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O direito à visita íntima e a ressocialização do indivíduo submetido à pena privativa de liberdade

O direito à visita íntima e a ressocialização do indivíduo submetido à pena privativa de liberdade

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Não se pode deixar de aplicar um direito inerente ao ser humano, como é o exercício livre de sua sexualidade, pela precariedade das condições em que ocorre um direito anterior a ele, como o é o tratamento digno e a assistência durante a execução da pena.

Se se proíbem aos cidadãos uma porção de atos indiferentes, não tendo tais atos nada de nocivo, não se previnem os crimes: ao contrário, faz-se que surjam novos, porque se mudam arbitrariamente as idéias ordinárias de vício e virtude, que antes se proclamavam eternas e imutáveis.

(Cesare Bonesana, Marchese di Beccaria)

Resumo: A recente chegada na Câmara Federal de projeto de lei com proposição estabelecendo o direito à visita íntima para o menor infrator e a polêmica nacional suscitada trouxeram à tona a problemática do exercício da sexualidade no ambiente prisional, bem como as condições degradantes em que o condenado cumpre sua pena privativa de liberdade e os reflexos na eficácia de seu objetivo ressocializador. Assim, objetivou-se analisar a importância do desenvolvimento da sexualidade do encarcerado para o processo de preparação e reintegração à vida livre em sociedade, por meio do instituto da visita íntima. Tendo em vista a complexidade e atualidade do tema e a reduzida bibliografia existente, fez-se o uso de pesquisa bibliográfica e documental abrangendo vídeo documentário, artigos jornalísticos, leis e relatórios do Ministério da Justiça sobre execução penal. Para a consecução desse objetivo, delineou-se o estudo mediante aparato geral sobre as teorias que informam as penas privativas de liberdade, sua finalidade e seu estágio atual, analisando-se ainda a aplicação de programas de tratamento com fim ressocializador, de modo que se pudesse verificar na legislação nacional e estadual base para aplicação das visitas íntimas, tendo em vista ausência de previsão legal para o instituto e a grande variação de procedimentos administrativo-penitenciários de acordo com a Unidade da Federação pesquisada, entre elas o Tocantins. Considerou-se, por fim, ser a visita íntima um direito e uma alternativa ao problema da inaplicabilidade de outro direito, o exercício da sexualidade, que, por sê-lo inerente ao ser humano como uma de suas funções biológica e psíquica essenciais, promotor de sua integralização e da comunicação com o outro e com o próprio mundo, sua não concretização viola o ideal ressocializador da pena como sanção de caráter preventivo e retributivo, conforme exterioriza o atual sistema prisional brasileiro.

Palavras-chave: Visita íntima, Pena Privativa de Liberdade, Ressocialização.

Sumário: 1.   INTRODUÇÃO. 2.   PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE E RESSOCIALIZAÇÃO. 2.1 O castigo do crime. 2.2 Fontes de Legitimação da pena.2.3 Da pena privativa de liberdade. 2.4 A pena privativa de liberdade e objetivo ressocializador. 3.   O PROBLEMA SEXUAL NAS PRISÕES. 3.1 Breve panorama do Sistema Prisional Brasileiro na atualidade. 3.2 O cárcere e a privação da sexualidade. 4.   DA VISITA ÍNTIMA. 4.1 Conceito e origem. 4.2 Direito ou Benefício?. 4.3 A intimidade da visita nos estabelecimentos penais femininos. 4.4 Homossexualismo e Visita Íntima. 4.5 A visita íntima e o menor infrator. 5.   Considerações Finais. REFERÊNCIAS. ANEXO A – Formuário de Visita ao Reeducando das Penitenciárias Federais. ANEXO B – Termo de Responsabilidade para Visita Íntima ao Reeducando das Penitenciárias Federais.


1.      INTRODUÇÃO

É de grande atualidade e evidente relevância social, técnica e científica o estudo da visita íntima como alternativa à problemática da sexualidade nas prisões e sua contribuição para o processo de ressocialização do indivíduo que cumpre a sanção punitiva de privação da liberdade de ir e vir.  

A recente chegada à Câmara dos Deputados de projeto de lei ampliando a abrangência do direito às visitas conjugais, atingindo o menor submetido à medida sócio-educativa, e a reação da opinião pública, rechaçando a medida enquanto benefício ou regalia incompatível com o cumprimento de pena, trouxe à tona a importância da análise do exercício da sexualidade como um direito não alcançado pelas restrições resultantes de sentença penal condenatória, bem como evidencia a dificuldade de se tratar de um tema que envolve grandes tabus e “pré-conceitos” socioculturais, essencialmente no que diz respeito às relações de gênero e orientações sexuais distintas, como é o caso da sexualidade e do estigma do condenado ao cárcere – marginalizado antes, durante e depois do cumprimento de sua pena – que se reflete, muitas vezes, na norma jurídico-penal que define o normal e o “anormal” aceitável socialmente.

Além da problemática sob o enfoque da significância coletiva, exsurge a questão da aplicabilidade de um direito em face de uma realidade degradante em que se vêem situados os estabelecimentos prisionais no Brasil, gerando altos índices de reincidência criminosa entre os egressos, cuja manutenção das relações afetivas com a família potencializaria a reintegração social.

Além disso, o tema proposto se justifica pela sua relevância científica, tendo em vista a ausência de doutrina jurídica específica, regulamentação ou estudos técnicos e pesquisas sociais que lhe abordem sistematicamente, assim como importância de natureza técnica, ao oferecer aos militantes da ordem jurídica e realizadores da justiça uma abordagem humana no tratamento do encarcerado, alterando posturas e levantando a necessidade de sua normatização.

Assim, o objetivo principal desse trabalho se ateve na análise da importância do desenvolvimento da sexualidade do preso, através da visita íntima, para o seu processo de preparação e reintegração à vida em sociedade, no além cárcere.

Buscando a consecução deste objetivo, o presente trabalho dividiu-se em três fases sucessivas que se refletiram na abordagem dos capítulos que lhe integram, todos eles construídos mediante levantamento bibliográfico e documental, este último tipo de pesquisa ganhando essencial destaque quando da análise do tema da visita íntima na ordem jurídico-legal e na recepção de sua aplicação por parte da sociedade civil, haja vista a reduzida quantidade de pesquisas e trabalhos científicos sobre o tema e regulamentação normativo-legal específica que prescindisse de interpretações principiológicas, voltando-se esse estudo para a análise de artigos jornalísticos, relatórios e informações disponibilizadas pelo Ministério de Justiça do Brasil através de seus órgãos administrativo-penitenciários.

Desta forma, no primeiro capítulo, intitulado Pena Privativa de Liberdade e Ressocialização, foram tratados temas que conceituaram a pena e sua finalidade ao longo da história da humanidade, a evolução de sua natureza de custódia para sanção penal, a necessidade econômico-social e normativa da utilização dos programas de tratamento e ressocialização para a massa carcerária, mão-de-obra ociosa e resultante de uma marginalização criminógena da sociedade.

No capítulo dois, O Problema Sexual nas prisões, a situação decadente da pena privativa de liberdade e os problemas de natureza heterogênea que dela emanam são abordados brevemente para abraçar a sexualidade e a importância do seu exercício para a humanização do ser submetido as suas condições degradantes, bem como para o homem dito “livre”, preso nos seus próprios preconceitos e valores socialmente introjetados.

Por fim, o terceiro e último capítulo, Da Visita Íntima, elevando o instituto como alternativa para o problema sexual nas prisões, e, assim, fator essencial para elevar a auto-estima e auto-conhecimento do indivíduo privado de sua liberdade, assim como mantenedor das relações sócio-afetivas com sua família, ensejando-o em suas atitudes e comportamentos o laço e a expectativa positiva da mudança ante à ordem legal, ao valor do outro e do bem comum como incentivo para o retorno consciente e eficaz à vida livre, ressocializando-o de modo pleno e impedindo, assim, a marginalização do parceiro livre, que dele depende psíquica e socialmente, e, muitas vezes, material e financeiramente, concretizando princípios como a individualização e personalização da pena, que ainda deve punir, mas não desproporcionalmente ao mal cometido.


2.      PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE E RESSOCIALIZAÇÃO

 2.1 O castigo do crime

Se a mulher de um homem tiver sido pega dormindo com outro varão, ambos serão atados e jogados no rio com pés e mãos atadas ou poderá ser jogada do alto da torre do recinto. (GRIMBERG apud MOTA; BRAICK, 1997, p. 20)

Desde os tempos mais remotos, a idéia de se retribuir o mal com o próprio mal fundamentou a justiça penal. E aos homens que caluniavam, difamavam ou injuriavam restava o corte de suas línguas; as mulheres adúlteras ora eram mortas a pedradas ora afogadas, conforme se verifica na chamada Lei de Talião (“Olho por olho, dente por dente”), presente no Velho Testamento e no primeiro código de leis escrito, Código de Hamurábi, do qual se extrai o trecho acima.

A “justiça cega” da vingança também imperou no Brasil Colônia entre 1603 e 1830, com a aplicação efetiva do catálogo de monstruosidades que definia o Livro V das Ordenações Filipinas, dedicado aos delitos e penas regidos pelo direito canônico.

Um verdadeiro código de barbáries em que a definição de crimes apontava a indistinção das esferas religiosa, moral, política e social na justificação das punições; heresia ou feitiçaria confundiam-se com crimes de natureza econômica, como a falsificação de moeda e o furto; com crimes políticos / “de lesa-majestade”, como o desrespeito a símbolos da dinastia; ou com delitos de cunho privado, como o de preferência sexual. (PAIXÃO, 1991, p.15)

O castigo aplicado acompanhava a finalidade da intimidação pelo terror atribuída à lei repressiva, desconsiderando a praticidade de penalidades alternativas, o contexto da ofensa ou a intenção do ofensor; a desobediência por si só legitimava o tormento.

Essa concepção da ordem legal ilustra os altos índices de pena de morte durante a aplicação das Ordenações. Qualquer fato considerado típico poderia comportar diferentes níveis de crueldade em sua execução: “natural”, “cruelmente natural”, “natural para sempre”, pela “força” e pelo “fogo” eram gradações correspondentes à gravidade do delito, cujas alternativas punitivas ainda sustentavam o poder intimidante da violência, como o confisco de bens e extensão da infâmia aos seus descendentes, degredo, mutilações, torturas vis como o açoite “com baraço e pregão” e marca a ferro em brasa para estigmatizar o criminoso enquanto vivesse. (BRUNO apud PAIXÃO, 1991, p. 15)

Na mesma oportunidade o autor salienta, ao lado do papel secundário atribuído ao juiz – simples administrador de tormentos punitivos –, um processo penal que criminaliza a marginalidade ao legitimar e institucionalizar desigualdades sociais. Penas consideradas vis como aquelas não poderiam abranger estamentos dominantes que, ainda, eram destinatários de privilégios como prisão “sobre suas homenagens”, excetuados certos tipos penais.

É no ápice da militância da filosofia das “luzes” contra as “trevas” e sua mentalidade envolta nas idéias de universalidade, individualidade e autonomia, alterando a própria racionalização da sociedade ocidental, que o espetáculo do suplício enquanto política de punição pública começa a se extinguir. Dava-se à luz uma nova ordem social e legal.

Mandrau, ao analisar o caso da feitiçaria, demonstra como o cerimonial da pena vai sendo obstaculizado e transformado em ato procedimental ou administrativo. Antes do declínio da caça às bruxas, com o Movimento Iluminista do séc. XVIII:

O processo judicial que se seguia a uma acusação pública de feitiçaria era altamente rotinizado. Raspavam-se os pêlos do acusado, buscava-se a marca física atribuída à possessão demoníaca pela aplicação conscienciosa, por médicos, de agulhas no corpo do acusado até a descoberta do ponto de insensibilidade que resultava da possessão e, diante de alguma resistência à confissão, apelava-se para o teste definitivo: atirava-se o acusado, de pés e mãos amarrados, a um rio – acreditava-se que o feiticeiro tinha o poder de não afundar. O próximo passo era a tortura e à confissão seguia-se a fogueira e o confisco de bens. (MANDROU apud PAIXÃO, 1991, p. 16)

Posteriormente, a mentalidade ilustrada apontando fronteiras entre as esferas justificadoras da punição, concentrando-a na jurídico-legal ante às moral e religiosa, acabou também por limiar o normal do patológico, do que se seguiu reação dos órgãos da administração da justiça ao arbítrio na obtenção e análise das evidências do crime de feitiçaria, em conformidade com a nova mentalidade jurídica em formação.

Para Kant, é o momento em que o homem atinge a maioridade e passa a ter confiança em sua capacidade de raciocinar, recusando qualquer arbítrio na imposição da autoridade. (KANT apud ARANHA; MARTINS, 1993, p. 221)

O poder passa a frear a si mesmo e a liberdade de atuação da autoridade judicial transforma-se no poder-dever de fazer aquilo que é permitido por lei, mediante regras e procedimentos que prescindem dos meros propósitos do Estado e soberano e da moral coletiva. Racionaliza-se a definição do crime, a justificação moral da punição e sua administração. Racionaliza-se, enfim, a justiça criminal.

Do castigo do crime retira-se o caráter de sofrimento cruel, suplício que aduz à irracionalidade e vingança, incompatível com o ideal de Estado, substituindo-o pela pena proporcional à infração cometida.

Assim, com o passar do tempo as penas de natureza atroz e bárbara foram pondo fim aos seus vestígios no Ocidente, embora, como observa Foucault (1997, p. 16-17), a pena de morte ainda mantenha seu caráter de suplício – punição do corpo do condenado –, ela o submete a um conjunto rigoroso de medidas a fim de que o mesmo não sinta o mal, sendo-lhe retirados os seus direitos sem a imposição de sofrimento. São penas isentas de dor.

 2.2 Fontes de Legitimação da pena

A pena é o sofrimento imposto pelo Estado, na execução de uma sentença, ao autor de uma infração penal. Desta noção se depreendem as seguintes características: é um sofrimento, ou sentido pelo prisioneiro como um sofrimento. Este provém da restrição ou privação imposta ao condenado de bens jurídicos que lhe pertencem, como vida, liberdade, propriedade, etc. É imposta pelo Estado. A pena é pública, imposta pelo Estado para a preservação do direito ou para restaurá-lo quando perturbado pelo crime. A sanção deve ser imposta pelos tribunais de justiça como resultado de um julgamento criminal; deve ser pessoal, deve recair exclusivamente sobre o prisioneiro, para que ninguém possa ser punido por atos de outrem; deve estar legalmente estabelecida por lei e dentro dos limites por ela fixados, para um fato previsto pela mesma como delito. (CUELO CALÓN apud GUIMARÃES, 2002, p. 76)

Da violação às normas da ordem legal, surge para o Estado e a sociedade o “poder-dever” da punição, uma obrigação de natureza moral, com um fim em si mesmo. É a atribuição à pena de seu caráter retributivo, mal justo que ataca o mal injusto praticado pelo ofensor. Nas palavras do clássico Cuelo Calón, transcritas acima, resume-se a teoria da pena com fundamento nas teorias absolutas, cujos grandes ensinamentos podem ser atestados por Kant e Hegel.

Analisando o castigo do crime sob o aspecto ético, Kant eleva a realização da justiça ao posto de razão de ser do homem na Terra, de modo que o cometimento da infração leve à penalização pura e simplesmente pela violação da ordem, sem considerar sua utilidade ao intimidar ou recuperar o delinqüente. (GUIMARÃES, 2002, p. 77)

Hegel, por sua vez, ao expor a teoria da justiça retributiva sob o enfoque jurídico, reafirmando a mentalidade de sua época ao tratar o delinqüente como ser dotado de liberdade e racionalidade, defende a aplicação da pena como negação da negação do Direito, tendo em vista que o delito nega o direito, enquanto a pena coaduna-se com a negação do delito. Esta anulação simbólica do crime reafirma o direito e, assim, o princípio moral que constitui a sociedade, transformando o delinqüente em ser honrado pela racionalidade. (HEGEL apud PAIXÃO, 1991, p. 18-19)

A essa fase jurídica da escola clássica, passadas na linha evolutiva as fases das vinganças privada, divina e pública correspondentes à natural reação defensiva, às fases religiosa e ética medieval, respectivamente, sucede-se a defesa social, na qual a pena é vista como um instrumento a inibir novas práticas ofensivas.

Surgem, assim, as teorias preventivas da pena e a escola positiva, em que a sanção deixa de ser uma retribuição pela falta moral a implicar proporcional castigo, revelando-se agora, enquanto medidas sociais de cunho repressivo e preventivo, que se assentando sobre a natureza do delito, evidenciam maior eficácia e humanidade na defesa da coletividade. A justificação moral da punição dá-se pela utilidade social desta, visando a dissuadir o engajamento individual em comportamentos que agridem direitos alheios ou o bem-comum por uma economia política da moralidade em detrimento de imperativos morais absolutos. (BENTHAM apud PAIXÃO, 1991, p. 19)

BETTIOL (2000, p. 654) interpreta magistralmente umas das faces da função preventiva da pena formulada por FEURBACH:

A doutrina da prevenção geral parte da consideração de que o fim único das penas é afastar os delitos da sociedade, em razão do que através da ameaça deve-se considerar presente na aplicação e na execução da pena a idéia de que a generalidade dos cidadãos é colocada na condição psicológica de não cair no delito. A sociedade defende-se de melhor modo contra o crime quando através da ameaça da pena em geral e sua aplicação ou execução em particular, suscita nos cidadãos implicações capazes de frustrar aquelas forças psicológicas que podem existir no ânimo dos cidadãos como determinantes do crime. [sem grifo no original]

Para os defensores dessa doutrina, entretanto, não houve o êxito esperado para a intimidação pela ameaça da cominação legal, que só com a efetiva aplicação e execução da pena ao caso concreto poderia realizar o fim desejado, ante aos tormentos vivenciados pelo apenado em seu cumprimento e o temor em voltar a senti-los.

Assim, nasciam os expoentes da prevenção especial, face outra da teoria preventiva da pena, em que a finalidade permanece na prevenção do crime, mediante a reeducação e ressocialização do delinqüente, e não mais sua retribuição ou intimidação. Foca-se o criminoso em particular dentro da generalidade dos cidadãos em medidas que visam à não reincidência. (CERVINI apud GUIMARÃES, 2002, p 79)

Ante a essa dualidade doutrinária vale questionar qual o verdadeiro custo / benefício da pena aplicada ao delito: punir para prevenir novas práticas delitivas em geral; punir para que quem o pratique não volte a cometê-lo ou retribuir com sofrimento o sofrimento causado à vitima e à sociedade com a prática delituosa? É da junção destas finalidades da pena que novas teorias foram sendo construídas, orientando a formulação dos mais diversos códigos criminais.

Assim, estabelecendo finalidades preventivas da pena em função do estágio da norma, a teoria unificadora teve seu alcance abraçado inclusive pelo vigente Código Penal Brasileiro:

Art. 59. O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e conseqüências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime: [...]. [Sem grifos no original][1]

Os militantes da teoria unificadora ou mista da pena convergem retribuição, prevenção geral e específica como aspectos do complexo fenômeno que se traduz na pena, retribuição que persegue os fins de prevenção, preservando a confiança na autoridade estatal como também garantindo os direitos fundamentais do homem. (GUIMARÃES, 2002, p. 79)

A par da grande aceitação desta teoria e de sua influência nos dias atuais, a concepção unitária da pena é vítima de críticas que a elevam à posição de utopia e ao mesmo tempo demonstram que a simples junção de finalidades retributivas e utilitárias não extingue as falhas peculiares a cada uma delas, conforme as palavras de Thompson:

O conceito da tríplice finalidade é bastante familiar mesmo ao homem comum do nosso tempo, para quem ao menos no plano racional, o preso é colocado na penitenciária com vistas a ser punido, intimidado e, principalmente, reformado. [...] Punir é castigar, é fazer sofrer. A intimidação a ser obtida pelo castigo, demanda que este seja apto a causar terror. Ora, tais condições são reconhecidamente impeditivas de levar ao sucesso uma ação pedagógica. (THOMPSON apud CATÃO, 2006)

No contexto atual, originam-se das teorias apresentadas representantes da prevenção geral positiva e do neo-retribucionismo. Daquela, desdobram-se ainda as espécies limitadora e fundamentadora, que define a finalidade da própria pena limitando o poder punitivo estatal pela observância de princípios garantidores, entre os quais a intervenção mínima e a ressocialização, ou especifica a confirmação das normas e seus valores como fim pretendido com a imposição da pena, respectivamente. (SHECAIRA; CORRÊA JR., 2002, p. 132)

Tanto uma quanto outra têm a pena como instrumento para a consolidação do sentimento coletivo de confiança na autoridade do Estado e na eficiência e eficácia da ordem jurídico-legal, recriando no cidadão atitude de fidelidade à lei de forma duradoura. A distinção entre ambas dá-se na atribuição destes fins à função preventiva ou retributiva da pena, conforme nos ensina Morselli:

O erro dos autores da chamada prevenção geral integradora ou positiva consiste em atribuir tudo isto à função geral preventiva da pena, quando, na nossa maneira de ver, trata-se simplesmente dos efeitos típicos da função retributiva, exatamente conforme a óptica da concepção clássica, iluminada pela visão psicodinâmica neo-retributiva. Em síntese, é um erro considerar a consolidação e o reforço dos sentimentos de justiça, de fidelidade à lei e de consciência jurídica coletiva como objetivos finais da pena na concepção de prevenção geral. Devemos, aliás, considerá-los ‘efeitos induzidos’, ou seja, indiretos da função retributiva da pena. (MORSELLI apud GUIMARÃES, 2002, p. 79-80)

Levantadas as distinções entre as teorias retributiva e utilitarista e suas derivações, o ponto em comum quando de sua combinação: a pena privativa de liberdade como regra.

Dela, uma última concepção passa a ser afirmada: a função neutralizadora ou incapacitatória como fonte de legitimação para a privação da liberdade daqueles inadequados ou “inadaptados” ao convívio social, pelo maior espaço de tempo possível.

Nos dizeres de Zaffaroni, na incapacidade de solucionar conflitos sociais, posto que de aplicabilidade a posteriori, e, portanto, de conteúdo inegavelmente irracional, sua irracionalidade deve ser sempre mitigada, utilizando-se para tal, mecanismos principiológicos como a lesividade e a intervenção mínima, em detrimento das severas penas privativas de liberdade. (ZAFFARONI apud CATÃO, 2006)

2.3 Da pena privativa de liberdade

A privação da liberdade nos conduz aos primórdios da humanidade.

Os mais antigos registros literários de que se tem conhecimento já indicavam sua existência.

Das prisões bárbaras, em que homens ou animais eram amarrados em cavernas ou fossas pelos membros ou pelas juntas, passando pelos cárceres em que cavalos mantinham-se isolados à espera do grande sinal da partida – e que viria a ser o lócus de escravos e vencidos nas guerras –, às “penitenciárias” medievais, onde pessoas eram isoladas do mundo dos homens e apresentados ao mundo divino em suas penitências, a privação da liberdade ainda não possuía a função de pena que a modernidade urge como mal necessário.

Assim, a Antiguidade reserva às prisões a função de custódia aos que se ergueram contra as normas de convivência social, de modo a garantir, como as atuais penas processuais, a futura e certa aplicação da sanção penal, não se confundindo com esta, de viés pertencente ao plano do divino.

Confirmavam-se, desta forma, expressões para a posteridade, como a deixada por Ulpiano: “Carcer enin ad continendos homines non ad puniendos haberi debit”; a prisão não serve para o castigo dos homens, mas para sua custódia. (CUELLO CALÓN apud CIPRIANI, 2005, p. 26)

Continua o autor, sobre a existência da prisão no Direito Germânico, ao referir-se a “um édito de Luitprando, rei dos Longobardos (712-744) que dispunha que cada juiz tivesse em sua cidade uma prisão para manter ladrões por 1 ou 2 anos”.

Na mesma linha, a determinação por Carlos Magno, no século seguinte, do recolhimento à prisão – com finalidade corretiva –, das “pessoas de bem” cometedoras de delitos. 

Os primeiros vestígios da prisão moderna só seriam deixados mais tarde, nos “mil anos de trevas” medieval, e com o alicerce da própria Igreja.

A prisão nasce neste momento fruto de desigualdades sociais e éticas percebidas entre os criminosos, que ao arbítrio dos governantes, em função de seus estamentos e da indignidade de seus crimes para o merecimento de penas capitais, poderiam receber penas privativas de liberdade.

A esta Prisão de Estado passaria a ladear a chamada Prisão Eclesiástica, que mediante penitência e oração, em celas longe do mundo e dos homens, oportunizava, pela natureza fraterna e caridosa da Igreja, o arrependimento do mal praticado e a correção. (BITENCOURT, 1993, p. 18)

Não só o arrependimento dos pecados, a consciência da culpabilidade pelo ofendido e o advento de uma mentalidade racional e humanista desencadearam a mudança de concepção custódia-sanção para a privação de liberdade.

Fins menos espirituosos, como o estado de necessidade social e a degradação econômica da população resultante de guerras quase atemporais, encabeçaram a restrição da adoção de penas cruéis sobre o corpo do delinqüente e a introdução das “casas de correción”, readaptando-o para o trabalho e para a vida regrada e a disciplina. (KAUFMANN apud CIPRIANI, 2005, p. 30)

A marginalização social, econômica e política da população no berço da modernidade gerou uma criminalização sem precedentes, impingindo à violência função instrumental para a sobrevivência individual.

O internamento mostra seus primeiros sinais de malefício necessário, e o século XVIII vê o desenvolvimento das penas privativas de liberdade e a criação de estabelecimentos específicos para sua implementação movimentarem-se para a correção da massa delinqüente e manutenção de toda uma “ordem”.

A idéia de prevenção geral na obstaculização de novos delitos aliava-se a razões de natureza econômica, tendo em vista o inegável rendimento do trabalho do internado para sua mantença e a para a do próprio Estado.

Nesta linha, surgem as primeiras instituições penitenciárias, inicialmente em Bridewell, na Inglaterra, em meados de 1.552, em que protestantes transformaram um antigo castelo em alojamento de ociosos e miseráveis – treze anos mais tarde denominado de House of Correction –, e que em 1.566 inspiraria outros condados na construção de similares. Em 1595, a Holanda criaria seu primeiro estabelecimento prisional, específico para delinqüentes do sexo masculino, e, nos três anos subseqüentes, para mulheres. Por sua vez, a França teve o ano de 1656 como marco para o erguimento de seus cárceres para vagabundos e mendigos. Na Itália, o Papa Clemente XI constrói o primeiro estabelecimento do país em 1703, o Hospício de São Miguel, destinado também a menores infratores. (FRAGOSO, 1986, p. 298)

A pena privativa de liberdade inaugurava assim uma nova etapa na racionalização da justiça penal, pondo fim ao ciclo dos antigos métodos de castigo, então falidos por razões de políticas criminais, penológicas e econômicas.

Mas o sucesso da prisão-pena, como salientou o criminologista germânico Von Hentig, passava por uma remodelação de objetivos, que o eram a detenção preventiva e a busca do tratamento educativo. (VON HENTIG apud CIPRIANI, 2005, p. 33)

 2.4 A pena privativa de liberdade e objetivo ressocializador

O sentimento de otimismo na pena privativa de liberdade como resposta penológica que viesse a apagar o passado de horror no castigo daqueles que rompessem as barreiras impostas pela ordem social e as críticas ferrenhas ao seu alcance trôpego de finalidades transformaram simultaneamente o século XIX em marco temporal de apogeu e decadência da prisão-pena.

Inegável a progressividade reformadora no desenvolvimento dos sistemas penitenciários com os aprimoramentos humanitários, positivistas e os da defesa social, e também a agonia e a regressão de um sistema de pena ao seu nascimento monstruoso e incapacitatório de re-construção do ser humano errantes em suas práticas sociais.

Entretanto, conforme averbara Foucault (1994, p. 208 e 244), a pena de prisão não fracassou; pelo contrário, eficientemente cumpriu os objetivos que motivaram sua criação, que sejam a estigmatização, a segregação e a separação dos delinqüentes, sendo a “detestável solução da qual não se pode abrir mão” e, por isso, não he sendo possível a total supressão enquanto meio punitivo, essencial a intervenção positiva e a melhoria de suas condições.

Assim, reiteram-se ensinamentos que conduzem ao “Erreurs monumentales figées dans la pierre” (erros monumentais fixados em pedra), de modo a ensejar teorias em que o problema da prisão situa-se na própria prisão[2].

De se ver que não são poucas as críticas à prisão como sanção cominada ao delinqüente, a maior parte delas incidindo sobre sua incapacidade relativa, ou mesmo absoluta, de se cumprir seu objetivo ressocializador.

Das primeiras manifestações contrárias a sua imposição às atuais percepções que se lhe aviltam, a história evolutiva das prisões na humanidade sempre pôs no solo de sua constante reforma progressiva – frente sua abolição –, o status de viável solução.

Segundo Bitencourt (1999, p. 2), nenhum País jamais seguiu o extremo radical abolicionista, independentemente do regime político ou jurídico adotado, por entender, como se salienta do Projeto Alternativo Alemão de 1966, que a “pena é uma amarga necessidade de uma comunidade de seres imperfeitos como são os homens”. A humanidade demonstra, assim, o caminho da permanente reforma, de cujo roteiro compõe-se a progressiva humanização e liberalização interior, dista igualmente do outro pólo de críticas, o total conservadorismo. [grifo do autor]

E essa mesma história indicativa da constante e insaciável necessidade de reformulação das políticas criminais ante à modificação gradativa dos conceitos e da realidade das práticas penais – infelizmente dotadas de notável confusão prática legislativa e até mesmo doutrinária –, começava a demonstrar a falência do modelo clássico de repressão ao problema social do delito, de base exaustivamente dissuasiva pela atuação do legítimo e inconteste poder punitivo institucionalizado do Estado; a reprimenda pelo castigo como fim preventivo no seio comunitário.

A abordagem do castigo pelas deprimentes e desmoralizantes penas, mantida também na execução das punições mediante o cárcere nos primeiros sistemas penitenciários implantados – com reflexos que ainda hoje cegam a realidade do controle do crime –, revelaria sua incompatibilidade com os princípios norteadores de um Estado de Direito de essência democrática e garantidora de preceitos humanitários como a fundamental ressocialização do infrator.

A reprovação do uso do “arsenal” punitivo repressivo do século XVIII, atacada através da insuficiência recuperadora do delinqüente, tem como verdadeira pedra fundamental a publicação do clássico Programa de Marburgo de Von Liszt, acerca do pensamento finalista do Direito Penal, permanecendo no centro das discussões do Congresso de Bruxelas de 1889 (União Internacional de Direito Penal). Conforme seu argumento principal, a pena privativa de liberdade imposta até então, além de ser incapaz de práticas educativas, carecia de intimidação eficiente, posto que, entorpecia o condenado, retirava-o do seu meio de vida, rompendo-lhe os laços sanguíneos e de afinidade, e ainda deixava-lhe estigmas que dele jamais se afastariam. (MOURULLO apud BITENCOURT, 1997, p. 22).

A nova modelação para teorizar a reação ao delito cometido, de cunho essencialmente humanista, preocupar-se-ia então com a historicidade, a realidade do sistema penitenciário e das políticas criminais adotadas ao centrar sua análise na recuperação do condenado para a vida social, ou seja, na positivação de suas atitudes frente à sociedade, facilitando o reencontro digno no meio social do qual foi obrigado a marginalizar-se.

Boschi, ao defender o princípio de humanidade como informador do justo direito penal, inspirado no respeito à pessoa humana, proclama:

Se as pessoas, erigidas pelo contratualismo à condição de indivíduos no mundo, decidiram repelir, com veemência, por intermédio do “homem artificial”, os padecimentos físicos ou morais que lhes eram infligidos com as penas cruéis, degradantes, desproporcionais, não haveria sentido ético ou jurídico retornar a sua cominação ou aplicação, pois isso implicaria frontal violação dos deveres assumidos quando da celebração do Contrato Social, deslegitimando-se o poder e viabilizando-se, com isso, a volta aos padrões de conduta que mancharam o solo do planeta com o sangue de milhões de inocentes. (BOSCHI, 2004, p. 55)

O dogma do castigo pelo castigo cede espaço ao realista paradigma ressocializador, que concentra no ser humano – na pessoa da vítima, mas também na do ofensor –, o seu debate, e na utilidade da pena o seu instrumento de prevenção, ainda mais específica, como se vê da teoria apontada nas seções anteriores, por concentrar-se no delinqüente concreto, e não aquele a que se abstrai da cominação legal, e na finalidade prática da execução penal, ante ao idealismo codificado de dissuasão.

Sobre a idéia de ressocialização e tratamento como incremento às expectativas e possibilidades de participação social do preso, o belo apanhado de García-Pablo de Molina:

O paradigma ressocializador propugna, portanto, pela neutralização, na medida do possível, dos efeitos nocivos inerentes ao castigo, por meio de uma melhora substancial do seu regime de cumprimento e de execução e, sobretudo, sugere uma intervenção positiva no condenado que, longe de estigmatizá-lo como uma marca indelével, habilite-o para se integrar e participar da sociedade, de forma digna e ativa, sem traumas, limitações ou condicionamentos especiais. Não se trata, evidentemente, de alcançar objetivos sublimes, conversões milagrosas, muito menos mudanças qualitativas de personalidade. Não existe a pretensão oculta em fazer do delinqüente “um homem novo”, nem a perniciosa tentação que denunciara William Sargant: “a conquista da mente humana”. (MOLINA; GOMES, 1997, p. 350-351)

Desta forma, Molina sintetiza os debates fervorosos que situam a ressocialização em seu núcleo enquanto combate alusivo à função de retribuição da pena, cuja eficácia se daria pelo próprio soterramento do modelo ressocializador, reerguendo-a; bem como, numa visão paralela, a utopia de uma ideologia humanista puramente socialista, e, portanto, incompatível com o atual sistema político, econômico e cultural capitalista.

Nesta última linha, o importante, decisivo, mas também conteste pensamento de Alessandro Baratta, segundo o qual existe um nexo histórico-causal entre a manutenção do cárcere e a das relações produtivas na fábrica, ambas instituições sociais capitalistas asseguradoras da desigualdade social e da marginalidade, verdadeiros mecanismos de controle estigmatizadores e repressivos essenciais à sobrevivência do sistema de classes. É esta separação de natureza moral entre honestos e desonestos que ampara o processo de criminalização e que funciona como símbolo do castigo da pena a impossibilitar o seu objetivo ressocializador. Em outras palavras, o sistema penal, mediante os efeitos diretos e indiretos da condenação, produz a marginalização, daí a utopia da pretensão ressocializadora do delinqüente sob essas condições. (BARATTA apud BITENCOURT, 1997, p. 27)

Nesse sentido, a política de grandes transformações sociais ungidas como solução ao problema da incapacidade recuperadora do condenado na sociedade capitalista atribui à comunidade e ao Estado, dotados do poder de controle sobre o indivíduo, a função máxima de ressocialização, ao visualizar no micro-sistema social familiar, nas instituições morais como a escola e a Igreja, o aparato para implementação do objetivo ressocializador pela defesa do bem-estar comum, prevenindo-se a criminalidade. Nessa ótica, a readaptação social penal e penitenciária apresentar-se-ia como faculdade para o delinqüente ajudar-se a si mesmo, responsabilizando-se minimamente pela sua ressocialização. Daí a contestação às críticas de Baratta. Seria necessária a mudança e a revolução no seio do sistema capitalista para a realização deste objetivo, o que em nada melhoraria ou solucionaria a problemática dos condenados submetidos a penas privativas de liberdade degradantes e estigmatizantes até o advento da revolução proletária.

Apesar do antagonismo dessas correntes, verifica-se que em todas elas há a predominância de crenças sobre a aceitação ou rechaça do objetivo ressocializador, exaltando-o ou minimizando-o pela crença ou descrença na sua potencialidade de concretização, o que pode ser explicado pela própria natureza complexa e heterogênea de seu conceito, em mobilidade constante entre teorias / finalidades e a simplificada execução da pena, tendo em seu bojo a unidade apenas na reprovação ao retribucionismo.

Daí o vigoroso questionamento de ser o ideal ressocializador inerente à finalidade da pena ou adstrito a sua execução. A par de sê-la esta última a que parece conduzir a maior parte dos pensadores da atualidade, como verdadeiramente atingir esse fim, mediante um cumprimento de pena humanizado, se a própria pena não carregar em si a tal pretensão ressocializadora?

Para García-Pablos (1997, p. 355), contudo, mais importante para a compreensão da ressocialização se faz a análise do processo de adaptação do condenado aos padrões sociais, levantando para a discussão os pensamentos da socialização e os da sua polaridade correcionalista. Para aquela teoria, o crime consistiria num déficit social, uma carência no processo de socialização do indivíduo que o levaria ao isolamento e ao conflito com os modelos e pautas sociais. Assim, o objetivo da intervenção punitiva seria assisti-lo para sua reinserção social. Contrária a essa adequação funcional do individuo à comunidade, a pretensão pedagógica e tutelar de correição do debilitado socialmente, emendando-o pela reabilitação de sua liberdade interior. Ambas, contudo, eivadas de críticas por serem, respectivamente, criminalizantes da marginalidade e legitimadoras de intervenção penal extrema.

Comparando-se o homem minimalizado e fragilizado pelo correcionalismo ao ser animalesco e perigoso combatido pela prevenção geral – trabalhada nas seções anteriores –, neste último caso, não tendo a reincorporação social o caráter de objetivo do sistema, já que resultado lógico de um isolamento que retirou do criminoso sua periculosidade, ergue-se a posição da Defesa Social como teoria transitória para pôr fim aos delitos e angariar o humanista desejo de ressocialização do infrator para uma nova vida social, em liberdade de ir e vir e de consciência de seus atos.

É o momento de se ensejar um novo modelo de humanização da pena em seus fins e instrumentos de execução com vistas ao recluso e não desfocadas para as ideologias de sistemas sociais defensivos. É o que incita o Estado Democrático de Direito, parte da evolução de nossa história.

Diante dessa necessidade, muito se questionou sobre a validade e a valoração do programas ressocializadores. Em alguns casos, argumentos em comum foram utilizados para ampliar-lhe a importância e, simultaneamente, para tirar-lhes a força.

Aos que os condenam veementemente, por acreditar ser ilegítima a intervenção, qualquer que seja, na pessoa do condenado, não se pode negar que a não-intervenção representa desconhecimento da realidade vivida no cárcere, cuja solução, para ofensor, vítima e a própria sociedade não está em relegar às sombras e ao esquecimento o apenado, mantendo e, mesmo, ampliando, o leque de criminosos e, com isso, alterando os limites da ordem e da justiça.

Além do mais, operar e proclamar a ineficácia de um tratamento em geral é negar a possibilidade de se reformar e “re-construir” indivíduos por si só pertencentes a grupos e históricos de vida distintos, de forma que ao se criticar, que se critiquem determinados programas, com base em seus aspectos e fatores tomados por base, antes de se atacar e destruir intervenções com fins positivos, porque se arrisca a negar a realidade de toda uma população, dentro e fora do cárcere:

O ideal ressocializador deixará de ser um mito e um lema vazio de conteúdo quando, depois do oportuno debate científico, seja alcançado um elementar consenso em torno de três questões básicas: quais objetivos concretos podem ser percebidos em relação a cada grupo ou subgrupo de infratores, quais meios e técnicas de intervenção são válidos, idôneos e eficazes em cada caso e quais limites não devem ser superados em qualquer tipo de intervenção. (GARCÍA-PABLOS, 1997, p. 398)

A Lei Orgânica Geral Penitenciária espanhola (Lei nº. 1, de 26.09.1979), que prevê expressamente programas de tratamento ou intervenção de natureza científica como forma de reabilitação social de seus apenados parece iluminar a realidade carcerária de efetividade, embasando a posição criminológica desse autor.

Não inserindo diferenciações visíveis entre o que consiste em práticas penitenciárias e práticas interventivas, designa, já em seu artigo 59, § 1º, o tratamento enquanto complexo de atividades imediatamente voltadas para a finalidade social de reinserção e reeducação do preso. A referida lei atribui à ressocialização concepção de transformação do condenado em pessoa com disposição introspectiva e capacidade para respeitar as leis de natureza penal e, ao mesmo tempo, satisfazer suas necessidades. E assinala no parágrafo subseqüente, que possa o mesmo respeitar a si mesmo e à sociedade, nos planos da família e do outro. Adiante (art. 60, § 1º), ressalta que devem ser ainda considerados a personalidade peculiar ao agente e os obstáculos ambientais para a perseguição daqueles fins, de forma que os encarregados do tratamento usem todos os métodos que, “respeitando sempre os direitos constitucionais não atingidos pela condenação, possam facilitar a obtenção daqueles”.

Da leitura da legislação espanhola, da qual emana pensamento socialmente positivo para o tratamento do recluso, vê-se a elevação de direitos inerentes ao homem – não contemplados entre os efeitos da sentença condenatória[3] –, para instrumentalizar o próprio reencontro com aqueles até então suspensos por terem sido atingidos pelos feixes da condenação, e, assim, nitidamente de caráter ressocializador.

A jurisprudência brasileira, por sua vez, elenca como direitos essenciais à ressocialização do preso, a visita familiar e o labor, conforme segue:

O Direito, especialmente o instrumental, é orgânico e dinâmico, somente sendo possível retornar a fase ultrapassada mediante autorização normativa. O ato mediante o qual o juízo defere a progressão no regime de cumprimento da pena é judicial – arts. 112 e 194 –, desafiando agravo – art. 197, todos da Lei de Execução Penal. Imutável ante o silêncio Estado-acusador, descabe revê-lo e, potencializando o título judicial condenatório, suplantado em execução, indeferir, presente o enquadramento do crime na Lei nº. 8.072 / 90, os benefícios tão caros à ressocialização do preso, que são a visita periódica da família e o trabalho extra-muros. Precedente: Habeas Corpus nº. 79.835-1/SP, Primeira Turma, relator ministro Sepúlveda Pertence, decisão publicada no Diário da Justiça de 15 de outubro de 1999. (RIO DE JANEIRO, Tribunal de Justiça, HC. 83.911, Relator: Min. Marco Aurélio, 2004).

Segundo Herkenhoff (2009), o exercício da sexualidade figura entre esses direitos, por não ser subtraído com a prisão do indivíduo.

O mesmo autor, em outra oportunidade (HERKENHOFF, 1998, p. 37), sustenta a tese de que “a ruptura de laços familiares e outros vínculos humanos, a convivência promíscua e anormal da prisão, o homossexualismo não escolhido, mas forçado, são fatores que em nada ajudam a integração do ser”. Reitera, assim, a concepção de que o encarceramento se torna incompatível com o pretendido tratamento, a ressocialização.

García-Pablos (1997, p. 384), ratifica a posição de Herkenhoff, ao demonstrar que os chamados programas de controle repressivo-admonitório (repreensão que denuncia o mal social causado e busca encarecer o bem a ser feito), como o castigo e o isolamento são de escassa utilidade a médio prazo, ocasionando efeitos contraproducentes em relação à ressocialização. Nesse diapasão, ainda critica outros tratamentos que se limitam ao indivíduo, perdendo sua própria efetividade, por não darem a atenção adequada a variáveis cognitivas como a auto-estima do delinqüente, cuja problemática potencializa a criminalidade como meio de oferecimento de poder e domínio do mundo, e que poderia ser apaziguada mediante relações socioafetivas.

No mesmo sentido, o tratamento oferecido pela teoria positiva embasadora da legislação de execuções penais da Espanha, com a proposição do fomento da vontade e da determinação do condenado para a mudança –, partindo-se do ponto de vista de que sua motivação real constitui fator decisivo para o êxito pedagógico, pela re-construção de si mesmo através de uma teoria dirigida para sua situação de vida, suas necessidades emocionais e individuais –, podendo oferecer alternativas a esta constrição do “aqui e agora” e motivar o detento para a submissão ao tratamento. (SCHMIDEBERG apud GARCÍA-PABLOS, 1997, p. 379).

Nítido, então, entender que fatores como a superpopulação carcerária, o clima social no confinamento e a violência condicionam decisivamente o comportamento dos internos, e, portanto, sua motivação para a mudança; para o aquém da margem social.


3.      O PROBLEMA SEXUAL NAS PRISÕES

3.1 Breve panorama do Sistema Prisional Brasileiro na atualidade

A questão da privação de liberdade deve ser abordada em função da pena tal e como se cumpre e se executa, com os estabelecimentos penitenciários que temos, com a infra-estrutura e dotação orçamentária que dispomos, nas circunstâncias e na sociedade atuais e, principalmente, em função dos resultados obtidos com a aplicação de tal sanção. (MIR PUIG apud GUIMARÃES, 2002, p. 80)

Para onde quer que se olhe, examine ou escave através dos estudos jurídicos, visível a situação de profunda crise por que passa o sistema prisional no Brasil.

De acordo com dados do Departamento Penitenciário Nacional, em censo realizado em junho de 2008, o total populacional no Sistema Penitenciário (Federal, Estadual e Polícia) é de 440.013 para um número de vagas que não ultrapassa os 277.847, ensejando um déficit de 162.166.

Um fato torna ainda mais impressionante uma realidade já assustadora e degradante de superlotação nos presídios: 58.901 condenados, que deveriam estar regular e obrigatoriamente recolhidos em penitenciárias, cumprem, indevidamente, suas penas em cadeias públicas e delegacias de polícia espalhadas pelos quatro cantos do país.

As condições de vida dos detentos nestes locais são terríveis. A falta de espaço transforma piso úmido, banheiros, redes e até mesmo grades em camas improvisadas. A luta por um espaço e pela sobrevivência é diária, sendo de importância fundamental os apoios financeiro e afetivo de suas famílias, quando existentes, e, quando possível.

A população carcerária no Brasil, segundo dados do Human Rights Watch, como no resto do mundo, é em sua maioria formada por homens jovens, de baixa renda e nível de escolaridade:

Mais da metade dos presos tem menos de trinta anos; 95 % são pobres, 95% são do sexo masculino e dois terços não completaram o primeiro grau (cerca de 12% são analfabetos). Devido à pobreza e antecedentes à margem da sociedade, eles e seus familiares possuem pouca influência política, o que se traduz em poucas chances de obter apoio para colocar um fim nos abusos cometidos contra eles. O crime mais comum entre os detentos é o roubo, com cerca de 35% dos detentos presos ou condenados por roubos; outros crimes comuns são furtos, homicídios e o tráfico de drogas. Dos estados nos quais informação sobre a cor da pele dos detentos está disponível, parece que a distribuição por raça não difere significativamente da distribuição do país como um todo, exceto pelo fato de estarem os pretos super-representados: aproximadamente metade dos presos é de brancos enquanto 17% são pretos e 30% são pardos ou mulatos. Apenas cerca de mil estrangeiros são mantidos presos, incluindo presos da Bolívia, Nigéria, Uruguai, África do Sul e Argentina. (Censo Penitenciário de 1995 apud HUMAN RIGHT WATCH, 1998)

Dados mais recentes, tendo como período de referência o mês de junho de 2008, divulgados pelo Depen, apontam índices percentuais próximos a 40,25 para quantificação dos apenados da cor branca. Pardos e negros alcançam 38,9% e 16,72% da população carcerária, respectivamente.

Assim, erguem-se os argumentos que instauram a falência tanto da política prisional quanto do sistema em si, atrelando a crise na gerência e condições do cárcere e o modelo político-econômico neoliberal. De ver-se que a criminalidade e vitimização nascem dos estratos sociais menos favorecidos, onde direitos e garantias fundamentais são tolhidos.

A deficiência das penas privativas de liberdade evidenciam as condições sub-humanas dos estabelecimentos, levando a motins, fugas e rebeliões que introjetam os novos valores padronizados no confinamento:

É devido à ociosidade, à ausência da atividade laboral, e à inércia dos estabelecimentos de prisão que brotam no condenado a consciência do estado de ócio, o enfraquecimento e a posterior perda de seus valores essenciais, implicando assim o fenômeno da reincidência. O ambiente carcerário acaba por despertar condutas nocivas à sociedade, quando a finalidade maior da pena é a ressocialização do condenado. (MADEIRO, 2001, p. 76)

Este mal necessário, representado pela prisão na atualidade, tem em Bitencourt (1993, p. 143) seu maior crítico em termos de eficácia das finalidades retributiva e preventiva. Citando García-Pablos, coaduna com a impossibilidade de reabilitar o recluso por sê-la a prisão a antítese da comunidade livre, e, assim, artificial e anti-natural:

A pena não ressocializa, mas estigmatiza, que não limpa, mas macula, como tantas vezes tem-se lembrado aos “expiacionistas”; que é mais difícil ressocializar uma pessoa que sofreu uma pena do que outra que não teve esse amarga experiência; que a sociedade não pergunta porque uma pessoa esteve em um estabelecimento penitenciário, mas tão somente se esteve lá ou não.

Outro argumento sustentado pelo autor é a da crise da pena privativa de liberdade pelas já citadas condições materiais e humanas em que se desenvolve a execução, incompatível com a reabilitação. (BITENCOURT, 1993, p. 144)

A justificativa para tantas posições permeando o fim das penas privativas de liberdade pelo reconhecimento de sua situação caótica nos dias atuais merece respaldo, contudo deve-se procurar a essência para toda essa problemática, tendo em vista que, assim, como é impossível fazer vista grossa para a degradação estrutural das prisões como se apresentam em nossa sociedade, também o é incompatível a previsão imediata de se relegá-las ao passado, já que fundamental para a manutenção da ordem social e do bem comum.

Cipriani (2005, P. 23) indaga se a pena privativa de liberdade teve alguma oportunidade de sucumbir, implicando este questionamento no reconhecimento de que o problema da prisão pode estar nela mesmo, e então não se teria fundamento o seu fracasso nas finalidades de repersonalização do apenado e, sim, na ausência do próprio Estado.

Tendo consciência da imprescindibilidade, na atualidade, da co-existência da pena privativa de liberdade com outras alternativas menos gravosas e estigmatizantes, deve-se reservar a ela um leque menor de possibilidades para se fazer concreta, redefinindo tipos penais a ela correspondentes como adequada sanção, bem como tornar ainda mais viáveis e reais os seus programas de prevenção e ressocialização.

O otimismo e a grande esperança ficam por conta da história da própria humanidade contada por García-Pablos (1993, p. 397): “de qualquer modo, sabe-se que o progresso é constituído dia-a-dia em razão do trabalho de reformadores que se comprometem com a realidade e a transformam”.

3.2 O cárcere e a privação da sexualidade

Não se pode desconhecer a grave problemática que os estabelecimentos prisionais penais enfrentam no tocante à abstinência sexual dos presos, geradora não só de danos fisiológicos pessoais, como de homossexualismo e, sobretudo, numa decorrência lógica dessas duas contestações, de conturbações, às vezes inafastáveis, insuperáveis, na vida prisional. (TUCCI apud NOGUEIRA, 1996, p. 66-67)

Parece fácil e normal falar sobre sexo após a revolução sexual. Ele está a nossa volta, à disposição de todos, “naturalmente” mercadorizado. Mas essa aparente liberação sexual, contudo, esconde o que realmente está à venda.

Michel Foucault, em seu livro História da Sexualidade, revela que falar sobre o sexo, cientificá-lo, como é feito na atualidade, é uma forma de evitá-lo, tanto o ato em si, como o pensar sobre ele fora dos limites de intimidade inerente ao ser humano, reduzindo-o a uma visão biologizante. Para ele, ao mesmo tempo em que é mostrado como algo natural, e para que o seja, é necessário polarizar, definindo patologias e aprisionando o indivíduo à autoridade competente (especialista), o sexo é vigiado e regulado. (FOUCAULT apud ARANHA; MARTINS, p. 328-329)

Ainda mais marginalizados socialmente, o controle sobre a sexualidade dos presos se faz ainda mais notoriamente. E os tabus que a sociedade impõe ao cidadão livre são ainda mais visíveis ao indivíduo preso. É esse controle social que acaba por diminuir a importância das questões sexuais e da resolução das problemáticas surgidas durante o confinamento.

Como visto anteriormente, não há vedação legal a sua realização no interior dos presídios, por ser um direito não subtraído como efeito da condenação penal. Do mesmo modo, não é a suspensão do direito de ir e vir do detento que irá por fim as suas atividades sexuais, por serem a ele inerentes e instintivas, incapaz de controle absoluto mediante a reclusão, o que se reflete num outro controle, de natureza psíquica e biológica, que não o leve a afastar-se da heterossexualidade.

Castillon (apud BITENCOURT, 1993, p. 184), analisando o rompimento do instinto sexual no cárcere e o seu reflexo no objetivo ressocializador da pena privativa de liberdade, aduz:

Incorre-se em grave contradição quando se busca a correção e a ressocialização do delinqüente e, ao mesmo tempo, ignora-se o problema sexual ou pensa-se que o mesmo não requer uma atenção especial. A repressão ao instinto sexual propicia a perversão da esfera sexual e da personalidade do indivíduo. Enfim, é impossível falar de ressocialização em um meio carcerário que deforma e desnatura um dos instintos fundamentais do homem.

Para os que acreditam ser o exercício da sexualidade uma condição irrelevante para o corpo e para a alma, tendo em vista que muitas práticas e concepções ético-religiosas têm em sua abstinência a razão de ser, a justificativa não pode ser transpassada para dentro das prisões, mesmo porque o seria uma agressão a sua liberdade de escolha, uma imposição que não existe para o homem livre que com plena consciência de seus atos opta pela repressão sexual. 

No plano anímico talvez se encontre o principal valor e satisfação obtido subjetivamente com o exercício da sexualidade. Por assim dizer é que a filosofia invoca para a sexualidade os mesmos pesos e medidas que atribui ao trabalho para a sociedade burguesa. O homem, através do desenvolvimento e da valorização da sexualidade, encontra o caminho para a purificação e a integralização de seu ser. A sexualidade humaniza-o, por ser parte do ser integral em contraposição a uma simples expressão do corpo biológico ou resultado de uma função glandular. É uma forma de expressão do ser que deseja, que escolhe, que ama. Enfim, é uma forma de comunicação com o outro e com o mundo (ARANHA; MARTINS, 1993, p. 316)

Para Moll (apud SPRICIGO, p. 4), dois são os fatores a serem considerados na sexualidade:

Um de ordem física, que é a impulsão de detumescência, constituída pelo alívio espasmódico dos órgãos sexuais e outro de ordem psíquica, que se revela na impulsão de contato e que se manifesta pela necessidade de tocar, de beijar uma pessoa geralmente do sexo oposto.

No plano do direito, o comportamento sexual considerado normal é o que não esteja tipificado em lei (ilícito). Não podemos negar que também o direito, como reflexo de um momento histórico e revelando as crenças e os modelos socioculturais vigentes à época de sua consagração, possui em suas normas valores éticos e religiosos (cristianismo) que ainda “julgam” inaceitável moral e / ou legalmente as praticas homossexuais nas prisões, sendo considerada em alguns sistemas infração disciplinar.

O que se deve levar em consideração nos cárceres, informando costumes e normas, é a orientação sexual anterior ao cumprimento da pena, assegurando-se sua liberdade de escolha sexual como finalidade superior à coibição de práticas homossexuais, evitando-se a ocorrência nas celas de verdadeiros assaltos sexuais.

Bitencourt (1993, p. 185-189) aponta os resultados desvantajosos, para o detento e para seu processo de ressocialização, trazidos pela privação de relações sexuais nas prisões. Primeiramente, ressalta a problemática da abstinência sexual sob o ponto de vista físico e psíquico, não gerando qualquer fato positivo, apenas operando transtornos de personalidade e fortalecendo-se o temperamento, e as energias psíquica, ética e estética que podem ser descarregadas em condutas inadequadas. Além disso, influencia na deformação da auto-imagem, gerando um questionamento sobre si mesmo e sua sexualidade pela ruptura da figura feminina; provocando desajustes que impeçam ou dificultem o retorno à vida sexual anterior, provocadas pelo sentimento de culpa por relacionamentos homossexuais no cárcere, como ejaculação precoce, impotência, etc.; reiterando práticas de homossexualismo forçado ou consensual e onanismo (auto-erotismo), que podem gerar frustrações, graves desequilíbrios psicológicos e transtornos de comportamento sexual;

  Além disso, a abstinência sexual pode levar ao agravante social de destruição de relações conjugais. O índice de divórcios após a condenação de um dos parceiros é muito superior ao que ocorre entre casais que desfrutam da liberdade. Para o que permanece entre os muros da prisão, a expectativa de reinserção social após o desfazimento da união conjugal é afastada:

Para muitos internos a ruptura do seu lar pode significar uma profunda amargura e um grave impedimento para a ressocialização. A única coisa que poderia ter significado um fator importante de reabilitação, a manutenção dos laços familiares, está desfeita. É extremamente difícil que uma pessoa possa readaptar-se às portas de um lar destruído. (BURSTEIN apud BITENCOURT, 1993, p. 187)

Importante ressaltar aqui, os entraves para a pessoa do parceiro que se encontra em liberdade. De modo indireto, a depressão e alguns sentimentos como culpa, solidão, ansiedade e o isolamento transpassam as fronteiras da prisão, agravando a situação psicossexual de quem tem nos anos de espera o signo da eternidade. A realidade mostra, assim, uma verdadeira “re-personalização da pena”.

Para o grave problema sexual nas prisões, soluções de várias naturezas são apontadas. Algumas mais conservadoras, indicam a realização de práticas de labor, desportivas e físicas como forma de reutilização da energia libidinosa para outros fins, mostrando claramente a desvalorização do direito à sexualidade. Outras, de conteúdo moral e jurídico duvidosos, como a utilização de drogas para “anestesiar” os impulsos sexuais. As mais condizentes, por sua vez, possibilitam o encontro íntimo com o cônjuge ou companheiro (a), como é o caso das saídas temporárias e visitas íntimas.

Da aceitação exclusiva daquelas, cercear-se-ia o direito à sexualidade nos estabelecimentos penais, por ser incompatível com sua prática no interior dos mesmos, de forma que se reconhecendo a fundamental relevância da sexualidade para o ser humano e para a sociedade que cogita reinseri-lo, bem como visando à segurança jurídico-social com a concretização de direitos não mitigados pela sentença condenatória, erige, por sua vez, a visita íntima como avanço e legitimação de um poder humanizador e ressocializador.


4.      DA VISITA ÍNTIMA

“Nesse mundo em que vivemos, cheios de imperfeições, todos nós estamos sujeitos a cometer erros. No momento, estou privado de minha liberdade, pois cometi um erro; estou pagando por ele! Sabe princesa? Logo, logo, apenas três coisas farão parte da nossa relação: eu, você e o nosso amor. Beijos molhados, de quem não consegue viver um minuto sem você.”

(Carta remetida por preso à companheira)[4]

4.1 Conceito e origem

O artigo 41 da Lei de Execução Penal brasileira – LEP (Lei nº. 7.210, de 11 de julho de 1984), ao dispor acerca dos direitos do preso, garante ao mesmo – inclusive nas cadeias públicas –, além do atendimento de necessidades fisiológicas básicas como alimentação e vestuário, necessidades de segurança do corpo, do trabalho, da família e, mesmo, “jurídica”, através de diversas formas de assistência, assim como a visitação de entes, amigos e cônjuge ou companheiro, conforme leitura do inciso X e correlatos, abaixo transcritos:

Art. 41 - Constituem direitos do preso:

[...]

X - visita do cônjuge, da companheira, de parentes e amigos em dias determinados;

[...]

Parágrafo único. Os direitos previstos nos incisos V, X e XV poderão ser suspensos ou restringidos mediante ato motivado do diretor do estabelecimento.

No mesmo sentido, preceituam as Regras Mínimas da Organização das Nações Unidas – ONU, ressaltando que sejam mantidas e até mesmo melhoradas as boas relações entre o preso e sua família, desde que convenientes para ambos, devendo ser autorizada a visitação dos entes familiares e amigos, pelo menos de modo periódico, tomadas as devidas providências para o não comprometimento da boa ordem, disciplina e segurança do presídio (nº. 74 e 37).

Fundamenta-se o direito de visitação na incongruência da ruptura ou debilidade dos laços afetivos que unem presos aos seus familiares e amigos, afastando-o ainda mais do mundo exterior, com a integridade física, moral e psicológica do detento e o processo de reeducação para o posterior convívio social, e, portando, com o próprio objetivo ressocializador da pena. Numa visão ainda mais realista, que considera a situação econômico-material daqueles que cumprem suas penas no interior de estabelecimentos no Brasil, as políticas de visitação são essenciais para a garantia de outros direitos assegurados ordinária e constitucionalmente, como o de assistência material, na maioria dos casos sob o encargo das próprias famílias ou do cônjuge ou companheiro (a), que fornecem desde vestimentas a remédios e produtos de higienização.

Conforme se verifica da leitura do parágrafo único da LEP, é facultado à autoridade carcerária impor limitações ou mesmo obstar o relacionamento do preso com seus parentes e amigos, podendo se fazer restrição de modo direto, vedando o envio e / ou recebimento de correspondências, reduzindo as horas específicas para a visitação ou a qualificação dos visitantes para a permissão. A prática mais habitual se faz, entretanto, de forma indireta, mediante a busca pessoal do visitante, realizada na maioria dos casos de forma vexatória e humilhante, que, ao lado do distanciamento físico dos estabelecimentos penais ao local de domicílio da família, constitui grande óbice à visitação[5].

Em meio a essas visitações – parte da normalidade dos estabelecimentos prisionais – surgem as chamadas visitas íntimas, conjugais ou sexuais, de origem nebulosa, como atesta o médico Drauzio Varella em suas experiências de trabalho voluntário na extinta Casa de Detenção de São Paulo (Carandiru), transformadas em relatos sobre formas de viver e morrer na obra Estação Carandiru.

De acordo com o cancerologista, no início dos anos 80, o sexo insidiosamente praticado por alguns presos em barracas improvisadas no próprio pátio dos pavilhões em dias de visita, mais tarde transformado em objeto de comércio – como tudo o mais na realidade carcerária –, em que se juntavam pares de compridos bancos, sobre os quais se colocavam cobertores, e alugavam o espaço resultante da manobra para a intimidade dos casais, para os quais se faziam vista grossa pelas autoridades pretensiosas da redução dos índices de violência nos demais dias da semana, acabou por ser burocratizado com o surgimento das primeiras queixas de engravidamento de menores e da incapacidade de se pôr fim ao “privilégio” adquirido. Assim, do Carandiru a prática ganhou o Brasil. (VARELLA, 2000, p. 60)

Segundo relatório da Human Rights Watch, as políticas de visitação conjugal – termo paulatinamente substituído por visitação íntima, tendo em vista a desnecessidade de comprovação do vínculo marital para sua concessão, de acordo com o grau de controle exercido pelas autoridades sobre essas visitas, variável de estado para estado – são bastante generosas para os presos no território brasileiro, de modo a excluir apenas os segregados administrativa ou disciplinarmente. Aos demais, estabelece-se o tempo igual ao das visitas regulares, semanalmente. A variação entre os estados se dá mais acentuadamente quanto à definição dos visitantes sobre os quais recaem o permissivo, alguns estabelecimentos registrando os mesmos e impedindo a entrada de prostitutas; outros concedendo a qualquer visitante a entrada; alguns restringindo a permissão às mulheres do detento ou companheira estável. (HUMAN HIGHTS WATCH, 1998)

Conforme a Portaria do Ministério da Justiça de nº. 1.190, de 19 de junho de 2008, nas penitenciárias federais as visitas íntimas são obrigatoriamente concedidas com periodicidade mínima de duas vezes ao mês, com duração de uma hora, em dias previamente estabelecidos pelos seus respectivos diretores, devendo ocorrer em local compatível com a dignidade da pessoa humana, vedando-se o uso das celas de convivência dos presos para esta finalidade.

Nestes estabelecimentos, o internado deve ainda informar o cônjuge ou parceiro (a) para visita íntima com o fim de realização de registro do comprovado vinculo afetivo pela direção, ficando proibida a substituição exceto pela ocorrência de separação ou divórcio. Com a superveniência destes, o preso só poderá cadastrar novo companheiro (a) ou cônjuge decorrido um semestre da data de cancelamento de anterior indicação.

O Departamento Penitenciário Nacional – DEPEN disponibiliza o formulário de solicitação para visitação aos reeducandos cumprindo penas em penitenciárias federais por meio da Internet, dando-se início ao processo de autorização com o seu envio on-line ou mediante entrega na sede do Depen em Brasília-DF ou nas próprias penitenciárias. O cadastramento só será concluído com o chamamento via e-mail, telefone ou carta pessoal do interessado para entrevista pessoal nas respectivas penitenciárias em que pretende o acesso, munido dos documentos elencados nos §§ 2º e 4º do artigo 2º da Portaria nº. 122, de 19 de setembro de 2007, do DEPEN, que disciplina o procedimento de visita aos presos nos estabelecimentos penais federais e dá outras providências:

Art. 2º O preso ao ingressar no estabelecimento penal federal deverá indicar as pessoas que deseja receber como visitantes.

[...]

§2º Para o cadastramento, os interessados deverão encaminhar prévio requerimento ao Diretor do estabelecimento penal federal, que deverá estar instruído com:

I – Duas fotos 3x4 iguais e recentes;

II – Cédula de Identidade ou documento equivalente;

III – Cadastro de Pessoa Física (CPF) para maiores de 18 anos;

IV – Certidão de antecedentes criminais da Justiça Estadual e Federal do domicílio;

V – Comprovante de residência.

[...]

§4º No caso da visita íntima, além da documentação constante no parágrafo 2º e do Termo de Responsabilidade, o requerimento deverá estar instruído com um dos seguintes documentos:

I – Certidão de Casamento (cônjuge);

II – Declaração de Coabitação ou União Estável com assinatura de duas testemunhas, com firma reconhecida;

III – Autorização Judicial para menor de 18 anos que não seja casado; [...] (sem grifos no original)[6]

A Portaria nº. 1.109, de 19 de junho de 2008, do Ministério da Justiça, ao regulamentar a visita íntima no interior das penitenciárias federais considerando-a fortalecedora das relações familiares, preconiza a igualdade no tratamento oferecido ao preso e / ou visitante portador de doenças sexualmente transmissíveis que, de livre e espontânea vontade, optar pela visita íntima:

Art. 5º No caso de um ou ambos parceiros serem portadores de doença infecto-contagiosa transmissível sexualmente, a visita íntima somente será permitida mediante a assinatura, por ambos os parceiros, de termo circunstanciado de responsabilidade contendo todas as informações pertinentes aos riscos de contágio venéreo pela prática do ato sexual sem cautelas de prevenção.

§ 1º No dia da visita íntima, a direção do estabelecimento prisional fornecerá, mediante contra-recibo, preservativos aos parceiros.

§ 2º A recusa à assinatura do termo circunstanciado, bem como do contra-recibo, por qualquer dos parceiros, implicará na inviabilidade da realização da visita.

§ 3º A Diretoria do Sistema Penitenciário Federal do Departamento Penitenciário Nacional poderá promover, no âmbito das dependências de suas unidades prisionais federais, campanhas informativas e programas de prevenção e orientação sobre doenças infecto-contagiosas transmissíveis sexualmente.

A reconhecida importância da atividade sexual para a saúde física e psíquica dos detentos, para que legitimamente possam ser considerados verdadeiros “reeducandos”, enquanto submetidos a práticas políticas e institucionais de recuperação para a vida além cárcere, expressa nas legislações até então apresentadas, contudo, não privam o encarcerado da suspensão ou restrição da visita íntima por tempo determinado.

É o que preconizam o parágrafo único do artigo 41 da LEP, acima transcrito, e o artigo 4º dessa portaria:

Art. 4º A visita íntima poderá ser suspensa ou restringida, por tempo determinado, quando:

I - do cometimento de falta disciplinar de natureza grave, apurada mediante processo administrativo disciplinar, que ensejar isolamento celular;

II - de ato do cônjuge ou companheiro (a) que causar problemas à administração do estabelecimento de ordem moral ou risco para a segurança ou disciplina;

III - da solicitação do preso.

§1º A visita íntima também poderá ser suspensa a título de sanção disciplinar, independentemente da natureza da falta, nos casos em que a infração estiver relacionada com o seu exercício.

§2º A suspensão da visita dar-se-á por ato motivado do diretor do estabelecimento prisional.

É na análise destes impedimentos apontados pela legislação nacional para a fruição da visita íntima que nasce a grande indagação em torno do tema: qual a natureza jurídico-legal deste tipo de visitação? Se considerado como direito do preso, ainda que limitado, seu leque de abrangência deve atingir todos os reclusos, sem distinção de gênero, orientação sexual ou idade; abraçado como benefício ou privilégio aos detentos enquadrados em determinados requisitos, sua suspensão ou mesmo omissão, em contrapartida, não implicará em abuso ou ilegalidade por parte da autoridade penitenciária, direcionando sua motivação pela conveniência e oportunidade. 

4.2 Direito ou Benefício?

Bastante interessante se faz a questão da visitação de natureza sexual sob o ponto de vista da legalidade. De um lado, a realidade do cumprimento de pena privativa de liberdade no Brasil elevando o costume e a prática de concessão de visitas sexuais ao status de verdadeira norma social. De outro, a omissão da LEP quanto à modalidade conjugal de visita elencada entre os direitos do preso. 

Apesar de separadas por uma tênue linha, a justificativa em favor da visita íntima ou a sua objeção não podem ser os únicos parâmetros para se trilhar o caminho em direção à definição de sua natureza jurídica. O que se deve ter em mente é que a simples inexistência de regulação expressa de lei não pode obstar o reconhecimento de um direito, se este situar sua razão de ser da interpretação sistêmica de normas e princípios que o informam. Apesar de não ser pacífico o entendimento sobre o assunto, esse parece ser o caso da visita íntima.

Sob o enfoque de ser a pena privativa de liberdade a principal faculdade que cabe ao órgão jurisdicional impor pela prática do ato antijurídico, não se situando no campo da legalidade a atribuição do castigo acessório da forçada abstinência sexual ou castidade, verdadeira mutilação psíquica e moral ao exercício da sexualidade e sua função erótica, a tendência legislativa moderna é a da permissão da visita íntima ou das saídas do recluso como soluções à gravíssima problemática sexual nas prisões em todo o mundo, como Chile, México, EUA (aplicação com certas reservas), Nicarágua, Venezuela, Argentina, Espanha, e na grande maioria das penitenciárias no Brasil.

Em conformidade com os dizeres de Bitencourt, na Espanha é o artigo 53 da Lei Geral Penitenciária que destaca a natureza jurídico-regulamentar dos chamados encontros íntimos. Na legislação desta nação a visitação conjugal é considerada um direito limitado do preso, cuja analise sistêmica do diploma legal afasta sua natureza de benefício ou recompensa, simplesmente por não estar elencada no dispositivo que regula os benefícios existentes na execução penal (art. 46). (BITENCOURT, 1993, p. 200)

No mesmo sentido é a legislação argentina, que ao regulamentar a execução da pena privativa de liberdade pela Lei nº. 24.660, considera a comunicação do interno com seus familiares, amigos e cônjuges, ou representantes de quaisquer instituições interessadas em sua reinserção social, um direito do internado com a finalidade de consolidação e fortalecimento familiar. É no artigo 52 da referida lei, que às modalidades de visita individual e familiar na condição de filho, irmão e padre coabitam com a visita de reunión conyugal, na pessoa do cónyuge, concubina o concubinario (art. 52, d).

Em via contrária, a legislação peruana oferece à visita íntima natureza diversa, vista como regalia no Código de Execução Penal do Peru, Decreto Legislativo nº. 330, de 06-03-1985, conforme a leitura de seu artigo 52:

Artigo 52 º. A visita íntima é um benefício concedido ao interno que tenha cumprido os requisitos exigidos pelo regulamento. Tem como objetivo principal a manutenção das relações do interno com o seu cônjuge ou, na sua ausência, a pessoa com a qual mantém vida conjugal permanente.

[...]

Art. 81º - A visita íntima será concedida ao interno processado ou condenado que satisfaça os seguintes requisitos:

a) ter concluído o período de observação;

b) ter um relatório médico favorável;

c) ter boa conduta, segundo relatório favorável de equipe técnica de tratamento;

d) não estar cumprindo uma sanção disciplinar.

Em qualquer caso, a visita íntima será realizada no âmbito das recomendações do planejamento familiar a ser determinada pelo médico do estabelecimento.

Em nosso país, por outro lado, tanto as Regras Mínimas para o Tratamento do Preso no Brasil, traçadas pela Resolução do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP) de número 14, datada de 11 de novembro de 1994, quanto a Lei de Execuções Penais não prevêem expressamente a visita íntima – conforme se viu anteriormente, apenas a visita social, sem finalidades sexuais, está regulada na LEP.

Contudo, se não há previsão legal de sua existência, não há a previsão de sua proibição, conforme se visualiza nas garantias fundamentais do cidadão de ser tratado de forma isonômica e igualitária – posto que todos são iguais perante a lei, sem distinção alguma –, e de não estar obrigado ao cumprimento ou não-cumprimento de algo, senão resultante de lei (Art. 5º, caput e incisos I e II, CF 88).

E, assim, é essa falta de previsão legal para o instituto, e os efeitos jurídico-sociais que acarreta, a peculiaridade que necessariamente fundamenta as análises e interpretações legislativas e doutrinárias sobre a natureza jurídica que alcança a visita íntima no ordenamento pátrio.

Em qualquer das hipóteses, nítido se reconhece que, a par das limitações peculiares à sanção penal, o internado mantém a condição de sujeito detentor de direitos e deveres enquanto ser humano e cidadão, mesmo talhados os seus direitos políticos em virtude apenas da incompatibilidade, pela sua natureza, com o cárcere[7]. Assim, não abrangidos pela sentença penal, os direitos podem ser gozados de forma plena pelo condenado, de forma a garantir sua dignidade e personalidade ao tempo da execução da pena. É o que ocorre com o direito ao exercício da sexualidade, não englobado pelos efeitos mediatos ou imediatos da sentença penal.

Consoante se faz, aqui, a exposição de Hans-Dieter Schwind ao proferir, em Brasília-DF, a palestra O sistema penal e de execução penal alemão (1996). Para ele, privar o detento de seus encontros íntimos é uma subversão aos princípios constitucionais segundo os quais se individualiza a pena e responsabiliza-se estritamente a pessoa do condenado. No momento em que se amplia a punição ao cônjuge ou companheiro (a), impedindo a intimidade e o aprofundamento das relações de aproximação com o outrem, submetido à pena privativa de liberdade, além de a proibição recriar novos tipos penais ou tornar ainda mais cruéis as formas de execução existentes, ela acaba por atingir desnecessariamente a família do preso.

Numa mudança de valores e de finalidades, subverte-se, assim, o papel do próprio Estado, nascedouro da promoção do bem-comum e do bem-estar de toda a população, inclusive a carcerária, e a quem cabe a capacitação para a vida pós-pena, reintegrando e mesmo “repatriando” aqueles que vivem à margem da normalidade social, verte a sua própria violação.

Sob o ponto de vista formal, há que se levantar ainda a possibilidade de interpretação extensiva do artigo 41 da LEP, que aglomera os direitos do preso, entre eles a visitação regular ou normal, tendo em vista que essa própria lei assegura a vigência da codificação processual penal durante o processo de execução, aquela admitindo a interpretação extensiva (art. 3º, CPP), desde que se dê em benefício do detento, não implicando em obstrução de direitos a ele inerentes ou na agravação de seu constrangimento punitivo.

Pedro Armando Egydio de Carvalho contribui satisfatoriamente para esta fundamentação, ao conceber o exercício da sexualidade como peculiar e inerente ao ser humano e sua dignidade, ele advoga que a natureza, o grau de intimidade, o segredo e mistério que unem corpo e alma de cônjuges e companheiros não podem ser substituídos pelo encontro de afeto entre o detento, seus amigos e familiares, nem tão pouco valorado de modo desproporcional a ponto de reprimi-lo. Continua o autor, alegando a indistinção do legislador quanto ao tipo regular ou íntimo de visita contemplado pela LEP, de forma que não cabe ao intérprete a livre escolha entre ambas para concretização da disposição, cujo rótulo de regalia que paira sobre o tipo relegado consagraria o hoje já rechaçado princípio da sistemática restritiva de direitos de quem cumpre a sanção penal em relação ao Estado que o submete. (CARVALHO, 1996, p. 3)

Em sentido contrário, a explanação em objeção às visitas íntimas no plano da técnica-administrativa e do objeto da aplicação da sanção penal da Procuradora Regional da República / 3ª Região, Maria Iraneide Faccini e sua posição “inquisitiva” da visita sexual.

Segundo ela, não fora por deficiência na forma ou na técnica que o legislador da Lei de Execução Penal, por si só, dotada de avanços de cunho progressista e liberal, deixou de regular a visita conjugal como direito do preso, posto que a própria natureza da privação de liberdade incompatibiliza-se com a manutenção da continuidade da coabitação e do relacionamento amoroso-sexual, prejudicado de forma necessária pela separação do casal. Alega ainda a não-violação ao princípio da pessoalidade da pena pelo fato de que o rompimento do relacionamento sexual tem origem em causa justa e legal que é a segregação motivada pela prática consciente de um ato criminoso. Assim, o objetivo de ressocialização da pena se daria evitando-se o completo isolamento e a sensação de abandono pela conversa e pelo vínculo afetivo das visitas de caráter não sexual. (FACCINI apud ASSIS, 2007, p. 169)

Paulo H. Cremoneze vai além. Em suas críticas à infestação de criminosos no Brasil, segundo ele causada por uma crise de valores e não por injustiças sociais e desequilíbrios econômicos, recomenda a adoção de algumas práticas para a melhoria das políticas de segurança pública, promoção da justiça e combate à criminalidade pela aplicação da teoria da guerra justa, entre elas a vedação ao “benefício” à visita íntima, desqualificando-o:

Por meio de legislação ordinária, sejam literalmente suprimidos todos os benefícios hoje concedidos aos prisioneiros em geral ou, pelos menos, os marcados com o signo de alta periculosidade, de tal forma que eles não possam mais progredir de regime, não tenham qualquer possibilidade de verem suas penas diminuídas, não possam ser contemplados com indultos, concessões, liberdades premiadas e pontuais e, ainda, sensivelmente restringida a quantidade de visitas a uma a cada três meses, sendo vedada a imoralidade e a indecência da chamada visita íntima, figura que existe praticamente no Brasil e que, comprovadamente, é utilizada como meio de corrupção e prática de crimes, tráfico de drogas, dinheiro, aparelhos de telefonia celular, armas de pequeno porte, notícias e planos entre criminosos presos e em liberdade, além de serviços de prostituição envolvendo presos e as mulheres dos próprios presos[8].

Salutar nesse momento, apesar de não ser do foco desse trabalho o aprofundamento dos estudos acerca das causas motivadoras de delitos, bem como a criminalidade feminina em especial, trazer, mesmo que de forma sucinta, o debate sobre o perfil dos sujeitos dos crimes cometidos quando da entrada aos estabelecimentos prisionais e as motivações para a sua prática, tendo em vista que em grande parte das vezes são utilizadas para a defesa de teses que se opõem ao exercício regular das visitas íntimas, como o faz Cremoneze.

O que se deve ter em mente antes de cogitar pela “falência” do instituto da visitação de natureza conjugal, assim como se faz com a própria pena privativa de liberdade na atualidade, é a necessidade de certo cuidado ao radicalizar ou transformar fatos isolados em verdades absolutas.

No caso do crime de tráfico ilícito de drogas cometido durante a realização da visita íntima pelas esposas ou companheiras – a elas não restrito, já que as relações de parentesco ou outros vínculos afetivos de mulheres com os reclusos, ascendência e descendência, por exemplo, são causas de grande parte dos delitos assim tipificados –, tem-se verificado nítido reflexo do perfil da própria população carcerária brasileira. Em sua maioria, mulheres jovens entre 18 e 30 anos, pertencentes aos estamentos sociais mais baixos, e, portanto, desprovidas de recursos materiais para o financiamento de sua própria subsistência e a de sua família, além de formação escolar elementar – quando presente –, e que à época do delito estavam desempregadas ou subempregadas. Via de regra, as mulheres condenadas por essa modalidade de tráfico são primárias e possuidoras de bons antecedentes criminais.

De acordo com Josie Diógenes, enfrentando inúmeras dificuldades financeiras e imersas em condições de exclusão e de miséria, algumas mulheres, buscando receber uma remuneração, arriscam a liberdade e se submetem a adentrar em estabelecimentos penitenciários portando drogas. Outras infringem a ordem jurídico-legal estabelecida para defender parentes ou amigos reclusos com o intuito de cooperar, por conhecer-lhe a condição de dependente químico, de traficante ou de presidiário que contraiu dívidas. Em alguns casos, o amor constitui o próprio ópio da criminalidade.[9]

De se ver com a análise dos dados apresentados, que a potencialidade criminalizante da visita íntima quanto às práticas de tráfico ilícito de entorpecentes, podendo se estender para a problemática da prostituição dentro do cárcere, está mais intimamente ligada às condições de vida degradante fora da prisão ou por ela causadas quando da internação dos provedores de milhares de famílias. Desta forma, a problemática aqui elencada tem como causas fatores que transcendem o exercício do direito à sexualidade do preso, associando-se a questões ainda mais profundas a atestar verdadeira falência da pena de prisão. A argumentação e as inferências acerca desta grave realidade não acabam e nem devem acabar por aqui, ensejando a ampliação do debate, transcendendo a humilde pretensão deste trabalho.

No elo da concepção das visitas sexuais enquanto simples benefícios do recluso, ainda se ergue o pensamento jurisprudencial:

O benefício das visitas livres, que a lei prevê e insere como um dos elos da humanização da pena, não constitui direito absoluto do reeducando, mas estrita faculdade outorgada ao magistrado, exigente de simultaneidade de componentes objetivos e subjetivos, estes vinculados ao poder discricionário e prudente do juiz. Consequentemente, a denegação fundamentada na sede exclusiva da atividade in judicando não pode ser acoimada de ilegal. (STF, RT 595/335)

De outro lado, em acórdãos proferidos nos Sistemas Judiciários Estaduais mais avançados do Brasil, verifica-se o instituto da visita abraçado como direito do reeducando, conforme transcrição de alguns de seus trechos:

Não há qualquer dúvida quanto ao direito do preso em receber visita íntima, ocorre entretanto que no caso concreto é necessário resguardar , com prioridade absoluta, a adolescente. (RIO GRANDE DO SUL, Tribunal de Justiça, AGEXP. 70.016.637.860, Relator: Des. Manuel José Martinez Lucas, 2006). (sem grifo no original)

A alegação de que Carine tem apenas 16 anos, por si só, não constitui óbice ao deferimento do pedido, modo especial se convive há mais de dois anos com o recorrente e espera um filho, situação, por certo, socialmente indesejável, mas consolidada. A partir daí, parece-me que mais danoso seria para o casal obstaculizar a visita íntima, direito consagrado e não atingido pela sentença condenatória ou pela prisão cautelar. (RIO GRANDE DO SUL, Tribunal de Justiça, AGEXP. 70.007.750.821, Relator: Des. Marco Antônio Bandeira Scapini, 2004). (sem grifo no original)

De outro lado, não se pode ignorar a existência do relacionamento marital existente entre a adolescente e o detento, declarado por esta, por ato suficiente (declaração com testemunhas – fls. 17), sendo confirmado pela sua genitora. Tal relacionamento, por si só, demonstra que as visitas poderão contribuir para a formação moral do detento, cuja situação, porventura, demonstrado o contrário, poderá ser modificada. (SÃO PAULO, Tribunal de Justiça, AGEXP. 1.113.285-3/1, Relator: Des. Machado de Andrade, 2007). (sem grifo no original)

Adotando-se o posicionamento favorável à visita íntima como direito do recluso, tramitaram no Congresso os Projetos de Lei nº. 107 / 1999, de autoria da Deputada Maria Elvira, e nº. 9 / 2003, da Deputada Iara Bernardi, ambos elevando ao status de lei expressa a visita íntima por meio da ampliação do artigo 41 da LEP. O primeiro incluía o inciso XI, dispondo exclusivamente do direito à visita de natureza íntima, justificando-se pelos potenciais danos ao ser humano causados pela abstinência sexual, como aumento da incidência de práticas agressivas e violentas no interior do cárcere, distúrbios psíquicos e homossexualismo forçado. Após seu desarquivamento em 2007 e a abertura de prazo para emendas no ano seguinte, atualmente permanece em tramitação com outros projetos em apenso.

É o momento da publicação da Resolução nº 1, de 30 de março de 1999, do CNPCP, assegurando o direito à visita íntima nos estabelecimentos prisionais, sem qualquer distinção sexual. Em conformidade com a legislação, assegurava-se a permissão no período mínimo de uma vez ao mês, realizada a visita íntima com as devidas garantias de privacidade e inviolabilidade, sendo vedada a própria proibição das visitas íntimas como sanção disciplinar, salvo quando relacionada com seu exercício (art. 4º). Sobre o modo como devem ocorrer tais visitas, é a portaria do Depen de nº. 122 / 2007 a responsável pelas suas diretrizes essenciais.

Talvez pelas mesmas causas que deram fim à pretensão exposta no Projeto de Lei de 2003 – arquivado em 2008 –, que se diferencia daquela pela sua expressa especificação da abrangência dos sujeitos do direito, no que ela se omite, desaguando ambos, entretanto, no mesmo mar de preconceitos, a Resolução não ensejou a ampliação expressa na LEP. Segundo o voto do relator, o Deputado José Divino, viabilizar aos presos homossexuais o recebimento de visitas de natureza íntima atentaria contra a própria moralidade exigida pela Administração Pública, não se podendo permitir a transformação de seus órgãos em “antro de perversão sexual e prostituição”. Num total apego ao caráter retributivo da pena, conclui pela não competência do Estado para a resolução do problema sexual de sua população, cabendo-lhe apenas a privação da liberdade.

Não se adentrando ao caráter nitidamente emotivo da argumentação do parlamentar e as concepções político-religiosas que a informam, salutar se faz trazer à tona o debate também não pacificado que se realiza entre os próprios detentores deste direito ou benefício.

Na esteira destas concepções, Bittencourt aponta, além do aspecto discriminatório da prática ante os reclusos solteiros, a quem não se concede o benefício da visita íntima, podendo gerar ressentimentos e indisposições tanto para com os que mantêm relacionamento estável e, portanto, o “privilégio”, como para com as próprias autoridades penitenciárias; a manifestação contrária a este tipo de visitação por parte dos próprios internos, com base em pesquisas realizadas na prisão de Carabanchel:

Os jovens solteiros inclinavam-se pela utilização da visita íntima, desde que ocorresse com um mínimo de dignidade. A maioria, contudo, não as aceitava com as suas namoradas ou suas esposas, pela humilhação que representava para elas, ir à prisão não para ficar um momento com seus maridos ou companheiros, mas unicamente para manter relação sexual com eles, como se o sexo fosse somente uma satisfação mecânica de um impulso físico, desprovido de um indispensável conteúdo afetivo. (HOPPER apud BITENCOURT, 1993, p. 198-199)

Da análise da experiência de Hopper, o autor levanta algumas recomendações sobre as condições em que os encontros dessa natureza deveriam ocorrer para se aproximar de um ideal familiar. Num espaço simples, separado dos blocos prisionais, específico para a visitação e com aparência normal de uma residência (venustérios), poderia ser então criado um ambiente agradável que atingiria seu clímax afetivo com a intimidade de comunicação alma-corpo estabelecida com a conjunção carnal entre os cônjuges ou companheiros. (BITENCOURT, 1993, p. 197-198)

O respeito e o cuidado dos detentos com as visitantes são levantados por Drauzio Varella, de modo a rebater a exposição de Hopper com suas próprias experiências na antiga Casa de Detenção de São Paulo:

Quem nunca entrou no presídio imagina que os mais fortes tomem as mulheres dos mais fracos num corredor como esse, cheio de malandros encostados na parede. Ledo engano. O ambiente é mais respeitoso do que pensionato de freira. Quando um casal passa, todos abaixam a cabeça. Não basta desviar o olhar, é preciso curvar o pescoço. Ninguém ousa desobedecer a esta regra de “procedimento”, seja a mulher esposa, noiva ou prostituta. [...] As visitantes sentem-se protegidas no ambiente. Ao retirar os carcereiros do interior dos pavilhões, a direção sabiamente entregou a administração das visitas aos únicos capazes de garantir segurança total. O homem preso tem pavor de perder a mulher amada. Sem chance, ladrão escolado, fala da esperteza do “Ricardão”, nome atribuído ao amante da mulher de quem está na cadeia:

– Se na visita não tiver respeito, doutor, elas vão ficar com medo de voltar, onde que uma conta para outra algum fato lastimável sucedido e, daqui a pouco, entra ela: eu não vou mais lá! Se você não vai, eu também não, é perigoso! Pronto, ói nós aqui no maior veneno e elas curtindo lá fora, que Ricardão é o que mais tem, pronto pra dar o bote traiçoeiro na fragilidade da mulher solitária. É sem chance. (VARELLA, 2000, p. 61-63) (sem grifo no original)

 o que mais tem, pronto pra dar o bote traiçoeiro na fragilidade da mulher solitidas no ambiente. ao andros encostados na parec

Oliveira, por seu turno, em abordagem a detento da Penitenciária de Florianópolis-SC, corrobora com a explanação de Varella, ao transcrever o seguinte comentário:

É importante saber sentir-se à vontade com a esposa. Algumas horas, ter um relacionamento sexual. A pessoa fica como um animal enjaulado... vai esquecer um monte de coisas na cabeça. Fica mais valorizado, mais confortado. Uma vida mais normal e humana. (OLIVEIRA apud LEAL, 2000)

De ver-se que as manifestações contrárias a sua incidência como direito pertencente ao preso tem por base argumentativa uma visão que normaliza o agravamento do sofrimento que o é a prisão em si mesma, justificando sua vedação como atributo do castigo da pena, posicionamento de caráter nitidamente retributivo, e, por assim dizer, contrário à moderna sistemática integradora e recuperadora do delinqüente, ou quando não, embasadas na realidade carcerária e na problemática dos sistemas prisionais da atualidade, de nítida ineficiência ressocializadora, cuja solução está na reforma ou no aniquilamento das penas privativas de liberdade, adota-se, aqui, a tendência doutrinária moderna, considerando a visita íntima como direito, ainda que limitado, do preso.

Sobre os resultados práticos da permissão das visitas sexuais para a saúde psíquica dos detentos e adequação a princípios constitucionais, as palavras de José Roberto Antonini:

O resultado foi muito melhor que o esperado. Caiu intensamente o índice de violência sexual nos presídios e arrefeceu-se a tensão emocional dos presos deixando de ocorrer o fato, este sim degradante, de os detentos terem relação com suas mulheres em pleno pátio, por ocasião das visitas comuns, dentro de círculo humano formado por outros presos para ocultar a cena às vistas grossas dos vigilantes, acontecimento então corriqueiro na Casa de Detenção de São Paulo. Demais, protegeu-se assim a difícil subsistência da relação afetiva do sentenciado com o seu cônjuge, ao mesmo tempo em que se atendeu quanto a este o princípio da pessoalidade da sanção criminal (art. 5º, XLV, da CF). (ANTONINI apud MIRABETE, 2000, p. 121) 

Nesta seara de idéias, muito se avançou em defesa dos direitos humanos para defesa do encarcerado, que, quando não garantidos, transformam ofensores em vítimas e crimes em justificações para outros tantos. Contudo, muito ainda deve ser inovado para que vítimas históricas dos sistemas sociais e políticos não sejam novamente marginalizadas nos cárceres e permaneçam cada vez mais distas de receber a “visita” destas justas conquistas.

4.3 A intimidade da visita nos estabelecimentos penais femininos

O co-réu inicial SILVIO, ao ser interrogado em Juízo, fls. 259, afirmou que pagava para a apelante com o fim de poder efetivar “visita íntima” a sua amásia que se encontrava presa. [...] A própria detenta Débora relatou como foi procurada pela apelante e após um pedido inicial de R$ 50,00, foi fixado o preço final de R$ 30,00. Confirmou que os encontros se realizavam. [...] ANA PAULA, fls. 341, que estava presa nessa época naquele local, descreveu como com a chegada de SILVIO se dava um tratamento diferenciado para DÉBORA, que era levada para outras dependências. Isso se dava nos plantões da apelante. (SÃO PAULO, Tribunal de Justiça, Ap. 1.104.753-3/7-00, Relator: Des. Ruy Alberto Leme Cavalheiro, 2008).

Da leitura de parte do relatório em acórdão proferido pelo TJSP acima transcrito, em que se discute fato ocorrido em presídio feminino da Comarca de Olímpia, interior do Estado, pode-se visualizar no caso concreto situação discriminante para com as detentas no que concerne às políticas de visitação conjugal de muitos estados brasileiros. Uma violação, pela tendência de recebimento livre por parte dos internados do sexo oposto, que pode levar a outras tantas, conforme contenda objeto da apelação criminal a mover o órgão jurisdicional colegiado citado.

Analisar a desproporcionalidade na abrangência e na forma de aplicação do instituto da visita íntima para homens e mulheres apenados com a privação de sua liberdade de ir e vir torna nítido o fato de que a superveniência de uma regulação específica para esta modalidade de visita pode mesmo potencializar a isonomia no tratamento do preso com base no sexo.

Em termos práticos, quando da visita da Human Rights Watch aos estabelecimentos penais brasileiros no entremeio 1997 / 1998, resultando nos famosos relatórios de O Brasil Atrás das Grades, constatou-se a permissão da visita íntima às detentas em poucas unidades prisionais do país, e mesmo quando concedida, observando uma série de requisitos cuja análise prescinde-se na aplicação aos detentos das mesmas regiões.

Segundo o relatório, a concessão era instituída com ressalvas na Casa de Recuperação Feminina Bom Pastor de João Pessoa-PB (prática coincidentemente adotada na semana anterior à visita desta organização), cujas restrições impostas para se evitar a “promiscuidade” acabava por conceder o direito a apenas 5 dentre as 65 detentas; na Penitenciária Feminina Madre Pelletier em Porto Alegre-RS, que além de boa conduta, relacionamento estável com um homem e realização de série de exames médicos para doenças sexualmente transmissíveis, o casal era submetido a entrevista com assistentes sociais, o instituto contemplava 9 entre as 146 detentas; em Manaus-AM, 6 dentre 68 detentas recebiam visitas íntimas, e apenas no pavilhão feminino na Penitenciária Central João Alves em Natal-RN, praticamente todas as detentas podiam receber visitas conjugais. (HUMAN HIGHTS WATCH, 1998)

As experiências deste organismo internacional relatam apenas a existência de projeto para a instituição das visitas sexuais na Penitenciária Feminina de São Paulo, o que só viria a ser implantado em dezembro de 2001, com a publicação da resolução nº. 96 da Secretaria das Administrações Prisionais, prescrevendo a igualdade de gênero consagrada na Carta Magna de 1998. 

Ainda nos relatos do Human Hights Watch (1998), apenas na jurisdição do Distrito Federal, as solicitações de visitas íntimas efetuadas por detentos e detentas eram reguladas pelas mesmas normas, restrita a sua concessão aos cônjuges ou companheiros estáveis após teste para HIV e demais doenças venéreas. O Rio de Janeiro também é citado como possuidor de normas isonômicas paras internados de ambos os sexos.

No Tocantins, por sua vez, simultaneamente ao avanço nos instrumentos de combate à criminalidade com ênfase na oportunidade de ressocialização do apenado, por sê-la a finalidade da pena, consoante as palavras do então Secretário de Segurança Pública, Júlio Resplande, – como a inauguração do Presídio de Segurança Máxima de Araguaína, primeiro da região Norte do Brasil, em 27 de janeiro de 2005, em que se atendendo às premissas legais do Depen focadas na ressocialização do detento, assegurou-se espaço para visitas fora da área de carceragem e para visitas íntimas que têm por objetivo não desagregar a família. Nas cadeias públicas femininas do Estado não existem locais específicos para a visita comum, nem permissivos legal ou regulamentar para visita íntima, como atesta o Relatório de Inspeção dos Estabelecimentos Penais do Estado de Tocantins, realizado em 15 de setembro de 2006, do CNPCP. [10]

 A diferença no tratamento de homens e mulheres quanto à concessão de visitas íntimas atenta tanto contra a Resolução nº. 1/99 do Depen e sua recomendação aos Departamentos Penitenciários Estaduais para garantia deste direito aos reclusos de ambos os sexos, como contra os acordos internacionais ratificados pelo Estado brasileiro que combatem discriminações com base no sexo.

Assim, é que o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e a Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, ambos ratificados pelo Estado brasileiro, podem ser proclamados contra os atos das autoridades penitenciária ou judicial que tradicionalmente recusam o recebimento de visitas íntimas a detentas. São, portanto, inegáveis armas para o exercício dos direitos da pessoa humana. (HUMAN RIGHTS WATCH, 1998)

Mas o problema da vedação às visitas íntimas para as mulheres transcende o plano legal, o que pode ser atestado com o comportamento das próprias detentas, que após tantas queixas e reivindicações na batalha por um direito real e já quase consagrado abstratamente pela legislação para os reclusos do sexo oposto, demonstram um comportamento contraditório, poucas aderindo às solicitações para realização da visita quando permitidas, de modo que elas reforçam no confinamento os significados das relações interpessoais da sociedade em geral, estigmatizando o papel do feminino quanto ao sexo e o exercício da sexualidade, trazendo ao debate o estereótipo da mulher permeado de verdadeira “menos-valia”. 

Em outras palavras, o modelo sociocultural coletivo, introjetado na mulher permanece, e quando não, se reproduz, no lócus do isolamento, e outros estereótipos passam também a existir, como resultado do próprio ato criminoso, tanto para a ordem jurídico-legal como para a ordem moral, já que a mulher viola seu papel histórico de mãe amorosa e dedicada companheira, de pertença ao espaço doméstico-familiar, e não ao prisional.

É o que constata Márcia Lima, ao pesquisar os significados da visita íntima para a mulher submetida à pena privativa de liberdade na Penitenciária Feminina da Capital de São Paulo (PFC):

Foram Consultados 665 prontuários das mulheres da PFC, das quais são bastante jovens, da raça branca e de baixa escolaridade. Referem ser solteiras e não ter companheiro. A maioria das mulheres está envolvida nos delitos referentes a entorpecentes como também os de roubo e extorsão. Somente 2,6% (17), referiram nos prontuários, ter o desejo em inscrever o parceiro para a visita íntima. Também foram realizados dois grupos focais, um com mulheres que optaram pela visita íntima e outro com as que não optaram. Não obstante relatos de constrangimento e humilhação, no contexto da visita íntima, os significados da mesma para a mulher da PFC são modelados pelo interesse na manutenção da conjugalidade, pela necessidade de satisfazer o parceiro ou como modo de afirmar a liberdade sexual através da recusa à visita íntima. (LIMA, 2006, p. 5) (sem grifos no original)

Essa baixa adesão reflete ainda o fato de que a opção ou não pela visita íntima, quando permitida legal ou institucionalmente, mantém essa histórica desigualdade de gêneros e também a opera dentro do próprio gênero feminino, já que o valor atribuído ao matrimônio e à conjugalidade para a mulher presa é superior ao daquela que se encontra livre, de forma que apenas com a comprovação de vínculo conjugal é que pode ela exercer “dignamente” sua sexualidade, imperativo bem mais flexível no caso do preso masculino[11].

Fator imprescindível a culminar nesta ausência de especificidades do feminino nas codificações jurídicas é a adoção do parâmetro masculino do ser humano.

É o que revelam os estudos de Buglione sobre “A mulher enquanto metáfora do direito penal”. Segundo ela, as normas penais, a sua execução e as formas de controle foram estruturadas a partir de perspectivas masculinas. Assim, a igualdade estrutural reflete diferenças sobre aspectos relacionados à vida prisional de homens e mulheres, evidenciando-se a opressão de gênero, essencialmente, em relação à sexualidade. (BUGLIONE apud LIMA, 2006, p. 11)

Entretanto, não se pode justificar esta incriminação da natureza feminina pela redução do exercício da sexualidade ao ato sexual biológico, em que o “macho” carece mais das relações sexuais que a “fêmea”, acalmando-o e evitando rebeliões e práticas violentas, ainda mais sendo ela a detentora dos fins de procriação, gerando vidas no espaço prisional, historicamente a ela não pertencente. 

Aqui, importante ressaltar que mesmo a possibilidade de gravidez das detentas resultante das relações sexuais durante as visitas não lhe retira o caráter de discriminação, por sê-la condição inerente e indissociável à mulher. O Brasil Atrás das Grades exemplifica, através de normas internacionais de direitos humanos, como a questão da discriminação com base na gravidez pode ser considerada forma de discriminação sexual:

O Comitê de Especialistas da Organização Internacional do Trabalho (OIT) interpretou a Convenção 111 da OIT sobre a Descriminação com Relação a Emprego e Ocupação, que proíbe a discriminação com base no sexo, no sentido de proibir a discriminação com base na gravidez. Conditions of Work Digest, Volume 13 (Genebra: International Labor Office, 1994), p. 24. De forma semelhante, em um caso de 1991, a Corte Européia de Justiça (CEJ) decidiu que a descriminação com base na gravidez constitui uma discriminação sexual intolerável. A CEJ decidiu contra uma empresa holandesa que se recusava a admitir uma mulher porque ela estava grávida, concluindo que "só as mulheres podem ter seu acesso ao emprego negado por razões de gravidez, e essa negação constitui, portanto discriminação direta baseada no sexo." Caso C-177/88, Dekker v. Stichting Vormingscentrum voor Jong Volwassenen (VJV-Centrum) Plus, 1990 E.C.R.3941. Embora as decisões da CEJ não sejam legalmente constringentes no Brasil, tais decisões constituem argumentos persuasivos no sentido de considerar a discriminação com base na gravidez como uma forma de discriminação sexual. (HUMAN RIGHTS WATCH, 1998)

De todo o exposto, entende-se que dar ao instituto da visita íntima uma natureza ainda mais compensatória e afastada de seu ideal de direito quando aplicada ao gênero feminino é desconhecer a progressão da criminalidade feminina – que antes atingia quatro pontos percentuais no total da população carcerária no Brasil e hoje atinge 6,3% –, como resultante da ampliação da própria participação da mulher em sociedade, refletindo-se na tendência de equiparação dos delitos por elas cometidos aos do gênero masculino[12].

Além dessa realidade de evidente “equiparação” social entre homens e mulheres no além cárcere, devendo irradiar influências nos direitos isonômicos dentro dele, fechar os olhos para o problema da sexualidade da mulher presa, talhando-lhe alternativas como a visita íntima, é transformar o poder-dever do Estado e seus instrumentos ressocializadores em verdadeiras armas para sua manutenção, acentuando o isolamento, a solidão e a dependência, que lhe rompem o instinto sexual[13], já destacados socialmente pela dificuldade histórica em se lidar com a sexualidade da mulher, livre ou encarcerada.

Nada mais justo, portanto, que finalizar esta parte da longa caminhada em direção ao tratamento humanizado e digno da população carcerária dando vez e voz à mulher nesta condição:   

Eu acho que ser mulher presa é bem assim:mesmo que eu pague minha pena vai ser assim, por exemplo: – você vai ao supermercado você paga o seu feijão, você paga para a pessoa, o que vai fazer com o feijão não importa, você pagou, é seu... Eu paguei a minha pena, mas eu não vou pagar uma vez só, eu vou tá sempre pagando, porque a sociedade vai tá sempre me cobrando... Então, não adianta eu tá só pagando aqui dentro, não adianta eu pagar os anos que se perde aqui dentro... Nós mulheres presas vamos estar sempre pagando... Nós vamos sempre ser mulheres presas!

Participante de grupo focal de mulheres que não optaram pela visita íntima na PFC-SP (LIMA, 2006, p. 83)

4.4 Homossexualismo e Visita Íntima

Enquanto os ativistas gays de Portugal já comemoram mais uma vitória em prol da causa, com a chegada na Assembléia da República de lei regulamentando o direito dos reclusos homossexuais à visita íntima nas prisões daquele país, a questão ainda gera muita polêmica no Novo Continente.

Segundo Mirabete (2000, p. 121), o entendimento majoritário na doutrina e jurisprudência brasileiras é o da vedação à visita íntima de caráter homossexual, com o fim de preservação da ordem e dos bons costumes. Contudo, ela já está sendo admitida, com razão, em estabelecimentos prisionais do Estado de Pernambuco, estando ali condicionada a exame médico prévio e cadastro regular do (a) visitante.

Hoje, a medida já vem sendo adotada em outras unidades da Federação, como Alagoas e Bahia, e sendo aplicada ao caso concreto em grande parte dos casos em que se movimenta o Judiciário a fim de sua obtenção. A Penitenciária Lemos Brito, em Salvador-BA, é um dos exemplos de estabelecimentos penais que permitem a visita íntima de parceiros aos condenados homossexuais que ali cumprem pena. Os detentos gays têm direito à visitação de natureza sexual no mesmo dia destinado aos casais heterossexuais. Para que seja efetivada a aplicação de seu direito, os presos devem solicitar formalmente o cadastro de seu parceiro junto à diretoria da penitenciária, que então a encaminhará ao Serviço Social para comprovação da relação afetiva entre eles, do que a esta se seguirá a autorização. (WIECZOREK, 2000, p. 24)

No mesmo sentido é a permissão no Estado de Alagoas, que após determinação de órgão jurisdicional competente concedeu esse direito sem a necessidade prévia de solicitação por meio de representante legal, abraçando todas as penitenciárias do território alagoano, a partir de outubro de 2007. O magistrado Marcelo Tadeu de Oliveira justificou sua decisão por sê-la a visita íntima para o detento homossexual um direito legal, acatada pelo próprio MP. Na decisão, recomendou ainda o estabelecimento de medidas de segurança para o recebimento de visitas sexuais por estes presos e a realização de palestras para o combate à discriminação entre os “vizinhos” no cárcere. (AGÊNCIA FOLHA, 1º out. 2007)

Segundo matéria publicada no Jornal O Estado de São Paulo, a primeira visita íntima concedida a um casal homossexual teria ocorrido quatro anos antes, em Aracajú-SE, mediante autorização do então Secretário de Justiça e Cidadania de Sergipe, Emanuel Messias Oliveira Cacho, resultando em repercussão nacional. A visita entre um ex-detento e presidiário que se entrelaçaram afetivamente durante a privação de liberdade, durou cerca de sete horas e aconteceu na enfermaria de um complexo penitenciário. Para a concessão, foram necessários manifestação favorável da Defensoria do Estado, pleiteando o permissivo junto à Vara de Execuções Criminais e à Secretaria de Estado da Justiça e Cidadania, bem como a participação da OAB regional e da Associação dos Travestis de Aracajú. A par de posições contrárias, como a do próprio diretor do presídio onde ocorreu a visita, a autorização teve como fundamento o direito civil à união e uma resolução do CNPCP, de 2002. (ESTADO DE SÃO PAULO, 12 dez. 2004)

Para as lésbicas, a história nos mostra que, mesmo enfrentando duplamente o preconceito ante ao direito às visitas de natureza sexual, por carregar o selo de mulher e homossexual, batalhas estão sendo ganhas, dia após-dia.

Atualmente, o eixo Rio - São Paulo também se encontra interligado pela similitude nas políticas de tratamento penal que envolvem mulheres homossexuais submetidas à prisão privativa de liberdade em seus territórios. Em Talavera Bruce – RJ, por exemplo, parceria entre programa de combate à homofobia e a administração penitenciária do Estado está garantindo a lésbicas e travestis o respeito à identidade feminina, com a permissão de tratamento com hormônios, desobrigação de raspar os cabelos e recebimento de visitas íntimas. Em São Paulo, por sua vez, já se garantiu no Judiciário, de forma unânime, a realização de visita íntima entre interna e sua companheira, que mesmo portando certificado de união estável, era proibida de adentrar ao Centro de Ressocialização Feminino do Estado por não ser da família.

Esse estabelecimento foi o primeiro a possibilitar visitas de natureza homossexual para mulheres presas, em abril de 2006, por iniciativa do Grupo de Apoio aos Doentes de Aids (GADA), mostrando desde seu início rigorosidade historicamente não encontrada durante a aplicação nos presídios masculinos, entre as quais avaliação de critérios socioafetivos e carteira de vacinação atualizada, especialmente para doenças transmissíveis. (AGÊNCIA ESTADO, 27 abr. 2006)

4.5 A visita íntima e o menor infrator

Se à primeira vista, a análise do direito à visita intima do menor nos estabelecimentos públicos parece desviar o foco essencial dessa pesquisa ao transcender a temática da pena privativa de liberdade, vale ressaltar que as medidas de proteção integral aplicáveis ao menor infrator apresentam o mesmo caráter de retribuição ao mal causado e prevenção que visa fundamentalmente a sua reinserção na sociedade. Essa natureza ressocializadora primordial da medida de segurança, bem como o interesse social e legal de regulação do direito à visita íntima a quem a ela se submete, são de importância ímpar para a demonstração da estreita relação existente entre o exercício do direito à sexualidade e a preparação eficaz para a vida livre.

Sobre o tema, é o Projeto de Lei nº. 1.627 / 2007, de autoria do Poder Executivo, recentemente chegado à Câmara dos Deputados para votação, o responsável por uma verdadeira polêmica entre defensores e opositores das visitações de natureza conjugal.

O projeto, que dispõe sobre os sistemas de atendimento socioeducativo, regulamenta a execução das medidas impostas ao adolescente infrator e altera dispositivos do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (Lei nº. 8.069/90), entre outras providências, prevê o direito à visita íntima para o jovem internado que mantenha união estável ou seja casado, neste ponto levantando divergências entre os pensamentos que apóiam a transcendência do direito aos menores infratores e os que a rechaçam sob a alegação de prejudicialidade e desnecessidade de sua aplicação. 

Assim como o é a aplicação da visita íntima em nossos estabelecimentos prisionais, com variações na forma de aplicação e disciplinamento do instituto de acordo com a unidade federativa, no Brasil inexiste paradigma exato de gestão e efetivação das medidas socioeducativas. Em alguns Estados, é possível sua prática no local de internação do adolescente ou jovem que comete ato infracional. Contudo, a aprovação do projeto estabelecerá a transformação da visita íntima em direito a ser obrigatoriamente aplicado em todos os centros de internação do país.

Em seu dispositivo de número 24, o texto do referido projeto de lei regula o direito à visita íntima, assegurando sua realização em escala de turnos e de forma individual. De modo prévio à autorização, deverão ser avaliados os laços afetivos entre os cônjuges ou companheiros, por meio de levantamento psicossocial – como acontecem nos presídios femininos –, de forma a se comprovar a necessidade do outrem para seu processo de ressocialização; e verificar-se-á, no caso dos menores de 18 anos, a presença de autorização dos pais ou responsáveis.

Aos que defendem a proposta, impõe-se o direito fundamental de exercício da sexualidade, como inerente ao homem, independentemente de sua idade ou gênero, do qual, a par do direito de ir e vir, não pode ser talhado com a aplicação da pena, como explicitado na abertura deste capítulo.

Para os que contrariam a classificação dos jovens como sujeitos do direito à visita íntima, o argumento fundamental alegado é o de que colocados na balança os direitos à sexualidade, como parte da saúde psíquica e fisiológica do indivíduo, e o poder-dever de cumprimento do ECA, dada à carência de recursos para efetividade de ambos, é o peso maior atribuído a este último, de forma que se investir na execução de medidas para aprimoramento e dignidade de encontros íntimos é retirar-lhe as bases e incentivar a violação do princípio da isonomia, tendo em vista que ao jovem livre não se apóia financeira ou materialmente a realização de suas práticas sexuais, num verdadeiro estímulo à criminalização da marginalidade.  

É no sentido de se violar o princípio constitucional da brevidade[14] e estimular à violência pelo patrocínio estatal de encontros íntimos – incitamento ao cometimento de atos infracionais com o fim de gozo desse benefício – que se levanta o Juiz da 1ª Vara da Infância e da Juventude da Comarca do Rio de Janeiro, Siro Darlan, conforme reportagem do jornal O Dia: com a legalização da visita íntima ao jovem infrator,

Quem será o responsável pelos danos a adolescentes em razão dos encontros sexuais promovidos pelo próprio Estado em suas dependências destinadas a promover sua reeducação, visando ao retorno o mais breve possível ao convívio familiar e comunitário? A preocupação de patrocinar aos jovens práticas sexuais com suas companheiras pode muito bem ser atendida se as equipes técnicas das unidades estivessem cumprindo a regra expressa no parágrafo 1º do Artigo 121 do ECA, segunda a qual “será permitida a realização de atividades externas, a critério da equipe técnica da entidade”. Logo, há na própria lei a possibilidade de garantir não só as atividades que se deseja garantir, mas outras ainda mais importantes, como o convívio familiar e comunitário.

(O DIA. Visita íntima a menor infrator. 10 set. 2004. Disponível em: < http://www.sistemas.aids.gov.br/imprensa/Noticias.asp?NOTCod=59280>. Acesso em: 24 mar. 2009)

Mesmo quando a rebatem sob a alegação dos grandes investimentos que a sua transformação em direito incitará, principalmente quanto à construção de instalações específicas para os encontros íntimos, inegável é a necessidade de promoção de atividades de orientação sexual e planejamento familiar, independentemente de sua adoção, pois não se fechar os olhos para a situação de muitos destes ressocializandos, pais desde os 14, 15 anos, e em sua maioria com vínculos afetivos anteriores à privação da liberdade.

Ao suscitar o sucesso do modelo implementado na Paraíba, desde o ano de 1999, no que concerne à manutenção da relação afetiva do internado com o parceiro livre, Lenice Silva dos Santos, superintendente do Sistema Socioeducativo do Estado do Mato Grosso, em entrevista ao Diário de Cuiabá, acaba por constatar a visão aqui apontada:

Cerca de 80% dos adolescentes que cumprem medida socioeducativa em Mato Grosso possuem vínculos afetivos com garotas, relacionamentos anteriores a perda de liberdade. Corta-se 50% deste total quando se leva em consideração a existência de um relacionamento duradouro, que seria a união estável. (ROMA, Keity. Projeto é causa de polêmica nacional. Diário de Cuiabá. 15 mar. 2009. nº. 12.366. Disponível em: < http://www.diariodecuiaba.com.br/detalhe.php?cod=341664&edicao=12366&anterior=1>. Acesso em: 24 mar. 2009)

Vale ressaltar que a realidade de certa forma degradante vivida pelos centros de internação do menor não podem ser usadas como motivação para a objeção ao direito à visita íntima, de modo que se leve essa degradação ao plano subjetivo, do ressocializando e da finalidade socioeducativa.

Se se argumenta em oposição à concessão do direito com base no princípio da isonomia, também se pode defendê-la. Ao cidadão menor em estado de liberdade no convívio social, concede-se autorização para a oficialização do matrimônio em função de gravidez precoce, anterior aos 16 anos, e, posteriormente, nos demais casos, não se pode rechaçar esse direito à sexualidade posto que não incompatível com o cumprimento da medida socioeducativa. Não há precocidade, nem incentivo indiscriminado às relações sexuais, muito menos legalização de desigualdades. Se há ainda o risco de gravidez, este há também no “mundo livre” e a ambos os mundos cabe a implementação de políticas de orientação sexual, métodos contraceptivos e proteção a DSTs para a população jovem, o futuro da nação e a esperança das antigas gerações.

São as oportunas palavras de Guaraci Vianna, Juiz da 2ª Vara da Infância e da Juventude da Comarca do RJ e crente da recuperação plena de nossos jovens, em verdadeira contestação à inquisição anterior da legitimação e legalização das visitas íntimas aos jovens internados, para o Jornal O Dia:

A execução das medidas socioeducativas poderá facilitar a ressocialização do jovem em conflito com a lei. O Estado deve fugir da lógica do isolamento como único instrumento de transformação. Há que se permitir ao homem desenvolver-se plenamente e ter condições de, mesmo aprisionado, conservar a sua família, sua prole e sua dignidade como ser humano. Não sendo assim, criaremos monstros no sistema socioeducativo. Depois, como contê-los ou recuperá-los? (O DIA. Visita íntima a menor infrator. 10 set. 2004. Disponível em: < http://www.sistemas.aids.gov.br/imprensa/Noticias.asp?NOTCod=59280>. Acesso em: 24 mar. 2009)

Muitos apontamentos ainda podem e devem ser feitos ao referido projeto, de incontestável significância para o avanço do processo de execução e objetivo ressocializador das penas impostas pelo Estado.

E a sociedade parece ter sido chamada para a discussão, pela complexidade que reveste o tema.

O projeto, que seria votado no fim de março do ano corrente, fora adiado para posterior avaliação por uma Comissão Especial, aprovado o seu parecer de forma unânime no dia 29 de abril. Atualmente o projeto se encontra em Plenário para apreciação (13 de maio).


5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Por mais avançada em termos de globalização econômica e mundializada culturalmente que a sociedade atual possa estar, muitos tabus e estigmas permanecem tendo acesso, muitas vezes, sem qualquer barreira, no senso comum e nos valores introjetados individualmente.

Se aos cidadãos livres ainda persiste a razão de ser desses tabus, nos locais de confinamento em que são submetidos os indivíduos que transgridem a ordem jurídico-legal, a imposição destas marcas sociais é ainda mais violenta.

Questões como a sexualidade ainda são envoltas por concepções discriminantes e eivadas de “pré-conceitos”, reproduzindo no cárcere práticas historicamente rechaçadas por seu caráter retrógrado nos demais espaços sociais, teoricamente livres.

Vê-se, que o microssistema prisional ainda representa a margem das margens sociais, tanto quanto à consolidação de direitos de garantia essenciais, tão comumente introduzidos nas relações consuetudinárias da sociedade além de seus muros, como quanto à representação das camadas sociais mais desprivilegiadas.

E é nesse momento, que retratar a problemática da aplicação dos direitos do preso nos leva corriqueiramente a princípios básicos combalidos, trazendo luz aos olhos dos que começam agora a caminhada do direito.

Retirar seus estigmas e marcas dos crimes, posto que muitas vezes cometem-no por um crime anterior de omissão estatal e social, continuado durante a execução da sanção, e após seu cumprimento, pelo simples fato de terem sido habitantes da ilha dos excluídos.

Em nenhum momento pretendemos dar a esse trabalho um enfoque às avessas, exaustivamente humanista, “vitimizando” ofensores da ordem, e limpando-lhes o passado de culpa.

Mas não pudemos, durante sua realização, fechar os olhos para a condição do sistema prisional no Brasil, cuja precariedade e violência contra a dignidade física, psíquica e moral daqueles que ali coabitam é o verdadeiro mal pagando o mal anterior.

Contudo, não se pode negar que a tão atacada prisão, centro criminógeno, por fabricar novos “produtos sociais” com os valores que lhes são próprios e por sê-lo receptáculo de muitos atos de omissão, esquecimento e ação abusiva do poder soberano estatal e da própria sociedade, por mais falha e degradante que seja, ainda não pode ser abolida no atual sistema político-criminal, posto que ainda não existem alternativas para a reinserção dos delinqüentes de alta periculosidade, nem estrutura social e cultural para  receber de braço e cabeça abertos, os mais de 400 mil condenados submetidos à pena privativa de prisão no Brasil.

Alertar para a falência da pena de prisão e o sistema que a envolve é um dever científico e social daqueles que entendem a magnitude e os efeitos colaterais desse inchaço penitenciário.

Mas a luta apenas começa com a visualização da problemática, para que não se caia no mesmo erro de teorias ideológicas que retiram do indivíduo sua força e a transportam para o Estado, que encaram o problema de frente, e com muita razão, o destroem para depois reconstruir, mas, às vezes, se esquecem dessa última etapa, e também de propiciar sua aplicação prática com vistas à qualidade de vida aos reeducandos.

Da sustentação de que o problema da prisão é a própria prisão, infere-se que o problema da visita íntima pode ser a própria visita íntima, quando obstaculizada por meio de argumentos que ressaltam o seu incentivo à prostituição nos presídios e o tráfico de drogas. Não se pode deixar de aplicar um direito inerente ao ser humano, como é o exercício livre de sua sexualidade, pela precariedade das condições em que ocorre um direito anterior a ele, como o é o tratamento digno e a assistência durante a execução da pena, condições essas inerentes aos estabelecimentos prisionais, ou derivadas de uma problemática social e econômica muito mais abrangente que levam à prostituição e ao tráfico, em muitos casos, as únicas fontes de renda de famílias à beira da miséria.

Quanto à administração penitenciária, a melhor saída parece ser a intervenção e o tratamento por todos os lados possíveis; assistencial, normativo, terapêutico, laboral, etc, que levem a uma convivência pacífica no interior das prisões, engrandecendo seu papel ressocializador. Seguir o exemplo otimista da legislação espanhola, interligando tratamento e regulamento, de forma que se entrelacem num emaranhado de possibilidades, peculiar ao próprio conceito ressocializador.

Para o instituto da visita íntima, que o desenvolvido nesse trabalho possa servir como base para se pensar no enfrentamento direto ao tabu sexual, consolidando-a como direito expresso em lei, reduzindo drasticamente polêmicas e mais polêmicas em torno da questão, como o terreno em que se lança o permissivo da visita íntima durante aplicação de medida socioeducativa. Sendo considerado um direito do preso, a visita íntima obrigatoriamente poderá ser oportunizada aos jovens emancipados ou que comprovem a manutenção de relação afetiva continuada.

Enfim, que a sociedade livre adentre ao espaço do encarceramento por meio da ciência e das lutas comunitárias, dando voz e vez a quem errou, e que mesmo podendo errar novamente, posto que humano, tenha assegurado o direito de se comunicar com o outro e se comunicar com o mundo.


REFERÊNCIAS

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ANEXO A – FORMULÁRIO DE VISITA AO REEDUCANDO DAS PENITENCIÁRIAS FEDERAIS

MINISTÉRIO DA JUSTIÇA

DEPARTAMENTO PENITENCIÁRIO NACIONAL

Solicitação para Cadastro - Visitante

Penitenciária Federal: ____________________

Nome do Reeducando:     

Solicito inscrição no rol de visitantes na Penitenciária Federal para contato com o reeducando acima identificado.

Dados Básicos

Nome:

     

 

RG

     

Órgão Emissor:

     

 

Data de Emissão:

     

UF:

     

 

CPF:

     

 

Categoria Visita Íntima

 Cônjuge

 Companheiro (a)

 

Categoria Visita Familiar

Parentesco

     

 Amigo

 

E-mail:

     

 

Endereço Residencial:

     

 

Cidade:

     

UF:      

CEP:

     

 

Tempo de Residência:

     

anos e

     

meses

Telefones:

       -

     

residência

   
 

       -

     

celular

   
 

       -

     

outro

     

 
                               

Profissão:

     

Empresa:

     

Endereço Comercial:

     

Cidade:

     

UF:      

CEP:

     

Tempo de Empresa:

     

anos e

     

meses

Telefone:

       -

     

   
         
         
                         

Documentação Comprobatória Original para Apresentar na Penitenciária:

§Cédula de Identidade ou Carteira Nacional de Habilitação;

§2 fotos 3x4 iguais e recentes;

§CPF;

§Certidão de antecedentes criminais da comarca onde residiu nos últimos 5 anos;

§Comprovante de residência (conta de água, luz ou telefone);

§Carteira de Trabalho ou  Declaração da Empresa que trabalha (se for o caso);

§Certidão de Casamento (cônjuge);

§Certidão de Nascimento (filho (a));

§Declaração de Coabitação ou União Estável com assinatura de duas testemunhas (Formulário DEPEN);

§Autorização Judicial para visita íntima (menor de 18 anos);

§Atestado médico para visita íntima.

Observações

1.                  Envie o Formulário para o e-mail: [email protected];

2.                  Envie Fax pelo número: (61) 3429-9340;

3.                  Entregue o Formulário no DEPEN/MJ em Brasília ou na Penitenciária Federal e

Aguarde contato oficial para prosseguir ao processo de aceitação de visitante.

ANEXO B – TERMO DE RESPONSABILIDADE PARA VISITA ÍNTIMA AO REEDUCANDO DAS PENITENCIÁRIAS FEDERAIS

(Minuta)

Termo de Responsabilidade para Visita Íntima

Eu, (identificação do(a) interno(a): nome e RG)  e (qualificação da (o) companheira (o), a fim de manter relações íntimas no interior desta Penitenciária Federal, assumimos a responsabilidade por  quaisquer riscos à saúde que a prática do ato sexual possa acarretar, seja em virtude de doenças pré-existentes ou que venham a ser contraídas pela inobservância das medidas preventivas necessárias.

Declaramos ainda que nos submeteremos às regras de segurança, exigidas para efetivação do encontro íntimo.

______________ ______de_________ de ______

_______________________­­­­­­­______                       ______________________________

               (interno) (a)                                (companheira)(o)


Notas

[1] Para Ferreira (1997, p. 31), apesar de o Brasil adotar a teoria unificadora, a interpretação de outros artigos de nosso Código Penal evidencia a força desigual da finalidade retributiva da norma, como mostra o §5º, do Art. 121, in verbis: “Na hipótese de homicídio culposo, o juiz poderá deixar de aplicar a pena, se as conseqüências da infração atingirem o próprio agente de forma tão grave que a sanção penal se torne desnecessária”. Aqui, a razão de ser da pena é apenas a retribuição ao mal causado.

[2] A expressão de Eberhard Schimdt é desdobrada por estudiosos como Gilberto Ferreira (2000, p. 35), Heleno Cláudio Fragoso (1986, p. 15), Cezar Roberto Bitencourt (1999, p. XXIII) e Mário Luís Lírio Cipriani (2005, p. 23). Este último contribuindo com considerações ainda mais aprofundadas sobre o assunto. 

[3] Sobre os efeitos da sentença penal condenatória, importante a lição do Des. (TJRS) José A. Paganella Boschi: “É conhecida a lei da física: todo o efeito tem sua causa. Ela tem aplicação também no direito. Encerrando a fase da cognição, declarando o direito aplicável ao caso em julgamento, e esgotando a jurisdição do juiz de 1º grau, a sentença, objeto cultural que é, atuará como causa de múltiplos efeitos. Sendo absolutória, o juiz mandará colocar o réu em liberdade, ordenará a cessação das penas acessórias e aplicará a medida de segurança, se cabível (art. 386, parágrafo único, do CPP brasileiro). Condenatória, outros serão os efeitos, aqui denominados de primário e secundários. São eles: O efeito primário ou principal, que é o de credenciar o Estado-Administração a promover a execução. Logo, se a pena for privativa de liberdade, o denunciado terá que se recolher à prisão. À nova potestade, o condenado não poderá se opor – visto que em razão do efeito principal ele tem dever jurídico de cumprir a pena, conforme o regime fixado, prevenindo-se é claro, mediando ajuizamento de processo incidental, se houver excessos ou desvios (arts. 185 e seguintes da Lei nº. 7.210/84). Os secundários, consistentes na obrigação de pagar as custas do processo e de indenizar a vitima pelos danos causados pela infração; na perda da condição de primário e de bons antecedentes e no registro do nome no livro Rol dos Culpados. (BOSCHI, José Antônio Paganella. A sentença penal. Revista Jurídica: órgão nacional de doutrina, jurisprudência, legislação e crítica judiciária. São Paulo, ano 50, nº. 296, fevereiro de 2002. p. 85-86).

[4] Extraída do documentário Visita Íntima [VISITA ÍNTIMA. Dirigido por Joana Nin. Paraná: Sambaqui Cultural Cine e Video, 2005. MiniDV (15 min): son., color., padrão 35 mm]. A produção cinematográfica mostra a visita íntima sob o ponto de vista das mulheres brasileiras que enfrentam a luta diária, íntima e dolorosa por um amor dentro do cárcere. O documentário é titular de premiações nacionais e internacionais de crítica e público, estando à disposição gratuitamente no site Porta Curtas Petrobrás: www.portacurtas.com.br.

[5] Sobre o problema da distância dos detentos de suas famílias, algumas inovações estão sendo adotadas como o direito a visitas virtuais, implantado nas Penitenciárias Federais brasileiras, incluída a novíssima Penitenciária de Mossoró-RN, em funcionamento a partir de junho do ano corrente. O benefício da visita virtual é concedido ao detento proveniente de outro Estado que alegar a impossibilidade material dos familiares para visitá-lo regularmente (em Mossoró, assim como nas outras penitenciárias federais – Catanduvas-PR e Campo Grande-MS –, o detento poderá receber ao máximo a visita de três pessoas semanalmente) e é realizado através do programa de tráfego de imagens e dados utilizado pelo Ministério da Justiça, o infovia, que conecta o visitante com o parente preso numa espécie de bate-papo sob monitoração das autoridades. As conversas possuem duração máxima de 30 minutos e devem ocorrer na mesma periodicidade prevista para as visitas íntimas, quinzenalmente. Carvalho, Fred. Mossoró: penitenciária federal terá visita virtual. Disponível em: <http://www.nominuto.com/noticias/policia/mossoro-penitenciaria-federal-tera-visita-virtual/26321/>. Acesso em: 2 abril 2009.

[6] Sobre o juízo competente para a concessão dessa autorização, entendimento majoritário, porém não pacífico, de sê-lo o das execuções e não o Juizado Especial da Infância e Juventude, por se tratar de questão atinente à Execução Penal. É a posição do Acórdão (Agravo em Execução nº. 1.113.285-3/1, Comarca de São Paulo, Voto nº. 11.425): “Sem razão o representante do Ministério Público ao alegar a incompetência do Juízo da Execução Penal para deferimento de pedido de visita de adolescente a detento, aduzindo ser competência do Juízo da Infância e da Juventude. Ao contrário do alegado, a competência para apreciação de todo pedido referente a presos e à administração de estabelecimentos prisionais é do Juízo das Execuções. [...] Não há a alegada violação aos princípios de proteção ao adolescente.”

Após o referido cadastramento e posterior autorização, o visitante ainda esbarra em outra etapa disciplinar para adentrar ao estabelecimento prisional federal, demonstrando o esforço do parceiro livre, bem como os obstáculos por ele enfrentados para a manutenção das relações de afeto com o internado, conforme ritualiza o próprio DEPEN em sua página na Internet:

§ Roupas claras que cubram a barriga, os ombros, as costas, os joelhos e que não contenham nenhum tipo de detalhe em metal ou objeto semelhante que acuse aviso sonoro no momento de sua passagem pelo detector de metais (inclusive roupas íntimas) Ex:  Saias e vestidos abaixo do joelho,  calças de malha ou do gênero, desde que acompanhadas de camisetas ou blusas de comprimento adequado;

§ Qualquer tipo de calçado pertencente ao visitante será substituído por chinelos fornecidos por esta Penitenciária Federal;

§ Absorventes e Fraldas Descartáveis serão substituídos e/ou fornecidos por esta Penitenciária Federal;

§ Prendedores de cabelo que não contenham nenhum detalhe em metal ou que coloquem em risco a integridade física do agente ou visitante;

§ As jóias, bijuterias, objetos do gênero e os pertences do visitante ficarão guardados no armário com chave durante sua permanência nesta Penitenciária Federal, sendo devolvidos a ele ao final de sua visita;

§ O visitante que porventura tiver qualquer tipo de prótese metálica ou implante do gênero que acuse aviso sonoro no momento de sua passagem pelo detector de metais, deverá apresentar laudo médico, acompanhado de raio-x que demonstre a necessidade de uso de tal material, devendo estes ser renovados a cada 06 (seis) meses, sendo sua visita condicionada à apresentação desses documentos ao setor competente desta Penitenciária Federal.

(DEPARTAMENTO PENITENCIÁRIO NACIONAL – DEPEN. Visitas à Penitenciária Federal. Disponível em: http://www.mj.gov.br/depen/data/Pages/MJC4D50EDBPTBRNN.htm> Acesso em: 2 de abril 2009)

[7] Sobre a cidadania enquanto mescla de direitos e obrigações inerentes à pessoa e não mera concessão do Estado soberano, a quem deve simplesmente o seu reconhecimento (poder-dever), concretizando-a, consultar: BICUDO, Hélio. O Brasil Cruel e sem Maquiagem. 4. Ed. São Paulo: Moderna, 1996, p. 5. Acerca dos direitos políticos do preso, ver: OLIVEIRA, Fábio Rocha de. Preso cidadão: os direitos políticos do criminalmente condenado. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 956, 14 fev. 2006. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/7972>. Acesso em: 12 abril 2009.

[8] CREMONEZE, Paulo Henrique. A aplicação da teoria da guerra justa nas políticas de segurança pública no combate da criminalidade no Brasil. Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1948, 31 out. 2008. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/11912>. Acesso em: 31 mar. 2009.

[9] DIÓGENES, Josiê Jalles. Tráfico ilícito de drogas praticado por mulheres no momento do ingresso em estabelecimentos prisionais: uma análise das reclusas do Instituto Penal Feminino Desembargadora Auri Moura Costa - IPFDAMC. Disponível em: <http://www.mj.gov.br/main.asp?Team={F8BD53AD-14D1-4B0E-BA06-547DF317C888}>. Acesso em: 5 mar. 2009

[10] Conteúdo integral acerca da tecnologia e infra-estrutura empregadas para tratamento do preso a oportunizar sua ressocialização no Presídio de Segurança máxima de Araguaína encontra-se disponível no artigo jornalístico online, a saber: NOLETO, Gilvan. Tocantins inaugura o primeiro Presídio de Segurança Máxima da região Norte. Jan. 2005. Disponível em: <http://secom.to.gov.br/noticia.php?id=4986>. Acesso em: 12 mar. 2009.

Sobre a proibição da concessão de visita de natureza íntima nos estabelecimentos penais femininos do Tocantins: BRASIL. Governo (2006 – ANTICO, Carlos Martins; LEAL, César Oliveira de Barros; VIEIRA, Carla Polaine L. Fabrício). Relatório de Inspeção: Estabelecimentos Penais do Estado de Tocantins. Brasil: Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, MJ, 2006.

[11] Samantha Buglione, comparando os procedimentos das visitas íntimas nos presídios masculinos e femininos de Porto Alegre, observou grande discrepância no que diz respeito à autorização de visita dos cônjuges dos presos não casados oficialmente. Na prisão masculina tal procedimento é informal, basta à companheira uma declaração por escrito de sua condição para que tenha acesso às visitas conjugais até oito vezes ao mês, duas vezes por semana. Já na casa de detenção feminina a visita é regulamentada por uma portaria da Instituição. Para a apenada ter direito à visita do companheiro, este deverá comparecer às visitas familiares semanais, sem possibilidade de relação sexual, por quatro meses seguidos e ininterruptos. Caso não falte nenhum dia, ainda dependerá da anuência do diretor da penitenciária para que a presa tenha direito a visita íntima por no máximo duas vezes ao mês. (BUGLIONE, Samantha. A mulher enquanto metáfora do Direito Penal. Jus Navigandi, Teresina, ano 4, n. 38, jan. 2000. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/946>. Acesso em: 13 mar. 2009)

[12] Os valores apontados têm como referência os dados obtidos pelo Sistema Integrado de Informações Penitenciárias – InfoPen, em junho de 2008, disponibilizado no site oficial do Ministério da Justiça. Mesma base de informações utilizadas nos capítulos anteriores para análise da população carcerária brasileira na atualidade. Disponível em: <http://www.mj.gov.br/data/Pages/MJD574E9CEITEMIDC37B2AE94C6840068B1624D28407509CPTBRNN.htm>.

[13] Estudos na Casa de Tatuapé (SP) revelam que 80% das mulheres com até um ano de prisão, se pudessem escolher, teriam relação sexual apenas com homens. O índice cai para 48% entre as que estão há mais de quatro anos. A situação em Tatuapé se agrava, porque não existe visita íntima; assim, não podem se relacionar com seus maridos ou namorados e acabam se envolvendo com quem está acessível (ISTO É, 19 de março de 1997). BUGLIONE, Samantha. A mulher enquanto metáfora do Direito Penal. Jus Navigandi, Teresina, ano 4, n. 38, jan. 2000. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/946>. Acesso em: 13 mar. 2009.

[14] Brevidade e Temporariedade são determinações expressas de norma principiológica da Constituição Federal (art. 227, §3º, CF/88), conforme transcrição abaixo: V - obediência aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, quando da aplicação de qualquer medida privativa da liberdade. Tais princípios são reiterados infraconstitucionalmente no Art. 121, §3º, ECA, segundo o qual não devem existir penas perpétuas, de forma que a medida extrema de internação será sempre inferior a três anos. De acordo com Mirele Braz, a privação de liberdade, no contexto do menor, surge como ultima ratio, após formas de advertência e repreensão distintas, em conformidade à gravidade do ato infracional, como um meio de proteger e possibilitar ao adolescente atividades educacionais que lhe forneçam novos parâmetros de convívio social. Basilar, aqui, a proporcionalidade entre o bem jurídico atingido e a medida imposta. BRAZ, Mirele Alves. Os princípios orientadores da medida sócio-educativa e sua aplicação na execução. Jus Navigandi, Teresina, ano 5, n. 51, out. 2001. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/2282>. Acesso em: 17 jun. 2009.


Autor

  • Priscila Wieczorek Spricigo

    Priscila Wieczorek Spricigo

    Especialista em Ciências Criminais pela Universidade Federal do Tocantins - UFT, Especializanda em Direito Eleitoral e Processo Eleitoral pela Universidade Federal do Tocantins - UFT, Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Tocantins - UFT, Bacharel em Comunicação Social - Habilitação em Publicidade e Propaganda pelo Centro Universitário Luterano de Palmas (CEULP/ULBRA)

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SPRICIGO, Priscila Wieczorek. O direito à visita íntima e a ressocialização do indivíduo submetido à pena privativa de liberdade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3583, 23 abr. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24246. Acesso em: 28 mar. 2024.