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A subordinação estrutural como elemento definidor das atuais relações de emprego

A subordinação estrutural como elemento definidor das atuais relações de emprego

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Tem-se a subordinação estrutural quando a prestação de trabalho integra as atividades exercidas pela empresa e o trabalhador não possui uma organização empresarial própria, não assume riscos de perdas ou de ganhos e não é proprietário dos frutos do seu trabalho, os quais pertencem, originariamente, à empresa.

Resumo: O presente artigo objetiva demonstrar a insuficiência do conceito de subordinação, enquanto elemento definidor das atuais relações de emprego. A subordinação, dentre os pressupostos que caracterizam a relação de emprego, é o de maior relevância, pois representa o marco diferencial entre a relação de emprego e o trabalho autônomo. Ocorre, no entanto, que a sociedade pós-industrial tem provocado inúmeras transformações no âmbito do Direito Laboral, culminando com o surgimento de novas formas de trabalho, aparentemente livres do poder diretivo representado pela subordinação. Diante disso, percebe-se que o conceito clássico de subordinação tornou-se insuficiente para diferenciar a relação de emprego das demais formas de trabalho. Tal situação evidencia a necessidade de readequação conceitual da subordinação. É nesse contexto que surge a teoria da subordinação estrutural, com o objetivo de promover uma releitura das relações de emprego, a partir da ampliação do conceito previsto no art. 3º, da CLT. Passa-se a analisar então, para fins de reconhecimento do vínculo empregatício, a participação integrativa do trabalhador na organização estrutural da empresa, dispensando-se a necessidade de ordens diretas do empregador para o trabalhador.

Palavras-chave: Relação de emprego. Subordinação. Readequação conceitual.

Sumário: 1. Introdução. 2. Elementos caracterizadores da relação de emprego. 2.1. Pessoalidade. 2.2. Onerosidade. 2.3. Não-eventualidade. 2.4. Subordinação. 2.4.1. Natureza da subordinação. 2.4.2. Visão clássica da subordinação. 3. A necessidade de readequação do conceito de subordinação frente às novas formas de trabalho. 3.1. As transformações no mundo do trabalho 3.2. Visão moderna do conceito de subordinação. 4. A subordinação estrutural como elemento definidor das atuais relações de emprego. 4.1. A subordinação estrutural e sua aplicação na definição das atuais relações de emprego. 4.2. A adoção da teoria da subordinação estrutural pela jurisprudência. 5. Conclusão. Referências Bibliográficas.


1 INTRODUÇÃO

A tradicional relação de emprego é caracterizada pela presença conjunta dos elementos previstos nos artigos 2º e 3º, da Consolidação das Leis do Trabalho, quais sejam, a pessoalidade, a onerosidade, a não-eventualidade e a subordinação. Em que pese a necessidade de coexistências desses pressupostos, é a subordinação que ganha maior relevância no reconhecimento do vínculo empregatício.

A subordinação é o pressuposto, por excelência que define a relação de emprego. É através da presença desse elemento que se identificará o trabalhador tutelado pela CLT, diferenciando-o do trabalhador autônomo. É, portanto, essencial para o Direito do Trabalho, pois sendo decisiva para a afirmação da relação de emprego, constitui-se como chave de acesso aos direitos e garantias trabalhistas, os quais, em regra, são assegurados em sua plenitude apenas aos empregados.

No entanto, percebe-se que no panorama social pós-industrial, especialmente em razão do surgimento de novas formas de trabalho, como o teletrabalho e a terceirização, seu conceito tem se mostrado insuficiente para diferenciar a relação de emprego das demais formas de trabalho autônomo, evidenciando a necessidade de uma reconstrução conceitual da subordinação, a qual deverá ser feita através de um viés estrutural.

A subordinação, em sua visão clássica, que considera tão somente o poder de direção do empregador e o dever de obediência do empregado, não pode mais ser vista como único critério para a definição da relação de emprego, pois sua aplicação, de forma restritiva, estaria privando uma grande massa de trabalhadores de ter acesso aos direitos trabalhistas inerentes aos empregados. É necessário então que se faça uma readequação do conceito de subordinação, através de uma releitura do art. 3º, da CLT, de forma a adaptá-lo à nova realidade social e incluir nas garantias trabalhistas mínimas, o maior número possível de trabalhadores, protegendo-os dos malefícios causados pelos modos de produção capitalistas.

Nesse contexto, exsurge como proposta a teoria da subordinação estrutural, que visa superar as dificuldades de enquadramento de situações fáticas que o conceito clássico da subordinação tem evidenciado. A subordinação, em seu viés estrutural é a que se expressa pela inserção do trabalhador na dinâmica da empresa tomadora dos seus serviços, independentemente do recebimento ou não de ordens diretas, mas acolhendo, estruturalmente sua dinâmica de organização e funcionamento.

A teoria da subordinação estrutural, ainda que recente no ordenamento jurídico brasileiro, tem se mostrado como uma importante tendência entre os Tribunais do Trabalho, que cada vez mais vem analisando a realidade fática e readequando o conceito de subordinação, para fins de reconhecimento do vínculo empregatício, especialmente nas ações que envolvem trabalho terceirizado.


2 ELEMENTOS CARACTERIZADORES DA RELAÇÃO DE EMPREGO

Antes de definir quais são os elementos que caracterizam a relação de emprego, é necessário destacar que a mesma não se confunde com a relação de trabalho. Esta é dotada de caráter genérico, ou seja, “refere-se a todas as relações jurídicas caracterizadas por terem sua prestação essencial centrada em uma obrigação de fazer consubstanciada em labor humano”. (DELGADO, 2011, p. 275). Sendo gênero, portanto, engloba a relação de emprego, assim como as demais formas de prestação de trabalho, seja autônomo, avulso ou eventual.

Já a relação de emprego é uma espécie de relação de trabalho, e, merece ser dito, a mais significativa. De acordo com Camino (2004, p. 235):

Relação de emprego é relação de trabalho de natureza contratual, realizada no âmbito de uma atividade econômica ou a ela equiparada, em que o empregado se obriga a prestar trabalho pessoal, essencial à consecução dos fins da empresa e subordinado, cabendo ao empregador suportar os riscos do empreendimento econômico, comandar a prestação pessoal do trabalho e contraprestá-lo através do salário.

A relação de emprego, tendo características peculiares que a difere das demais formas de trabalho, tem normatização própria. É regida pelo Direito do Trabalho e tem como diploma normativo a Consolidação das Leis do Trabalho, na qual se encontram os conceitos de empregador e empregado, de suma importância para a configuração da relação de emprego.

Com efeito, os sujeitos que formam a relação de emprego são o empregador e o empregado. À luz do art. 2º, da CLT “Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal do serviço”.  Por seu turno, com fundamento no art. 3º, do mesmo diploma legal, “Considera-se empregado, toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário”.

Portanto, da análise conjunta dos referidos dispositivos legais observa-se que para a configuração da relação de emprego devem estar presentes, cumulativamente, os seguintes elementos: a pessoalidade, a onerosidade, a não-eventualidade e a subordinação.

Esses pressupostos deverão coexistir, pois na falta de qualquer um deles não se configura uma relação de emprego, mas tão somente uma mera relação de trabalho, que não é objeto do Direito do Trabalho. Nesse sentido, Delgado (2011, p. 279), ensina que:

De fato, a relação empregatícia enquanto fenômeno sociojurídico, resulta da síntese de um diversificado conjunto de fatores (ou elementos) reunidos em um dado contexto social ou interpessoal. Desse modo, o fenômeno sociojurídico da relação de emprego deriva da conjugação de certos elementos inarredáveis (elementos fático-jurídicos), sem os quais não se configura a mencionada relação.

Conclui-se, portanto, que a relação de emprego é definida pela necessária cumulação desses elementos, os quais serão analisados, ainda que de forma sucinta, a seguir.

2.1 Pessoalidade

A pessoalidade é o elemento inerente à pessoa do empregado. Decorre de que o contrato de trabalho é intuitu personae quanto à figura do empregado, pressupondo que o trabalho somente pode ser feito pela pessoa que foi contratada pelo empregador.

A manifestação da pessoalidade pode ser verificada já no momento da contratação, pois o empregador escolhe o empregado justamente por suas características pessoais, e não de forma aleatória. Ele demonstra uma preferência por determinado empregado, e em razão disso decide que o trabalho deve ser realizado exclusivamente por essa pessoa. Existe, portanto, no conceito de pessoalidade, “a ideia de intransferibilidade, ou seja, de que somente uma específica pessoa física, e nenhuma outra em seu lugar, pode prestar o serviço contratado”. (MARTINEZ, 2012, p. 126).

Isso não significa que a pessoalidade seja observada somente na contratação do empregado. Ao contrário, em relação ao trabalhador, ela também se mantém presente durante a relação de emprego e ainda, quando da sua extinção. “É que sendo personalíssima a obrigação de prestar os serviços, ela não se transmite a herdeiros e sucessores. A morte do empregado, portanto, dissolve, automaticamente, o contrato entre as partes”. (DELGADO, 2011, p. 282).

Portanto, no âmbito da relação de emprego, a prestação do serviço é pessoal, o que implica dizer que o empregado deverá ser pessoa física, pois não há possibilidade de realização de um contrato de emprego em que o trabalhador seja uma pessoa jurídica, ocorrendo, nesse caso, uma prestação de serviços e não uma relação de emprego, nos termos dos artigos 2º e 3ª, da CLT.

2.2 Onerosidade

A onerosidade, em simples palavras, traduz-se na remuneração que é paga pelo empregador ao empregado em decorrência do trabalho realizado por este para àquele.

De acordo com Martins (2009, p. 91), o contrato de trabalho não é gratuito, mas oneroso. “O empregado recebe salário pelos serviços prestados ao empregador. O empregado tem o dever de prestar serviços e o empregador, em contrapartida, deve pagar salários pelos serviços prestados”.

Corroborando esse entendimento, Cairo Jr. (2008, p. 197) afirma que:

O empregado labora mediante o pagamento de uma retribuição denominada de salário, em decorrência do caráter bilateral e oneroso do próprio contrato de trabalho. Por conta disso, inexiste a figura do empregado que presta serviços por mera benevolência ou por qualquer sentimento altruístico.

Dessa forma, é possível concluir que o empregado deve receber um valor como contraprestação pelos serviços que presta ao empregador. A ausência da onerosidade afasta a existência de vínculo empregatício.

2.3 Não-eventualidade

O requisito da não-eventualidade traduz-se pela exigência de que a prestação de serviços pelo empregado não seja esporádica ou ocasional. Deve, pois, ser de forma habitual e necessária à atividade normal do empregador.

Importante destacar, no entanto, que não-eventualidade não significa continuidade. Logo, segundo Barros (2011), mesmo que descontínuo ou intermitente, o serviço prestado pelo empregado poderá ser de natureza não eventual, desde que imprescindível ao desenvolvimento normal do empregador.

Pode-se dizer, portanto, que a eventualidade não se mede pelo tempo ou pela quantidade de vezes por semana que o empregado presta serviços ou fica a disposição do empregador, mas sim pela relação que mantém com o processo produtivo da empresa, ou seja, pela essencialidade da atividade empresarial. Nesse contexto, explica Cairo Jr. (2008, p. 198), que “pode ser empregado aquele trabalhador que, por exemplo, comparece para prestar serviços uma vez por semana, desde que esses serviços estejam relacionados com uma atividade permanente da empresa”.

Seguindo a mesmo posicionamento, Camino (2004, p. 188) entende que “serviços não-eventuais são os serviços rotineiros da empresa, por isso, necessários e permanentes, vinculados ao objeto da atividade econômica, independentemente do lapso de tempo em que prestados”.

Enfim, o que se analisa na caracterização da não-eventualidade, é a se a função do empregado é permanente e necessária à finalidade essencial da empresa, ainda que a prestação do serviço não seja contínua.

2.4 Subordinação

A subordinação, sem sombra de dúvida, é o requisito de maior relevância para a definição da relação de emprego. “É o elemento essencial para a afirmação da relação de emprego e, desta forma, é o que irá identificar o trabalhador tutelado pela CLT. É o divisor de águas entre o trabalho autônomo e o trabalho subordinado”. (LOCKMANN, 2010, p. 29).

Em que pese a necessidade de cumulação de vários requisitos fático-jurídicos para a caracterização da relação de emprego, é a subordinação, entre todos esses elementos, que ganha maior proeminência na configuração da relação empregatícia. Enfim, é o pressuposto, por excelência, que caracteriza a relação de emprego.

Destaca-se, inicialmente, que a expressão subordinação, muito embora tenha sido adotada pela doutrina e jurisprudência como pressuposto da relação de emprego, não está expressa em nenhum dispositivo legal. De fato, o art. 3º, da CLT utiliza o termo “dependência” ao invés de subordinação. Entretanto, como bem observa Camino (2004, p. 190), “as expressões subordinação e dependência são indicadoras do mesmo fenômeno de vulnerabilidade e da inferioridade do empregado”.

Tal pressuposto tem tamanha importância para o Direito do Trabalho que o entendimento doutrinário, defendido principalmente por Delgado (2011) é no sentido de que a subordinação é um marco na diferenciação entre as tradicionais modalidades de relação de produção, como a servidão e a escravidão e as relações atuais de emprego. Segundo o autor, a subordinação também é o principal elemento de diferenciação entre a relação empregatícia e as demais formas de prestação de trabalho autônomo.

O estado de dependência do trabalhador para com o empregador constitui a nota diferenciadora da relação de emprego. A prestação de serviços pode ser por conta alheia, onerosa, não-eventual e pessoal, mas, se não houver subordinação, não será considerada como relação derivada de um contrato de trabalho. (CAIRO JR. 2008, p. 199).

Ainda tratando sobre o tema, Vilhena (2005, p. 510) sustenta que “não há nada mais pacífico e controvertido, em Direito do Trabalho, como a subordinação. Pacífico como linha divisória, controvertido como dado conceitual”.

A subordinação é essencial para o Direito do Trabalho, pois sendo decisiva para a afirmação da existência da relação de emprego, “representa a chave de acesso aos direitos e garantias trabalhistas, os quais, em regra, são assegurados em sua plenitude apenas aos empregados”. (FRAGA, 2011, texto digital).

Como já frisado, a subordinação é o elemento mais importante na caracterização da relação de emprego. No entanto, percebe-se que atualmente, especialmente em razão do surgimento de novas formas de trabalho, seu conceito tem se mostrado insuficiente para diferenciar a relação de emprego das demais formas de trabalho autônomo. Tal situação tem evidenciado a necessidade de reconstrução do seu conceito, a qual deverá ser feita através de um viés estrutural.

É justamente esse o foco do presente estudo, ou seja, demonstrar que a subordinação, enquanto elemento definidor da relação de emprego, precisa ter seu conceito reformulado para amparar um maior número de trabalhadores. Em razão disso, o tema será tratado de forma pormenorizada nos tópicos seguintes.

2.4.1 Natureza da subordinação

A discussão acerca da natureza jurídica da subordinação encontra-se praticamente pacificada na doutrina juslaboralista, em que pese ainda existir alguma divergência entre subjetivistas e objetivistas.

Para os subjetivistas, o elemento subordinação atua sobre a pessoa do empregado, criando-lhe um estado de sujeição. A subordinação, para os seguidores dessa corrente, é uma condição pessoal do empregado no seio de um vínculo laboral, e não uma qualidade da atividade de trabalho.

Por outro lado, para os objetivistas, corrente amplamente majoritária, defendida, entre outros, por Delgado (2011, p. 292), “a subordinação classifica-se, inquestionavelmente, como um fenômeno jurídico, derivado do contrato estabelecido entre trabalhador e tomador de serviços, pelo qual o primeiro acolhe o direcionamento objetivo do segundo sobre a forma de efetuação da prestação do trabalho”.

O mesmo entendimento acerca da natureza jurídica também é sustentado por Cairo Jr. (2008, p. 199) que afirma: “a subordinação só pode ser explicada pelo seu caráter jurídico, pois tem origem em um contrato de trabalho, onde o empregado despoja-se de sua liberdade de execução dos serviços, transferindo para o empregador a propriedade do seu resultado”.

Também para Camino (2004, p. 191) não há dúvidas de que “a natureza da subordinação, numa relação de trabalho em que se admite como essencial o elemento volitivo, é jurídica”, e essa subordinação jurídica ou hierárquica “resulta da obrigação personalíssima de trabalhar e da condição econômica ou social do prestador. Tal obrigação não se limita ao ato de trabalhar, mas também de fazê-lo sob a direção e fiscalização de outrem”.

Portanto, a subordinação jurídica decorre do contrato de trabalho estabelecido entre o trabalhador e o tomador de serviços, através do qual, aquele acolhe o direcionamento objetivo deste sobre a forma de realização do trabalho para o qual foi contratado.

2.4.2 Visão clássica da subordinação

A subordinação, em um conceito clássico, pode ser definida simplesmente como a obrigação que tem empregado de prestar serviços sob as ordens do empregador, em decorrência do contrato de trabalho firmado entre eles. Para Lockmann (2010, p. 30):

Pela visão clássica do conteúdo da subordinação, o empregado deve prestar serviços ao empregador, sob o rígido poder de direção deste. Assim, a subordinação se caracteriza com a presença constante e forte de ordens específicas do empregador ou de seus prepostos, com fiscalização assídua destes, podendo o empregado eventualmente sofrer sanção disciplinar.

No que tange à dimensão clássica, Delgado (2011, p. 293) ensina que “é a subordinação consistente na situação jurídica derivada do contrato de trabalho, pela qual o trabalhador compromete-se a acolher o poder de direção empresarial no tocante ao modo de realização de sua prestação laborativa”. Segue explicando que essa é a dimensão original da subordinação, aquela que de forma mais imediata na História substituiu a anterior servidão na realidade europeia.

De acordo com Porto (2008, p. 48):

A subordinação, em sua matriz clássica, corresponde à submissão do trabalhador a ordens patronais precisas, vinculantes, “capilares”, penetrantes, sobre o modo de desenvolver a sua prestação, e a controles contínuos sobre o seu respeito, além da aplicação de sanções disciplinares em caso de descumprimento. É essa a acepção clássica ou tradicional do conceito, que podemos sintetizar como a sua plena identificação com a idéia de uma forte heterodireção patronal dos diversos aspectos da prestação laborativa obreira.

Pode-se dizer ainda, no que tange à subordinação clássica, que centra-se na limitação da liberdade individual do empregado, ou seja, ele tem sua autonomia de vontade restringida por força do contrato de emprego, pois transfere ao empregador o poder de direção e comando sobre a atividade que desenvolve.

Dessa forma, pode-se concluir que num viés clássico, adotado desde o surgimento do Direito do Trabalho, pela maioria dos doutrinadores, a subordinação é o estado de sujeição volitiva do empregado, que em razão de um contrato de trabalho, coloca-se sob o poder diretivo do empregador, o qual dirige a sua força de trabalho, e em caso de descumprimento de alguma norma, poderá, inclusive, lhe aplicar sanções disciplinares.


3 A NECESSIDADE DE READEQUAÇÃO DO CONCEITO DE SUBORDINAÇÃO FRENTE ÀS NOVAS FORMAS DE TRABALHO

3.1 As transformações no mundo do trabalho

Conforme já exposto, a subordinação, especialmente em sua visão clássica, é o elemento essencial para a caracterização da relação de emprego. Entretanto, desde o surgimento do Direito do Trabalho, as relações de trabalho sofreram inúmeras e expressivas transformações. Observa-se ainda, que nas últimas décadas o sistema produtivo sofreu profundas mudanças, especialmente em decorrência dos avanços tecnológicos, do fenômeno da globalização, do aumento da competitividade e da busca pela redução dos custos do empreendimento empresarial.

Dessa forma, é natural que as relações de trabalho, à medida que necessitam adaptar-se a realidade atual, também estejam passando por transformações. Verifica-se, nesse contexto, o surgimento de “novas e distintas formas de trabalho, em que o poder de direção do empregador passou a ser exercido de forma mais sutil, as vezes quase imperceptível”. (LOCKMANN, 2010, p. 31).

Diante dessas transformações no âmbito das relações de trabalho, especialmente em razão das inovações tecnológicas no campo da informática e da macroeletrônica, os trabalhadores da indústria passaram a realizar atividades mais complexas, e não mais tarefas simples e repetitivas, como as que eram realizadas pelos trabalhadores nos sistemas de produção taylorista e fordista. Nesse cenário, é evidente que o mercado passou a exigir a contratação de pessoas mais qualificadas, multifuncionais e com certa autonomia na tomada de decisões. Trata-se dos altos empregados, ou ainda, conforme a denominação dada por Camino (2004, p. 192), os “hipoempregados, praticamente infensos a qualquer traço aparente de subordinação”.

Segundo Barros (2011, p. 213-214), são considerados como altos empregados “os ocupantes de cargo de confiança, investidos de mandato que lhes confere poderes de administração para agir em nome do empregador”. Dentre eles destacam-se os diretores gerais, administradores, superintendentes, gerentes com amplos poderes, etc.

Ocorre que em função dos altos cargos ocupados por esses trabalhadores e a aparente autonomia no direcionamento da atividade, muitos deles deixam de ter reconhecido seu vínculo de emprego, passando a ser considerados como prestadores de serviços autônomos, em que pese serem dependentes dos seus empregadores, os quais são os beneficiários diretos dessa prestação de serviços.

Ainda como exemplos dessas novas formas de trabalho, podem ser citados o teletrabalho e a terceirização.

Consiste o teletrabalho ou trabalho à distância em uma nova forma de atividade em que o trabalhador executa suas tarefas fora da empresa, utilizando-se do avanço da tecnologia na área da informática e comunicação. E aqui é possível detectar a presença de uma subordinação indireta e porque não dizer, por vezes absolutamente direta. Com efeito, ainda que não haja o “contato direto e pessoal” entre o prestador e o tomador de serviços, o teletrabalhador pode ter sua atividade controlada pelo próprio computador, por relatório, por produção, etc. (LOCKMANN, 2010, p. 33).

O teletrabalho tem previsão expressa no art. 6º, da CLT e refere-se ao trabalho realizado no domicílio do trabalhador, ou ainda, em centros satélites fora do estabelecimento patronal. O que se flexibiliza, nesses casos, é o local da prestação do trabalho. Nessas situações, o fato de o trabalhador não permanecer dentro do estabelecimento do empregador para realizar as suas atividades, causa a impressão de que o mesmo não estaria submetido ao controle e fiscalização por parte do empregador, o que, na verdade, é uma falsa impressão, pois ocorre a subordinação do empregado, ainda que de forma diversa da convencional.

Quanto à terceirização, também é fenômeno recente no Direito do Trabalho, destacando-se especialmente nas últimas três décadas, e, em suma, é a atribuição, a terceiros, de atividades não relacionadas ao objeto social da empresa tomadora dos serviços.

Ciro Pereira da Silva apud Loureiro (2010, texto digital), define a terceirização como:

A transferência de atividades para fornecedores especializados, detentores de tecnologia própria e moderna, que tenham essa atividade terceirizada como atividade-fim, liberando a tomadora para concentrar seus esforços gerenciais em seu negócio principal, preservando e evoluindo em qualidade e produtividade, reduzindo custos e gerando competitividade.

Esse fenômeno tem preocupado doutrinadores e juristas, pois precariza as condições de trabalho e compromete a aplicação do princípio basilar do Direito do Trabalho: o princípio da proteção. De fato, a terceirização tem sido vista com um desvirtuamento dos direitos trabalhistas, objeto de anos de luta dos trabalhadores, em benefício do lucro e da competitividade das empresas no atual sistema capitalista. Isso porque, pela terceirização:

O trabalhador é inserido na atividade produtiva da empresa tomadora, integrando seu processo produtivo, mas sem desfrutar dos direitos reconhecidos aos trabalhadores contratados diretamente. A empresa obrigada a cumprir a legislação trabalhista não é a mesma que se beneficia dos serviços prestados. (PAROSKI e FERREIRA, 2012, p. 593).

Tamanha é a importância que o fenômeno da terceirização vem adquirindo no âmbito do Direito do Trabalho, que o TST, através da Súmula 331[1], já sedimentou entendimento de que quando a contratação com empresa terceirizada se dá de forma ilegal ou fraudulenta, o vínculo empregatício é formado diretamente com o tomador de serviços.

Percebe-se, entretanto, que apesar da aplicação desse entendimento, para fins de reconhecimento de direitos trabalhistas aos trabalhadores terceirizados, ainda há uma grande massa de trabalhadores que está desprotegida, mormente pelo fato de que para que se possa aplicar essa Súmula, é necessária a comprovação da fraude na terceirização, o que normalmente é mais difícil.

Nessas novas formas de trabalho, como a contratação de altos empregados, o teletrabalho e a terceirização, a primeira impressão que se tem é que a subordinação estaria atenuada, ou até mesmo, suprimida, pois o poder diretivo apresenta-se de forma mais sutil. Entretanto, como destaca Porto apud Appio (2009, texto digital): 

A aparente atenuação do controle exercido pelo empregador, todavia, não implica a ausência de subordinação, pois que a atividade exercida pelo trabalhador continua plenamente inserida no processo produtivo da empresa, do qual é parte integrante e essencial. O poder empregatício – a contraface da subordinação – continua a existir, a sua essência permanece. O que mudou foi apenas a forma como se exterioriza, que não mais consiste na emanação de ordens diretas e constantes na efetuação de controles rígidos, na heterodireção patronal intensa e constante. Esta, portanto, não pode mais ser utilizada como único revelador possível da presença da subordinação no contrato de trabalho.

Observa-se, portanto, que o poder diretivo ainda existe, mas deixou de ser manifestado por ordens diretas, para se mostrar internalizado na própria consciência do empregado, ou seja, modifica-se o seu objeto, eis que não é mais exercido sobre o modo de execução de uma tarefa, mas sim, sobre o seu resultado.

3.2 Visão moderna do conceito de subordinação

O conceito clássico de subordinação jurídica, criado num contexto histórico de exploração do trabalhador, foi, por muito tempo, plenamente eficiente para caracterização das relações de emprego, tutelando os direitos de uma gama enorme de trabalhadores formais, que realizavam contratos de trabalho diretamente com seus empregadores.

No entanto, diante de tantas transformações sociais e em razão da sofisticação das relações de trabalho pós-industriais, é possível perceber que o Direito do Trabalho encontra-se em crise e com dificuldades de conseguir construir elementos convincentes o suficiente para diagnosticar algumas relações de trabalho como sendo de emprego ou autônomas. Segundo Silva apud Fraga (texto digital), “o direito do trabalho enfrenta um momento de redefinição, pois foi concebido para regular uma modalidade de relação jurídica – o emprego – que, aos poucos, deixa de ser hegemônica”.

Sendo assim, a subordinação em seu viés clássico, que considera o poder de direção do empregador e o dever de obediência do empregado, não pode ser vista como único critério para a definição da relação de emprego, pois a sua aplicação, de forma restrita, estaria privando uma grande massa de trabalhadores de ter acesso aos direitos trabalhistas inerentes aos empregados.

Segundo Lockmann (2010, p. 32), “o conceito clássico da noção de subordinação não atende mais à nova realidade fática, excluindo, por exemplo, aqueles trabalhadores aparentemente “autônomos” do manto protetivo da legislação trabalhista”. Dessa forma, a utilização apenas do conceito clássico de subordinação mostra-se insuficiente para dar fundamento jurídico para alguns tipos de trabalho que crescem na sociedade e que diferem do padrão sociológico que levou o Direito do Trabalho a construir a teoria da subordinação.

É necessário então que se faça uma readequação do pressuposto da subordinação. E a proposta apresentada pelos doutrinadores que vem tratando sobre o assunto, é a releitura do conceito clássico previsto originalmente no art. 3º, da CLT, pela via interpretativo-jurisprudencial, de forma a readaptá-lo a essa nova realidade social, com o fito de inserir esses novos sujeitos da relação de trabalho no âmbito de proteção da legislação trabalhista.

Ressalta-se, que a pretensão não é a extinção da noção clássica da subordinação e da tradicional relação de emprego, mas sim, a de prestar uma interpretação mais ampla e moderna ao conceito. Segundo Barros (2011, p. 223), “a debilidade do critério da subordinação funcional do empregado em relação ao empregador não supõe a eliminação da relação de emprego, mas mera insuficiência desse critério em certas situações, principalmente quando envolve trabalhos intelectuais”.

Esse processo de renovação e consequente ampliação do conceito de subordinação promove a abrangência de determinadas categorias de trabalhadores que antes eram excluídas do âmbito do Direito do Trabalho, como os trabalhadores em domicílio, os altos empregados e os trabalhadores intelectuais. Não obstante, oferece maior proteção aos obreiros terceirizados e teletrabalhadores, que encontram-se à margem de qualquer garantia trabalhista.

Segundo Appio apud Porto (texto digital, p. 52):

Essa ampliação é necessária sob pena de violar a própria razão de ser (teleológica) do Direito do Trabalho: a proteção dos trabalhadores. Com efeito, ao se adotar um conceito restrito da subordinação restam excluídos do seu campo de aplicação – e, por conseguinte, dos direitos e garantias por ele assegurados – trabalhadores que necessitam de sua proteção. Trata-se de clara violação ao princípio da isonomia, por se conferir um tratamento diferenciado a pessoas em condições equivalentes.

A proposta, portanto, passa pela readequação do conceito da subordinação, para melhor adaptá-lo à dinâmica das relações de trabalho contemporâneas. Tal adaptação permitirá, a um só tempo, alargar o campo de incidência do Direito do Trabalho e conferir resposta normativa eficaz a alguns de seus mais recentes instrumentos desestabilizadores, a terceirização.

De acordo com Paroski e Ferreira (2012, p. 592):

Trata-se da tentativa de se criar uma visão renovada e transformadora da subordinação. O objetivo principal é contribuir para a superação das dificuldades de enquadramento de situações fáticas, geradas pelo conceito clássico de subordinação, que se exacerbam, ou mesmo se exaurem num processo autofágico, em face, especialmente dos fenômenos contemporâneos da terceirização trabalhista e do teletrabalho.

Há, portanto, que se dar uma nova roupagem, um novo enfoque para a subordinação, atualizando-a de acordo com as atuais necessidades e criando concepções que possam preservar a proteção social mínima do trabalhador, ou seja, ao invés de excluir camadas de trabalhadores do âmbito do Direito do Trabalho, há que se caminhar em sentido inverso, buscando incluir nas garantias trabalhistas mínimas, o maior número possível de trabalhadores, protegendo-os contra os malefícios causados pelos modos de produção capitalistas.

Com esse intuito, os doutrinadores e juristas, liderados principalmente pelo professor e Ministro do STF, Maurício Godinho Delgado, têm se empenhado em buscar a aplicação de um novo conceito de subordinação, redefinido a partir das transformações ocorridas recentemente nas relações de trabalho. Essa visão moderna está sendo criada com fundamento na teoria da subordinação estrutural, elemento que está sendo utilizado, ainda que discretamente, na definição das atuais relações de emprego, conforme será estudado a seguir.


4 A SUBORDINAÇÃO ESTRUTURAL COMO ELEMENTO DEFINIDOR DAS ATUAIS RELAÇÕES DE EMPREGO

4.1 A subordinação estrutural e sua aplicação na definição das atuais relações de emprego

A “teoria” da subordinação estrutural é defendida no Brasil pelo professor e Ministro do STF, Maurício Godinho Delgado, que admite a ampliação do conceito de subordinação propondo que seu ponto de identificação seja a inserção estrutural do trabalhador na dinâmica da empresa tomadora de serviços. O autor apresenta o conceito de subordinação estrutural nos seguintes termos:

Estrutural é, finalmente, a subordinação que se expressa pela inserção do trabalhador na dinâmica do tomador de seus serviços, independentemente de receber (ou não) suas ordens diretas, mas acolhendo, estruturalmente, sua dinâmica de organização e funcionamento. (DELGADO, 2011, p. 294).

Destaca-se, de antemão, que a readequação do conceito de subordinação também vem sendo tratada por outros autores, como Paulo Emilio Ribeiro de Vilhena e Arion Sayão Romita, que denominam como teoria da subordinação objetiva e ainda, por Lorena Vasconcelos Porto, que prefere chamar de teoria da subordinação integrativa. Entretanto, independentemente da nomenclatura utilizada, seus conceitos são praticamente idênticos e seu objeto é o mesmo, ou seja, consiste na caracterização da subordinação com base na atividade desempenhada pelo trabalhador e a natureza dessa atividade, se essencial ou não ao funcionamento da estrutura organizacional do empregador.

Observe-se que mesmo denominando como subordinação objetiva, o conceito defendido por Vilhena (2005, p. 522), ao referir que a subordinação se dá com “o acoplamento da atividade do prestador na atividade da empresa”, se assemelha ao conceito de subordinação estrutural.

Nesse contexto, concatenando as ideias defendidas em cada uma dessas teorias e extraindo os seus conceitos essenciais e definitivos, Appio (texto digital, p. 56) define de forma abrangente e harmonizadora a subordinação estrutural como “a participação integrativa da atividade do trabalhador na organização da empresa”. 

Segundo Delgado (texto digital):

A ideia de subordinação estrutural supera as dificuldades de enquadramento de situações fáticas que o conceito clássico de subordinação tem demonstrado. Dificuldades estas que se exacerbam em face, especialmente, do fenômeno da terceirização trabalhista. Nesta medida ela viabiliza não apenas alargar o campo de incidência do Direito do Trabalho, como também conferir resposta normativa eficaz a alguns de seus mais recentes instrumentos desestabilizadores – em especial, a terceirização.

Esse novo conceito, conforme Rapassi (2008, texto digital):

Cogita de uma concepção estruturalista da subordinação, com o objetivo de incluir no conceito de empregado todo o trabalhador inserido na ‘dinâmica do tomador de seus serviços’, vale dizer, no âmbito de repercussão das decisões da empresa principal, ainda que apenas para ‘colaborar’ indiretamente (mas de forma dependente e habitual).

Importante registrar que não se analisa a inserção da pessoa do trabalhador na empresa, mas sim da integração da atividade que o mesmo desenvolve. Vilhena (2005, p. 522-523) esclarece que, “a integração (ou inserção) na empresa não se dá na pessoa do trabalhador, mas na de sua atividade”. E segue ensinando que “inserção dá-se, pois de atividade em atividade e não de pessoa em pessoa”.

Então, de acordo com os argumentos defendidos pelos doutrinadores que seguem essa teoria, ocorre a subordinação estrutural quando o trabalhador desempenha atividades que são integradas à estrutura e à dinâmica organizacional da empresa, ao seu processo produtivo ou às suas atividades essenciais.

Recentemente, o tema também foi analisado pelo magistrado do trabalho e professor Luciano Martinez, que lançou posicionamento no sentido de que a subordinação estrutural é “caracterizada pela dispensabilidade de ordem direta (da subordinação direta) do empregador para a formação do vínculo entre os efetivos beneficiários dos serviços e contratados”. (MARTINEZ, 2012, p. 131).

Portanto, na aplicação da subordinação estrutural, não importa a exteriorização dos comandos, pois, no fundo e em essência, o que vale mesmo é a inserção objetiva do trabalhador no núcleo, no foco, na essência da atividade empresarial, pouco importando se receba ou não suas ordens diretas, mas se a mesma o acolhe, estruturalmente, em sua dinâmica de organização e funcionamento.

Isso significa que estando o serviço prestado pelo trabalhador inserido na cadeia produtiva da empresa, inexiste autonomia, pois o trabalhador não organiza ou gerencia a sua própria atividade, mas deixa seu trabalho ser utilizado na estrutura da empresa, como essencial à realização da finalidade desta.

Nesse contexto, Delgado (2011, p. 294) assevera que:

Nesta dimensão da subordinação, não importa que o trabalhador se harmonize (ou não) aos objetivos do empreendimento, nem que receba ordens diretas das específicas chefias deste: o fundamental é que esteja estruturalmente vinculado à dinâmica operativa da atividade do tomador de serviços.

É por conta disso que o novo conceito de subordinação está sendo invocado pelos magistrados diante de situações de terceirização de atividades, que apesar de serem aparentemente de meio, estão estruturalmente ligadas ao objeto social da empresa tomadora dos serviços. Nesse contexto, a subordinação estrutural vem sendo adotada para fins de reconhecimento do vínculo empregatício do trabalhador diretamente com o tomador de serviços, garantindo ao obreiro supostamente terceirizado a mesma gama de direitos trabalhistas que tem o empregado contratado diretamente.

A noção de participação integrativa na atividade da empresa também pode ser verificada em relação aos trabalhadores a domicílio. Segundo Vilhena (2005, p. 514) nesses casos, a empresa “conta, periódica e constantemente, com a entrega das prestações (confecções de calças, cortes de papéis, enfeites prontos etc.), com os quais realiza a sua finalidade produtivística diante de empresas freguesas ou consumidoras”.

Como suporte dessa integração, abre-se um tráfico de prestações, que levam o empresário a contar com a iterativa entrega das peças feitas, e por via de consequência, a tomar medidas acautelatórias da regularidade desse tráfico, da perfectibilidade das tarefas executadas, o que acaba por configurar, objetivamente, a subordinação. (VILHENA, 2005, p. 514).

Ressalta-se ainda que para os defensores dessa teoria, a subordinação é resultante do fato de que o homem não se separa do trabalho que realiza, o qual serve de instrumento para a concretização de um fim maior, o objetivo comum da cadeia estrutural de uma empresa. Fraga apud Severo (texto digital) sustenta que:

Se enquanto trabalha, o homem – em sua condição de ser humano – está submetido a uma estrutura de organização empresarial destinada a um objetivo, do qual o trabalho por ele prestado faz parte, juntamente como todos os outros elementos da empresa, está-se diante de uma relação de trabalho subordinado.

Em suma, na aplicação da teoria da subordinação estrutural, a caracterização do vínculo de emprego pressupõe a inserção do trabalhador na estrutura da empresa, oferecendo prestação de serviço que seja indispensável aos fins da atividade empresarial. Em outros termos, é observada a subordinação, em sua dimensão estrutural quando a prestação de trabalho integra as atividades exercidas pela empresa, e o trabalhador não possui uma organização empresarial própria, não assume verdadeiramente riscos de perdas ou de ganhos e não é proprietário dos frutos do seu trabalho, os quais pertencem, originariamente, à empresa para a qual presta a sua atividade.

Diante do que foi exposto, é possível concluir que a subordinação em seu viés estrutural, em conjunto com os demais pressupostos previstos nos artigos 2º e 3º da CLT, deve ser utilizada como elemento definidor das atuais relações de emprego, como forma de garantir aos trabalhadores que se encontram à margem da tutela trabalhista os mesmos direitos garantidos aos empregados, caracterizados como tal pelo pressuposto da subordinação clássica. Dessa forma, certamente estará sendo observada a própria razão de ser do Direito do Trabalho: a proteção do trabalhador.

4.2 A adoção da teoria da subordinação estrutural pela jurisprudência

Por tratar-se de uma tese recente, a subordinação estrutural ainda é tratada com certa cautela e discrição pela jurisprudência pátria. No entanto, é possível afirmar que essa teoria revela-se como uma importante tendência nos julgados dos Tribunais do Trabalho, que cada vez mais vem readequando o conceito de subordinação, para fins de reconhecimento do vínculo empregatício.

Observa-se que os Tribunais Regionais, com fundamento na teoria da subordinação estrutural, vem promovendo uma releitura das atuais relações de emprego, de modo a estender as garantias trabalhistas a um maior número de trabalhadores, os quais encontravam-se à margem de uma definição de sua condição, como empregado ou como autônomo.

É o caso do Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região, que de forma bastante recorrente, tem aplicado o novo conceito de subordinação para o reconhecimento da relação de emprego. Cita-se o seguinte julgado:

VÍNCULO DE EMPREGO. SUBORDINAÇÃO ESTRUTURAL. Se, no exercício das funções, o trabalhador executa tarefas inseridas no contexto das atividades essenciais ao processo produtivo da empresa, não se exige, para análise do elemento subordinação, prova de expedição de ordens e fiscalização direta, tampouco a presença do trabalhador no estabelecimento. Basta que se passe a ordenar a produção, o que traduz uma nova forma de organização produtiva, que tem raiz na empresa-mater, e que se ramifica e forma uma nova espécie de subordinação. Esta, de acordo com a doutrina, denomina-se "subordinação estrutural", em que o trabalho executado integra a estrutura da empresa, ao inserir o trabalhador na dinâmica empresarial do tomador de serviços, o que atrai a proteção das normas da CLT e, consequentemente, o reconhecimento de vínculo de emprego. Recurso ordinário da autora provido. (RO - TRT-PR-00883-2010-749-09-00-2-ACO-21724-2012 - 2A. TURMA, Relator: MARLENE T. FUVERKI SUGUIMATSU. Publicado no DEJT em 18-05-2012)

O Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região também já se manifestou de forma favorável à adoção da teoria da subordinação estrutural, para caracterização da relação de emprego, analisando, para tanto, se as atividades desempenhadas pelo trabalhador estão inseridas na dinâmica estrutural da empresa e não se as ordens do empregador ocorrem de forma direta. Nesse sentido:

VÍNCULO DE EMPREGO. Espécie em que o reclamante, como médico, presta serviços pessoalmente, de forma não-eventual e onerosa, estando suas atividades laborais inseridas no objeto social da reclamada, empresa que atua na área da saúde, restando caracterizada a subordinação estrutural. Decisão que reconhece a relação de emprego entre o reclamante e a reclamada que se mantém. (RO - TRT-4ª Região: Acórdão do processo 0136500-96.2008.5.04.002 – 1ª TURMA, Redator: ANA LUIZA HEINECK KRUSE. Publicado no DEJT em 10-10-2011)

Ainda, em recente decisão, a 4ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, adotou a teoria da subordinação estrutural para reconhecer o vínculo empregatício de um trabalhador que havia celebrado um contrato de prestação de serviços com a empresa Reclamada, sob alegação de que “a direção da prestação de serviços pelo empregador não significa necessariamente uma fiscalização contínua e visual do trabalho realizado, podendo muito bem se manifestar por uma inserção do trabalhador na dinâmica da empresa e na apresentação de resultados, independentemente do recebimento de ordens diretas”. O acórdão restou assim ementado:

Relação de emprego. Subordinação estrutural. Recursos para esvaziamento de direitos do trabalhador. O fenômeno retratado nestes autos tem ocorrido com frequência no sistema produtivo pós-industrial, qual seja, o da “subordinação estrutural”, tendo como conceito - (...) a subordinação que se manifesta pela inserção do trabalhador na dinâmica do tomador de seus serviços, independentemente de receber (ou não) suas ordens diretas, mas acolhendo, estruturalmente, sua dinâmica de organização e funcionamento”. E o comportamento do tomador de serviços de não firmar contrato de trabalho nessa hipótese tem por objetivo desvirtuar, impedir ou fraudar as normas trabalhistas, sendo nulo outro tipo de pactuação, nos termos do artigo 9º, da CLT, importando no reconhecimento do vínculo de emprego.[...]. (RO-TRT-SP- 0215800-39.2009.5.02.0018 – 4ª TURMA, Relatora: Ivani Contini Bramante. Publicado no DEJT em 06-07-2012)

O Tribunal Superior do Trabalho também tem se manifestado favoravelmente à aplicação da subordinação estrutural, firmando posicionamento no sentido de que a caracterização da relação de emprego com base nessa teoria não demonstra ofensa à lei ou à Constituição Federal e, nem mesmo, gera conflito jurisprudencial. Nesse sentido:

RECURSO DE REVISTA. TERCEIRIZAÇÃO ILÍCITA. TRABALHO EM ATIVIDADE-FIM, EXERCIDO FORA DO ESTABELECIMENTO DO TOMADOR DE SERVIÇOS. SUBORDINAÇÃO ESTRUTURAL. VÍNCULO DE EMPREGO. O local de desenvolvimento do labor perde relevância diante da constatação de que se trata de atividade-fim do tomador de serviços. O conceito de subordinação deve ser examinado à luz da inserção do trabalhador na dinâmica do tomador de serviços, configurando a denominada subordinação estrutural, teoria que se adianta como proposta para solucionar os casos em que o conceito clássico de subordinação apresenta-se inócuo. Aplicam-se os termos da Súmula 331, I, do TST, segundo a qual -a contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário-. Recurso de revista conhecido e provido. (RR - 89900-02.2009.5.15.0045, Relator Ministro: Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira, Data de Julgamento: 27/06/2012, 3ª Turma, Data de Publicação: 29/06/2012)

Ainda nesse sentido, os seguintes julgados: RR-3985800-50.2008.5.09.0005, Ac. 3ª Turma, Relator Ministro Mauricio Godinho Delgado, DEJT 18.5.2012 e RR-1564/2007-007-03-00.2. Ac. 3ª Turma, Relator Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira, julgado em 11.11.2009.

Pode-se, concluir, portanto, que muito embora o entendimento majoritário ainda seja no sentido de aplicação da subordinação sob o enfoque clássico, fundada no poder diretivo e fiscalizador que tem o empregador sobre o empregado, há uma forte tendência dos Tribunais do Trabalho quanto à aplicação da teoria da subordinação estrutural no reconhecimento do vínculo empregatício, especialmente em relação às ações que envolvem prestação de serviços terceirizados.


5 CONCLUSÃO

O instituto da subordinação é extremamente relevante para o Direito do Trabalho, pois é o elemento, por excelência, que caracteriza a relação de emprego. No entanto, o que se tem observado no contexto atual, diante das novas formas de organização do trabalho, é que o seu conceito clássico tem se mostrado insuficiente para a aplicação, em sua plenitude das garantias trabalhistas.

Percebe-se, diante disso, que a manutenção do conceito tradicional de subordinação, como único critério analisado no reconhecimento da relação de emprego, geraria grandes distorções e injustiças, afrontando o princípio da isonomia e comprometendo a razão de ser do Direito do Trabalho: o princípio da proteção do trabalhador.

Constatada a necessidade de readequação conceitual da subordinação, foi proposta pelos doutrinadores a teoria da subordinação estrutural, com o objetivo de promover uma releitura universalizante do conceito de subordinação, estendendo a tutela trabalhista à massa de trabalhadores que encontra-se à margem dos direitos garantidos aos empregados, como os altos empregados, os teletrabalhadores e os trabalhadores terceirizados.

A subordinação, analisada sob o enfoque estruturalista, dispensa a existência de ordem direta do empregador, o qual passa a coordenar apenas a produção como um todo, sendo que este controle se opera através de seu resultado e não sobre a forma de sua realização.

Pela teoria da subordinação estrutural, estando o trabalhador inserido na cadeia produtiva de bens ou serviços da empresa, resta atendido o requisito fático-jurídico da subordinação no modelo estrutural, independentemente de estar sujeito ao controle rígido, a fiscalização e a submissão quanto à forma de exercício da atividade.

Por fim, analisando os fundamentos que embasam a proposta de readequação do conceitual da subordinação, acredita-se que a aplicação da teoria da subordinação estrutural mostra-se como uma solução eficaz na extensão dos direitos trabalhistas aos trabalhadores hipossuficientes que se encontram excluídos da condição de empregado. Percebe-se, ainda, que com a aplicação dessa teoria, está havendo um resgate do valor social do trabalho, evidenciando-o como realização do indivíduo e digno da maior proteção estatal possível.


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[1] Súmula nº 331 do TST

CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. LEGALIDADE (nova redação do item IV e inseridos os itens V e VI à redação) - Res. 174/2011, DEJT divulgado em 27, 30 e 31.05.2011 I - A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei nº 6.019, de 03.01.1974).II - A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da Administração Pública direta, indireta ou fundacional (art. 37, II, da CF/1988).III - Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei nº 7.102, de 20.06.1983) e de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta.IV - O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial.

V - Os entes integrantes da Administração Pública direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei n.º 8.666, de 21.06.1993, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada.

VI – A responsabilidade subsidiária do tomador de serviços abrange todas as verbas decorrentes da condenação referentes ao período da prestação laboral.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

KUNZEL, Rocheli Margota. A subordinação estrutural como elemento definidor das atuais relações de emprego. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3622, 1 jun. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24593. Acesso em: 1 maio 2024.