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A violação ao princípio da uniformidade tributária na incidência do adicional ao frete para a renovação da marinha mercante (AFRMM) nas regiões Norte e Nordeste do Brasil no transporte de granéis líquidos

A violação ao princípio da uniformidade tributária na incidência do adicional ao frete para a renovação da marinha mercante (AFRMM) nas regiões Norte e Nordeste do Brasil no transporte de granéis líquidos

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A fixação da alíquota regionalizada somente seria possível se ela acarretasse a diminuição das desigualdades entre as regiões do país.

Resumo: Este artigo analisa a constitucionalidade da alíquota de 40% (quarenta por cento) do AFRMM incidente sobre o frete ou valor declarado das mercadorias consideradas como granéis líquidos transportadas pelas vias fluviais e lacustres no âmbito da região Norte e Nordeste do país, à luz do princípio da uniformidade tributária e do objetivo fundamental da república destinado a redução das desigualdades entre as regiões.

Palavras-chave: Constitucionalidade. Alíquota de 40% do AFRMM. Navegação Fluvial e Lacustre. Mercadoria em Granéis Líquidos. Redução das Desigualdades Regionais.

Sumário: Introdução. 1. Os aspectos tributários do adicional para renovação da marinha mercante. 2. Hipóteses de não incidência, isenções e imunidade na cobrança do adicional sobre o frete para renovação da marinha mercante. 3. Os benefícios tributários relacionados ao adicional sobre o frete para renovação da marinha mercante. 4. O princípio constitucional da redução das desigualdades regionais. 5. O princípio da uniformidade tributária e a alíquota do AFRMM fixada no Art. 6, III da Lei n° 10.893/2004. 6. Considerações finais. 7. Referências bibliográficas.


INTRODUÇÃO

O Adicional ao Frete para a Renovação da Marinha Mercante foi inserido no ordenamento jurídico no ano de 1941 no Governo de exceção de Getúlio Vargas e, à época,somente, havia recebido uma denominação de taxa e uma destinação semelhante a que possui atualmente.

A instituição do referido tributo, inicialmente,foi para fomentar uma receita especial criada pelo Decreto – Lei n° 3.100/1941 a ser destinado à manutenção dos serviços da Comissão de Marinha Mercante, financiamento de aquisições e construções de navios, reparos e aproveitamento de material flutuante, e, na adaptação dos navios à queima do carvão nacional.

No entanto, somente com o Decreto – Lei n° 3.595/1941 houve a delimitação da base de cálculo, alíquota, hipótese de incidência, contribuinte, ou seja,revestindo-se o tributo de todos os elementos essenciais para identificar e fomentar uma relação obrigação. Ele passou a ser exigível a partir de 05 de Setembro de 1941, quando entrou em vigor a mencionada norma legal.

O referido tributo teve algumas modificações na sua estrutura ao longo do tempo. Em 1958, a base de cálculo passou a ser o valor do frete e recebeu a denominação oficial de Taxa de Renovação da Marinha Mercante pela Lei n° 3.381/1958 que seria destinadoao recém - criado Fundo da Marinha Mercante que seria administrado pela Comissão de Marinha Mercante.

A Lei n° 1.142/1970 foi a primeira a denominar o referido tributo como Adicional ao Frete para a Renovação da Marinha Mercante, mas não trouxe alterações significativas no seu objetivo e na sua destinação, porém, ensejou uma modificação na sua natureza tributária que ensejaria uma discussão jurisprudencial acerca de seu real enquadramento tributário.

A discussão acerca da natureza jurídica do tributo gerou uma celeuma nos tribunais na década de 70 e culminou no posicionamento do Supremo Tribunal Federal sobre a matéria, de modo a se reconhecer que o Adicional ao Fretepara a Renovação da Marinha Mercante era uma contribuição de intervenção no domínio econômico. Tal posicionamento foi consolidado na Súmula 553/STF ainda vigente.

O Adicional ao Frete para a Renovação da Marinha Mercante – AFRMM – foi recepcionado na nova ordem constitucional com a natureza jurídica de contribuição de intervenção no domínio econômico e está, atualmente, regulada pela Lei n° 10893/2003, onde se delimita os seus elementos constitutivos, tal como a base de cálculo, hipótese de incidência, alíquota e contribuintes...

A mencionada legislação trouxe, porém, um componente inédito e controverso sob o aspecto constitucional e que será o objeto de estudo do presente ensaio acadêmico para averiguar sua constitucionalidade ou não, qual seja, a fixação de uma alíquota diferenciada para navegação nas vias interiores realizadas nas regiões Norte e Nordeste.

Desse modo, o objetivo do presente estudo será averiguar se a diferenciação nas alíquotas descriminadas no Art. 6°, III da Lei n° 10.893/2003 viola um objetivo fundamental da república consagrado no Art. 3°, III de nossa Carta Política de 1988 e extrapola a limitação do poder de tributar da União.

Assim, é importante analisar os aspectos tributários do Adicional ao Frete para a Renovação da Marinha Mercante, a geografia das vias navegáveis no Norte e Nordeste, a extensão do objetivo constitucional acima aludido, com vistas a delimitar um posicionamento acerca de uma eventual inconstitucionalidade na alíquota descrita no Art. 6°, III da Lei n° 10.893/2003.


1 .OS ASPECTOS TRIBUTÁRIOS DO ADICIONAL PARA RENOVAÇÃO DA MARINHA MERCANTE

O Adicional ao Frete para Renovação da Marinha Mercante destina-se a atender os encargos da intervenção do domínio econômico da União no apoio ao desenvolvimento da marinha mercante e da indústria de construção e reparação naval brasileiras, e constitui fonte básica do FMM, conforme depreende do Art. 3° da Lei n° 10.893/2003.

A nova sistemática de administração do tributo foi alterada pela Lei n° 12.788/2013 para permitir que a Secretaria da Receita Federal possa realizar a fiscalização, a arrecadação, restituição e concessão dos incentivos previstos na lei. Antes, tais competências eram atribuídas ao Departamento de Marinha Mercante.

O mencionado tributo possui uma estrutura tributária destinada a gerar uma arrecadação sobre as operações portuárias de descarregamento de mercadorias nos portos brasileiros, que sejam advindas ou não do exterior. Esse aspecto do referido tributo é a sua hipótese de incidência ou fato gerador.

O Art. 4° da Lei n° 10893/2004 define bem o fato gerador do tributo asseverando que “O fato gerador do AFRMM é o início efetivo da operação de descarregamento da embarcação em porto brasileiro”, ou seja, delimitando ao contribuinte que o descarregamento da mercadoria gera a incidência do tributo.

A delimitação do fato gerador poderia criar uma problemática para as operações de transbordo de mercadorias, onde há, necessariamente, a existência de mais de um procedimento de desembarque de mercadoria que viesse a legitimar a incidência da cobrança do AFRMM novamente.

Felizmente, o legislador resolveu essa problemática com a previsão trazida no Art. 6°, § 3° da aludida norma que contempla as operações de transbordo ou baldeação de mercadorias destinadas aos portos brasileiros, mas deixando clara a necessidade de se realizar o cálculo e o recolhimento do tributo sobre a totalidade do frete cobrado para todo o trecho de transporte, ou seja, entre o porto de origem e o de destino.

O legislador delimitou a base de cálculo do Adicional para Renovação da Marinha Mercante no valor do frete, porque é a representação do valor pago pelo transporte marítimo, de maneira que se permitiu a inclusão de todas as despesas realizadas nos portos para manipulação da mercadoria, já que se considerou como elemento de composição da remuneração para pela utilização do aludido modal de transporte, conforme aduziu o Art. 5°, § 1° da Lei n° 10.893/2004.

Na referida hipótese, percebe-se que o lançamento do tributo é por ofício pelo órgão fiscalizador, mas o legislador permitiu que esse lançamento seja feito por declaração do próprio contribuinte, quando não existe delimitação do valor frete pelo transportador marítimo, em razão de, em alguns casos, não ser obrigados a emitirem os respectivos conhecimentos de embarques.

O contribuinte nessa relação obrigação é fixado no Art. 10 da Lei n° 10.893/2004, de modo que a responsabilidade direta pelo recolhimento do tributo é do consignatário da carga apontado no conhecimento de embarque e, de forma solidária, o proprietário da própria carga, haja vista que, muitas vezes, o consignatário da carga não é o proprietário, mas um envolvido no processo de transporte marítimo, tal como uma trading, um agente desconsolidador, um NVOCC, etc...

A legislação acima citada, porém, indica uma hipótese em que o proprietário da carga seja o responsável direto pela referida obrigação tributária. Ela dar-se-á nos casos em que o transportador não for obrigado a emitir o conhecimento de embarque que indicaria o sujeito passivo da obrigação.

O último aspecto dos elementos da obrigação tributária é a alíquota do tributo. No caso em vertente, o legislador fixou três alíquotas diferentes, levando em consideração a região, o tipo de mercadoria e a espécie de navegação realizada pelo transportador da mercadoria para a determinação do percentual aplicado, sendo ele incidente na navegação lacustre ou fluvial, de cabotagem e de longo curso.

A alíquota do tributo, dessa forma, varia de acordo com a espécie de navegação utilizada para o transporte de mercadoria. Ela será de 25% (vinte e cinco por cento) para a de longo curso; 10% (dez por cento) para cabotagem e, por fim, 40% (quarenta por cento) para navegação lacustre e fluvial, sendo esta incidente somente para o transporte de granéis líquidos na região Norte e Nordeste do país.

Porém, a incidência do referido tributo possui algumas exceções importantes e merecem serem delineadas para ilustrar a extensão da cobrança do AFRMM no transporte de mercadorias, haja vista que a existência de imunidades e isenções tributária concedidas a certas mercadorias e regiões do Brasil.


2.HIPÓTESES DE NÃO INCIDÊNCIA, ISENÇÕES E IMUNIDADE NA COBRANÇA DO ADICIONAL AO FRETE PARA A RENOVAÇÃO DA MARINHA MERCANTE

A legislação reguladora do mencionado tributo traz no bojo de seu conteúdo uma série de situações jurídicas em que resulta na desnecessidade do recolhimento do AFRMM, de maneira que o contribuinte fique desobrigado da obrigação tributária. Dessa maneira, é importante descrevê-las para uma melhor compreensão tributária.

O primeiro elemento a ser analisado são as hipóteses de não incidência do AFRMM descritas na Lei n° 10.893/2004, que, apesar de constituírem como fatos passíveis de gerar o referido tributo, o legislador perfilou uma situação que não tivesse a aptidão de criar a respectiva obrigação tributária perante o contribuinte.

Dessa maneira, é importante ressaltar que a natureza jurídica da referida exceção aproxima-se da idéia de uma isenção tributária, porque, percebe-se que as hipóteses excetuadas encontram-se dentro do fato gerador descrito para o tributo e, sendo assim, apta a gerar os respectivos ônus ao contribuinte, mas, por vontade do legislador infraconstitucional, decidiu-se exclui-la.

A referida norma legal, então, somente trouxe duas hipóteses de não incidência do tributo. A primeira delas é a não incidência do AFRMM sobre a navegação fluvial e lacustre, exceto a que é realizada para o transporte de cargas de granéis líquidos no âmbito das regiões Norte e Nordeste, e a outra é sobre o frete de mercadoria submetida à pena de perdimento, sendo esta última recém-implementada pela Lei n° 12.788/2013.

As mencionadas exceções ao poder de exação do Estado encontram-se bem delimitadas no Art. 6, incisos I e II da Lei n° 10.893/2004 e nesse ponto constituem-se como as únicas hipóteses de não incidência do tributo. E é sobre a que está inserida no inciso I que reside a problemática no presente ensaio acadêmico.

Entretanto, a Lei n° 10.893/2004 trouxe várias isenções na cobrança do Adicional ao Frete para a Renovação da Marinha Mercante em que é deferida com base na espécie de mercadoria delineada na referida norma. Aqui, é importante ressaltar que a obrigação tributada é gerada para o contribuinte, mas o pagamento do tributo é dispensado pelo seu sujeito ativo.

A sistemática tributária não permite realizar uma interpretação extensiva de rol de isenções trazidas pelas normas infraconstitucionais, porque se deve interpretar literalmente a legislação que outorga isenções, de modo que não há espaço para realizar uma hermenêutica propicia para ampliação das hipóteses descritas na lei, inteligência dada pelo Art. 111, II do Código Tributário Nacional.Sob este óptica, então, o rol de isenções trazido no Art. 14 da Lei n° 10.893/2004 é considerado taxativo.

A análise das isenções tributárias revela que ela foi conferida para beneficiar o transporte de mercadorias sem cunho comercial ou que tenham fins comerciais, mas utilizados em determinadas atividades descrita na referida lei ou, ainda, mercadorias que sejam transportadas em favor dos membros da administração direta ou indireta, conforme se extrai do Art. 14 da Lei n° 10.893/2004.

Com efeito, a delimitação dos aspectos tributários do Adicional ao Frete para a Renovação da Marinha Mercante e, como qualquer outro tributo, apresentam os mesmos caracteres da formação de uma obrigação tributária válida, já que, existe a delimitação de uma hipótese de incidência, de uma base cálculo, das alíquotas, o respectivo sujeito passivo, ora contribuinte e, por fim, isenções e hipóteses de não incidências.

No entanto, a análise mais aprofundada dos referidos aspectos traz à tona que a harmonia dos elementos da formação da obrigação tributária foi quebrada pelo legislador por ocasião da inserção da alíquota incidente na navegação lacustre ter sido condicionada a uma determinada região do país.

Dessa maneira, o condicionamento da incidência a uma determinada região não se harmoniza com alguns benefícios trazidos na Lei n° 10.893/2004 destinados ao Norte e Nordeste do país, de modo que se verifica a necessidade de averiguá-los para demonstrar a existência de uma discrepância acerca dessa distinção.


3.OS BENEFÍCIOS TRIBUTÁRIOS RELACIONADOS AO ADICIONAL SOBRE O FRETE PARA RENOVAÇÃO DA MARINHA MERCANTE

O Adicional ao Frete para a Renovação da Marinha Mercante possui uma série de hipóteses destinadas para o incentivo e desenvolvimento regional, mediante a concessão de benefícios que isentam o pagamento do referido tributo e reflete a sua natureza de mecanismo tributário na intervenção pública no domínio econômico.

A própria Lei n° 10.893/2004 já relata uma isenção com caráter de benefício fiscal em favor da navegação realizada nas vias interiores do país. Ele encontra-se inserido no Art. 4°, I da mencionada norma e contempla a não incidência do AFRMM sobre as mercadorias transportadas pela navegação fluvial ou lacustre.

Neste aspecto, o benefício encontra-se ligado à necessidade de realizar um maior incentivo a referida espécie de navegação, de modo a desonerar a carga tributária para propiciar um desenvolvimento, ainda que pequeno em relação aos demais modais logísticos existentes em nosso país. Dessa maneira, o legislador resolveu que as mercadorias transportadas pelas vias lacustre ou fluvial não tivessem incidência do AFRMM, exceto os granéis líquidos movimentados no âmbito da região norte e nordeste.

Encontra-se, também, fora do campo de incidência da Lei n° 10893/2004, umaisenção fiscal recaída sobre o Adicional ao Frete para a Renovação da Marinha Mercante concedido a região norte e nordeste que, nitidamente, apresenta-se como um benefício para o desenvolvimento da navegação de cabotagem, fluvial e lacustre realizada dentro das referidas regiões.

O benefício se reveste como uma isenção tributária temporal para as mercadorias transportadas pela navegação de cabotagem, fluvial ou lacustre que se originaram na região norte e nordeste ou que tivessem elas como destino final. Essa limitação temporal deu-se, porque o legislador impôs uma duração da isenção fiscal até o dia 08 de Janeiro de 2017, conforme estipulou as Leis n° 11.482/2007 e 12.507/2011.

Aqui, é importante salientar que o mencionado benefício foi concedido inicialmente à região Norte e Nordeste para todas as espécies de navegação (longo curso, cabotagem, fluvial, lacustre) pela Lei n° 9.432/1997 por uma duração de 10 (dez) anos, a partir da vigência da referida lei. O prazo foi prorrogado em 2007 pela Lei n° 11.483/2007 por mais 05 (cinco) ano, e até 08 de Janeiro de 2017 pela Lei n° 12.507/2011, sem contemplar a navegação de longo curso.

A concessão da isenção estipulada pelas referidas normas não está condicionada a critérios subjetivos para o seu deferimento, de modo que o beneficiário deve apenas comprovar que a mercadoria transportada teve origem na região Norte ou Nordeste ou que a elas se destinem para gozar da isenção do AFRMM incidente sobre o respectivo frete ou valor declarado.

Outra isenção temporal existente sobre o referido tributo é a que está prevista no Art. 4° da Lei n° 9.808/1999 e traz um benefício para aqueles empreendimentos que vierem se implementar, modernizar, ampliar ou se diversificar no Nordeste e na Amazônia e possam ser considerados como interesse para as mesmas, até o dia 31 de Dezembro de 2015, pelas respectivas superintendências de desenvolvimento, quais sejam: Sudene e Sudam.

No entanto, diferentemente do benefício trazido nas Leis n° 10.893/2009 e 9.432/1997 que trazem consigo apenas requisitos objetivos e gerais para o seu deferimento, a benesse tributária da Lei n° 9.808/1999, além dos mencionados nas referidas normas, condiciona a uma análise individual do contribuinte, que requisitar a isenção do AFRMM para apurar a sua capacidade em realizar um das finalidades descritas na lei, já que este benefício apresenta-se como incentivo fiscal de fomento de industrialização das referidas regiões.

Vale ressaltar, aqui, que a finalidade descrita no Art. 4° da Lei n° 9.808/1999 deve se amoldar nos preceitos trazidos no Decreto n°4.213/2002, porque é ele que define quais as espécies de empreendimentos prioritários para o desenvolvimento regional, de forma a nortear a mencionada norma legal.

Dessa maneira, verifica-se que o preenchimento de todos os requisitos legais por parte do contribuinte não garante a concessão da isenção fiscal do AFRMM, porque o legislador atribuiu uma certa discricionariedade às superintendências para o seu deferimento, haja vista que existe um crivo técnico discricionário por parte delas, conforme se depreende o Art. 4° da Lei n° 9.808/1999.

Além dos referidos benefícios trazidos pelas mencionadas normas, pode-se entender que o Regulamento Aduaneiro trouxe algumas benesses aplicadas sobre o Adicional ao Frete para a Renovação da Marinha Mercante, porque sistematizou alguns regimes aduaneiros especiais que interferem na obrigação tributária decorrente do referido tributo.

Primeiramente, é importante ressaltar que o Regulamento Aduaneiro, em muito de suas passagens, remete a suspensão e isenção de tributos e de impostos federais, de maneira que se percebe a existência de uma distinção entre tais termos, como de fato há.

O Código Tributário Nacional já é um bom indicativo para ilustrar a existência de uma diferenciação do tributo e do imposto. A definição de tributo dada pelo aludido diploma legal é “toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada”. Tal definição encontra-se ilustrada no Art. 3° do CTN.

Já o conceito de imposto é trazido no Art. 16 do Código Tributário Nacional, quando esta define que “imposto é o tributo cuja obrigação tem por fato gerador uma situação independente de qualquer atividade estatal específica, relativa ao contribuinte”, ou seja, denotando muito nitidamente que o imposto é espécie do gênero tributo.

Dessa maneira, quando o Regulamento especifica a existência de uma isenção ou suspensão sobre impostos, ele delimita a extensão dos efeitos somente a determinados tributos que possuam os caracteres definidos pelo Art. 16 do Código Tributário Nacional, de maneira a não atingir outras espécies de tributos, como por exemplo, o Pis-Cofins, AFRMM, CIDE – Combustíveis, Taxa do Siscomex incidentes sobre a importação.

Sob esta óptica, a análise do Regulamento Aduaneiro revela a existência de 03 (três) hipóteses onde o Adicional ao Frete para a Renovação da Marinha Mercante encontra-se livre de recolhimento aos cofres públicos por parte de importador da mercadoria, de modo que podemos enquadrá-los numa espécie de benefício tributário genérico.

O primeiro deles é um regime aduaneiro especial denominado drawback e destina-se a incentivar as exportações, mediante a importação de produtos utilizados na cadeia produtiva de bens,com a isenção dos tributos incidentes na importação quando ocorrer a exportação dos bens transformados com as respectivas mercadorias importadas.

Percebe-se que as regras aplicadas para o drawbackreferem-se aos tributos incidentes na importação das mercadorias, tendo-se em vista que o Art. 383 do Regulamento Aduaneiro não remete a espécie “impostos”, mas sim ao gênero “tributo”, de forma que se pode contemplar essa isenção para atingir o recolhimento do AFRMM.

Esse pensamento valida a idéia de que existe uma extensão dos efeitos da isenção dos tributos incidentes na importação, porque, como visto alhures, a natureza jurídica do Adicional ao Frete para a Renovação da Marinha Mercante é tributáriaao enquadrá-la como uma contribuição de intervenção no domínio econômico de competência da União.

Dessa maneira, as regras aplicadas para o drawback para legitimar a suspensão dos tributos e, doravante, a respectiva isenção dos mesmos, deve contemplar, também, o AFRMM, tendo-se em vista que é um tributo incidente na importação, quando ela ocorre se utilizando da navegação de longo curso, que é aquelaespécie de navegação realizada entre portos de países diferentes.

Essa realidade, igualmente, pode ser aplicada para o regime aduaneiro especial chamado de Loja Franca. Ele permite ao estabelecimento instalado em zona primária de porto ou de aeroporto alfandegado vender mercadoria nacional ou estrangeira ao passageiro em viagem internacional, contra pagamento em moeda nacional ou estrangeira, inteligência do Art. 476 do Regulamento Aduaneiro vigente.

O referido regime aduaneiro permite que o estabelecimento importe suas mercadorias com suspensão dos tributos incidentes na importação e, posteriormente, transformada em isenção tributária quando ocorrer a vendas delas na condição estabelecida no caput do Art. 476 do Regulamento Aduaneiro.

Denota-se, novamente, que o Art. 476, § 2° e §3° da mencionada norma legal remete ao termo tributo, de maneira que a interpretação da lei deve recair e contemplar, outrossim, o Adicional ao Frete para a Renovação da Marinha Mercante (AFRMM), haja vista sua natureza jurídica de tributo federal incidente sobre a importação de mercadorias, quando ela ocorrer por vias marítimas, através da navegação de longo curso.

Por fim, a última isenção encontrada no ordenamento jurídico para o Adicional ao Frente para a Renovação da Marinha Mercante está regulada nas regras estipuladas para as Zonas de Processamento de Exportação (ZPE) criadas com o intuito de fomentar as exportações brasileiras em determinadas regiões do país.

As Zonas de Processamento de Exportação, dessa maneira, são áreas de livre comércio de importação e de exportação, destinadas à instalação de empresas voltadas para a produção de bens a serem comercializados no exterior, objetivando a redução de desequilíbrios regionais, o fortalecimento do balanço de pagamentos e a promoção da difusão tecnológica e do desenvolvimento econômico e social do País, conforme preceitua o Art. 534 do Regulamento Aduaneiro. 

Nesse caso específico, as regras de isenção tributária não necessitam de uma interpretação do conceito de tributo ou de imposto ou, tampouco, realizar uma distinção entre ambos para contemplar essa benesse para o AFRMM, pois, a própria a norma o faz de forma expressa, quando inclui o referido tributo no rol dos tributos isentos dentro de sua zona de abrangência, conforme se depreende o Art. 535 do Decreto n° 6.759/2003.

Neste diapasão, a análise dessas hipóteses de imunidade, isenção, não incidência do Adicional sobre o Frente para Renovação da Marinha Mercante permitiu vislumbrar que suas respectivas normas reguladoras trouxeram critérios harmônicos e de forma a atender os preceitos constitucionais de desenvolvimento nacional e de diminuição das desigualdades regionais, quando implantam isenções do referido tributo nas regiões norte e nordeste.

Vislumbra-se, no entanto, um aspecto contrário a manutenção dessa harmonia, no momento em que o interprete realiza um confronto com preceito constitucional esculpido no Art. 3°, III de nossa Constituição e a exclusão da região Norte e Nordeste da hipótese de não incidência do AFRMM trazida no Art. 4°, § 1° da Lei n° 10.893/2003, onde existe, por parte deste, uma identificação de uma imposição de uma alíquota maior que não se coaduna com um dos objetivos do país em diminuir as desigualdades regionais.

Logo, a existência dessa discrepância remete a necessidade de aprofundar o estudo sobre o referido preceito constitucional para delimitar a ocorrência ou não da quebra dessa harmonia no sistema de isenção tributária conferida ao Adicional ao Frete para a Renovação da Marinha Mercante.


4 .O PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA REDUÇÃO DAS DESIGUALDADES REGIONAIS

A Constituição Federal promulgada em 05 de Outubro de 1988 inseriu na nova ordem constitucional a preocupação de realizar a redução das desigualdades regionais, até então, inexistente nas constituições anteriores de nosso país. Essa realidade é ilustrada pelo Art. 3°, III da Lei Maior.

De fato, a preocupação do legislador constituinte foi consagrada na nossa Constituição Federal na forma de um objetivo fundamental a ser alcançado pela República Federativa do Brasil e isso denota a importância atribuída ao tema. Outro aspecto que aviva essa importância é o fato desse objetivo encontrar-se enxerto no título I de nossa Constituição Federal, ou seja, aquele que elenca os princípios fundamentais do país.

Decerto, essa preocupação é válida ao se vislumbrar uma acentuada desigualdade entre regiões do país. Para ilustrar essa realidade, pode-se realizar um comparativo de participação no produto interno bruto do Brasil das regiões, justamente, para confirmar a existente da desigualdade e a necessidade de diminui-la.

A região Sudeste tem uma participação no PIB de 55,4%, seguido da região Sul com 16,5% e do Nordeste com 13,5%. Atrás delas vem a região Centro – Oeste com 9,3% e, em último lugar, o Norte com uma fatia de 5,3% do PIB do país.Esses dados são os mais recentes e foram divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) no ano de 2012, após consolidar os dados fornecidos pela pesquisa “contas regionais do Brasil 2010”.

Os dados revelam, indubitavelmente, uma grande disparidade entre as regiões do país e que mereceu atenção do legislador para mitigá-la, mediante a delimitação de um norteador nas politicas públicas que possam atender o objetivo fundamento inserido no Art. 3°, III da Constituição Federal.

Nessa seara, objetivo fundamental funciona como uma espécie de princípio norteador das políticas públicas e da intervenção do Estado na ordem econômica, pois, verifica que ele está, intrinsecamente, ligado as atividades econômicas, já que é através delas que se alcançam os objetivos fundamentais descritos na nossa Constituição. Decerto, a vinculação entre o referido objetivo fundamental e a atividade econômica está na necessidade de se interpretar a Constituição Federal como um sistema harmônico e perfeito, de maneira a não se permitir conflito de normas.

À luz dessa realidade, os princípios gerais da atividade econômica sofreram forte influência dos objetivos fundamentais da República nesse aspecto, porque tutelou, também, a necessidade da ordem financeira ser pautada na redução das desigualdades regionais e sociais de nosso país. Esta realidade implica dizer que não resta ao Estado e seus agentes políticos qualquerespaço para agir fora destes parâmetros e regramentos, pois no exercício de suas competências normativas e reguladoras, não podem, sob pena de inconstitucionalidade, editar regras que não sesubmetam e se orientem pelos pressupostos fundamentais mencionados.

O pensamento acima ilustrado, entretanto, deve ser aplicado de forma mais ampla para conseguir alcançar a finalidade da norma constitucional, porque se vislumbra que, também, nas regiões mais desenvolvidas do país existem desigualdades dignas de serem tratadas para redução e de sofrerem uma intervenção do Estado destinada a combatê-las.

A verificação dessa amplitude na interpretação do princípio da redução das desigualdades regionais foi realizada pelo Ministro Cezar Peluso no julgamento do Agravo de Instrumento n° 515.168-1/MG no Supremo Tribunal Federal, onde se analisava a amplitude do termo “regiões” na aplicação do Art. 151, I da Constituição Federal, que, insta salientar, é reflexo do objetivo fundamental destinado a reduzir as desigualdades regionais na seara tributária.

O que alega o ministro é que as regiões do Brasil não podem ser apenas a Norte, Nordeste, Centro-Oeste, Sudeste e Sul, porque dentro dessas regiões existem desigualdades que precisam ser tratadas e equilibradas, então não há inconstitucionalidade criada entre os Estados do Espírito Santo e do Rio de Janeiro em relação aos demais Estados da Região Sudeste. Então o termo “regiões” contigo no Art. 151, I da Lei Maior não pode ser interpretado de modo tão estrito.

Dessa maneira, percebe-se que o princípio da redução das desigualdades regionais pode ser ampliado além das zonas geográficas criadas em nosso País, de modo que a finalidade do texto constitucional possa ter mais amplitude e ser utilizado com mais efetividade por parte dos agentes públicos, já que o conceito de desigualdade pode ocorrer de forma setorial.

O princípio da redução das desigualdades social não encontra limitado apenas num objetivo fundamental descrito na nossa Constituição Federal, porque o texto maior revela mecanismos para dar efetividade a essa realidade, sendo um desses mecanismos pautados na seara tributária.

Esses mecanismos inseridos no texto constitucional para viabilizar o princípio da redução das desigualdades encontram-se a uniformidade na fixação das alíquotas dos tributos pela União dentro do território nacional, de modo a não permitir a distinção entre as regiões, exceto quando for para realizar a redução das desigualdades entre elas. Esse preceito encontra-se regulado no Art. 151, I da Constituição Federal e apresenta-se como elemento para ratificar o pensamento de uma distorção trazida no sistema de isenção tributária conferida ao Adicional ao Frete para a Renovação da Marinha Mercante.

Com efeito, a incidência da referida norma sobre a sistemática tributária do AFRMM incute uma percepção de que o legislador não observou a redução das desigualdades regionais, quando delimitou uma alíquota diferenciada para a região Norte e Nordeste superior as demais regiões.

Para tanto, passa-se analisá-la para averiguar essa violação ao princípio da redução das desigualdades regionais, mediante o estudo do principio da isonomia tributária inserida no Art. 151, I da Constituição que se apresenta como um limite do poder de tributar da União.


5 .O PRINCÍPIO DA UNIFORMIDADE TRIBUTÁRIA E A ALÍQUOTA DO AFRMM FIXADA NO ART. 6, III DA LEI N° 10.893/2004

Como visto anteriormente, o princípio da uniformidade tributária está ilustrado no Art. 151, I da Constituição Federal de 1988 e apresenta-se como um elemento formal para limitar o poder daUnião em tributar, quando estabelece a vedação de instituir tributos diferenciados entre os membros da federação, exceto quando for, justamente, para atender os objetivos da república na diminuição das desigualdades entre as regiões do país.

A análise do Art. 151, I da Constituição Federal, de fato, não permite a União realizar uma distinção entre quaisquer membros da federação, pois, essa vedação revela um reflexo do pacto federativo por ocasião da instituição de tributos federais no conteúdo da referida norma constitucional.

O sistema tributário delimitado pela União incidente sobre a navegação, seja ela de longo curso, de cabotagem, fluvial ou lacustre, observa a limitação do poder tributar estatuída no Art. 151, I de nossa Constituição Federal, porque os tributos fixados nessa sistemática possuem uma uniformidade de todos os aspectos constitutivos da obrigação tributária em todo o território nacional, não importando se a operação seja de comércio exterior ou não.

A única exceção à referida sistemática encontra-se no Adicional sobre Frete para Renovação da Marinha Mercante ao se verificar que os aspectos da formação da obrigação tributária não são aplicados de forma uniforme no território nacional, quando se delimitou uma alíquota diferenciada para a região Norte e Nordeste incidentes sobre o transporte de granéis líquidos realizado por meio da navegação fluvial ou lacustre.

O percentual fixado para essa obrigação tributária é superior às demais alíquotas delimitadas na Lei n° 10.893/2004 e dentro da sistemática do tributo apresenta-se como uma hipótese de exceção a não incidência do tributo concedido em favor da navegação fluvial e lacustre na região Norte e Nordeste, uma vez que ele não incide sobre as demais espécies de mercadorias transportadas nessas regiões, mas tão somente sobre aquelas consideradas como granéis líquidos.

A alíquota de 40% (quarenta por cento) fixada para a navegação fluvial e lacustre para o transporte de granéis líquidos na região Norte e Nordeste é um elemento encarecedor na região, porque, se comparada com a navegação de cabotagem, que, também, só é realizada dentro do país, ela é quatro vezes maior do que a que é prevista para esta, tendo-se em vista que a alíquota é de apenas 10% (dez por cento).

A leitura do Art. 6°, III da Lei n° 10.983/2004 revela que, de fato, o legislador não observou a vedação constitucional de instituir tributos diferenciados entre as regiões do país, pois, a alíquota de 40% (quarenta por cento) estipulada para a navegação fluvial ou lacustre somente incidente na região Norte e Nordeste, ou seja, realizando uma distinção desfavorável perante as demais regiões do país.

Neste diapasão, a alíquota de 40% (quarenta por cento) somente seria válida se a carga tributária do Adicional ao Frete para a Renovação da Marinha Mercante fosse superior nas demais espécies de navegação, pois, nesta hipótese, a verificação dessa disparidade se justificaria, em razão do permissivo do Art. 151, I da Constituição Federal destinado para promover o equilíbrio no desenvolvimento sócio – econômico entre as diferentes regiões do país.

Observa-se, perfeitamente, que o referido permissivo legal está, intrinsecamente, com o princípio da redução das desigualdades regionais e, por consequente, a disparidade contida no Art. 6°, III da Lei n° 10.893/2004 somente seria possível se o seu resultado coadunassecom tal realidade e viesse, desse modo, promover um desenvolvimento nas regiões Norte e Nordeste no âmbito da navegação fluvial e lacustre.

Com efeito, a problemática de realizar uma distinção entre as regiões do país na incidência do AFRMM não pode ser enfrentada como uma questão de âmbito ambiental, porque o modal marítimo fluvial e lacustre não é uma exclusividade das regiões Norte e Nordeste, de modo que tal pensamento não pode ser aplicado restritivamente as mencionadas localidades.

O pensamento de realizar uma política protetiva ambiental por meio de uma alíquota maior incidente sobre o frete de mercadorias transportadas pelas vias internas do país não poderia ser fundamentada sob este aspecto ao se perceber que a eventualidade de um dano ambiental pode trazer consequências graves em toda e qualquer região do Brasil que ocorra. Um dano ambiental é um dano ambiental, independentemente, onde ele ocorra.

Dessa maneira, também, sob o enfoque ambiental, a prática de uma distinção de incidência do AFRMM para região Norte e Nordeste com uma alíquota maior incidente sobre a navegação fluvial ou lacustre não encontra guarida, porque ela não atenderia ao princípio da uniformidade tributária, ao pacto federativo ou, tampouco, ao objetivo republicano de diminuição das desigualdades entre as regiões do país.

O referido raciocínio fica mais evidente com uma análise das bacias hidrográficas existentes no país e da respectiva malha aquaviária, porque se percebe que existe uma grande extensão situada dentro da região Norte e Nordeste do país, ou seja, justamente, nas regiões em que o AFRMM incide sobre o transporte de granéis líquidos.

Os estudos desenvolvidos pela Agência Nacional de Transportes Aquaviáriosindicam uma dimensão da malha que pode alcançar uma extensão de 63.000 KM, após a realização de obras de infraestruturas nos rios e bacias hidrográficas, sendo grande parte dessa extensão situada dentro das regiões Norte e Nordeste, conforme dito alhures. Infelizmente, a referida extensão não chega a metade do referida extensão.

Entrementes, o cenário atual revela que as referidas regiões detém, pelo menos, 20.000 KM de vias navegáveis e comparado com as demais regiões, essa extensão representa quase o quádruplo da soma de suas respectivas vias navegáveis, de modo que podemos concluir acerca da grande potencialidade daquelas em relação a estas.

Ilustra-se a referida assertiva com a demonstração dos principais rios e complexos fluviais navegáveis no Brasil. Veja:

Tabela 1HIDROGRAFIA NAVEGÁVEL DO BRASIL

Fonte: Disponível em: http://hidroviasinteriores.blogspot.com.br/2010/11/transporte-fluvial-e-o-transporte.html. Acesso em 10.03.2013

A análise dos dados da malha das vias marítima interna do nosso país revela um grande potencial para navegação fluvial e lacustre nas regiões Norte e Nordeste no transporte de mercadoria de todas as espécies e apresenta-se como um modal com a aptidão de gerar um desenvolvimento sócio – econômico às mesmas, já que, como é cediço, ele representa como meio de transporte mais barato e com menos impacto ambiental em relação aos demais.

Os dados ratificam a ideia de que o legislador incorreu num vício de inconstitucionalidade na delimitação de uma alíquota diferenciada, porque a fixação de uma alíquota maior não encontra uma justificativa para realizar essa distinção para regiões Norte e Nordeste, de modo que o resultado dessa realização não enseja uma diminuição das desigualdades entre as regiões, mas um elemento impeditivo para o desenvolvimento dessa espécie de navegação no transporte de granéis líquidos no Norte e Nordeste do país.

Com efeito, a problemática criada pelo legislador infraconstitucional viola o objetivo fundamental da república e a limitação tributária da União, pois, a hipótese inserida não se constitui como um fator de desenvolvimento para a região Norte e Nordeste no âmbito da navegação fluvial e lacustre para o transporte de graneis líquidos, de maneira que o substrato de constitucionalidade da norma fica comprometido perante seus destinatários.

A alíquota fixada no Art. 6°, III da Lei n° 10.893/2004 produz um resultado negativo no desenvolvimento do setor, porque, em relação as demais regiões do país, onde se transporta granéis líquidos, o contribuinte terá uma desvantagem financeira de 40% (quarenta por cento) com o acrescimento no pagamento de um tributo sobre o frete ou valor declarado.

Nesse sentido, poder-se-ia argumentar um favorecimento das demais regiões do país para validar o resultado da referida norma e viesse a se compatibilizar com os preceitos constitucionais acima citados, no sentido de que,indiretamente, haveria a diminuição das desigualdades, em razão do incentivo a espécie de navegação numa malha aquaviária menor.

No entanto, tal assertiva, de longe, não se harmonizaria com o ideal defendido pelo texto constitucional de mitigar as desigualdades entre as regiões, porque as que são beneficiadas com essa disparidade nas alíquotas são as mais desenvolvidas no país em todos os aspectos sociais, econômicos e logísticos.

A implementação de uma alíquota diferenciada do AFRMM para determinadas regiões somente seria plausível se, através dela, houvesse um desenvolvimento do setor de transporte aquaviário, de maneira a acarretar um impacto positivo no desenvolvimento dos Estados que as compõem e viesse, diretamente, resultar numa diminuição das desigualdades perante as demais.

Tal diminuição seria vislumbrada com o aumento da movimentação de cargas de granéis líquidos, porque refletiria no aumento da geração de renda, emprego e divisas em favor da região beneficiada. Dessa maneira, essa realidade não poderia ser deferida em favor de regiões mais desenvolvidas, pois ela seria pautada em detrimento das outras de forma expressa na lei.

Desse modo, o impacto da sistemática formulada no Art. 6°, III da Lei n° 10.893/2004 acarreta os efeitos contrários almejados pelo texto constitucional, porque beneficia regiões mais desenvolvidas de nosso país com a não incidência do AFRMM no transporte granéis líquidos dentro de sua malha fluvial e lacustre, acentuando, ainda mais, as desigualdades entre regiões mais pobres do país com a taxação exacerbada do referido tributo que inviabiliza qualquer iniciativa de desenvolvimento nessas regiões.

A constatação dessa sistemática tributária estabelecida para o Adicional ao Frete para a Renovação da Marinha Mercante revela, então, uma hipótese de inversão dos objetivos contidos no Art. 3°, III da Constituição Federal, pois as regiões beneficiadas com a alíquota de 40% (quarenta por cento) são aquelas mais desenvolvidas e com melhor malha aquaviária, de maneira a acentuar mais, ainda, as diferenças regionais como já anteriormente mencionado.

Não obstante isso, há uma inobservância clara a exceção trazida no Art. 151, I da Constituição Federal com a implementação de uma alíquota regionalizada, onde a sua aplicação não acarreta um desenvolvimento das regiões onde ela incide, em razão de onerar o valor final da operação, de maneira a não satisfazer a condição exigida na Lei Maior para sua validade, qual seja, a promover o equilíbrio do desenvolvimento sócio-econômico entre as diferentes regiões do País.

Portanto, a alíquota de 40% (quarenta por cento) fixada no Art. 6°, III da Lei n° 10.893/2004 para a região Norte e Nordeste não traz consigo os referidos elementos necessários para sua validade no plano concreto, contaminando-a com um vício insanável de inconstitucionalidade.

Assim, denota-se, claramente, a inconstitucionalidade da alíquota de 40% (quarenta por cento) incidente sobre o frete ou do valor declarado das mercadorias transportadas pelas vias fluviais ou lacustres no âmbito das regiões Norte e Nordeste do Brasil, já que é um fator contrário aos preceitos constitucionais consagrados no Art. 3°, III e Art. 151, I, ambos da Constituição Federal.


6.CONSIDERAÇÕES FINAIS

A análise neste ensaio sobre a problemática tributária inserida na Lei n° 10.893/2004 iniciou-se com a origem do tributo denominado Adicional ao Frete para a Renovação da Marinha Mercante para entender a natureza jurídica, a finalidade dentro do ordenamento jurídico e a sua importância no desenvolvimento da indústria naval brasileira.

O presente estudo ensejou a necessidade de realizar uma análise dos aspectos formadores da obrigação tributária para delimitar os seus respectivos componentes e, consequentemente avivaros elementos necessários para se delimitar a incidência, as isenções, as imunidades do tributo no plano concreto e, doravante confrontá-los no plano constitucional.

O corolário desse estudo conseguiu identificar a existência de um elemento formador da obrigação tributária que não se harmonizava com o plano constitucional, pois, a sua aplicação, aparentemente, violava os objetivos fundamentais almejados no Art. 3°, III da Constituição Federal, na medida em que havia uma alíquota não uniforme no território nacional sem que trouxesse uma diminuição nas desigualdades sócio-econômico nas regiões atingidas pela sua incidência.

O aprofundamento dessa realidade foi feito com a demonstração de que a região afetada pela medida possui a maior parte da malha aquaviária do Brasil e a alíquota seria um grande elemento impeditivo desenvolvimento para a navegação fluvial e lacustre no transporte de granéis líquidos na região, de maneira a produzir resultados contrários a diminuição das desigualdades entre as regiões.

As consequências negativas da existência de uma alíquota maior que as demais e incidentes apenas nas regiões Norte e Nordeste do país não se harmonizam com o permissivo constitucional do Art. 151, I para validar a ocorrência de alíquota superior a que é praticada nas demais regiões do país, porque os seus impactos não acarretam nenhuma espécie de desenvolvimento sócio-econômico, tornando a norma infraconstitucional não enquadrada na referida exceção do princípio da uniformidade tributária.

O resultado trazido pelo Art. 6°, III da Lei n° 10.893/2004 não encontra lastro constitucional para torná-lo válido no plano concreto, porque proporciona uma situação tributária prejudicial a regiões mais carentes e que contribui apenas para o aumento das desigualdades perante as outras mais desenvolvidas.

Dessa maneira, a fixação da alíquota regionalizada somente seria possível se ela acarretasse a diminuição das desigualdades entre as regiões do país, pois, a limitação do poder de tributar da União impõe a necessidade de haver uma uniformidade dos tributos em todo o país, de modo que a única exceção a tal regra é destinada para atender os objetivos fundamentais da república contida no Art. 3° de nossa Constituição Federal.

Com isso, como a regra contida no Art. 6°, III da Lei n° 10.893/2004 não atende a tal finalidade, ela encontra eivada com o vício de inconstitucionalidade que lhe retira a validade da incidência da alíquota de 40% (quarenta por cento) sobre o frete ou valor declarado das mercadorias consideradas granéis líquidos.

Assim, ante a constatação da inconstitucionalidade da referida alíquota, legitima a aplicação da hipótese de não incidência do AFRMM sobre o frete ou valor declarado das mercadorias consideradas granéis líquidos contida no Art. 4°, § Único, I da Lei n° 10.893/2004 em todo o território nacional para atender o princípio da uniformidade tributária consagrado no Art. 151, I da Constituição Federal de 1988.


7 .REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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OLIVA, José Alex Botelho de.Cenário Atual do Transporte Hidroviário Brasileiro. Disponível em: http://www.antaq.gov.br/portal/pdf/palestras/Mar0817PiracicabaAlexOliva.pdf>. Acesso em: 10.mar.2013.


Abstract: This article examines the constitutionality of the tax rate of 40% (forty percent) of the incident AFRMM freight or declared value of the goods considered as bulk liquids transported by waterways and lakes in the North and Northeast of the country, under the principle uniformity of taxation and the fundamental objective of the republic aimed at reducing inequalities between regions.

Keywords: Constitutionality. Aliquot of 40% AFRMM. River and lake navigation. Liquid Bulk commodity.Reducing Regional Inequalities.


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COSTA, Francisco Sylas Machado. A violação ao princípio da uniformidade tributária na incidência do adicional ao frete para a renovação da marinha mercante (AFRMM) nas regiões Norte e Nordeste do Brasil no transporte de granéis líquidos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3598, 8 maio 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24385. Acesso em: 28 mar. 2024.