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Da necessidade de intimação pessoal para o início da contagem do prazo de 15 dias previsto no art. 475-J, do CPC

Da necessidade de intimação pessoal para o início da contagem do prazo de 15 dias previsto no art. 475-J, do CPC

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A intimação do devedor para cumprir a obrigação sob pena de multa deve ser pessoal, preferencialmente pelo correio, por ser uma medida mais compatível com a efetividade do processo.

Resumo: Esta monografia tem por escopo a análise da necessidade de intimação pessoal do devedor para o cumprimento da obrigação pecuniária constante em sentença líquida ou decisão de liquidação da condenação genérica, tendo em vista a multa que incide sobre a dívida do devedor caso este não cumpra a ordem judicial no prazo previsto em lei (art. 475-J, CPC). Com efeito, o mencionado artigo, introduzido no CPC por intermédio da Lei 11.232/05, impõe ao devedor a iniciativa de cumprir o comando judicial no prazo de quinze dias, sob pena de assistir à incidência de multa de 10% que se soma ao valor da condenação. O ponto nevrálgico deste trabalho consiste em determinar o termo inicial da incidência da referida multa, tendo em vista a ausência de previsão legal neste sentido. Para melhor análise do tema, em um primeiro momento foi feito um estudo dos meios de comunicação dos atos processuais, a fim de demonstrar a regra geral da intimação dos advogados e das partes no processo. Em seguida foi feita uma análise dos aspectos gerais da multa, tal como a sua finalidade e a possibilidade de alteração e dispensa do percentual de 10% previsto em lei. Posteriormente, foram apreciados os posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais que fixam o termo a quo da incidência da multa. Por fim, foi realizada pesquisa de campo com os magistrados do Fórum Ruy Barbosa da Comarca de Salvador-Bahia, a fim de demonstrar como essa questão está sendo aplicada na prática. Restou concluído que a necessidade de intimação pessoal do devedor para adimplir a obrigação pecuniária na quinzena é a medida mais eficaz e justa, por equilibrar o princípio do contraditório com o princípio da celeridade processual.

Palavras-chave: Lei 11.232/05; art. 475-J, CPC; obrigação pecuniária; multa; intimação pessoal.

Sumário: 1 Introdução. 2 COMUNICAÇÃO DOS ATOS PROCESSUAIS. 2.1 NOTIFICAÇÃO. 2.2 CITAÇÃO. 2.3 INTIMAÇÃO. 2.3.1 Regra geral: intimação do advogado pelo órgão oficial. 2.3.2 Intimação das partes: prioritariamente postal e excepcionalmente por oficial de justiça.2.4 A FLUÊNCIA DOS PRAZOS.  3 ASPECTOS GERAIS DA MULTA APLICADA POR AUSÊNCIA DE PAGAMENTO NAS EXECUÇÕES POR QUANTIA CERTA (ART. 475-J, CPC). 3.1 O CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 1973 E A NECESSIDADE DE REFORMAS. 3.2 FINALIDADE DA MULTA IMPOSTA PELO ART. 475-J, CPC. 3.3 POSSIBILIDADE DE DISPENSA E ALTERAÇÃO DO PERCENTUAL DE 10% PREVISTO EM LEI. 3.4 PAGAMENTO PARCIAL: A INCIDÊNCIA DA MULTA SOBRE O RESTANTE DO VALOR DEVIDO. 3.5 HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS NA FASE DE CUMPRIMENTO DE SENTENÇA: A SUPRESSÃO DA VERBA HONORÁRIA TORNA INÓCUA A MULTA DE 10% PREVISTA NO ART. 475-J, CPC. 4.5LICADA PRAZOS postal e excepcionalmente pe A NECESSIDADE DE INTIMAÇÃO PESSOAL DO DEVEDOR PARA A APLICAÇÃO DA MULTA PREVISTA NO ART. 475-J, CPC. 4.1 TERMO INICIAL: COM O TRÂNSITO EM JULGADO DA DECISÃO. 4.2 TERMO INICIAL: COM A INTIMAÇÃO DA PARTE POR INTERMÉDIO DE SEU ADVOGADO. 4.3 TERMO INICIAL: COM A INTIMAÇÃO PESSOAL DO DEVEDOR. 4.3.1 Intimação pessoal: por mandado ou por via postal?. 5 PESQUISA DE CAMPO: A POSTURA ADOTADA PELOS MAGISTRADOS NO TOCANTE A APLICAÇÃO DA MULTA POR AUSÊNCIA DE PAGAMENTO ESPONTÂNEO NAS EXECUÇÕES CIVIS, A POSTURA ADOTADA PELOS MAGISTRADOS NO QUE TANGE. 5.1 a partir de que momento começa a fluir o prazo de quinze dias conferido ao devedor para satisfazer a obrigação pecuniária de forma espontânea?. 5.2 é facultado ao juiz dispensar a multa caso o devedor demonstre que não cumpriu a obrigação por fato alheio à sua vontade?. 6 conclusão. Referências


1 INTRODUÇÃO

A preocupação dos operadores do direito com a morosidade do processo não é tema recente. O princípio da celeridade, também conhecido como princípio do processo sem dilações indevidas ou princípio da tempestividade, embora tenha sido recentemente introduzido no texto constitucional por meio da EC. 45/2004, que acrescentou ao art. 5º o inciso LXXVIII, já fazia parte do rol dos direitos e garantias fundamentais. Referido princípio faz parte da Convenção Americana sobre direitos humanos (Pacto de San José da Costa Rica) da qual a República Federativa do Brasil é signatária. Além disso, o princípio da celeridade encontra guarida no princípio do devido processo legal, bem como no princípio da dignidade da pessoa humana.

A previsão expressa do princípio da celeridade na Constituição Federal chamou a atenção dos Poderes Legislativo e Judiciário para a sua efetiva aplicação. Prova disto é a Lei 11.232/05, que disciplinou o cumprimento das sentenças no processo de conhecimento e revogou dispositivos relativos à execução fundada em título judicial.

A reforma empreendida pela mencionada lei confirma a tendência ao sincretismo processual, de modo que o legislador passou a admitir que as sentenças que reconhecem obrigações de pagar quantia certa não precisam de um novo processo para serem efetivadas. Com efeito, a busca por celeridade tornou impensável que alguém tenha que mover dois processos (um de conhecimento e um de execução) para satisfazer um direito.

Para regulamentar tais modificações, diversos dispositivos foram inseridos no Código de Processo Civil, todos voltados para a mesma finalidade: efetivar, o quanto antes, o comando judicial.

Inserido neste contexto, o art. 475-J, CPC, impõe a aplicação de multa no percentual de dez por cento sobre o montante da condenação, caso o devedor, condenado ao pagamento de quantia certa ou já fixada em liquidação, não o efetue no prazo de quinze dias.

Ocorre, entrementes, que a inserção desta multa no Diploma Processual Civil tem suscitado algumas dúvidas, tendo em vista a omissão do legislador em pontos importantes que serão aqui tratados.

O ponto nevrálgico do art. 475-J do CPC diz respeito ao momento em que é aberto o prazo conferido ao devedor para satisfazer a obrigação de forma voluntária, tendo em vista a ausência de regulamentação expressa acerca do termo a quo para a incidência da multa. Assim, a monografia que se apresenta tenta solucionar a seguinte indagação: A partir de que momento é aberto o prazo conferido ao devedor para satisfazer a obrigação de forma espontânea?

Três correntes doutrinárias tentam solucionar o impasse. Para alguns processualistas é suficiente que ocorra o trânsito em julgado da decisão para que se inicie automaticamente o prazo de quinze dias para o cumprimento voluntário da sentença civil. Os adeptos dessa primeira concepção doutrinária consideram que a exigência de intimação do devedor para cumprir a determinação judicial, seja por intermédio de seu advogado ou pessoalmente, violaria a idéia de celeridade que motivou as recentes reformas do CPC. A busca por um processo civil mais célere e efetivo, portanto, seria incompatível com a necessidade de prévia intimação do devedor para cumprir o julgado.

Para uma outra concepção doutrinária, o prazo para cumprimento voluntário da decisão começa a fluir da intimação do devedor, na pessoa de seu advogado. Trata-se de uma corrente intermediária, já que se é certo que a corrente mais radical (que entende que o prazo flui do trânsito em julgado) levaria à violação do devido processo legal e da segurança jurídica, não menos certo é que exigir a intimação pessoal do devedor para cumprir o julgado enfraquece o principal objetivo da reforma, qual seja, imprimir maior celeridade ao processo e efetividade ao julgado. Assim, para os adeptos deste posicionamento, a intimação, ainda que realizada na pessoa do advogado, é importante para cientificar o devedor de que a decisão está pronta para ser cumprida.

Por fim, para a terceira corrente doutrinária o prazo referido somente tem início com a intimação pessoal do devedor. Este posicionamento visa privilegiar os direitos constitucionais do condenado, notadamente o direito à participação do processo em contraditório, tendo em vista que, na ausência de pagamento no prazo definido em lei, a multa será suportada pelo devedor, sendo imperioso, portanto, que ele seja regularmente advertido quanto às conseqüências do descumprimento da sua obrigação.

Diante da polêmica acerca do termo inicial para a incidência da multa, e sendo certo que a adoção de uma ou outra concepção doutrinária traz significativas repercussões práticas, mister se faz analisar detalhadamente cada uma delas, a fim de demonstrar a que melhor consegue equilibrar a celeridade processual com as garantias constitucionais do devedor.

Percebe-se, assim, que o objetivo central do presente trabalho é identificar o termo inicial do prazo, findo o qual incidirá a multa prevista no art. 475-J do Código de Processo Civil. Além deste objetivo geral, pode-se destacar dois objetivos específicos que guardam direta relação com o problema exposto, quais sejam: análise das regras de comunicação dos atos processuais (particularmente a regra da intimação das partes no processo) bem como a finalidade da mencionada multa.

Para uma melhor apreciação do tema, esta monografia foi dividida em cinco capítulos. No capítulo seguinte a este, foi feito um estudo detalhado das regras de citação e intimação, a fim de demonstrar como as partes e os advogados são comunicados dos atos e termos do processo.

No terceiro capítulo foi feita uma breve análise das recentes reformas do Código de Processo Civil, bem como foi feito um estudo dos aspectos gerais da multa aplicada por ausência de pagamento espontâneo nas execuções civis, tais como: finalidade da multa e possibilidade de dispensa e alteração do percentual de 10% previsto em lei.

O quarto capítulo é, em verdade, o centro deste trabalho e nele foram discutidas todas as correntes doutrinárias e jurisprudenciais que fixam o termo inicial da contagem do prazo de quinze dias previsto no art. 475-J, CPC, a fim de concluir qual o melhor posicionamento a ser adotado.

No quinto capítulo foi demonstrado como os juízes da Comarca de Salvador-Bahia estão se posicionando sobre dois relevantes temas em torno desta multa: 1) o seu termo inicial; 2) a possibilidade de o magistrado dispensá-la caso o devedor demonstre que não cumpriu a obrigação por fato alheio à sua vontade. Assim, estatisticamente, ficou demonstrado como essas duas questões estão sendo aplicadas na prática.

Sem dúvidas, essa monografia se firmou na melhor doutrina e jurisprudência do país, sendo que a sua pesquisa foi baseada em livros, manuais, revistas de processo, diplomas legais e artigos publicados em sites devidamente reconhecidos. Além disso, foi realizada pesquisa de campo para visualizar como importantes questões relacionadas à multa estão sendo aplicadas na prática.

Ademais, cumpre ainda mencionar que este trabalho foi elaborado com uma linguagem simples e acessível, a fim de facilitar a compreensão do tema proposto, sem, no entanto, se afastar da terminologia própria do ponto de vista técnico-jurídico.

Contrapostas as opiniões de autores renomados e decisões diversas, restou provado, para o autor deste trabalho, que o devedor deve ser intimado pessoalmente para cumprir a obrigação. Conforme se verá no decorrer desta monografia, os argumentos favoráveis a este entendimento demonstram que a necessidade de intimação pessoal da parte é a medida mais eficaz e justa.


2 COMUNICAÇÃO DOS ATOS PROCESSUAIS

O processo civil é um instrumento de pacificação de interesses. Em todo processo contencioso é fácil visualizar a presença de pelo menos duas partes: autor e réu. O primeiro ingressa com a ação judicial afirmando a existência de um direito, razão pela qual pleiteia a obtenção de uma tutela jurisdicional.  O demandado, regra geral, resiste à pretensão do autor, objetivando que o pedido formulado seja julgado improcedente.

Nesse cenário de teses antagônicas, o autor deve fazer prova do fato constitutivo do seu direito, ao passo em que cabe ao réu o ônus da prova quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor. Diante dos fatos alegados e das provas colhidas no processo, compete ao magistrado, de forma imparcial, julgar a demanda de forma a conceder ou não a tutela jurisdicional perseguida pelo autor. 

Para que o juiz forme o seu convencimento de forma imparcial, mister se faz que autor e réu tenham oportunidades de participar ativamente do processo, vale dizer, o magistrado, ao ouvir uma parte, não pode deixar de ouvir a outra. De fato, um processo justo não pode ser realizado sem observância do princípio do contraditório, de forma que às partes deve ser dada a possibilidade de influenciar na decisão do magistrado. Nesse particular, Ada Pellegrini Grinover, Antonio Carlos de Araújo Cintra e Cândido Rangel Dinamarco (2004) observam que:

Somente pela soma da parcialidade das partes (uma representando a tese e a outra, a antítese) o juiz pode corporificar a síntese, em um processo dialético. É por isso que foi dito que as partes, em relação ao juiz, não têm papel de antagonistas, mas sim de “colaboradores necessários”: cada um dos contendores age no processo tendo em vista o próprio interesse, mas a ação combinada dos dois serve à justiça na eliminação do conflito ou controvérsia que os envolve.

O direito fundamental à participação do processo em contraditório está consagrado no art. 5º, LV, da CF, segundo o qual “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”. Assim, o processo para ser utilizado como instrumento verdadeiramente democrático deve ser realizado sob o manto da garantia constitucional do contraditório e da ampla defesa.

Pelo exposto, percebe-se que decorre da noção de processo a idéia de equilíbrio e diálogo e para tanto é necessário que se dê ciência a cada parte dos atos praticados pelo juiz e pelo seu adversário. Para viabilizar o conhecimento destas informações, o processo civil se vale de dois instrumentos de comunicação dos atos processuais: citação e intimação.

Existe um outro meio de comunicação processual que ocorre entre juízos, por meio do qual um órgão jurisdicional solicita de outro o cumprimento de determinado ato processual. A comunicação entre juízos ocorre por meio das cartas e estas podem ser de três modalidades: carta rogatória, carta precatória e carta de ordem.

A carta de ordem tem cabimento quando um determinado tribunal ordena a prática de ato por um juiz que a ele esteja vinculado. Percebe-se, portanto, que é requisito da carta de ordem a subordinação, a hierarquia entre as autoridades envolvidas na cooperação, de sorte que o tribunal ordena a prática de um ato pelo juiz.

A carta rogatória deve ser expedida quando dirigida à autoridade judiciária estrangeira. De acordo com o art. 210 do CPC, a carta rogatória deverá ser enviada na forma prevista em convenção internacional e, à falta desta, será remetida por via diplomática, depois de traduzida para a língua do país em que há de praticar-se o ato.

A última das espécies, denominada carta precatória, é utilizada quando um juízo brasileiro solicita a prática de um ato a outro juízo também brasileiro, quando entre eles não houver hierarquia. Assim, inexistindo subordinação entre os juízos, o juízo deprecante solicita a prática de um ato ao juízo deprecado.

O juízo de destino não pode se recusar ao cumprimento da diligência da carta precatória, exceto nos casos do art. 209 do CPC, vale dizer, quando não estiver revestida dos requisitos legais, quando carecer de competência em razão da matéria ou da hierarquia ou quando tiver dúvidas da autenticidade da carta. 

O art. 202 do CPC estabelece os requisitos essenciais da carta de ordem, da carta precatória e da carta rogatória, quais sejam: a) a indicação dos juízes de origem e de cumprimento do ato; b) o inteiro teor da petição, do despacho judicial e do instrumento do mandato conferido ao advogado; c) a menção do ato processual, que lhe constitui objeto; d) o encerramento com a assinatura do juiz. Além disso, deve o juiz consignar o prazo para o seu cumprimento, atendendo à facilidade das comunicações e à natureza da diligência (art. 202, §2º, CPC).

Ultrapassada a breve análise dos meios de comunicação entre os juízos, ingressa-se no exame dos meios de comunicação dos atos processuais dirigidos a todos aqueles que participam do processo, quais sejam, notificação, citação e intimação.

2.1 NOTIFICAÇÃO

O CPC de 1939 tentava diferenciar notificação de intimação, apesar de que, na prática, estes conceitos acabavam se confundindo. Em linhas gerais, à luz do revogado código, as partes deveriam ser notificadas para praticar determinado ato, ao passo em que deveriam ser intimadas acerca de um ato já ocorrido, tal como ainda acontece no processo penal.

Com o atual CPC a distinção mencionada perdeu importância, já que a Lei Processual não mais prevê a notificação como espécie de ato de comunicação processual. Nesse sentido é o ensinamento de Humberto Theodoro Júnior (2010):

Não há, mais, a distinção entre intimação e notificação de atos processuais, que o revogado Código fazia de maneira imprecisa e imperfeita.

O novo Código só conhece a intimação dos atos processuais, que, tecnicamente, tem duplo objetivo: a) o de dar ciência de um ato ou termo processual; e b) o de convocar a parte a fazer ou abster-se de fazer alguma coisa.

Nessa mesma direção prelecionam Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart (2010):

Na forma da legislação atual, há dois meios de comunicação dos atos processuais: a citação e a intimação. A primeira é ato mais solene, inicial, em que se convoca o demandado a participar do processo. A segunda, mais informal, diz respeito a todos os demais atos do processo. Leis extravagantes (p.ex., art. 7º,I, da Lei 1.533/51 – Lei do Mandado de Segurança) ainda aludem à notificação, como espécie distinta (assim como faz o Código de Processo Penal), em que se comunica à parte a necessidade de praticar ato futuro- reservando-se o termo “intimação” para a comunicação de ato já praticado no passado. A distinção, todavia, foi abolida pelo direito processual civil atual, perdendo seu sentido.

Compartilhando semelhante posicionamento, Cândido Rangel Dinamarco (2009) ensina que:

A Lei do Mandado de Segurança emprega o vocábulo notificação para designar o que aqui é citação (lei n. 1.533, de 31.12.51, art. 7º, inc. I). No sistema do Código, notificação não é ato de comunicação processual mas um processo cautelar – onde a parte é intimada da notificação (art. 873 c/c 870).

Ainda nesse mesmo sentido leciona Vicente Greco Filho (1997, p.37):

O Código eliminou como providência de comunicação processual a figura da notificação. No sistema do Código de 1939 havia a intimação e a notificação com conceitos doutrinários diferentes, apesar de que, na prática, difícil era a distinção. O Código vigente utiliza para os atos de comunicação e determinação o termo intimação. Resta, ainda, a notificação como instrumento para levar a manifestação de vontade de alguém a outro sujeito com o fim de produzir efeitos extraprocessuais, no plano do direito material (art. 873).

Do exposto, tendo em vista o desaparecimento da notificação como espécie autônoma de meio de comunicação processual e, por via de conseqüência, o desinteresse no aprofundamento do tema, passa-se a análise das modalidades de comunicação dos atos previstas no CPC, quais sejam, citação e intimação.

2.2 CITAÇÃO

O art. 213 do CPC define a citação como sendo “o ato pelo qual se chama a juízo o réu ou o interessado a fim de se defender”. Assim, através da citação convoca-se o demandado para o processo, aperfeiçoando a relação jurídica que até então era integrada pelo autor e pelo Estado. Nesse sentido, ensinam Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery (2010) que:

Citação é a comunicação que se faz ao sujeito passivo da relação processual (réu ou interessado), de que em face dele foi ajuizada demanda ou procedimento de jurisdição voluntária, a fim de que possa, querendo, vir se defender ou se manifestar.

Diverge a doutrina a respeito da natureza da citação, se representaria pressuposto de existência do processo ou, se a um só tempo, seria um requisito de validade dos atos que lhe são posteriores e condição de eficácia do processo para o réu.

Para os adeptos da primeira concepção (pressuposto de existência), a citação angulariza a relação jurídica que até então era formada pelo autor e pelo juiz, razão pela qual, ante a sua ausência, não há que se falar em processo.

Defendendo a segunda concepção, Alexandre Freitas Câmara (2010) preceitua que:

Citação é ato integrante da cadeia de atos que compõe o procedimento, sendo essencial para que os atos subseqüentes se realizem, uma vez que, como já afirmado, num procedimento todos os atos são causa do posterior e conseqüência do anterior. Assim, não havendo citação válida, nenhum outro ato processual poderá ser validamente realizado, já que todos os atos posteriores são conseqüência deste ato de integração do demandado na relação processual.

Parece correto o segundo posicionamento uma vez que é fácil constatar a existência de processo sem citação, a exemplo do que ocorre quando o magistrado indefere a petição inicial. Nesse sentido, lembra Fredie Didier Júnior (2010) que:

Se já há processo antes da citação – que, a propósito, dá-se em seu bojo –, não se pode considerar como pressuposto de existência fato que está, na linha do tempo, em momento posterior à existência daquilo que se pretende condicionar.

De acordo com o quanto disposto no art. 215 do CPC a citação far-se-á pessoalmente ao réu, ao seu representante legal ou ao procurador legalmente autorizado. Nessa última hipótese é necessário que o advogado tenha poderes especiais expressos para receber citação em nome do demandado, sendo certo que a cláusula ad judicia não confere tais poderes ao causídico.

Cumpre salientar, entretanto, que o comparecimento espontâneo do réu supre a falta de citação (art. 214, §1º, CPC). Neste caso, o demandado pode comparecer em juízo apenas para argüir a nulidade da citação e sendo esta decretada, considerar-se-á feita a citação na data em que ele ou seu advogado for intimado da decisão (art. 214, §2º, CPC).

Determina o art. 221 do CPC que a citação far-se-á pelo correio, por oficial de justiça, por edital ou por meio eletrônico. Regra geral, a citação deve ser realizada pelo correio, exceto nas hipóteses abarcadas pelo art. 222 do CPC, quais sejam: a) nas ações de estado; b) quando for ré pessoa incapaz; c) quando for ré pessoa de direito público; d) nos processos de execução; e) quando o réu residir em local não atendido pela entrega domiciliar de correspondência; f) quando o autor a requerer de outra forma.

Nas hipóteses acima mencionadas, bem como nos casos em que a citação pelo correio for frustrada, far-se-á a citação por meio de oficial de justiça (art. 224, CPC). Assim, a citação por oficial de justiça representa uma regra subsidiária.

A citação realizada pelo correio é real, assim como a citação realizada por oficial de justiça. Na primeira, conforme preceitua o art. 223, parágrafo único, CPC, o réu só será considerado validamente citado se foi ele quem assinou o aviso de recebimento. Na segunda, compete ao meirinho encontrar o réu e entregar-lhe a contra-fé, bem como obter a nota de ciente, ou certificar que o réu não a apôs no mandado.

A citação real se opõe à citação ficta, já que na primeira o réu é verdadeiramente citado, enquanto que na segunda não há efetiva comprovação de que o réu tomou conhecimento da demanda que pende contra si. São espécies de citação ficta: a citação por hora certa e a citação por edital.

Ocorre a citação por hora certa quando o oficial de justiça não consegue citar o réu, suspeitando que o mesmo esteja se escondendo para impedir a citação. São requisitos dessa modalidade de citação a procura do réu por três vezes em seu endereço sem encontrá-lo, bem como a suspeita de que ele esteja se escondendo para impedir a citação. (art. 227, CPC).

A outra modalidade de citação ficta prevista no CPC é a citação por edital. O art. 231 do CPC estabelece as hipóteses em que é possível esta modalidade de citação: quando desconhecido ou incerto o réu; quando ignorado, incerto ou inacessível o lugar em que se encontrar; nos casos expressos em lei.

Por fim, cumpre destacar que a citação válida produz significativos efeitos. Na esteira do art. 219 do Código de Ritos, “a citação válida torna prevento o juízo, induz litispendência e faz litigiosa a coisa; e, ainda quando ordenada por juiz incompetente, constitui em mora o devedor e interrompe a prescrição”[1].

2.3 INTIMAÇÃO

No dizer do art. 234 do CPC, “intimação é o ato pelo qual se dá ciência a alguém dos atos e termos do processo, para que faça ou deixe de fazer alguma coisa”. Trata-se de modalidade de comunicação de atos processuais dirigida não só às partes e seus patronos, mas a todos aqueles que participam do processo. Assim, eventualmente um terceiro pode ser intimado para realizar determinado ato referente ao processo. Nesse sentido, pode-se destacar o art. 412 do CPC que determina que a testemunha seja intimada para depor.

É importante enfatizar, conforme abordado no tópico referente à notificação, que o atual Código de Processo Civil aboliu a distinção entre intimação e notificação. Desse modo, a intimação é realizada tanto para dar ciência de algum ato ocorrido no processo, bem como para determinar a prática de um ato. Nesse particular ensina Cândido Rangel Dinamarco (2004, p.511) que:

Ao intimar as partes de que a sentença foi proferida, o juízo não está emitindo um comando ao vencido para que recorra, mas simplesmente proporcionando-lhe oportunidade de fazê-lo; o recurso é uma faculdade que o vencido tem e ele a exercerá segundo sua própria e legítima decisão. A intimação do recurso interposto pelo vencido também não contém comando a responder, mas informação para que o vencedor responda, querendo.

Faz-se oportuno mencionar que, regra geral, as partes devem ser intimadas de todos os atos do processo, a fim de prestigiar a garantia constitucional do contraditório. Ocorre que, em determinadas hipóteses ressalvadas por lei, a comunicação dos atos processuais foi dispensada pelo legislador, a exemplo do que ocorre quando o demandado deixa de oferecer contestação no prazo legal, já que sobre ele incidirão os efeitos da revelia. Nesse sentido, imperiosa a observação de Antonio Carlos Marcato (2004):

Como se diz, as intimações são verdadeiras molas propulsoras do procedimento. Portanto, as partes devem ser obrigatoriamente intimadas de todos os atos do processo, salvo raras exceções. Uma dessas situações excepcionais está consignada no art. 322: “contra o revel correrão os prazos independentemente de intimação”. Contudo, numa interpretação sistemática e que privilegie a norma constitucional, tem-se que essa regra não é absoluta e só pode ser aplicada enquanto o revel não constituir advogado nos autos. Ademais, intimações que em situações normais, de inexistência de revelia, deveriam ser encaminhas pessoalmente à parte também devem ser entregues ao revel (por exemplo, intimação para dar cumprimento a alguma antecipação de tutela concedida após sua citação). (com grifos no original).

Hodiernamente, a realização das intimações dá-se por publicação no órgão oficial, por via postal e por meio de oficial de justiça.

Como regra geral, as partes são intimadas dos atos do processo através de seus patronos, sendo certo que “no Distrito Federal e nas Capitais dos Estados e dos Territórios, consideram-se feitas as intimações pela só publicação dos atos no órgão oficial” (art. 236, CPC). Ademais, preceitua o art. 236, §1º, CPC, que “é indispensável, sob pena de nulidade, que da publicação constem os nomes das partes e de seus advogados, suficientes para sua identificação”. Nesse particular ensina Misael Montenegro Filho (2010) que:

Com a intimação, convoca-se a parte para que faça ou deixe de fazer alguma coisa nos autos. Pela regra geral do CPC, aperfeiçoa-se através de publicações externadas na imprensa oficial, com o conteúdo do ato e a obrigatória identificação das partes e dos seus advogados, não podendo apenas constar os nomes dos litigantes, sob pena de poder ser o ato invalidado através do reconhecimento da sua nulidade, sendo suficiente, em regra, que conste o nome de apenas um dos profissionais que representa a parte.

Nessa ordem de idéias, o STJ já firmou entendimento acerca da efetiva necessidade de constar da publicação o nome das partes, bem como de seus representantes processuais. Também já está pacificado nos tribunais superiores que caso a parte seja representada por vários advogados, é suficiente que a intimação seja feita a um deles. Senão vejamos:

EMENTA: PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. PLURALIDADE DE PROCURADORES. MAIS DE UM ADVOGADO DA MESMA PARTE. INTIMAÇÃO, APENAS, DE UM DELES. [...] Ambas as Turmas do STF têm decidido que, quando da mesma procuração consta o nome de vários advogados, basta que a intimação seja feita a um deles” (Recurso Extraordinário nº 94685/PR, 1ª Turma, Rel. Min. Néri da Silveira). 4. Agravo Regimental não provido. (AgRg no Ag 436538/SP; Agravo Regimental no Agravo de Instrumento 2002/0005595-4, Min. José Delgado, 1ª Turma do STJ. Julgado em 21/05/2002). (Sem grifos no original)

EMENTA: PROCESSUAL CIVIL. INTIMAÇÃO. ADVOGADOS. NULIDADE. 1. É indispensável, sob pena de nulidade, que das publicações relativas a ações judiciais constem os nomes das partes e de seus advogados, de forma a não permitir que haja dúvida sobre a identificação de cada um deles, tornando indiscutível o de cada um deles, tornando indiscutque caso a parte seja representada por v nome de apenas um dos profissionais que represea efetivação da intimação. 2. Tendo o advogado requerido com toda a clareza, não obstante substabelecido o mandato, que as intimações fossem realizadas exclusivamente no seu nome, viola o §1º, do art. 236, do CPC, intimação efetuada em nome de outro profissional. 3. Recurso especial conhecido e provido. (Resp 144325/DF, Min. Paulo Gallotti, 2ª Turma do STJ. Julgado em 12/12/2000). (Sem grifos no original)

Assim sendo, regra geral, a intimação se dá por publicação do ato no órgão oficial. Em não sendo viável a realização da intimação por meio da imprensa oficial, tendo em vista a ausência de órgão de publicação, e possuindo o advogado domicílio fora do Juízo, estabelece a lei que a intimação se faça pela via postal.

Quando frustrada a intimação pelo correio, determina o art. 239, CPC, que a intimação seja realizada por oficial de justiça. Também nas comarcas em que não haja órgão de publicação oficial deve-se proceder à intimação do patrono da parte por intermédio do oficial de justiça, caso o advogado tenha domicílio na sede do Juízo.

Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart (2010) ainda lembram mais uma modalidade de intimação realizada diretamente às partes, a seus representantes legais ou advogados. Vejamos:

Outra forma de intimação diretamente feita, mas que dispensa a participação do oficial de justiça, é aquela que se procede diretamente às partes, a seus representantes legais ou advogados, em cartório ou na própria audiência (como acontece na previsão do art. 242, § 1º, do CPC), mediante termo nos autos. Comparecendo esses sujeitos em cartório, para qualquer ato que seja, pode-se proceder diretamente à intimação deles em cartório ou na audiência em que o ato esteja sendo realizado, sem que se tenha de expedir comunicação formal para a sua ciência (art. 238 do CPC).

Em que pese a omissão legislativa, entende ainda a doutrina ser cabível a intimação por edital ou com hora certa, desde que preenchidos os requisitos previstos nos arts. 227 a 229, CPC, para a citação com hora certa, e no art. 232, CPC, para a citação por edital. Nesse sentido, Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart (2010) lecionam que:

Dentro desse paradigma, é inegável que, eventualmente, ocorrerão situações em que a localização da parte, para cumprimento de ato pessoal seu – seja porque ela se encontra em lugar incerto e não sabido, seja porque seu paradeiro é de difícil acesso –, será “praticamente impossível”. Nesses casos, a vedação à intimação por edital importaria em verdadeiro óbice intransponível ao seguimento do processo, que ficaria paralisado até que se encontrasse solução ao impasse. Obviamente, os princípios da brevidade e da celeridade processual mal se compadeceriam com essa situação, razão pela qual, por critério de pura necessidade, deve o processo autorizar a intimação por edital. O mesmo se pode dizer em relação à intimação com hora certa.

Ex positis, nota-se que diversas são as modalidades de intimação, razão pela qual faz-se necessário verificar qual das espécies prevalece para comunicar os advogados e as partes acerca dos atos processuais.

2.3.1 Regra geral: Intimação do advogado pelo órgão oficial

Após verificar que a intimação dos atos processuais pode ser feita por publicação na imprensa oficial, por via postal, por meio de oficial de justiça, pessoalmente em cartório ou na própria audiência, bem como por edital ou com hora certa, mister se faz analisar qual dessas modalidades é a mais rotineiramente utilizada.

O art. 236 do CPC apresenta resposta a esta indagação ao determinar que consideram-se feitas as intimações pela só publicação dos atos no órgão oficial. Tal regra, todavia, deve ser aplicada aos advogados, tendo em vista que para as partes prevalece a intimação por via postal, conforme será analisado mais adiante.

Como se sabe, o advogado é essencial ao regular desenvolvimento do processo, tendo em vista que só ele detém capacidade postulatória perante o Poder Judiciário.[2] Desse modo, ordinariamente, as intimações devem ser dirigidas aos advogados, “para que estes façam ou deixem de fazer algo, isto é, para que exerçam algum ônus processual – manifestar-se sobre documento ou petição apresentada pela parte contrária; interpor recurso contra provimento jurisdicional etc.” (MARCATO, 2004)

A intimação dos procuradores das partes pela imprensa oficial representa um meio seguro, quando preenchidos os requisitos legais[3], além de ser o meio mais célere de comunicação processual. Por tais motivos, fica fácil compreender a opção do legislador por essa modalidade de intimação.

Por fim, cumpre destacar que existem situações em que a própria lei excepciona a regra geral da intimação dos advogados pela imprensa oficial, exigindo a cientificação pessoal do causídico. Nesse sentido, pode-se citar o art. 242, § 2º, CPC, que determina que “havendo antecipação da audiência, o juiz, de ofício ou a requerimento da parte, mandará intimar pessoalmente os advogados para ciência da nova audiência”.

2.3.2 Intimação das partes: prioritariamente postal e excepcionalmente por oficial de justiça

Estabelece o art. 238 do CPC que “não dispondo a lei de outro modo, as intimações serão feitas às partes, aos seus representantes legais e aos advogados pelo correio ou, se presentes em cartório, diretamente pelo escrivão ou chefe de secretaria”.

Assim, não dispondo a lei de modo específico, as partes e seus representantes legais devem ser intimados pela via postal. Portanto, essa é a regra geral para a intimação das partes no processo. “Ademais, a intimação por meio do escrivão ou chefe de secretaria também é sempre admitida, quando o intimado comparecer espontaneamente ao cartório, por ser a forma mais segura e célere de todas”. (MARCATO, 2004) (com grifo no original).

O dispositivo em comento, contudo, estabelece que os advogados também devem ser intimados pelo correio, contrariando a regra geral anteriormente fixada para os causídicos, qual seja, que devem ser intimados pela imprensa oficial. Analisando essa aparente contrariedade, Antonio Carlos Marcato (2004, p.654) preleciona que:

Esse dispositivo apresenta uma aparente contradição com os anteriores, ao dispor que também os advogados devem ser intimados pelo correio. Por isso, interpretando-o sistematicamente, tem-se que apenas quando não for fática ou juridicamente inadmissível sua intimação pela imprensa (art. 236) é que procederia pela via postal. E são raras as hipóteses de intimação do causídico com base na aplicação do art. 238, até mesmo porque o art. 237, II, parece ter esgotado as hipóteses de intimação postal do advogado. (Sem grifos no original)

Nessa ordem de idéias, verifica-se que, em regra, as partes devem ser intimadas pelo correio. Ocorre que esta modalidade de intimação pode ser afastada quando o dispositivo legal estabelecer outra forma de intimação (art. 238, CPC) ou quando frustrada a realização pela via postal, hipótese em que a intimação far-se-á por meio de oficial de justiça (art. 239, CPC)[4].

Na senda do parágrafo anterior, pode-se citar o art. 343, §1º, CPC, que estabelece que a parte não deve ser intimada pelo correio para prestar depoimento pessoal em audiência. Assim, dispõe o mencionado artigo que “a parte será intimada pessoalmente, constando do mandado que se presumirão confessados os fatos contra ela alegados, caso não compareça ou, comparecendo, se recuse a depor” (sem grifo no original). O dispositivo em tela afasta a regra da intimação pelo correio, uma vez que expressamente determina que a intimação deve ser pessoal e por mandado[5].  Analisando o referido dispositivo legal, Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery (2010) lecionam que:

O juiz deve fiscalizar o recebimento pela parte da intimação para o depoimento pessoal. Para aplicação da pena de confesso é necessária a intimação pessoal da parte e necessário que ela seja capaz de entender o risco da confissão ficta, que a lei lhe impõe. Se a audiência for adiada, outra intimação deve ser expedida, com a mesma advertência. (com grifos no original).

A jurisprudência também já assentou entendimento acerca da necessidade de intimação por oficial de justiça para que se possa aplicar a pena de confesso, em decorrência do não comparecimento da parte para prestar depoimento pessoal. Vejamos:

REPARAÇÃO DE DANOS. RITO SUMÁRIO. DEPOIMENTO PESSOAL. PENA DE CONFISSÃO APLICADA. INTIMAÇÃO VIA POSTAL. IRREGULARIDADE. É nula a intimação das partes, via postal, porque nega vigência ao parágrafo 1º do artigo 343 do CPC que determina que a intimação da parte para depoimento pessoal será por mandado e pessoalmente, constando no ato de comunicação todas as advertências legais. Provimento do recurso. (Apelação cível nº 2006. 001. 41221, 9ª Câmara Cível do TJ/RJ. Rel. Renato Ricardo Barbosa. Julgado em 09/01/2007). (sem grifos no original).

DEPOIMENTO PESSOAL. PENA DE CONFISSAO. REQUISITOS. PARA QUE SE POSSA APLICAR A PENA DE CONFISSAO FICTA, ANTE O NAO COMPARECIMENTO DA PARTE INTIMADA PARA PRESTAR DEPOIMENTO PESSOAL, TRES REQUISITOS SE FAZEM IMPRESCINDIVEIS: 1. QUE A INTIMACAO SEJA PESSOAL; 2. QUE SE FACA POR MANDADO; 3. QUE DO MANDADO CONSTE EXPRESSAMENTE A ADVERTENCIA DE QUE "SE PRESUMIRAO CONFESSADOS OS FATOS CONTRA ELA ALEGADOS, CASO NAO COMPAREÇA, OU, COMPARECENDO, SE RECUSE A DEPOR" (CPC-343, PAR-1). RECURSO PROVIDO EM PARTE. (Apelação Cível Nº 196230775, 4ª Câmara Cível, Tribunal de Alçada do RS, Relator: Luiz Felipe Brasil Santos, Julgado em 09/10/1997)

O art. 267, § 1º, CPC, traz outra hipótese de intimação pessoal das partes, dispensando, porém, que a comunicação do ato se faça através de oficial de justiça (assim, deve incidir a regra geral, qual seja, a parte deve ser intimada pessoalmente pela via postal). Com efeito, dispõe o mencionado artigo que se o autor abandonar a causa por mais de trinta dias, deve o juiz ordenar a sua intimação pessoal para suprir a falta em quarenta e oito horas, sob pena de extinção do processo sem exame do mérito. Idêntica necessidade foi estabelecida para o caso de o processo ficar parado durante mais de um ano por negligência das partes. Nesse sentido posiciona-se a jurisprudência dos nossos tribunais:

PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO. ABANDONO DA CAUSA. INTIMAÇÃO PESSOAL DO AUTOR. É imprescindível a intimação pessoal do autor para dar andamento ao feito no prazo de 48 horas, antes de extinguir o processo sem julgamento do mérito, por abandono da causa. Supre-se a exigência de intimação pessoal pela intimação realizada por carta registrada, quando resta comprovado que, deste modo, o autor foi devidamente cientificado da necessidade de promover o andamento do processo, em determinado prazo, sob pena de sua extinção. Recurso especial conhecido e provido. (REsp nº 205177/SP, Min. Nancy Andrighi, 3ª Turma do STJ. Julgado em 07/06/01). (sem grifos no original).

SENTENÇA TERMINATIVA. INÉRCIA DO EXEQUENTE. INTIMAÇÃO PESSOAL (CPC, 267, § 1º). VIA POSTAL. POSSIBILIDADE. SENTENÇA CONFIRMADA. Nos termos da lei, a intimação pessoal admite as seguintes espécies: (i) por via postal – CPC, 238, caput, 1ª parte – e (ii) por oficial de justiça – CPC, 239. Doutrinariamente, admite-se, excepcionalmente, a intimação por edital. No caso, a intimação pessoal ocorreu por meio dos Correios. O § 1º do artigo 267 não determina a realização desse ato por oficial de justiça. Aplicável, portanto, a regra geral contida no caput do artigo 238 do referido diploma legal [...]. (Apelação Cível nº 2007.001.32082, 13ª Câmara Cível do TJ/RJ, Rel. Sérgio Cavalieri Filho. Julgado em 21/06/07) (sem grifos no original). em apontado para a sua real necessidade. horasue julgar procedente a aç

Por fim, existem situações em que, muito embora o legislador não tenha estabelecido a obrigatoriedade da intimação pessoal da parte, parcela da doutrina e da jurisprudência tem chamado a atenção para a sua efetiva necessidade. Com efeito, para essa corrente doutrinária e jurisprudencial é imprescindível a intimação pessoal da parte nos casos em que as conseqüências do descumprimento do comando judicial forem suportadas pela parte e/ou quando o ato a ser praticado for pessoal da parte.

Nessa ordem de pensamento, faz-se necessário distinguir os atos processuais que exigem capacidade postulatória dos atos personalíssimos da parte. Para os atos que exigem capacidade postulatória, a figura do advogado é indispensável eis que o ato a ser praticado é essencialmente processual, razão pela qual a intimação deve ser dirigida aos procuradores da parte. No tocante aos atos personalíssimos, a intimação não pode ser feita ao representante processual, uma vez que o ato de cumprimento ou descumprimento do comando judicial é algo que somente será exigido da parte. Nesse sentido é o escólio de Ernane Fidélis dos Santos (1994, p.260):

No comum, as intimações dos atos processuais se fazem aos advogados das partes. Às partes pessoalmente só se fará intimação quando dela se exigir prática ou abstenção de atos que devam ser cumpridos por ela própria. O advogado não presta depoimento pessoal pela parte. Ao transitar em julgado a sentença que julga procedente o pedido de prestação de contas, intima-se a parte, não o advogado, para prestá-las em quarenta e oito horas (art. 915, § 2º), porque a obrigação é exclusivamente do condenado e não de seu representante. (sem grifos no original).

Compartilhando o mesmo raciocínio, ensina Humberto Theodoro Júnior (2010) que “não valem as intimações feitas à parte quando o ato processual a praticar deve ser do advogado. A contrario sensu, não pode ser a intimação feita ao representante processual, se o ato deve ser pessoalmente praticado pela parte.” Nesse sentido, vide julgamento do colendo STJ:

PROCESSUAL CIVIL. ACIDENTE DO TRABALHO. JULGAMENTO CONVERTIDO EM DILIGÊNCIA. PERÍCIA. INTIMAÇÃO DA PARTE. ARTIGOS 234, 236, 267, III E § 1º, CPC. 1. A intimação feita pelo órgão oficial dirige-se ao advogado para os atos e termos do processo. Em se cuidando de ato pessoal (exame de saúde), impondo-se a intimação pessoal da parte, não se presume dela tomou conhecimento pela via da publicação na imprensa. [...]. 2. Cassação do julgado, a fim de que, para cumprimento da diligência reputada necessária, efetive-se a intimação pessoal da parte, proferindo-se novo julgamento. 3. Precedentes da jurisprudência. (REsp 10908/RJ, Min. Milton Luiz Pereira, 1ª Turma do STJ. Julgado em 13/09/1993). (sem grifos no original)

Na senda de tudo quanto exposto, percebe-se que em determinadas situações, muito embora o legislador não tenha previsto expressamente a necessidade de intimação pessoal da parte, esta se impõe, tendo em vista a natureza do ato a ser praticado (ato pessoal da parte) e as conseqüências que podem incidir para a parte em decorrência do descumprimento do comando judicial.

Na linha de desdobramento do parágrafo anterior pode-se citar como exemplo a ação de prestação de contas prevista no art. 915, § 2º, CPC. Referido dispositivo legal determina que “[...] a sentença, que julgar procedente a ação, condenará o réu a prestar contas no prazo de quarenta e oito horas, sob pena de não lhe ser lícito impugnar as que o autor apresentar.” Nota-se que o legislador não estabeleceu a obrigatoriedade da intimação pessoal do réu para a prestação de contas. Não obstante o silêncio da lei, a jurisprudência inclina-se pela sua necessidade, tendo em vista que a obrigação é exclusiva da parte e não de seu patrono. Vejamos:

AÇÃO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS. ARTIGO 915, § 2º. NECESSIDADE DE INTIMAÇÃO PESSOAL. O prazo de quarenta e oito horas previsto no art. 915, § 2º, do CPC, conta-se da intimação pessoal do requerido, sendo ineficaz a intimação do advogado. (Apelação Cível nº 44.537-0, 4ª Câmara Cível do TJ/BA, Rel. Des. Paulo Furtado, Julgado em 03/06/98). (sem grifos no original)em apontado para a sua real necessidade. horasue julgar procedente a aç

Em que pese o exposto até aqui, é forçoso reconhecer que a matéria acerca da necessidade de intimação pessoal da parte para hipóteses não expressamente previstas pelo legislador é tema ainda controvertido na doutrina e jurisprudência. De fato, pugnam alguns por um processo mais simples, célere e despido de formalismos exacerbados, enquadrando a obrigatoriedade de intimação pessoal como um entrave à celeridade do processo. Nesse sentido já decidiu o egrégio STJ:

RECURSO ESPECIAL. PROCESSO CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. AUSÊNCIA DE OMISSÃO, CONTRADIÇÃO OU OBSCURIDADE. INTIMAÇÃO. PAGAMENTO DE HONORÁRIOS PERICIAIS. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL NÃO COMPROVADO. [...] Não há, na lei, qualquer determinação no sentido de que a intimação para pagamento de honorários periciais deva ser realizado pessoalmente à parte, sendo, pois, válido o ato de intimação procedido à pessoa de seu advogado, regularmente constituído nos autos e detentor dos poderes da cláusula “ad judicia”. (REsp 312573, 3ª Turma do STJ, Min. Nancy Andrighi. Julgado em 06/05/2002).

Do exposto, fica fácil constatar que a necessidade de intimação pessoal da parte (seja por oficial de justiça, seja por carta registrada) para cumprimento do comando judicial em hipóteses não expressamente previstas pelo legislador é tema ainda bastante controvertido nos Tribunais. O estudo aprofundado da matéria ganha relevância na conjuntura atual, tendo em vista que o grande desafio dos operadores do direito é buscar um processo célere e efetivo, sem perder de vista o necessário respeito às garantias constitucionais, notadamente o direito de ser informado dos acontecimentos do processo, a fim de concretizar o contraditório e a ampla defesa.

2.4 A FLUÊNCIA DOS PRAZOS

Humberto Theodoro Júnior (2010) ensina que “prazo é o espaço de tempo em que o ato processual pode ser validamente praticado”. As partes devem observar de forma rigorosa o lapso temporal que dispõem para a prática do ato, uma vez que “decorrido o prazo, extingue-se, independentemente de declaração judicial, o direito de praticar o ato, ficando salvo, porém, à parte provar que o não realizou por justa causa.” (art. 183, CPC). Trata-se do fenômeno da preclusão temporal, ou seja, a perda da faculdade de praticar o ato por não exercê-lo em tempo hábil.

No sistema processual pátrio, existem prazos não só para as partes, mas também para os juízes e para os auxiliares de justiça. O efeito da preclusão, contudo, só atinge os direitos das partes, já que os magistrados e auxiliares estão submetidos a prazos impróprios, vale dizer, o desatendimento destes não acarreta efeito processual. Nesse sentido, Ada Pellegrini Grinover, Antonio Carlos de Araújo Cintra e Candido Rangel Dinamarco (2004, p.324) lecionam que:

A preclusão só ocorre quando se trata de prazos próprios; são impróprios os prazos não preclusivos, conferidos ao juiz, aos auxiliares da Justiça, e, em princípio, ao Ministério Público no processo civil. Não havendo a preclusão, nem por isso deixam essas pessoas de ficar sujeitas a sanções de outra ordem, no caso de inobservância do prazo impróprio.

Os atos processuais devem ser realizados no lapso temporal designado por lei. Sendo esta omissa, o juiz determinará os prazos, tendo em conta a complexidade da causa (art. 177, CPC). De mais a mais, não havendo prazo em lei nem assinação pelo magistrado, será de cinco dias o prazo para a prática de ato processual a cargo da parte (art. 185, CPC).

O prazo, assinalado por lei ou pelo juiz, é contínuo, não se interrompendo nos feriados (art. 178, CPC). Sobrevindo, contudo, as férias forenses, o curso do prazo restará suspenso e o que lhe restar começará a correr do primeiro dia útil seguinte ao termino das férias (art. 179, CPC).

Com relação à fixação do termo inicial da contagem do prazo processual, mister se faz observar as regras previstas no art. 241, CPC, que devem ser aplicadas às citações e intimações: a) quando a citação ou intimação for pelo correio, da data de juntada aos autos do aviso de recebimento; b) quando a citação ou intimação for por oficial de justiça, da data de juntada aos autos do mandado cumprido; c) quando houver vários réus, da data de juntada aos autos do último aviso de recebimento ou mandado citatório cumprido; d) quando o ato se realizar em cumprimento a carta de ordem, precatória ou rogatória, da data de sua juntada aos autos devidamente cumprida; e) quando a citação for por edital, finda a dilação assinada pelo juiz.

O termo final da contagem do prazo não pode coincidir com feriado ou dia em que não houver expediente forense. Assim, “considera-se prorrogado o prazo até o primeiro dia útil se o vencimento cair em feriado ou em dia em que: I) for determinado o fechamento do fórum; II) o expediente forense for encerrado antes da hora normal.” (art. 184, §, 1º, CPC).


3 ASPECTOS GERAIS DA MULTA APLICADA POR AUSÊNCIA DE PAGAMENTO NAS EXECUÇÕES POR QUANTIA CERTA (ART. 457-J, CPC)

O Código de Processo Civil está sendo alvo de profundas alterações. Com efeito, várias leis já foram aprovadas e outras tantas estão em fase de deliberação no Congresso Nacional. Devido a este movimento de reformas, diversos processualistas, a exemplo de Alexandre Freitas Câmara (2010), já chegaram a afirmar que “o Código de Processo Civil brasileiro perdeu, completamente, a sua identidade. Hoje, mais do que um Código de Processo Civil, o que se tem em vigor é uma verdadeira colcha de retalhos”.

A finalidade das reformas, em que pese a transformação do CPC em uma “colcha de retalhos”, é louvável. O objetivo do legislador ao empreender uma série de mudanças no estatuto processual é, sem sombra de dúvidas, concretizar o direito fundamental estampado no art. 5º, inc. LXXVIII, da CF (direito ao processo sem dilações indevidas). Ademais, o Código Buzaid necessitava de alterações para se adaptar aos anseios da nova ordem social, conforme será visto no tópico seguinte.

O art. 475-J do CPC, proveniente da Lei 11.232/2005, foi inserido no Código durante este movimento reformista. O novo dispositivo legal rompeu com a dualidade clássica do processo de conhecimento e do processo de execução no tocante às obrigações pecuniárias, já que a decisão que impõe o pagamento de quantia deve ser executada no mesmo processo em que foi proferida.

Por conseguinte, a Lei 11.232/2005 unificou a matéria da execução de sentença, de sorte que atualmente todas as espécies de obrigações (fazer, não fazer, dar coisa diferente de dinheiro e pagar quantia) estão regidas por um processo sincrético (a execução da sentença representa apenas uma fase do processo em que o provimento jurisdicional foi proferido), quando a obrigação provém de sentença civil. Com efeito, no dizer de Antonio Adonias Aguiar Bastos (2007), “a busca pela efetividade tornou inimaginável que alguém tenha que mover pelo menos dois processos para satisfazer um direito – o primeiro, destinado ao seu reconhecimento, e o segundo, ao cumprimento do que já foi decidido.”

Antes de adentrar especificamente no estudo do art. 475-J do Estatuto Processual, mister se faz compreender a concepção filosófica do Código de Processo Civil de 1973, a fim de melhor entender a finalidade de suas leis reformadoras.

3.1 O CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 1973 E A NECESSIDADE DE REFORMAS

Conforme lembra Marcelo Abelha Rodrigues (2006), “o nosso Código de Processo Civil é de 1973, e possui franca inspiração nos modelos liberais e individualistas do Código Austríaco e do Alemão”. A escolha por um Estado Liberal evidenciava o anseio da sociedade de se livrar das restrições impostas pelo Estado Absolutista, de sorte que com a adoção do liberalismo valorizava-se a propriedade individual e a liberdade dos cidadãos. Assim, “o temor de um “retorno” absolutista, da invasão da propriedade e do cerceamento da liberdade praticamente obrigou uma política não intervencionista do Estado Liberal”. (RODRIGUES, 2006)

A escolha do modelo Liberal trouxe mudanças no campo político, econômico, social e, como não poderia deixar de ser, no jurídico. No tocante à tutela executiva – e esta é a que nos interessa –, como ela representa a atividade que mais atinge a liberdade e a propriedade das pessoas, o seu deferimento exigia a adoção de toda a prudência e rigidez do Estado Liberal, a fim de evitar a ofensa aos seus valores mais sagrados (propriedade e liberdade).

Nesse ínterim, fica fácil concluir que a adoção de processos autônomos de conhecimento e execução deita raízes no Estado Liberal. De fato, “se imaginava que a criação de um processo formalmente autônomo para o exercício da tutela executiva seria um método racional de adotar um modelo seguro e conservador de controle da atividade jurisdicional”. (RODRIGUES, 2006) Por conseguinte, acreditava-se que a utilização de um processo autônomo de execução evitaria desconfortos ao executado, uma vez que as regras deste procedimento estariam exaustivamente colocadas, deixando o juiz praticamente engessado para atuar na função executiva. Nesse sentido, vejamos as lições de Fredie Didier Júnior (2010):

Tradicionalmente, até mesmo como forma de diminuir os poderes do magistrado, as atividades de certificação e efetivação eram reservadas a “processos autônomos”, relações jurídicas processuais que teriam por objetivo, somente, o cumprimento de uma ou de outra das funções jurisdicionais. Nesse contexto, surgiu a noção de sentença condenatória – e, portanto, ação condenatória –, que seria aquela que, reconhecendo a existência de um direito a uma prestação e o respectivo dever de pagar, autorizava o credor, agora munido de um título, a, se quiser, promover a execução do obrigado. Havia a necessidade de dois processos para a obtenção da certificação/efetivação do direito. (com grifos no original).

A teoria acima abordada, que defende a autonomia do processo de conhecimento em relação ao processo de execução, foi sustentada pelo eminente processualista italiano Enrico Tullio Liebman, que, como é cediço, exerceu enorme influência entre nós. Nesse sentido, Alexandre Freitas Câmara (2010), citando Alfredo Buzaid – autor do anteprojeto que resultou no CPC – aduz que “este Código de Processo Civil é um monumento imperecível de glória a Liebman, representando o fruto do seu sábio magistério no plano da política legislativa”.

 Liebman sustentava, portanto, a teoria da autonomia e separação do processo de execução de sentença. Para ele, se o devedor não cumprisse espontaneamente a sentença condenatória, competia ao credor movimentar mais uma vez a máquina estatal, mediante ação autônoma de execução, para que o devedor fosse compelido a cumprir o comando judicial. Humberto Theodoro Júnior (1987) lembra os argumentos utilizados por Liebman para sustentar sua teoria:

Para Liebman, a divisão do processo em cognição e execução se justifica porque existem ações cognitivas que esgotam a prestação jurisdicional em si mesma, ou seja, apenas com a sentença e, por isso, não conduzem a execução alguma, como é o caso das ações declaratórias. Isto, para o mestre peninsular demonstraria a autonomia do processo de conhecimento. Por outro lado, a existência dos títulos executivos extrajudiciais, que provocam a execução forçada imediata, sem prévia atividade cognitiva, demonstraria, por sua vez, a autonomia do processo de execução. (com grifos no original) 

A teoria Liebmaniana encontrou terreno fértil entre nós, de sorte que, como dito acima, ela se adequava ao modelo do Estado Liberal. Praticamente não havia oposição na doutrina no tocante a esta matéria.

Ocorre, entrementes, que com o passar do tempo o Estado Liberal foi cedendo lugar ao Estado Social – tendo em vista a necessidade de intervenção estatal para promover uma isonomia substancial – e esta transformação “refletiu-se em todos os setores da sociedade, e, especialmente, em tudo aquilo em que o Estado participava, ou seja, no exercício das funções legislativa, executiva e judiciária”. (RODRIGUES, 2006) No campo do Direito Processual Civil, diversos institutos foram modificados a fim de tornar o processo mais justo, célere e efetivo.

Nesse cenário, o modelo liebmaniano passou a ser questionado já que era incompatível com a tão sonhada celeridade e efetividade dos provimentos jurisdicionais. Portanto, a necessidade de um processo autônomo para a execução do comando judicial mostrava-se nitidamente injustificável no novo contexto histórico. Um dos primeiros doutrinadores brasileiros a perceber a desnecessidade de dois processos para efetivar um direito foi Humberto Theodoro Junior (1987). Vejamos:

Nossa proposição é a de que o bom senso não exige a manutenção da atual dualidade de relações processuais (conhecimento e execução) quando a pretensão contestada é daquelas que, deduzidas em juízo, reclamam um provimento jurisdicional condenatório.

 A obrigatoriedade de se submeter o credor a dois processos para eliminar um só conflito de interesses, uma só lide conhecida e delineada desde logo, parece-nos complicação desnecessária e completamente superável, como, aliás, ocorre em sistemas jurídicos como o anglo- saxônico.

Para sustentar a sua tese, Humberto Theodoro Júnior (1987), citando Gabriel José Rodrigues de Rezende Filho, leciona que:

Também não se justificava a tese dos que defendiam a autonomia da execução de sentença: “Sem a execução, a sentença condenatória não teria eficácia. Seria como o sino sem o badalo ou o trovão sem a chuva – sententia sine executione veluti campana sine pistillo out tonitrus sine pluvia – como diziam os praxistas.

A execução, portanto, é a fase lógica e complementar da ação. Vindo a juízo, não pretende o interessado obter apenas a declaração ou reconhecimento de seu direito de um modo platônico, mas aspira à mais completa tutela jurídica com a efetiva mantença ou restauração de seu direito.

[...] a execução constitui realmente o epílogo da ação condenatória, formando ambas momentos ou fases de uma só ação. Há uma unidade lógica entre ação e execução. (com grifos no original)

Nota-se, portanto, que vozes respeitáveis na doutrina se ergueram em prol da teoria da unidade do processo, evidenciando que o Código Buzaid precisava ser desburocratizado. Com efeito, a exigência de dois processos, com todas as dificuldades da formação e desenvolvimento da relação jurídica processual, como meio indispensável para atingir a solução de uma só lide não se encontra adequada ao binômio celeridade-efetividade.

Lembra, ainda, Fredie Didier Júnior (2010) que existiam “vários procedimentos que autorizavam ou que inseriam, no bojo do processo de conhecimento, atos executivos, fato que já compromete a pureza da distinção e da divisão que se fazia.” A prática de atos executivos no processo cognitivo era admitida  como forma de adiantar o resultado final desejado para o processo, a exemplo do que acontecia nas ações possessórias e no mandado de segurança[6]. Desse modo, a mistura de atos executivos no processo de conhecimento evidenciava que a distinção estanque de processo cognitivo x processo de execução já estava comprometida.

Diante deste cenário, na década de 1990, foi criada uma comissão[7] destinada a reformar o CPC, a fim de torná-lo adequado aos novos anseios da sociedade.

 Em 1994, tivemos a primeira grande reforma do CPC no tocante à tutela jurisdicional executiva, já que a Lei 8.952/1994 tornou sincréticas as ações de prestação de fazer e não fazer. Portanto, desde 1994, as sentenças que reconhecem obrigações de fazer e não fazer não precisam de um novo processo para serem efetivadas. Pela nova sistemática, elas podem ser executadas no mesmo processo em que foram proferidas. “São, pois, sentenças oriundas das chamadas ações sincréticas, pois além de certificar também servem à efetivação imediata da providência determinada.” (DIDIER JÚNIOR, 2010)

Em 2002, por força da Lei 10.444/2002, tivemos a segunda etapa da reforma do CPC. Assim, a mencionada Lei introduziu no sistema processual civil o art. 461-A, determinado que o regime jurídico das obrigações de fazer e não fazer fosse aplicado às obrigações de dar coisa diferente de dinheiro.

Percebe-se, pelo exposto, que a partir de 2002 as ações de prestação de fazer, não fazer e entregar coisa distinta de dinheiro eram sincréticas. Portanto, a única sentença judicial que necessitava de um processo autônomo para ser efetivada era aquela que condenava o réu ao pagamento de dinheiro.

Em 2005, por intermédio da Lei 11.232/2005, houve a uniformização das execuções civis. O art. 475-J, introduzido no CPC pela reportada Lei, tornou sincrética a ação de prestação pecuniária. Portanto, hoje em dia, o modelo sincrético abarca as quatro modalidades de obrigações: fazer, não fazer, dar coisa distinta de dinheiro e dar dinheiro. 

Em apertada síntese, vejamos as lições de Marcelo Abelha Rodrigues (2006) sobre o movimento de reformas do CPC:

Tal como numa escalada, a positiva experiência inicial com o art. 84 do CDC (tutela específica da obrigação de fazer e não fazer), posteriormente expandida, em 1994, para o art. 461 do CPC, serviu de estímulo para o legislador processual adotar as execuções imediatas em processos sincréticos para as obrigações de entrega de coisa, daí derivando, em 2002, o art. 461-A. Por conta deste sucesso, e visando uniformizar as execuções judiciais, estendendo o modelo sincrético também para o procedimento executivo para o pagamento de quantia, o legislador criou a Lei n. 11.232/2005.

Por fim, cabe salientar que a Lei 11.232/2005 ao uniformizar o sistema das execuções judiciais, tornando sincrética a ação de prestação para o pagamento de quantia, trouxe mais uma novidade: estipulou o prazo de quinze dias para o devedor adimplir a obrigação de forma espontânea, sob pena de incidência de multa de 10% sobre o valor da condenação. Esta multa constitui uma inovação no sistema, razão pela qual ela será detalhadamente estudada.  

3.2 FINALIDADE DA MULTA IMPOSTA PELO ART. 475-J, CPC

 Preceitua o Código de Ritos que caso o devedor, condenado ao pagamento de quantia certa ou já fixada em liquidação, não o efetue no prazo de quinze dias, o montante da condenação será acrescido de multa no percentual de dez por cento e, a requerimento do credor e observado o disposto no art. 614, inciso II, expedir-se-á mandado de penhora e avaliação (art. 475-J).

Inicialmente, faz-se necessário verificar a finalidade da multa prevista no mencionado dispositivo legal, a fim de melhor compreender as hipóteses e o momento em que ela deve ser aplicada. A doutrina não é pacífica quanto à finalidade da multa, sendo certo que para alguns ela tem caráter de pena (natureza penitencial), para outros ela serve como fator de coação para o cumprimento voluntário do ato sentencial (natureza de medida coercitiva indireta) e, finalmente, há quem entenda que a finalidade da multa é desestimular o uso de recursos.

O último posicionamento, por certo, é o mais subversivo. Para os adeptos dessa corrente, a sentença pendente de recurso é ato que se submete a condição resolutiva e, por via de conseqüência, apta a produzir efeitos desde o momento em que foi proferida. Seguindo este raciocínio, a multa de 10% deve incidir no 16º dia após a intimação da condenação em primeiro grau, tendo em vista que eventual recurso interposto pelo condenado, ainda que recebido no duplo efeito, não tem o condão de suspender a eficácia da multa prevista no art. 475-J, CPC. O legislador, dessa maneira, estaria desestimulando o uso de recursos, na medida em que penaliza o condenado se seu recurso não for provido.

Jorge Eustácio da Silva Frias (2007), grande expoente dessa teoria, aduz que:

Assim, a parte vencida deve ponderar as reais possibilidades de seu recurso ter sucesso, para só recorrer se constatar que a condenação foi injusta e não subsistirá. Caso contrário, correrá o risco de o recurso não vir a ser provido, situação em que a multa incide desde a condenação sofrida. A lei não a proíbe de recorrer, mas desincentiva o recurso que não tem reais possibilidades de reversão do resultado desfavorável, correndo o recorrente o risco de vir a experimentar aquele acréscimo pecuniário se não eliminada sua condenação. (sem grifos no original)

Na senda deste posicionamento, diante da sentença condenatória surge para o devedor três alternativas: 1) recorrer do ato sentencial no prazo de quinze dias (art. 508, CPC), cabendo ao devedor depositar em juízo o valor da condenação para se eximir da multa de 10%, caso o tribunal confirme a decisão de primeiro grau[8]; 2) cumprir espontaneamente a obrigação contida na sentença, a fim de se livrar da penalidade; 3) permanecer inerte, e nesse caso, por ser recalcitrante, deverá responder pela condenação acrescida da multa.

Em que pese a opinião abordada acima, d.v., é preciso demonstrar que ela parte de premissa equivocada. De fato, a sentença pendente de recurso é ato sujeito a condição suspensiva, qual seja, de que não sobrevenha decisão de superior instância. Nesse sentido são irretocáveis as lições do mestre José Carlos Barbosa Moreira (1998):

Uma quarta explicação – que, ao menos para o ordenamento positivo brasileiro, nos parece a preferível, com ressalva dos casos em que a lei, por exceção, antecipa ao trânsito em julgado a produção de efeitos – vê também, na sentença sujeita a recurso, um ato condicionado, porém esclarece que se trata na verdade, de condição suspensiva: a decisão nasce com todos os requisitos essenciais de existência, mas, de ordinário, tolhida em sua eficácia; a não superveniência de outro pronunciamento, na instância recursal, é a condição legal negativa cujo implemento lhe permite irradiar normalmente os efeitos próprios. Tal condição pende, enquanto subsiste a possibilidade de proferir-se decisão em grau de recurso; verifica-se, quando semelhante possibilidade fica em definitivo afastada; falta, quando o órgão ad quem emite validamente nova decisão, quer para confirmar, quer para reformar a anterior. (sem grifos no original)

O fundamento para a compreensão da natureza jurídica da sentença recorrível como sendo ato sujeito a condição suspensiva está no art. 512 do CPC. Aponta o referido dispositivo que “o julgamento proferido pelo tribunal substituirá a sentença ou a decisão recorrida no que tiver sido objeto de recurso”. Assim, “a decisão da superior instância substitui sempre a recorrida, nos limites do que formou o objeto do recurso”. (MOREIRA, 1998) (com grifo no original).

Por fim, cabe salientar que para os defensores deste primeiro posicionamento ainda é possível a aplicação da multa mesmo que o recurso interposto pelo condenado seja dotado de efeito suspensivo. O argumento utilizado é que a sentença opera ordinariamente alguns efeitos, dentre estes a hipoteca judiciária (art. 466, CPC), mesmo quando impugnada por recurso recebido no duplo efeito. Nesse sentido ensina Jorge Eustácio da Silva Frias (2007):

Note-se que, malgrado o efeito suspensivo que possa ter a apelação, que normalmente o tem (art. 520), a sentença não deixa de produzir hipoteca judiciária (art. 466). Assim, diante dos termos do art. 475-J, não se vê por que não haveria de incidir a multa de 10% desde logo, ou seja, a partir do 16º dia em que a parte tomou ciência da condenação sofrida.

Como se sabe, o recurso tem efeito suspensivo quando obsta a produção dos efeitos da sentença. Assim, “salvo exceção consagrada na lei, a suspensão é de toda a eficácia da decisão, não apenas de sua possível eficácia como título executivo”. (MOREIRA, 1998) (sem grifos no original)

De fato, a constituição de título para a hipoteca judiciária representa uma exceção, tendo em vista que se concebe a hipoteca judiciária mesmo na pendência de apelação com efeito suspensivo. Nesse sentido, José Carlos Barbosa Moreira (1998, p.475), com brilhantismo que lhe é peculiar, explica a necessidade da hipoteca judiciária ser cabível ainda quando pendente apelação dotada de efeito suspensivo:

A hipoteca judiciária, que constitui um dos chamados “efeitos secundários” ou “acessórios” da sentença (condenatória), tem a função de garantir ao credor vitorioso a proficuidade da execução que eventualmente precise instaurar contra o devedor. Surge, então, uma pergunta: justifica-se a providência mesmo que já se possa promover a execução (provisória embora), ou faltaria nesse caso interesse ao credor, visto que a penhora [...] bastaria para assegurá-lo? A essa indagação responde o art. 466, parágrafo único, nº III; e a resposta é que a possibilidade de executar provisoriamente a sentença não exclui a garantia representada pela hipoteca judiciária. O “ainda quando”, no texto legal, vale por “mesmo que”, “embora”. Longe de restringir, amplia a área de incidência do caput. Ora, se se concede a hipoteca judiciária mesmo que a sentença seja provisoriamente exeqüível, isto é, quando o recurso cabível não tenha efeito suspensivo, a fortiori quando o tenha, e por conseguinte não haja lugar para a penhora ou medida equivalente. Em tal hipótese, precisamente, é que a hipoteca judiciária poderá revelar-se mais útil. (com grifos no original) 

Nessa linha de idéias, também se posicionou José Frederico Marques (1975):

Diante do disposto no art. 466, dúvida não pode haver quanto à admissibilidade da hipoteca judiciária em se tratando de sentença contra a qual foi interposto recurso com efeito suspensivo. A referência contida no art. 466, parágrafo único, nº III, seria inútil se a hipoteca judiciária somente tivesse lugar quando o recurso fosse recebido sem efeito suspensivo.

A alusão à sentença que possibilite execução provisória é porque a hipoteca judiciária se destina a garantir, principalmente, as sentenças insusceptíveis, desde logo, de execução (isto é, aquelas sujeitas a recurso com efeito suspensivo).

Exatamente nesse mesmo sentido foram os argumentos utilizados pela ministra Nancy Andrighi, ao julgar o recurso especial nº 715.451-SP, para reconhecer a possibilidade de constituição de hipoteca judiciária quando recebida apelação em ambos os efeitos:

No parágrafo único, inciso III, do art. 466 do CPC o legislador houve por bem ressaltar que a sentença condenatória produz a hipoteca judiciária, ainda que o credor possa promover a execução provisória da sentença, ou seja, mesmo quando a apelação for recebida somente no efeito devolutivo. Ora, se o dispositivo permite inferir que a hipoteca judiciária é efeito normal da sentença pendente de recurso e que dela deve ocorrer mesmo quando a apelação for recebida somente no efeito devolutivo, decorrência lógica é o seu cabimento quando a apelação for recebida também no efeito suspensivo. Essa é justamente a situação na qual a justificativa para a sua ocorrência é maior, pois nessa hipótese não se pode promover desde já a execução provisória e a hipoteca judiciária servirá como um mecanismo para assegurar a efetividade do processo. (sem grifos no original)

Diante do exposto, nota-se que a hipoteca judiciária representa um efeito natural que a sentença produz apesar de sujeita a recurso dotado de efeito suspensivo. Trata-se de uma excepcionalidade, sendo certo que o seu fundamento está previsto em lei. O mesmo não se pode dizer para a multa prevista no art. 475-J[9], uma vez que a apelação recebida no duplo efeito tem o condão de suspender os demais efeitos da sentença e não apenas a sua exeqüibilidade.

Ultrapassada essa primeira concepção doutrinária – que defende que a multa do art. 475-J, CPC, tem a finalidade de desestimular o uso de recursos –, outra parcela da doutrina afirma que a multa tem natureza nitidamente sancionatória, vale dizer, visa penalizar o devedor pelo descumprimento do comando judicial. Nesse sentido leciona Carlos Alberto Alvaro de Oliveira (2006):

Mormente porque se trata de multa penitencial, sem nenhum ponto de contato com as hipóteses em que a multa tem natureza essencialmente coercitiva e é fixada com vistas a induzir ao cumprimento da ordem judicial, em prol da efetividade da tutela jurisdicional da mora no cumprimento e, portanto, intimamente dependente de base firme para ser exigida.

Marcelo Abelha Rodrigues (2006) também entende que a multa tem natureza sancionatória. Vejamos:

Tem natureza de sanção processual a multa de 10% sobre o valor da condenação para o caso de o devedor não efetuar o pagamento ao credor no prazo de quinze dias. A multa é uma sanção contra o não-pagamento imposto na condenação ou reconhecido na liquidação, e apenas incide se e quando o devedor não cumprir a obrigação no referido prazo. Portanto, a multa independe do requerimento da execução. É anterior a isso, ou seja, é uma pena processual pelo não-pagamento espontâneo do devedor. (sem grifos no original).

Por outro lado, uma outra parte da doutrina entende que a multa prevista no art. 475-J tem a função de forçar o cumprimento voluntário da obrigação pecuniária. Assim, “a multa prevista pelo legislador infraconstitucional apresenta função terapêutica, estimulando o devedor a evitar a sua incidência através do pagamento voluntário.” (MONTENEGRO FILHO, 2010). Logo, não seria pena, mas sim medida de coerção indireta[10]. Nesse sentido, também é o escólio de Rodrigo Barioni (2006):

A multa tem caráter coercitivo, para que o devedor cumpra a obrigação voluntariamente. A iniciativa de compelir-se o devedor a cumprir a obrigação constante da sentença, sem necessidade de atos executórios, é louvável. Cada vez menos tem sido tolerada a postura de desprezo em relação às decisões judiciais, não raras vezes adotadas por devedores contumazes.

Cássio Scarpinella Bueno (2006) leciona no mesmo sentido:

A multa incide pela inércia do devedor sem cumprir, no sentido de acatar, respeitar, o que foi reconhecido na sentença. Sua finalidade, analisada a questão deste prisma, é a de exortar o devedor ao cumprimento da obrigação, à observância da sentença ou, mais amplamente, do título executivo judicial independentemente da tomada de qualquer providência pelo credor. É, nesse sentido, claramente coercitiva. (com grifos no original)

Do exposto, sendo certo que o legislador está engajado em imprimir celeridade ao processo civil, notadamente no momento de satisfação do direito do credor, fica fácil constatar que a multa tem a finalidade de estimular o rápido cumprimento da obrigação pecuniária, de modo a incentivar o devedor a evitar a incidência da multa através do pagamento voluntário. Trate-se, portanto, de medida coercitiva indireta, já que visa estimular o adimplemento, liberando o credor de prosseguir com a cobrança judicial. ue visa faç no art.

Por fim, identificada a natureza da multa como uma medida coercitiva indireta, chega-se a insofismável conclusão de que a ela pode ser cumulada praticamente todas as sanções previstas no sistema, “na medida em que o singular requisito para que um comportamento seja objeto de mais de uma sanção é a distinção da finalidade sancionatória”. (BONDIOLI, 2006).

 Na linha de pensamento do parágrafo anterior, ensina Luiz Rodrigues Wambier (2010) que “a multa referida no art. 475-J do CPC, segundo pensamos, atua como medida executiva coercitiva, e não como medida punitiva. Assim, nada impede que à multa do art. 475-J do CPC cumule-se a do art. 14, inc. V e parágrafo único do mesmo Código” (com grifos no original). Com efeito, não existem obstáculos para esta cumulação, tendo em vista que a multa do art. 14 visa punir ilícito processual, enquanto que a multa prevista no art. 475-J atua como medida incentivadora do pronto cumprimento das decisões judiciais.

3.3 POSSIBILIDADE DE DISPENSA E ALTERAÇÃO DO PERCENTUAL DE 10% PREVISTO EM LEI

Como é cediço, o art. 475-J do CPC prevê a incidência de multa no percentual de 10%, caso o devedor, condenado ao pagamento de quantia certa ou já fixada em liquidação, não o efetue no prazo de quinze dias. Indaga a doutrina a respeito da obrigatoriedade ou não da multa, vale dizer, se ela deve incidir em todas as hipóteses em que não ocorra o pagamento espontâneo no prazo de quinze dias, bem como se o valor de 10% pode ou não sofrer variações. Carlos Alberto Carmona (2006) ao se manifestar sobre o art. 475-J ensina que:

Trata-se de dispositivo de incidência imediata e automática, que não depende de decisão do juiz: tendo fluído o prazo quinzenal sem o cumprimento da sentença, o credor, ao apresentar o cálculo do seu crédito, faz incluir o percentual (legal) de 10% (dez por cento) sobre o valor devido, de modo que o devedor agravará sua situação com a demora no cumprimento da decisão. E não servirá ao devedor, como argumento contra a aplicação da multa, alegar momentânea dificuldade de caixa (iliquidez), pouco importando também que ofereça espontaneamente bem à constrição judicial. Não sendo paga a dívida, o devedor dará causa à necessidade de desencadearem-se medidas constritivas, o que justifica desde logo a incidência da multa, sem possibilidade de reduções ou isenções.

Defende o citado autor a obrigatoriedade da incidência da multa no percentual fixo de 10% para todas as hipóteses em que não ocorra o pagamento espontâneo no prazo de quinze dias.  Para ele, pouco importa as peculiaridades do caso concreto, uma vez que, escoado in albis o prazo de quinze dias sem o devido pagamento, a norma legal deve incidir de forma imediata e automática de modo a acrescentar ao valor da condenação o percentual fixo de 10%. Nesse mesmo sentido posiciona-se Jorge Eustácio da Silva Frias (2007):

É devida essa multa se não houver cumprimento voluntário nos 15 dias seguintes à intimação da parte quanto à condenação ao pagamento de quantia certa ou de quando a condenação genérica é liquidada, independentemente das razões pessoais por que o devedor deixa de cumprir tal obrigação. A lei não prevê sua dispensa em caso de dificuldades econômicas do devedor, de modo que o intérprete não pode criar nova causa de extinção do acréscimo. (sem grifos no original)

Advogando posicionamento diametralmente oposto, Fabiano Brandão Majorana (2010) sustenta que a análise da incidência ou não da multa deve ser feita diante das especificidades do caso concreto. Para ele:

Embora tenha sido estipulada em percentual fixo pelo legislador – 10% (dez por cento) sobre a condenação estampada no título executivo judicial –, essa multa pode ser minorada diante de circunstâncias específicas do caso concreto. [...] A multa visa, repisa-se, o rápido cumprimento da obrigação pecuniária estabelecida na sentença e não o enriquecimento sem causa do credor, portanto, quando se sabe que o devedor não paga por motivo justificado e comprovado, a incidência da multa é desproporcional. Mais sério motivo seria a oferta de pagamento parcelado do devedor e efetivo cumprimento das prestações ofertadas, que evidencia a boa-fé, ensejando a desconstituição da multa. Se a multa referida não detém características sancionatórias, ela não pode subsistir perante a impossibilidade de pagamento. (sem grifos no original)

Para esse último autor, o magistrado pode, atento às circunstâncias do caso concreto, deixar de aplicar bem como reduzir o percentual da multa prevista no art. 475-J, CPC. Assim, cabe ao juiz agir com prudência e verificar, à luz da situação fática, se era ou não razoável apenar o devedor pelo descumprimento da obrigação. Nesse sentido adverte Misael Montenegro Filho (2010) que “o legislador acertou no remédio, mas errou na dose prescrita e no fato de ter tornado obrigatório o uso do medicamento em todas as situações.”

Adotando posicionamento intermediário, Luiz Rodrigues Wambier (2010) sustenta que a multa tem o percentual fixo de 10%, entretanto pode deixar de ser aplicada em determinadas situações. Para ele:

Na hipótese do art. 475-J do CPC, estabeleceu-se não só que a multa incidirá automaticamente, independentemente de decisão judicial, mas também que o valor da multa será de 10% sobre o valor da condenação. Consequentemente, não poderá o juiz, por exemplo, em razão da natureza do ilícito praticado, afastar a incidência da multa, diminuir o seu valor ou, ao contrário, aumentá-lo. [...] Esta poderá deixar de incidir, excepcionalmente, contudo, em casos em que o cumprimento imediato da obrigação pelo réu seja impossível, ou muito difícil, causando-lhe gravame excessivo e desproporcional.

Nota-se, do exposto, que para alguns doutrinadores a multa estabelecida no caput do art. 475-J tem percentual fixo (10%) e deve ser aplicada sempre que não ocorrer o pagamento espontâneo no prazo de quinze dias. Para outros, o percentual de 10% pode sofrer variações, bem como a multa pode ser desprezada em determinadas hipóteses. Por fim, existe uma parte da doutrina que sustenta que a multa é fixa (10%), embora possa ser dispensada nas hipóteses em que o executado demonstre que o não-cumprimento da obrigação decorreu de fato alheio à sua vontade.

É de clareza solar que a intenção do legislador foi estabelecer uma multa de valor fixo (10%) para a hipótese de descumprimento voluntário da sentença[11]. Quando não é essa a intenção, a lei deixa margem para que o juiz arbitre a multa de acordo com as peculiaridades do caso concreto. De fato, assim procedeu o legislador no tocante às obrigações de fazer, não fazer e entregar coisa diferente de dinheiro, já que o art. 461, § 6º, preceitua que “o juiz poderá, de ofício, modificar o valor ou a periodicidade da multa, caso verifique que se tornou insuficiente ou excessiva”[12].

Não obstante o percentual ser fixo, nas hipóteses de justa causa para o não pagamento no prazo assinalado em lei, é lícito ao juiz eximir o devedor da incidência da multa. Nesse particular, é de valiosa importância a lição de Marcelo Abelha Rodrigues (2006):

Obviamente que aqui não se pretende defender o executado contumaz e recalcitrante, quase profissional, mas o que se quer dizer é que não se pode fazer com que a multa de 10% do valor da condenação aumente o débito de alguém, se esta pessoa, no prazo de quinze dias, não poderia dispor – senão com enorme prejuízo – de seu patrimônio imobilizado. [...] Perceba-se que a liquidez dos bens móveis e imóveis é variada e, dependendo do patrimônio que o devedor possuir, nem sempre será possível obter, com eficácia e justiça, uma quantia que seja justa. Vendas apressadas poderão levar o devedor à ruína, e esta não foi a intenção do legislador, pois contrariaria o art. 620 do CPC. Nem se diga que o devedor poderia ter-se preparado para a condenação, e assim, desde antes à prolação da sentença ter transformado o seu patrimônio em dinheiro, para saldar o seu débito quando intimado da sentença. Não se admite esta hipótese, simplesmente porque antes da sentença condenatória ele não era devedor. (sem grifos no original)

Em definitivo, se o não cumprimento da sentença decorrer de fato alheio à vontade do réu, deve o magistrado, em atenção aos princípios da proporcionalidade e da adequação do processo às peculiaridades da causa[13], afastar a incidência da multa. De fato, não seria razoável tratar de forma semelhante o devedor que provou impossibilidade de realizar o pagamento na quinzena, e o devedor que, podendo cumprir a obrigação, mostrou-se recalcitrante.

3.4 PAGAMENTO PARCIAL: A INCIDÊNCIA DA MULTA SOBRE O RESTANTE DO VALOR DEVIDO

Dispõe o art. 475-J, § 4º, CPC, que “efetuado o pagamento parcial no prazo previsto no caput deste artigo, a multa de dez por cento incidirá sobre o restante”. Assim sendo, para que o devedor fique eximido da multa, mister se faz que ele tenha adimplido completamente a ordem judicial. Na hipótese de a condenação ser cumprida em parte, a incidência da multa dá-se na parte não observada.

Cumpre, neste ponto, interpretar o termo condenação, a fim de evitar transtornos para o devedor, que pode acreditar ter cumprido satisfatoriamente o comando judicial, quando em verdade não o fez de forma absoluta.

Assim, cumpre mencionar, de logo, que montante da condenação não se confunde com o valor da obrigação. Portanto, quando o devedor é intimado para cumprir espontaneamente o comando judicial no prazo de quinze dias, sob pena de multa de 10%, ele deve pagar o valor da obrigação principal, bem como o valor relativo às verbas de sucumbência. Nesse sentido, vejamos o escólio de Cássio Scarpinella Bueno (2006):

Acredito que a melhor forma de interpretar o dispositivo [...] é entender como “montante da condenação” tudo aquilo que deve ser pago pelo devedor, em função do proferimento da sentença em seu desfavor (ou da existência de outro título, observando-se o rol que, doravante, ocupa o art. 475-N). Por isso, afasto que o dispositivo seja interpretado como se “montante da condenação” fosse “montante da obrigação” inadimplida. É que “condenação” é palavra técnica, que tem sentido próprio em “processualês”, e que não corresponde, no plano do processo, ao valor originário da obrigação. (sem grifos no original)

Nesta senda, percebe-se que o devedor deve arcar com uma série de custas que não estão abarcadas pelo valor da obrigação principal. Cabe ao condenado pagar, por exemplo, as custas processuais, honorários advocatícios, além de juros e correção monetária que incidem sobre o valor da dívida principal. Caso o devedor não pague integralmente todas essas parcelas, é forçoso reconhecer que o pagamento foi parcial, razão pela qual a multa de 10% deve incidir sobre o restante do valor devido. Assim, “na medida em que o valor do pagamento não atender fielmente ao retratado no título executivo (com os devidos acréscimos), a multa de 10% deverá incidir sobre a diferença”. (BUENO, 2006).

3.5 HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS NA FASE DE CUMPRIMENTO DE SENTENÇA: A SUPRESSÃO DA VERBA HONORÁRIA TORNA INÓCUA A MULTA DE 10% PREVISTA NO ART. 475-J, CPC

Questão intrigante e que tem gerado divergência doutrinária e jurisprudencial diz respeito ao cabimento de honorários advocatícios na fase de cumprimento de sentença.

O tema ganha destaque tendo em vista que, com a Lei 11.232/05, a execução de sentença civil deixou de ser tratada como processo autônomo e passou a ser mera fase do processo em que o comando judicial foi proferido. Devido a esta mudança, surge a dúvida a respeito do cabimento ou não dos honorários advocatícios aos patronos do credor que atuem na fase de cumprimento de sentença.

A questão, como dito, não é pacífica entre os doutrinadores. Alguns juízes vêm se manifestando no sentido de negar as verbas de sucumbência, sob o argumento de que desapareceu o processo formal de execução, razão pela qual, havendo um só processo, só pode haver uma fixação de honorários advocatícios. Assim, o arbitramento de novos honorários nessa subseqüente fase representaria injustificável bin in idem. Neste sentido já decidiu o Tribunal de Justiça do Distrito Federal:

PROCESSO CIVIL. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. LEI 11.232/2005. ART. 475-J. INCIDÊNCIA DA MULTA DE 10% (DEZ POR CENTO). POSSIBILIDADE. ART. 1.211, DO CPC. PRINCÍPIO DO TEMPUS REGIT ACTUM. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. [...] 2. Não é cabível o arbitramento de honorários advocatícios no procedimento de cumprimento da sentença, pois se trata de uma fase do próprio processo de conhecimento, onde não há sucumbência, sob pena de dupla condenação a tal título. (Agravo de instrumento nº 20060020143929, 4ª Turma Cível, Rel. Maria Beatriz Parrilha. Julgado em 30/05/2007) (sem grifos no original)

Humberto Theodoro Júnior (2010) também já se manifestou pelo não cabimento dos honorários advocatícios na fase de cumprimento de sentença. Vejamos:

Não há duas ações para justificar duas imposições da verba advocatícia. Assim, o §4º do art. 20, que fala em honorários nas “execuções embargadas, ou não”, ficou restrito aos casos dos títulos extrajudiciais, visto que, após a Lei nº 11.232/2005, não há ação de execução de título judicial e tampouco ação de embargos do devedor.

Por outro lado, e este parece ser o correto entendimento à luz da dignidade da advocacia, o fato de se ter modificado a natureza da execução de sentença não traz nenhuma modificação no que concerne aos honorários advocatícios. De fato, uma vez demonstrada a renitência do devedor em cumprir espontaneamente o julgado, torna-se imprescindível a atuação de um profissional habilitado para requerer as medidas cabíveis em favor do credor e, portanto, nada mais razoável do que remunerar o causídico por tais atividades, “sob pena de admitirmos inclusive o enriquecimento sem causa daqueles que se beneficiaram direta ou indiretamente pelo trabalho do advogado”. (TEIXEIRA, 2010)

Ademais, impende reconhecer que o art. 20, § 4º, CPC, deve ser lido no atual contexto do processo civil, de modo a permitir a sua aplicação na fase de cumprimento de sentença. Até porque, como bem lembra Cássio Scarpinella Bueno (2006, p.159), “este dispositivo não faz menção a “processo de execução”, a comportar interpretação mais ampla para incidir toda a vez que se fizerem necessárias “atividades executivas”, sem necessidade de qualquer alteração legislativa [...]”. (com grifo no original).

Carlos Alberto Carmona (2006) também entende que o art. 20, § 4º, CPC, deve ser interpretado de forma extensiva para se adequar ao atual sistema processual civil:

O dispositivo indicado não determina que o juiz fixe honorários advocatícios a favor do advogado do credor apenas no processo de execução; ao contrário, refere-se o legislador, prudentemente, às execuções, embargadas ou não, reportando-se aos três critérios do §3º do mesmo artigo (zelo profissional, lugar da prestação do serviço e dificuldade do trabalho prestado). Ora, o art. 475-I diz que, tratando-se de sentença condenatória de quantia certa, o cumprimento da sentença será feito “por execução”, de modo que a concatenação técnica do texto de lei leva à conclusão de que, sendo necessário “executar” o devedor (que não cumpriu voluntariamente a sentença condenatória) deverá o juiz, levando em conta os critérios do art. 20, §3º, fixar honorários a favor do advogado do credor. E tais honorários serão aumentados ou diminuídos, conforme a hipótese, se for manejada impugnação pelo devedor.

Por fim, e este argumento é o que mais nos interessa, se for acolhida a tese da supressão dos honorários advocatícios na fase de cumprimento de sentença, a finalidade coercitiva da multa prevista no art. 475-J do CPC restaria completamente esvaziada, “uma vez que embora esta desencoraje o devedor, de outro lado ele teria um novo “benefício”, antes não previsto, qual seja o de não arcar com os honorários nesta etapa processual” (TEIXEIRA, 2010). Neste mesmo sentido, vejamos as lições de Alexandre Freitas Câmara (2010):

É certo que de nada adiantará a criação de uma multa de dez por cento sobre o valor da condenação para o devedor que não cumpre voluntariamente a sentença se, de outro lado, elimina-se a fixação de verba honorária (que, na maioria dos casos, era estabelecida em dez por cento sobre o valor da execução). Isto fará com que a multa fique sem qualquer eficácia coercitiva. [...] Considerando o fato de que para o devedor não faz diferença saber quem vai receber cada centavo do que paga, mas apenas determinar o valor total a ser pago, não haveria para ele qualquer modificação prática, e a multa perderia toda a sua eficácia coercitiva (que já não é das maiores...). O único prejudicado, então, seria o advogado do credor, que deixaria de receber a verba honorária do segundo módulo processual, embora nele tenha de trabalhar. (sem grifos no original)

Alguns Tribunais de Justiça, como os do Rio de Janeiro, do Paraná e do Rio Grande do Sul já se manifestaram pela procedência do pedido das verbas advocatícias nesta fase processual. Vejamos os argumentos utilizados pelos ilustres desembargadores:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. ALTERAÇÕES INTRODUZIDAS NA SISTEMÁTICA PROCESSUAL PELA LEI 11.232/05. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS PARA A FASE DE CUMPRIMENTO DA SENTENÇA, SE ESSA NÃO É ESPONTANEAMENTE CUMPRIDA PELO DEVEDOR. POSSIBILIDADE. Trabalho do causídico que não se exaure com a sentença, devendo prosseguir para a satisfação do crédito de seu cliente, mormente porque o agravado não cumpriu espontaneamente o julgado. Provimento do recurso para determinar a manutenção dos honorários advocatícios para a fase de cumprimento da sentença na planilha apresentada pelo exeqüente, em percentual a ser fixado pelo juiz da causa. (Agravo de Instrumento nº 2007.002.16462, 2ª Câmara Cível do TJ/RJ, Des. Heleno Ribeiro Nunes. Julgado em 09/07/2007).

AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. FASE DE CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. ART 475-J DO CPC. AUSÊNCIA DE CUMPRIMENTO VOLUNTÁRIO PELO DEVEDOR. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS PASSÍVEIS DE FIXAÇÃO. DECISÃO REFORMADA. RECURSO PROVIDO. Na fase de cumprimento de sentença, uma vez instada a cumprir voluntariamente o julgado e não o fazendo, resta configurado a resistência, sendo plausível a fixação de verba honorária. (Agravo de Instrumento nº 0407935-4, 9ª Câmara Cível do TJ/PR, Rel. Antonio Ivair Reinaldin. Julgado em 31/05/2007).

AGRAVO DE INSTRUMENTO. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. POSSIBILIDADE. Ocorrendo resistência do executado ao cumprimento do julgado, dando causa ao prosseguimento do feito executivo através de impulso do advogado da exeqüente, cabível a fixação de honorários. Recurso Provido, em parte. (Agravo de Instrumento nº 70020175725, 2ª Câmara Cível do TJ/RS, Rel. Catarina Rita Krieger Martins. Julgado em 03/08/2007)

Ex positis, tendo em vista que a atuação do advogado é indispensável na denominada fase de cumprimento de sentença, mister se faz reconhecer o seu direito à remuneração pelas atividades desempenhadas. Do contrário, o ordenamento jurídico legitimaria o enriquecimento sem causa, tendo em vista que as partes que se beneficiaram do trabalho do causídico estariam desobrigadas a remunerar tais atividades.

Além disso, conforme mencionado anteriormente, a supressão da verba honorária na fase de cumprimento de sentença colidiria com os objetivos da reforma, notadamente com a busca da satisfação do direito do credor em tempo razoável, já que a supressão dos honorários advocatícios tornaria inócua a finalidade coercitiva da multa prevista no art. 475-J do CPC.

Enfim, o Superior Tribunal de Justiça, atualmente, acabou adotando esta última corrente, que entendemos mais acertada. Vejamos:

AGRAVO REGIMENTAL - CUMPRIMENTO DE SENTENÇA – HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS - ART. 20 DO CPC - PRECEDENTES - APRECIAÇÃO EQUITATIVA DO JUIZ - REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO - IMPOSSIBILIDADE - SÚMULA 7/STJ - DECISÃO AGRAVADA MANTIDA - IMPROVIMENTO.

I. Quanto ao arbitramento dos honorários advocatícios na impugnação ao pedido de cumprimento de sentença, a Terceira Turma desta Corte, em 11.3.08, no julgamento do REsp 978.545/MG, sob a relatoria da eminente Ministra NANCY ANDRIGHI, posicionou-se no sentido de que, conquanto a nova sistemática imposta pela Lei nº 11.232/05 tenha alterado a natureza da execução de sentença que passou a ser mera fase complementar do processo de cognição deixando de ser tratada como processo autônomo, não trouxe nenhuma modificação no que tange aos honorários advocatícios.

II. No julgamento do REsp 1.028.855/SC (Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, julg. em 27.11.2008), a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento no sentido de que, na fase de cumprimento de sentença, impugnada ou não, deve ser fixada verba honorária nos termos do art. 20, § 4º, do CPC.

III. Irretocável o Acórdão recorrido, porquanto, fixada a verba honorária de acordo com a apreciação equitativa do juiz, excetuados os casos de quantia irrisória ou exorbitante, não será suscetível de reexame em sede de Recurso Especial, a teor da Súmula 7 desta Corte.

III. O agravo não trouxe nenhum argumento novo capaz de modificar a conclusão alvitrada, a qual se mantém por seus próprios fundamentos.

Agravo Regimental improvido.

 (AgRg no REsp 1134659 / RS, Terceira Turma, Min. Relator Sidnei Beneti, DJe 29/06/2010).


4 A NECESSIDADE DE INTIMAÇÃO PESSOAL DO DEVEDOR PARA A APLICAÇÃO DA MULTA PREVISTA NO ART. 475-J, CPC

Conforme mencionado alhures, o objetivo central do presente trabalho é identificar o termo a quo para a incidência da multa prevista no art. 475-J do CPC. Para melhor compreensão do tema, faz-se necessário colacionar o dispositivo sob enfoque, que tem a seguinte redação:

Art. 475-J. Caso o devedor, condenado ao pagamento de quantia certa ou já fixada em liquidação, não o efetue no prazo de quinze dias, o montante da condenação será acrescido de multa no percentual de dez por cento e, a requerimento do credor e observado o disposto no art. 614, inciso II, desta Lei, expedir-se-á mandado de penhora e avaliação.

O objetivo do legislador ao inserir o mencionado dispositivo no Código de Processo Civil foi estimular o rápido cumprimento das obrigações pecuniárias, de modo a incentivar o devedor a evitar a incidência da multa através do pagamento voluntário. Portanto, dispõe o devedor de quinze dias para satisfazer a obrigação de forma espontânea, sob pena de assistir à incidência de multa que se soma ao valor da condenação. A dúvida que surge, tendo em vista o silêncio do legislador, diz respeito ao termo inicial da contagem do prazo de quinze dias a que se refere o art. 475-J do CPC.

Diante desta omissão legislativa, três correntes doutrinárias tentam solucionar o impasse: para a primeira, é suficiente que ocorra o trânsito em julgado da decisão para que o prazo de quinze dias comece a fluir automaticamente[14]; para a segunda concepção, o devedor deve ser previamente intimado, sendo suficiente que esta intimação se dê na pessoa de seu advogado via publicação na imprensa oficial; para a última corrente doutrinária – e que aqui se defende –, a quinzena começa a fluir com a intimação pessoal do devedor. 

Em face da ausência de previsão expressa quanto ao termo inicial para a incidência da multa por falta de pagamento espontâneo, mister se faz analisar de per si cada uma das correntes doutrinárias, bem como o posicionamento da jurisprudência acerca desta matéria.

4.1 TERMO INICIAL: COM O TRÂNSITO EM JULGADO DA DECISÃO

Para os adeptos dessa primeira concepção doutrinária, a exigência de intimação do devedor para cumprir a determinação judicial, seja por intermédio de seu advogado ou pessoalmente, violaria a idéia de celeridade que motivou as recentes reformas do CPC. Assim sendo, o trânsito em julgado da decisão, seja em primeiro grau ou segundo grau, seja nos tribunais superiores (STJ e STF) é suficiente para que o prazo de quinze dias comece a fluir automaticamente. Diversos doutrinadores já se manifestaram nesse sentido, razão pela qual a análise de seus fundamentos se impõe. Nesse sentido, vejamos as lições de Araken de Assis (2006):

[...] o art. 475-J, caput, estipulou o prazo de espera de quinze dias, no curso do qual o condenado poderá solver a dívida pelo valor originário, ou seja, sem o acréscimo da multa de 10% (dez por cento). O prazo flui da data em que a condenação se tornar exigível. É o que se extraí da locução “condenado ao pagamento de quantia certa, ou já fixada em liquidação”. [...] O prazo de espera visa à finalidade, sempre louvável, de evitar o processo. Vencido o interregno de quinze dias, automaticamente incidirá a multa de 10% (dez por cento). Por tal motivo, constará da planilha que instruirá o requerimento executivo. (sem grifos no original)

Idêntica opinião é sustentada por Guilherme Rizzo Amaral (2010). Para ele, a finalidade das reformas do CPC é aniquilar etapas desnecessárias do processo, de sorte que a necessidade de intimação do devedor representaria um retrocesso em relação ao sistema anterior. Vejamos os seus ensinamentos:

Transitada em julgado a sentença (ou acórdão), cremos ser desnecessária a intimação do devedor para cumpri-la, bastando a simples ocorrência do trânsito em julgado para que se inicie o prazo de 15 (quinze) dias para o cumprimento voluntário. [...] Por fim, consideramos premente a necessidade de serem eliminadas as etapas “mortas” do processo, tal qual a que se instauraria entre o trânsito em julgado e a baixa dos autos à origem, e entre esta e a intimação, ex officio, do devedor para cumprimento da sentença transitada em julgado.

Assim, não obstante respeitáveis vozes em sentido contrário, transitando em julgado a sentença ou acórdão, e independentemente de intimação, passa-se a contar o prazo de 15 (quinze) dias para o cumprimento voluntário da condenação, após o que incidirá, ex vi legis, a multa de 10%, retornando a iniciativa do processo ao credor, para requerer ou não a instauração do procedimento executivo. (sem grifos no orifinal)

O mencionado autor (2010), citando José Maria Rosa Tesheiner, demonstra as dificuldades que a exigência de intimação prévia do devedor para cumprir a obrigação pode acarretar. Assim:

O trânsito em julgado ocorrerá, na maioria dos casos, em outra instância, motivo por que se poderia sustentar que o termo inicial do prazo fixado para pagamento seria o da intimação do despacho de “cumpra-se”, quando do retorno dos autos. Mas isso implicaria a concessão de um prazo, que pode estender-se por vários meses, a um devedor já condenado porque deve e porque em mora. Nota-se que não se trata de depósito, que deva ser autorizado pelo juiz, mas de pagamento, que independe de autos. Nos casos em que a falta deles torne difícil, para o devedor, a elaboração de um cálculo mais exato, resta-lhe a solução de efetuar pagamento parcial, caso em que a multa de dez por cento incidirá sobre o saldo (art. 475-J, §4º). Essa dificuldade, acaso existente, será, na maioria dos casos, imputável à desídia do próprio devedor, que não se muniu de cópias necessárias de atos do processo.

Ainda nesse mesmo sentido é o escólio de Athos Gusmão Carneiro (2005):

Assim, na sentença condenatória por quantia líquida (ou após a decisão de liquidação de sentença), o devedor terá o prazo de quinze dias para cumprir voluntariamente sua obrigação de pagar. Tal prazo passa automaticamente a fluir da data em que a sentença (ou o acórdão, CPC art.512) se torne exeqüível, quer por haver transitado em julgado, quer porque interposto recurso sem efeito suspensivo.

Humberto Theodoro Júnior (2006) adota um posicionamento misto. Para ele, o prazo de quinze dias flui do trânsito em julgado da decisão, caso este ocorra em primeira instância pelo decurso do prazo recursal, ou da intimação das partes sobre a baixa dos autos, no caso de o trânsito em julgado ocorrer em superior instância[15]. Vejamos:

Não tem cabimento a multa se o cumprimento da prestação se der dentro dos quinze dias estipulados pela lei. Vê-se, destarte, que o pagamento não estará na dependência de requerimento do credor. Para evitar a multa, tem o devedor que tomar a iniciativa de cumprir a condenação no prazo legal, que flui a partir do momento em que a sentença se torna exeqüível. [...]

É do trânsito em julgado que se conta dito prazo, pois é daí que a sentença se torna exeqüível. [...] Se o trânsito em julgado ocorre em instância superior (em grau de recurso), enquanto os autos não baixam à instância de origem, o prazo de 15 dias não correrá, por embaraço judicial. Será contado a partir da intimação às partes, da chegado do processo ao juízo da causa.

Nessa ordem de ideias, para os renomados autores acima citados é suficiente que ocorra o trânsito em julgado da decisão para que o prazo de quinze dias passe a fluir automaticamente, ou seja, é desnecessária a intimação do devedor para efetuar o pagamento da obrigação pecuniária. Nos tribunais alguns acórdãos também são nesse sentido:

DIREITO PRIVADO NÃO-ESPECIFICADO. AGRAVO INTERNO EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. INCIDÊNCIA DA MULTA PREVISTA NO CAPUT DO ART. 475-J DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. INTIMAÇÃO DO DEVEDOR PARA EFETUAR O PAGAMENTO DA CONDENAÇÃO. PRESCINDIBILIDADE. LEI 11.232/2005. 1. A multa prevista no caput do art. 475-J do CPC, introduzida no capítulo das execuções do Código de Processo Civil pela Lei n.º 11.232/2005, incide na hipótese de o devedor condenado ao pagamento de quantia certa ou já fixada em liquidação não satisfazer a obrigação no prazo de quinze dias, contados do trânsito em julgado da decisão condenatória, independentemente de prévia intimação do devedor para efetuar o pagamento. 2. Desprovimento do recurso. (Agravo de instrumento nº 70018241653, 4ª Câmara Cível do TJRS, Rel. Paulo Sérgio Scarpano. Julgado em 24/01/2007).

AGRAVO DE INSTRUMENTO. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. EXECUÇÃO DEFINITIVA. DESNECESSIDADE DE NOVA INTIMAÇÃO PARA QUE O DEVEDOR CUMPRA VOLUNTARIAMENTE A OBRIGAÇÃO, BASTANDO O TRÂNSITO EM JULGADO DA DECISÃO. INCIDÊNCIA DA MULTA EX VI LEGIS. O prazo de 15 dias para cumprimento voluntário da obrigação começa a correr quando do trânsito em julgado da sentença ou acórdão. Transcorrido o prazo, incide, por força da lei, a multa de 10%. Portaria nº 20/2006 da CGJ, que regulamenta a matéria. AGRAVO PROVIDO, EM DECISÃO MONOCRÁTICA. (Agravo de Instrumento nº 70019215011, 16ª Câmara Cível do TJ/RS, Rel. Ergio Roque Menine. Julgado em 09/04/2007).

A primeira decisão do STJ sobre a matéria, nos termos do r. acórdão prolatado no REsp nº 954.859, Terceira Turma, também entendeu pela desnecessidade de intimação do devedor, seja na pessoa do seu advogado ou pessoalmente, para o início da fluência do prazo de quinze dias assinalado no art. 475-J, CPC. Vejamos:

LEI 11.232/2005. ARTIGO 475-J, CPC. CUMPRIMENTO DA SENTENÇA. MULTA. TERMO INICIAL. INTIMAÇÃO DA PARTE VENCIDA. DESNECESSIDADE. 1. A intimação da sentença que condena ao pagamento de quantia certa consuma-se mediante publicação, pelos meios ordinários, a fim de que tenha início o prazo recursal. Desnecessária a intimação pessoal do devedor. 2. Transitada em julgado a sentença condenatória, não é necessário que a parte vencida, pessoalmente ou por seu advogado, seja intimada para cumpri-la. 3. Cabe ao vencido cumprir espontaneamente a obrigação, em quinze dias, sob pena de ver sua dívida automaticamente acrescida de 10%. (REsp nº 954.859- RS, 3ª Turma do STJ, Min. Humberto Gomes de Barros. Julgado em 16/08/07). (sem grifos no original)[16]

A Terceira Turma do STJ entendeu que o prazo de quinze dias deve ser contado a partir do trânsito em julgado da decisão, independentemente de qualquer intimação. Com efeito, entendeu o Tribunal que a reforma da Lei teve como objetivo acelerar o cumprimento das decisões judiciais, de sorte que a necessidade de intimação do devedor, seja na pessoa de seu advogado ou pessoalmente, não se compatibilizaria com o escopo da reforma.

Alertou a Terceira Turma do STJ que caberá ao advogado a responsabilidade pelo pagamento de indenização se não avisar a tempo seu cliente do trânsito em julgado da decisão. Portanto, deve o advogado comunicar seu constituinte do trânsito, sob pena de arcar com o prejuízo por atraso no adimplemento da obrigação.

Esse acórdão do STJ foi severamente criticado pelo diretor tesoureiro do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, Ophir Cavalcante Júnior (2010), que alertou:

Esse posicionamento deve merecer pronta resposta da OAB na defesa das prerrogativas profissionais, pois o advogado se limita, apenas, a usar os instrumentos legais na defesa do seu constituinte, não podendo ser penalizado por um ato que é da parte e não seu, pessoal. [...] A decisão avança sobre uma discussão que deverá ser travada em cada caso concreto, pois muitas vezes nem o advogado tem conhecimento do trânsito em julgado, seja porque nada é publicado no Diário Oficial nesse sentido; seja porque trabalha em local onde a Internet não chegou; seja porque não manuseia computador; seja porque o seu cliente não foi encontrado; seja ainda porque o cliente, mesmo avisado, tenta atribuir a culpa ao advogado por ter perdido a ação. (sem grifos no original)

O membro da diretoria da OAB criticou a decisão da Corte Especial no que tange à responsabilidade do advogado, acaso a parte não cumpra a sua obrigação pecuniária. Para ele, o advogado não pode ser responsabilizado por um ato pessoal da parte. Com efeito, o advogado possui capacidade para a prática de atos postulatórios, para viabilizar a defesa de seu constituinte, não podendo ser responsabilizado por um ato personalíssimo da parte (in casu, o pagamento da obrigação pecuniária).

Nessa linha de idéias, o diretor da OAB Nacional pontuou um dos entraves que a adoção deste primeiro posicionamento (que entende que o prazo flui do trânsito em julgado) pode ocasionar. Com efeito, esta corrente doutrinária, em última análise, acaba por responsabilizar o advogado por uma obrigação que é nitidamente pessoal da parte. De fato, sendo obrigação personalíssima da parte, faz-se imprescindível que ela (parte) seja alertada pessoalmente acerca das conseqüências do inadimplemento da obrigação no prazo assinalado em lei, não devendo recair sobre o advogado nenhuma responsabilidade por este ato.

Além disso, cumpre destacar que nas funções desempenhadas pelo advogado não consta o dever de intimar o seu constituinte para a prática de atos que a este incumbe. Ocorre que o STJ, com este precedente, acabou por transferir para o advogado o ônus de intimar a parte, tarefa que compete, na verdade, ao Judiciário. Com efeito, o advogado, de forma prudente e zelosa, objetivando resguardar-se de eventuais responsabilidades, deverá intimar o seu constituinte, tomando a termo esta intimação, para que fique imune de possíveis penalidades decorrentes do descumprimento, pelo seu cliente, da obrigação pecuniária no prazo previsto em lei. Verifica-se, assim, que com este entendimento do STJ, o ônus da intimação foi deslocado do serviço judiciário para o advogado, o que, d.v., não se pode concordar.

Diante deste entendimento do STJ, extremamente oneroso para os advogados, o conselheiro federal da Ordem dos Advogados do Brasil, Luiz Carlos Levenzon, do Rio Grande do Sul, encaminhou ao presidente nacional da OAB, Cezar Britto, proposta de alteração no artigo 475-J do CPC, para que passe a ter a seguinte redação:

Art. 475-J. Caso o devedor, condenado ao pagamento de quantia certa ou já fixada em liquidação, e intimado pessoalmente, não o efetue no prazo de quinze dias, o montante da condenação será acrescido de multa no percentual de dez por cento e, a requerimento do credor e observado o disposto no art. 614, inciso II, desta Lei, expedir-se-á mandado de penhora e avaliação. (sem grifos no original)

Como visto, a multa tem a finalidade de coagir o devedor a cumprir espontaneamente a obrigação, e tal finalidade certamente não será alcançada se o devedor não tiver conhecimento do momento exato em que a sua obrigação se tornou exigível. A finalidade coercitiva da multa seria absolutamente inócua, restando tão somente como meio de enriquecimento sem causa do credor.

Os inconvenientes dessa primeira corrente doutrinária e jurisprudencial não param por aí. Com efeito, para que o prazo de quinze dias comece a fluir é necessário que o devedor tenha acesso aos autos para que possa realizar, de maneira precisa, os cálculos do valor da condenação. Neste particular cabe lembrar, com esteira nos ensinamentos de Cássio Scarpinella Bueno (2006, p.146), que nos casos em que o quantum da condenação depender de elaboração de cálculos (art. 475-B), estes deverão ser apresentados pelo próprio devedor e não pelo credor[17]. Assim:

Quando a quantificação depender da elaboração de meros cálculos aritméticos, não há mais – e isto de forma expressa e inescondível desde 1994 – propriamente uma liquidação. Por isso que nestes casos o próprio devedor, independentemente de qualquer outra atividade perante o juízo, tem de acatar a sua “condenação”. Mesmo que, repito, para frisar o que escrevi, ele, o devedor, precise elaborar contas para identificar o quantum devido e viabilizar o pagamento respectivo, único comportamento que, segundo penso, será apto para afastar a incidência da multa do caput do art. 475-J. (com grifo no original).

Assim sendo, tendo em vista que na maioria das vezes a decisão transita em julgado nos Tribunais Superiores (STJ, STF), a ausência dos autos em primeira instância inviabilizaria a elaboração dos cálculos pelo devedor. Com efeito, a ausência dos autos “prejudica a correta elaboração dos cálculos pelo devedor, muitas vezes complexo, sobretudo quando há reforma, ainda que parcial, da decisão em sede recursal”. (SANT’ANNA, 2007)

Paulo Afonso de Souza Sant’Anna (2007), citando Carlos Alberto Carmona, elucida muito bem a problemática acima exposta:

O devedor, para poder cumprir a sentença, no mais das vezes terá necessidade de amplo acesso aos autos do processo, pois caberá a ele, devedor, calcular o valor exato da dívida para efetuar o depósito judicial da quantia total objeto da condenação. E diga que o acesso aos autos pode ser essencial porque, para o cálculo das verbas de condenação, muitas vezes será necessário averiguar o valor do pagamento de custas, conferir as respectivas datas (para contar juros e correção monetária), checar o valor de cada diligência adiantada pelo adversário, cotejar o valor das despesas, enfim, será indispensável a obtenção de uma pletora de dados para que o devedor possa calcular com precisão o valor a depositar. No cumprimento “voluntário” da sentença, desnecessário dizer, cabe ao devedor fazer o cálculo do valor a pagar, e qualquer erro no depósito estimulará o credor a pleitear a atividade satisfativa, incidindo a multa sobre o valor que o devedor tiver deixado de depositar. Por conta disso, não parece razoável obrigar o devedor a deslocar-se ao tribunal onde se processa o recurso (e onde será verificado e certificado o trânsito em julgado da decisão) para lá consultar os autos a fim de efetuar, às pressas, depósito em primeiro grau, tudo no afã de evitar a incidência da multa: esta interpretação da lei retiraria do dispositivo enfocado (art. 475-J) sua grande virtude, qual seja, a de estimular o cumprimento voluntário da sentença”. (sem grifos no original)

Percebe-se, portanto, as dificuldades práticas que o devedor teria que suportar caso não tivesse acesso aos autos no instante em que a decisão transitou em julgado. Ademais, não se pode querer atribuir esta dificuldade decorrente da ausência dos autos ao próprio devedor, por não ter se munido de cópias necessárias de atos do processo, “não apenas porque as partes não são obrigadas a manter cópia absolutamente fidedigna dos autos, mas sobretudo porque tal posição, com o devido respeito, ignora a realidade forense”. (SANT’ANNA, 2007)

Verifica-se, por conseguinte, que esta teoria tem sido rechaçada pela doutrina, tendo em vista os inconvenientes práticos que ela acarreta. Ademais, cumpre ainda salientar, que o artigo 240 do CPC prescreve que “salvo disposição em contrário, os prazos para as partes, para a Fazenda Pública e para o Ministério Público contar-se-ão da intimação”, logo, inexistindo regra em sentido contrário no art. 475-J do CPC, o prazo de quinze dias nele referido tem de fluir da intimação. Assim sendo, não pode ser aceito o entendimento da fluência automática do prazo, por ser uma opinião d.v. contrária à lei.

Por derradeiro, não se pretende negar que o posicionamento que fixa o termo inicial da incidência da multa a partir do trânsito em julgado da decisão é o mais consentâneo com o objetivo da reforma processual, já que privilegia o princípio da celeridade. Ademais, também cumpre reconhecer que a decisão que transitou em julgado já reúne eficácia suficiente para ser cumpria e, por via de conseqüência, nova intimação para esse fim seria desnecessária. Ocorre, entrementes, que esses argumentos são insuficientes quando estamos diante de um processo civil voltado para os princípios constitucionais.

Com efeito, à luz da Constituição Federal, e em especial aos princípios do contraditório, ampla defesa e da publicidade, é que se afigura necessário que a parte seja cientificada formalmente de que o comando judicial deve ser cumprido. Nesse sentido, lembra Cássio Scarpinella Bueno (2006) de forma irretocável que:

[...] o entendimento que sustento no texto não coloca em dúvida a eficácia das decisões judiciais, mas a necessidade de ciência formal de que sua eficácia está “liberada”, em nome do princípio constitucional do contraditório e da ampla defesa. A nossa divergência, destarte, reside no plano da ciência da decisão (sua desnecessidade ou não) e não no plano da eficácia, qualquer que seja dado o nome a seus particulares efeitos. (com grifo no original)

 Nessa ordem de idéias, a intimação das partes após o trânsito em julgado “é necessária, verdadeiramente imperiosa, em nome do ‘modelo constitucional do processo civil’, para que o devedor tenha ciência de que deve, ou não, fazer algo, in casu, cumprir o julgado, pagando o valor da dívida.” (BUENO, 2006) (com grifo no original).

Em definitivo, nota-se que muitos são os inconvenientes deste posicionamento que fixa como o termo a quo para a incidência da multa o trânsito em julgado da decisão: 1) possível responsabilidade dos advogados por um ato que é personalíssimo da parte; 2) as dificuldades práticas ocasionadas pela ausência dos autos em primeira instância (uma vez que a ausência dos autos dificulta a elaboração dos cálculos pelo devedor); 3) expressa disposição legal de que os prazos para as partes contam-se da intimação (art. 240, CPC); 4) os mandamentos constitucionais determinam adequada publicidade para o cumprimento do julgado.

Assim sendo, por todos os argumentos acima lançados é que esta primeira concepção deve ser, d.v., preliminarmente rechaçada.

4.2 TERMO INICIAL: COM A INTIMAÇÃO DA PARTE POR INTERMÉDIO DE SEU ADVOGADO

Uma parcela da doutrina e da jurisprudência entende que somente depois da intimação do devedor, por intermédio de seu advogado, é que será aberto o prazo de quinze dias para cumprimento voluntário da decisão. Trata-se de uma corrente intermediária, tendo em vista que se afasta da primeira concepção acima tratada (que entende que o prazo flui do trânsito em julgado da decisão) por visualizar os problemas práticos que ela acarreta e, por outro lado, afasta-se do entendimento que afirma ser imprescindível a intimação pessoal do devedor, por entender que a intimação da parte esbarraria no principal objetivo da reforma processual, qual seja, a celeridade.

Cássio Scarpinella Bueno (2006) defende este posicionamento. Para ele, conforme abordado no item anterior, a intimação da parte, por intermédio de seu advogado, é imprescindível em nome do modelo constitucional do processo civil, já que a fluência de prazos não pode depender de impressões subjetivas. Assim, é necessário que o devedor seja comunicado, na pessoa de seu causídico, que a decisão está apta a ser cumprida. Vejamos os seus ensinamentos:

Por estas razões, forte na noção constitucional de que o cumprimento escorreito do julgado pressupõe adequada publicidade e condições materiais suficientes que atestem que há uma decisão judicial eficaz, apta para ser cumprida (e que tais condições limitem-se ao recebimento dos autos em que proferida a decisão exeqüenda ao primeiro grau de jurisdição, importa menos), é que ainda prefiro, com renovadas vênias, manter o entendimento de que o prazo do art. 475-J depende de prévia ciência do devedor, por intermédio de seu advogado, de que o julgado reúne as condições suficientes para cumprimento. E o “cumpra-se o v. acórdão”, para manter os olhos na vida do foro, parece-me, ainda, ser um bom momento para tanto – não exclusivo e não necessário, evidentemente, mas oportuno para manter, para a “fase de cumprimento da sentença”, as garantias exigidas pela Constituição Federal e que devem afetar todo o “ser” do processo civil. (sem grifos no original)

Fredie Didier Júnior (2010) também defende que o prazo de quinze dias a que se refere o art. 475-J do CPC começa a fluir com a intimação do devedor, por intermédio de seu advogado. Assim:

A principal discussão doutrinária sobre esse dispositivo relaciona-se com a necessidade ou não de intimação para cumprimento espontâneo da decisão. [...] Parece que a melhor interpretação é a que exige a intimação do devedor, que pode ser feita pela imprensa oficial, dirigida ao seu advogado, consoante a tendência que vem se firmando em nosso ordenamento (p. ex: arts. 57, 316, 475-A, § 1º, 475-J, § 1º, 659, §5º etc.).

Para justificar o seu posicionamento, o mencionado autor cita diversos dispositivos legais para demonstrar que a tendência adotada no ordenamento jurídico pátrio é a intimação da parte na pessoa de seu procurador. Ocorre, entrementes, que todos os artigos citados determinam expressamente que a intimação seja concretizada na pessoa do advogado da parte. Portanto, nesses dispositivos exemplificados pelo autor, não remanescem dúvidas acerca da possibilidade de realização da intimação na pessoa do advogado.

Não se pretende negar, até porque já foi demonstrado no capítulo 2 deste trabalho, que ordinariamente a comunicação dos atos processuais é dirigida ao advogado, já que assim o processo civil ganha mais celeridade. Ocorre que esta regra não é absoluta. Com efeito, em certos casos, a intimação pessoal da parte se impõe tendo em vista a natureza do ato a ser praticado e as conseqüências que podem advir do descumprimento do comando judicial. No caso do dispositivo estudado (art. 475-J), o ato a ser realizado (pagamento) é da parte, e a conseqüência pela inobservância da ordem judicial (multa de 10% a ser acrescentada ao valor da condenação) será suportada pela parte. Assim sendo, a regra geral de que as intimações são dirigidas ao advogado não pode subsistir para o art. 475-J do CPC.

Carlos Alberto Carmona (2006) também advoga a tese de que o termo a quo para a contagem do prazo é da intimação das partes, na pessoa de seu advogado. Vejamos:

[...] somente depois da cientificação do devedor (por meio da intimação de seu advogado, pela imprensa oficial) é que terá início o prazo de quinze dias para cumprimento espontâneo da decisão (findo o qual – se correr in albis – arcará o vencido com o acréscimo legal).

Paulo Afonso de Souza Sant’Anna (2007) também já externou entendimento de que a intimação deve ser feita ao advogado, por meio da imprensa oficial. O autor discorda da intimação pessoal já que esta pode gerar incidentes processuais desnecessários, caso o devedor não seja localizado no endereço constante nos autos. Para ele:

[...] a exigência de intimação pessoal da parte equivale, na prática, à antiga citação, cuja eliminação foi um dos grandes propósitos da Lei 11.232/05. A dificuldade de encontrar o devedor para uma segunda citação após o término do processo de conhecimento era um dos grandes entraves do sistema anterior e por isso foi eliminada, conforme expressamente se colocou na exposição de motivos da Lei 11.232/05.

A jurisprudência também já entendeu ser suficiente a intimação do devedor por intermédio de seu advogado (inclusive a própria Terceira Turma do STJ mudou seu posicionamento, conforme se observa infra):

AGRAVO REGIMENTAL - CUMPRIMENTO DA SENTENÇA - ARTIGO 475-J DO CPC - MULTA DE DEZ POR CENTO - INTIMAÇÃO DA PARTE VENCIDA, NA PESSOA DE SEU ADVOGADO - OCORRÊNCIA, NA ESPÉCIE - RECURSO IMPROVIDO. (AgRg no Ag 1263408 / RS, Terceira Turma, Min. Massami Uyeda, DJ 19/08/2010, DJe 06/09/2010)

AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO DE SENTENÇA. MULTA DO ART. 475-J DO CPC. INTIMAÇÃO DO DEVEDOR. Tenho entendido desnecessária a intimação pessoal do devedor para incidência da multa prevista no art. 475-J do CPC, sendo suficiente a realizada na pessoa de seu advogado. Mas não basta a intimação do resultado do julgamento, sendo exigível também para cumprimento do julgado. Além disso, no caso, que envolve processo em tramitação quando da alteração legislativa, cuja norma não é clara, e sim enseja divergência, não é razoável impor a multa sem nova intimação. Recurso parcialmente provido. (Agravo de instrumento nº 70019681592, rel. Paulo Roberto Félix, 15ª Câmara Cível do TJ/RS. Julgado em 14/09/2007). (Sem grifos no original)

AGRAVO DE INSTRUMENTO. CUMPRIMENTO DA SENTENÇA. TÍTULO JUDICIAL FORMADO EM AÇÃO COLETIVA. DESNECESSIDADE DA INTIMAÇÃO DO DEVEDOR, BASTANDO A INTIMAÇÃO DO SEU ADVOGADO PARA O CUMPRIMENTO DA SENTENÇA. LEI NOVA. APLICAÇÃO IMEDIATA. RECURSO NÃO PROVIDO. (Agravo de instrumento nº 18359, rel. Albino Jacomel Guerios, 5ª Câmara Cível do TJ/PR. Julgado em 30/07/2007).

AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXECUTIVO JUDICIAL. PAGAMENTO ESPONTÂNEO. PRAZO DE 15 DIAS A CONTAR DA INTIMAÇÃO DO DEVEDOR NA PESSOA DO SEU ADVOGADO. INCIDÊNCIA DA MULTA DE 10% PREVISTA NO ART. 475-J, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, APENAS SE NÃO HOUVER O PAGAMENTO APÓS REGULAR INTIMAÇÃO DO ADVOGADO DO EXECUTADO. MANDADO DE PENHORA E DE AVALIAÇÃO. EXPEDIÇÃO SOMENTE NA HIPÓTESE DE NÃO PAGAMENTO DO DÉBITO NO PRAZO FIXADO. DECISÃO REFORMADA. AGRAVO PROVIDO. (Agravo de instrumento nº 6734, rel. Renato Naves Barcellos, 16ª Câmara Cível do TJ/PR. Julgado em 08/08/2007).

AGRAVO DE INSTRUMENTO. APLICAÇÃO DA MULTA PREVISTA NO ART. 475-J, DO CPC. OMISSÃO DO LEGISLADOR SOBRE O TERMO INICIAL DO PRAZO DE 15 DIAS PARA CUMPRIMENTO DA SENTENÇA. 2. Com base na nova dinâmica da execução, que busca dar maior celeridade ao processo, os mais radicais entendem que tal prazo começa a correr do trânsito em julgado da sentença, porque a partir daí ela passa a ser exeqüível, sendo desnecessária qualquer intimação. 3. No pólo oposto estão aqueles que exigem a intimação pessoal do devedor, sob pena de violação da garantia constitucional do devido processo legal, pois não se pode ter certeza de quando ele ficou ciente da exeqüibilidade da obrigação nem quando e onde o processo está disponível para cumprimento da sentença. 4. A melhor solução para a controvérsia está no meio termo. Se é verdade que a corrente mais radical levaria à violação do princípio do devido processo legal, não menos verdade é que exigir a intimação pessoal do devedor enfraquece o objetivo principal da novel legislação, que é dar maior celeridade ao processo e efetividade ao julgado. 5. Concluindo: o devedor deve ser intimado sim para cumprir o julgado, pois não se pode exigir o cumprimento de uma obrigação de alguém sem que se lhe dê ciência de sua exeqüibilidade; entretanto, tal intimação não é de ser feita pessoalmente, podendo ser efetivada através do advogado, via publicação na imprensa oficial. 6. Provimento parcial do recurso. (Agravo de instrumento nº 2007.002.15367, rel. Paulo Mauricio Pereira, 9ª Câmara Cível do TJ/RJ. Julgado em 25/09/2007) (sem grifos no original)

Do exposto, nota-se que os adeptos deste posicionamento preceituam que a intimação é necessária para cientificar o devedor de que a eficácia da decisão está liberada, uma vez que a fluência de prazos não pode depender de impressões subjetivas. Para essa corrente doutrinária e jurisprudencial é suficiente que esta intimação seja realizada na pessoa do advogado da parte. Do contrário, a exigência de intimação pessoal do devedor equivaleria à antiga citação realizada no processo autônomo de execução, cuja eliminação foi um dos grandes objetivos da reforma empreendida pela Lei 11.232/05.

4.3 TERMO INICIAL: COM A INTIMAÇÃO PESSOAL DO DEVEDOR

Para uma terceira parcela da doutrina e da jurisprudência – e que aqui se defende –, o prazo de quinze dias a que se refere o art. 475-J do CPC deve ser contado da intimação pessoal do devedor para que ele possa efetuar o pagamento da condenação. Os argumentos favoráveis a este entendimento demonstram que a necessidade de intimação pessoal da parte é a medida mais eficaz e justa.

Inicialmente, cumpre relembrar que a necessidade de intimação do devedor para cumprir o julgado decorre dos princípios constitucionais que norteiam o processo civil. Conforme analisado no tópico anterior, a intimação é imprescindível para cientificar o devedor de que a obrigação está apta para ser cumprida, vale dizer, não se trata de duvidar da eficácia da decisão que transitou em julgado, mas da necessidade de se garantir a sua adequada publicidade, em nome do princípio constitucional do contraditório e da ampla defesa. Portanto, não cabe neste tópico analisar a corrente doutrinária que defende que o prazo de quinze dias flui do trânsito em julgado, já que a sua análise foi feita no item 4.1. A imprescindibilidade da intimação já foi demonstrada. O que resta ser feito é verificar se esta intimação deve ser feita diretamente ao devedor ou se é suficiente que a parte seja intimada por intermédio de seu advogado.

Como se sabe, o art. 475-J do CPC estabeleceu um prazo de quinze dias para que o devedor cumpra a sua obrigação pecuniária, sob pena de o valor da condenação ser acrescido de uma multa no percentual de 10%. O legislador, no entanto, não mencionou a partir de quando começa a fluir a quinzena. O silêncio do legislador desemboca no primeiro argumento favorável à intimação pessoal da parte para adimplir a obrigação. Com efeito, o art. 240 do CPC preceitua que, salvo disposição em contrário, os prazos para as partes fluem da intimação. Assim sendo, tendo em vista a ausência de previsão expressa no art. 475-J do CPC, o prazo nele mencionado deve ser contado da intimação. Nessa ordem de pensamento dispara Alexandre Freitas Câmara (2007, p.115):

Penso que o termo a quo desse prazo quinzenal é a intimação pessoal do devedor para cumprir a sentença. Não pode ser mesmo de outro modo. Em primeiro lugar, é expresso o art. 240 do CPC em afirmar que, salvo disposição em contrário, os prazos para as partes correm da intimação. Ora, se não há expressa disposição em contrário no art. 475-J (ou em qualquer outro lugar), o prazo de quinze dias ali referido tem de correr da intimação. Não pode, pois, ser aceita a idéia da fluência automática do prazo, por ser uma opinião data venia contrária à lei. (sem grifos no original)

E nem se queira argumentar que no silêncio do legislador deve-se aplicar a regra geral da comunicação dos atos processuais, qual seja, a intimação através da imprensa oficial na pessoa do advogado. Conforme visto no item 2.3.2, essa regra deve ser excepcionada sempre que o ato a ser praticado for personalíssimo da parte e/ou quando as conseqüências pelo descumprimento do comando judicial forem suportadas pela parte. Nesses casos, a intimação deve ser aperfeiçoada na pessoa do devedor. Nesse sentido, vejamos as lições de Misael Montenegro Filho (2010):

Em nossa compreensão, em face da conseqüência detalhada na norma (incidência de multa em percentual inegavelmente expressivo), entendemos que a intimação deve ser aperfeiçoada na pessoa do devedor, preferencialmente através do cumprimento do mandado judicial, com a advertência contida na parte final do art. 285 do CPC, aplicável à espécie por analogia. [...] A intimação destinada ao vencido, na fase de execução, não o deixa advertido de que a não-apresentação da defesa acarretaria o quadro da revelia, já que sequer está sendo convocado para apresentar defesa, mas para adimplir a obrigação no prazo previsto em lei, sob pena (e é esta a advertência que deve constar) de assistir à incidência de multa que se soma ao principal, comportando o posterior desencadeamento de atos expropriatórios. (sem grifos no original)

Assim, é necessário que a parte seja intimada pessoalmente para que ela seja devidamente cientificada de que o não-pagamento da obrigação no prazo de quinze dias enseja uma multa de 10% a ser somada ao valor da condenação.

 E não é só. É preciso ter em mente que a intimação, in casu, justifica-se que seja feita na pessoa do devedor, porque o ato a ser realizado (pagamento) é um ato personalíssimo da parte. Com efeito, cumpre distinguir os atos processuais que exigem capacidade postulatória dos atos personalíssimos da parte[18].

 Para os atos que exigem capacidade postulatória, a figura do advogado é indispensável, eis que o ato a ser praticado é essencialmente processual, razão pela qual a intimação deve ser dirigida aos procuradores da parte. Assim, por exemplo, o art. 475-J, §1º, preceitua que “do auto de penhora e avaliação será de imediato intimado o executado, na pessoa de seu advogado (arts. 236 e 237) ou, na falta deste, o seu representante legal, ou pessoalmente, por mandado ou pelo correio, podendo oferecer impugnação, querendo, no prazo de quinze dias”. Andou bem o legislador ao determinar que a intimação seja feita na pessoa do advogado do executado, tendo em vista que o ato a ser praticado (oferecimento de impugnação à execução) exige capacidade postulatória, em virtude de sua natureza estritamente processual.

 No tocante aos atos personalíssimos, a intimação não pode ser feita ao representante processual, uma vez que o ato de cumprimento ou descumprimento do comando judicial é algo que somente será exigido da parte. Nesta ordem de idéias, sendo o pagamento um ato personalíssimo da parte (por óbvio, o advogado não vai pagar por seu cliente), parece mais razoável (e justo) que a parte seja intimada pessoalmente para a sua prática.

Assim sendo, nota-se que quando o Código de Ritos dispôs sobre a prática de um ato eminentemente processual, como é o caso do art. 475-J, §1º, CPC, a intimação foi expressamente dirigida ao advogado da parte (e mesmo que não houvesse disposição expressa neste sentido, seguramente não haveria discussão quanto ao destinatário desta intimação, já que incidiria a regra geral da intimação dirigida ao advogado via imprensa oficial, tendo em vista o conteúdo nitidamente processual do ato a ser praticado). Entretanto, a lei silenciou-se quanto à intimação para o cumprimento da obrigação contida na sentença e esta lacuna da lei não pode ser suprida por uma interpretação extensiva de forma a possibilitar a intimação na pessoa do advogado, já que o ato de pagar é personalíssimo do devedor, não havendo justificativa para que a intimação seja direcionada ao seu patrono. 

Nesse sentido, vejamos as lições de Luiz Rodrigues Wambier, Teresa Arruda Alvim Wambier, José Miguel Garcia Medina (2010):

Segundo pensamos, é necessário distinguir os atos processuais que exigem capacidade postulatória dos atos materiais de cumprimento da obrigação. No sistema jurídico processual, há intimações que devem ser dirigidas às partes, e intimações que devem ser dirigidas aos advogados. Para tanto, são observados os seguintes critérios, em regra: (a) para a prática de atos processuais que dependem de capacidade postulatória (CPC, art. 36), a intimação deve ser dirigida ao advogado; (b) para a prática de atos pessoais da parte, atos subjetivos que dependem de sua participação e que dizem respeito ao cumprimento da obrigação que é objeto do litígio, a parte deve ser intimada pessoalmente. [...] O cumprimento da obrigação não é ato cuja realização dependa de advogado, mas é ato da parte. Ou seja, o ato de cumprimento ou descumprimento do dever jurídico é algo que somente será exigido da parte, e não de seu advogado, salvo se houver exceção expressa, respeito, o que inexiste, no art. 475-J, caput, do CPC. (com grifos no original)

Marcelo Abelha Rodrigues (2006) adota semelhante entendimento. Assim sendo, como o pagamento é um ato da parte, a esta deve ser dirigida a intimação. Vejamos:

O prazo de quinze dias a que alude o dispositivo deve ser contado (termo a quo) da intimação do devedor para que ele possa efetuar o pagamento espontâneo da quantia imposta na condenação. [...] Ora, como o ato processual previsto no dispositivo é destinado exclusivamente à parte, parece-nos que deverá ser intimada pessoalmente para a sua prática. (sem grifos no original)

Observe-se, ainda, que a multa prevista no art. 475-J, CPC, visa estimular o rápido cumprimento da obrigação pecuniária, de modo a incentivar o devedor a evitar a incidência da multa através do pagamento voluntário. Assim, para que o objetivo da multa seja alcançado é preciso que o devedor tenha ciência inequívoca das conseqüências do inadimplemento da obrigação na quinzena. Pode-se concluir, portanto, que a finalidade da multa adapta-se a esta corrente doutrinária que entende ser imprescindível a intimação pessoal do devedor, “pois quem deve ter conhecimento da condenação e do risco de incidência da multa é o devedor, para ser motivado a efetuar o pagamento devido. A promoção de cumprimento irradia motivação à vontade consciente do devedor”. (MAJORANA, 2010).

 Nesse sentido, vejamos também as lições de Luiz Rodrigues Wambier, Teresa Arruda Alvim Wambier, José Miguel Garcia Medina (2010):

É certo que a possível incidência da multa é algo que deve desempenhar papel de “estímulo” consistente em medida coercitiva, tendendo a compelir o devedor ao cumprimento da obrigação, mas a eficácia intimidatória de tal medida pode frustrar-se, caso não dirigida diretamente ao devedor. Afinal, não pode ser desprezada a hipótese de o advogado, motivadamente ou não, deixar de informar ao réu que o descumprimento da sentença acarreta a incidência da multa, circunstância esta que pode esvaziar o objetivo de tal medida. (sem grifos no original)

Os doutrinadores que se opõem a este entendimento aduzem que a necessidade de intimação pessoal seria um entrave ao cumprimento mais célere da sentença. Assim, argumentam que a necessidade de intimação pessoal do devedor equivaleria à antiga citação, cuja eliminação foi um dos grandes objetivos da Lei 11.232/05. Essa crítica, à primeira vista invencível, deve ser analisada à luz dos princípios constitucionais. De fato, não se pode admitir a supressão de garantias constitucionais do devedor em nome de um processo mais célere.

Com efeito, é fácil notar que a ausência de intimação pessoal do devedor para cumprir a obrigação na quinzena mitiga o mais basilar princípio constitucional do processo civil, qual seja, o princípio do contraditório. Este pode ser definido “como a garantia de ciência bilateral dos atos e termos do processo com a conseqüente possibilidade de manifestação sobre os mesmos” (CÂMARA, 2010). Assim sendo, este princípio assegura o direito à informação bem como a possibilidade de manifestação sobre os atos processuais.

  No que concerne ao art. 475-J do CPC, sabe-se que escoado in albis o prazo de quinze dias sem que ocorra o pagamento da obrigação pecuniária, o montante da condenação será acrescido de uma multa no valor de 10%, sendo devida pelo réu. Portanto, como o acréscimo pecuniário vai ser suportado pelo réu, nada mais justo e consentâneo com o principio do contraditório que a ele seja feita a intimação, para que fique devidamente informado quanto às conseqüências do descumprimento do comando judicial. Dessa maneira, a garantia do contraditório estaria plenamente assegurada.

Nesse mesmo viés, vejamos os ensinamentos de Luiz Rodrigues Wambier, Tereza Arruda Alvim Wambier e José Miguel Garcia Medina (2010):

[...] e mera intimação do advogado, pelo Diário da Justiça, não pode ser considerada como instrumento hábil e adequado à imprescindível comunicação da parte, sob pena de se perpetrar nova ruptura do sistema constitucional de garantias processuais.

Isto porque a “intimação” se dá para que seja cumprido ato pela própria parte, independentemente da participação do advogado, sob pena de sanção pecuniária que será suportada pela parte.

Nada justifica, à luz dos mais rudimentares e básicos princípios constitucionais do processo, que se corra o risco de a própria parte não ser cientificada.

Na hipótese, devem ser respeitados, tanto o princípio do contraditório (em resumo, direito de informação a respeito dos atos processuais), quanto o princípio do devido processo legal (que abarca todas as demais regras processuais, inclusive aquelas relativas às figuras do Juiz, do Ministério Público e do Advogado). (com grifos no original)

Assim sendo, verifica-se que a necessidade de fixação do termo a quo da contagem do prazo de quinze dias da intimação pessoal do devedor decorre dos mandamentos constitucionais, notadamente do direito à participação do processo em contraditório.

Por fim, resta ainda lembrar que a Lei 11.382/06 acrescentou o parágrafo único ao art. 238 do CPC, assim redigido:

Art. 238.[...]

Parágrafo único. Presumem-se válidas as comunicações e intimações dirigidas ao endereço residencial ou profissional declinado na inicial, contestação ou embargos, cumprindo às partes atualizar o respectivo endereço sempre que houver modificação temporária ou definitiva.

Na senda deste novel dispositivo legal, é dever das partes manter sempre atualizado o endereço constante nos autos, sob pena de presumirem-se válidas as intimações realizadas no antigo endereço. Assim, este novo dispositivo equilibra o principio do contraditório com o princípio da celeridade processual, razão pela qual deve ser entendido como mais um argumento favorável à intimação pessoal da parte para adimplir a obrigação.

Explique-se: conforme visto no item 4.2, os doutrinadores que defendem que o prazo deve ser contado da intimação da parte, na pessoa de seu advogado, criticam a necessidade de intimação pessoal por violar a celeridade processual, já que o devedor pode não ser encontrado no endereço apresentado nos autos, dando margem a incidentes que alongariam demasiadamente o processo. Esse argumento, com a introdução do parágrafo único ao art. 238 do CPC, não pode mais prosperar. Com efeito, cabe à parte manter atualizado seu endereço nos autos, e, caso não o faça, arcará com as conseqüências processuais por tal negligência: presunção de validade das intimações dirigidas ao endereço constante nos autos[19].

Nesse sentido, vejamos as lições de Sidney Palharini Júnior (2007) ao comentar o parágrafo único do art. 238 do CPC:

[...] essa disposição põe fora de dúvida a validade das comunicações processuais realizadas nos endereços fornecidos pelas partes nos autos do processo. Com isso, afasta-se o não incomum expediente utilizado pelos maus devedores de não atualizar seus endereços nos processos, o que acarretava atrasos na prestação jurisdicional e, principalmente, prejuízos ao credor.

A necessidade de intimação pessoal do devedor não representa, portanto, uma quebra ao direito à celeridade processual, uma vez que a lei instituiu a presunção de validade das intimações realizadas no endereço constante nos autos. Dessa forma, o entendimento aqui defendido – que prega a necessidade de intimação pessoal do devedor – privilegia o direito ao contraditório (já que a parte será devidamente informada acerca das conseqüências do inadimplemento da obrigação) sem se afastar do princípio da celeridade processual (já que a intimação realizada no antigo endereço da parte será tida como válida).

Nos Tribunais de Justiça, a tese da necessidade de intimação pessoal do devedor também é muito aceita:

CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. Inadimplemento. Multa (CPC, 475-J). Necessidade de intimação do devedor. Homenagem às garantias constitucionais da ampla defesa e do contraditório. Ainda que a mens legis seja a de agilizar a forma de satisfação do credor, essa diretriz deve se harmonizar com os princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório. Essa a exigência do postulado maior do acesso à ordem jurídica justa[20]. Desprovimento do recurso. (Agravo de Instrumento nº 2006.002. 26236, rel. Sergio Cavalieri Filho, 13ª Câmara Cível do TJ/RJ. Julgado em 22/02/2007). (sem grifos no original)

AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. ART. 475-J DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. INCIDÊNCIA. TERMO A QUO. INTIMAÇÃO PESSOAL. A multa cominada pelo art. 475-J do Código de Processo Civil somente incide a partir da intimação pessoal do devedor para cumprimento da sentença, já que ele é quem arcará, em última instância, com os pesados ônus decorrentes de eventual inadimplemento. Doutrina e Jurisprudência. Recurso provido de plano por decisão monocrática do relator. (Agravo de Instrumento nº 70021499728, rel. Maria Cristina Rebuelta Neves, 18ª Câmara Cível do TJ/RS. Julgado em 24/09/2007).

AGRAVO DE INSTRUMENTO. DECISÃO MONOCRÁTICA. BRASIL TELECOM. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. MULTA. INTIMAÇÃO PESSOAL. Para a imposição da multa de que trata o art. 475-J do CPC, a intimação pessoal da parte torna-se indispensável, não bastando a intimação de seu procurador através de nota de expediente. Precedentes do STJ. Agravo de Instrumento provido. (Agravo de Instrumento nº 70021393517, rel. Luis Carlos Goulart Fidencio, 18ª Câmara Cível do TJ/RS. Julgado em 17/09/2007).

 AGRAVO DE INSTRUMENTO. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. INTIMAÇÃO DO PATRONO DO DEVEDOR PARA PAGAMENTO QUANTIA CERTA. NECESSIDADE DE INTIMAÇÃO PESSOAL DO DEVEDOR, UMA VEZ QUE A FINALIDADE DA COMUNICAÇÃO É O CUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÃO QUE INCUMBE Á PARTE. PROVIMENTO DO AGRAVO COM FULCRO NO ART. 557, § 1º-A, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. AGRAVO INOMINADO. DESPROVIMENTO. (Agravo de Instrumento nº 2007. 002. 17403, rel. Luiz Felipe Francisco, 8ª Câmara Cível do TJ/RJ. Julgado em 18/09/2007).

Para finalizar, cabe ainda lembrar que, no que tange às obrigações de fazer e não fazer (art. 461, CPC), em que pese a omissão do legislador acerca da necessidade de intimação pessoal do devedor para o cumprimento de tais obrigações, a doutrina e a jurisprudência vêm se manifestando pela sua necessidade. O argumento utilizado é que tais obrigações dependem do agir exclusivo da parte, e, diante disso, a intimação por nota de expediente dirigida ao advogado é insuficiente. Com efeito, a intimação pessoal “se impõe em todo caso em que a finalidade da intimação seja a prática de um ato que cabe à própria parte, pessoalmente, praticar”. (CÂMARA, 2009). Vejamos alguns julgados nesse sentido:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO DE SENTENÇA. CAUTELAR DE EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS. MULTA DIÁRIA FIXADA. “DECISUM” TRANSITADO EM JULGADO. FALTA DE INTIMAÇÃO DA INSTITUIÇÃO BANCÁRIA PARA A PROVIDÊNCIA EXIBITÓRIA. INTIMAÇÃO PESSOAL. EXIGIBILIDADE. DECISÃO QUE RECONHECEU A IMPOSSIBILIDADE DA FASE EXECUTÓRIA. SUBSISTÊNCIA. A sentença que, proferida em medida exibitória de documentos, estabelece prazo para essa exibição, condicionando o atendimento da determinação à incidência de multa diária, tem natureza de execução de fazer. A intimação da parte obrigada, em hipótese tal, há que ser pessoal e específica, para que surja o direito da autora à exigibilidade das “astreintes”, pois só a partir de então é que se poderá cogitar da ocorrência de mora. Essa intimação pessoal não é suprida por aquela feita editaliciamente, que é endereçada, não às partes em si, mas a seus procuradores. (Agravo de Instrumento nº 2004.020459-0, rel. Trindade dos Santos, 2ª Câmara Cível do TJ/SC. Julgado em 07/04/2005)

PROCESSO CIVIL. ASTREINTES. OBRIGAÇÃO IMPOSTA NA SENTENÇA. INTIMAÇÃO PESSOAL. PREJUÍZOS. I – As astreintes servem de reforço ao cumprimento das obrigações de fazer, constituindo-se num dos meios sancionatórios de que dispõe o Estado para fazer cumprir a ordem jurídica, realizando função intimidativa. II – Se é pessoal a obrigação imposta na sentença necessário se fazia a intimação pessoal do apelado, para que, a partir da data da juntada do mandado efetivamente cumprido, fosse contado o prazo de sessenta dias fixado para o cumprimento do julgado. III – A simples publicação no Diário da Justiça, bem como a retirada dos autos, não tem o condão de substituir a intimação pessoal, máxime porque, adotando tal entendimento, prejuízos adviriam ao apelado, o que não é permitido ante o sistema de nulidades que envolve a lei processual civil em vigor. (Apelação Cível nº 5175199, rel. Nancy Andrighi, 2ª Turma Cível do TJ/DFT. Julgado em 18/10/1999)

Dessa forma, tendo em vista que para as demais espécies de obrigações (fazer e não fazer) a doutrina e a jurisprudência já se inclinaram pela necessidade de intimação pessoal do devedor, devido ao caráter intuitu persone de tais obrigações e à circunstância de que o não cumprimento da ordem judicial implica em multa (astreintes) a ser suportada pelo réu, o mesmo raciocínio deve ser exportado para as obrigações de pagar quantia certa. Com efeito, o ato de cumprimento da obrigação pecuniária é do devedor e caso ele não efetue o pagamento dentro do prazo de quinze dias, deverá arcar com os pesados ônus decorrentes do inadimplemento (multa de 10%). Percebe-se, portanto, que inexiste razão para o tratamento diferenciado da obrigação pecuniária das demais espécies de obrigações. Todas elas dependem de ato da parte e ensejam aplicação de multa ante o descumprimento da ordem judicial, razão pela qual a obrigatoriedade de intimação pessoal do devedor a todas se impõe.

Ex positis, nota-se que vários são os argumentos que levam a concluir que o prazo de quinze dias previsto no caput do art. 475-J do CPC deve ser contado da intimação pessoal do devedor: 1) o art. 240 do CPC estabelece que, salvo disposição em contrário, os prazos para as partes fluem da intimação. Assim, tendo em vista a ausência de previsão expressa no art. 475-J, CPC, o prazo nele mencionado deve ser contado da intimação pessoal; 2) o devedor deve ter ciência inequívoca de que o não cumprimento da obrigação no prazo de quinze dias enseja uma multa de percentual inegavelmente expressivo, já que ele, em última análise, arcará com esse acréscimo pecuniário; 3) o ato a ser realizado (pagamento) é da parte, razão pela qual é insuficiente a intimação através da imprensa oficial, já que esta é dirigida aos advogados para a prática de atos que exigem capacidade postulatória; 4) este posicionamento adapta-se à finalidade coercitiva da multa, uma vez que, para que o devedor se sinta desestimulado a procrastinar o feito, é preciso que ele tenha ciência inequívoca das conseqüências do descumprimento da obrigação no prazo legal; 5) garante a aplicação dos princípios constitucionais, em particular o princípio do contraditório e da ampla defesa, já que o devedor tem o direito de ser informado dos atos processuais, notadamente aqueles que acarretam significativas conseqüências, caso descumpridos; 6) não se afasta da celeridade processual, tendo em vista a presunção de validade das intimações realizadas no endereço constante nos autos (art. 238, parágrafo único, CPC); 7) deve ser emprestado o mesmo tratamento dado às demais espécies de obrigações (fazer e não fazer), uma vez que todas elas dependem de ato da parte e ensejam aplicação de multa em caso de descumprimento da ordem judicial.

4.3.1 Intimação pessoal: por mandado ou por via postal?

Após o exame das três correntes doutrinárias e jurisprudenciais que procuram delimitar o termo a quo da incidência da multa por ausência de pagamento voluntário, restou demonstrado que a necessidade de intimação pessoal do devedor compatibiliza o binômio contraditório-celeridade, razão pela qual se destaca como a medida mais eficaz e justa.

Fixada a necessidade de intimação pessoal do devedor, a dúvida que pode ainda ser lançada diz respeito ao modo de realização deste ato, vale dizer, se por intermédio do oficial de justiça (por mandado) ou por via postal.

Com efeito, tanto a intimação por oficial de justiça como a intimação realizada pelo correio são espécies de intimação pessoal. Ocorre, entrementes, que no caso ora analisado, revela-se preferível a intimação da parte por via postal, por ser uma medida mais compatível com a efetividade do processo. Ademais, como se sabe, a supressão do processo autônomo de execução acabou por eliminar também a necessidade de ato citatório, razão pela qual após a prolação da sentença o juiz determina a intimação do devedor para cumprir o julgado. Em assim sendo, conforme analisado no item 2.3.2 deste trabalho, as partes, regra geral, devem ser intimadas por via postal.  

Nessa ordem de idéias, a intimação do devedor deve ser pessoal, preferencialmente pelo correio. Cumpre destacar, ainda, que revela-se prudente que esta regra de intimação por via postal seja sopesada com as regras do art. 222 do CPC. Com efeito, parece razoável que em algumas hipóteses enumeradas no art. 222[21] a intimação seja realizada por intermédio do oficial de justiça.

A primeira hipótese trazida pelo art. 222, CPC, parece não ter aplicação para este trabalho, já que trata da necessidade de citação pessoal da ré nas ações de estado. Aqui, o enfoque cinge-se às ações de prestações, notadamente àquelas de pagar quantia certa.

Quando for ré pessoa incapaz (art. 222, II), afigura-se razoável que a intimação seja realizada por intermédio do oficial de justiça, notadamente se a ré foi revel na fase de conhecimento[22]. De fato, a necessidade de intimação por intermédio do oficial de justiça representa um meio mais seguro para resguardar os interesses das pessoas carecedoras de discernimento.

Quando for ré pessoa jurídica de direito público (art. 222, III), a intimação também deve ser feita por mandado. Com efeito, tendo em vista o interesse revelado no processo, impõe-se essa modalidade de intimação por questões de segurança jurídica.

O inciso IV do art. 222 parece não mais excepcionar a regra geral da citação por via postal. De fato, este inciso estabelece que nos processos de execução a citação deve ser realizada por intermédio do oficial de justiça. A razão de ser deste dispositivo é que antes do movimento de reformas do CPC, o devedor era citado para pagar em 24 horas ou nomear bens à penhora. Assim, caso não efetuasse o pagamento do débito, cabia ao devedor indicar bens à penhora no prazo de 24 horas. Ocorre que essa prerrogativa foi transferida ao credor, de modo que incumbe a este ao requerer o cumprimento da sentença indicar os bens do devedor a serem penhorados. Assim, nos casos de processo de execução (art. 222, IV), a intimação pode ser feita pela via postal.

Obviamente que se o devedor residir em local não atendido pela entrega postal, a intimação deve ser realizada através do oficial de justiça (art. 222, V, CPC). Da mesma forma, se o autor preferir que a intimação do devedor seja realizada por intermédio do oficial de justiça, esta assim deve ser realizada (art. 222, VI, CPC).

Nota-se, assim, que só em casos excepcionais a intimação deve ser feita através do oficial de justiça; preferencialmente deve ser realizada pelo correio. É bom que se diga que a carta enviada deve mencionar, sob pena de nulidade do ato, o prazo de que dispõe o devedor para cumprir a ordem judicial (15 dias)[23], além da conseqüência jurídica se houver recusa no cumprimento da obrigação, qual seja, a aplicação da multa de 10% sobre o valor da dívida.

Cumpre ainda salientar que o aviso de recebimento deve ser assinado pelo próprio devedor, tendo em vista a necessidade de sua ciência inequívoca acerca da ordem judicial[24]. Nesse sentido, vejamos as lições de Dorival Renato Pavan (2007):

Em se tratando de pessoa jurídica, prevalece a teoria da aparência, valendo a intimação se o AR for assinado por pessoa que tenha poderes de representação da empresa, como o gerente, o diretor, etc.

Todavia, se for pessoa física, não bastará, a meu ver, a intimação dirigida ao endereço do devedor, sendo ali simplesmente entregue. Será necessário que o devedor, do próprio punho, subscreva o aviso de recebimento. Se houver recusa o ato será válido e terá atingido ao seu fim, porque o devedor não pode ser prestigiado em decorrência de sua própria torpeza. (com grifos no original).

Por fim, cabe relembrar que o art. 238, parágrafo único do CPC, dispõe que são válidas as intimações realizadas no último endereço informado pela parte nos autos. Desse modo, o mencionado dispositivo traz um ônus processual às partes, determinando-lhes que mantenham sempre atualizado o seu endereço, sob pena de se considerar válida a intimação pelo simples fato de a correspondência ter sido destinada segundo o dado constante do processo.


5 PESQUISA DE CAMPO: A POSTURA ADOTADA PELOS MAGISTRADOS NO TOCANTE A APLICAÇÃO DA MULTA POR AUSÊNCIA DE PAGAMENTO ESPONTÂNEO NAS EXECUÇÕES CIVIS

A imposição de multa para coagir o devedor a cumprir a obrigação pecuniária constitui uma inovação no sistema processual civil brasileiro. Com efeito, o atual artigo 475-J do CPC, proveniente da Lei 11.232/05, prevê a incidência de multa no percentual de dez por cento, caso o devedor, condenado ao pagamento de quantia certa ou já fixada em liquidação, não o efetue no prazo de quinze dias.

Como se verificou ao longo deste trabalho, existe uma grande discussão na doutrina e na jurisprudência em relação ao momento em que é aberto o prazo conferido ao devedor para satisfazer a obrigação de forma voluntária, tendo em vista a ausência de regulamentação expressa acerca do termo a quo para a incidência da multa.

Outro ponto bastante intrigante em relação a esta multa coercitiva diz respeito à possibilidade de o magistrado dispensá-la no caso concreto. De fato, a lei expressamente determina que inexistindo cumprimento da obrigação na quinzena, automaticamente o valor da condenação deve ser acrescido de multa no percentual de dez por cento. A doutrina, contudo, diverge em relação a esta obrigatoriedade. Com efeito, para alguns doutrinadores o juiz pode dispensar a penalidade caso o devedor demonstre justa causa para o inadimplemento da obrigação.

Diante destes debates doutrinários e sendo certo que o tema é novo (já que a Lei 11.232 entrou em vigor em 23 de junho de 2006) e de grande interesse prático, foi realizada uma pesquisa com os magistrados do Fórum Ruy Barbosa da Comarca de Salvador- Bahia, a fim de demonstrar como essas questões estão sendo aplicadas na prática.

Assim sendo, doze juízes foram ouvidos no período entre 05 de maio e 03 de setembro de 2010, para responder as seguintes perguntas: 1) a partir de que momento começa a fluir o prazo de quinze dias conferido ao devedor para satisfazer a obrigação pecuniária de forma espontânea?; 2) é facultado ao juiz dispensar a multa caso o devedor demonstre que não cumpriu a obrigação por fato alheio à sua vontade?

5.1 A PARTIR DE QUE MOMENTO COMEÇA A FLUIR O PRAZO DE QUINZE DIAS CONFERIDO AO DEVEDOR PARA SATISFAZER A OBRIGAÇÃO PECUNIÁRIA DE FORMA ESPONTÂNEA?

Conforme analisado ao longo desta monografia, há três correntes doutrinárias que tentam delimitar o termo a quo para a incidência da multa. Com efeito, para alguns doutrinadores é suficiente que ocorra o trânsito em julgado da decisão para se inicie o prazo de quinze dias para o cumprimento voluntário da sentença civil. Para outros, somente após a intimação do devedor, por intermédio de seu advogado, é que será aberto o prazo de quinze dias para o adimplemento da obrigação. Por fim, para a terceira corrente doutrinária o prazo referido somente tem início com a intimação pessoal do devedor.

Dos doze juízes entrevistados, cinco entendem que a intimação deve ser pessoal, três determinam a intimação do devedor, na pessoa de seu advogado, três fixam o termo inicial do trânsito em julgado da decisão e um não emitiu posicionamento sobre o tema. Verifica-se que prevalece na prática, com 42%, o posicionamento defendido nesta monografia, qual seja, que o prazo de quinze dias previsto no caput do art. 475-J do CPC deve ser contado da intimação pessoal do devedor.

Em regra, os juízes se pautaram no princípio do contraditório e da ampla defesa para defenderem a necessidade de intimação pessoal do devedor para cumprir a obrigação. Também a distinção entre atos personalíssimos da parte e atos que exigem capacidade postulatória foi feita por alguns juízes para demonstrar que, sendo o pagamento ato pessoal da parte, a ela deve ser dirigida a intimação. Ademais, muitos alegaram que o devedor deve ter inequívoca ciência de que o descumprimento da obrigação no prazo legal enseja aplicação de multa, já que ele arcará com esta penalidade prevista na norma.

Para os juízes que entendem que o prazo começa a fluir da intimação do devedor, na pessoa de seu advogado, a solução para o problema está no meio termo. Com efeito, alegam que a corrente que entende que o prazo flui do trânsito em julgado viola o princípio do devido processo legal, ao passo em que a necessidade de intimação pessoal do devedor enfraquece o principal objetivo da reforma, qual seja, dar maior celeridade ao processo e efetividade ao julgado.

Os magistrados que entendem que o prazo flui do trânsito em julgado da decisão argumentaram que esse é o posicionamento que mais se adapta ao espírito da reforma processual, já que é o entendimento que exprime maior celeridade e efetividade no cumprimento das decisões judiciais[25]. Alguns juízes também utilizaram como base a decisão do STJ sobre a matéria (REsp nº 954.859- RS). Assim, para esses magistrados a necessidade de intimação, seja na pessoa do devedor ou do advogado, não se compatibilizaria com o escopo da reforma.

Assim sendo, diante da pesquisa realizada, foi constatado que tem prevalecido na prática o posicionamento que determina a intimação pessoal do devedor para cumprir o julgado. Com efeito, conforme visto ao longo desta monografia, ainda que a intenção da reforma processual seja a de agilizar a forma de satisfação do credor, essa diretriz deve se compatibilizar com os princípios constitucionais, notadamente o do contraditório e da ampla defesa.

5.2 É FACULTADO AO JUIZ DISPENSAR A MULTA CASO O DEVEDOR DEMONSTRE QUE NÃO CUMPRIU A OBRIGAÇÃO POR FATO ALHEIO À SUA VONTADE?

Uma segunda questão que tem grande divergência na doutrina diz respeito à possibilidade de o juiz dispensar a incidência da multa no caso concreto, caso o devedor demonstre justa causa para o inadimplemento da obrigação.

O tema ganha relevância tendo em vista que a lei expressamente determina que a multa deve incidir caso o pagamento não seja efetuado na quinzena. Assim, para alguns doutrinadores, devido a esta imposição legal, não sobraria opção para o magistrado senão aplicar a multa na hipótese de o devedor não cumprir a obrigação no prazo de quinze dias. Para outros, em atenção ao princípio da adequação do processo às peculiaridades da causa, pode o juiz dispensar a multa caso o devedor demonstre que não pagou a dívida por fato alheio à sua vontade.

Dos doze magistrados entrevistados, cinco entendem que é facultado ao juiz dispensar a multa em virtude de justa para o inadimplemento da obrigação, quatro entendem que pouco importa as peculiaridades do caso concreto, uma vez que escoado in albis o prazo de quinze dias sem o pagamento, a norma legal deve incidir de forma imediata e automática de modo a acrescentar ao valor da condenação a multa de 10%, e três magistrados não se posicionaram sobre o tema.

Assim, regra geral, para os magistrados que entendem que não é lícito dispensar a multa em caso de descumprimento da obrigação na quinzena, a justificativa utilizada é que a lei não prevê esta dispensa em casos de dificuldades comprovadas pelo devedor. Nesse sentido, foi dito por um dos juízes entrevistados que “a multa sempre deve incidir, uma vez que o artigo fala que deve e não que poderia incidir, portanto, não existe uma faculdade, mas sim uma imposição”.

Em sentido contrário, para a outra parcela dos juízes entrevistados, a multa pode ser dispensada caso o devedor não esteja de má-fé e efetivamente comprove que não adimpliu a obrigação por fato alheio à sua vontade. Com efeito, foi dito por um dos magistrados que “não se pode tratar de forma idêntica o devedor que mostrou impedimento para cumprir a obrigação e o devedor que deixou passar in albis o prazo de quinze dias sem apresentar o pagamento ou motivo de impossibilidade de fazê-lo”.

Ex positis, restou demonstrado que, com 42%, tem prevalecido o entendimento de que é lícito ao juiz, em virtude das especificidades do caso concreto, dispensar a multa do devedor. Com efeito, este posicionamento privilegia os princípios da adequação do processo às peculiaridades da causa e o da proporcionalidade, já que não seria razoável tratar de forma semelhante o devedor que provou impossibilidade de realizar o pagamento na quinzena, e o devedor que, podendo cumprir a obrigação, mostrou-se recalcitrante.


6 CONCLUSÃO

Após a análise do tema, chegou-se às seguintes conclusões:

1) O processo, para ser utilizado como instrumento verdadeiramente democrático, deve ser realizado sob o manto da garantia constitucional do contraditório e da ampla defesa.

2) Decorre da noção de processo a idéia de equilíbrio e diálogo, e, para tanto, é necessário que se dê ciência a cada parte dos atos praticados pelo juiz e pelo seu adversário. Para viabilizar o conhecimento destas informações, o processo civil se vale de dois instrumentos de comunicação dos atos processuais: citação e intimação.

3) O CPC de 1939 tentava diferenciar notificação de intimação, apesar de que, na prática, estes conceitos acabavam se confundindo. O atual CPC não mais prevê a notificação como espécie de ato de comunicação processual.

4) Citação é o ato de comunicação processual por meio do qual o demandado é chamado a integrar a relação jurídica processual, a fim de que possa, querendo, manifestar-se acerca do pedido deduzido em juízo pelo autor.

5) Regra geral, a citação deve ser realizada pelo correio, exceto nas hipóteses abarcadas pelo art. 222 do CPC. Nas hipóteses previstas no mencionado artigo, bem como nos casos em que a citação pelo correio for frustrada, far-se-á a citação por meio de oficial de justiça.

6) Intimação é o ato pelo qual se dá ciência a alguém dos atos e termos do processo, para que faça ou deixe de fazer alguma coisa. A intimação pode ser feita por publicação do ato na imprensa oficial, por via postal, por meio de oficial de justiça, pessoalmente em cartório ou na própria audiência, bem como por edital ou com hora certa.

7) Ordinariamente, os advogados são intimados pela só publicação dos atos na imprensa oficial. Existem situações, entretanto, em que a própria lei excepciona a regra geral da intimação dos advogados pela imprensa oficial, exigindo a cientificação pessoal do causídico (por exemplo, art. 242, § 2º, CPC).

8) Exige-se a intimação pessoal da parte no processo quando o ato deva ser por ela praticado e/ou quando as conseqüências pelo descumprimento do comando judicial devam ser por ela suportadas, tendo em vista que, nesta última hipótese, é necessário que a parte tenha ciência inequívoca das sanções que lhes serão aplicadas em caso de descumprimento da ordem judicial.

9) As partes, regra geral, são intimadas pela via postal. Esta modalidade de intimação pode ser afastada quando o dispositivo legal estabelecer outra forma de intimação (art. 238, CPC) ou quando frustrada a realização pela via postal, hipótese em que a intimação far-se-á por meio de oficial de justiça (art. 239, CPC).

10) Tanto a intimação pelo correio como a realizada por oficial de justiça são modalidades de intimação pessoal.

11) A Lei 11.232/2005 unificou a matéria da execução de sentença, de sorte que, atualmente, todas as espécies de obrigações (fazer, não fazer, dar coisa diferente de dinheiro e pagar quantia) estão regidas por um processo sincrético, quando a obrigação provém de sentença civil.

12) O art. 475-J, CPC, inserido pela Lei 11.232/05, prevê um prazo de quinze dias para o devedor efetuar o pagamento espontâneo do valor da condenação, sob pena de ver incidir sobre sua dívida uma multa no percentual de dez por cento.

13) A multa prevista no art. 475-J do CPC tem a finalidade de estimular o rápido cumprimento da obrigação pecuniária, incentivando o devedor a evitar a incidência da multa através do pagamento voluntário. Trata-se, portanto, de medida coercitiva indireta.

14) A multa tem o percentual fixo (10%) e deve ser aplicada se não ocorrer o pagamento voluntário no prazo de quinze dias.

15) Pode o juiz dispensar a multa do devedor caso este demonstre justa causa para o não pagamento no prazo de quinze dias. Com efeito, não seria razoável tratar de forma semelhante o devedor que provou impossibilidade de realizar o pagamento na quinzena, e o devedor que, podendo cumprir a obrigação, mostrou-se recalcitrante.

16) Para que o devedor fique livre da incidência da multa, mister se faz que seja adimplida completamente a ordem judicial. Na hipótese de cumprimento parcial, a incidência da multa dar-se-á, proporcionalmente, em relação à parte não observada (art. 475-J, § 4º, CPC).

17) O valor da condenação não se confunde com o valor da obrigação. Com efeito, o valor da condenação abrange tudo aquilo que deve ser pago pelo devedor, em função da sentença proferida contra si.

18) É cabível o arbitramento de honorários advocatícios no procedimento de cumprimento da sentença. De fato, a supressão da verba honorária na fase de cumprimento de sentença colidiria com os objetivos da reforma processual, notadamente com a busca da satisfação do direito do credor em tempo razoável, já que a supressão dos honorários advocatícios tornaria inócua a finalidade coercitiva da multa prevista no art. 475-J do CPC.

19) A grande discussão em torno do art. 475-J, CPC, diz respeito ao momento em que se inicia o prazo conferido ao devedor para satisfazer a obrigação de forma voluntária, tendo em vista a ausência de regulamentação expressa acerca do termo a quo para a incidência da multa.

20) Três correntes doutrinárias procuram delimitar o termo inicial da incidência da multa.  Para a primeira, é suficiente que ocorra o trânsito em julgado da decisão para que se inicie automaticamente o prazo de quinze dias para o cumprimento voluntário da sentença civil. Para a segunda concepção doutrinária, o prazo para cumprimento da decisão começa a fluir da intimação do devedor, na pessoa de seu advogado. Por fim, para a terceira corrente doutrinária o prazo referido somente tem início com a intimação pessoal do devedor.

21) Para os adeptos da corrente que entende que o prazo de quinze dias flui do trânsito em julgado, a exigência de intimação do devedor para cumprir a ordem judicial, seja por intermédio de seu advogado ou pessoalmente, violaria a idéia de celeridade que motivou as recentes reformas do CPC. Este posicionamento, contudo, viola os princípios constitucionais do contraditório, ampla defesa e da publicidade, tendo em vista que é necessário que o devedor seja informado de que a decisão judicial está com a eficácia “liberada” para ser cumprida.

22) A segunda corrente doutrinária entende que somente depois da intimação do devedor, por intermédio de seu advogado, é que será aberto o prazo de quinze dias para cumprimento voluntário da decisão. Com efeito, os adeptos deste entendimento aduzem que é suficiente a intimação do advogado da parte, já que esta é a regra geral da intimação dos atos no processo. Ademais, a necessidade de intimação pessoal esbarraria no principal objetivo da reforma, qual seja, a celeridade processual.

23) Para o terceiro entendimento, o prazo de quinze dias flui da intimação pessoal do devedor. Este parece ser o posicionamento mais adequado, tendo em vista que o ato a ser realizado (pagamento) é um ato personalíssimo da parte, razão pela qual a ela deve ser dirigida a intimação. Ademais, o devedor deve ter ciência inequívoca de que o não cumprimento da obrigação no prazo de quinze dias enseja a aplicação de multa em percentual inegavelmente expressivo, já que ele, em última análise, arcará com esse acréscimo pecuniário.

24) Não há que se falar que a necessidade de intimação pessoal representa uma quebra na celeridade processual, uma vez que a lei instituiu a presunção de validade das intimações realizadas no endereço constante nos autos (art. 238, parágrafo único, CPC).

25) A intimação do devedor para cumprir a obrigação sob pena de multa deve ser pessoal, preferencialmente pelo correio, por ser uma medida mais compatível com a efetividade do processo. Revela-se prudente que esta regra de intimação por via postal seja sopesada com as exceções do art. 222 do CPC, já que em alguns casos descritos neste artigo (incisos II, V e VI), a intimação deve ser realizada por oficial de justiça.

26) Em pesquisa de campo realizada com os magistrados do Fórum Ruy Barbosa da Comarca de Salvador-Bahia, ficou demonstrado que, na prática, tem prevalecido o entendimento que determina a intimação pessoal do devedor para cumprir a obrigação. Assim sendo, verifica-se que o posicionamento defendido nesta monografia tem sido o mais aplicado na prática.

27) A pesquisa de campo também revelou que os juízes entendem que é lícito dispensar o devedor da multa, caso este demonstre que não cumpriu a obrigação no prazo de quinze dias por fato alheio à sua vontade.


Referências

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Notas

[1] É importante destacar que a Lei nº 11.280/2006 modificou a redação do art. 219, §5º, CPC, que passa a ter a seguinte redação: “O juiz pronunciará, de ofício, a prescrição”. Desse modo, o legislador tornou a prescrição matéria de ordem pública, possibilitando o seu enfrentamento de ofício pelo juiz, sem depender de prévia provocação da parte.

[2] Existem situações em que a lei dispensa a necessidade de que a parte seja representada em Juízo por advogado. Nesse sentido pode-se mencionar o art. 9 da Lei 9.099/95, bem como o art. 791 da CLT.

[3] São requisitos da publicação: o nome das partes e de seus advogados, suficientes para sua identificação; o número da Vara por onde tramita o processo; o número do processo; o teor da intimação.

[4] Cumpre destacar, de logo, que tanto a intimação pelo correio como a realizada por oficial de justiça são modalidades de intimação pessoal. Nesse sentido, ver os seguintes julgados: REsp nº 467.202/GO, DJ 24/02/03; REsp 205.177/SP, DJ 25/06/01; TJRS, AgIn nº 70018936369, j. 16/05/07.

[5] Mandado é o instrumento de que se vale o oficial de justiça para cumprir uma ordem judicial.

[6] Note-se que com os arts. 273 e 461, § 3º, CPC, houve a generalização da tutela antecipada, que até então só excepcionalmente era permitida no sistema processual.

[7] Conforme lembra Alexandre Freitas Câmara, “essa comissão foi constituída originariamente por Sálvio de Figueiredo Texeira (Presidente), Ada Pellegrini Grinover, Athos Gusmão Carneiro, Celso Agrícola Barbi, Humberto Theodoro Júnior, José Carlos Barbosa Moreira, José Eduardo Carreira Alvim, Kazuo Watanabe e Sérgio Sahione Fadel, tendo como secretária Fátima Nancy Andrighi”. (2009).

[8] É importante destacar que “no caso de o recorrente dispor de prazo dobrado para recorrer (art.288), terá, não obstante, apenas 15 dias para fazer o depósito sem acréscimo (art.475-J), porque não há previsão legal para este cumprimento em prazo maior”. (FRIAS, 2007, p.164)

[9] “Assim sendo, o devedor tem de pagar a quantia identificada na sentença, assim que ela estiver liquidada e não contiver nenhuma condição suspensiva, isto é, assim que ela tiver aptidão de produzir seus regulares efeitos”. (BUENO, 2006) (com grifos no original)

[10] Fredie Didier Junior (2010) ensina o que se deve entender por execução com coerção indireta: “...o Estado-Juiz pode promover a execução com a “colaboração” do executado, forçando a que ele próprio cumpra a prestação devida. Em vez de o Estado-juiz tomar as providências que deveriam ser tomadas pelo executado, o Estado força, por meio de coerção psicológica, a que o próprio executado cumpra a prestação. Chama-se essa execução de “execução indireta” ou “execução por coerção indireta”. [...] Esta coerção pode se dar por medo (temor), como é o caso da prisão civil e da multa coercitiva, como também pelo incentivo, as chamadas sanções premiais, de que serve de exemplo a isenção de custas e honorários para o réu que cumpra o mandado monitório”. (sem grifo no original)

[11] Lembra, ainda, Cássio Scarpinella Bueno (2006), que a multa é fixa e de incidência única: a multa não passará a 20% sobre o montante da dívida, se o devedor pagá-la após trinta dias.

[12] Alexandre Freitas Câmara (2009) critica a opção do legislador por multa fixa, entendendo ser preferível a fixação de astreintes: “A meu juízo, deveria o legislador ter previsto, aqui, a fixação de astreintes, com a multa diária atuando como mecanismo coercitivo sobre o devedor. Mais uma vez, porém, é preciso curvar-se à opção do legislador, ainda que com ela não se concorde”.

[13] Nesse sentido, Fredie Didier Júnior (2010), citando Guilherme Rizzo Amaral, ensina que “a não-aplicação da multa ao devedor que não tem patrimônio penhorável seria manifestação do princípio da adequação do processo às peculiaridades da causa”.

[14] Cumpre mencionar que para alguns processualistas o prazo deve ser contado a partir do instante em que a condenação se torna exigível, vale dizer, desde que possível a execução da decisão, seja porque transitada em julgado, seja porque impugnada por recurso desprovido de efeito suspensivo. Assim, para alguns é possível a incidência da multa em sede de execução provisória. Ocorre, entrementes, que este assunto não será aqui aprofundado, por não ser o objeto da presente obra. O tema deste trabalho cinge-se em determinar a necessidade ou não de o devedor ser previamente intimado para adimplir a sua obrigação pecuniária, independentemente do regime da execução.

[15] Note-se que Humberto Theodoro Júnior, ao defender a necessidade de intimação das partes acerca do retorno dos autos ao juízo de primeira instância, já consegue visualizar os obstáculos que este primeiro posicionamento (que defende que o prazo flui sempre do trânsito em julgado) pode acarretar na prática.

[16]Tendo em vista a relevância da decisão, mister se faz transcrevê-la integralmente: “Ministro Humberto Gomes de Barros: A questão é nova e interessantíssima. Merece exame célere do Superior Tribunal de Justiça porque tem suscitado dúvidas e interpretações as mais controversas.

Há algo que não pode ser ignorado: a reforma da Lei teve como escopo imediato tirar o devedor da passividade em relação ao cumprimento da sentença condenatória. Foi-lhe imposto o ônus de tomar a iniciativa de cumprir a sentença de forma voluntária e rapidamente. O objetivo estratégico da inovação é emprestar eficácia às decisões judiciais, tornando a prestação judicial menos onerosa para o vitorioso.

Certamente, a necessidade de dar resposta rápida e efetiva aos interesses do credor não se sobrepõe ao imperativo de garantir ao devedor o devido processo legal.

Mas o devido processo legal visa, exatamente, o cumprimento exato do quanto disposto nas normas procedimentais. Vale dizer: o vencido deve ser executado de acordo com o que prevê o Código. Não é lícito subtrair-lhe garantias. Tampouco é permitido ampliar regalias, além do que concedeu o legislador.

O Art. 475-J do CPC, tem a seguinte redação: Art. 475-J. Caso o devedor, condenado ao pagamento de quantia certa ou já fixada em liquidação, não o efetue no prazo de quinze dias, o montante da condenação será acrescido de multa no percentual de dez por cento e, a requerimento do credor e observado o disposto no art. 614, inciso II, desta Lei, expedir-se-á mandado de penhora e avaliação.

A Lei não explicitou o termo inicial da contagem do prazo de quinze dias. Nem precisava fazê-lo. Tal prazo, evidentemente, inicia-se com a intimação. O Art. 475-J não previu, também, a intimação pessoal do devedor para cumprir a sentença.

A intimação - dirigida ao advogado - foi prevista no § 1º do Art. 475-J do CPC, relativamente ao auto de penhora e avaliação. Nesse momento, não pode haver dúvidas, a multa de 10% já incidiu (se foi necessário penhorar, não houve o cumprimento espontâneo da obrigação em quinze dias).

Alguns doutrinadores enxergam a exigência de intimação pessoal. Louvam-se no argumento de que não se pode presumir que a sentença publicada no Diário tenha chegado ao conhecimento da parte que deverá cumpri-la, pois quem acompanha as publicações é o advogado.

O argumento não convence. Primeiro, porque não há previsão legal para tal intimação, o que já deveria bastar. Os Arts. 236 e 237 do CPC são suficientemente claros neste sentido. Depois, porque o advogado não é, obviamente, um estranho a quem o constituiu. Cabe a ele comunicar seu cliente de que houve a condenação. Em verdade, o bom patrono deve adiantar-se à intimação formal, prevenindo seu constituinte para que se prepare e fique em condições de cumprir a condenação.

Se o causídico, por desleixo omite-se em informar seu constituinte e o expõe à multa, ele deve responder por tal prejuízo.

O excesso de formalidades estranhas à Lei não se compatibiliza com o escopo da reforma do processo de execução. Quem está em juízo sabe que, depois de condenado a pagar, tem quinze dias para cumprir a obrigação e que, se não o fizer tempestivamente, pagará com acréscimo de 10%.

Para espancar dúvidas: não se pode exigir da parte que cumpra a sentença condenatória antes do trânsito em julgado (ou, pelo menos, enquanto houver a possibilidade de interposição de recurso com efeito suspensivo).

O termo inicial dos quinze dias previstos no Art. 475-J do CPC, deve ser o trânsito em julgado da sentença. Passado o prazo da lei, independente de nova intimação do advogado ou da parte para cumprir a obrigação, incide a multa de 10% sobre o valor da condenação.

Se o credor precisar pedir ao juízo o cumprimento da sentença, já apresentará o cálculo, acrescido da multa.

Esse o procedimento estabelecido na Lei, em coerência com o escopo de tornar as decisões judiciais mais eficazes e confiáveis. Complicá-lo com filigranas é reduzir à inutilidade a reforma processual.

Nego provimento ao recurso especial ou, na terminologia da Turma, dele não conheço.”

[17] Esse entendimento não é pacífico na doutrina. Para alguns autores, cabe ao próprio credor a atualização dos cálculos. Nesse sentido, Fredie Didier Júnior (2007, p.452), citando Daniel Amorim Assumpção Neves, preleciona que: “A crença do legislador de que mesmo uma sentença líquida ou com liquidez fixada no procedimento de liquidação de sentença não necessita de atualização não é confirmada na praxe forense, na qual sempre haverá – mínima que seja – uma atualização. (...) Dessa maneira, não só a intimação do demandado deverá ser realizada – insista-se, na pessoa do advogado –, como isso somente ocorrerá após o demandante apresentar um memorial de cálculo que indique o valor atualizado a ser pago pelo demandado”. Nota-se, por conseguinte, que mesmo nesse caso é indispensável que os autos estejam em primeira instância para que o credor possa realizar os cálculos demonstrando o montante da dívida a ser paga pelo devedor.

[18] Sobre a distinção entre atos que exigem capacidade postulatória e atos personalíssimos da parte, v. item 2.3.2.

[19] Cumpre mencionar, na esteira de Humberto Theodoro Júnior (2007, p.10) “que a presunção depende de a parte mesma ter comunicado seu endereço, na inicial, contestação ou nos embargos. Não se pode aplicar tal presunção em face de endereço fornecido pelo adversário daquele contra quem se promove a intimação”.

[20] Na fundamentação do voto, Sérgio Cavalieri Filho lembrou que a necessidade de intimação pessoal do devedor é importante para assegurar “alguns valores e princípios indispensáveis para a efetiva prestação jurisdicional, na fase executiva, tais como a segurança jurídica, a ampla defesa e contraditório, a menor onerosidade possível, etc..Tais cânones devem ser compatibilizados com o da celeridade e economia processual”.

[21] Note-se que o art. 222 enumera hipóteses em que a citação deve ser feita por intermédio do oficial de justiça. Não obstante, em uma interpretação extensiva, parece razoável que nesses casos a intimação também seja realizada por mandado.

[22] Com efeito, caso o réu esteja representado nos autos por seu representante legal, parece ser possível a intimação por via postal, desde que a comunicação seja endereçada ao seu representante legal.

[23] Conforme estabelece o art. 241, I, CPC, o prazo de quinze dias deve ser contado da juntada aos autos do aviso de recebimento. Nesse sentido, ver o seguinte julgado: TJ/RS, Agravo de Instrumento nº 70018936369, Rel. Paulo Sérgio Scarparo, j. 16.05.07.

[24] Humberto Theodoro Júnior (2007, p.09) entende que não é necessário que o aviso de recebimento seja assinado pelo destinatário. Com efeito, para ele “basta o comprovante de que ocorreu a entrega da carta no endereço fornecido pela parte nos autos”.

[25] “Não há nada mais desagradável para um juiz do que não ver a sua sentença ser efetivada”, frase proferida por um dos magistrados que entende que o prazo de quinze dias flui automaticamente do trânsito em julgado da decisão.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MOTA, Luig Almeida. Da necessidade de intimação pessoal para o início da contagem do prazo de 15 dias previsto no art. 475-J, do CPC. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3620, 30 maio 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24548. Acesso em: 18 abr. 2024.