a exame psicotécnico a habilitação de candidato a cargo público”. Ou seja, só será plausível a Administração Pública exigir este tipo de exame quando houver o respectivo calço legal.

Acrescenta ainda o próprio STF a possibilidade “da exigência do exame psicotécnico quando previsto em lei e com a adoção de critérios objetivos para a realização do exame [...]”. (AI 707590 AgR/MG, STF – Primeira Turma, Relª Minª Cármen Lúcia, julgamento: 16.12.2008, DJe: 12.02.2009).

Ressalta o ex-Ministro Eros Grau, de forma mais abrangente que “o exame psicotécnico pode ser estabelecido para concurso público desde que por lei, tendo por base critérios objetivos de reconhecido caráter científico, devendo existir, inclusive, a possibilidade de reexame [...]. (RE 473719 AgR/DF, STF – Segunda Turma, Rel. Min. Eros Grau, Julgamento: 17.06.2008, Dje: 31.07.2008)

Inclusive sobre a possibilidade revisão do resultado, garantindo a possibilidade de recurso, o STF assim se pronunciou:

O exame psicotécnico, especialmente quando possuir natureza eliminatória, deve revestir-se de rigor científico, submetendo-se, em sua realização, à observância de critérios técnicos que propiciem base objetiva destinada a viabilizar o controle jurisdicional da legalidade, da correção e da razoabilidade dos parâmetros norteadores da formulação e das conclusões resultantes dos testes psicológicos, sob pena de frustrar-se, de modo ilegítimo, o exercício, pelo candidato, da garantia de acesso ao Poder Judiciário, na hipótese de lesão a direito. Precedentes. (AI 625.617-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 19-6-2007, Segunda Turma, DJ de 3-8-2007.)

De forma mais abrangente o STJ havia se manifestado da seguinte forma:

EMENTA: RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. POLICIAL MILITAR. EXAME PSICOTÉCNICO. REPROVAÇÃO. VALIDADE. CRITÉRIOS. PREVISÃO LEGAL. OBJETIVIDADE. RECORRIBILIDADE. RECURSO DESPROVIDO.

I - A jurisprudência desta c. Corte Superior tem se firmado no sentido de que a legalidade do exame psicotécnico em provas de concurso público está condicionada à observância de três pressupostos necessários: previsão legal; cientificidade e objetividade dos critérios adotados; e possibilidade de revisão do resultado obtido pelo candidato.

II - In casu, verifica-se que as três condicionantes de validade (previsão legal, objetividade e recorribilidade) estão devidamente obedecidas, o que atesta a legalidade do exame realizado pelo recorrente. Recurso ordinário desprovido. (RMS 29087 MS 2009/0048993-6/STJ/ Quinta Turma, Rel. Min. Felix Fischer, Julgamento: 05.05.2009, Dje 01.06.2009).

Celso Antônio Bandeira de Mello (2006, p. 259) lembra que

Os exames psicológicos só podem ser feitos como meros exames de saúde, na qual se inclui a higidez mental dos candidatos, ou, no máximo - e, ainda assim, apenas no caso de certos cargos ou empregos -, para identificar e inabilitar pessoas cujas características psicológicas revelam traços de personalidade incompatíveis com o desempenho de determinadas funções.

Em síntese, podemos sublinhar a importância da objetividade na imposição de exames desta natureza, em respeito aos princípios da isonomia e moralidade administrativa, tudo em prol da lisura na escolha de candidatos a ocuparem uma vaga no serviço público.

4.7 Do Portador de Deficiência ou de Necessidades Especiais

Invoquemos, vestibularmente, que a Carta Magna de 1988 erigiu como pilar fundamental a observância do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, que, na visão de Fabrício Motta (2007, p. 184) consiste na “oferta de oportunidades pelo Estado que tenham por fim o desenvolvimento do ser humano, na medida de suas potencialidades e limitações de cada cidadão.”          

Inúmeros são os desafios diários daqueles que são deficientes[16] ou possuem necessidades especiais. Diante deste quadro, a CF/88 estabeleceu uma série de direitos para estas pessoas, visando assegurar o exercício de sua cidadania. Dentre estes mecanismos, citemos os ditames de seu art. 37, VIII: ao estabelecer que “a lei reservará percentual dos cargos e empregos públicos para as pessoas portadoras de deficiência e definirá os critérios de sua admissão”.

No caso específico de cargos federais tratou a Lei n° 8.112/90 e demais alterações posteriores de dispor sobre o percentual máximo de vagas reservadas aos portadores de deficiência. O art. 5º, § 2º, estabelece que até 20 % das vagas dos concursos[17] deverão ser destinadas aos portadores de deficiência, não referindo a lei se seria física ou mental. É de bom alvitre ressaltar que só existira vagas para deficientes se as atribuições do cargo for incompatível com a deficiência de que são portadores.

Para robustecer a referida assertiva exemplifica o grande mestre Artunani Martins (1997, p. 39):

Imagine, por exemplo, um concurso público para salva-vidas, promovido por uma cidade turística litorânea: as vagas para deficientes não poderiam ser destinadas a pessoas que sofram de limitações visuais, auditivas ou de locomoção de braços e pernas, sob pena de os felizes e privilegiados aprovados, uma vez nomeados, assumirem o exercício do cargo apenas para efeito de salário, jamais para cumprimento das obrigações correspondentes! Cada edital do concurso, de acordo com as atividades do cargo desejado, deverá estabelecer, com precisão, quais os tipos de deficiências que poderão concorrer às vagas especialmente reservadas.

Sobre este ponto, entretanto, soa no mínimo inusitado, data vênia, a seguinte decisão do STF, acerca da reserva de vagas para portadores de deficiência física objetivando o preenchimento de vagas para delegado, perito, escrivão, agente e papiloscopista da Polícia Federal. Este entendimento vai de encontro não só o pensamento defendido pela Advocacia Geral da União – AGU, como também, a Associação Nacional dos Delegados de Polícia:

EMENTA:RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. CONCURSO PÚBLICO. RESERVA DE VAGA PARA PORTADORES DE DEFICIÊNCIA FÍSICA. ACÓRDÃO RECORRIDO DISSONANTE DA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. RECURSO PROVIDO.Relatório 1. Recurso extraordinário interposto com base na alínea “a” do inc. III do art. 102 da Constituição da República contra julgado do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, que decidiu: "ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. CARGOS DE DELEGADO, PERITO, ESCRIVÃO E AGENTE DA POLÍCIA FEDERAL. RESERVA DE VAGAS PARA PORTADORES DE DEFICIÊNCIA. 1. As atribuições afetas aos cargos de Delegado, Escrivão, Perito e Agente de Polícia Federal não são compatíveis com nenhum tipo de deficiência física, pois todos os titulares desses cargos estarão sujeitos a atuar em campo, durante atividades de investigação, podendo ser expostos a situações de conflito armado que demandam o pleno domínio dos sentidos e das funções motoras e intelectuais, no intuito de defender não só a sua vida, mas, também, a de seus parceiros e dos cidadãos. 2. Não se pode olvidar, ainda, que, nos termos do art. 301 do CPP, os membros da carreira policial, sem distinção de cargo, têm o dever legal de agir e prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito. 3. Assim sendo, é desnecessária a reserva de vagas para portadores de deficiência nos concursos públicos destinados ao provimento de cargos de Delegado,Perito, Escrivão e Agente de Polícia Federal. 4. Apelação do Ministério Público Federal a que se nega provimento" (fl. 216). 2. O Recorrente alega que o Tribunal a quo teria contrariado os arts. 1º, inc. III, 5º, caput e inc. II e XII, e 37, caput e inc. VIII, da Constituição. Argumenta que: "o v. acórdão violou os princípios da reserva de vaga, da igualdade, da dignidade da pessoa humana, da ampla acessibilidade ao trabalho, todos consubstanciados nos artigos 1º, III, 5º, ‘caput’ e incisos II e XIII, 37, ‘caput’ e inciso VIII, além do parágrafo 2º, da Lei n. 8.112/90, que buscaram dar efetividade ao normativo constitucional, pois tais dispositivos determinam de forma taxativa a reserva de vagas aos portadores de necessidades especiais/‘deficientes’ -, sendo que diante dos termos do v. acórdão, a reserva de vagas tornou-se inaplicável às carreiras de Delegado, Escrivão, Perito, Agente e Papiloscopista Federais, negando, portanto, vigência aos referidos dispositivos constitucionais, ferindo de morte o princípio da igualdade e da reserva de vagas" (fl. 279). Apreciada a matéria trazida na espécie, DECIDO. 3. Razão jurídica assiste ao Recorrente. O Desembargador Federal Relator do caso no Tribunal Regional Federal da 1ª Região afirmou: "as atribuições dos cargos de Delegado, Escrivão, Perito e Agente de Polícia Federal, integrantes, portanto, da carreira policial federal, não se coadunam com nenhum tipo de deficiência física" (fl. 205). O acórdão recorrido destoa da jurisprudência deste Supremo Tribunal, que assentou a obrigatoriedade da destinação de vagas em concurso público aos portadores de deficiência física, nos termos do inc. VIII do art. 37 da Constituição.

Nesse sentido: "AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. NECESSIDADE DE RESERVA DE VAGAS PARA PORTADORES DE DEFICIÊNCIA. PRECEDENTES. AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO" (RE 606.728-AgR, de minha relatoria, Primeira Turma, DJe 1.2.2011). 4. Pelo exposto, dou provimento a este recurso extraordinário (art. 557, § 1º-A, do Código de Processo Civil e art. 21, § 2º, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal). Sem ônus de sucumbência, na espécie. Publique-se. Brasília, 21 de março de 2012.Ministra CÁRMEN LÚCIA Relatora. (RE 676335 MG. Relator(a):Min. CÁRMEN LÚCIA Julgamento: 21/03/2012  Publicação: DJe-064 DIVULG 28/03/2012 PUBLIC 29/03/2012.)

Perceba que a interpretação dada pela ministra do STF Cármen Lúcia Antunes Rocha, através do julgado retromencionado, (embora sejamos contrário a tese apresentada) decidiu no sentido de ser obrigatória a reserva de vagas para portadores de necessidades especiais no caso em questão.

Inclusive, uma decisão liminar da lavra do então presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Ayres Britto, suspendeu a realização de concurso público para os cargos de escrivão, perito criminal e delegado da Polícia Federal até que a União reserve vagas para deficientes físicos. Na Reclamação (RCL) nº 14145, que motivou a medida do ministro, o Ministério Público Federal (MPF) aponta que os editais dos concursos mencionados, descumprem as determinações do RE n° 676335. Até o presente momento o concurso está suspenso aguardando novas orientações por parte da organizadora, no caso, o Desde julho, o Centro de Seleção e de Promoção de Eventos da Universidade de Brasília (Cespe/UnB).

4.8 Dos Dentes

Este aspecto foi trazido a lume em função do concurso para Guarda Municipal do Rio de Janeiro onde o respectivo edital trazia a exigência do candidato aprovado apresentar, ao menos, vinte dentes, sendo que dez em cada arcada dentária.

A função da Guarda Municipal nada mais é do que preservar o patrimônio do Município, evitando, por exemplo, atos de vandalismo, além de promover a proteção de autoridades públicas do respectivo ente público. Embora reconheçamos a importância da saúde bucal, não vislumbramos bom senso nesta exigência. Seria razoável esse aspecto somente se tivesse alguma correlação com as atribuições do cargo. Ou seja, o fator de discrímen e a desequiparação não encontram uma razão lógica.

O STF já se manifestou, em outra situação pela inconstitucionalidade da aludida exigência. A brilhante decisão buscou corrigir a exigência de quantitativo mínimo de dentes para o preenchimento de vagas para soldado da Polícia Militar do Estado de Pernambuco.

Vejamos a brilhante ementa, da lavra do Ministro Aires Britto:

EMENTA: "REEXAME NECESSÁRIO E APELAÇÃO CÍVEL EM MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO PARA INGRESSO NO CURSO DE FORMAÇÃO DE SOLDADOS DA PMPE/BMPE/2003-2004. EXAME DE SAÚDE. EXIGÊNCIA DE QUANTITATIVO MÍNIMO DE DENTES NATURAIS E NÚMERO DE RESTAURAÇÕES PROVISÓRIAS. AUSÊNCIA DE COMPATIBILIDADE COM O CARGO A SER EXERCIDO. Publique-se. Brasília, 30 de março de 2012. Ministro AYRES BRITTO Relator. (STF - RECURSO EXTRAORDINÁRIO: RE 641334 PE Min. Rel. AYRES BRITTO. Julgamento:30/03/2012, Publicação: DJe-070 DIVULG 10/04/2012 PUBLIC 11/04/2012.)

Mais uma vez, ressaltamos que o fator de discrimen poderá ser levada em consideração quando guardar uma relação de pertinência lógica com a situação, tendo como esteio o Princípio da Razoabilidade.

4.9 Da Investigação Social

Este aspecto não atravessa maiores dificuldades, pois é ponto pacífico na doutrina e jurisprudência que um candidato não pode ser excluído na etapa chamada investigação social, ante a existência de processo criminal, no qual figurava como réu, sem que a condenação tenha transitado em julgado. O fundamento adotado encontra arrimo na própria Carta Ápice de 1988 (art. 5º, LVII) onde repousa o Princípio da Presunção de Inocência, o qual tem origem em 1789, através da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão.

O STF, instado a se manifestar sobre o assunto, assim se pronunciou:

EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. AGENTE PENITENCIÁRIO DO DF. INVESTIGAÇÃO SOCIAL E FUNCIONAL. SENTENÇA PENAL EXTINTIVA DE PUNIBILIDADE. OFENSA DIRETA AO PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA. MATÉRIA INCONTROVERSA. NÃO INCIDÊNCIA DA SÚMULA 279. AGRAVO IMPROVIDO.

I – Viola o princípio constitucional da presunção de inocência, previsto no art. 5º, LVII, da Constituição Federal, a exclusão de candidato de concurso público que foi beneficiado por sentença penal extintiva de punibilidade.II - A Súmula 279 revela-se inaplicável quando os fatos da causa são incontroversos, tendo o Tribunal ‘a quo’ atribuído a eles conseqüências jurídicas discrepantes do entendimento desta Corte. III - Agravo regimental improvido. (RE 450.971-AgR/DF, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI - grifei)

EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. POLÍCIA CIVIL DO DISTRITO FEDERAL. MAUS ANTECEDENTES. PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA. PRECEDENTES.

O Supremo Tribunal Federal fixou entendimento no sentido de que a eliminação do candidato de concurso público que esteja respondendo a inquérito ou ação penal, sem pena condenatória transitada em julgado, fere o princípio da presunção de inocência. Agravo regimental a que se nega provimento. (AI 741.101-AgR/DF, Rel. Min. EROS GRAU)

EMENTA: PRESUNÇÃO CONSTITUCIONAL DE NÃO-CULPABILIDADE (CF, ART. 5º, LVII). MERA EXISTÊNCIA DE INQUÉRITOS POLICIAIS EM CURSO (OU ARQUIVADOS), OU DE PROCESSOS PENAIS EM ANDAMENTO, OU DE SENTENÇA CONDENATÓRIA AINDA SUSCETÍVEL DE IMPUGNAÇÃO RECURSAL. AUSÊNCIA, EM TAIS SITUAÇÕES, DE TÍTULO PENAL CONDENATÓRIO IRRECORRÍVEL. CONSEQÜENTE IMPOSSIBILIDADE DE FORMULAÇÃO, CONTRA O RÉU, COM BASE EM EPISÓDIOS PROCESSUAIS AINDA NÃO CONCLUÍDOS, DE JUÍZO DE MAUS ANTECEDENTES. PRETENDIDA CASSAÇÃO DA ORDEM DE "HABEAS CORPUS". POSTULAÇÃO RECURSAL INACOLHÍVEL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO IMPROVIDO. (Min. Rel.Celso de Mello. RE 464947 SP Julgamento:17/10/2005 Publicação:DJ 20/10/2005 PP-00039)

Conclui-se, com clareza solar, que antes do trânsito em julgado da sentença condenatória, é defeso a Administração pública tratar os indiciados ou réus como se culpados fossem. Portanto, estas pessoas, caso estejam participando de concurso público, não poderão ser excluídas do certame, até porque, a exigência do candidato ter conduta compatível com a honra não poderá sobrepor ao sagrado princípio constitucional da presunção de inocência mesmo que este seja relativo.

4.10 Da Tatuagem

O tema em questão está diretamente relacionado a aspectos culturais e ainda gera grandes questionamentos. Tal vedação é mais comum em concursos para as áreas militares e policiais. A título de informação o Exército Brasileiro capitaneou projeto de lei, que aguarda a análise da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, o que busca incorporar à legislação quais devem ser os requisitos para ingresso nos cursos de formação de oficiais e sargentos de suas fileiras. O texto a ser analisado, abarca, dentre outros pontos, limites de idade, idoneidade moral e bons antecedentes, condições psicofísicas e limites máximo e mínimo de altura, além de aspectos como a tatuagem.

Vejamos a redação do inciso VIII, do art. 2° da Lei nº 12.705/2012:

Art. 2o A matrícula para o ingresso nos cursos de formação de oficiais e sargentos de carreira do Exército depende de aprovação prévia em concurso público, atendidos os seguintes requisitos, dentre outros estabelecidos na legislação vigente:

“Omissis”

VIII - não apresentar tatuagem que, nos termos de detalhamento constante de normas do Comando do Exército, faça alusão a ideologia terrorista ou extremista contrária às instituições democráticas, a violência, a criminalidade, a ideia ou ato libidinoso, a discriminação ou preconceito de raça, credo, sexo ou origem ou, ainda, a ideia ou ato ofensivo às Forças Armadas;

A análise jurisprudencial nos traz a conclusão que a tatuagem pode ser um impeditivo, em alguns casos. A título de exemplo ressaltamos o seguinte acórdão do STF:

EMENTA: AÇÃO ORDINÁRIA. CONCURSO PÚBLICO. SOLDADO. EXAME MÉDICO. INAPTIDÃO. TATUAGEM. É legítima a exigência de exame de saúde prevista em concurso público para policial. A existência de tatuagem constitui legítimo fator de contra-indicação de candidato a ingresso em cargo de soldado da PMMG." (Fl. 101).2. Nas razões do RE, sustenta-se ofensa aos artigos 5º, II e XXXV, e 37, I e II, da Constituição Federal. O recorrente alega, em síntese:"O fato é que a Lei 5.301/69 fez menção de que o ingresso na Polícia Militar de Minas Gerais, far-se-á mediante a comprovação de sanidade física e mental a ser comprovada por meio de exames médico-laboratoriais, mediante Junta Militar de saúde.Entretanto, ilicitamente, por restar previsto na Resolução Conjunta nº 3.692/02 que a existência de tatuagem em candidato, ao almejado cargo militar, configura "doença ou fator incapacitante", foi o Recorrente excluído do certame o que ofende inúmeros princípios norteadores da Administração Pública, dentre eles o da razoabilidade e o da legalidade, assim como a própria Constituição Federal (art. 5º)" (fl. 134).3. É pacífico o entendimento dessa Corte de que a regra geral é o acesso de todos aos cargos públicos, salvo limitações decorrentes de lei. Entretanto, elas só serão legítimas se forem fixadas, de forma razoável, para atender às exigências das funções do cargo a ser preenchido, observado o postulado da reserva legal, conforme disposto nos arts. 37, I e II, 39, § 3º, e 42, § 1º, da Constituição Federal. Nesse sentido: RE 572.499/SC, rel. Min. Cármen Lúcia, Pleno, DJe 23.04.2010; AI 722.490-AgR/MG,rel. Min. Ricardo Lewandowski, 1ª Turma, DJe 06.03.2009; e AI 750.173/MG, de minha relatoria, DJe 23.08.2010. O acórdão recorrido divergiu do entendimento fixado por este Tribunal ao não observar o postulado da reserva legal, permitindo limitação prevista apenas em resolução. É o que se depreende do trecho abaixo transcrito:"In casu, o respectivo edital estabeleceu, com base na Resolução nº 3.692/02, que a existência de tatuagem em local visível constituiria fator de contra-indicação para ingresso na Entidade.Com efeito, com fundamento no princípio da legalidade e do caráter vinculante da regra inserida no edital do concurso, o militar submete-se a Legislação especial, costumes rígidos e disciplina marcante que lhe é imposta pela Corporação, razão por que a existência de tatuagem constitui fator incapacitante para ingresso na carreira" (fl. 104).4. Ante o exposto, com fundamento no art. 544, § 4º, do Código de Processo Civil, conheço do agravo e, desde logo, dou provimento ao recurso extraordinário. Determino a inversão dos ônus da sucumbência, ressalvada a hipótese de concessão da justiça gratuita. (AI 811752 MG Relator(a):Min. ELLEN GRACIE. Julgamento:03/11/2010 Publicação:DJe-218 DIVULG 12/11/2010 PUBLIC 16/11/2010)

Outra decisão que merece destaque é a proferida no julgamento da Apelação Cível AC 2006.38.00.012399-5/MG, pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região, senão vejamos:

In casu, ainda que superada a discussão acerca da possibilidade de tal critério vir definido por meio de portaria, é certo que as situações previstas nos itens 7.2 e 7.3, anexo 3, da portaria n º 220/DE2, acima transcrita, não restaram configuradas. Com efeito, as tatuagens existentes no corpo do apelado não afetam a honra pessoal, o pundonor militar ou o decoro exigido aos integrantes das Forças Armadas, considerando que as mesmas não representam: ideologias terroristas ou extremistas contrárias às instituições democráticas ou que preguem a violência e a criminalidade; discriminação ou preconceitos de raça, credo, sexo ou origem; idéias ou atos libidinosos; e idéias ou atos ofensivos às Forças Armadas (item 7.2 da portaria DEPENS n.220/DE2). Por outro lado, as tatuagens em questão também não prejudicam os padrões de apresentação pessoal quando no uso de uniformes estabelecidos por regulamento do Comando da Aeronáutica, incluindo aqueles previstos para a prática de educação física (item 7.3 da portaria DEPENS n.220/DE2). É de conhecimento notório a rigidez dos padrões de apresentação das Forças Armadas, não cabendo ao judiciário impedir e nem incentivar tal prática. Todavia, no momento em que esta prática obsta o direito de um candidato de concorrer em um certame faz-se imprescindível à intervenção judicial, para fazer sanar tamanha ilegalidade. Assim, as tatuagens analisadas sob o prisma estético não podem ser inseridas no rol de critérios de inaptidão, pois o simples fato de possuir uma tatuagem não tem nenhuma correlação com a capacidade de uma pessoa ocupar um cargo. Ademais, conforme verificado, a portaria não veda a tatuagem por si só, mas somente aquelas alusivas ao rol de situações expostas na portaria. Observo, pois, através das fotos acostadas aos autos (fls.18/19), que as tatuagens, uma do cruzeiro do sul e outra de um lobo, não configuram nenhuma das hipóteses previstas nos itens 7.2 e 7.3, acima referidos, não podendo, assim, constituir razão para a exclusão do candidato.

Á vista do que foi exposto, observa-se que a vedação à tatuagem deve estar prevista em lei e que é mais aplicável a concursos das áreas militar e policial. Mesmo nestas atividades o bom senso e a razoabilidade devem ser verificados, até porque a liberdade de expressão não é uma garantia absoluta.


CONCLUSÃO

Tendo como supedâneo todos os aspectos levantados nesta monografia, no que concerne a Constituição Federal de 1988, a doutrina e a jurisprudência, pode-se concluir que o princípio da igualdade não exclui uma eventual desigualdade de tratamento face uma determinada situação em especial. Ou seja, a lei poderá estabelecer discriminações deste que estejam relacionadas com a finalidade da norma legal, sob pena de ferir, mortalmente, o princípio da isonomia. Caso haja necessidade de se estabelecer restrições, estas não só devem ser transparentes, como também devem pautar-se por critérios objetivos, especificados na norma editalícia.

Fica mais do que evidenciado que a única forma de ingresso no serviço público, com as devidas ressalvas constitucionais, é o concurso público de provas ou de provas e títulos, modalidade seletiva essa que difere do simples processo seletivo exigido para as exceções tal como a da contratação temporária para o exercício de função pública.

Resta-nos concluir que a possibilidade de fixação de discrímem legal para um determinado concurso público, no que diz respeito a idade, sexo, psicotécnico, dentes , altura, peso entre outros, dependerá de uma justificativa plausível com base na lei e nos ditames da razoabilidade, que nada mais é a busca pelo “bom senso” quando da elaboração dos editais. Cada caso deverá ser minuciosamente analisado, tudo em prol do mais cristalino Direito.


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Notas

[1]  Nunca é despiciendo ressaltar que o Poder Executivo, cuja função típica é administrar, atua dentro dos limites impostos pelo Legislativo, consoante o que dispõe a Lei Maior, já que esta discrimina as competências e define as atribuições de cada entidade política do Estado.

[2]  O servidor público não poderá atuar praeter legem (fora da lei) ou contra legem (contra a lei).

[3] "Nomeação de irmão de Governador de Estado. Cargo de Secretário de Estado. Nepotismo. Súmula vinculante 13. Inaplicabilidade ao caso. Cargo de natureza política. Agente político. Entendimento firmado no julgamento do RE 579.951/RN. Ocorrência da fumaça do bom direito. Impossibilidade de submissão do reclamante, Secretário Estadual de Transporte, agente político, às hipóteses expressamente elencadas na Súmula vinculante 13, por se tratar de cargo de natureza política. Existência de precedente do Plenário do Tribunal: RE 579.951/RN, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJE de 12-9-2008. Ocorrência da fumaça do bom direito." (Rcl 6.650-MC-AgR, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 16-10-2008, Plenário, DJE de 21-11-2008.)

[4] “Esse princípio é mal entendido, chegando-se ao cúmulo de ser confundido coma moral como simples virtude filosófica herdada da cultura helênica, desprovida, pois, de qualquer valoração jurídica.” (MATIAS, 2007, p. 40)

[5] Edilson Pereira Nobre Junior (ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E O PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA EFICIÊNCIA. Revista de Direto Administrativo. Rio de Janeiro, 241. p. 223, Jul/Set 2005.) lembra que a imposição da eficiência administrativa não surgiu com a Emenda Constitucional N ° 19/98 como alguns pensam.

A retromencionada eficiência precede em muito, a mencionada reforma constitucional. Para tanto cita Henrique de Carvalho Simas, em artigo elaborado sob o manto da Constituição de 1969, onde a eficiência era colocada em destaque, evocando o dever da boa administração, senão vejamos: “A ação dos administradores deverá apresentar como resultado, uma efetiva satisfação das necessidades coletivas. No conceito apresentado de ‘função administrativa’ está implícito o real atendimento dessas necessidades, o que só poderá ser alcançado através de uma atuação adequada e positiva dos órgãos e agentes do Governo. (...) Ao lado da estrita observância dos princípios da legalidade e da moralidade, a Administração pública não poderá ser ineficiente.” (Manual elementar de direito administrativo, 3. Ed. Rio de Janeiro: Líber Júris, p. 205.)

[6] “Esta igualdade conexiona-se, por um lado, com uma política de ‘justiça social’ e com a concretização das imposições constitucionais tendentes à efectivação dos direitos económicos, sociais e culturais. Por outro, ela é inerente à própria ideia de igual dignidade social (e de igual dignidade de pessoa humana) consagrada no artigo 13.º/2 que, deste modo, funciona não apenas com fundamento antropológico-axiológico contra discriminações, objectivas ou subjectivas, mas também como princípio jurídicoconstitucional impositivo de compensação de desigualdade de oportunidades e como princípio sancionador da violação da igualdade por comportamentos omissivos (inconstitucionalidade por omissão)” (CANOTILHO, 1998, p.392).

[7] Na visão de Seabra Fagundes os atos complexos “determinam-se por várias vontades individuais que se somam e se manifestam numa declaração única.” (FAGUNDES, M. Seabra. O controle dos atos administrativos pelo Poder Judiciário. 7. ed. Atualizada por Gustavo Binenbojm. Rio de Janeiro: Forense, 2005)

[8] 15 O PL 985/2007, que foi apenso a outro PL 252/2003 de autoria do Jorge Bornhausen - PFL/SC que dispõe sobre a fixação de normas obre concursos públicos, estabelece em seu art. 10 que o conteúdo mínimo do edital, sob pena de nulidade.

[9] Desabafa o meu ex-coordenador do curso de aperfeiçoamento de magistrados – ESMEC, Artunani Martins acerca da falta de leitura do edital por parte dos candidatos: “Lamentavelmente, é nesse aspecto particular que muitos candidatos capazes, inteligentes, estudiosos e até habilitados para a aprovação no concurso escorregam fatalmente em falhas, omissões, presunções ou falsas interpretações, resultantes do conhecimento superficial ou, mesmo, da ignorância do teor do edital. Os prejuízos causados pelo descumprimento (ou desconhecimento) das regras do concurso – contidas no edital – terminam fulminando quaisquer perspectivas de sucesso dos candidatos, decorra tal falha de descaso, descuido ou de entendimento errado.” (MARTINS, Francisco Artunani. Como enfrentar com sucesso um concurso público. Francisco Artunani Martins - 2ª ed. Fortaleza, EDICON, 1997. p. 38).

[10] “Nada impede que a especificação das exigências legais, o detalhamento dos meios e modos de cumprimento da lei e a configuração de cada específico concurso público sejam objeto de algum decreto ou outro nato normativo regulamentar ou, ainda, constem no próprio texto do edital, mas é a lei que vai assegurar o tratamento isonômico a todos os eventuais interessados. Ou seja, as opções fundamentais quanto à forma de realização do concurso, as condições de participação de interessados e os critérios de avaliação das provas e, eventualmente, dos títulos, deverão já estar fixadas na lei.” (DALLARI, Adilson Abreu. Princípio da Isonomia e Concursos Públicos. Revista Eletrônica de Direito do Estado. O Direito público da Cidadania. N° 06 – abril/maio/junho de 2006 – Salvador Bahia. Disponível na Internet: <http://www.direitodoestado.com.br>P. 4. Acesso em 05 de dezembro de 2012).

[11]  O referido autor exemplifica o seguinte: suponha-se hipotética lei que permitisse aos funcionários gordos afastamento remunerado para assistir a congresso religioso e o vedasse aos magros. No caricatural exemplo aventado, a gordura ou esbeltez é o elemento tomado como critério distintivo. Em exame perfunctório parecerá que, o vício de tal lei, perante a igualdade constitucional, reside no elemento fático (compleição corporal) adotado como critério. Contudo, este não é, em si mesmo, fator insuscetível de ser tomado como fato deflagrador de efeitos jurídicos específicos. O que tornaria inadmissível a hipotética lei seria a ausência de correlação entre o elemento de discrímen e os efeitos jurídicos atribuídos a ela. Não faz sentido algum facultar obesos faltarem ao serviço para congresso religioso porque entre uma coisa e outra não qualquer nexo plausível. Todavia, em outra relação, seria tolerável considerar a tipologia física como elemento discriminatório. Assim, os que excedem certo peso em relação à altura não podem exercer, no serviço militar, funções que reclamem presença imponente.” (Op., Cit. pág 37-38)

[12] A presente Súmula revogou antigo entendimento que estabelecia não ser admissível, por ato administrativo, restringir, em razão da idade, inscrição em concurso para cargo público. (Súmula 14 do STF).

[13] Normalmente os estatutos dos servidores públicos (federais, estaduais, distritais e municipais) determinam que a idade mínima para o provimento seja de 18 anos. Nesse caso, não há qualquer discussão sobre a sua constitucionalidade, pois tal fixação etária atende os ditames da maioridade penal.

[14] O Superior Tribunal de Justiça - STJ decidiu que a admissão para o cargo público de arquiteto não poderia ter limitação de idade, já que nenhum grande esforço físico seria exigido para o desempenho das funções. (RMS nº 2.341, 6ª Turma, Rel, Min. Adhemar Maciel, DJ de 20/2/1995)

[15] O termo ação afirmativa, segundo SABRINA MOEHLECKE, Doutoranda da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, “chega ao Brasil carregado de uma diversidade de sentidos, o que em grande parte reflete os debates e experiências históricas dos países em que foram desenvolvidas. A expressão tem origem nos Estados Unidos, local que ainda hoje se constitui como importante referência no assunto. Nos anos 60, os norte-americanos viviam um momento de reivindicações democráticas internas, expressas principalmente no movimento pelos direitos civis, cuja bandeira central era a extensão da igualdade de oportunidades a todos. No período, começam a ser eliminadas as leis segregacionistas vigentes no país, e o movimento negro surge como uma das principais forças atuantes, com lideranças de projeção nacional, apoiado por liberais e progressistas brancos, unidos numa ampla defesa de direitos. É nesse contexto que se desenvolve a idéia de uma ação afirmativa, exigindo que o Estado, para além de garantir leis anti-segregacionistas, viesse também a assumir uma postura ativa para a melhoria das condições da população negra. Os Estados Unidos completam quase quarenta anos de experiências, o que oferece boa oportunidade para uma análise de longo prazo do desenvolvimento e impacto dessa política. (MOEHLECKE, Sabrina. Cadernos de Pesquisa, n. 117, novembro/ 2002 199. Disponível na Internet em: http://www.scielo.br/pdf/cp/n117/15559.pdf. Acesso Em 06.12.2012.)

[16] Por sua vez, a definição de deficiência foi trazida pelo Decreto Federal nº 3.298/99, o qual regulamentando a Lei nº 7.853, de 24 de outubro de 1989, dispõe sobre a Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência. Consta em seu art. Art. 3º que deficiência é “toda perda ou anormalidade de uma estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica que gere incapacidade para o desempenho de atividade, dentro do padrão considerado normal para o ser humano.”           

[17] Por sua vez o Decreto Federal nº 3.298/99, estabelece o percentual mínimo de 5% das vagas para os deficientes físicos, nada mencionando sobre os deficientes mentais.


ABSTRACT

The monograph on screen desideratum is to analyze the evolution of the Principle of Equality when applied to public procurement procedures focused. The subject, though not unheard of, is quite interesting, especially to prospective suitors to occupy a place in public service. Initially we will conduct an analysis of the principles applicable to public administration, focusing on the Principle of Equality emphasizing important points as the history, origin, concept and its evolution. Then will be the object of study of the institute legal tender, analyzing its origin and peculiarities of the system of entry into the Brazilian public administration. Finally, we will analyze the application of the Principle of Equality in public procurement. In the literature, were used books, magazines as well as, legal articles that are available on the internet. In what concerns the documentary research, we used the motherland legislation, case law and rulings applicable to the subject. The choice of this theme is justified by our experience touted classroom ready 12 years ago, citizens to fill a vacancy in the tables of effective public administration at all levels and in all branches. Every year, several public tenders are triggered aiming to fill these vacancies, which will bring among other advantages, the long awaited stability in public service. This study aims to investigate the decisions established by law and by the regulatory edicts of exhibitions relating to procurement that depict the evolution of the important principle of equality.

Keywords: Principle of Equality Tender. Public office effective.


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VIEIRA, Walber Siqueira. O princípio da isonomia e sua aplicabilidade no acesso aos cargos públicos efetivos no ordenamento jurídico brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3578, 18 abr. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24217. Acesso em: 29 mar. 2024.