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Princípio da igualdade tributária como fundamento na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal

Princípio da igualdade tributária como fundamento na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal

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Somente é possível aferir o cumprimento do princípio da igualdade com a análise da igualdade na lei e perante a lei, uma vez que tais aspectos são complementares. O princípio da capacidade contributiva positiva a necessidade de desigualar para atingir a justiça fiscal.

Sumário: Introdução. 1.Princípio da Igualdade. 2. Princípio da Igualdade Tributária. 3. Princípios Jurídicos e Argumentação. 3.1. Princípios Jurídicos. 3.2. Argumentação Jurídica na Decisão Judicial. 4. Análises de Casos da Jurisprudência. 4.1. Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº 3.334/RN. 4.2. Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº 1.655-5/AP. 4.3. Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº 1.643-1/UF. 5. Conclusões. 6. Referências Bibliográficas


Introdução

Esse trabalho tem como escopo analisar como o Supremo Tribunal Federal tem utilizado o princípio da igualdade tributária como fundamento de julgamento em suas decisões, especialmente em sede de controle direto de constitucionalidade.

Sendo assim, no primeiro capítulo trataremos do princípio da igualdade em sua forma mais genérica, prevista no caput do art. 5º da Constituição Federal, bem como faremos considerações acerca de como a doutrina aborda o referido princípio.

No capítulo segundo, trataremos do princípio da igualdade tributária, previsto no art. 150, II da Constituição Federal, também fazendo considerações de como a doutrina do Direito Tributário aborda o tema.

No capítulo terceiro faremos considerações acerca da importância e utilidade dos princípios no direito, especialmente relacionando esse tema com os estudos de argumentação jurídica aplicados na decisão judicial.

Quanto a isso, diante da proposta de estrutura argumentativa de Stephen E. Toulmin, partiremos para a análise de alguns casos julgados pelo Supremo Tribunal Federal.


1. Princípio da Igualdade

O caput do art. 5º da Constituição Federal consagra o princípio da igualdade, dispondo que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza.

Tal princípio é tão abrangente que dele decorrem vários outros previstos nos dispositivos constitucionais. Por exemplo, podemos citar os seguintes:

  • (i) Art. 7º, XXX, que veda a diferenciação salarial por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil;

  • (ii) Art. 5º, XLII, que veda o racismo; e

  • (iii) Art. 150, II, que prevê o princípio da isonomia tributária.

Cabe destacar que, apesar de o art. 5º da Constituição Federal literalmente falar em igualdade perante a lei, é pacífico o entendimento de que o princípio da igualdade obriga tanto o legislador, quanto o aplicador da lei.

Daí que surge a clássica diferenciação entre igualdade na lei e igualdade perante a lei.

Nesse sentido, destacamos as palavras de CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO, que nos traz as seguintes lições:

O preceito magno da igualdade, como tem sido assinalado, é norma voltada quer para o aplicador da lei quer para o próprio legislador. Deveras, não só perante a norma posta se nivelam os indivíduos, mas, a própria edição dela assujeita-se ao dever de dispensar tratamento equânime às pessoas1.

Importante ressaltar que outros autores, como ALEXANDRE DE MORAES2, por exemplo, entendem haver uma tríplice finalidade limitadora do princípio da igualdade:

  • (i) limitação ao legislador;

  • (ii) ao intérprete/autoridade pública e (iii) ao particular.

Todavia, apesar de relevante o estudo da aplicação do princípio da igualdade entre particulares, essa perspectiva de análise não nos interessa para o presente trabalho.

Isso porque, diante da delimitação do objeto que pretendemos nos aprofundar, deliberadamente não trataremos da isonomia sob essa perspectiva, tendo em vista que o direito tributário não se ocupa das relações entre particulares, mas tão somente da relação entre Estado e Contribuinte.

Contudo, é importante fazer o registro que a doutrina vem desenvolvendo estudos acerca da aplicação de princípios e direitos fundamentais nas relações particulares, sobretudo pela corrente doutrinária denominada de Neoconstitucionalista.

Assim, firmemos a premissa de que no presente trabalho nos atentaremos apenas à diferença entre:

  • (i) igualdade na lei (dirigida ao legislador), e

  • (ii) igualdade perante a lei (dirigida ao aplicador).

Quanto a esses aspectos, são relevantes as lições de J.J. GOMES CANOTILHO3, para quem a igualdade na lei (dirigida ao legislador) deve se atentar para três postulados:

  1. Princípio da universalidade ou princípio da justiça pessoal;

  2. Exigência de igualdade material através da lei; e

  3. Igualdade justa (pressupõe um juízo e um critério de valoração).

Para o ilustre autor português, o princípio da universalidade (i) seria o que a doutrina costuma chamar de igualdade formal, ou seja, devem-se prever resultados jurídicos iguais para todos os indivíduos com as mesmas características.

Quanto a isso, ressaltamos que tal postulado é de suma importância. No entanto, cabe informar que a desconsideração dos demais postulados, e o exagerado enfoque na igualdade formal fez com que prevalecesse nos Estados Unidos da América a denominada teoria do Separate but Equal, que consistia na separação de brancos e negros, assegurando-se uma prestação de serviços idênticos4.

Todavia, atualmente o princípio da igualdade ultrapassa esse aspecto formal, que foi consagrada pelo liberalismo clássico, atingindo o patamar da igualdade material, que por muitas vezes se confunde com o próprio princípio da Justiça.

Tanto é assim, que ALFREDO AUGUSTO BECKER5, com todo o brilhantismo que lhe é peculiar, sobretudo na forma eloquente como maneja as palavras, cunhou expressões que esclarecem muito bem o sentido de uma compreensão do princípio da igualdade para além da igualdade formal.

Para o ilustre jurista gaúcho, o princípio da igualdade deve ser visto de forma geométrica (proporcional) e não de forma aritmética (quantidade).

Assim, não é exagero dizer que diante de um Estado Democrático de Direito, efetivador dos direitos fundamentais e realizador da Justiça, a Dogmática Jurídica evoluiu nos estudos do princípio da igualdade sob o aspecto material, costumeiramente consubstanciada na fórmula de Aristóteles, e citada por RUI BARBOSA em seu clássico Oração aos Moços:

A regra da igualdade não consiste senão em quinhoar desigualmente aos desiguais, na medida em que se desigualam. Nesta desigualdade social, proporcionada à desigualdade natural, é que se acha a verdadeira lei da igualdade. O mais são desvarios da inveja, do orgulho, ou da loucura. Tratar com desigualdade a iguais, ou a desiguais com igualdade, seria desigualdade flagrante, e não igualdade real. Os apetites humanos conceberam inverter a norma universal da criação, pretendendo, não dar a cada um, na razão do que vale, mas atribuir o mesmo a todos, como se todos se eqüivalessem6.

Assim, retomando à linha de raciocínio de J.J. GOMES CANOTILHO, o princípio da igualdade não deve ser reduzido à igualdade formal ou, na expressão utilizada pelo ilustre autor português, ao postulado da universalização, já que isso

(...), pouco adiantaria, já que ele permite discriminação quanto ao conteúdo. (...). Reduzido a um sentido formal, o princípio da igualdade acabaria por se traduzir num simples princípio da prevalência da lei em face da jurisdição e da administração. Consequentemente, é preciso delinear os contornos do princípio da igualdade em sentido material7.

Diante disso, o autor destaca que também deve ser observada a exigência da igualdade material através da lei, pois,

Diferentemente da estrutura lógica formal de identidade, a igualdade pressupõe diferenciações. A igualdade designa uma relação entre diversas pessoas e coisas. Reconduz-se, assim, a uma igualdade relacional, pois ela pressupõe uma relação tripolar (...): o indivíduo a é igual ao indivíduo b, tendo em conta determinadas características8.

Todavia, ainda segundo o autor, a fórmula exposta pela igualdade material (“o igual deve ser tratado igualmente e o desigual desigualmente”), não expõe o critério material de um juízo de valor sobre a relação de igualdade.

Por conta disso, é importante se atentar para a questão da igualdade justa. Dito de outra forma, mister seja avaliada a seguinte questão: qual o critério de valoração para a relação de igualdade?

Quanto a isso, o autor comenta a hipótese levantada por grandes autores, que fundamenta a igualdade justa na proibição geral do arbítrio. Ou seja, o princípio da igualdade é violado quando a desigualdade de tratamento é arbitrária.

Contudo, após levantar essa possibilidade, o catedrático da Universidade de Coimbra a refuta, uma vez que a análise acerca do princípio da proibição do arbítrio deve estar ligada a um critério material objetivo, que costuma ser sintetizado da seguinte forma: a igualdade é violada arbitrariamente quando o tratamento jurídico não se basear em

  • (i) fundamento sério;

  • (ii) não tiver um sentido legítimo;

  • (iii) estabelecer diferenciação jurídica sem um fundamento razoável.

Como a proibição do arbítrio acaba intrinsecamente determinada pela exigência de um “fundamento razoável”, isso implicaria novamente em um problema de valoração. Por isso, J.J. GOMES CANOTILHO acaba concluíndo pela:

  • (1) a insuficiência do “arbítrio” como fundamento adequado de “valoração” e de “comparação”;

  • (2) a imprescindibilidade da análise da “natureza”, do “peso”, dos “fundamentos” ou “motivos” justificadores de soluções diferenciadas;

  • (3) insuficiência da consideração do princípio da igualdade como um direito de natureza apenas “defensiva” ou “negativa”9.

Dessa forma, por ser impossível a existência de critérios objetivos para verificação do cumprimento do princípio da igualdade pelo legislador, ou seja, igualdade na lei, muitas vezes o problema se desloca para a aplicação do princípio ao caso concreto.

Portanto, a igualdade perante a lei, que tem como destinatário o aplicador, consubstancia-se na situação em que diante do caso concreto este estaria impedido de dispensar tratamento desigual àqueles que a lei considerou iguais.

Quanto a isso, CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO parece ter encontrado parâmetros consistentes em sua clássica monografia sobre o tema. Em seu trabalho, o ilustre professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo estabelece três questões a serem observadas para que não ocorra a violação ao princípio da igualdade. São essas as palavras do autor:

Parece-nos que o reconhecimento das diferenciações que não podem ser feitas sem quebra da isonomia se divide em três questões:

  1. A primeira diz com o elemento tomado como fator de desigualação;

  2. A segunda reporta-se à correlação lógica e abstrata existente entre o fator erigido em critério de discrímen e a disparidade estabelecida no tratamento jurídico diversificado;

  3. A terceira atina-se à consonância desta correlação lógica com os interesses absorvidos no sistema constitucional e destarte juridicizados10.

Portanto, no entendimento acima exposto, não basta apenas uma correlação lógica abstrata entre o critério de discriminação e a diferenciação. É necessário que haja uma correlação lógica concreta, verificada à luz da Constituição Federal.

Assim, a diferença entre igualdade na lei (dirigida ao legislador) e igualdade perante a lei (dirigida ao aplicador) é de suma importância, uma vez que tais aspectos são complementares.

Isso porque apenas a partir da análise da igualdade na lei (dirigida ao legislador), que se verifica a correlação lógica abstrata do critério de discriminação. Por sua vez, é a partir da análise da igualdade perante a lei (dirigida ao aplicador) que se verifica a correlação lógica concreta.

Logo, essas duas análises são fundamentais para aferir o cumprimento/descumprimento do princípio da igualdade e, por isso, estão intrinsecamente relacionadas.

Isso foi brilhantemente observado pelo professor TÉRCIO SAMPAIO FERRAZ JR., que assim dispõe em sua obra:

Como princípio da justiça, a igualdade aparece, pois, como um código identificador do equilíbrio na distribuição de bens nas relações sociais. Como código, porém, admite diferentes decodificações. Pode, portanto, constituir um código forte ou um código fraco, noções que já discutimos anteriormente ao falar de hermenêutica. A igualdade como princípio representa um código forte. A proporcionalidade exigida permite articulações unívocas, com um sentido conotativo e denotativamente preciso. O princípio da igualdade trabalha com dois valores e exclui um terceiro: ou há ou não há igualdade. Não existe o mais ou menos igual11.

Feitas essas considerações, passaremos a analisar a igualdade sob o ponto de vista da Ciência do Direito Tributário, tendo em vista o disposto no art. 150, II da Constituição da República Federativa do Brasil.


2. Princípio da Igualdade Tributária

Diante da extrema relevância que o princípio da igualdade possui no sistema tributário, mesmo que previsto de forma geral no caput do art. 5º, o legislador constituinte originário resolveu por bem reiterá-lo no art. 150, II, que inaugura a Seção Das Limitações ao Poder de Tributar:

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

(...)

II - instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos;

De qualquer forma, o que deve ficar claro é que não há dois princípios distintos, mas somente um reforço, uma reiteração legislativa no que diz respeito ao princípio da igualdade no direito tributário.

De fato, somos firmes na premissa que mesmo que não houvesse a previsão do Art. 150, II da CF/88, o caput do art. 5º já seria suficiente para que o princípio da igualdade tivesse força impositiva em matéria tributária. Relembre-se que o princípio da igualdade deve pautar a interpretação de todas as normas do sistema jurídico, e não apenas de subáreas específicas.

Todavia, é interessante notar que o princípio da igualdade tributária previsto no art. 150, II, diferentemente do caput do art. 5º, possui um maior enfoque para a perspectiva da igualdade na lei, uma vez que a literalidade da mensagem é diretamente direcionada ao legislador tributário, importando em uma vedação à sua atividade legislativa.

Em outras palavras, o que o constituinte originário faz ao prescrever a observância do princípio da igualdade tributária é proibir que o legislador tributário institua tratamento desigual entre contribuintes em situação equivalente.

Nesse sentido, ROQUE ANTONIO CARRAZZA pontua que

Isto, não significa, por óbvio, que as leis tributárias devem tratar todas as pessoas da mesma maneira, mas, tão somente, que precisam dispensar o mesmo tratamento jurídico às que se encontrem em situações idênticas12.

Isso nada mais é do que a compreensão da igualdade sob seu aspecto material, ou seja, somente pode haver diferenciação se houver correlação lógica entre o elemento de discriminação e a diferenciação de tratamento prevista na lei.

Tanto é assim, que JOSÉ ARTUR LIMA GONÇALVES, em estudo sobre o tema, chega a uma análise muito semelhante àquela apresentada por CELSO ANTONIO BANDEIRA DE MELLO. Eis as palavras do primeiro autor:

Para que se afira a existência ou não de ofensa ao princípio da isonomia em matéria tributária, sugere-se que o pesquisador siga o seguinte roteiro sistemático ao deparar-se com a norma que crie discriminação:

  1. Dissecar a regra-matriz de incidência tributária em seus cinco critérios;

  2. Identificar qual é o elemento de discriminação utilizado pela norma analisada;

  3. Verificar se há correlação lógica entre o elemento de discriminação e a diferenciação de tratamento procedida; e,

  4. Investigar se há relação de subordinação e pertinência lógica entre a discriminação procedida e os valores positivados no texto constitucional13.

Portanto, “é claro que a lei tributária pode discriminar situações, desde que não erija em critério diferencial nem um traço tão específico que singularize o contribuinte por ela colhido, nem um fato havido pelo sistema constitucional como insuscetível de aceitar distinções (e.g., a cor, atributo racial)”14.

Ainda sobre o tema, LUCIANO AMARO traz importante observação de que o princípio da igualdade não apenas faculta ou proíbe a diferenciação, mas, sobretudo na perspectiva da igualdade material, o princípio também obriga a discriminação, o que se relaciona com a concretização do princípio da capacidade contributiva:

O problema – parece-nos – deve ser abordado em termos mais amplos: além de saber qual a desigualdade que faculta, é imperioso perquirir a desigualdade que obriga a discriminação, pois o tratamento diferenciado de situações que apresentem certo grau de dessemelhança, sobre decorrer do próprio enunciado do princípio da isonomia, pode ser exigido por outros postulados constitucionais, como se dá, no campo dos tributos, à vista do princípio da capacidade contributiva, com o qual se entrelaça o enunciado constitucional da igualdade. Deve ser diferenciado (com isenções ou com incidência tributária menos gravosa) o tratamento de situações que não revelem capacidade contributiva ou que mereçam um tratamento fiscal ajustado à sua menor expressão econômica.

Hão de ser tratados, pois, com igualdade aqueles que tiverem igual capacidade contributiva, e com desigualdade os que revelem riquezas diferentes e, portanto, diferentes capacidades de contribuir15.

Em sentido semelhante se manifesta ROQUE ANTONIO CARRAZZA, que também entende que o princípio da igualdade está intimamente relacionado com o da capacidade contributiva, uma vez que tributar os que expressam mais riqueza significa realizar a busca da igualdade material. Nesse sentido, o autor traz os seguintes ensinamentos:

Acrescentamos que o princípio da capacidade contributiva hospeda-se nas dobras do princípio da igualdade e ajuda a realizar, no campo tributário, os ideais republicanos. Realmente, é justo e jurídico que quem, em termos econômicos, tem muito pague, proporcionalmente, mais imposto do que quem tem pouco. Quem tem maior riqueza deve, em termos proporcionais, pagar mais imposto do que quem tem menor riqueza. Noutras palavras, deve contribuir mais para a manutenção da coisa pública. As pessoas, pois, devem pagar impostos na proporção dos seus haveres, ou seja, de seus índices de riqueza16.

Portanto, podemos concluir que o princípio da capacidade contributiva está relacionado com o princípio da igualdade tributária no seu sentido positivo, ou seja, no sentido em que o legislador está obrigado a atribuir uma carga tributária maior para quem tem maior possibilidade de contribuir com as despesas públicas.

Isso quer dizer que para realizar o princípio da capacidade contributiva, o legislador deve considerar as desigualdades econômicas dos contribuintes para, a partir disso, distribuir a carga tributária proporcional e equanimemente entre àqueles que podem contribuir mais.

Em outras palavras, é por meio de critérios de desigualação que o legislador realiza a igualdade tributária material, chegando-se ao corolário da igualdade e da capacidade contributiva, que é justamente a garantia de uma tributação justa17.


3. Princípios Jurídicos e Argumentação

Após fazer essas considerações acerca do princípio da igualdade tributária, passaremos a tratar da importância dos princípios na argumentação jurídica, e como os princípios são utilizados na fundamentação de decisões judiciais.

3.1.Princípios Jurídicos

Utilizando-se deu uma feliz metáfora proposta por GERALDO ATALIBA e CELSO ANTONIO BANDEIRA DE MELLO, ROQUE ANTONIO CARRAZA compara o sistema jurídico a um edifício, onde os princípios serviriam como os alicerces e vigas mestras:

(...), podemos dizer que o sistema jurídico ergue-se como um vasto edifício, onde tudo está disposto em sábia arquitetura; Contemplando-o, o jurista não só encontra a ordem, na aparente complicação, como identifica, imediatamente, alicerces e vigas mestras. Ora, num edifício tudo tem importância: as portas, as janelas, as luminárias, as paredes, os alicerces etc. No entanto, não é preciso termos conhecimentos aprofundados de Engenharia para sabermos que muito mais importantes que as portas e janelas (facilmente substituíveis) são os alicerces e as vigas mestras. Tanto que, se de um edifício retirarmos ou destruirmos uma porta, uma janela ou até mesmo uma parede, ele não sofrerá nenhum abalo mais sério em sua estrutura, podendo ser reparado (ou até embelezado). Já, se dele subtrairmos os alicerces, fatalmente cairá por terra. De nada valerá que portas, janelas, luminárias, paredes, etc. estejam intactas e em seus devidos lugares. Com o inevitável desabamento, não ficará pedra sobre pedra. Por bem, tomadas as cautelas que as comparações impõem, estes “alicerces” e estas “vigas mestras” são os princípios jurídico (...)18.

Dessa forma, “é o conhecimento dos princípios que preside a intelecção das diferentes partes componentes do todo unitário que há por nome sistema jurídico positivo“19.

Sendo assim, podemos concluir que é impossível a compreensão de um princípio de maneira isolada. Isso quer dizer que os princípios são necessariamente compreendidos dentro da plenitude do sistema jurídico, onde se relacionam uns com os outros.

Logo, a compreensão e identificação de um princípio específico sempre ocorrem de forma que haja relação com outros princípios. Isso ficou demonstrado, por exemplo, quando falamos da relação entre o princípio da igualdade e o da capacidade contributiva, no capítulo anterior.

Cabe também destacar que os princípios jurídicos se encontram em todas as camadas do direito positivo. Isso quer dizer, que existem princípios nas esferas legais e infralegais. Porém, diante da prevalência hierárquica da Constituição Federal no sistema jurídico, é inegável que os princípios constitucionais são os mais importantes, uma vez que irradiam seus efeitos para todas as outras camadas.

E ao irradiar seus efeitos, resta evidente que os princípios constitucionais possuem natureza normativa com elevado destaque hierárquico no sistema jurídico.

A natureza normativa dos princípios foi demonstrada por NORBERTO BOBBIO, conforme se verifica no seguinte trecho de sua obra:

Os princípios são apenas, a meu ver, normas fundamentais ou generalíssimas do sistema, as normas mais gerais. A palavra “princípios” leva a engano, tanto que é velha a questão entre os juristas se os princípios gerais do direito são normas. Para mim, não há dúvida: os princípios gerais são normas como todas as outras20.

No mesmo sentido, PAULO DE BARROS CARVALHO também demonstra entender que o vocábulo princípio designa conteúdo normativo, propondo uma classificação que diferencia duas espécies de princípios: (i) princípios valores, e (ii) princípios limites objetivos. Eis as palavras do ilustre professor:

Sendo objeto do mundo da cultura, o direito e, mas particularmente, as normas jurídicas estão sempre impregnadas de valor. Esse componente axiológico, invariavelmente presente na comunicação normativa, experimenta variações de intensidade de norma para norma, de tal sorte que existem preceitos fortemente carregados de valor e que, em função do seu papel sintático no conjunto, acabam exercendo significativa influência sobre grandes porções do ordenamento, informando o vector de compreensão de múltiplos segmentos. Em Direito, utilizamos o termo “princípio” para denotar as regras de que falamos, mas também se emprega a palavra para apontar normas que fixam importantes critérios objetivos, além de ser usada, igualmente, para significar o próprio valor, independentemente da estrutura a que está agregado e, do mesmo modo, o limite objetivo sem a consideração da norma21.

No mesmo sentido quanto à natureza normativa, ROQUE ANTONIO CARRAZZA:

(...), em razão de seu caráter normativo, os princípios constitucionais demandam estrita observância, até porque, tendo amplitude maior, sua desobediência acarreta consequências muito mais danosas ao sistema jurídico que o descumprimento de uma simples regra, ainda que constitucional. São eles que estabelecem aquilo que chamamos de pontos de apoio normativos para a boa aplicação do Direito22.

Dessa forma, considerando que os princípios são os pontos de apoio normativos para a boa aplicação do Direito, é importante que tracemos linhas gerais acerca da argumentação jurídica na decisão judicial, bem como a importância dos princípios jurídicos para o tema.

3.2. Argumentação Jurídica na Decisão Judicial

A Teoria da Argumentação tem ganhado maior destaque pelos juristas nas últimas décadas, surgindo a partir de uma reação ao positivismo kelseniano, e contra uma visão da atividade jurisdicional como uma operação lógico-dedutivas23.

Os estudos acerca da argumentação jurídica24 parte da análise dos argumentos no discurso em três momentos diferentes: (i) na produção das normas gerais e abstratas; (ii) na aplicação da norma jurídica; e (iii) na produção da dogmática jurídica.

No presente trabalho, nos restringiremos aos argumentos utilizados na decisão judicial para fundamentar sua conclusão (ii), sobretudo quando se utilizam de princípios jurídicos para sua tomada de posição. Tal estudo é relevante, tendo em vista que, ultimamente, os princípios jurídicos estão presentes na fundamentação de um grande número de decisões judiciais, uma vez que se tratam de “pontos de apoio para a boa aplicação do Direito”.

Portanto, o enfoque de nossa análise será a verificação de como os princípios constitucionais são utilizados para fundamentar as decisões judiciais.

Nesse trabalho optamos em fazer uma análise a partir da classificação proposta por STEPHEN TOULMIN25, que parte de uma estrutura prévia, por ele denominada layout de argumentos.

Segundo esse autor, essa estrutura é mais complexa da adotada pelo silogismo clássico, pois apresenta os seguintes elementos: (i) dados, (ii) alegação, (iii) garantia e (iv) apoio. O autor apresenta graficamente esses elementos da seguinte forma:

Podemos explicar cada um desses elementos da seguinte forma:

  • Dados: são as razões que dão causa à alegação e que sejam ao mesmo tempo relevantes e suficientes.

  • Alegação: É a representação da conclusão cujos méritos busca estabelecer no processo comunicacional, tanto para iniciar um debate, quanto para concluí-lo.

  • Garantia: É o enunciado que autoriza a passagem da razão para a pretensão;

  • Apoio: É o que respalda a emissão da garantia.

Considerando essa estrutura, podemos fazer o seguinte teste: partindo de uma alegação hipotética de que “a empresa ‘X’ deve pagar R$ 5.000,00 (cinco mil reais) para o Município de São Paulo, a título de Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza”, montaremos o layout de argumentos proposto por TOULMIN.

Dessa forma, os argumentos ficaram assim dispostos:

Feitas essas considerações, podemos concluir que dentro desse layout de argumentos, os princípios jurídicos figuram como garantias, uma vez que é justamente esse elemento que confirma a relação de implicação entre dados e alegações, autorizando a passagem da razão para a pretensão.

Nesse sentido, MANUEL ATIENZA, explicando a teoria de TOULMIN, dispõe o seguinte sobre a garantia:

A natureza das garantias depende também do tipo de argumento de que se trate, de maneira que poderá consistir numa regra de experiência, numa norma ou princípio jurídico, numa lei da natureza etc. Em todo caso, as garantias não são enunciados que descrevem fatos, mas regras que permitem ou autorizam a passagem de uns enunciados a outros26.

Portanto, a verificação dos critérios de aplicação do princípio da igualdade, tal como indicados por CELSO ANTONIO BANDEIRA DE MELLO, figura como garantias dentro do layout de TOULMIN.

Feitas essas considerações acerca dos princípios e do modelo de estrutura de argumentação jurídica, passaremos a análise de decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, em que se utilizou o princípio da igualdade como garantia para afastar ou aplicar alguma norma jurídica tributária.


4. Análises de Casos da Jurisprudência

Este capítulo final tem como objetivo demonstrar como é possível observar as argumentações presentes nas decisões judiciais, valendo-se dos conceitos considerados no decorrer deste trabalho.

Foram eleitos os seguintes critérios para promover a coleta das decisões judiciais que passariam numa primeira análise: (i) ser proferida pelo STF; (ii) ter sido julgada em sede de ação direta; (iii) versar sobre as normas tributárias vigentes após a promulgação da Constituição Federal de 1988; (iv) estar indexada pelo art. 150, II da Constituição Federal no site do STF.

Vamos, portanto, à análise de cada uma das decisões selecionadas.

4.1. Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº 3.334/RN

Essa ADI foi proposta pelo Procurador-Geral da República, para que fosse declarada a inconstitucionalidade do art. 240 da Lei Complementar Estadual do Rio Grande do Norte, nº 165/1999. O dispositivo impugnado foi editado da seguinte forma:

Art. 240. Os membros e os servidores do Poder Judiciário não estão sujeitos ao pagamento de custas e emolumentos pelos serviços judiciais e extrajudiciais.

Temos, portanto, que o referido dispositivo estabelece uma isenção tributária27 à determinada classe de indivíduos.

Sendo assim, cabe analisar, dentro dos critérios propostos por CELSO ANTONIO BANDEIRA DE MELLO, se a distinção feita pela legislação potiguar viola ou não o princípio da igualdade. Segue abaixo nossa proposta de análise:

Questões

Análise

Elemento de diferenciação

Membros/servidores do Poder Judiciário do Rio Grande do Norte x demais contribuintes.

Correlação lógica e abstrata entre o elemento de diferenciação e a disparidade no tratamento jurídico

Não há correlação lógica entre o elemento de diferenciação e a disparidade no tratamento jurídico dado pela norma.

A dissonância tem respaldo no sistema constitucional?

Essa disparidade não possui fundamento na Constituição Federal, uma vez que não há nada que justifique o acesso à justiça de membros/servidores do Poder Judiciário ser privilegiado.

Nesse caso específico, o Supremo Tribunal Federal entendeu da mesma forma que a análise acima proposta, conforme os seguintes trechos do voto do relator Min. Ricardo Lewandowski:

Com efeito, a Lei Complementar Estadual 165/1999, ao conceder isenção aos membros e servidores do Poder Judiciário do pagamento de custas e emolumentos pelos serviços judiciais e extrajudiciais, ofereceu tratamento diversificado entre contribuintes vedado pela Constituição.

Isso porque não há nada que justifique a vantagem dada pela lei aos membros e servidores do Poder Judiciário, isentando-os de custas e emolumentos pelos serviços judiciais e extrajudiciais, uma vez que, quando utilizam esses serviços, são usuários como todos os outros cidadãos.

Dentro do layout de argumentação proposta por TOULMIN, o fundamento da decisão do STF fica disposto da seguinte forma:

Para fins de registro, segue abaixo a ementa da decisão que acabamos de analisar:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 240 DA LEI COMPLEMENTAR 165/1999 DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE. ISENÇÃO DE CUSTAS E EMOLUMENTOS AOS MEMBROS E SERVIDORES DO PODER JUDICIÁRIO. VIOLAÇÃO AO ART. 150, II, DA CONSTITUIÇÃO. AÇÃO JULGADA PROCEDENTE. I – A Constituição consagra o tratamento isonômico a contribuintes que se encontrem na mesma situação, vedando qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida (art. 150, II, CF). II – Assim, afigura-se inconstitucional dispositivo de lei que concede aos membros e servidores do Poder Judiciário isenção no pagamento de custas e emolumentos pelos serviços judiciais e extrajudiciais. III – Ação direta julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade do art. 240 da Lei Complementar 165/199 do Estado do Rio Grande do Norte.

(ADI 3334, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Tribunal Pleno, julgado em 17/03/2011, DJe-064 DIVULG 04-04-2011 PUBLIC 05-04-2011 EMENT VOL-02496-01 PP-00035 RTJ VOL-00220- PP-00145)

4.2. Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº 1.655-5/AP

Essa ADI foi proposta pelo Governador do Estado do Amapá, requerendo a declaração de inconstitucionalidade dos artigos 1º e 2º da Lei Estadual 351/1997, que tratava de isenção de IPVA para veículos de transporte escolar. Os dispositivos impugnados foram editados da seguinte forma:

Art. 1º - Ficam isentos da incidência do imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores – IPVA, os veículos automotores especialmente destinados à exploração dos serviços de transporte escolar no Estado do Amapá devidamente regularizada junto à Cooperativa de Transportes Escolares do Município de Macapá – COOTEM.

Art. 2º - A Assembleia Legislativa avaliará os efeitos da concessão da isenção de que trata o artigo anterior, através de relatórios que serão requeridos à Secretaria de Estado da Fazenda – SEFAZ, durante o período legislativo posterior ao da concessão.

Temos, portanto, novamente um dispositivo que estabelece isenção tributária a um determinado grupo de indivíduos, trazendo como condição a regularização do veículo a uma cooperativa específica.

Importante destacar que nesse caso o STF deferiu a liminar para suspender a aplicação da norma isentiva, reconhecendo a violação do princípio da igualdade tributária, previsto no art. 150, II da Constituição Federal.

Na defesa da constitucionalidade da norma, o Advogado-Geral da União levantou a preliminar de que “o ato normativo estadual questionado contém efeitos concretos e individuais”, motivo pelo qual não seria cabível o controle em sede de ação direta nesse caso.

Todavia, no julgamento do mérito o tribunal afastou essa alegação, entendendo que “a determinabilidade dos destinatários da norma não se confunde com a sua individualização, que, esta sim poderia convertê-lo em ato de efeitos concretos, embora plúrimos”.

O voto do relator também traz uma conclusão interessante, no sentido que “caso prevalecesse a tese do Advogado-Geral da União, nunca seria possível examinar, pela via do controle abstrato, ofensa ao princípio da igualdade e isonomia. Dessa forma, a referida lei estadual possui a necessária generalidade e abstração para ser conhecida, pois seus destinatários são determináveis, e não determinados”.

Dessa forma, nesse caso o STF também entendeu pela violação do princípio da igualdade, uma vez que o critério de diferenciação (associados x não associados) não teria uma correlação lógica com o tratamento desigual que se estabeleceu, bem como não há respaldo constitucional para tal distinção. Eis as palavras do relator:

No mérito, a vedação constitucional de tratamento desigual a contribuintes que estão em situação equivalente não foi observada pelo legislador estadual, ao editar a lei ora atacada. Um exame mais aprofundado, após o deferimento da medida liminar, revela não ser possível, no universo dos proprietários de veículos destinados ao transporte escolar, que somente os filiados a determinada cooperativa alcancem a isenção do IPVA.

Dentro do layout de argumentação proposta por TOULMIN, o fundamento da decisão do STF fica disposto da seguinte forma:

Segue abaixo a ementa da decisão que acabamos de analisar:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI ESTADUAL 356/97, ARTIGOS 1º E 2º. TRATAMENTO FISCAL DIFERENCIADO AO TRANSPORTE ESCOLAR VINCULADO À COOPERATIVA DO MUNICÍPIO. AFRONTA AO PRINCÍPIO DA IGUALDADE E ISONOMIA. CONTROLE ABSTRATO DE CONSTITUCIONALIDADE. POSSIBILIDADE. CANCELAMENTO DE MULTA E ISENÇÃO DO PAGAMENTO DO IPVA. MATÉRIA AFETA À COMPETÊNCIA DOS ESTADOS E À DO DISTRITO FEDERAL. TRATAMENTO DESIGUAL A CONTRIBUINTES QUE SE ENCONTRAM NA MESMA ATIVIDADE ECONÔMICA. INCONSTITUCIONALIDADE. 1. Norma de efeitos concretos. Impossibilidade de conhecimento da ação direta de inconstitucionalidade. Alegação improcedente. O fato de serem determináveis os destinatários da lei não significa, necessariamente, que se opera individualização suficiente para tê-la por norma de efeitos concretos. Preliminar rejeitada. 2. Lei Estadual 356/97. Cancelamento de multa e isenção do pagamento do IPVA. Matéria afeta à competência dos Estados e à do Distrito Federal. Benefício fiscal concedido exclusivamente àqueles filiados à Cooperativa de Transportes Escolares do Município de Macapá. Inconstitucionalidade. A Constituição Federal outorga aos Estados e ao Distrito Federal a competência para instituir o Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotores e para conceder isenção, mas, ao mesmo tempo, proíbe o tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem na mesma situação econômica. Observância aos princípios da igualdade, da isonomia e da liberdade de associação. Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente.

(ADI 1655, Relator(a): Min. MAURÍCIO CORRÊA, Tribunal Pleno, julgado em 03/03/2004, DJ 02-04-2004 PP-00008 EMENT VOL-02146-01 PP-00156)

4.3. Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº 1.643-1/UF

Essa ADI foi proposta pela Confederação Nacional das Profissões Liberais – CNPL, com pedido de declaração de inconstitucionalidade do art. 9º, inciso XIII da Lei Federal 9.317/1996, que dispunha sobre o antigo regime do SIMPLES Federal. O dispositivo impugnado foi editado da seguinte forma:

Art. 9º Não poderá optar pelo SIMPLES, a pessoa jurídica:

(...)

XIII - que preste serviços profissionais de corretor, representante comercial, despachante, ator, empresário, diretor ou produtor de espetáculos, cantor, músico, dançarino, médico, dentista, enfermeiro, veterinário, engenheiro, arquiteto, físico, químico, economista, contador, auditor, consultor, estatístico, administrador, programador, analista de sistema, advogado, psicólogo, professor, jornalista, publicitário, fisicultor, ou assemelhados, e de qualquer outra profissão cujo exercício dependa de habilitação profissional legalmente exigida

Temos, portanto, um dispositivo que retira do campo de abrangência de um regime tributário diferenciado, simplificado e favorecido, determinados contribuintes que exercem as atividades elencadas no inciso XIII.

Sendo assim, dentro dos critérios por CELSO ANTONIO BANDEIRA DE MELLO, fazemos a seguinte análise da questão:

Questões

Análise

Elemento de diferenciação

Microempresas/EPP x empresas prestadoras de serviços de profissionais que exigem habilitação.

Correlação lógica e abstrata entre o elemento de diferenciação e a disparidade no tratamento jurídico

Há correlação lógica entre o elemento de diferenciação e a disparidade no tratamento jurídico dado pela norma.

A dissonância tem respaldo no sistema constitucional?

Essa disparidade possui fundamento na Constituição Federal, uma vez que esta prevê em seu artigo 179 que os entes federativos dispensarão às microempresas e empresas de pequeno porte, assim definidas em lei, tratamento jurídico diferenciado.

Interessante destacar que nesse caso o STF entendeu ser razoável a distinção feita pelo art. 9º, XIII da Le 9.317/96, conforme o seguinte trecho do voto do relator:

Com efeito, especificamente quanto ao inciso XIII do citado art. 9º, não resta dúvida que as sociedades civis de prestação de serviços profissionais relativos ao exercício de profissionais relativos ao exercício de profissão legalmente regulamentada não sofrem impacto do domínio de mercado pelas grandes empresas; não se encontram, de modo substancial, inseridas no contexto da economia informal; em razão do preparo científico, técnico e profissional dos seus sócios estão em condição de disputar o mercado de trabalho, sem assistência do Estado; não constituiriam, em satisfatória escala, fonte de geração de empregos se lhes fosse permitido optar pelo ‘Sistema Simples’.

Consequentemente, a exclusão do ‘Simples’, da abrangência dessas sociedades civis, não caracteriza discriminação arbitrária, porque obedece critérios razoáveis adotados com o propósito de compatibilizá-los com o enunciado constitucional.

Não há falar-se, pois, em ofensa ao princípio da isonomia tributária, visto que a lei tributária – e esse é o caráter da Lei nº 9.317/96 – pode discriminar por motivo extrafiscal entre ramos de atividade econômica, desde que a distinção seja razoável, como na hipótese vertente, derivada de uma finalidade objetiva e se aplica a todas as pessoas da mesma classe ou categoria.

A razoabilidade da Lei 9.317/96 consiste em beneficiar as pessoas que não possuem habilitação profissional exigida por lei, seguramente as de menor capacidade contributiva e sem estrutura bastante para atender a complexidade burocrática comum aos empresários de maior porte e aos profissionais liberais.

Logo, nesse caso o STF entendeu que a desigualdade estabelecida na Lei 9.137/96 é razoável, fundamentando-se numa diferença de capacidade contributiva entre empresários que não necessitam de habilitação em lei, e aqueles que exercem profissão regulamentada.

Importante ressaltar que nesse caso a votação não foi unânime, tendo sido aberta divergência sobre a matéria pelos Ministros Carlos Veloso, Sepúlveda Pertence e Marco Aurélio.

Segue abaixo a íntegra da ementa do julgado analisado:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. SISTEMA INTEGRADO DE PAGAMENTO DE IMPOSTOS E CONTRIBUIÇÕES DAS MICROEMPRESAS E EMPRESAS DE PEQUENO PORTE. CONFEDERAÇÃO NACIONAL DAS PROFISSÕES LIBERAIS. PERTINÊNCIA TEMÁTICA. LEGITIMIDADE ATIVA. PESSOAS JURÍDICAS IMPEDIDAS DE OPTAR PELO REGIME. CONSTITUCIONALIDADE. 1. Há pertinência temática entre os objetivos institucionais da requerente e o inciso XIII do artigo 9º da Lei 9317/96, uma vez que o pedido visa a defesa dos interesses de profissionais liberais, nada obstante a referência a pessoas jurídicas prestadoras de serviços. 2. Legitimidade ativa da Confederação. O Decreto de 27/05/54 reconhece-a como entidade sindical de grau superior, coordenadora dos interesses das profissões liberais em todo o território nacional. Precedente. 3. Por disposição constitucional (CF, artigo 179), as microempresas e as empresas de pequeno porte devem ser beneficiadas, nos termos da lei , pela "simplificação de suas obrigações administrativas, tributárias, previdenciárias e creditícias, ou pela eliminação ou redução destas" (CF, artigo 179). 4. Não há ofensa ao princípio da isonomia tributária se a lei, por motivos extrafiscais, imprime tratamento desigual a microempresas e empresas de pequeno porte de capacidade contributiva distinta, afastando do regime do SIMPLES aquelas cujos sócios têm condição de disputar o mercado de trabalho sem assistência do Estado. Ação direta de inconstitucionalidade julgada improcedente.

(ADI 1643, Relator(a): Min. MAURÍCIO CORRÊA, Tribunal Pleno, julgado em 05/12/2002, DJ 14-03-2003 PP-00027 EMENT VOL-02102-01 PP-00032)

Após a análise dessas decisões, partiremos para apresentação de nossas conclusões.


5. Conclusões

Objetivamente, apresentaremos nossas conclusões acerca do tema em tópicos:

  • O princípio da igualdade pode ser visto sob duas perspectivas: igualdade na lei e igualdade perante a lei;

  • A igualdade na lei é aquela dirigida ao legislador, enquanto a igualdade perante a lei é aquela dirigida ao aplicador;

  • O princípio da igualdade deve ser visto sob seu aspecto material, e não meramente formal;

  • Somente é possível aferir o cumprimento/descumprimento do princípio da igualdade, com a análise da igualdade na lei e perante a lei, uma vez que tais aspectos são complementares;

  • O descumprimento da igualdade pode ser aferido também pelos critérios propostos por CELSO ANTONIO BANDEIRA DE MELLO, que de certa forma consideram a distinção apontada no tópico acima;

  • Quanto ao princípio da igualdade tributária (art. 150, II, da CF), concluímos que se trata de uma reiteração do comando disposto no caput do art. 5º;

  • Há que se observar não só quando o princípio da igualdade faculta a desigualdade ao legislador, mas também quando o obriga;

  • Isso demonstra a relação entre o princípio da igualdade e da capacidade contributiva, uma vez que este expressa aquela em sentido positivo (necessidade de desigualar para atingir a justiça fiscal);

  • Os princípios jurídicos compõem os alicerces do edifício jurídico, e não podem ser analisados isoladamente, mas apenas de forma relacional entre si;

  • Os princípios jurídicos possuem natureza normativa. Por isso, os princípios constitucionais são os mais importantes, uma vez que irradiam efeitos para todas as camadas do direito positivo;

  • O estudo da argumentação jurídica implica, entre outros momentos, no estudo dos fundamentos das decisões judiciais;

  • Dentro dessa análise, TOULMIN propõe um layout de argumentos, composto por: dados, alegações, garantias e apoios;

  • Nessa estrutura, os princípios estariam na posição de garantias, uma vez que é o que provê a ratio decidendi à decisão proferida pelo Poder Judiciário;

  • Essa estrutura é facilmente comprovada em uma análise de casos concretos, conforme foi feito com as decisões do STF.


6. Referências Bibliográficas

AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 11ª Ed. São Paulo, Saraiva, 2005.

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BECKER, Alfredo Augusto. Teoria Geral do Direito Tributário. São Paulo, Saraiva, 1963.

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CAMARGO, Margarida Maria Lacombe. Hermenêutica e argumentação: uma contribuição ao estudo do direito. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.

CANOTILHO. J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 4ª edição. Ed. Almedina. Coimbra. 2000.

CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 28ª Ed. São Paulo, Malheiros, 2012.

CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 18. ed. São Paulo: Editora Saraiva , 2007.

_____________. Direito tributário: linguagem e método. São Paulo : Editora Noeses , 2008.

FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito: técnica, decisão, dominação. São Paulo: Atlas, 2003.

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LENZA, Pedro. Direito Constitucional esquematizado. 15ª edição. Ed. Saraiva. Saraiva. 2011.

MELLO, Celso Antônio Bandeira. Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade. 3ª Ed. Malheiros. São Paulo. 2012.

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OLIVEIRA, Rui Barbosa de. Oração aos Moços. 5.ed. Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa, 1997.

TOULMIN, Stephen E. Os usos do argumento. Tradução de Reinaldo Guarany. 2.ed. São Paulo: Martins Fontes, 2006.


Notas

1 MELLO, Celso Antônio Bandeira. Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade. 3ª Ed. Malheiros. São Paulo. 2012, p. 9.

2 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 11ª edição. Editora Atlas. São Paulo. 2002. P. 65.

3 CANOTILHO. J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 4ª edição. Ed. Almedina. Coimbra. 2000. pp. 417-419.

4 LENZA, Pedro. Direito Constitucional esquematizado. 15ª edição. Ed. Saraiva. Saraiva. 2011. p. 876.

5 São essas as palavras do autor: “Desde logo, cumpre ter sempre claro, que o referido princípio de igualdade é o da igualdade geométrica (proporção) e não o da igualdade aritmética (quantidade). Partindo-se do fato científico de que os homens são iguais na Biologia e na Psicologia, a evolução social tem sido no sentido de se igualizarem geomètricamente e os homens em tudo que seja desigualdade aritmética de indivíduo para indivíduo. E esta gradual e sempre maior tendência à igualdade geométrica entre os indivíduos, que a evolução humana tem revelado, é regida pelo princípio de igualdade que consiste em tratar desigualmente aos indivíduos desiguais, na proporção em que êles se desigualam”. BECKER, Alfredo Augusto. Teoria Geral do Direito Tributário. São Paulo, Saraiva, 1963. p. 177.

6 OLIVEIRA, Rui Barbosa de. Oração aos Moços. 5.ed. Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa, 1997, p. 26.

7 Cabe ressaltar que o próprio autor ressalta que “isso não significa que o princípio da igualdade formal não seja relevante nem seja correcto. Realça-se apenas seu caráter tendencialmente tautológico, uma vez que o cerne do problema permanece irresolvido, qual seja, saber quem são os iguais e quem são os desiguais”. Idem. P. 418.

8 Idem, 418.

9 Idem. P. 419.

10 MELLO, Celso Antônio Bandeira. Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade. 3ª Ed. Malheiros. São Paulo. 2012. P. 21

11 FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito: técnica, decisão, dominação. São Paulo: Atlas, 2003. p. 354

12 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 28ª Ed. São Paulo, Malheiros, 2012. p. 477. No mesmo sentido : “Isto não significa, (...), que todos os contribuintes devam receber tratamento tributário igual, mas, sim, que as pessoas físicas ou jurídicas, encontrando-se em situações econômicas idênticas, ficarão submetidas ao mesmo regime jurídico, com as particularidades que lhes forem próprias”. CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: linguagem e método. São Paulo : Editora Noeses , 2008. p. 266.

13 GONÇALVES, José Artur Lima. Isonomia na norma tributária, São Paulo, Malheiros, 1993, p. 75.

14 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 28ª Ed. São Paulo, Malheiros, 2012, p. 477.

15 AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 11ª Ed. São Paulo, Saraiva, 2005, p. 135-136.

16 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 28ª Ed. São Paulo, Malheiros, 2012, p. 96-97.

17 Nesse sentido: “O princípio da igualdade visa, em última análise, a garantir uma tributação justa. Afinal, ele se desenvolveu a partir da ideia de justiça”. CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 28ª Ed. São Paulo, Malheiros, 2012, p. 477.

18 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 28ª Ed. São Paulo, Malheiros, 2012; pp. 46-47.

19 MELLO, Celso Antônio Bandeira. Curso de Direito Administrativo, 28ª ed. São Paulo, Ed. Malheiros. 2011. p. 966-967.

20 BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. 10 Ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2006, p. 158.

21 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 18. ed. São Paulo: Editora Saraiva , 2007. p. 150-151.

22 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 28ª Ed. São Paulo, Malheiros, 2012., P.50

23 Quanto a isso: “Kelsen cinge-se à ideia do resgate da objetividade e da segurança no campo do direito, propondo a construção de uma teoria que excluísse quaisquer elementos de natureza metafísico-valorativa. Como vimos, pretendia-se que a atividade jurisdicional ficasse circunscrita a operações lógico-dedutivas extraídas de um sistema dinâmico de normas feito pelo Estado, capaz de gerar uma norma individual como sentença para cada caso concreto”. CAMARGO, Margarida Maria Lacombe. Hermenêutica e argumentação: uma contribuição ao estudo do direito. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 135-136

24 ATIENZA. As razões do direito: teoria da argumentação jurídica. 3ª edição. São Paulo. Landy Editora. 2006, pp. 18-19.

25 TOULMIN, Stephen E. Os usos do argumento. Tradução de Reinaldo Guarany. 2.ed. São Paulo: Martins Fontes, 2006., pp. 135-207.

26 ATIENZA. As razões do direito: teoria da argumentação jurídica. 3ª edição. São Paulo. Landy Editora. 2006. p. 97.

27 Quanto a isso, não nos aprofundaremos nesse ponto, uma vez que não interessa diretamente à análise da igualdade a natureza tributária da exação. Sobre o entendimento do STF nessa matéria, consultar os seguintes julgados: (ADI 3694, Relator(a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Tribunal Pleno, julgado em 20/09/2006); (ADI 2655, Relator(a): Min. ELLEN GRACIE, Tribunal Pleno, julgado em 09/10/2003); (ADI 1145, Relator(a): Min. CARLOS VELLOSO, Tribunal Pleno, julgado em 03/10/2002).



Informações sobre o texto

Trabalho apresentado como requisito parcial de aprovação na disciplina de Direito Tributário II – Aplicabilidade dos Princípios Constitucionais nos tributos em Espécie, ministrada pelo Prof. Dr. Roque Antonio Carrazza.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VARGAS, Luis Carlos A. Merçon de. Princípio da igualdade tributária como fundamento na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3606, 16 maio 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24447. Acesso em: 29 mar. 2024.